MILANI Capital Social

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Teorias do Capital Social e Desenvolvimento Local: lies a partir da experincia de Pintadas (Bahia, Brasil) Carlos Milani 1 A literatura acadmica e os relatrios de agncias internacionais que tratam do tema do capital social partem, de modo quase generalizado, da constatao de que as variveis econmicas no so suficientes para produzir desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentvel. Afirmam que o crescimento econmico no produz, necessria e diretamente, o desenvolvimento social; relembram que as instituies e o sistema social so elementos-chave na resoluo do problema do acesso aos benefcios econmicos produzidos e de sua repartipao. Autores como Robert Putnam, James Coleman, Michael Woolcock, Henrique Rattner, Ricardo Abramovay, entre outros estudiosos do tema, tratam, em seus respectivos campos de estudo, as redes de compromisso cvico, as normas de confiana mtua e a riqueza do tecido associativo enquanto fatores fundamentais do desenvolvimento local (rural e urbano). Os fatores de ordem social, institucional e cultural so, assim, reconhecidos por terem impacto direto no incremento qualitativo da comunicao entre indivduos e atores sociais, na produo de melhores formas de interao social e na reduo dos dilemas da ao coletiva. Ora, sabe-se desde h muito que o desenvolvimento local envolve fatores sociais, culturais e polticos que no se regulam exclusivamente pelo sistema de mercado. O crescimento econmico uma varivel essencial porm no suficiente para ensejar o desenvolvimento local. Considerado como projeto (Franois Perroux, 1961), caminho histrico (Ignacy Sachs, 1993), pluridimensional (Henri Bartoli, 1999), o desenvolvimento local sabidamente marcado pela cultura do contexto em que se situa. O desenvolvimento local pode ser considerado como o conjunto de atividades culturais, econmicas, polticas e sociais vistas sob tica intersetorial e trans-escalar que participam de um projeto de transformao consciente da realidade local. Neste projeto de transformao social, h

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Projeto de pesquisa Capital social, participao poltica e desenvolvimento local: atores da sociedade civil e polticas de desenvolvimento local na Bahia (2002-2005), financiado pela FAPESB e desenvolvido na Escola de Administrao da UFBA (NPGA/NEPOL/PDGS). Agradecimentos aos bolsistas Diana Santos, Sheila Cunha e Tiago Guedes. Email para contatos: cmilani@ ufba.br. Informaes sobre o projeto: http://www.adm.ufba.br/apesqnepol_capital.htm

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significativo grau de interdependncia entre os diversos segmentos que compem a sociedade (mbitos poltico, legal, educacional, econmico, ambiental, tecnolgico e cultural) e os agentes presentes em diferentes escalas econmicas e polticas (do local ao global). fundamental pensar o desenvolvimento local enquanto projeto integrado no mercado, mas no somente: o desenvolvimento local tambm fruto de relaes de conflito, competio, cooperao e reciprocidade entre atores, interesses e projetos de natureza social, poltica e cultural. Por conseguinte, reafirmar a relevncia dessas dimenses do desenvolvimento local no nos parece constituir o aspecto particularmente inovador e pertinente dos escritos sobre capital social. Quais so as premissas e a origem da teoria do capital social? O que a anlise crtica do conceito de capital social pode trazer de novo ao campo do desenvolvimento local? A definio de capital social integra as noes de controle social, participao cidad, cultura poltica, cohabitao, convivncia e cultura cvica? Como pensar a construo de um conceito que se encontra na fronteira entre o econmico, o cultural, o social e o poltico? O conceito de capital social representa avano epistemolgico na tentativa atual de construir novas categorias de anlise para ler e explicar a realidade do desenvolvimento local? Qual o valor heurstico deste conceito? Neste artigo, em primeiro lugar, expomos e analisamos as experincias de desenvolvimento local no Municpio de Pintadas (Bahia, Brasil). Buscamos, neste estudo de caso, significados (prticas e expresses) do capital social no projeto de desenvolvimento local de Pintadas que nos permitam explicar, de modo contextualizado e empiricamente analisado, relaes possveis entre tais significados e o projeto de transformao social (em seu discurso e em seus resultados). Em um segundo momento, a partir de uma reviso preliminar de alguns estudos sobre capital social, tentamos lanar primeiras interrogaes acerca da importncia deste conceito para compreender as estruturas de poder local e para analisar o desenvolvimento local em sua complexidade. Trabalhamos com a hiptese de que o potencial analtico da categoria capital social tem duas colunas principais de sustentao: por um lado, o conceito tem dimenses concomitantemente explicativa e

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avaliativa, porquanto, por meio da definio de capital social, busca-se compreender e analisar o desenvolvimento local e, ao mesmo tempo, valorar e avaliar realidade social (por intermdio, por exemplo, de metodologias de avaliao de projetos, de novos ndices para medir o desenvolvimento local, de polticas pblicas de reforo do capital social ou de intervenes sociais por associaes e ONGs); por outro, tenta articular a dinmica dos processos (valores, normas de confiana e participao) com a lgica dos resultados econmicos (desenvolvimento econmico).

I. PINTADAS: DA MODERNIZAO CONSERVADORA CONTESTAO POLTICA O Municpio de Pintadas, situado a cerca de 250 km a oeste de Salvador, na regio do semi-rido baiano, com 100% de seu territrio includo no chamado Polgono das Secas, classificado pelo PNUD como tendo baixo ndice de desenvolvimento humano. Dados do IBGE de 2000 indicam que a populao de 11.166 habitantes, dos quais 63% vivem na zona rural (a mdia de ruralidade do estado da Bahia de 37,6%). A concentrao fundiria e a prtica da pecuria extensiva (atividade poupadora de mo-de-obra) so marcas essenciais do mundo rural em Pintadas; cerca de 80% dos produtores rurais possuem 15% das terras; os pequenos produtores cultivam alimentos de subsistncia como milho, feijo e mandioca, altamente susceptveis seca. Deste quadro socio-econmico resulta a migrao sazonal para o Sudeste brasileiro: a cada ano, cerca de trs mil trabalhadores, majoritariamente homens, partem sobretudo para So Paulo a fim de trabalhar nas usinas de lcool. Devido falta de oportunidades de trabalho e renda e precariedade das condies de sobrevivncia, 50% das famlias foram classificadas como indigentes em 1989 (Freitas, 1999). Diante desse contexto, o movimento social de Pintadas, de carter popular e organizado com base nas necessidades dos produtores rurais, inicia seu processo de mobilizao j na dcada de 1960, sob a liderana da Igreja Catlica. O mutiro, denominado em Pintadas como boi roubado e baleia, j se constitui, ento, em instrumento de resistncia coletiva. A participao de setores mais progressistas da Igreja

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Catlica desde os anos 1970, com a instalao de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), influencia fortemente a organizao social local. As CEBs incentivam a formao do Conselho Pastoral das Comunidades e do Conselho Pastoral de Jovens. A presena da Pastoral da Terra, a partir da dcada de 1980, fortalece as prticas solidrias entre os trabalhadores rurais, transformando o mutiro em uma atividade de cunho laboral e a servio da populao pintadense. A fundamentao filosfica, humanista e religiosa desse movimento parte da teologia da libertao. Quando em 1984 chegam ao municpio trs religiosas dentre as quais, a atual prefeita Neusa Cadore (do Partido dos Trabalhadores, PT) , formam-se grupos de encontro e discusso sobre a realidade local e as necessidades dos trabalhadores rurais. Em 1985, Pintadas transforma-se em municpio, desvinculando-se do Municpio vizinho de Ipir o que outorgar ao movimento social maior envergadura poltica local. A cooperao com agentes da cooperao internacional outro elemento mobilizador do desenvolvimento local em Pintadas. O Projeto TAPI Projeto de Tecnologia Apropriada em Pequena Irrigao lanado em 1988, a partir de parceria com o governo francs, visando sobretudo melhoria da gesto dos recursos hdricos 2. Dois anos depois, uma agncia holandesa cria vnculos com a cidade para a formao de monitores locais, a fim de suprir a ausncia de mo-de-obra escolarizada. Atualmente, as ONGs internacionais mais presentes em Pintadas so a DISOP (ONG belga: micro-finana), Peuples Solidaires (Frana, que presta apoio, essencialmente, em matria de recursos hdricos), Il Canale (Itlia: projetos na rea de formao) e o DED (Servio Alemo de Cooperao Tcnica e Social: enviando cooperantes para o monitoramento de atividades scio-produtivas).

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Vide, por exemplo, BAZIN, Frdric. Projeto Pintadas: do apoio agricultura familiar ao desenvolvimento territorial. [online] Disponvel na Internet via WWW.URL: http://www.pronaf.gov.br/Encontro/textos/Pintadas%2003%2006.doc.

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Figura 1: Rede Pintadas Comunit Montana (Itlia) DISOP (Blgica) SICOOSTR

Peuples Solidaires (Frana) ASA

DED (RFA) COOA

Parquia

EFAP Centro Comunitrio Rdio Funduo Clemente Mariani (Salvador) Associao de Mulheres Cinema RHELUZAssoc. Padre Ricardo

Il Canale (Itlia)

Prefeitura

UFBA (Salvador)

CESE (Salvador)

Fonte: Fischer e Nascimento (2002); Moura et al. (2001); Informativo Rede Pintadas (julho de 2003).

O Movimento de Pintadas ganha uma fora ainda maior com a constituio da chamada Rede Pintadas (funcional desde 2000 e institucionalizada, sob a forma jurdica de associao, desde julho de 2003), representada na figura acima. A maior parte das decises estratgicas para o desenvolvimento de Pintadas so discutidas no mbito da Rede, com a participao de representantes das entidades-membro. Prtica inovadora no plano local, o Primeiro Congresso Popular organizado em junho de 2002 com o apoio da Prefeitura, pautando-se por significativa participao popular: por exemplo, com a reunio de todos os membros da Rede, a apresentao de experincias e propostas de polticas pblicas, a organizao de grandes assemblias populares, ben como a eleio e designao de delegados para o Congresso (chegando a um total 250 delegados presentes). Professores

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universitrios e tcnicos voluntrios, enquanto elementos externos ao conjunto de cidados de Pintadas, tambm participam dessa iniciativa 3. A eleio da missionria Neusa Cadore (originria de Santa Catarina, no sul do Brasil), em 1996, pode ser considerada como elemento poltico igualmente central na histria das experincias de gesto participativa em Pintadas. Em 2000, a reeleio foi inevitvel, j que o movimento popular iniciado de maneira to peculiar acabou por despertar na populao local um desejo de melhorias comuns e de transformao mais profunda das estruturas polticas locais. No entanto, a dificuldade oramentria do Municpio considervel: Pintadas um dos 20 municpios baianos com menor arrecadao tributria. Pintadas defronta-se, alm disso, com o problema do acesso terra (e conseqente modernizao das estruturas agrrias e da agricultura), da disponibilidade de gua potvel e do isolamento em relao ao mercado (acesso rodovirio difcil e distncia dos eixos de circulao da regio do semirido). Ademais, com a eleio de uma candidata do PT ao governo local, Pintadas no mais constitui prioridade do governo estadual (Salvador) para investimentos em infraestruturas scio-econmicas. Por exemplo, coincidncia ou no, algumas semanas aps a eleio de Neusa Cadore, a nica agncia bancria do Municpio (do BANEB) fechada no ano de 1997, o que ocasionou, entre outros fatores, o estabelecimento da cooperativa de crdito local, a SICOOB, indicada na figura 1. Dessa descrio breve de alguns resultados preliminares do estudo de caso sobre Pintadas resultam vrios questionamentos sobre a definio de capital social, bem suas relaes com o desenvolvimento local (que, neste artigo, esto desenvolvidos sumariamente) 4. Em primeiro lugar, quanto aos valores e as normas sociais constitutivos do capital social, Pintadas convida-nos a levar em conta a estreita relao entre f crist e transformao social: as noes de cidadania e compromisso cvico, em Pintadas, passam3

O mundo rural brasileiro conhece, desde meados dos anos 1990, proliferao significativa de conselhos municipais de desenvolvimento rural, montagem de centenas de secretarias municipais de agricultura, presso social sobre os recursos dos fundos constitucionais e sobre a prpria poltica agrcola, a experincia de construo de assentamentos e esforos na formao das organizaes rurais (Abramovay, 2000).

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quase sistematicamente pela relao com a Igreja. Vrios interlocutores em entrevistas realizadas afirmam que a Igreja catlica a parceira principal da disseminao das prticas de transformao social em Pintadas. Por intermdio dos valores relacionados com a solidariedade e a cooperao, a chamada ala progressista da Igreja Catlica estimula a construo do sentido do comunitrio e do coletivo: so ilustraes dessa prtica os projetos scio-econmicos implicando a utilizao e a gesto de equipamentos comunitrios e o trabalho coletivo da Associao Padre Ricardo. O projeto econmico comunitrio , assim, visto como um meio para organizar os pequenos produtores, oferecendo-lhes possibilidades de ampliar sua participao na sociedade maior, tentando estimular-lhes o senso crtico e a conscincia sobre a liberdade, a responsabilidade e os direitos dos cidados. Da mesma forma, a ao coletiva justificada em funo de seus benefcios econmicos: os folhetos de publicidade da cooperativa de crdito SICOOB 5, fundado em 1997, lembram aos agricultores que, graas responsabilidade coletiva, podem constituir fundos de aval e contrair emprstimos com que, individualmente, no poderiam contar (ou teriam de pagar taxas de juros mais elevadas praticadas por bancos sem agncias em Pintadas). Em segundo lugar, a identidade coletiva estreitamente relacionada com o movimento social de Pintadas. O compromisso com a res publica tem origem, entre outros fatores, na luta histrica pela sobrevivncia e no combate contra as desigualdades no acesso terra e gua. Pode-se dizer que a contestao um elemento-chave para entender a conscincia coletiva e a liderana pintadenses. Ponto fundamental, os valores e os compromissos da contestao encontram-se aliados a prticas. A prpria Rede Pintadas (que apresenta, ainda, mecanismos e instrumentos de funcionamento bastante incipientes) busca influenciar a coordenao de estratgias de cooperao. A Rede Pintadas no , ainda, uma rede substantivamente operacional, nem tampouco uma rede funcional que4

Estamos, atualmente, aplicando questionrios para coletar dados qualitativos acerca dos valores, prticas sociais, acesso informao, grau de associativismo, relaes com o poder pblico da populao pintadense. 5 A regra fundamental do SICOOB investir 70% dos fundos da cooperativa localmente. A SICOOB tem um ativo de 4,5 milhes de reais. Desde o incio de seu funcionamento, a cooperativa teve 600 mil reais de sobras que foram distribudas entre os cooperados. A discusso com as bases muito importante: em mdia, 1200 cooperados participam das assemblias e debates. Em 2001, foram organizados cursos de formao para 315 cooperados. A taxa de inadimplncia para o Projeto de Caprinos, por exemplo, de 0,8% e do Programa Nacional de Apoio Agricultura Familiar (PRONAF) de 3%. Cerca de 50%

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interligue seus membros de modo sistemtico, mas os limites da operacionalidade funcional (que podem tornar-se obstculo em seu desenvolvimento futuro) so compensados por dois elementos que integram o conjunto das expresses do capital social de Pintadas: um elemento cultural marcado pela mobilizao que une os diferentes pontos da rede e um elemento poltico marcado pela forma como o poder distribudo e administrado no seu seio. Acreditamos que a concluso deste estudo de caso em Pintadas deve permitir-nos ilustrar que o desenvolvimento local , fundamentalmente, um problema de poder, de cultura e de poltica; deve possibilitar-nos, ainda, caracterizar o capital social pelo vis poltico da contestao 6.

II. CONTEXTUALIZANDO OS ESTUDOS SOBRE CAPITAL SOCIAL II.a) Teoria e prtica do desenvolvimento nos anos 1990 A partir dos anos 1990, o conhecimento sobre o desenvolvimento e a prtica de projetos de desenvolvimento local passam por profunda transformao: o universalismo do desenvolvimento seriamente questionado; desafiada a imposio a realidades to diversas (mormente nos pases menos desenvolvidos) de normas e tcnicas uniformes e universalizantes definidas sobretudo nas grandes capitais dos pases ocidentais; fracassam os esforos tericos de legitimar o desenvolvimento econmico independentemente de suas dimenses sociais e culturais. O relatrio mundial do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) de 1990 um marco importante nesse momento histrico: o ndice de desenvolvimento humano (IDH), apesar de suas reconhecidas dificuldades metodolgicas, passa a relativizar o PNB/habitante enquanto medida universal do desenvolvimento e tem forte significado simblico. As desigualdades sociais e econmicas ocupam definitivamente o centro das atenes das correntes dominantes da teoria do desenvolvimento e do discurso da cooperao internacional: no ano 2000, o relatrio

dos cooperados vivem em Pintadas (o SICOOB j abrange outros municpios vizinhos). A relao de proximidade (a relao humana) considerado pelo diretor do SICOOB, Senhor Walcy, elemento fundamental para o xito da cooperativa. 6 Uma das pistas que estamos explorando diz respeito s chamadas teorias da ruptura na anlise da ao coletiva. Vide, por exemplo, USEEM, Bert. (1998), Breakdown Theories of Collective Action. In Annual Review of Sociology, Palo Alto, volume 24, pp. 215-238.

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mundial do PNUD sobre o desenvolvimento humano salienta que a distncia que separa a renda individual mdia dos habitantes mais pobres e dos mais ricos do planeta, que era de 1:30 em 1960, passa a 1:60 em 1990, e a 1:74 em 1999. Concomitantemente tentativa de renovao da cooperao internacional por algumas agncias e a aceitao quase unnime d temas sociais e institucionais no os chamado mainstream da economia, o desenvolvimento igualmente criticado em seus fundamentos, em suas prticas freqentemente contraditrias e em seus mitos fundadores. Em primeiro lugar, como salienta Gilbert Rist em o bra que marcou poca ao tratar do desenvolvimento enquanto crena ocidental, critica-se o evolucionismo social que inerente aos projetos de desenvolvimento: os pases sub-desenvolvidos devem atingir o patamar dos pases desenvolvidos, visto que haveria etapas a cumprir de forma contnua e cumulativa. Em segundo lugar, ataca-se o individualismo e o economicismo do desenvolvimento. Em terceiro lugar, combate-se o normativismo e o instrumentalismo dos escritos sobre desenvolvimento. Ou seja, passa-se a recusar a idia de que, em matria de desenvolvimento, seja possvel antecipar de modo determinista os passos futuros a serem seguidos pelas economias do Sul e, ademais, definir as ferramentas para atingir determinados objetivos de maneira universal e independente de contextos e lgicas locais (Rist, 1996). Afinal de contas, seria o desenvolvimento a simples extenso planetria do sistema de mercado em detrimento de valores relacionados solidariedade, da tica, da responsablidade intergeracional, de culturas e histrias to distintas em diferentes regies do mundo? Apesar do discurso bem construdo em manuais e relatrios, poder-se-a dizer que o desenvolvimento sinnimo de interveno, de imposio ou de assistncia humanitria? Seria possvel tornar a retrica, a cincia e a prtica internacionais em torno do desenvolvimento mais coerentes entre si? A dificuldade de responder rigorosamente a tais questes, trazidas ao debate internacional por intelectuais, movimentos sociais, acadmicos, pela mdia e por ONGs nacionais e internacionais, leva muitos pensadores a proclamar o fim do desenvolvimento e a pensar no chamado ps-desenvolvimento. Em

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2002, por exemplo, organizou-se na UNESCO um colquio internacional sobre a necessidade da descontruo do desenvolvimento, termo e prtica estreitamente associados colonizao, ocidentalizao do mundo, globalizao econmico-financeira e uniformizao planetria: autores e intelectuais como Wolfgang Sachs, Serge Latouche, Ivan Illich e Arundathy Roy sustentam que fundamental requalificar e analisar criticamente os processos de transformao social compreendidos sob a etiqueta do

desenvolvimento - ou simplesmente aboli-lo de forma radical enquanto categoria. Ainda que no expliquem como substituir o conceito e a prtica do desenvolvimento, sobretudo nos contextos em que as desigualdades e as carncias so ainda muito flagrantes, esses grupos contestatrios denunciam com veemncia as prticas incoerentes do desenvolvimento e seus resultados nefastos sobra as culturas locais: o Forum Social Mundial, em suas diferentes edies a partir de janeiro de 2001, pode ser considerado como um dos espaos privilegiados de encontro dessas expresses da contestao 7. O reconhecimento dos erros cometidos, as distores causadas e, sobretudo, a permanncia das desigualdades esto no bojo da crise que conhece o desenvolvimento nos anos 1990, marcada pela crtica acirrada e, ao mesmo tempo, pela tentativa de renovao. No se deve esquecer que, neste mesmo perodo, o Estado denunciado por sua inpcia, falta de transparncia, ineficincia e corrupo. Associam-se, em alguns casos, as propostas de transformao qualitativa do desenvolvimento crise do Estado, o que propicia concluses por vezes apressadas acerca das origens de ambas as crises: para alguns, o problema seria a definio de modelos de desenvolvimento promovidos pelo Estado. Este no seria grande o suficiente para tratar de problemas globais, nem to pequeno assim para estar prximo do cidado e acompanhar de perto as relaes que, gradualmente, complexificam o desenvolvimento local. Surgem, nesse contexto, novos temas na agenda oficial da cooperao multilateral: temas como a descentralizao, a governana local, a participao, a emergncia da sociedade civil e, mais recentemente, o capital social integram o envelope de novos projetos7

Para uma descrio detalhada do Colquio, vide www.unesco.org/most/unmakedev.htm

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do sistema de cooperao para o desenvolvimento. Ainda que tenham naturezas distintas, todos esses novos temas tm relao direta com aspectos institucionais, polticos, culturais e sociais do desenvolvimento. Todos tendem a pr em evidncia a diversidade e a particularidade dos contextos locais. Todos reconhecem a evidncia de que cada contexto tem a sua necessidade prpria e demanda, assim, respostas particulares e diferentes em termos de polticas pblicas e projetos de desenvolvimento local. Tais temas e projetos da agenda internacional renovada, ao reconhecerem os limites do desenvolvimento outrora denunciados por autores como Ignacy Sachs ou Amartya Sen, tendem a pr em relevo o local como escala de anlise e de interveno em detrimento do nacional. Tendem a desarticular a escala local de sua correspondente nacional. Em detrimento do nvel mesoeconmico e mesopoltico, passam a articular o local e o global diretamente. O desenvolvimento local considerado, nesse contexto, como a panacia das crises do desenvolvimento (nacional) e do Estado-nao, panacia para a qual no haveria limites ou constrangimentos. Conceber o desenvolvimento local a partir desse prisma comporta riscos evidentes. O primeiro deles o risco do localismo, que aprisiona atores, processos e dinmicas de modo exclusivo ao seu local, a sua geografia mais prxima, sem fazer as necessrias conexes com outras escalas de poder. O segundo risco pensar ser possvel o desenvolvimento local autnoma e independentemente de estratgias de desenvolvimento nacional e internacional, ou seja, conceber estratgias locais de desenvolvimento econmico como se estas no tivessem relao de interdependncia, por exemplo, com polticas nacionais de cincia e tecnologia, ou negociaes mundiais sobre a liberalizao do comrcio. Um terceiro risco a atomizao do desenvolvimento local, com o corolrio da fragmentao de iniciativas no necessariamente coerentes entre si. H, no entanto, outras formas mais complexas de conceber o desenvolvimento local. A anlise do local do desenvolvimento pode ganhar fora com a expanso da globalizao econmica, porquanto o desenvolvimento local seria o contraponto do contexto e da diversidade frente ao temor da uniformizao de meios e contedos. O local pode ser

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emancipacitrio, tornar-se fonte de novas utopias e apresentar potencial transformador. Para fazer-se o desenvolvimento, Amartya Sen lembra-nos que fundamental ampliar a capacidade de realizao das atividades livremente escolhidas e valorizadas por cada sujeito do desenvolvimento; portanto, o desenvolvimento no conseqncia automtica do crescimento econmico (Sen, 2000). O desenvolvimento local, pensado enquanto projeto de transformao social, responde a esses critrios enunciados por Amartya Sen. Assim, o desenvolvimento local pode tornar-se ferramenta de anlise mais dinmica quando posto em relao com as lgicas de desigualdade, ou seja, quando associado hiptese de que as dinmicas geradoras de desigualdade e excluso no podem ser desconstrudas exclusivamente pelo alto (Silveira, 2001, p. 31). Por isso, pensar o desenvolvimento local implica extravasar o local limitado por espaos geogrficos e pensar sua identificao a partir da desconstruo da falsa antinomia entre o micro e o macro. O local constitui-se em territrio (levando a que alguns pensem mais bem em termos de desenvolvimento territorial) e conduz-nos a analisar a endogenia (o desenvolvimento local torna efetivas e dinamiza potencialidades locais prprias) e a particularidade (fatores locais) do contexto em que se situa. O local , nesse sentido, construdo social e territorialmente; delimitado pela permanncia de um campo estvel de interao entre atores sociais, econmicos e polticos. com este olhar sobre o desenvolvimento local e desde a perspectiva da anlise poltica que passamos a analisar o capital social. O tema no novo, mas retomado com vigor pelas agncias de desenvolvimento em meados dos anos 1990 e aparece com alta freqncia em ttulos de artigos em peridicos e livros sobretudo a partir de 1999 (Sobel, 2002, p. 139). Priviligiando as dimenses cultural e poltica do desenvolvimento local, a idia de capital social interessa-nos, neste artigo, principalmente em funo da oportunidade que parece ensejar para a anlise complexa dos fatores scio-polticos e institucionais do desenvolvimento.

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II.b) Breve anlise de alguns estudos sobre o capital social As discusses acerca da atribuio da autoria do termo capital social parecem-nos estreis e sem interesse acadmico. Registramos simplesmente que Lyda Hanifan define o capital social, j em 1916, como o conjunto dos elementos tangveis que mais contam na vida quotidiana das pessoas, tais como a boa vontade, a camaradagem, a simpatia, as relaes sociais entre indivduos e a famlia; Hanifan parte da idia de que as redes sociais podem ter valor econmico 8. Mais adiante, Jane Jacobs, Glenn Loury, Pierre Bourdieu e Ekkehart Schlicht utilizam o termo e teorizam sobre a noo de capital social (Meda, 2002). Segundo Robert Putnam, a urbanista Jane Jacobs 9 teria sido a primeira analista social a utilizar, em 1961, o termo capital social com o seu significado atual (Putnam, 1995). As anlises feitas nos Estados Unidos so pioneiras na tentativa de compreenso da relaes entre a riqueza da sociedade civil e o processo de construo da democracia. Desde os conhecidos estudos de Alexis de Tocqueville no sculo XIX (dentre os quais destaca-se A Democracia na Amrica), a maioria das anlises sobre a prpria sociedade norte-americana salientam o impacto do compromisso cvico das entidades da sociedade civil (associaes, clubes, sindicatos) na construo da democracia liberal. Da combinao entre compromisso cvico, comunidade e liberdades individuais resultaria o capital social, base da democracia liberal norte-americana. Destarte, o desinteresse pelo sistema de democracia representativa poderia ser explicado, entre outros fatores, pela diminuio do grau de participao dos cidados norte-americanos no mundo associativo, nos clubes de lazer e nas associaes religiosas. No Velho Continente, o desenvolvimento poltico e a histria das relaes entre Estado e sociedade resultam na menor quantidade de estudos e em uma acepo de capital social mais relacionada com os benefcios individuais e de classe oriundos de relaes pessoais e valores socialmente compartilhados. Pierre Bourdieu, um dos grandes estudiosos do tema na Frana, lembra que este seria um dos tipos de recursos de que8

HANIFAN, Lyda Johnson. (1916), The rural school community center. In Annals of the American Academy of Political and Social Science, n. 67, pp. 130-138. 9 JACOBS, Jane. (1961), The Death and Life of Great American Cities. New York, Random House, p. 138.

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dispem os indivduos e os grupos sociais, os outros sendo o capital econmico, simblico, histrico e cultural. O capital social , para Bourdieu, o conjunto de relaes e redes de ajuda mtua que podem ser mobilizadas efetivamente para beneficiar o indivduo ou sua classe social. O capital social propriedade do indivduo e de um grupo; concomitantemente estoque e base de um processo de acumulao que permite a pessoas inicialmente bem dotadas e situadas de terem mais xito na competio social. A idia de capital social remete aos recursos resultantes da participao em redes de relaes mais ou menos institucionalizadas. Entretanto, o capital social considerado uma quase-propriedade do indivduo, visto que propicia, acima de tudo, benefcios de ordem privada e individual (Bourdieu, 1980). Na Frana, o capital social dos indivduos poderia, nesse sentido, permitirlhes o acesso a informao, profisses, favores, benefcios institucionais,

independentemente da norma republicana de igualdade entre os cidados. Bourdieu desenvolve o conceito de capital social em termos de estratgia de classe; o capital social tem, para ele, o carter de instrumento (da mesma forma que o capital econmico ou o capital cultural) que utilizam atores racionais com vistas a manter ou reforar seu estatuto e seu poder na sociedade. Os estudos sobre capital social tentam, como se pode observar no quadro 1, abaixo, reunir categorias de anlise oriundas da economia e de outras cincias sociais (sobretudo a cincia poltica, a sociologia e a antropologia): estoque, recursos, cumulatividade, redes sociais, confiana mtua, convivncia, compromisso cvico, entre outras. Putnam, por exemplo, salienta que, em uma comunidade ou uma sociedade abenoada por estoques significativos de capital social, redes sociais de compromisso cvico incitam a prtica geral da reciprocidade e facilitam o surgimento da confiana mtua (Putnam, 1995, p. 67). Ademais, no campo particular da cincia poltica, resultam os estudos sobre capital social da revalorizao das anlises acerca da cultura poltica. Ao reconhecer a relevncia da cultura poltica na consolidao democrtica, consideram que os arranjos constitucionais e institucionais no so to autnomos em relao aos padres culturais da comunidade ou da nao. A democracia assim reconsiderada como processo que ultrapassa a

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legitimidade pela legalidade (expresso de Max Weber). A manuteno e o fortalecimento da democracia passam no-somente pelas estruturas da institucionalidade, mas tambm pela existncia de cidados informados e atentos ao que ocorre na poltica. A democracia substantiva pressupe a combinao de democracia representativa e participativa, sendo, assim, mais ampla que uma democracia de procedimentos. A novidade dos estudos polticos sobre capital social est no fato de tentarem integrar valores individuais poltica e conceber o cidado na qualidade de sujeito participante. Os grandes paradigmas que lhes servem de fundamento so a democracia participativa (Pateman), a democracia deliberativa (Habermas) e a democracia radical (Chantal Mouffe). Ademais, as anlises do processo de integrao do cidado democracia participativa e da relevncia do capital social na poltica so, de regra, feitas indutivamente por meio de estudos de caso e de estudos empricos (Baquero, 2002). No campo da economia e, mais particularmente, da economia do desenvolvimento, praticamente todas as pesquisas mais recentes reconhecem a relevncia, em diferentes graus, de fatores institucionais e sociais no desenvolvimento econmico (Monastrio, 2000). Passada a influncia pujante das anlises de Gary Becker (para quem o capital social seria toda interao social de efeito contnuo, diferente de comportamentos individuais atomizados e realizada fora do mercado ou seja, uma externalidade que corrige imperfeies do mercado), muitos economistas rendem-se obviedade da heteronomia do mercado capitalista na produo de desenvolvimento econmico e social: o mercado no geraria, exclusivamente e por si prprio, desenvolvimento, qualidade de vida, respeito dos direitos humanos. Isto j pode ser considerado como um avano relativo. Grosso modo, os estudos econmicos podem ser classificados em quatro categorias, a saber: a) Estudos quantitativos : a quantidade de associaes sem fins lucrativos teria impacto sobre o capital social e o desenvolvimento econmico. So exemplos os estudos feitos a partir da Pesquisa Mundial sobre Valores por Ingelhart, as pesquisas de Narayan sobre capital social e pobreza na Tanznia (as regies em que a

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pobreza era menor tambm tinham nveis de capital social medidos pela participao dos indivduos em atividades associativas e pela confiana que poderiam ter em instituies e em outros indivduos mais elevado), bem como os estudos de Temple em alguns pases da frica sub-sahariana ressaltando que a combinao de fatores de densidade de redes sociais em que a diversidade tnica, a mobilidade social e a extenso dos servios telefnicos elevam os ndices de crescimento econmico nacional. b) Estudos comparativos : alm dos clssicos estudos de Putnam sobre o norte e o sul da Itlia (1993) e os Estados Unidos (1995, 1998), Portes (1995) estuda comunidades com grupos coreanos e mexicanos nos EUA e conclui que os primeiros tm estrutura social mais articulada, o que influencia o grau de desenvolvimento de suas comunidades: os coreanos prestam ajuda aos imigrantes recm-chegados, concede-lhes crdito e seguro para abrir negcios, presta auxlio na educao das crianas, facilita o acesso a aulas de ingls. c) Estudos qualitativos : Anderson (Estados Unidos, 1995) estudou o papel das cabeas velhas , os ancios de comunidades afro-americanas sendo

considerados como fontes de capital social (sabedoria e conselhos aos jovens). Na srie de estudos qualitativos, merece destaque o trabalho realizado por David Robinson, na Nova Zelndia. Salienta trs aspectos-chave do capital social, a saber: cidados com conhecimento e dinamismo para a ao pblica (cidados-atores); uma rede de associaes e organizaes sem fins lucrativos e de carter voluntrio (agncias); fruns de deliberao pblica (oportunidade). Os cidados-atores consubstanciam a cidadania ativa, as agncias so as operadoras e as mediadoras, ao passo que a oportunidade corresponde ao espao pblico de discusso, negociao e deliberao. No Brasil, Marcello Baquero analisa a confiana depositada pelos cidados nos sistemas de construo partidria e nos processos eleitorais, alm de promover rede de estudos sobre cultura poltica no Rio Grande do Sul.

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d) Estudos com carter avaliativo: analisam formas pelas quais o conceito de capital social pode ser usado para ajudar a organizar atividades e processos, sobretudo no campo do desenvolvimento local. Autores como Caio Marcio Silveira e Augusto de Franco buscam demonstrar a necessidade de incentivar o capital social por mecanismos de gesto participativa e comunitria. Augusto de Franco, por exemplo, define o capital social como o conjunto dos recursos associados existncia de redes de conexo entre pessoas e grupos que promovem a parceria por exemplo, o reconhecimento mtuo, a confiana, a reciprocidade, a solidariedade e a cooperao e o empoderamento ou seja, a democratizao do poder que se efetiva com o aumento da possibilidade e da capacidade das populaes influrem nas decises pblicas (De Franco, 2001, p. 153). O capital social pode, assim, ser medido a partir da porcentagem de pessoas que participam de organizaes da sociedade civil, conselhos de polticas pblicas e fruns de desenvolvimento.

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Quadro 1: Sntese de algumas definies de capital socialAutor Pierre Bourdieu Definio Conjunto de recursos reais ou potenciais resultantes do fato de pertencer, h muito tempo e de modo mais ou menos institucionalizado, a redes de relaes de conhecimento e reconhecimento mtuos. Variveis A durabilidade e o tamanho da rede de relaes. As conexes que a rede pode efetivamente mobilizar. nfase Parte do princpio de que o capital e suas diversas expresses (econmico, histrico, simblico, cultural, social) podem ser projetados a diferentes aspectos da sociedade capitalista e a outros modos de produo, desde que sejam considerados social e historicamente limitados s circunstncias que os produzem. Adepto da teoria da escolha racional (e de sua aplicao na sociologia), acreditava que os intercmbios (social exchanges) sociais seriam o somatrio de interaes individuais. Benefcios Individuais e para a classe social a que pertencem os indivduos beneficiados.

James Coleman

Robert Putnam

O capital social definido pela sua funo. No uma nica entidade (entity), mas uma variedade de entidades tendo duas caractersticas em comum: elas so uma forma de estrutura social e facilitam algumas aes dos indivduos que se encontram dentro desta estrutura social. Refere-se a aspectos da organizao social, tais como redes, normas e confiana, que facilitam a coordenao e a cooperao para benefcio mtuo.

Sistemas de apoio familiar. Sistemas escolares (catlicos) na constituio do capital social nos EUA. Organizaes horizontais e verticais. Intensidade da vida associativa (associaes horizontais),leitura da imprensa, nmero de votantes, membros de corais e clubes de futebol, confiana nas instituies pblicas, relevncia do voluntariado. Durao das relaes (consideradas positivas e simtricas). Intimidade. Intensidade emocional. Servios recrpocos prestados.

Na viso de Putnam, a dimenso poltica se sobrepe dimenso econmica: as tradies cvicas permitem-nos prever o grau de desenvolvimento, e no o contrrio. A performance institucional est condicionada pela comunidade cvica.

Resultam da simpatia de uma pessoa ou grupo social e do sentido de obrigao com relao a outra pessoa ou grupo social. Individuais e coletivos.

Mark Granovetter

As aes econmicas dos agentes esto inseridas em redes de relaes sociais (embeddedness). As redes sociais so potencialmente criadoras de capital social, podendo contribuir na reduo de comportamentos oportunistas e na promoo da confiana mtua entre os agentes econmicos.

Granovetter critica as duas vises do comportamento econmico: a viso neoclssica, que ele qualifica de subsocializada, visto que percebe apenas os indivduos de forma atomizada, desconectado das relaes sociais; e a estruturalista e marxista, que ele qualifica de supersocializada, porquanto os indivduos so considerados em dependncia total de seus grupos sociais e do sistema social a que pertencem.

O capital social seria um bem pblico e um bem privado, ao mesmo tempo.

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John Durston

Corresponde ao contedo de certas relaes sociais aquelas que combinam atitudes de confiana com condutas de reciprocidade e cooperao que proporciona maiores benefcios queles que o possuem.

Confiana. Reciprocidade. Cooperao.

David Robinson

Refere-se a um conjunto de recursos acessveis a indivduos ou grupos enquanto so de uma rede de conhecimento mtuo. Esta rede uma estrutura social e tem aspectos (relaes, normas e confiana) que ajudam a desenvolver a coordenao e a cooperao e a produzir benefcios comuns.

Relaes de confiana. Oportunidades de interao e lugares de encontro. Obrigaes recprocas. Acesso ao conhecimento.

O capital social est para o plano das condutas e estratgias como o capital cultural est para o plano abstrato dos valores, princpios, normas e vises de mundo. Tipologia do capital social: individual (relaes entre pessoas em redes egocentradas), grupal (extenso de redes egocentradas), comunitrio (carter coletivo, ser membro um direito), de ponte (acesso simtrico a pessoas e instituies distantes), de escada (relaes assimtricas que, em contextos democrticos, empoderam e produzem sinergias) e da sociedade como um todo. O capital social cumulativo e pode aumentar em funo de: ambiente legal e poltico, termos do compromisso (quais so os valores que dominam no sistema social?), regras do compromisso (formas assumidas pelas relaes sociais e transparncia das informaes), processos de interao (deliberao).

De individual a social (de acordo com a tipologia de capital social).

Benefcios comuns (que satisfaam, ao mesmo tempo, o indivduo e a coletividade, por meio de negociao).

Fonte: Elaborao prpria.

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Esta reviso breve de alguns escritos sobre capital social permite-nos emitir cinco comentrios de natureza preliminar: Em primeiro lugar, fica evidente que no h consenso quanto ao conceito propriamente dito de capital social. A sua definio segue sendo um terreno de disputas, sobretudo porque se tenta, concomitantemente, compatibilizar a lgica processual das relaes sociais com o campo das polticas pblicas de desenvolvimento: capital social fonte de recursos; conjunto de normas, instituies e organizaes; forma de reconceptualizao do papel que normas e valores desempenham na vida econmica (Molyneux, 2002). Alm disso, muito freqentemente as definies de capital social so tautolgicas e circulares: o capital social pode ser entendido dentro de uma relao de causa e efeito, os fatores a e associados tendo, assim, efeitos econmicos e sociais; le estes, por sua vez, influenciam a criao de capital social (e isso de forma interdependente). Por um lado, a celeuma conceitual que da resulta pode servir a diferentes agendas e interesses, sem prestar grandes servios compreenso crtica da realidade. Por outro, da fluidez polissmica do conceito pode surgir a oportunidade de reabrir o debate sobre velhos temas associados s tenses entre capital e social, entre individual e coletivo na compreenso das dimenses sociais do desenvolvimento: um dos perigos, como lembra Ben Fine, justamente a reduo da teoria social teoria do capital social (Fine, 2001, pp. 175 e ss). Em segundo lugar, independentemente das disputas acima mencionadas, parece haver consenso entre os autores quanto importncia do contexto na definio das variveis e fatores do capital social: reconhece-se que o capital social no pode ser isolado de seu contexto e construdo artificialmente. A fora eventual da noo de capital social est no fato de que se origina e, concomitantemente, tem impacto em uma srie de comportamentos humanos e atividades sociais devidamente contextualizados. O capital social est fundado em relaes sociais. David Robinson, como est indicado no quadro 1, define o capital social enquanto um conjunto de recursos a que um indivduo ou um grupo tem acesso em funo do fato de pertencer a uma rede de intercmbio e relaes

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mutuamente proveitosas (Robinson, 2002, p.3). Aspectos desta estrutura social, tais como relaes, normas e confiana social, podem ajudar a desenvolver a coordenao de atividades e a cooperao em torno de projetos de benefcio comum. Recursos aqui referem-se a fatores, tais como estatuto, ateno, conhecimento, bem como oportunidades para participar e comunicar; no se referem simplesmente a conexes que do acesso a recursos fsicos e a informao. O capital social refere-se, ento, capacidade e habilidade dos cidados de conectar-se (no ingls, connectedness). Redes de relaes propiciam o fluxo e o intercmbio de informaes; criam espaos nos quais a comunicao pode ter lugar, o que uma funo-chave para sistemas sociais ricos em capital social, uma vez que abrem acesso informao e permitem que opinies e conhecimentos sejam compartilhados. O sentimento de pertencer ao grupo (identidade de grupo) fundamental na definio do capital social; passamos, assim, de uma identidade baseada no conhecimento (Cogito ergo sum) a outra fundada no sentimento de pertencimento (Cognatos ergo sum). No entanto, reconhecer a importncia do contexto no implica adotar viso etnocntrica do capital social, nos moldes do conceito desenvolvimentista de cultura cvica desenvolvido por Gabriel Almond e Sidney Verba 10. Em terceiro lugar, o capital social uma categoria de capital bastante particular. O termo capital refere-se em geral a uma riqueza, um fundo, um estoque (de terras, de bens mveis ou imveis, de instrumentos) que servem produo e do quais rendas podem ser auferidas. O capital fsico da teoria econmica um estoque de bens, ao passo que o capital humano um estoque de competncias, qualidades e aptides. O capital social seria, assim, um estoque de relaes e valores, ele seria coletivo (para muitos autores) porque compartilhado pelo conjunto da sociedade; seu aumento dependeria do aprofundamento destas relaes, de sua multiplicao, intensidade, reatualizao e criao de redes de relaes. Ao reconhecer esta particularidade do capital social, poderamos perguntar-nos se possvel conceb-lo na perspectiva do bem comum ou do bem coletivo, se possvel10

Vide ALMOND, G. e VERBA, S. (orgs.). (1980), The Civic Culture Revisited. Boston: Little Brown.

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abandonar a idia de agregar preferncias individuais e deixar, assim, de considerar o capital social enquanto resultante da densidade de redes sociais formadas pelos membros de uma dada sociedade. Ou seja, por que no desenvolver uma perspectiva patrimonial do capital social, o que implicaria consider-lo enquanto estado global de uma sociedade ? Por que no pens-lo em termos de quanto uma dada sociedade pode propiciar a seus integrantes, o grau de liberdade dos seus membros, o estado das desigualdades, o estoque global de educao, das produes culturais e artsticas, o capital ecolgico ? Dominique Meda, ao levantar tais questionamentos, desafia-nos a ultrapassar a definio de capital social enquanto qualidade das redes sociais e das relaes entre os indivduos, considerando a sociedade, a nao, o pas como um todo, um coletivo que tambm possui um bem prprio: o capital social corresponderia, assim, ao que Meda chama de estado social da nao (tat social de la nation). A sociedade disporia, segundo Meda, de um certo nmero de bens e recursos, de uma certa quantidade de capitais, cuja progresso, melhora, acumulao e qualidade (ou, no sentido contrario, cuja reduo e degradao) tambm podem ser medidas (Meda, 2002). Outro aspecto da particularidade do capital social diz respeito cumulatividade. Seu uso tende a fazer aumentar seu estoque por meio de aes que incentivam sua criao e reproduo (redes, comunicao, apoio e cooperao). Diminui, porm, na medida em que florecem atitudes e comportamentos relacionados com a intolerncia, a discriminao e o desrespeito pelos direitos da pessoa humana, bem como restries liberdade de expresso e organizao polticas, a diminuio dos espaos pblicos de deliberao democrtica e a falta de reconhecimento dos direitos de grupos minoritrios ou excludos. Em quarto lugar, o capital social pode ser entendido enquanto propriedade de uma sociedade (civicness, para Molyneux), propriedade de uma comunidade ou um recurso operacionalizado por indivduos a fim de maximizar suas capacidades e atingir seus objetivos. Ser propriedade da sociedade como um todo porque, alm de ser um fator central na equao do desenvolvimento e fundamental para a vida econmica, seu valor social ultrapassa sua utilidade econmica. Ele implica ampliar a perspectiva a aspectos no-

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econmicos da vida social, tais como o capital de confiana e conviviabilidade, de capacidade coletiva de viver e agir juntos de maneira eficaz. Em quinto lugar, a relevncia do conceito de capital social pode ser afetada pela idia de conect-lo necessria e exclusivamente com um efeito positivo. Muitos responsveis polticos interessam-se em frmulas mgicas de criao e reforo do capital social . A nossa preocupao epistemolgica vai mais no sentido de descobri-lo, desenvolver esta pelcula que o envolve e que o impede de liberar-se e desenvolver-se. Isso significa que, ao invs de perguntar-nos Como podemos construir o capital social em nossas sociedades? , interrogamo-nos a partir de Como podem as pessoas pertencentes a dada comunidade (re)ativar e utilizar o seu capital social ? .

II.c) O interesse das Organizaes Internacionais bem verdade que, no campo do desenvolvimento local, o capital social e uma das formas de sua operacionalizao a participao no so novidades nos pases em desenvolvimento e, mais particularmente, na Amrica Latina. J a partir dos anos 1960, a Igreja Catlica (com os Movimentos e as Comunidades Eclesiais de Base) e alguns movimentos de esquerda iniciam a prtica de mtodos participativos na Amrica Latina. O mesmo ocorre em algumas experincias municipais de gesto participativa, sobretudo no Brasil. O que parece ser novo, no entanto, a importncia que tais prticas adquirem na agenda internacional de desenvolvimento. O capital social e a participao deixam de ser temas marginais no campo do desenvolvimento e, ao mesmo tempo, no mais interessam somente as cincias sociais que tradicionalmente analisaram fenmenos sociais locais desde a perspectiva dos grupos sociais e dos indivduos (sobretudo a sociologia, a antropologia e a psicologia). No so poucas as instituies internacionais que desenvolvem programas sobre o capital social. Tais programas tendem a chamar sobretudo a ateno para as condies institucionais do desenvolvimento. Entre as organizaes, conforme ilustra o quadro 2, abaixo, destacam-se a FAO (Food and Agriculture Organisation), o Banco Mundial, a

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CEPAL (Comisso econmica para a Amrica Latina) e a OCDE (Organizao para a Cooperao Econmica e o Desenvolvimento). Este interesse pode ser analisado, pelo menos, sob quatro prismas. Em primeiro lugar, as organizaes internacionais reconheceram a crise da economia neoclssica na tentativa de explicao do desenvolvimento e seus motores 11. Os limites da abordagem neoclssica j haviam sido analisados e denunciados dentro e fora da disciplina econmica, por exemplo, no que diz respeito a imperfeies e assimetrias em termos de informaes acessveis no mercado (Joseph Stiglitz), ao papel das instituies no desenvolvimento econmico (Albert Hirschman, Douglas North), existncia de elementos de ordem objetiva e subjetiva que explicam o comportamento dos indivduos (Luckman e Garfinkel, que lembram o papel das representaes, esquemas mentais, saberes e crenas na definio dos interesses dos indivduos), ou ainda noo de habitus, como categoria que questiona as condies estruturais determinismos econmicos e culturais luz das aes possveis dos indivduos (Bourdieu). claro que uns autores, mais que outros, tero influncia decisiva na agenda das Organizaes Internacionais. Em segundo lugar, as Organizaes Internacionais beneficiam-se do fato de que as cincias sociais se revoltam definitivamente contra a colonizao e o imprio da disciplina econmica no campo do desenvolvimento: o formalismo matemtico e a inventividade estatstica so atualmente postos a prova pelas cincias sociais. O individualismo metodolgico e a maximizao utilitarista so igualmente questionados. curioso perceber que as principais contribuies produzidas pelas Organizaes internacionais sobre capital social no provm da economia, mas de outras cincias sociais as quais sempre tm, porm, a economia como alter ego, seja no mtodo, seja na defesa da hiptese de que fatores no-econmicos produzem crescimento e reduzem desigualdades.

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Baseada na teoria da escolha racional (segundo a qual os homens agem enquanto maximizadores da utilidade individual com base em informaes transparentes e acessveis a todos), a economia neoclssica sempre defendera o imperativo de moldar o mundo de acordo com um ideal imaginado de mercados perfeitos e universais. A economia neoclssica desenvolvera-se a partir de dois desafios bsicos postos aos seus detratores: Por que as imperfeies do mercado seriam to importantes? Por que a interveno do Estado melhoraria a situao haja vista a qualidade dos servios prestados pelo Estado? Estas questes sempre nortearam o trabalho de muitas Organizaes internacionais.

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Em terceiro lugar, do ponto de vista poltico e ideolgico, da crise do neoliberalismo e do Consenso de Washington surge a redescoberta pelas instituies financeiras internacionais do papel do Estado e da dimenso social do desenvolvimento (o Banco Mundial mais do que o FMI). No novo Post-Washington Consensus, a dimenso social teria mais relevncia no desenvolvimento e o Estado teria sua funo de regulao mais universalmente reconhecida. Na opinio de alguns, a mudana seria mais no mbito do discurso e das declaraes do que das prticas efetivas; ela afetaria muito mais o nvel da direo das Organizaes do que seu quadro de funcionrios, que absorveriam tais tentativas de mudana menos rapidamente. De qualquer modo, importante analisar o quanto a integrao do capital social e seus temas correlatos (participao,

descentralizao, governana local) na estratgia comunicacional das Organizaes internacionais impacta na tranformao qualitativa de seus programas e mtodos de trabalho (por exemplo, na definio de prioridades de financiamento ou nos mtodos de avaliao e gesto de projetos). Em quarto lugar, o interesse das Organizaes internacionais pelo capital social reflete tambm o relativo xito, junto aos governos dos pases em desenvolvimento, dos programas de construo de indicadores no-econmicos do desenvolvimento (por exemplo, o IDH do PNUD): o reconhecimento da relevncia do capital social para o desenvolvimento seguido da necessidade de medi-lo quantitativa e qualitativamente. Como lembra relatrio publicado pela OCDE ao cabo de uma conferncia organizada em 2002 sobre indicadores de capital social, o desafio metodolgico gigantesco, tanto na tentativa de medir propriedades de conceitos instveis e variveis, para no dizer ambguos e polissmicos, tais como comunidade, confiana, rede, organizao, quanto na

considerao da multidimensionalidade e da variabilidade contextual do capital social. A competio das Organizaes por indicadores de capital social acirrada igualmente em funo de tendncias reduo de oramentos e da necessidade crescente de justificao e avaliao de todo dlar investido na cooperao internacional.

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bem verdade que as Organizaes internacionais trabalham com o tema do capital social sob sua perspectiva eminentemente instrumental: como o capital social pode permitir entender que determinadas comunidades apresentam melhores ndices de desenvolvimento que outras? Alm disso, em alguns casos (sobretudo no caso do Banco Mundial e da OCDE), h interesse em saber de que modo o capital social pode permitir a reduo das imperfeies do mercado. No entanto, no est claro como o capital social poderia ter um bom e um mau lado (viso maniquesta) para o mercado, como o capital social poderia estar a servio do mercado ou contra ele: por exemplo, se os comerciantes ou agentes pblicos de uma dada etnia favorecem o comrcio ou a interao com indivduos desta mesma e nica etnia, essa interao ajuda o mercado porque produz crescimento e, ento, uma boa fonte de capital social? Ou ela poderia ser qualificada como nepotismo? O trabalho das Organizaes internacionais ainda no responde a esta interrogao, o que a nosso ver est associado com as ambigidades ensejadas pelas causalidades demasiado confortveis e imediatas estabelecidas entre capital social e desenvolvimento local.

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Quadro 2: Organizaes Internacionais e Capital Social Organizaes e Programas Banco Mundial: Social Capital Initiative (lanada pelo Departamento de Desenvolvimento Social do BM em 1998) Definio de Capital Social Refere-se a instituies, relaes e normas que consubstanciam a qualidade e a quantidade de interaes sociais em uma sociedade. No somente o somatrio das instituies que constituem uma sociedade, mas a cola que as mantm unidas. Refere-se ao conjunto composto de coeso social, identificao comum a normas de governana, expresso cultural e comportamento social, os quais tornam a sociedade algo mais do que o somatrio de indivduos. Redes e normas, valores e convices comuns que facilitam a cooperao dentro de e entre grupos sociais. Objeto e Mtodo Dois objetos principais: as fontes de capital social (famlia, sociedade civil, comunidades, etnia, setor pblico, gnero) e as relaes possveis entre capital social e vrias questes de desenvolvimento (crime e violncia, economia, comrcio e migrao, educao, meio ambiente, finanas, sade, etc.). Medida o capital social essencial para compreender o papel desta externalidade no desenvolvimento econmico e social. Viez do desenvolvimento institucional e dos mecanismos de participao: os projetos tm por objeto o empoderamento, a participao nos processos de tomada de deciso e o fomento de redes sociais, sobretudo cooperativas no meio rural. So trabalhadas metodologias de avaliao, de montagem e de gesto de projetos. O mtodo utilizado pela OCDE dividido em seminrios com formuladores de polticas pblicas e projetos de medio do capital social. A comparabilidade dos instrumentos de medida uma preocupao importante para a OCDE. Seu foco principal d-se nas relaes do capital social com pobreza urbana, polticas pblicas, gnero e sustentabilidade ambiental rural. Publicaes e Referncias O site do BM contm referncias muito valiosas para o pesquisador (www.worldbank.org/poverty/scapital). Os autores mais citados so Robert Putnam, Narayan e Portes.

FAO: Programa relativo a Instituies (Departamento de Desenvolvimento Sustentvel, 1998)

A noo de instituio central no trabalho da FAO. A principal referncia feita a Douglas North.

OCDE: Centro de Pesquisa em Educao e Inovao (Conferncia internacional sobre indicadores de capital social, organizada em 2002) CEPAL: Diviso de Desenvolvimento Social

Publicao inicial The Well-Being of the Nations: The Role of Human and Social Capital, em que so referncias principais Coleman, Putnam e Fukuyama Publicao Capital social y reduccin de la pobreza en Amrica Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma (2003). So referncias importantes John Durston e Lindon Robison.

Capacidade efetiva de mobilizar, produtivamente em prol de grupo social, recursos associativos que se encontram em redes sociais s quais tm acesso indivduos desse grupo.

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CONCLUSO No mbito do projeto de pesquisa que estamos desenvolvendo, temos o objetivo de buscar significados e expresses scio-polticas e econmicas de uma definio crtica e analtica do capital social, fundamentados em prticas de desenvolvimento local na Bahia. Na definio preliminar com a qual trabalhamos, concebemos o capital social como o somatrio de recursos inscritos nos modos de organizao cultural e poltica da vida social de uma populao. O capital social um bem coletivo que garante o respeito de normas de confiana mtua e de compromisso cvico; ele depende diretamente das associaes horizontais entre pessoas (redes associativas, redes sociais), das redes verticais entre pessoas e organizaes (indo alm das mesmas classes sociais, das pessoas da mesma religio, dos membros do mesmo grupo tnico), do ambiente social e poltico em que se situa a estrutura social (o respeito das liberdades civis e polticas, o ambiente jurdico- legal, o compromisso pblico, o reconhecimento apropriado do papel e da posio do outro nas deliberaes e negociaes, a permisso que as pessoas se do ou no em ter o direito ou o dever de participar de processos coletivos, bem como as normas dos compromissos assumidos entre o privado e o pblico) e, finalmente, do processo de construo e legitimao do conhecimento social (a transformao de informaes atomizadas ou prticas referentes a apenas alguns grupos em conhecimento socialmente compartilhado e aceito). Ao assim concebermos o capital social, devemos precisar que a tenso entre o capital e o social evidentemente complexa e dialtica. O social refere-se associao, ou seja, o capital pertence a uma coletividade ou a uma comunidade; ele compartilhado e no pertence a indivduos (social de scio , parceiro). O capital social no se gasta com o uso; ao contrrio, o uso do capital social o faz crescer. Nesse sentido, a noo de capital social indica que os recursos so compartilhados no nvel de um grupo e sociedade, mais alm dos nveis do indivduo e da famlia. Isso no implica que todos aqueles compartilhando determinado recurso de capital social se relacionem enquanto amigos ou membros de uma grande famlia; significa, no entanto, que o capital social existe

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e cresce a partir de relaes de confiana e cooperao e no de relaes baseadas no antagonismo. Alm disso, capital social capital porque, para utilizar a linguagem dos economistas, ele se acumula, ele pode produzir benefcios, ele tem estoques e uma srie de valores. O capital social refere-se a recursos que so acumulados e que podem ser utilizados e mantidos para uso futuro. No se trata, porm, de um bem ou servio de troca, quantificvel independentemente dos contextos e das prticas de desenvolvimento local.

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