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P ODER , F é E G UERRA NO S ERTãO LIRA NETO E A BIOGRAFIA DO ANO P ADRE C íCERO ICID+18 SEMIÁRIDO COMO PRIORIDADE NA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO COPA 2014 CIDADES-SEDES PERDEM PRIMEIRO PRAZO DELMIRO GOUVEIA A HISTóRIA DO MAUá NORDESTINO EXCLUSIVO: CEARá DEVE RECEBER COMPLEXO ESPACIAL Edição Nº 04 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br R$ 9,90

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Esporte: Copa 2014 - Entrevista Lira Neto: O enigma Cícero - Entrevista: Melquíades Pinto Paiva: Cangaço - Exclusivo: Complexo espacial brasileiro no Ceará - História: Delmiro Gouveia, Maua do Nordeste - Desenvolvimento: Semiárido - Tecnologia: Nanotecnologia - Poder local e cidadania: Taua Digital - R$ 9,90 Edição Nº 04 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br Cliente Consulta | Ouvidoria: 0800 728 3030 - www.bnb.gov.br

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Poder, Fé e Guerra no Sertão

Lira Neto e a biografia do aNo

Padre CíCero

icid+18 semiárido como prioridade Na ageNda de deseNvoLvimeNto

COPA 2014 CidAdes-sedes Perdem PrimeirO PrAzO

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A gente não mede esforços para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

Desenvolvimento é financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. É mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.

Desenvolvimento é fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.

Não importa a dificuldade.Não importa a distância.

BN012-08-AN_REV_410x275-INDUSTRIA.indd 1 21/09/09 11:37

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A gente não mede esforços para levar desenvolvimento a cada canto do Nordeste.

Desenvolvimento é financiar cadeias produtivas, gerar emprego e oportunidades. É mudar a vida das pessoas. Aumentar sua auto-estima e recuperar sua dignidade.

Desenvolvimento é fazer o Nordeste crescer. E ser do tamanho do seu povo.

Não importa a dificuldade.Não importa a distância.

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Cícero Romão Batista (Crato, 24 de março de 1844 — Juazeiro do Norte, 20 de julho de 1934) Visões de mundo

Confira fatos importantes da trajetória do Padre Cícero:

Com esta frase, Padre Cícero consolidou a independência de Juazeiro. A frase foi proferida sob o impacto de uma situação bastante amarga, quando ele, encurralado pelo prefeito de Crato, ficou diante de um dilema cruel: negar sua naturalidade cratense ou assumir a cidadania juazeirense. Foi aí que saiu-se magistralmente pronunciando esta frase.

>> Trouxe para Juazeiro a Congregação Salesiana;

>> Incentivou a fundação do Jornal O Rebate (O primeiro de Juazeiro);

>> Fundou a Associação dos Empregados do Comércio;

>> Dinamizou o artesanato como fonte de renda;

>> Incentivou a instalação do ramo de ouriversaria;

>> Contribuiu para instalação de escolas, entre as quais a famosa Escola Normal Rural (a primeira do Brasil);

>> Recebeu o título de Doutor, conferido pela Escola Livre de Engenharia do Rio de Janeiro;

>> Rejeitou o que mais ambicionava na vida – a reabilitação de suas ordens – para não deixar de morar em Juazeiro, conforme a proposta que lhe foi feita pelo bispo Dom Quintino, do Crato. Prevaleceu seu amor a Juazeiro e aos romeiros;

>> Foi o primeiro Prefeito de Juazeiro. Também o primeiro a ser deposto do cargo, por questões políticas;

>> Era filiado ao Partido Republicano Conservador (PRC ) Ceará;

>> Sua primeira missão eclesiástica, depois de ordenado, em 1870, foi no distrito de Trairi, então pertencente à Freguesia de Parazinho, atual Paracuru, Ceará, a 97 quilômetros de Fortaleza, onde permaneceu por dois meses;

>> Era nacionalista confesso, místico, carismático, visionário e bom conselheiro;

>> Salvo raras exceções, no Nordeste, as pessoas chamadas de Cícero ou Cícera têm estes nomes como homenagem a ele, geralmente como pagamento de promessa;

>> Houve um tempo em que os padres não podiam batizar crianças com o nome de Cícero, porque o Bispo de

Insigths“Sou filho de Crato, mas

Juazeiro é meu filho”

Olinda (PE), Dom Luís de Brito, em 26 de fevereiro de 1910, publicou uma circular recomendando que os vigários não aceitassem tal nome, que era sinal de arraigado fanatismo;

>> Mensalmente, no dia 20, desde a sua morte, em 1934, é celebrada missa em sufrágio de sua alma na Capela do Socorro, em Juazeiro, onde foi sepultado, à qual comparece sempre uma imensa multidão vestindo, em sua maioria, roupa preta, em sinal de luto. A missa é celebrada em atendimento a um pedido feito por ele em seu testamento;

>> Introduziu no Nordeste o hábito de usar no pescoço o rosário da Mãe de Deus, costume ainda hoje largamente usado não somente pelos romeiros, mas também por gente de todas as classes sociais;

>> Gostava de ler livros sobre ciências ocultas e isto foi um dos motivos pelos quais o reitor do Seminário da Prainha de Fortaleza quis impedir sua ordenação;

>> Pele alva, cabelos louros, olhos azuis e pequenos, nariz adunco, discreto prognatismo, voz modulada e firme altura: 1,60m;

>> Fez voto de castidade, aos 12 anos de idade, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales;

>> Era dotado de invulgar memória;

>> Tinha o hábito de dormir a cavalo, sobre a sela, quando fazia excursões através das cidades do Cariri;

>> Certa vez, ao censurar delicadamente um colega de batina, que contraíra o vício do álcool, fora por este sacrificado pelo fato de ser

grande tabaquista. Isto foi o suficiente para deixar definitivamente de fumar;

>> Logo que chegou ao povoado de Juazeiro, como capelão, procurou moralizar os costumes reinantes no lugar, acabando pessoalmente com as rodas de samba e cachaça;

>> Quando o professor Miguel Couto disse que os distúrbios renais de que Padre Cícero padecia provinham da água de Juazeiro, ele

passou a beber somente água de coco e chá;

>> Padre Cícero é chamado de “Meu Padim”. As pessoas que trabalhavam em sua casa o chamavam de Seu Padre, exceção da beata Mocinha (Joana Tertulina de Jesus) que geralmente o chamava pelo título de Padre;

>> Aos 82 anos de idade, Padre Cícero foi eleito Deputado Federal, mas não assumiu a vaga.

Colaboração: Daniel Walker, 62, biólogo, escritor, professor do Centro Educacional Professor Moreira de Sousa e adjunto (aposentado) da Universidade Regional do Cariri (Urca). É formado em História Natural pela Faculdade de Filosofia do Crato (Ceará), com Especialização em Ciências pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

5Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Carta do Editor

Visões de futuro

Editora Assaré Ltda MERua Waldery Uchôa, 567 A n BenficaFortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

20. Caleidoscópio

50. Saberes & Sabores66. Ateliê – Mino Castelo Branco

64. Pré-sal: vitória de uma jovem naçãoLuiz Carlos Antero

Seções

Artigo

29. Memória Constitucional do Ceará

Especial

Edição Nº 04Ano I — Agosto/2009Circulação Setembro 2009Revista Nordeste VinteUmPolítica, Economia, Culturawww.revistanordestevinteum.com.br

Capa: Arquivo Renato Casimiro/Daniel Walker

Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Institucionais [email protected]

Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro [email protected]

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo [email protected] [email protected]

D escubra se o futuro é cinzento mesmo ou se você está de olhos fechados. Esse é o mote de campanha publi-citária que a Pricewaterhouse Coopers, uma das maiores

prestadoras de serviços profissionais em auditorias e consultorias do mundo, divulga atualmente nos encostos de cabeça das poltro-nas de aviões. A frase bem que poderia servir para atordoar o Nor-deste e o Brasil toda vez que se buscasse alçar vôos destinados ao desembaçamento da vista e da consciência daqueles responsáveis por elaborar, gerir e revisar políticas públicas voltadas ao desen-volvimento regional.

Pelo menos aqui, na redação da Nordeste VinteUm, o que não falta é atitude e coragem para tratar com desembaraço desse secular dilema. Afinal, a revista já nasceu com o fito de cumprir tal mister, promovendo o resgate de questões como as desigualdades interregio-nais, ao mesmo tempo que inspira a rediscussão dos grandes postu-lados desenvolvimentistas. Uma mostra do espírito dessa iniciativa é a realização do Ciclo de Debates Nordeste VinteUm – Fortaleza/Re-cife, durante os meses de setembro e outubro deste ano. Os eventos consagram o lançamento institucional da revista em caráter regional, mobilizando a atenção de gestores públicos, empresários, políticos, pesquisadores e estudantes em torno do tema “Nordeste: Avanços Socioeconômicos e Revisão de Políticas Públicas”.

O primeiro encontro teve como expoentes o governador do Piauí, Wellington Dias, e o presidente do BNB, Roberto Smith. Em suas respectivas palestras, expuseram feitos, projetos e sobretudo, uma vi-são abrangente e embasada do que seja ter vontade política e empre-endedora para vencer o atraso. Uma salutar conversa sobre os rumos a seguir em busca de um Nordeste mais rico e próspero. Com proje-tos capazes de alavancar suas verdadeiras potencialidades econômi-cas. Onde educação inclusiva devia ser pleonasmo e as políticas de financiamento do progresso robustecidas ao ponto de realçar êxitos na luta por um pacto federativo mais justo.

Ademais, é agradecer a força emprestada pelos nossos parceiros ao compreenderem as ousadias, justezas, legitimidades e ambições do nosso projeto. A empreitada da Nordeste VinteUm é assumida com o objetivo de se tornar referência jornalística regional e nacional. Este quarto número, por exemplo, reafirma a proposta de abordagem temática e plural das mais expressivas pautas de interesse da região, sem perder de vista o foco na universalidade de nossas aspirações.

Desejamos aos nossos leitores que se deleitem nas próximas pá-ginas com aventuras reais e fantásticas. Sonho e despertar cada vez mais fascinantes e capazes de entusiasmar novas visões de mundo. Personagens e fatos instigantes não faltam.

6 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Sumário

Editora Assaré Ltda MERua Waldery Uchôa, 567 A n BenficaFortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

Icid+18 quer colocar o semiárido na pauta de prioridades da agenda mundial

Roberto Amaral revela com exclusividade à Nordeste VinteUm que o Ceará deve receber base de lançamento de foguetes

Conheça a trajetória de sucessos e fracassos de Delmiro Gouveia, protagonista da história do desenvolvimento do Nordeste

Desenvolvimento

ComplexoEspacial

História

Cidades-sedes descumprem primeiro prazo referente à construção dos estádios para o Mundial

Copa 201408

Laboratório cearense consolida e perpetua as vocações cearense e nordestina para essa área promissora

Nanotecnologia52

43

30

35

Autor de Ecologia do Cangaço, Melquíades Pinto Paiva fala sobre Lampião e a relação entre o fenômeno e a caatinga

Entrevista22

Como Tauá experimenta uma revolução tecnológica através do Projeto Cidade Digital

Poder Local e Cidadania

57

20. Caleidoscópio

50. Saberes & Sabores66. Ateliê – Mino Castelo Branco

Padre Cícero — Poder, Fé e Guerra no Sertão Lira Neto fala sobre a biografia mais aguardada do ano

Capa

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TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. As opiniões emitidas em artigos assinados são de responsabilidade única e exclusiva de seus autores e não refletem, sob nenhuma circunstância, a opinião desta revista

Marcel Bezerra Editor Adjunto [email protected]

Flamínio Araripe Editor Adjunto do caderno Ciência e Tecnologia [email protected]

Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte [email protected]

Vladimir Pezzole Editor de Arte [email protected]

Lucílio Lessa e Samira de Castro Reportagem [email protected]

Paulo Rocha Repórter Fotográfico [email protected]

Imagem Assessoria de Comunicação Marketing – [email protected]

Colaboradores Luiz Carlos Antero, Audifax Rios, Albertina Malta (Fundaj) e Mino Castelo Branco

Impressão Pouchain RamosTiragem 16.000 exemplares

7Agosto/2009Nordeste VinteUm

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COPA 2014

O primeiro prazo referente à construção dos estádios da Copa de 2014 foi descumprido pelas cidades-sedes. Nenhum dos nove governos estaduais

lançou o edital de licitação das obras das arenas do Mundial até o dia 31 de agosto, como exigia o Comitê Organizador Local (COL). Desde a escolha das 12 cidades, em 31 de maio, funcionários do comitê têm dito que os documentos

deveriam estar prontos até 31 de agosto. Houve até ameaças de exclusão, mas o COL optou por desconsiderar a data-limite após reunião

Por Samira de Castro / [email protected]

decisão do comitê ocorreu porque algumas sedes não teriam como atender o prazo. Essa exigência só valia para projetos esta-

tais – são nove entre os que têm de fazer licitação para iniciar reformas ou construção. Agora, o COL decide desconsiderar exigência para concorrências e só cobrará que as obras comecem em fevereiro de 2010, como manda a Fifa. Rio de Janeiro, Pernam-buco, Bahia e Ceará estão mais adiantados no pro-cesso licitatório.

Os governos estaduais continuam falando que

SEDES IGNORAM

A

PISADA NA BOLA

PRIMEIRO PRAZO DO MUNDIAL

vão atingir essa meta. Mas alguns deles nem inicia-ram o processo licitatório dos estádios. Entre as sedes nordestinas, o Ceará já deu a largada no certame, mas o documento da licitação para as obras de reforma do estádio Plácido Castelo – o Castelão – ainda está rece-bendo contribuições de consultas públicas, conforme informou o secretário do Esporte e Juventude, Ferrú-cio Feitosa. É que o edital será modelo de formatação para a primeira Parceria Público-Privada (PPP) no ter-ritório cearense. As intervenções no estádio, segundo Feitosa, começarão em janeiro de 2010.

O Rio Grande do Norte também não iniciou o pro-cesso licitatório para a Arena das Dunas. Os vizinhos ainda apostam em investidor privado. A indefinição do modelo de financiamento, aliás, não é problema

apenas dos potiguares. Manaus, por exemplo, es-perava parceiros. Começou sem eles – o Estado

bancará um ano de obras. A previsão é que o edital de licitação do Estádio Vivaldão esteja pronto em 30 de novembro – o vencedor sai-ria no meio de janeiro. Ainda há polêmicas com os clubes. Os times nordestinos recla-mam de jogar nas novas arenas. Os cario-cas, de ficar fora da concorrência pública.

8 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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A visibilidade internacional das cidades sede dos jogos da Copa 2014 no Brasil começa a ser realçada, pelo menos, dois anos antes do torneio, logo após as Olimpíadas da França. Portanto, o “mãos à obra” é um alerta mais que oportu-no, principalmente em relação aos gargalos de infraestrutura. Um encargo pesado, mas que pode significar o reposicionamento da imagem do Nordeste no exterior. Afinal, o país espera 500 milhões de estrangeiros e uma projeção turística e cultural enriquecida além dos clichês sol, carna-val, samba, mulata e futebol. É a vez de a região nordestina mostrar a cara de seu povo, do seu lugar e modo de viver.

Destino de sol e praia para milhões de brasileiros e estran-geiros, quatro cidades nordes-tinas – Fortaleza, Natal, Recife e Salvador – vivem a expectativa de sediar jogos da Copa do Mun-do de Futebol de 2014. O clima é de euforia. Antes de qualquer apito inicial ou bola em jogo, ainda há um longo caminho, cheio de exigências, até a confirmação final da escolha. Até lá, os governos estaduais e municipais correm atrás do tempo perdido com os planos de obras para garantir a infraestrutura mínima exigida pela FIFA.

Estádios, rodovias, aeroportos, equipamen-tos turísticos. Muitos projetos entram na lista, sem falar no básico, como saneamento e segu-rança pública. “A Copa não é a solução para todos os problemas do Brasil, mas será uma grande oportuni-dade de darmos um salto à frente no nosso turismo”, resume Marcelo Pedro-so, diretor de Produtos e Destinos da Embratur, copiando fala do ministro do Turismo, Luiz Barretto.

A Copa é um dos maio-res eventos de marketing do planeta – apenas os Jogos

Olímpicos talvez se comparem a um mundial de futebol –, movimentando bilhões de dólares. “É um evento que tem dois significados: o fluxo de turistas esperado durante a sua realização – e são 500 milhões de visitantes estrangeiros aguardados no Brasil em 2014 – bem como a projeção que o país-sede alcança no exterior”, explica Pedroso. Um movimento que começa, segundo o especialista da Embratur, bem antes de a bola rolar por qualquer gramado. Pelo menos, dois anos antes.

Ou seja, em 2012, o Brasil será alvo da curiosi-dade da imprensa internacional. “Vários veículos estrangeiros vão instalar correspondentes por

aqui, logo após as Olimpíadas da França. A imprensa mundial vai estar voltada para o estilo de vida do brasileiro, as cidades-sedes dos jogos, as peculiaridades na nossa cultura, a infraestrutura do país como um todo”, argumenta.

É de olho em toda essa expectativa que a Embratur

aposta na Copa de 2014 como a oportunidade de o Brasil e, em especial, o Nordeste, reposicionar sua imagem no exterior. Saem os clichês – país do café, do futebol, do samba, das meninas de Copacabana, ou da Beira-Mar, da Ponta Negra, de Boa Viagem... Entram os atrativos até então pouco explorados comercialmente.

“O Nordeste, assim como o país inteiro, tem uma grande oferta de belezas naturais, patrimô-

nio cultural, arquitetônico, gastronomia, que ficam hoje em segundo plano no desenvolvimento da atividade turística. Somos um povo acolhedor, com um estilo de vida moderno e heterogêneo, capaz de atrair visitantes de qualquer parte do planeta”, argu-menta Pedroso. O que pode ficar para depois de 2014 é o legado de uma imagem mais consistente do país.

SEM tEMPO A PERDER, UMA qUEStãO DE IMAGEM

CADê OS INVESTIDORES? E AS OBRAS?

José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco

“Os próximos 12 meses serão a

hora da verdade”

PrEViSÃo dE iNVEStiMENtoS

São Paulo r$ 36,44 bilhõesFortaleza r$ 9,4 bilhões

Porto alegre r$ 6 bilhõesrio de Janeiro r$ 5,9 bilhões

Curitiba r$ 4,9 bilhões

9Agosto/2009Nordeste VinteUm

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À medida que os governos nordestinos concretizarem os inves-timentos estruturais necessários ao megaevento esportivo, a chances de haver um reposicionamento de imagem vão se elevando.

“Dentro dos tradicionais destinos de sol e praia nordestinos - e aí estão Fortaleza, Natal, Recife e Salvador – se houver melhoria na infraestrutura, abrem-se as oportunidades de im-plantação de novos roteiros e produ-

Marcelo Pedroso, diretor de Produtos e Destinos da Embratur

NOVOS ROTEIROS E PRODUTOS à ESPERA DE INfRAESTRUTURA

Aquarela 2014

500 milhões de visitantes

estrangeiros são aguardados no Brasil

em 2014.Em 2008, o país

recebeu 6,5 milhões de estrangeiros.

Em 2012, será o grande alvo

de curiosidade da imprensa

internacional

tos turísticos”, comenta Pedroso. Ele fala, entre outras coisas, de melhoria de estradas, abastecimento de água e saneamento básico, construção de equipamentos como centros de con-venções, recuperação de patrimônio histórico e arquitetônico.

“Assim, o Nordeste ganharia novos produtos ligados ao ecoturis-mo, turismo de aventura, negócios e eventos, por exemplo. Enfim, seria uma região recolocada no merca-do com capacidade de atrair maior público e com perfil diversificado”, acrescenta o diretor da Embratur.

Com foco na promoção interna-cional, a Embratur está revisando seu planejamento estratégico para lançar o Aquarela Brasil 2014, um plano de marketing turístico do país para a Copa. “Estamos realizando pesqui-sas com turistas potenciais e reais, cruzando informações de formadores de opinião, sobretudo de São Paulo e do Rio de Janeiro, para subsidiar essa estratégia de reposicionamento de mercado”, explica.

Em 2008, o país recebeu 6,5 milhões de estrangeiros. As estatísti-cas oficiais do Ministério do Turismo (MTur) mostram que hoje o maior fluxo internacional vem dos vizinhos do Mercosul e América Latina, mais alguma coisa dos Estados Unidos e Europa, neste último caso, leia-se, pa-íses emissores como Itália, Portugal, Alemanha e França.

Os destinos preferidos dos “grin-gos”, conforme Pedroso, dependem da motivação da viagem: “São Paulo é mais procurada por quem vem a negócios; Rio, a lazer. E, você tem o Nordeste, cidades como Fortaleza se destacando pela proximidade com a Europa e os Estados Unidos, o que facilita os voos e conexões internacio-nais, de Portugal, Espanha, Argentina, entre outros emissores”, diz. Pensando na Copa, os aeroportos nordestinos podem ser um grande gargalo, sobre-tudo o de Fortaleza, que passará por uma nova ampliação até 2014.

Pavilhão de Feiras / Governo do Estado do Ceará / maquete

“Dentro dos tradicionais destinos de sol e praia nordestinos – e aí estão Fortaleza, Natal, Recife e Salvador – se houver melhoria na infraestrutura, abrem-se as oportunidades de implantação de novos roteiros e produtos turísticos”

10 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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De acordo com pesquisas da Con-federação Brasileira de Futebol (CBF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os investimentos em infraestrutura e serviços previstos para a Copa do Mundo de 2014 chegam perto de R$ 80 bilhões. Da construção de estádios ao treinamento de voluntariado, pas-sando por temas como reformas de aeroportos, capacidade hoteleira, sis-temas de segurança e meios de aces-so, dentre outros, espera-se a geração de milhares de empregos.

O governo federal já anun-ciou que R$ 3 bilhões estão garanti-dos para os investimentos em obras do Mundial de Futebol. Mais adian-te, será lançado um pacote intitulado PAC da Copa (Programa de Acelera-ção do Crescimento), segundo o mi-nistro das Cidades, Márcio Fortes.

Para o presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Enge-nharia Consultiva (Sinaenco), José Roberto Bernasconi, os recursos anunciados pelo governo federal são válidos, mas só para o começo. “Não devemos esquecer que já estamos atrasados para a Copa”, acrescenta. Ele observa que prefeituras e gover-nos estaduais das 12 cidades-sede calculam que o custo das obras de preparação do Brasil para a Copa chegará a exatos R$ 79,4 bilhões. Esse montante envolve desde a construção e reforma de estádios até a instalação de linhas de metrôs bon-des, ônibus, obras de saneamento básico e várias outras.

O maior investimento vem de São Paulo; nada menos do que R$ 36,44 bilhões, nos próximos cinco

José Roberto Bernasconi, presidente do Sinaenco

ATRASO NO CRONOGRAMA E fALTA DEPLANEjAMENTO NOS ESTADOS E MUNICíPIOS

R$ 80 bilhões em obras

“Não devemos esquecer que já estamos atrasados para a Copa”

contrate os projetos de arquitetura e engenharia e parta em busca da ver-ba necessária. Fundamental neste processo, esclarece, “é listar, orga-nizar o rol de necessidades de cada cidade e região metropolitana, para então poder qualificar, entender o que é, de fato, prioritário”.

Segundo Bernasconi, ao gover-no caberá coordenar, gerenciar todo o processo, a começar pelo planeja-mento da contratação dos projetos. E estes precisarão ser bem detalhados. “Planejar é preciso. Se fizermos as obras da Copa de maneira amaluca-da, ficaremos com uma manada de ‘elefantes brancos’. Os próximos 12 meses serão a hora da verdade”, aler-ta o presidente do Sinaenco.

investimentos previstos para a

Copa do Mundo de 2014 chegam perto

de r$ 80 bilhões.o governo federal

já anunciou que r$ 3 bilhões estão

garantidos

anos. Em seguida, aparecem Forta-leza, com R$ 9,4 bilhões, Porto Ale-gre (R$ 6 bi), Rio de Janeiro (R$ 5,9 bi) e Curitiba (R$ 4,9 bi). As infor-mações não foram detalhadas pela maioria dos governos, podendo ser consideradas projeções de gastos, já que a maioria dos projetos ainda não chegou à fase executiva.

Em entrevista a um jornal ce-arense, Bernasconi cobrou ação rápida do poder público, para que elabore sua or-dem de obras prioritárias,

11Agosto/2009Nordeste VinteUm

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O Estádio Governador Plácido Castelo, mais conhecido como Castelão, será o palco dos jogos sediados em Fortaleza (CE).

Inaugurado em 1973, será fechado pela primeira vez para ser reformado a fim de suprir os critérios exigidos pela FIFA. O projeto contempla a cobertura de todos os 53 mil lugares e a construção de um estacionamento subterrâneo para mais de quatro mil veículos.

O estádio, que já comportou 100 mil pessoas, terá sua capacidade reduzida. As principais necessidades são a criação

de mais espaço para a imprensa e o aumento da oferta de esta-cionamento. O objetivo é fazer não somente uma arena de futebol,

mas garantir sua utilização também como centro de várias modalida-des olímpicas. O projeto contempla ainda a construção de hotel, shopping

center e centro de convenções no mesmo complexo em que estará a arena. Estas obras estão orçadas em cerca de R$ 400 milhões e o governo procura parcerias para o

custeio. Pretende-se construir uma linha de trem que ligue o estádio ao Aeroporto Internacional Pinto Mar-tins, que também passará por reformas. As obras estão previstas para começar após o Campeonato Estadual de 2010 e serão necessários três anos para a finalização.

fORTALEzA GANhARá CENTRO OLíMPICO,ARENA MULTIUSO E PISTA DE ATLETISMO

NATAL TERá UM NOVO ESTáDIO COMPROjETISTAS DE WEMBLEy E SIDNEy

O projeto para a Copa de 2014 em Natal (RN) prevê a demo-lição do Estádio Machadão, inaugurado em julho de 1972,

e, em seu lugar, a construção da Arena das Dunas, com capacidade para 45 mil torcedores. Todos os lugares

serão cobertos. O projeto é do mesmo escritório de arquitetura inglês responsável pelo novo Wem-bley na Inglaterra e pelo Estádio Olímpico de Sidney, na Austrália.

Ao lado do estádio serão construídos um ginásio, um shopping center, edifícios comer-ciais, um hotel e os prédios em que funcionarão

as administrações do Governo do Estado e da Pre-feitura de Natal. Os estacionamentos ficarão a 800

metros da Arena das Dunas e terão capacidade para 7.200 veículos. As obras do complexo estão orçadas em

R$ 300 milhões. Serão necessárias parcerias para o custeio do projeto. A entrega da obra deverá ocorrer até março de 2013.

PROjETOS CONhEçA AS OBRAS PREVISTAS NO NE

Castelão / Secretaria de Esporte do Ceará

Estádio das Dunas / Arquivo Hok

12 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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fORTALEzA GANhARá CENTRO OLíMPICO,ARENA MULTIUSO E PISTA DE ATLETISMO

RECIfE ESPERA NOVO BAIRRO EM TORNO DE ARENA

NATAL TERá UM NOVO ESTáDIO COMPROjETISTAS DE WEMBLEy E SIDNEy

SALVADOR fARá RESSURGIR fONTENOVA PARA 55 MIL TORCEDORES

O projeto de Recife (PE) para a Copa de 2014 prevê não apenas a construção de um novo estádio, mas também a composição de um novo bairro em torno da arena. As obras estão programadas para o início de 2010. O nome do projeto é Cidade da Copa e contempla cerca de nove mil unidades habitacionais, um hospital público e uma escola técnica. A ideia do governo de Pernambuco é construir, ainda, uma estação de metrô no local, para facilitar o deslocamento dos torcedores e dos moradores do novo bairro. O custo do projeto é estimado em R$ 1,6 bilhão, mas sua finalização se dará somente em 2017.

O governo estadual enfatiza que não será usada verba pública para a construção do estádio, que deverá ficar pronto no final de 2012. O custo da arena pernambucana, com capacidade para 46.150 torcedores, está avaliado em cerca de R$ 500 milhões. Para tanto será necessário que um dos três maiores times da cidade – Sport, Náutico ou Santa Cruz – adote o estádio como sua nova casa. O projeto prevê cinco tipos de arquibancadas e um estacionamento com seis mil vagas.

A principal obra da capital baiana será o novo Estádio Octávio Mangabeira, a popular Fonte Nova, orçado em aproximadamente R$ 400 milhões. O governo baiano busca parceiros para realizar as obras, que deverão ser iniciadas em janeiro de 2010 e concluídas até dezembro de 2012. O estádio terá capacidade para 55 mil torcedores. O projeto prevê a manutenção das características originais da arena. Ao lado do es-tádio, serão construídos prédios que comportarão estacionamento, um shopping e uma casa de shows.

A cidade já dispõe, desde janeiro de 2009, de um luxuoso campo de treinamento para as seleções que jogam na capital baiana. Serão gastos cerca de R$ 2 bilhões em obras de infraestrutura, que, entre outras melhorias, colaborão com a mobilidade urbana por meio de intervenções como a construção de uma via expressa que ligará a Rodovia BR 324 à zona portuária, na Cidade Baixa.

PROjETOS CONhEçA AS OBRAS PREVISTAS NO NE

Cidade da Copa / Comitê do Recife 2014

Fonte Nova / www.copa2014.org.br

13Agosto/2009Nordeste VinteUm

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o enIGMa CíCeroPoder, Fé e Guerra no Sertão

A biografia Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão, do jornalista e escritor Lira Neto, configura-se na grande expectativa editorial deste final de 2009, em todo o País. Após dois anos e meio de trabalho dedicado ao projeto, que tem década de existência, o autor revela nuances de

uma verdadeira trajetória de aventuras. Isso mesmo. Afinal, lançar o espírito para dar conta de biografar Cícero Romão Batista não pode se consubstanciar em outro tipo de feito que não os daqueles comparáveis às grandes façanhas e excepcionalidades. É preciso muita competência

e maestria para enxergar, com ineditismos e riscos inerentes, as multidimensões de um alucinante fenômeno da fé, da história, da política, de imanência dos dramas humanos, suas

virtudes e misérias. Na entrevista exclusiva à revista Nordeste VinteUm, Lira Neto se resigna e diz que muito ainda precisa ser dito e escrito sobre a humana e radical complexidade encarnada

e desencarnada dessa figura tida como “o santo nordestino”, “o patriarca do sertão”, “líder espiritual” e “chefe político”, “milagreiro, sábio e profeta”, “sertanejo”, “homem (in)comum”

Entrevista Lira Neto

MAtéRiA de CAPA

14 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Quem É lirA netO. A fina escrita de Lira Neto já foi agracia-da em 2007 com o Prêmio Jabuti de Literatura, na catego-ria melhor biografia do ano, pelo livro O inimigo do Rei: Uma biografia de José de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava D. Pedro II e acabou inventando o Brasil (Editora Globo). O extenso sub-título da obra é uma referência à estética do folhe-tim do século XIX.

Hoje, célebre contador de histórias, Lira Neto é um técnico em Estradas que não er-rou o caminho em busca de duas paixões: o jornalismo e a literatura. Técnico em Topografia formado pela antiga Escola Técnica Federal do Ceará, aprumou mesmo seu teodolito foi no rumo das letras. No início dos anos 80, ainda em Fortaleza, escreveu e publicou poesia alternativa. Foi um dos prin-cipais nomes da chamada “poesia marginal” do Ce-ará. Cursou Fi-losofia, Letras e Jornalismo, e ainda tra-

balhou como professor de História, Redação e Literatura em vários colégios.

Pelas redações da capital cearense, sua mira começou como revisor do Diário do Nordeste. Posteriormente, transfe-riu-se para o jornal O Povo. Ali, ele ocupou entre outras fun-ções as de repórter especial, editor de cultura e ombuds-

man. Após uma passagem relâmpago como assessor de comunicação do Governo do Ceará, radicou-se

na cidade de São Paulo. Tem artigos, entrevistas e reportagens publicados em alguns dos prin-cipais jornais e revistas do Brasil. Além de jor-nalista e escritor, também é editor de livros. Já trabalhou como coordenador editorial de duas editoras: Edições Demócrito Rocha (Fortaleza) e Contexto (São Paulo).

Suas outras obras são Maysa: Só numa multidão de amores (Editora Globo, 2007);

Castelo: A marcha para a ditadura (Con-texto, 2004) – Biografia do ex-presi-

dente Humberto de Alencar Cas-tello Branco; A herança de Sísifo: Da arte de carregar pedras como om-budsman na imprensa (Edições Demócrito Rocha, 2000); e O Poder e a Peste: A vida de Rodolfo Teófilo (Edições Demócrito Ro-cha, 1999).

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15Agosto/2009Nordeste VinteUm

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NordEStE ViNtE UM – Onde, quando, como, por que surgiu a idéia de realizar a biografia?Lira NEto – Alimentava a idéia deste livro há pelo dez anos. Na verdade, pensei em escrevê-lo antes mesmo de meu primeiro trabalho, O Poder e a Peste: A Vida de Rodolfo Teófilo, lançado em 1999. Felizmente, não o fiz, àquela época. Foi preciso dar tempo ao tempo, maturar o propósito inicial, ganhar a confiança necessá-ria para poder encarar um persona-gem tão complexo e, ao mesmo tem-po, tão fascinante. Ao longo de toda uma década, fui mergulhando cada vez mais fundo na história de Cíce-ro. Juntei material, devorei a vasta bibliografia a respeito do assunto, construí fontes preciosas, dentro e fora da Igreja. Só quando terminei de escrever Maysa, após ter publica-do as biografias de Castello Branco e José de Alencar, finalmente senti-me apto a encarar o enorme desafio de escrever sobre Cícero.

NVU – O que era a figura, o mito, o fenômeno Padre Cícero na cabe-ça do jornalista e escritor Lira Neto antes e durante suas pesquisas? LN – Como talvez ocorra com muita gente, eu imaginava que já sabia tudo sobre a história de Cícero. Confesso que, no início, alimentava uma idéia um tanto quanto simplista do perso-nagem, talvez muito influenciado pe-las leituras de juventude, por aquelas tentativas teóricas que, nos anos 70, procuraram explicar Juazeiro pelo viés de um marxismo tão automá-tico quanto vesgo. Mas, essa noção se desvaneceu logo que comecei a me familiarizar com os documentos, com a bibliografia mais recente, com a consulta às fontes primárias.

NVU – O que ficou marcado, em sua essência, das percepções sobre o personagem após o ponto final? LN – Restou em mim a certeza de que Cícero continuará sendo um perso-nagem de riqueza inesgotável para jornalistas, historiadores e sociólo-

gos. O que me mobiliza, ao escrever uma biografia, é a aventura de pal-milhar o universo de contradições do biografado. Nesse sentido, Cícero oferece uma seara generosa para o gênero. Ao longo das mais de 550 pá-ginas do livro, ecoa por trás de cada parágrafo, de cada frase, de cada li-nha, a mesma e inevitável pergunta: afinal, quem é verdadeiramente este homem? Um visionário ou um dissi-mulado? Como sempre, não pretendi dar respostas prontas ao leitor. O tra-balho do biógrafo é, essencialmente, humanizar o biografado, buscar o homem que existe atrás do mito. E, nós, seres humanos, somos delicio-samente imperfeitos. Cícero, claro, não foge à regra.

NVU – 75 anos depois, qual foi o Padre Cícero mais atual que você descobriu pelas ruas de Juazeiro do Norte, uma cidade tida como “o verdadeiro milagre” do padre? LN – Quem chega a Juazeiro do Nor-

te pela primeira vez poderá vir a en-tender o culto a Cícero como mera obra do fanatismo – o casamento da devoção mais sincera com a mais perigosa ignorância. Mas, um olhar mais atento e uma problematização mais aguda do fenômeno perceberá ali nuances insuspeitos à primeira vista. Existe no espaço das romarias a demonstração de uma fé indoma-da e espontânea, que não se deixa ritualizar e domesticar nos formatos oficiais da crença institucionalizada. Por isso, encaro com muita curiosi-dade o discurso dos que hoje, dentro da Igreja Católica, pregam a cha-mada reabilitação de Cícero. Para o romeiro, aquele que acredita que Cícero Romão Batista é santo, inde-pendentemente do que dizem padres ou bispos, essa é uma questão bizan-tina. Outro aspecto que me chama a atenção é a verdadeira guerra santa promovida pelos evangélicos, que resolveram investir pesado na con-versão de fiéis no próprio território das romarias. O bispo do Crato, dom Fernando Panico, já afirmou que Cí-cero é um “antivírus” contra os ne-opentecostais. A frase acirrou ainda mais os ânimos. A questão real da reabilitação passa exatamente por aí. É isso que está em jogo para a Igreja Católica: é contraproducente deixar à margem da liturgia a memória de um homem que, morto há 75 anos, até hoje arrasta multidões e promove peregrinações em massa, exatamente no momento em que os evangélicos partem para uma ofensiva radical.

NVU – Que fundamentais diferenças ou semelhanças de percepção sobre este personagem você pode consta-tar entre o povo, as academias, os pesquisadores amadores e profissio-nais (dos mais céticos aos mais idó-latras), historiadores e antropólogos nacionais e estrangeiros?LN – Cícero é um personagem que desperta amores extremos e ódios exacerbados. Já se gastaram tonela-das de papel e tinta para se tentar santificá-lo e, também, para demo-

“alimentava uma ideia um tanto quanto simplista do personagem,

talvez muito influenciado pelas leituras de juventude,

por aquelas tentativas teóricas que, nos anos 70, procuraram explicar Juazeiro pelo viés de um marxismo tão automático

quanto vesgo”

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nizá-lo. Bobagem. Sempre será uma tarefa inglória tentar colo-car Cícero em um escaninho fechado, rotulá-lo disso ou daquilo, classificá-lo como um santo imaculado ou um diabo em forma de gente. Cícero, com todos os seus talentos, fraquezas e motivações, é alguém inclassificável. Isso é que faz dele o biografado que todo biógrafo pediu a Deus. Ou ao Diabo?

NVU – Como você já sublinhou, em outra entrevista: “Com suas virtudes e defeitos cotidianos, com todas as suas inevitáveis imper-feições e contradições humanas. É isso que faz dele um persona-gem fascinante. Aliás, a ideia de que a ‘santidade’ é sinônimo de perfeição é absolutamente equivocada. Os santos, como todos nós, amargaram vitórias e derrotas íntimas, típicas da eterna batalha do indivíduo consigo mesmo. Com Cícero, não podia ser diferente.” Portanto, deslocando-se um pouco o foco daquela figura permanen-temente de batina das fotografias posadas, das estátuas e das raras películas do início do século: quem era esse cara sertanejo de famí-lia pobre, nascido e criado no Crato, lá no oco do mundo do remoto Cariri cearense, que se deslocava em lombo de jumento e carroça pelo sertão, que de repente (ou não?), surge para se projetar para perturbação dos sonos e das consciências institucionais (eclesiásti-cas, políticas, econômicas, sociais, ideológicas, etc)?LN – A amiga Maria do Carmo Pagan Forti, doutora em Ciência das Religiões, autora de uma obra fundamental sobre padre Cícero e sobre a beata Maria de Araújo, leu, em primeira mão, os originais do livro e, ao final, mandou-me um e-mail comovente. Entre ou-tras coisas, ela dizia que, durante a leitura, sentiu que quase po-dia tocar no padre, perceber o roçar de sua batina, apertar-lhe a mão. Para um escritor que procura, acima de tudo, levar o leitor para dentro da cena, não pode haver maior elogio. Espero que cada leitor possa ter a mesma sensibilidade de Maria do Carmo e, assim, deixar-se conduzir pela narrativa ao ponto de sentir-se parte integrante dela. Em vez de satisfazer sua pergunta, prefiro também que, ao terminar de ler a biografia, você possa tentar respondê-la sozinho...

NVU – Padre Cícero estava em busca da beatitude ou do re-forço de idolatrias, de existenciais sublevações (individuais ou coletivas)? Era um maluco ou um sábio? Um analfabeto alucinado ou um homem de letras, que, já bem cedo, deslo-cou-se das visões de mundo imperantes naquelas agrestes mul-tidões de ágrafos?

“Cícero é um personagem que desperta amores extremos e ódios exacerbados. Já se gastaram toneladas de papel e tinta para se tentar santificá-lo e, também, para demonizá-lo. Bobagem.

Sempre será uma tarefa inglória tentar colocar Cícero em um escaninho fechado, rotulá-lo”

17Agosto/2009Nordeste VinteUm

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LN – O que eu disse antes também vale aqui. Leiam o livro e busquem as respostas. Mas não me culpem se, ao final da leitura, restarem ainda mais dúvidas do que certezas...

NVU – Até que ponto você acredita que sua obra irá contribuir para desmistificar os aspectos mais con-troversos acerca da figura do padre, do político, do “coronel”, do san-to popular, do homem comum, do sábio clarividente, do profeta, do devoto? LN – Insisto: meu livro não pretende, nem de longe, ser uma explicação de-finitiva de Cícero. Apenas procurei reconstituir os principais momentos de uma vida arrebatadora que, em certos instantes, parece ter saído da cachola de um ficcionista em estado de delírio.

NVU – Em algum momento de suas apurações e da composição textual, você deve ter vivenciado expressivos e delicados dilemas ao remexer com fatos, versões, documentações e de-poimentos sobre um personagem/fenômeno que fascina legiões além fronteiras. Em que pontos a reche-cagem teve que ser exaustiva? LN – Sou essencialmente um repór-

ter. Assim, meu método é o da re-portagem. Escrevo uma biografia como quem escreve uma matéria jornalística de grande fôlego. Logi-camente, cada informação contida no livro é minuciosamente checada. Tive acesso a cerca de 900 cartas de época, além de documentos eclesi-ásticos pouco ou nunca publicados. O cipoal de informações era infindá-vel. O grande trabalho foi organizar tudo isso em uma narrativa fluente e atraente para o leitor. Afinal, não escrevo para uma banca acadêmi-ca, para meia dúzia de especialistas, para enfeitar o currículo com mais um título. Escrevo para ser lido, para que as pessoas se surpreendam, se encantem, se apaixonem. Sou um mero contador de histórias. E, sin-ceramente, nunca me deparei com uma história mais fantástica do que a de Cícero.

NVU – Quais os instantes ou fases do projeto em que pode ter havido maiores receios ou cuidados espe-ciais de remontagem narrativa no sentido de evitar leituras feridas, agastadas, melindradas pelo senti-mento de devoção religiosa ou que fossem capazes de provocar um re-chaço de setores da Igreja, da po-

“Meu livro não pretende, nem de longe, ser uma explicação definitiva de Cícero. apenas

procurei reconstituir os principais momentos de

uma vida arrebatadora que, em certos instantes, parece ter saído da cachola de um

ficcionista em estado de delírio.”

lítica, dos meios acadêmicos, das próprias fontes de pesquisa?LN – Um jornalista não pode se pre-ocupar com os melindres de quem quer que seja. Por isso, senti-me ab-solutamente livre para escrever so-bre Cícero. Não devo absolutamente nada à Igreja ou à academia. Tenho um profundo respeito pela devoção dos romeiros, mas isso não me im-pediu de trabalhar os aspectos mais problemáticos da vida de Cícero, especialmente na sua controversa re-lação com a política. Quanto às fon-tes, meu principal compromisso com elas sempre será o da honestidade e o do rigor da informação que produ-zo com base nos elementos que elas me puseram à disposição.

NVU – Por onde fluíram melhor ou pior as etapas de investigações? Quantas pessoas, viagens, entre-vistas e tempo para escrever fo-ram necessários?LN – Tive muita sorte em contar com aliados fundamentais nesse livro, sem os quais jamais o teria escrito. Entre eles, destaco o professor Re-nato Casimiro, dono de um acervo inacreditável sobre Juazeiro e que foi meu generoso cicerone pelas pelejas, veredas e histórias do Cariri. O pes-quisador Daniel Walker, outro gran-de conhecedor do assunto, também sempre me atendeu com entusiasmo e presteza. Incontáveis vezes impor-tunei Renato e Daniel, por e-mail ou telefone, em busca de uma informa-ção, de um detalhe, de uma minú-cia que me ajudasse a contar melhor certos trechos da história de Cíce-ro. Escrevi este livro em dois anos e meio de trabalho, embora, como disse no princípio, o projeto venha de uma década atrás. Ao contrário do que ocorreu com a biografia de Maysa, para a qual fiz cerca de 200 entrevistas, este novo livro foi escrito com base em fontes documentais. A coluna vertebral da obra são as cerca de 900 cartas que consultei no arqui-vo da Diocese do Crato, cujas cópias escaneadas me foram gentilmente

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“Quem chega a Juazeiro do norte pela primeira vez

poderá vir a entender o culto a Cícero como mera obra do fanatismo – o casamento da devoção mais sincera com a

mais perigosa ignorância. Mas, um olhar mais atento e uma

problematização mais aguda do fenômeno perceberá ali nuances

insuspeitas à primeira vista”

cedidas pelo padre e historiador Ro-serlândio de Sousa, coordenador do Departamento Histórico Diocesa-no Padre Gomes. Naquelas cartas, a história pulsa, os acontecimentos saltam aos olhos, como se estivessem ocorrendo hoje.

NVU – Qual o grande diferencial a assinalar entre sua obra e as demais, que conseguirá, em 500 páginas, ofertar uma maior quantidade de informações capazes de levar o lei-tor a um melhor juízo?LN – Existem grandes trabalhos acadê-micos sobre Cícero, como é o caso de Milagre em Joaseiro, de Ralph Della Cava; A Terra da Mãe de Deus, de Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros; Marretas, Molambudos e Rabelistas, de Marcelo Camurça, Maria do Ju-azeiro: A Beata do Milagre, de Maria do Carmo Pagan Forti. Todas essas, citadas assim de memória, são obras fundamentais. Mas, existem outras. Mesmo livros que apostaram numa tentativa de simples desconstrução do personagem, como é o caso de Padre Cícero: Mito e Realidade, de Otacílio Anselmo, são essenciais para quem quer que se debruce sobre o assunto. A diferença é que meu livro é um livro de jornalista, uma obra narrativa, uma reportagem biográfica, não-acadêmica, que busca levar a in-formação histórica a um público mais vasto. Em artigo recente publicado no caderno Mais! da Folha de S. Paulo, o historiador Boris Fausto reconheceu que as biografias escritas por jornalis-tas fazem avançar o conhecimento histórico do grande público, a quem ele também reconhecia que os histo-riadores poucas vezes alcançam. “A boa biografia encerra uma lição para os historiadores, ao oferecer uma narrativa em estilo límpido, sem os cacoetes do jargão disciplinar”, dizia Fausto. “Essa virtude não é pequena, se a gente se lembrar que, sem con-ter uma narrativa atraente, a biografia fracassa”, ele concluía. Se é um his-toriador que diz isso, não sou eu, um jornalista, que dirá o contrário.

NVU – Para a Igreja de Roma, quem foi, é e será Padre Cícero Romão Batista? LN – Cícero, para a Igreja, foi um su-jeito incômodo à época. Hoje, ele se faz necessário, é considerado o tal

“antivírus” contra os evangélicos... As voltas que o mundo dá...

NVU – Do outro lado do oceano, te-mos muito mais a saber sobre o pa-dre? LN – O livro traz citações de docu-mentos que estão guardados a sete chaves no arquivo secreto do Vati-cano. Esses documentos foram de grande utilidade para se esclarecer alguns pontos obscuros da história. Mas, por enquanto, não posso adian-tar muito. Nem revelar como vieram parar na minha mão. Em novembro, Padre Cícero: Poder, Fé e Guerra no Sertão estará em todas as livrarias do país. Aguardem...

NVU – O que a radicalidade humana da existência de Cícero Romão Ba-tista retirou e acrescentou em Lira Neto como homem e escritor? LN – Escrever sobre Cícero me en-sinou, quando menos, que a reali-dade é sempre mais surpreendente que qualquer ficção. A propósito, utilizo como epígrafe do livro uma frase genial de Gay Talese: “O rea-lismo é fantástico.”

NVU – Quais os próximos desafios a es-colher em “jornalismo literário”? Ou você já foi “escolhido” por algum e ainda não revelou a ninguém? LN – Estou em conversas com meu edi-tor, Luiz Schwarcz, a respeito do próxi-mo livro. Por enquanto, é segredo abso-luto. Não confesso nem sob tortura.

EM PriMEira MÃo – o graNdE BiógraFo daS PoLêMiCaS JorNaL o LiBEraL, dE BELéM – Pa (Edição de 27/09/2008) — Você tem lido? Se sim, o que ou quem?

FERNANDO MORAIS — Estou tendo o privilégio de ler em primeira mão os originais de uma grande biografia que vem por aí: ‘Cícero’, a história do padre Cícero escrita pelo jornalista Lira Neto, um craque consagrado, entre outras, pelas biografias do marechal Castelo Branco e da cantora Maysa.

JorNaL o PoVo, FortaLEza, CEará – (Edição de 05/07/2009)“Serão cerca de 150 fotos, além de fac-símiles de documentos e de jornais de época, inclusive charges em que Cícero é o personagem principal. Uma delas, aliás, publicada por um jornal pernambucano do século XIX, os leitores saberão, provocou a justificada ira do padre.” (Lira Neto)

19Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Polo industrial alagoano ganha 5 novas empresas

Comissão organiza Centenário de Juazeiro do Norte

QUatro PrêMioSaBErJE Para o BNB

[email protected]

Caleidoscópio

Alaplástica, Plastkit, Anjino-moto, Beira Rio e Tróia são as empresas que passam a ope-rar em setembro no Polo Polo Multissetorial Governador Luiz

Fundada pelo Pe. Cícero Ro-mão Batista, Juazeiro do Norte (CE) completa em 22 de julho de 2011, 100 anos de existência. A menos de dois anos da data, o prefeito da cidade, Manuel Santana, já deu início aos trabalhos de cons-trução da programação, com a instituição da Comissão Organi-zadora do Centenário. No início de setembro, a comissão realizou

O Banco do Nordeste do Brasil (BNB) foi o maior vencedor do Prêmio Aberje 2009 – regiões Norte e Nor-deste –, sendo agraciado em quatro das cinco categorias que disputou nessa fase da premiação. A Petrobras, segunda mais premiada, foi a melhor em duas categorias. Os vencedores regionais concorrem ao Prêmio Nacio-nal, em São Paulo. A divulgação dos

premiados nacionais está pre-vista para o dia 8 de outubro. Publicado no site da Asso-

ciação Brasileira de Co-municação Empresarial

(Aberje), entidade que promove o concurso

há 35 anos, o resul-tado aponta como vencedores os se-guintes produtos do BNB: revista

Conterrâneos (Ges-tão de Mídia Impressa), Cam-

panha Crediamigo 10 anos (Comu-nicação de Marca), o vídeo A Outra Carta (Gestão de Mídia Audiovisual) e o jogo virtual “O Risco” (Gestão de Mídia Digital). De acordo com o ge-rente do Ambiente de Comunicação do BNB, Maurício Lima, dos quatro trabalhos premiados, três foram pro-duzidos pela própria equipe do Banco. “A premiação é o reconhecimento do mercado ao excelente trabalho desem-penhado pelos profissionais de comu-nicação do Banco do Nordeste”, desta-cou. O Prêmio Aberje visa fortalecer a visão estratégica da comunicação, por meio do estímulo, do reconhecimento e da divulgação de esforços e iniciativa da área. O concurso é considerado um dos mais importantes do País no âmbi-to da comunicação empresarial.

Cavalcante, no município de Tabuleiro, em Alagoas. Juntas, elas devem gerar cerca de 600 empregos diretos e dois mil in-diretos. Tabuleiro é o principal polo industrial do estado, fica na periferia de Maceió e a poucos quilômetros do Porto do Jaraguá. Surgiu com o objetivo inicial de reunir indústrias químicas. Hoje, também recebe empresas de se-tores variados, que se beneficiam da infraestrutura de estradas e da energia existente.

em Fortaleza duas reuniões com professores da Universidade Fede-ral do Ceará (UFC) e filhos de Jua-zeiro. A fase é de apresentação e acolhimento de propostas. A ideia inicial é que os festejos resgatem valores e definam novos rumos para o município. A comissão con-ta com um plano de ação geral e trabalha no sentido de fechar par-cerias e patrocínios. De sua parte, a prefeitura sinaliza com obras e ações de melhoria de infraestrutu-ra. Filho da terra, o reitor da UFC, Jesualdo Farias, anunciou que o campus da universidade no Cariri ofertará 10 cursos de graduação em 2010, todos com grande inter-face local. Ao todo, serão mais de 200 professores efetivos, 60 ser-vidores técnico-administrativos e 1.500 alunos, configurando o maior projeto de expansão da UFC no Interior do Estado.

20 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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NEgóCioS Na LÍNgUa PortUgUESa rEÚNEM MiL EMPrESárioS No CEará

Eduardo Campos e o pré-sal

O V Encontro Empresarial de Negócios na Língua Portuguesa (V EENLP) acontece em setembro em Fortaleza. Reune cerca de mil empresários, nacionais e estrangei-ros, com o objetivo de fomentar as relações comerciais e diplomáticas na Comunidade dos Países de Lín-gua Portuguesa (CPLP), formada por oito nações (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste). A edição ampliou o encontro para os demais países da Comunidade. O presidente do Con-selho das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil (CCPBC), Rômu-lo Alexandre Soares, explica que o formato atual com os oito países

O Brasil será protagonista na Conferência Internacional das Mudanças Climáticas da ONU (COP 15), que acontecerá em dezembro, em Copenha-gue (Dinamarca). A afirmação é do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para eles, “apesar de todas as dificuldades, o Bra-sil tem mostrado ao mundo que é possível conciliar desen-volvimento com preservação ambiental”. A Comissão Mista sobre Mudanças Climáticas do Congresso designou 13 parla-mentares que irão participar da COP 15. Entre os deputa-dos, José Guimarães (PT-CE), que articulou a realização do seminário da Comissão Mista intitulado “Mudanças Climáti-cas e Desertificação no Ceará”, na Assembléia Legislativa do Estado para o fim de setem-bro. Guimarães dá um dado alarmante. Segundo ele, 40% do território cearense passa por processo de desertifica-ção acelerado. Na opinião do deputado, a Conferência de Copenhague será importante porque, entre outras discus-sões, vai estipular o limite a ser respeitado pelas nações industrializadas nas suas emis-sões de gases causadores do efeito estufa até 2020.

CoNFErêNCia dE CoPENhagUE: Brasil será protagonista

“Não queremos o que já pertence aos outros

três estados e aos 200 municípios benefi-ciados hoje, mas garantir aos que nada têm hoje o

direito de se colocar em igualdades de

condições com os demais brasileiros”.

obedece a um imperativo histórico e econômico. Segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio (Unctad), o comércio entre os paí-ses da CPLP ainda tem muito para crescer. O volume de negócios é de aproximadamente 13 bilhões de dólares e o total das trocas interna-cionais com o restante do mundo superior a 550 bilhões de dólares.

A frase é do governador de Pernam-buco, Eduardo Campos, para quem é fundamental preservar o modelo atual para os estados que já parti-

cipam da partilha dos royalties do petróleo, mas também mudar radicalmente a legislação sobre a partilha do pré-sal. Segundo o pernambucano, o debate do pré-sal é uma oportunidade e algo que deve ser travado com coragem, mas com bom senso.

“O Brasil precisa sair mais rico, mas também mais justo

e mais igual”, disse.

21Agosto/2009Nordeste VinteUm

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MEMÓRIAS DE UM “INVULTADO”NA ECOLOGIA DO CANGAÇO

Nordeste do Brasil, inícios do século XX. Largos lapsos de tempos cruéis. Hostilidades ambientais à parte? É óbvio que não. Os sertões da caatinga e do cangaço de Virgulino Ferreira

da Silva, o Lampião, na verdade, interagiam muito bem, mas nunca deram vida fácil a ninguém. Na ambiência natural e humana desse bioma exclusivamente brasileiro, de

850 mil quilômetros quadrados, quem fosse mole que se quebrasse. Para os mais pobres dotados de alguma inteligência e sagacidade, o bem e o mal

vertidos em duas únicas saídas: a entrega de corpo e alma aos caminhos da beatitude ou ao estabelecimento de uma relação de conluio e violência com o coronelismo, único

poder vigente mato adentro. Na composição desse quadro, o cientista Melquíades Pinto Paiva, autor do livro Ecologia do Cangaço (Editora Interciência, 2004), dá

pinceladas marcantes de memória pessoal e saber como biologista

Melquíades Pinto Paiva

A PRÓPOSITO DO BANDITISMO DE VIRGULINO

Por Wilton Bezerra Júnior / Entrevista a Francisco [email protected]

EntrEvista

22 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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MEMÓRIAS DE UM “INVULTADO”NA ECOLOGIA DO CANGAÇO

A ntes de tudo um nordestino, esse engenheiro agrônomo e especialista em Ictiologia, doutor em Ciências pelo Ins-

tituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), é um cearense de Lavras da Mangabeira, hoje radicado no Rio de Janeiro, que, aos 79 anos, carrega lembranças de sua mãe a cavar buracos para esconder jóias. Motivo: a cidade era ameaçada pela chegada de cangaceiros.

A obra de Melquíades tem qua-tro capítulos, um glossário de nomes vulgares, bibliografia comentada e iconografia. É acessível a todos que se interessam pelo tema do cangaço e suas relações com a caatinga. Ele de-limita e classifica as áreas de atuação

dos bandos, setores de atividade, de recrutamento, de repouso e de fuga. Também descreve a origem das pes-soas na saga do cangaço, característi-cas físicas e culturais.

Com o Estado ausente, é na aridez de um ecossistema marcado secular-mente pelas gritantes desigualdades sociais, que uma figura se destacou em avocar para si uma espécie de do-mínio paramilitar em uma área nada menor do que 273 mil quilômetros quadrados. Distribuída em sete es-tados nordestinos, a delimitação do “terreno” é do próprio Lampião, exce-tuando apenas o Maranhão e o Piauí.

Em certa medida, uma legíti-ma “petulância”, pois os cangaceiros eram literalmente os “reis” daqueles

pedaços de terra. E nada de revolu-ção ou ideologia. Aqueles pequenos exércitos particulares, compostos por gente de origem humilde, insurreta, irredenta e bem armada, conheciam a caatinga como ninguém.

Assaltavam fazendas, seqüestra-vam coronéis, saqueavam comboios e armazéns e guerrilhavam com jagun-ços e a polícia, causando pavor nas eli-tes e autoridades Nordeste afora. Per-petravam tais proezas porque, acima de tudo, sabiam dos locais adequados para descansar, das melhores rotas de fuga, onde existiam alimento e água, quais as plantas regionais de uso me-dicinal. E o principal: como usar a ve-getação xerófila e o clima quente e seco para driblar as volantes policiais.

23Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Nordeste ViNteUm — Como ca-racterizar Lampião? Herói ou ban-dido? Um mito?meLqUíades PiNto PaiVa — Com certeza, Lampião foi um nordestino dotado de uma inteligência acima, muito acima do normal. Eu chego a pensar que Lampião foi um gê-nio voltado para o mal. O Nordeste tem dado alguns gênios analfabetos. Lampião foi um deles. Luiz Gonza-ga foi outro. Patativa do Assaré, meu querido amigo, foi outro. Então, para mim, Lampião foi um homem dife-rente e um gênio voltado para o mal, que montou uma rede de conexões com a população. Um serviço de in-formação praticamente perfeito para a época. Sobreviveu 20 anos corrom-pendo, matando, roubando e extor-quindo. Bondade eu não encontro em Lampião. Raros momentos de coração mais doce, mas, no fim, vio-lência contra o povo sertanejo, extor-são da riqueza acumulada na região, fator de atraso e de pobreza.

NVU — se Lampião fosse vivo hoje,

em pleno século XXi, em que atual gênero de delinquência o senhor o enquadraria? traficante, seqües-trador, assaltante de banco? Um Fernandinho Beira-mar?mPP — Aliás, já existe um livro (mi-nha memória já está terrivelmente pi-chada pela idade) de um engenheiro francês que viveu muito tempo aqui no Brasil. Inclusive fala e escreve português muito bem, e eu o conhe-ço pessoalmente, o primeiro nome dele eu não recordo, mas é White, branco em inglês. E tem um livro fa-zendo exatamente essa comparação. No centenário de Lampião, quando eu apareci pela primeira vez, como cangaceiro manso, eu falei que as in-tervenções do cangaço, a lição que o cangaço nos deixou foi essa de orga-nização para o mal, de bando para o mal, que hoje se especializou no trá-fico de drogas e na violência inerente ao comércio ilegal de drogas. Essa li-gação já é comum na literatura, junto aos estudiosos, e realmente o tráfico de drogas tem uma organização se-melhante ao tal do cangaço. Uma

chefia autoritária, violenta, muito di-nheiro, associação com grandes gru-pos financeiros, pois quem financia a droga são os grandes grupos. São co-bertos da melhor forma, os coronéis que financiavam Lampião são muito pouco conhecidos. E há um parale-lismo muito grande entre o cangaço e o tráfico de drogas hoje.

NVU — ou seja, crime organizado? quer dizer que o Lampião na épo-ca já seria, uma espécie de chefão do crime organizado?mPP — Foi. Ele foi para a zona rural e o Fernandinho Beira-Mar para a zona urbana. É um cangaço urbano, em outras palavras.

NVU — No século XVii, com o des-locamento do centro da economia para o sul, o sertão castigado pe-las secas prolongadas viu as desi-gualdades sociais se agravarem. Nesse panorama, se consolida a fi-gura do coronel, detentor do poder e da lei, que se considerava senho-rio. Conflitos por posses de terra e delimitação geográfica das fazen-das, além das rivalidades políticas, levaram estes senhores feudais a se cercarem de jagunços e cabras. o senhor acha que Lampião, tam-bém, não seria, um produto das crueldades desse meio?mPP — O que eu vejo em Lampião foi o seguinte: realmente o isolamen-to do Sertão ou a figura do coronel poderoso, que para se manter como tal, tinha que ter sua própria tropa, os cabras, os jagunços. E Lampião vem dessa massa humana de peque-nos proprietários rurais. O pai dele era um pequeno subordinado ao coronelismo. Não tinha autonomia. Então, havia duas saídas para esses homens mais dotados de inteligência e de capacidade. Duas saídas para

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a pobreza e a miséria do Nordes-te. Era a da santidade, tornando-se beato, e a da maldade, tornando-se cangaceiro. Duas formas de projeção que existiam para a pobreza e para a massa anônima dos moradores do sertão. Só que nenhum dos dois que resistiram, veio a encontrar alterna-tiva para não se tornar subserviente. Ou se tornarem coisas dos coronéis. Um deles se voltou contra os coro-néis. Os beatos procurando uma vida extraterrena nunca prestaram muita atenção nas misérias, na violência, na pobreza, ao cordão de misérias que o coronelismo implantava. O cangaço foi financiado não só pela extorsão. Foi financiado e protegido por coronéis. Só que não eram todos, porque os cangaceiros vendiam ser-viços, os cangaceiros vendiam prote-ção. E compravam munição. Quem fornecia arma para o Lampião, para o cangaço? Era só a polícia, os coman-dantes corruptos? Não. Eram os co-ronéis que vendiam e faziam grandes negócios com o Lampião.

NVU — Por que esta face do can-gaço é tão pouco remexida?mPP — Há mesmo uma face obscura na história do cangaço que ninguém tem coragem de mexer. E eu não vou mexer não é por falta de coragem, não é falta de competência. É falta de tempo. Quem foram os grandes coiteiros de Lampião? Com certeza não foi o vaqueiro, não foi o morador miserável ou pequenos proprietários. Os grandes coiteiros foram os coro-néis que faziam grandes negócios e a quem Lampião entregava o dinheiro. Dizem que Lampião entregava o di-nheiro a coronéis amigos dele, para obterem juros, como agiotas. Eles eram agiotas. Outros dizem que ele entregava dinheiro para comprar as fazendas. Não podiam estar no nome

tempo. Ele já vinha sendo derrotado pela civilização, derrotado pelo pro-gresso, derrotado pelo afastamento dos próprios coronéis. Essas grandes fazendas do Nordeste, compradas por grandes coronéis, toda a negocia-ção foi feita com dinheiro roubado. Lampião nunca trabalhou, só quan-do era rapazinho, vivia tocando tropa de burro para Arco Verde.

NVU — Lampião inclusive obteve um “título” de capitão porque haveria sido recrutado para se contrapor à coluna Prestes, que já adentrava o sertão nordestino. até que ponto isso é mito ou verdade? mPP — Eu estava falando com um grande amigo meu que é doutor em Bioquímica e Microbiologia, mas é especialista em beato, lá do Juazeiro: professor Renato Casimiro. É um fato controverso, porque quem au-torizou um ato desses está ainda es-condido, sob a sombra de muita coi-sa. Agora é que se começa a falar que a decisão de se entregar uma patente a Lampião não foi de Padre Cícero. O padre foi apenas um meio na au-sência de Floro Bartolomeu (médico baiano e face política do padre), que não pôde ficar em Juazeiro para rece-ber Lampião. Foi convidado por ele (Floro), foi chamado por ele. Dizem que houve uma reunião lá, no Rio de Janeiro, com o comando do Exérci-to, quando decidiram convocar esses combatentes marginais, esses serta-nejos, anistia e patentes honorárias, em troca de serviços para combater a coluna. Não sei se a história é a verdadeira. Se fala agora sobre isso, e houve um conluio, uma reunião de altos generais. Bartolomeu era ge-neral honorário do Exército. Então fizeram foi corromper, sujar as filei-ras do Exército brasileiro. Houve a inclusão de oficiais honorários, entre

“A caatinga era a couraça que protegia o cangaço. O conjunto de coisas,

de seres, de ambientes. Eles sabiam onde tinham as águas, as furnas, foi o primeiro bando que

conseguiu sobreviver no Raso da Catarina (porção mais seca do território baiano). Conheciam as

plantas, tudo. E ainda eram doutores, entre aspas, da caatinga. Como qualquer

grande sertanejo”

Corisco e Roxinho, o cangaceiro Christino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, e um dos seus asseclas, o jovem Roxinho

de Lampião, pois ele era um foragi-do, um marginal, estava fora da lei. Então, eram compradas no nome dos coronéis. Para eles, foi uma maravi-lha o Lampião ser morto. Inclusive, devem ter contribuído de alguma forma para isso. Não foi só o Getú-lio querer mandar matar Lampião e as coisas se realizarem em tão breve

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eles Lampião. NVU — e essa relação de Lampião com Padre Cícero?mPP — Lampião era um homem profundamente devoto. Como o ser-tanejo, em geral. E o Padre Cícero ligou-se muito ao povo pobre do in-terior. Era uma espécie de apoio para essa pobreza. Então é fácil explicar. Em segundo lugar, o Padre Cícero abrigou a família dele da violência da polícia. A família não tinha nada a ver. Qual era a culpa de ser irmã de Lam-pião? E, por isso, ser batida, judiada, maltratada? Então, as irmãs dele e o irmão, que não entrou no cangaço, se abrigaram em Juazeiro e quiseram proteção do padre. Agora, dizer que ele não atuou no Ceará não é uma verdade. O Ceará era a área de refú-gio dele. Ele reservou o Ceará para a área de descanso. Ele descansava no Cariri, mas mesmo assim ele come-teu algumas graves violências. Eu lhe aconselho a procurar nas livrarias da-qui. Tem uma livraria que representa a “Interciência” e tem meu livro, A ecologia do cangaço, no qual eu faço a classificação das áreas de atuação de Lampião e o Cariri cearense como

absoluta, intocável com a caatinga, mas o cangaço foi, predominante-mente, um fenômeno que ocorreu na caatinga. Então, para ter sucesso e viver num ambiente, tem que se adaptar. É uma lei da vida. Ou se adapta ou morre. Usando a caatinga como área de refúgio, como área de guerra, como área de fornecimento de alimentos, como fornecedor de medicamentos, e assim por diante. É uma relação muito estreita. E eu que sou biólogo, estudei biologia, mas sou cangaceiro manso, procurei juntar meu conhecimento científico com o cangaço, conhecimento da minha raiz nordestina. Escrevi um li-vro curioso, A Ecologia do Cangaço. Não se esqueça que um cangaceiro dizia que se invultava da caatinga. E o que é se invultar? A caatinga o es-condia. Ele estava mimetizado den-tro da caatinga.

NVU — até que ponto esse mime-tismo garantia sobrevivência no cangaço?mPP — Não era só o mimetismo, era a fonte de alimento, a fonte de re-médio, o conhecimento das reservas de água, da geografia, do terreno e assim por diante. O combate ao can-gaço só passou a ter sucesso quando recrutaram sertanejo, porque tinham a mesma cultura. Os grandes perse-guidores de Lampião eram gente do mesmo chão, nativos. Gente com quem Lampião conviveu quando era rapaz, menino. Da mesma cultura, status social, formação. A caatinga era a couraça que protegia o cangaço. O conjunto de coisas, de seres, de am-bientes. Eles sabiam onde tinham

Parte do bando de Lampião (1936) A partir da direita: Nenén e o companheiro Luís Pedro, Barra Nova e Sabonete. A partir da esquerda, Lampião e Vila Nova. Nessa última ordem, o quinto é o cangaceiro Juriti. Demais não identificados

“Não há uma relação absoluta, intocável com a caatinga, mas o cangaço foi, predominantemente,

um fenômeno que ocorreu na caatinga. Então, para ter sucesso e viver num

ambiente tem que se adaptar. É uma lei da vida. Ou se adapta ou morre”

área de refúgio e repouso.

NVU — e por que esse tema ligan-do o cangaço e a ecologia?mPP — O que é ecologia? É a rela-ção dos seres vivos com o ambiente. Então, o cangaço foi um fenômeno social extremamente ligado à caatin-ga. Não foi exclusivo da caatinga por-que houve cangaceiro no Nordeste e até na Zona da Mata. O Cabeleira atuou na região da Mata Atlântica; o Antônio Silvino atuou mais na re-gião do Agreste. Não há uma relação

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as águas, as furnas, foi o primeiro bando que conseguiu sobreviver no Raso da Catarina (porção mais seca do território baiano). Conheciam as plantas, tudo. E ainda eram douto-res, entre aspas, da caatinga. Como qualquer grande sertanejo. O fato é que o vaqueiro é um doutor da ca-atinga. Só que o vaqueiro não mata-va gente, corria atrás do boi. Agora, não tem mais vaqueiro para correr atrás de boi, porque é tudo cercado. E assim vai. Quer dizer, os grandes conhecedores da caatinga. Eu tenho muito respeito pela cultura popular. Eu me liguei muito ao Patativa do Assaré. Fui amigo do Luiz Gonza-ga. Sertanejos de grande cultura do povo. Tava fazendo pesquisa no Ce-ará, antes de fazer qualquer estudo, procurava saber o conhecimento do povo a respeito daquilo. E muitas in-sinuações, muitas pistas foram dadas por analfabetos.

NVU — quer dizer que o senhor co-meçou a estudar, se interessar, se aprofundar com o cangaço porque foi estudar a caatinga?mPP — Não se esqueça que eu sou sertanejo, lá da Mangabeira (municí-pio de Lavras da Mangabeira, Centro Sul do Ceará, a 434 km de Fortaleza). Então, era a minha infância lá, a convi-vência com o coronelismo, a caatinga, a convivência com todos os dramas do sertão. Conheci lá, a passagem de ro-meiros. Eu não vi Lavras atacada por cangaceiro, mas vi minha mãe muitas vezes escondendo jóia, com ameaça de invasão de cangaço. Eu sou serta-nejo por um lado e por outro eu sou cientista. Então quando eu começo a juntar o conhecimento do Sertão com o conhecimento da ciência, dá o quê? Dá a ecologia do cangaço.

NVU — o que o senhor conseguiu

de mais precioso nessa relação? Porque tem muita fala, muita len-da. separar o que é história das maldades, é que são “elas”? mPP — Olha, existem dois parti-dos: os que não toleram Lampião e os que o endeusam. Os que julgam Lampião um bandido e os que jul-gam Lampião um deus. Não um herói, um deus. Quando a gente vai falar com esse pessoal eles di-zem que muita maldade foi feita em nome de Lampião. Como se fosse Lampião. Realmente, muita gente matou, roubou, dizendo que era do grupo de Lampião, que era a mando de Lampião, quando ele não tinha nada a ver com aquilo. Mas, isso não exime Lampião pela violência que ele praticou durante tanto tempo no Nordeste. Fatos comprovados. Quer dizer, se você for atrás de passagens pontuais, você encontra coisas que dizem que foram feitas por Lampião e que não foram. Mas, se você es-quece esses pontos e vê a paisagem, você vê grande violência do cangaço.

Juazeiro do Norte, 1926. Lampião (extrema direita) e família. Ao seu lado, as irmãs Anália, Mocinha e Angélica. De vestido mais escuro a cunhada Joana. Na fila atrás, a partir da esquerda, o quarto é seu irmão.

“O Lampião foi enganado. Ele tinha muita vontade

de ter dinheiro. Desejava ser um fazendeiro, um

coronel. A ambição dele era essa. E para ser isso, ele tinha que ter dinheiro.

Para manter a rede de informantes. Comprar

água, comprar munição. Os comandantes corruptos

vendiam muito caro ao Lampião. Os coronéis

vendiam água muito cara. Água e munição. Então, ele precisava de muito

dinheiro. Na cabeça de Lampião, ele podia

extorquir, roubar”

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E a grande violência do cangaço foi comandada pelo maior cangaceiro, que foi Lampião. O resto é coisa de segundo time.

NVU — Professor, existe uma pas-sagem onde o senhor diz que Lam-pião era um animal da caatinga, fazia parte daquele meio ambien-te. até certo ponto, isso explica a derrota de Lampião, que se aproxi-mou, mas não conhecia o litoral? ele foi militarmente derrotado?mPP — Não. O Lampião foi engana-do. Ele tinha muita vontade de ter dinheiro. Desejava ser um fazendei-ro, um coronel. A ambição dele era essa. E para ser isso, ele tinha que ter dinheiro. Para manter a rede de informantes. Comprar água, comprar munição. Os comandantes corruptos vendiam muito caro ao Lampião. Os coronéis vendiam água muito cara. Água e munição. Então, ele precisa-va de muito dinheiro. Na cabeça de Lampião, ele podia extorquir, roubar. Extorquir e roubar muito dinheiro, por exemplo, em Mossoró (RN). E se associou com um cabo de Maceió, que conhecia Mossoró, e que queria se valer de Lampião para arrumar di-nheiro lá. E de um coronel safado, corrupto, sem-vergonha, que depois foi assassinado lá, em Missão Velha (CE), cuja fazenda saiu de Lampião. O conluio de ataque a Mossoró foi feito entre esse coronel, na terra da fazenda dele. Depois, ele foi assassi-nado na estação ferroviária de Mis-são Velha. Inclusive, acertaram como seria dividida a estação. Lampião chegou lá e quando viu o tamanho da cidade, realmente, se apavorou. É tanto que se diz que cidade de Três Torres não é cidade para cangaceiro. Mas, ele já estava lá, já tinha ame-açado invadir, então, foi cumprir a palavra. Mas, não estava acreditan-

do em vitória não. Porque sabia que uma cidade daquele tama-nho, um ban-do de cangaceiros não entrava tão facilmente. E, depois, ele começou a ver a resistência do prefeito. O prefeito foi forte. Não aceitou ne-nhuma extorsão e não quis nenhum acordo com Lampião. Praticamente sozinho, com o pessoal de Mossoró, organizou a defesa porque o Estado não deu grande proteção não.

NVU — e do ponto de vista militar, Lampião era esse gênio de quem tanto falam?mPP — Dizem que sim, eu não en-tendo de militarismo. Os que estu-dam Lampião dizem que ele desen-volveu uma estratégia de luta. Ele conseguiu vencer com poucos ho-mens um contigente de mais de du-zentos soldados. Abrigado na caatin-ga, em pedras, por baixo de tudo. Até no ataque pela retaguarda. Tinha um irmão dele que era especialista em atacar o inimigo pelas costas. Então,

QUEM FOI LAMPIÃOvirgulino Ferreira da silva, o lampião, nasceu em serra talhada, Pernambuco, na Fazenda ingazei-ra, em 1898. Filho de um pequeno sitiante local, freqüentou a escola até os 14 anos. aos 20, teve seu pai assassinado devido a disputas de terra com Raimundo nogueira, político local. virgu-lino e seus irmãos acabaram por justiçá-lo. em seguida, juntaram-se ao bando do cangaceiro sebastião Pereira (sinhô Pereira). logo, lampião assumiu a liderança do bando, que comandou até sua morte, em 1938, numa emboscada da po-lícia na fazenda dos angicos, em sergipe. viveu no cangaço por 20 anos e atuou praticamente em todo o nordeste. simboliza o apogeu e o declínio do banditismo cangaceiro.

deixava o inimigo entre dois focos. Ele era especia-lista nisso, en-volvia o inimigo,

virava o contingente, mandava arro-dear até ficar de trás do inimigo. Ou, então, o inimigo ficava levando bala pela frente e pelas costas. O abri-go era a caatinga, ele a usava como meio de defesa, de proteção. Ele só brigava quando queria. A não ser em situação de emergência, quando era surpreendido, mas raramente acon-tecia por causa dos informantes que tinha, da rede de informações que dispunha. Ele se localizava, se situ-ava bem em zonas de fácil defesa, e esperava que os soldados caíssem nas armadilhas que ele mantinha. E isso era uma das manifestações da genialidade do Lampião. Ter sido um grande guerreiro. Não podia deixar de ser, porque quem sobre-viveu vinte anos brigando, tinha que ser um grande guerreiro. Os outros morreram muito mais cedo e ele conseguiu sobreviver vinte anos dentro do cangaço.

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Por Juarez Leitão — Parte 2

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Governo deposto, constituintes históricos, avanços na educação e descuidos no texto

A Constituição de 1892 seria a se-gunda Carta Constitucional do Ceará do regime republicano re-cém iniciado. A primeira consti-tuição, promulgada no ano ante-

rior, vigorara por menos de treze meses. Contingências políticas da maior gravi-

dade justificaram a convocação de uma nova assembléia constituinte e, consequentemente, a elaboração de um novo documento que, se não diferia profundamente do primeiro, trazia algumas modificações que lhe aperfeiçoavam os objetivos democráticos.

O proclamador da República, Marechal Deodoro da Fonseca, exaurido o tempo que se chamou de Governo Provisório, teve de subme-ter-se à eleição pelo Congresso, conforme ficara estabelecido. Nessa eleição, confirmou-se a im-popularidade do proclamador, pois deputados e senadores preferiam o outro candidato, o paulis-ta Prudente de Moraes.

Somente a forte pressão dos militares liga-dos a Deodoro fez os parlamentares refluirem de seu intento, embora tenham derrotado o compa-nheiro de chapa do eleito, Eduardo Wandenkolk, e escolhido o vice da outra, Floriano Peixoto.

Deodoro, eleito, pois, pelo Congresso Na-cional, não pôde governar com ele. Permanen-temente hostilizado pelo parlamento, buscou o apoio dos governos dos estados, mas, contra ele se voltou São Paulo e o partido político mais forte daquela primeira fase, o poderoso PRP (Partido Republicano Paulista).

O presidente, homem da caserna acostu-mado a ser obedecido, decidiu desferir um gol-pe de estado, fechando o Congresso Nacional e decretando o estado de sítio. Não deu certo. A oposição reagiu, conseguindo vigoroso apoio de setores das forças armadas e de expressivas figuras do empresariado nacional, o que levou Deodoro a renunciar.

Floriano Peixoto, ao assumir, além de anu-lar os atos recentes do antecessor, promoveu a derrubada de todos os governadores que ha-viam apoiado Deodoro.

No Ceará, o governador Clarindo de Quei-roz ficara do lado errado. Apoiara o presidente golpista e agora recebia o repúdio popular. O líder da rebelião é o tenente-coronel José Freire Bizerril Fontenelle, que, com o respaldo federal

e o entusiasmo dos cadetes da Escola Militar do Ceará e da exaltação das ruas, depõe o governa-dor no dia 17 de fevereiro de 1892.

Empossado o vice-governador, Benjamim Liberato Barroso, começa a perseguição aos deo-doristas e aos emblemas de seu período. Aconte-

ce a revogação da Constituição de 1891 e a disso-lução do Congresso cearense. Em maio de 1892, é convocada uma nova constituinte estadual que, já em julho daquele ano, apresentava os resulta-dos de seu trabalho.

A segunda Constituição Estadual republica-na foi promulgada a 12 de julho de 1892. Elabo-raram-na 34 constituintes, figurando entre eles nomes que haveriam de ficar na história do Ce-ará, como o do comendador Nogueira Accioly, que a presidiu e depois se transformaria no mais poderoso oligarca de nosso Estado.

Destaquem-se também personagens fa-mosos daquele colegiado, como os poetas e romancistas Antônio Sales e Jovino Guedes, o

patriarca dos Inhamuns Lourenço Alves Fei-tosa e outros que dão nomes às ruas e praças da capital, do porte de Pedro Borges, Tibúrcio Gonçalves de Paula, Francisco Benévolo, Ma-rinho de Andrade e Thomaz Pompeu Accioly. Realmente, um elenco de notáveis.

Dividida em 10 Títulos com 151 artigos e Transposições Provisórias reunidas num Ca-pítulo Único de 21 artigos, avança favoravel-mente em certos aspectos, como na educação, onde, em seu artigo 132, declara a gratuidade da instrução primária e do ensino elementar de artes e ofícios, condição que os tempos atu-ais perderam, lastimavelmente.

Além disso, garantia a vitaliciedade dos professores primários e secundários, o que era uma segurança contra as perseguições polí-ticas e demissões praticadas quando o poder mudava de mão.

O professor Paulo Bonavides, uma das maiores expressões entre os constitucionalistas nacionais, detecta alguns descuidos praticados pelos que redigiram o texto de 1892. Por exem-plo, confundem o conceito de soberania com au-tonomia, incorrendo numa impropriedade.

O estado-membro não tem soberania, mas tão somente autonomia. Pois — assevera o pro-fessor Bonavides — “a autonomia exprime ape-nas a face interna da soberania, a faculdade auto-determinativa, o poder constituinte, sem o qual não há estatilidade. Mas, não é toda a soberania, pois esta abrange tanto a autodeterminação in-terna como externa, aliás, a face mais importante da personalidade estatal.”

No mais, a Constituição de 1892 cumpria os ditames conceituais republicanos da Cons-tituição Federal vigorante na época, alinhados ideologicamente com os princípios iluminis-tas dos liberais que fizeram a Revolução Fran-cesa e a Independência Norte-Americana no século XVIII.

No artigo 137 das Disposições Gerais era as-segurado o vigor mínimo de dois anos para qual-quer alteração do texto constitucional e somente com o apoio de dois terços da Assembléia. Dessa forma, se evitava a banalização de reformas cons-titucionais ao sopro das oscilações políticas.

Afora a reforma de 19 de julho de 1905, a Carta Estadual de 1892 vigorou até 1921, tendo, portando, vinte e nove anos de aplicação.

No Ceará, o governador Clarindo de Queiroz ficara do lado errado. Apoiara o presidente golpista

e agora recebia o repúdio popular

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Investimento prevê implantação de três bases de lançamento de foguetes, extensão de campus universitário, área para pesquisa aeroespacial e participação de empresas de ponta

em tecnologia limpa voltada para o setor. Consórcio binacional (Brasil-Ucrânia) Alcântara Cyclone Space quer transformar o Ceará em um dos grandes centros mundiais de inteligência e

conhecimento espacial

COmPleXO esPACiAl BrAsileirO nO CeArá

Por Flamínio Araripe / [email protected]

á está pronto o convênio a ser firmado pelo Gover-no do Estado do Ceará com o Ministério da Ciência e Tecnologia para implantar no Ceará uma base de lançamento de foguetes. quem informa é o jorna-lista, professor e ex-ministro, Roberto Amaral, hoje,

diretor geral do consórcio binacional Alcântara Cyclone Space. O Ceará foi escolhido para receber o investi-mento, o que significa um primeiro passo no mercado aeroespacial. O setor movimentou US$ 103 bilhões no mundo, em 2004, e deverá chegar a US$ 158 bilhões em 2010, conforme estimativa do Space Business Council.

Amaral observa que o convênio já foi discutido, os termos aprovados pelas duas partes e só falta a assina-tura. Nos próximos dias, o diretor da Cyclone conta que deverá vir a Fortaleza com o presidente da Agência Es-pacial Brasileira (AEB), Carlos Guenem, para formalizar a assinatura do acordo com o governador Cid Gomes.

Assinado o convênio, Amaral diz que começam os trabalhos para a localização da área do Estado que vai receber o empreendimento. “Não pergunte qual é, por-que não vamos ser instrumento para especulação imo-biliária”, ele descarta. Também não foi informado o valor

a ser investido. “É difícil fazer hoje uma estimativa dos investimen-

tos. Não quero chutar. Mas é muito alto”, afirma Amaral. A instalação da base de lançamentos de foguetes no Ceará, todavia, não implicará em nenhuma desativação de Alcântara. “O Brasil precisa ter mais de um centro de lançamento”, ele argumenta.

Conforme Amaral, a base sediada no Ceará “será chamada Complexo Espacial Brasileiro”. Vai ser um gran-de programa que inclui pelo menos três centros de lan-çamento, extensão de campus universitário e área de pesquisa espacial”. Segundo ele, um grande centro de pesquisa espacial que deverá abrigar também empre-sas de ponta de tecnologia limpa voltadas para ativida-de espacial.

Como parceiro do empreendimento, Roberto Ama-ral destaca a Agência Espacial Brasileira. “O Complexo Espacial Brasileiro irá transformar o Ceará em ponta, um dos grandes centros mundiais de tecnologia espa-cial. Além dos investimentos clássicos, o Complexo vai atrair inteligência e conhecimento. Vai transformar o perfil do Ceará”.

eXCLUsivO

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NORDESTE VINTEUM — Depois do aci-dente na base de lançamento de Al-cântara, e da constituição da Cyclone Alcântara Space (ACS), que fatos po-demos citar para indicar a retoma-da do programa espacial brasileiro? ROBERTO AMARAL — Uma boa notí-cia é que a retomada do Programa Espacial Brasileiro ocorre no atual governo, desde 2003. Houve signi-ficativo aumento de recursos finan-ceiros, da ordem de cinco a seis ve-zes maior do que nos últimos anos do governo anterior. Contudo, apesar da melhoria nos recursos financeiros a partir de 2003, eles ainda estão em patamares 10 ou mais vezes inferiores aos de países de importância equivalente à nos-sa, como a índia e a China. O Brasil aplica em seu Programa Espacial percentual do PIB menor até que países sem tradição na área, como Portugal, Luxemburgo, Espanha, Finlândia e muitos outros.

NVU — Por que isso acontece?RA — O Programa Espacial Brasileiro, no tocante a lançadores de satélites e centro de lançamento, foi desman-telado nos anos 1990 pelo Governo FHC/PSDB/DEM, por razões e com-promissos desconhecidos. A melhor explicação divulgada pelo governo era a de que o Estado Brasileiro de-veria se tornar mínimo e “o merca-do” assumiria os poderes alienados. Nessa linha, os recursos financeiros para projetos nessas áreas foram gradativa e fortemente reduzidos e chegaram praticamente a zero em 1999, ano previsto para lançar o VLS. Simultaneamente, houve

medidas análogas de extinção da equipe especializa-

entRevistA esPeCiAL Roberto Amaral

Dois fatos recentes atestam a influência de Roberto Amaral na política espacial brasileira. Cearense, ex-ministro da Ciência e Tecnologia e presidente de honra do PSB, Amaral conseguiu que o governo ampliasse o capital da Alcântara Cyclone Space de R$ 347 milhões para R$ 486 milhões. De outra feita, por sua exigência, foi demitido o major brigadeiro da reserva, Antonio Hugo Pereira Chaves, então diretor de Transporte Espacial de Licenciamento da Agência Espacial Brasileira. O militar havia lhe atirado um copo d’água, durante

uma discussão em que cobrava agilidade para o lançamento do Cyclone 4, em dezembro

deste ano, pela base de Alcântara

Foto: José vital / Teia digital

32 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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da na área espacial. Por exemplo, o CTA, órgão da Aeronáutica encar-regado de desenvolver o foguete lançador VLS e adaptar o centro de lançamento (CLA) ao lançador, simultaneamente ao drástico corte de recursos financeiros para proje-tos, sofreu forte e crescente redução de recursos humanos, totalizando a perda de cerca de 2.500 servidores naquela década, sem autorização governamental para reposições.

NVU — Quais as implicações da des-continuidade de projetos e investi-mentos? RA — Agora, mesmo com a retoma-da dos recursos financeiros no Go-verno Lula, não se faz um técnico

especializado em Aeronáutica e Espaço em poucos anos.

Isso leva 10, 15, 20 anos. E não adianta for-

má-lo, se não lhe proporcionarem contínuo aperfeiçoamento espe-cífico e, principalmente, traba-lho na área. Contudo, o Brasil, cada vez mais, para continuar a se desenvolver, necessita ur-gentemente construir e lançar satélites. Depois do acidente na base de lançamento de Alcânta-ra e da constituição da Alcântara Cyclone Space (ACS), infelizmen-te, continuamos a enriquecer muito e ainda mais os países ri-cos, encomendando e lançando nossos satélites no exterior. Fo-ram lançados o CBERS 2B (lança-do na China, pelo foguete chi-nês Longa Marcha, em 2007), o StarOne C1 (francês, lança-do em KOUROU em 2007), o StarOne C2 (francês, lança-do em KOUROU em 2008) e o StarOne C12 (norte-ameri-cano, lançado em KOUROU em 2005 e posteriormente comprado da empresa SES Americon). StarOne é a subsi-

diária da área satélites da

“Não se faz um técnico especializado em Aeronáutica e Espaço em

poucos anos. Isso leva 10, 15, 20 anos. E não adianta formá-lo, se

não lhe proporcionarem contínuo aperfeiçoamento específico e,

principalmente, trabalho na área”

Embratel, que foi alienada a grupo estrangeiro em 1998.

NVU — Que vantagens o programa espacial representa para o país e, em especial, para a região Nordeste?RA — Sob o ponto de vista estraté-gico, o programa espacial é exigên-cia para a soberania e o desenvol-vimento do Brasil com extensões que são impossíveis de controlar fisicamente sem apoio de pro-grama espacial nacional. A região Nordeste, como as demais do país, precisa de programa espacial para receber informações meteorológi-cas, de uso e de potencialidades do

solo, monitoramento de dados ambientais, para telecomunica-ções, para controle do tráfego aéreo (em breve) e muitas ou-tras necessidades.

NVU — Quais os próximos passos na agenda da Alcântara Cyclo-ne Space?RA — Finalmente, após seis anos de sua criação (21/10/2003) e ultrapassadas muitas barreiras governamentais, principal-mente as burocráticas, a ACS espera receber nos próximos dias a autorização do Ibama

para iniciar, neste segundo semestre, as obras do sítio de lançamento. A nossa meta é extremamente desafiante: lançar o primeiro Cyclone-4 no fim de 2010.

NVU — Quais os investimen-tos que a Alcântara Cyclone Space necessita para a execu-ção dos seus planos e qual o orçamento disponibiliza-

33Agosto/2009Nordeste VinteUm

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do pelo governo este ano?RA — O capital necessário para im-plantar em Alcântara o complexo de lançamento do veículo Cyclone-4 foi orçado, este ano, pelo Conselho de Administração e pela Assembléia Geral da empresa binacional, em US$ 487 milhões (cerca de R$ 900 milhões). Para 2009, o governo e o Congresso já disponiblizaram o to-tal de R$ 119,6 milhões.

NVU — Com relação à energia nuclear, ao que parece, o governo brasileiro decidiu expandir a geração além das usinas de Angra. Qual a opinião do senhor com relação à atração de uma usina para o Ceará? RA — A expansão da capacidade brasileira de geração de energia nu-clear é indispensável. Em futuro não tão distante, as hidrelétricas não vão suprir toda a necessidade de energia elétrica do País. Foi muito alvissareira a decisão governamen-tal de retomada do programa nucle-ar brasileiro e de reinício imediato das obras da Usina Termonuclear Angra III. Para sustentar o desen-volvimento brasileiro e a melhoria da qualidade de vida da nossa po-pulação, há crescente necessidade de energia elétrica, cada vez mais difícil de ser obtida com recursos hídricos, inclusive devido às inibi-ções criadas pelos ambientalistas. A prioridade de o Nordeste receber uma usina nuclear é evidente, pois

NVU — O senhor pode comparar as vantagens para o Ceará de energia nuclear, solar e eólica? Qual a nos-sa principal vocação? Energia solar combina com semiárido? RA — As fontes de energia solar e eó-lica ainda não estão desenvolvidas o suficiente para geração em gran-des potências. Produzem energia limpa, sem significativos impactos no meio ambiente, mas ainda são caras para grandes escalas. É caro, também, integrá-las à rede nacio-nal. São hoje mais usadas local-mente, para pequenas vilas, hotéis, fazendas. As duas citadas formas de geração combinam perfeita-mente com o semiárido, onde hoje não há energia de usinas hidrelétri-cas ou nucleares. A energia nuclear, por sua vez, já é consagrada como boa alternativa à energia hídrica. Em alguns países, cito a França, ela é a principal fonte de energia. Em muitos outros, como os Estados Unidos, ela é parte substancial da matriz energética. Na minha opi-nião, a vocação do Ceará é a ener-gia nuclear.

nessa região são ainda menores as possibilidades de expansão da energia hídrica. Um importante fator a considerar é a existência no Ceará de reserva de urânio. O Brasil possui a sexta maior reser-va de urânio no mundo, mesmo havendo pesquisado apenas um terço do seu território. A mina de Itataia, em Santa quitéria, no Ce-ará, sustentaria centenas de anos de geração nuclear no Brasil. San-ta quitéria dista 220 quilômetros de Fortaleza e é a segunda maior reserva do Brasil, com exploração prevista para 2012. Sendo assim, o Ceará necessita e oferece atrativos para sediar usina nuclear.

NVU — Qual é, aproximadamente, o investimento e a capacidade de ge-ração?RA — Somente como ordem de gran-deza, cito que as usinas Angra 1, 2 e 3 têm potência na faixa de 1300 MW. Recentemente, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, informou que os investimen-tos para a instalação no Nordeste de duas usinas (de 1000 MW) ainda não foram dimensionados, mas es-timou que deverão ser necessários em torno de R$ 10 bilhões para a construção de cada unidade. Estima-se, também, que essas usinas poderiam entrar em operação em 2017.

“A expansão da capacidade brasileira de geração de energia nuclear é indispensável. Em futuro não tão distante, as hidrelétricas não vão

suprir toda a necessidade de energia elétrica do País”

34 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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Pesquisa e inovação tecnológica do

laboratório à empresa

Caderno especial

Para muito além da formação tecnológica

O s aniversários de 100 anos de atividades da

Rede Federal de Educação Pro-fissional e Tecnológica no Brasil e dos 10 anos do Instituto Cen-tec no Ceará, comemorados em setembro, são motivos para reflexão. A agenda trouxe ao Es-tado o presidente Lula com mi-nistros, que inauguraram, com o governador Cid Gomes, dois campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE) em Sobral, ao vivo, e por videoconferência, o de Limo-eiro do Norte, que começou a funcionar um ano antes e tem 177 alunos a mais.

São duas instituições com maturidade e expertise, mas que igualmente capacitam os cearenses para o mercado de trabalho e precisam ser for-talecidas na sinergia natural da missão irmanada que co-mungam. De certo modo, as duas Faculdades de Tecnologia Centec (Fatec), agora campi do IFCE, mantêm o DNA do traba-lho pioneiro realizado antes da federalização.

Nem só de formar técnicos de nível médio e tecnólogos de nível superior vivem o IFCE e o Centec. Esta edição des-taca o trabalho de extensão com aplicação de tecnologias sociais, a função de pesquisa e desenvolvimento e a intera-ção com empresas que gera riqueza por meio do apoio a novos negócios dinamizados pela força da inovação.

Carta do Editor

05

09

Agosto de 2009 - númeroº 3

Sucesso da SK Bombas na agenda de pequenas

e médias empresas

O mel e a cera da tecnologia social

03

Pesquisas X Empresas: IFCE mostra como quebrar barreiras07

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tome scientia!

exPansão consolidada abre novos concursos

caPacitação garantida dentro da bancada

A portaria do MEC beneficia os Núcleos Avançados de Aracati, Jaguaribe, Tauá, Baturité e Tianguá. As unidades poderão começar a funcionar em 2010 com cursos de graduação para a formação de

tecnólogos. No Núcleo de Tauá, vinculado ao campus do IFCE de Crateús, será dado o curso de graduação para formar tec-nólogos em Telemática e um curso técnico de Tecnologia

do Agronegócio, com foco na ovinocaprinocultura.

ciro diz que cvts são marca do ceará

nano: pesquisador da ufc ganha Prêmio internacional

cursos técnicos e de tecnólogos em 2010

O deputado Ciro Gomes (PSB) encontrou no plenário da Câmara o colega Ariosto Holanda (PSB) e disse que os CVTs estavam fazendo suces-so no Rio de Janeiro, onde havia esta-do: “Só falam de CVT”, afirmou, ao dizer ter comentado que esta é “marca do Ceará”. O Rio já implantou 15 CVTs

da rede de 34 que projeta instalar em parceria com o Ministério da

Ciência e Tecnologia, que colo-cou R$ 27 milhões no programa. O governador Sérgio Cabral está entu-siasmado com a ideia de capacitar pessoas carentes para o mercado de trabalho.

O professor Antônio Gomes Souza Filho, do Departamento de Física da Universida-de Federal do Ceará (UFC), integra a equipe que receberá o prêmio “Somiya Award 2009”, da International Union of Materials Research Societies (Iumrs). Foi conferido à equipe por contribuir no avanço em nanoestruturas de carbono (nanotubos de carbono e grafeno). A solenidade de premia-ção ocorreu no Inter-national Conference on Advanced Materials (Icam 2009), no Rio de Janeiro, de 20 a 25 de setembro. Integram a equipe os professores Mildred S. Dresselhaus (Instituto de Tecnologia de Massachussetts - MIT/Estados Unidos), Ado Jorio (Ufmg), Mau-ricio Terrones (México), Riichiro Saito (Japão), Morinobu Endo (Japão) e Marcos A. Pimenta (Ufmg). Antônio Gomes publicou mais de 50 trabalhos em periódi-cos internacionais na área de Física, Mate-riais e Nanociências. O pesquisador é bolsista de produtividade do CNPq e já publicou 121 trabalhos na área da Fí-sica de Materiais, que, até setembro de 2009, haviam sido citados 3.250 vezes.

[email protected]

Por Flamínio Araripe

A expansão da rede do IFCE incorporou duas Faculdades de Tecnologia do Instituto Centec (Fatec) — de Limoeiro do Norte e Sobral —, inauguradas pelo pre-sidente Lula em setembro deste ano. Foram acrescentadas às unidades de Forta-leza, Cedro, Juazeiro do Norte, Crato e Iguatu, as de Maracanaú e Quixadá, já em funcionamento, e mais três em implantação - Acaraú, Canindé e Crateús. Para os novos campi, o Ministério da Educação autorizou concursos para professores e servidores técnicos administrativos.

Quase concluída a construção dos 10 Núcleos Avançados do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), ex-Cefet, e de um Núcleo de Informação Tecnológica (NIT). O investimento é de R$ 18,25 milhões resultan-tes de emenda da bancada federal do Ceará. São implantados em Caucaia, Tianguá, Aracati, Jaguaribe, Tauá, Ubajara, Baturité, Morada Nova, Tabuleiro do Norte, Alto Santo e Camocim. As obras vão ser entregues até outubro, para inauguração ainda este ano. Para que o recurso fosse aplicado em capacitação tecnológica, e não em infraestrutura houve, na bancada, articulação liderada pelo deputado Ariosto Holanda (PSB-CE).

2 ciência &tecnologia / agoSto de 2009nordeste VinteUm

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cPQt

3 agoSto de 2009 / ciência &tecnologianordeste VinteUm

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equipe da empresa Sapien Soluções Inteligentes sentou à mesa com o empresário Helder Ma-cedo (ao centro da foto), da Lock Tec Tecnolo-gia, para discutir a aplicação de uma solução

de telemetria a ser instalada em 250 prédios para econo-mia de energia. O projeto de gerenciamento de consumo e utilização de cargas elétricas possibilita acompanhamen-to a distância com controle a cada cinco minutos.

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TELEMETRIA

m exemplo da ação de qualificação do CPQT está sendo tocado em dois projetos de inclu-são social por meio da inclusão digital com apoio do BNB em parceria com a Secretaria

de Desenvolvimento Econômico do Município (SDE) da Prefeitura de Fortaleza.

O Programa de Prática Profissional em Informática (Proinfor) vem sendo realizado em 18 regionais da cidade com o objetivo de selecionar os 50 melhores alunos para uma especialização em programa-ção de software.

O Projeto Ilha de Negócio de Celular visa a capacitação de jovens no conserto de aparelho celular para a criação de pequenas cooperativas instaladas em quiosque de locais de grande afluxo de pessoas. O quiosque será cedido como concessão durante um ano e

ASCENSÃO SOCIAL PELA INCLUSÃO DIGITAL

“ESSES mENINOS vÃO LONGE”

“Esses meninos vão longe”, disse Helder Macedo. Ele conta que os sócios da Sapien estagiaram na Lock Tec, voltada para telemetria e rastreamento, cresceram, criaram a sua própria empresa e agora é cliente deles. Mais sete pessoas trabalham na Sapien, que trabalha com pesquisa e desen-volvimento na área eletroeletrôni-ca e de novas tecnologias.

A Lock Tec terceiriza com a Sapien o projeto iniciado há dois meses que está chegando à fase de finalização, informa Macedo. Segundo ele, a empre-sa instalada no CPQT “é bem pro-fissional”. São sócios na Sapien Car-los Magnum Façanha Silva, formado em Telemática, Francisco Michel Freire de Sousa e Francisco Régis Cirino Nogueira, que concluíram Mecatrônica.

Outro produto desenvolvido na Sapien é um cartão saúde que está pronto para ser transferido para o cliente do setor público ou privado. O cartão armazena e trans-fere dados do paciente – de consulta, prescrição médica, resultados de exames e outras informações de prontu-ário. A mesma tecnologia será aplicada no controle de acesso do elevador do IFCE.

depois repassado a outros jovens capacitados.O curso de qualificação profissional em manutenção

de celulares visa a geração de pequenos negócios em co-munidades de baixa renda com jovens em situação de ris-co social com objetivo de inserção no mundo do trabalho.

O Proinfor capacitou 3.996 alunos de 2005 a 2007 em cursos de Rede de Computadores e Programação Web – Internet.

A iniciativa Ilha de Negócio de Celular, por sua vez, busca capacitar, treinar e gerar renda para os alu-nos, com a criação de pequenos grupos prestadores de serviços na Cidade, com a formação de 24 pesso-as selecionadas entre as 360 que hoje rece-bem a formação em 18 turmas nas regionais da Prefeitura.

“Está prevista a montagem de seis unidades do quiosque com ferramental para conserto e manutenção de celulares”, informa o diretor Edson Almeida. Os alu-nos terão ainda 40 horas de capacitação em empreen-dedorismo e cooperativismo. O projeto de qualificação vai ser coroado com uma apresentação do Crediamigo, programa de crédito solidário do BNB, aberto para apoio aos pequenos negócios que são esperados surgir com a capacitação profissional.

4 ciência &tecnologia / agoSto de 2009nordeste VinteUm

OPORTUNIDADES

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emPresas incubadas

SUCESSO DA SK BOmBAS NA AGENDA DE PEqUENAS E méDIAS EmPrESASCom 23 pesquisadores e 29 funcionários em Limoeiro do Norte, incubada na Intece, a incubadora do Instituto Centro de Ensino Tecnológico (Centec) é um caso bem sucedido de empresa inovadora. Chegou a ser responsável pelo fornecimento de um terço das bombas centrífugas das usinas de biodiesel em funcionamento no País

o 3º Congresso Brasileiro de Inovação na In-dústria, realizado este ano pela Confedera-ção Nacional da Indústria (CNI), Fernando Castro Alves, diretor de Pesquisa, Desen-

volvimento e Inovação da SK Bombas, foi um dos sete empreendedores do País convidados para expor as es-tratégias no painel “A Agenda de Inovação para as Pe-quenas e Médias Empresas”.

O “K” do nome SK vem da sua origem na empresa Bombas King, tradicional fabricante de bombas centrí-fugas, há 48 anos no mercado nacional. O “S” da SK vem de soluções novas que o mercado demanda, além das bombas, explica Fernando Castro Alves, engenheiro mecânico. O negócio que abriu campo para esta em-presa começou com o fornecimento de bombas cen-trífugas para a TecBio, adaptadas à usina de biodiesel para bombear óleo vegetal, ácido sulfúrico, biodiesel e outros fluidos.

Como as Bombas King eram projetadas para bombear água, ocorreram problemas com o bombe-amento de fluidos agressivos e muito trabalho de re-engenharia. Para dar resposta à demanda, foi criado um setor de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos na King.

Ricardo Castro Alves, irmão de Fernando, deixou o segmento de construção civil para ser o dono da SK, fundada em janeiro de 2006, incubada na Intece-Cen-tec, já com um departamento de Pesquisa e Desenvol-vimento de novos produtos. O DNA do novo negócio traz uma aguçada percepção que não deixa passar oportu-nidade oferecida pelos mecanismos oficiais de apoio à inovação, que motivaram a empresa a ter projetos apro-vados — primeiro na incubadora com um plano de ne-gócios, depois no CNPq, Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

nEx-MINISTRO MANGABEIRA UNGER EM SUA úLTIMA vISITA AO ESTADO DO CEARá

5 agoSto de 2009 / ciência &tecnologianordeste VinteUm

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emPresas incubadas

mENOS CUSTO DE ENErGIA

estudo do MIB gerou um produto inde-pendente com o mesmo nome que compete com a convencional caixa d’água elevada de edifícios, indús-

trias e condomínios, mas com menor custo. A tecnologia promete pressão constante, indepen-dente da vazão, fornecimento de água potável, proteção contra falta de água por sub-pressão e alerta para vazamentos, além de outros dados técnicos. É possível ainda a aplicação em siste-mas de irrigação e de combate a incêndios.

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na Inova 2007, a feira de Inovação da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), Fernando Castro Alves conta que soube da busca de parceiros da

Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial (Nu-tec) para desenvolver a automatização de usina piloto de biodiesel. A SK propôs e teve aprovado o projeto Autobio de R$ 180 mil, no CNPq, para o estudo de automação de uma usina de modo a reduzir custos e pesquisar materiais construtivos das bombas e componentes.

A SK Bombas uniu esforços com a Autoterm, que desenvolvia um controle eletrônico para bombas e daí surgiu o Módulo de Bombeamento Inteligente (MIB). A iniciativa levou a uma parce-ria com o Centro de Automação e Robótica (Cen-teuro) do Nutec. Como os recursos do CNPq eram somente para pesquisa, a ideia de montar o pro-tótipo do MIB para bombear outros fluidos virou projeto apresentado e aprovado pelo edital de

subvenção para Pesquisa em Pequenas Empre-sas (Pappe), da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fun-cap) e Finep com o repasse de R$ 483 mil.

O MIB visava atender a usina piloto de pro-dução contínua do Nutec, com equipamentos, consultorias e materiais para completar o projeto Autobio. “A evolução consiste em uma usina inte-ligente controlada por redes neurais, dotada de inteligência artificial que permite à usina ‘apren-der’ continuamente a trabalhar com diversas va-riáveis e fornecer sempre o produto final biodiesel dentro dos padrões estabelecidos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP)” explica o diretor de P&D da SK. Ele diz que será uma usina no concei-to flex, capaz de produzir biodiesel de qualquer óleo, exceto o de origem animal. O projeto já fun-ciona por meio de simuladores, tem boa parte da estrutura física já desenvolvida e vai entrar em testes por volta de maio de 2010, informa.

PArCErIA AUTOmATIzA USINA PILOTO DE BIODIESEL

BOMBEAMENTO INTELIGENTE

Outro projeto da SK foi aprovado com R$ 966.889,00 no Edital de Subvenção da Finep 01/2009, que prevê contratação para outubro deste ano, intitulado Desenvolvimento e Aplicação de Técnicas Eficientes, de baixo custo e consumo de energia para tratamento de água. A ideia visa o abastecimento público com água potável com sistema de filtros incorporados e ação biocida de geradores de ozônio, tecnologia da Trump Eletro-nics, hoje parceira da SK.

Fernando Castro Alves visitou a fábrica da Trump na China e o escritório na Alemanha com interesse em energia fotovoltaica e bombas sub-mersas produzidas em aço inoxidável. Mais três projetos, um deles para o aumento da produtivi-dade nas Bombas King com máquinas de inteli-gência artificial. Outro visa o desenvolvimento de sistemas de abastecimento de água linear e sob demanda para cidades de até 50 mil habitantes, que trabalha com inteligência artificial, detecta vazamentos e reduz custos, a ser proposto ao edital do fundo setorial CT-Hidro. O terceiro – faz mistério – é segredo industrial.

SK Bombas recebeu o prêmio máximo na Inova 2099

6 ciência &tecnologia / agoSto de 2009nordeste VinteUm

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inovação

om três depósitos de patente e dois registros de software des-de quando começou a funcionar em 2007, o NAI é o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) do IFCE. Foi criado de acordo com a Lei 10.973 – a Lei de Inovação, que no artigo 16 obri-ga as instituições públicas de ensino superior a implantar

este núcleo para gerir as políticas de inovação tecnológica.“Pioneiro na rede dos IFs do Nordeste, o NAI entrou em operação

no mesmo ano do NIT do IF da Bahia”, informa André Luiz Carneiro de Araújo, coordenador do núcleo e chefe do Departamento de Pes-quisa e Inovação do IFCE. Um projeto desenvolvido pelo NAI para a Coelce, um software para monitoramento de linhas de transmis-são, teve desdobramentos com a criação de uma empresa incu-bada para fabricar e comercializar produtos, a Hexa Tecnologia,

fundada por ex-alunos do laboratório da instituição.A Companhia Energética do Maranhão (Cemar) é cliente da

Hexa. A empresa incubada teve aprovado projeto de R$ 120 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Edital Programa Primeira Empresa Inovadora (Prime), para utili-zar o setop-box para aplicações nas áreas de saúde, au-tomação residencial e outras. A Hexa foi gerada pelo NAI com uma spin off, nome dado às empresas que surgem a

partir dos laboratórios de pesquisa das instituições.“A criação da Hexa completa um ciclo de inovação que

começa na pesquisa aplicada de acordo com a demanda do mercado até a geração de empresas spin off incubadas den-tro da instituição”, afirma André Luiz. O NAI trabalha também na divulgação da cultura da inovação tecnológica para que os pesquisadores atentem para a importância da proteção do co-nhecimento de suas pesquisas.

Segundo ele, os pesquisadores são orientados a primeiro proteger o conhecimento com a requisição de patente e re-gistro, e depois a divulgar a pesquisa em artigo científico. Os pesquisadores são incentivados a transformar o resultado das

pesquisas em produtos que possam ser oferecidos no mercado, via licenciamento de patentes, transferência de tecnologia e par-

ceria com empresas, dentro do conceito de inovação tecnológica.

IFCE mOSTrA COmO qUEBrAr BArrEIrAS

PESqUISAS X EmPrESAS:

O Núcleo de Apoio à Inovação (NAI) do Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE) desenvolve este ano, projetos de parceria e transferência de tecnologia com 10 empresas dos setores de informática e elétrico. De 2008 a 2009, captou R$ 7,2 milhões que foram investidos na execução de projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D). Mas, na vida real do mercado, grandes empresas ainda demonstram inércia diante das perspectivas com inovação tecnológica. Para romper com esse comportamento, a saída seria a subvenção de empresas surgidas a partir de laboratórios de pesquisa. Neste caso, o papel das Instituições de Ensino Superior é fundamental

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CHESF, SIEmENS, COELCE, DArUmA, mICrOSOL, IBYTE E vTI

NAI E INSTITUTO ATLÂNTICO

NAI desenvolve pes-quisas em parce-ria com empresas como Chesf, Co-

elce, Siemens, Daruma e as cearenses vTI, Microsol, Ibyte trabalham três projetos em par-ceria com o Instituto Atlântico.

Conforme o coordenador do NAI, com a transformação do Cefet em Instituto Federal, a missão deixa de ser apenas ensino tecnológico e inclui a pesquisa aplicada cujos resul-tados possam ser transferidos para a empresa. O Atlântico tem um projeto de parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) e nenhum com a Universidade Estadual do Ce-ará (Uece). No Ceará, existem NITs em funcionamento no IFCE, UFC, Uece e Nutec.

André Luiz informa que o NAI presta suporte tecnológico na prospecção, acompanha-mento, proteção e estímulo à comercialização tecnológica.

PArCErIAS COm

7 agoSto de 2009 / ciência &tecnologianordeste VinteUm

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inovação

APrOXImAçÃO PELA TECNOLOGIA

“mAIOrIA DOS NIT NÃO FUNCIONA”

LEI DO BEm, DE INFOrmáTICA E FUNDOS SETOrIAIS SÃO FONTES DE rECUrSOS

NAI opera com Lei de Informática e fundos setoriais, prin-cipalmente de petróleo e energia elétrica. Também utiliza a chamada Lei do Bem, que financia projetos de outras áreas.

“O NIT trabalha no sentido de aproximar a empresa com pesquisadores a fim de gerar pesquisas que venham a se transformar em produtos tecnológicos”, diz André Luiz. Em relação ao projeto da Lei do Bem, devido à negociação que está sendo realizada com uma em-presa, ele informa apenas que trata do desenvolvimento de produtos na área farmacêutica.

O Núcleo do IFCE aprovou projeto de inovação na Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoas do Ensino Superior (Capes) e, agora, busca empresa para utilizar o recurso. O presidente da Capes, Jorge Guimarães, em visita ao campus do IFCE em Limoeiro do Norte, disse que a

instituição tem R$ 150 milhões para inovação em edital de fluxo contínuo, com isenção fiscal de até 85% para empresas, dos quais só foram usados R$ 20 milhões.

uma avaliação do programa de incentivo à inovação tecnológica da Capes, o presidente da agência reclamou que a maioria dos NIT não funciona. Para concorrer, basta ter projeto aplicável, nem precisa ter empresa. Porém, é obrigatório que seja de Instituição

de Ciência e Tecnologia (ICT) do setor público e atenda à necessidade legal de passar pelo NIT. É objetivo da Capes que funcionem.

Reinaldo Ferraz, coordenador Geral de Serviços Tecnológicos

do Ministério da Ciência e Tecnologia informou que “a Lei do Bem beneficiou 430 empresas até 2007. O orçamento de 2006 a 2009 soma R$ 1,65 bilhão. Foram aprovados ainda 564 projetos, com recursos da ordem de R$ 1,1 bilhão”.

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Mas, não executa as ativida-des de pesquisa. Os projetos citados foram executados pela equipe de pesquisa do IFCE.

A Microsol depois de uma ex-periência com um projeto be-neficiado por Lei de Informática com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrs), optou pela agilidade do trabalho em projetos tocados com o Insti-tuto Atlântico e NAI-IFCE. Com o NAI, a empresa desenvolveu um software para gestão ener-gética concluído em 2008, que hoje comercializa, e já inicia outro projeto de pesquisa.

A Ibyte desenvolve com o NAI um sistema para controle de estoque. Conforme André Luiz, as grandes empresas têm uma inércia muito grande para tra-balhar com inovação tecnoló-gica. Algumas já têm setor de inovação, outras dificilmente conseguem desenvolver a pesquisa porque possuem vi-são diferente.

ARRANQUE INICIAL — “A me-lhor maneira de quebrar essa inércia seria com a subvenção a empresas inovadoras surgi-das a partir de laboratórios de pesquisa, que para cres-cer precisam de um arranque inicial para se estabelecer no mercado”, diz André Luiz. Para ele, o papel das Insti-tuições de Ensino Superior é fundamental neste processo porque são provedoras dos inovadores da era da inova-ção tecnológica. O coordena-dor do NAI observa que exis-te por parte das empresas em geral – não só do Ceará – um receio de interagir com instituições de ensino. “Ainda existe barreira a ser quebra-da”, afirma.

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tecnologias sociais

O mEL E A CErA DA TECNOLOGIA SOCIAL

Saiba como as tecnologias sociais introduzem inovações na organização e gestão, trazendo soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. No Ceará, a apicultura e o processamento da carnaúba são exemplos de atividades resultantes de planejamento, pesquisa, desenvolvimento, difusão e avaliação. Envolvem técnicas, procedimentos, metodologias e processos; produtos, dispositivos, equipamentos e serviços; desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população

SECADOR SOLAR: aumento no rendimento

9 agoSto de 2009 / ciência &tecnologianordeste VinteUm

conceito é definido no Projeto de Lei 3.449/08 dos deputados Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e Luiza Erundina (PSB-SP), aprovado em junho deste ano pela Comissão de Tra-

balho, Administração e Serviço Público da Câmara, que visa instituir a política nacional e o programa de tecnologia social. A iniciativa quer atribuir competência ao Ministério da Ciência e Tecnologia para mobilizar e coordenar ações, recursos humanos, financeiros, ma-teriais, técnicos e científicos e promover a participação da população na execução dos objetivos estabelecidos na lei, por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia para inclusão social com diversos parceiros.

Exemplo de tecnologia social no âmbito do Institu-to Centec, no Ceará, é o Programa de Apicultura — Ge-ração de Ocupação e Renda, implantado com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecop). O objetivo é o crescimento da atividade em modelo de agronegócio que proporcione otimização e uso do po-

tencial existente na região, de forma complementar às demais atividades familiares rurais, de modo ecologi-camente correto, em estímulo à cultura de cooperação e associativismo.

“O programa foi iniciado com capacitação e as-sistência do Centro vocacional Tecnológico (CvT) de Aracoiaba com uma colméia. Agora, produz 80 tonela-das de mel por ano no município”, relata Paulo Chagas de Sousa, da Associação de Apicultores. O mel é embalado em sachês e gera mais de um salário mínimo por mês, para cada uma das 20 pes-soas da associação. Mais 80 pessoas são benefi-ciadas indiretamente. A entidade produz também

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tecnologias sociais

iogurte natural sem química, que vende com o mel a prefeituras para merenda escolar. O Banco do Brasil financiou 20 projetos na linha do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Neste projeto, foram capacitados 1.102 pro-dutores que vivem abaixo da linha da po-breza. O Centec distribuiu para 5.510 colmeias e mais 14 itens que compõe o kit apicul-tor em 23 municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado.

desenvolvida em 12 municípios de bai-xo Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) com apoio do Fecop. Foram capa-citados 600 produtores e fornecidos 12 kits tecnológicos com secador solar da palha e equipamentos e materiais para melhoria da pro-dução do pó cerífero e fabricação do papel.

O secador solar proporciona um aumen- 9to no rendimento em cerca de 64% para 92%, melhora a qualidade da cera, do pó cerífero e reduz os custos de produção. A receita bruta obtida com o uso do secador gera incremento de 106% em comparação com o siste-ma tradicional. O Ceará produz 8.254 tone-ladas de cera de carnaúba por ano. A tecnologia visa a melhoria no pro-cesso de produção e da qualidade da cera, com o aprendizado de boas práticas de produção, secagem da palha e extração do pó cerífero.

Também foram realizadas oficinas de trabalho para a produção de papel e de peças artesanais em Amontada, Caridade, Cariré, Choró, Granja, Itaiçaba, Massapê, Miraíma, Moraújo, Morrinhos, Santana do Acaraú e Uruoca.

A Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), apoia uma nova aplicação do projeto com 480 pesso-as em Jaguaruana, Russas, Beberibe, Bela Cruz, Gran-ja, Sobral, Poranga e Canindé, 60 em cada município.

Com assistência técnica con-tinuada, a iniciativa busca a elevação do IDH dos municí-pios atendidos.

Outro exemplo de tec-nologia social aplicada é a transformação da folha da carnaúba em papel, usado

para confeccionar diversos produtos e objetos de artesanato. A alternativa tecnoló-gica foi gerada pela Universidade Federal do Rio Gran-de do Norte (UFRN), adaptada no Ceará e transferida para municípios de baixo IDH com recursos do Fundo de Combate à Pobreza (Fecop) pelas secretarias da Ci-ência e Tecnologia e Educação Superior, do Desenvolvi-mento Agrário, do Trabalho e Desenvolvimento Social e Instituto Centec. Mais tarde foi aplicada para palha de milho, bagaço da cana-de-açúcar e algas marinhas.

9 A transferência de tecnologia com uso da carnaúba e do secador solar na pro-dução de papel e peças artesanais foi

PELA qUALIDADE DE vIDAAs tecnologias sociais possuem a característica ímpar de aproximar e estreitar as relações entre a tecnologia e as demandas e necessidades de melhoria de qualidade de vida da população brasileira. Fundamentam-se em pesquisas, conhecimentos populares ou científicos e tecnológicos, e podem assim solucionar os mais variados problemas do povo brasileiro. As tecnologias sociais têm como ponto de partida a busca pela melhoria da qualidade de vida e como ponto de chegada respostas concretas à população. Constituem, portanto, numa ponte, construída pelo conhecimento e suas aplicações, uma ligação prática, real e concreta, entre os problemas sociais e suas soluções.

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INCLUSÃO PELO PrOjETO mULHErES mIL

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Nordestinas vão figurar em novela. A estreia da novela “Viver a Vida”, da TV Globo, vai incluir personagens da vida real no roteiro. São quatro mulheres nordestinas, uma delas do bairro Pirambu, em Fortaleza, e mais três selecionadas em Recife, Salvador e João Pessoa. As protagonistas indicadas a pedido da produção da TV fazem parte do projeto Mulheres Mil, uma tecnologia social desenvolvida pelo Instituto Federal, que visa a formação profissional para inserção no mercado de trabalho na área do turismo

informação é do pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFCE), Gutenberg Albu-querque. A participação se dá ao fim de

cada capítulo com um depoimento real de pessoas comuns. Também estão sendo sondadas alunas par-ticipantes do Projeto Mulheres Mil dos estados do Ceará, Bahia, Pernambuco e Paraíba. “Não existe nú-mero definido. Podem ser várias de cada subprojeto”, explica o pró-reitor.

A ação se dá dentro de um acordo de cooperação entre os governos do Brasil e Canadá para beneficiar, no mínimo, mil mulheres durante quatro anos em 12 es-tados das regiões Norte e Nordeste. Os Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ce-ará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e a Escola Técnica Federal de Palmas desenvolvem a iniciativa. Cada es-tado desenvolve o projeto numa área específica.

A primeira turma do Ceará concluiu os cursos de

culinária e de camareira com 35 mulheres. Uma se-gunda foi selecionada em junho com mais 40 mulhe-res. “Está prevista outra turma de 40 mulheres para 2010”, informa a coordenadora do projeto e da área de Relações Internacionais do IFCE, Sarah virgínia Carvalho Ribeiro.

No Ceará, o foco é dado ao turismo, pela capaci-dade que o setor pode proporcionar para a geração de renda e trabalho. As aulas são dadas pelos alunos dos cursos superiores, como atividade da disciplina Proje-to Social, que obriga desenvolver um projeto comuni-tário no último ano da graduação.

A Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida/Acdi) e a Associação das Facul-dades Comunitárias Canadenses (Accc), similar ao IFCE, gerou a experiência do modelo. A transferência da tecnologia para o Brasil com adaptação à realida-de local é feita por meio do Ministério da Educação, Rede Norte-Nordeste de Educação Tecnológica (Rde-net), Conselho dos Reitores dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Conif) e pelos Institutos Federais (IFs).

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ciamento no Banco de Desenvolvimento Social e Eco-nômico (Bndes) para as cooperativas de mulheres. No Ceará, o projeto foi iniciado em 2007 e será executado até 2011. A coordenadora diz que precisa da parceria de mais hotéis para atividade de estágio. Para isso, pre-tende formatar convênio coma seção cearense da Asso-ciação Brasileira da Indústria Hoteleira (Abih).

O exemplo das Faculdades Comunitárias Canaden-ses ao atender também a clientela diferenciada da que frequenta os cursos regulares chega ao Brasil por meio dos IFs, que trabalham nesta rota de acesso ao mer-cado. O projeto Mulheres Mil é o primeiro passo para a iniciativa do Ministério da Educação que irá lançar a Rede Certific, que visa dar certificação de conhecimen-tos adquiridos na prática por meio dos IFs. Assim, um eletricista prático, após comprovar os conhecimentos, receberá uma certificação.

O Pirambu é considerado o bairro com maior número de habitantes de

Fortaleza. As alunas recebem uma bolsa-auxílio no valor de R$ 100 e transporte para se deslocarem para as aulas que acontecem no Campus Fortaleza do IFCE, no bairro Benfica. Os recursos são

repassados pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (Setec/MEC). Foi comemorada com fes-ta a formatura da primeira turma do projeto em mar-ço deste ano – a segun-da concluirá o curso em junho de 2010.

O currículo do curso de 400 horas com teoria e prática abrange noções básicas de português, matemática e as disciplinas específicas de manipulação de alimentos e camareira, informática, inglês, espanhol, segurança do trabalho, saúde, DST, Aids, direitos da mulher, relações sociais e oficinas de empreendedorismo e cooperativismo. As mulheres passam ainda por estágio de 40 horas em hotel para que sejam contratadas por empresas ou montem o seu próprio negócio.

Sarah virgínia Car-valho Ribeiro informa que a direção nacional do projeto tenta finan-

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ciência &tecnologia / jUnho de 2009

Wilton Bezerra júnior Editor Executivo n [email protected] n [email protected] Bezerra Diretor Editor Adjunto n [email protected] Flamínio araripe Editor Adjunto de Ciência e Tecnologia n [email protected]

apoio escritório técnico de estudos econômicos do nordeste (etene) / Banco do nordeste do Brasil (BnB)apoio técnico centro de Pesquisa e Qualificação tecnológica (cPQt)

diretor-executivo edson da Silva almeidacolaboração assessoria de comunicação Social do instituto Federal de educação, ciência e tecnologia do ceará (iFce) / jornalista Marlen danúsia

TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. o CADErno DE ciência &tecnologia É umA pARTE InTEgRAnTE DA REVISTA nordeSte VinteUM E nÃO pODE SER VEnDIDO SEpARADAmEnTE

editora assaré ltda Me - Rua Waldery uchôa, 567 A n Benfica, Fortaleza, Ceará n CEp: 60020-110e-mail: [email protected] - Fone/fax: (85) 3254.4469

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“Mauá” do NordesteUm empreendedor que se antecipou nas inovações técnicas, no controle da reprodução operária e na exploração das potencialidades industriais do sertão. Homem com rara habilidade para ganhar dinheiro e organizar empreendimentos inovadores na indústria e no comércio. Com uma trajetória marcada por sucessos e fracassos, Delmiro Gouveia protagonizou a história do desenvolvimento do Nordeste, lá pelas bandas de Pernambuco e Alagoas, entre o fim do século XIX e as duas primeiras décadas do XX. Envolveu-se em acirradas disputas e conflitos — dos coronéis aos monopólios internacionais. Coronel para uns, empreendedor para outros, este cearense é sinônimo de destemor, ousadia e autoritarismo. Para muitos, o “Mauá” do Nordeste, uma analogia a Irineu Evangelista de Sousa, empresário, industrial, banqueiro e político do Segundo Reinado, maior símbolo dos empreendedores capitalistas brasileiros do século XIX

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Por Samira de [email protected]

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m Ipu, município serrano a 294 quilômetros de Fortaleza, Ceará, provavelmente pouca gente conhece a saga deste filho ilustre. Porém, pergunte em Alagoas quem foi Delmiro Augusto da Cruz Gouveia que muitos irão associá-lo à cidade encravada no cânion do rio São Francisco, de pouco mais de 48 mil habitantes, a 301 quilômetros

de Maceió, à qual ele empresta nome e sobrenome.

Delmiro Gouveia: cearense, en-trou nos livros de história como pio-neiro da industrialização no Nordeste. Figura polêmica. Quase um mártir do empresariado nacional. Homem que, no alvorecer do Século XX, coman-dava seus negócios à moda dos coro-néis, porém, com atitudes visionárias, tanto no campo econômico quanto no social. Personalidade difícil de re-sumir em poucas palavras.

O que dizer de um sujeito que, de arma em punho, obrigava os em-pregados a descer penhascos para construir a primeira hidrelétrica do Brasil, a de Paulo Afonso? Ao mes-mo tempo, em plena década de 10, já assegurava aos seus funcionários direitos resguardados pelo populismo da (CLT) de Getúlio Vargas, como jornada de trabalho, creche, escola e assistência médica.

Em pleno Brasil rural, Gouveia teimava em ser urbano, mas sem dei-xar de lado o sertão. Exportava pele de bode pros “States” e até criou o que pode ser chamado de primeiro shop-ping center do Brasil, o Mercado do Derby, no Recife.

EO interesse por delmiro Gouveia percorre o meio acadêmico, empresarial, artístico e político. A junção de uma vida pessoal atribulada, com conflitos políticos marcados por tensões intensas e com realizações audaciosas no mundo dos negócios, converteu delmiro em um personagem ímpar no cenário empresarial brasileiro

telma de Barros Correia, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da EESC-USP

A história mostra que nunca há uma só verdade. Para muitos, o “Mauá do Nordeste” não passava de um coro-nel autoritário, que fazia lá suas be-nesses, mas controlava com pulso de ferro a cidade da Pedra, com sua vila operária, onde bebida alcoólica era artigo permitido apenas ao patrão. A este sim, cabia saborear champanhes caros e vinhos de Bordeaux.

“O interesse por Delmiro Gou-veia percorre o meio acadêmico, em-presarial, artístico e político. A jun-ção de uma vida pessoal atribulada, com conflitos políticos marcados por tensões intensas e com realizações audaciosas no mundo dos negócios, converteu Delmiro em um persona-gem ímpar no cenário empresarial brasileiro”, afirma Telma de Barros Correia, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Es-cola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP). É dela o prefácio do livro Ou-sadia no Nordeste: a saga empreende-dora de Delmiro Gouveia (Maceió, FIEA, GIJS, 2007), escrito por Davi Roberto Bandeira da Silva.

Comprou briga com gente graúda quando, em mais um arroubo de ou-sadia, fundou já em Alagoas a Com-panhia Agro Fabril Mercantil, que, logo nos primeiros meses, já produzia 216 mil carretéis de linha de algodão – ramo dominado pelos ingleses da Machine Cottons. Ao trombar em monopólios tradicionais, Delmiro se metera numa encrenca das piores.

Praça Jardim de Iracema, em Ipú/CE, cidade natal de Delmiro Gouveia, mostrando parte da rua Coronel Félix. Ao fundo, a Bica do Ipu na Serra da Ibiapaba

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m 1891, fundou, com um amigo de origem inglesa, a Levy & Delmiro. De acordo

com Dilton Cândido Santos May-nard, professor da Universidade Es-tadual de Alagoas e autor da tese O Senhor da Pedra: os usos da memória de Delmiro Gouveia (1940-1980), defendida na Universidade Federal de Pernambuco, em 2008, atacan-do ferozmente a concorrência, em pouco tempo o jovem empresário fi-gurava nos jornais com a alcunha de “Rei das Peles”. Tornara-se o único exportador de couros do Nordeste para os Estados Unidos.

“Os lucros lhe trouxeram uma vida de fausto: sua residência, a Vila Anunciada - assim batizada em ho-menagem à primeira esposa -, foi transformada em um espaço para grandes festas e saraus”, relata.

Aos 35 anos, era um comercian-

te respeitado. “Apesar de não vir de família tradicional e de possuir pouca instrução, Gouveia tornou-se presidente da Associação Comer-cial de Pernambuco. Seu figurino era elegante: ditou moda com os colarinhos Delmiro Gouveia, tinha um apreço todo especial por roupas brancas e perfumes importados”, re-lata Maynard.

Quando ia à cidade, não dispen-sava bengala e cartola. Estava sem-pre perfumado. Reza o povo que o homem era boêmio e mulherengo, um dândi em pleno semiárido. Mas, era viajado, conhecia a Europa e os Estados Unidos. De dia, encon-travam-no sempre se declarando apaixonado para a esposa. Mas, a fama de negociante próspero logo foi acompanhada pela de galantea-dor, que enviava rosas e bilhetinhos apaixonados às amantes.

elmiro Augusto da Cruz Gouveia nasceu em 5 de junho de 1863, na fazenda

Boa Vista, no município de Ipu, na serra da Ibiapaba, Ceará, 14 anos antes de uma grande seca vitimar 500 mil nordestinos.

Fruto da paixão e do acaso: o coronel Delmiro de Farias, casado e pai de cinco filhos, raptou a jo-vem pernambucana Leonilda Flora da Cruz Gouveia. Apaixonou-se por ela quando viajou a Recife, a negó-cios. Da união extaconjugal nasceu o menino Delmiro, segundo tantas biografias dele, uma delas escrita por J.C. Alencar Araripe (Delmiro Gouveia: a glória de um pioneiro. Fortaleza: BNB, 1997).

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DDa seca no Ceará à prosperidade no Recife

“Rei das Peles”Vida de fausto, um dândi do semiárido

Filho “ilegítimo”, órfão e analfabeto

Órfão de pai – que morrera na Guerra do Paraguai –, o cearense mudou-se ainda criança para Re-cife. Depois de perder a mãe, em 1877, caiu no mundo com apenas 15 anos, sobrevivendo de vários ofícios. Analfabeto e sem dinhei-ro, foi atrás dos primeiros trocados como bilheteiro na estação ferro-viária de Olinda.

Aos 18 anos, empregou-se na Alfândega, como despachante de barcaças no Cais de Ramos. Os despachos burocráticos nunca o seduziram e, antes que morresse de tédio, foi trabalhar no comércio de “courinhos”, artigos de pele de bode, carneiro e cabra, popularíssi-mos no Nordeste da época.

Delmiro Gouveia não dispensava bengala e cartola

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Em 1899 Delmiro Gouveia, voltou da Exposição Universal de Chicago com a idéia de construir um enorme estabelecimento, onde se pudesse encontrar de tudo. O Mercado do Derby não demorou a ficar pronto. Era o primeiro esta-belecimento comercial da capital pernambucana com energia elétri-ca, vendia produtos pela metade do preço e funcionava 24 horas por dia. Também contava com hotel, parque de diversões e restaurante.

Derby: o shopping 24 horas do sertãoEletricidade e pioneirismo

Estadual de Alagoas. “Mas, a gran-de atração era mesmo a ilumina-ção elétrica, inédita na cidade. O público lotava o mercado para ex-perimentar os carrosséis e divertir-se com as barracas de prendas, o teatro, as regatas, além do velódro-mo para ciclismo. Para muitos, o Derby foi a versão pioneira de um shopping center no Brasil”, conta Maynard.

Do prefeito José Coelho Cintra (1843-1939), inimigo seu declara-do, Delmiro Gouveia obteve isen-ção de impostos e outros favores, mas os privilégios não foram sufi-cientes para que mantivesse o Der-by por muito tempo. No dia 2 de janeiro de 1900, o empreendimen-to ardeu em chamas. “O misterioso incêndio teria sido uma resposta à ousadia do empresário, que elimi-nava intermediários baixando os preços e, certa vez, chegou a atacar a bengaladas o senador Francisco Rosa e Silva (1857-1929), podero-so líder político pernambucano e então vice-presidente da Repúbli-ca. Delmiro acabou preso, acusado de ter ordenado o fogaréu para re-ceber o seguro”.

“Era um mercado com 129 metros de comprimento por 28 de largura, 18 portões, 112 janelas e venezianas, e um restaurante. Fun-cionavam no Derby 264 boxes, to-dos com balcões de mármore, onde se vendiam hortaliças e verduras”, escreveu Maynard.

Quem desembarcava no porto de Recife era transportado pelo lei-to do rio Capibaribe para um hotel construído próximo ao mercado – relata o professor da Universidade

Maria Augusta Gouveia, irmã de Delmiro, ladeada por seus sobrinhos, filhos deste, Noemia, Maria e Noé

Mercado Modelo Coelho Cintra ou Mercado do Derby, destruído por um incêndio, na madrugada de 1º de janeiro de 1900 e recuperado em 1909, onde hoje funciona o quartel-general da Polícia Militar em Recife

1896delmiro funda a casa delmiro gouveia & Cia., conti-nuando a trabalhar no ramo dos couros e das peles de cabra e ovelhas. ganha o apelido de “Rei das Peles”.

1897entra em funcionamento, nas Cataratas do Niágara (eua), o complexo Niagara Falls, hidrelétrica com um sistema de geração e transmissão de corrente constru-ído pela Westinghouse. o modelo se tornará referência para todo o século seguinte.

1899em março, a farmacêutica alemã Bayer patenteia o ácido acetilsalicílico (aspirina), obtido, dois anos antes,

pela conjugação química do ácido salicílico com o ace-tato. É o primeiro fármaco da história a ser sintetizado, não recolhido na natureza na sua forma final.No dia 7 de setembro, delmiro inaugura o Mercado Coelho Cintra, no Recife, aproveitando as terras aban-donadas do derby Clube.

1903em março, delmiro instala seu negócio de compra de peles na vila da Pedra, em alagoas, a cerca de 280 quilômetros de Maceió.

1906Frederick Henry Royce e Charles Stewart Rolls fundam na inglaterra a fábrica de carros Rolls-Royce. No dia 23

um contemporâneo de magnatas

Detalhe do interior da Companhia Agro Fabril Mercantil de linhas, setor de dínamos

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e acordo com Maynard, os negócios iam mal e Delmiro Gouveia insistia em torrar dinheiro em viagens ao exterior. Assim, as empresas faliram

em 1901, com uma dívida de 1,7 milhão de réis. “Ino-centado do incêndio no Derby, passou por uma séria crise conjugal. Para fugir do redemoinho, viajou para a Europa, ficando cerca de um ano longe dos negócios, que iam mal, e do casamento, que desmoronara.

Quando, enfim, retornou ao Brasil, estava fa-lido”. O empreendedor recomeçou do zero. Sem gastar nada – dois sócios entraram com o capital –, montou uma fábrica de “courinhos”. Recuperou a confiança dos credores. Mas tropeçou nas coisas do amor.

Separado da primeira esposa, apaixonou-se pela afilhada do governador de Pernambuco, Segismun-do Gonçalves (1845-1915). Às vésperas de comple-tar 40 anos, raptou a menina Carmela Eulina do Amaral Gusmão, de 16 anos, e a levou para o inte-rior do estado – seguindo a sina de seu pai.

Com a prisão decretada, fugiu para a minúscula cidade de Água Branca, no sertão alagoano, onde constituiu seu império industrial. Onde a compa-nheira lhe daria seus três filhos. “Alguns biógrafos sugerem que Eulina foi a ‘vingança de saias’ aplica-da por Delmiro em Segismundo, pelos ataques aos seus negócios”, diz Maynard.

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Falência, “courinhos”, rapto de mulher e fuga para Alagoas

Recomeço do zero

Maria Augusta Gouveia, irmã de Delmiro, com seus sobrinhos, Noêmia, Maria e Noé, filhos de sua cunhada Eulina do Amaral Gusmão com seu irmão

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A trajetória de Delmiro Gouveia foi simultânea à dos magnatas do petróleo e da indústria automobilística americana e européia. Como estes, o empreendedor cearense foi capaz de transformar o espaço ao seu redor, evidenciadas as devidas proporções. Confira na cronologia:

de outubro, em Paris, no campo de Bagatelle, o brasileiro alberto Santos dumont realiza o primeiro vôo de avião da história, percorrendo 60 metros no ar com seu 14-Bis.

1911o engenheiro norte-americano Frederick W. Taylor publica Os princípios da administração científica, em que propõe uma racionalização da produção, de modo que o trabalhador desenvolva tarefas ultra-especializadas e repetitivas. Nasce o taylorismo. o Supremo Tribunal dos estados unidos desmantela o monopólio da Standard Oil, de John davison Rockefeller, e ordena a criação de 34 pequenas novas refinarias, das quais emergirão exxon, Chevron, atlantic, Mobil e amoco. em 10 de outubro, um levante militar, inspirado nas idéias revolucionárias

de Sun Yat-sen, leva ao fim o milenar império chinês e à proclamação da República da China no ano seguinte.

1912delmiro registra a Companhia agro Fabril Mercantil, no Recife, e inicia a construção da fábrica e da vila operária, na Pedra. Na noite de 14 abril, o Titanic, navio transatlân-tico da British White Star Line, colide com um iceberg no oceano atlântico em sua viagem inaugural. o naufrágio causa mais de 1.500 vítimas.

1913delmiro capta a energia hidrelétrica na queda do angi-quinho, na cachoeira de Paulo afonso. Henry Ford adota a linha de montagem em sua fábrica.

1914delmiro inaugura a fábrica de linhas que muito cedo dominariam o mercado nacional, com a marca estrela. impõe-se também fortemente em várias praças estrangeiras, com a marca Barrilejo. No dia 28 de junho, o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, é assassinado em Sarajevo por um nacionalista sérvio. É o estopim da Primeira guerra Mundial, que começará um mês depois.

1917No dia 10 de outubro, delmiro gouveia morre assassina-do à bala. No dia 25 do mesmo mês, o partido bolchevi-que toma o poder na Rússia, anunciando a abolição da propriedade privada e a socialização da produção.

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m Água Branca, Delmiro Gou-veia recebeu apoio das pode-rosas famílias Torres e Luna.

Retomou o negócio de peles e couros. Recuperou-se dos prejuízos e, em mar-ço de 1903, fixou-se na Vila da Pedra.

Próxima ao sítio que comprou na região ficava a cachoeira de Pau-lo Afonso. Começou ali a matutar um plano ousado: a partir da queda d’água, construir uma hidrelétrica para fornecer energia ao Recife, sua antiga morada, e a outras cida-des do Nordeste.

Tudo arquitetado, Gouveia im-portou equipamentos e, em 1911, trouxe um grupo de engenheiros americanos, que elaboraram um pro-jeto de aproveitamento e exploração do rio São Francisco.

Mas, nem tudo saiu como o es-

perado. O governador Dantas Barre-to (1850-1931) teria dito ao negar a concessão: “‘O negócio é bom. Tão bom que deve esconder alguma ve-lhacaria!’ Os americanos pularam fora, mas Gouveia levou a ideia adiante, limitando-a às suas terras”, escreveu Maynard.

Assim, nascia a Hidrelétrica de Paulo Afonso. Para construí-la, o co-ronel do progresso enfrentou o pavor dos sertanejos em descer os 80 me-tros de da queda-d’água. Para desfa-zer-lhes o medo, o próprio Delmiro se aventurou no penhasco, amarrado a uma corda. Em seguida, obrigou-os a imitá-lo. Antevendo qualquer de-monstração de covardia, posicionou-se na beira da cachoeira, revólver em punho. Não hesitaria em atirar no cabra que se atrevesse a recuar.

E

Enfim, a luz em Água Branca, à base de revólver e ameaça

Hidrelétrica

ANGIQUINHOTurismo com rio, cachoeira, usina, locomotiva e caatinga

ma das principais atrações tu-rísticas de Delmiro Gouveia é a região de Angiquinho. O lugar

faz parte da área rural do município. É lá onde está instalada a primeira usina hidrelétrica do Nordeste. A usina come-çou a funcionar em 1913 e está aberta à visitação. Angiquinho ainda possui a Cachoeira de Paulo Afonso, uma visita imperdível. Lá, o turista encontra uma linda paisagem formada por natureza, rochas e vegetação típica do sertão e do rio São Francisco.

Quem quer conhecer um pouco mais da história de Delmiro Gouveia deve visitar o Museu da Pedra. Funcio-na na antiga estação ferroviária Great Western, construída por D. Pedro II em 1878 e que deu origem ao povoado. O lugar abriga peças que pertenceram à família de Delmiro Gouveia, bem como objetos que contam a história da antiga fábrica de linhas e da ferrovia. No pátio do museu está exposta uma antiga locomotiva “Maria Fumaça”, que fazia o transporte de passageiros e car-gas à cidade de Piranhas.

UHidrelétrica de Angiquinho onde as máquinas foram instaladas literalmente dentro da rocha

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O salto do Angiquinho no Cânion do São Francisco com a usina em pleno funcionamento

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energia obtida em Paulo Afonso moveu a Fábrica da Pedra – a Companhia Agro

Fabril Mercantil, fundada por Gou-veia em 1914. Nascia a primeira indústria têxtil do sertão alagoano, que prosperou alavancada pelos tempos da Primeira Guerra Mun-dial (1914-1918). Logo nos primei-ros meses, a unidade produzia 216 mil carretéis de linha de algodão – ramo dominado pelos ingleses da Machine Cottons.

“Os carretéis ingleses passaram a sofrer uma inesperada concorrên-cia no mercado nacional, com o rá-

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Fábrica de progressos muda paisagem do sertão alagoano

Linha de algodão

pido crescimento das linhas marca Estrela. No exterior, Gouveia lan-çou a linha Barrilejo. Sua clientela estrangeira incluía Chile, Argentina, Peru, Bolívia, Antilhas e Canadá”, conta o professor Maynard.

Com água, energia elétrica e empregos, o empreendedor modifi-cou a paisagem do sertão alagoano. “A vila pulou de menos de uma de-zena para cerca de 250 casas, com uma população de quase cinco mil pessoas. As bebidas alcoólicas foram proibidas – mas isso, evidentemen-te, não valia para o ‘rei das peles’, que agora era o ‘senhor da Pedra’ ”.

“Seus cinco automóveis, os primeiros a cruzar aqueles sertões, assustavam os camponeses”, escre-veu Maynard. Junto com a indús-tria, levou para a pequena localida-de a máquina de gelo, o telégrafo, o cinema (como ingresso das crian-ças, cobrava o boletim escolar com boas notas), o carrossel, a tipogra-fia, bandas de música e a jornada de trabalho de oito horas, com fol-gas aos domingos.

Dilton Cândido Santos May-nard relata que a fábrica possuía

Automóveis, gelo, telégrafo, cinema, carrossel, tipografia, música, jornada de trabalho e rigor

uma vila operária, onde Delmiro impôs normas rigorosas aos mora-dores: “Havia horário para fechar as portas, vistoria da higiene nas casas e multas para quem cuspisse no chão”. O coronel cearense exigia das moças vestidos abaixo dos joe-lhos e cabelos arrumados. Os filhos dos empregados eram obrigados a estudar – se faltassem, os pais re-cebiam duras advertências. Todos deveriam andar sempre asseados. Para muitos, todo dia era o de vestir a roupa de domingo.

Têxtil em Alagoas é origem do primeiro polo industrial do NE

a visão empresarial de Delmiro Gouveia originou-se, no início do século XX, a formação do primeiro

polo industrial do Nordeste brasileiro jun-to com a implantação da primeira indús-tria têxtil no sertão alagoano.

A Cia. Agro Fabril Mercantil come-çou a funcionar em 5 de junho de 1914, na distante Vila da Pedra, hoje município de Delmiro Gouveia. Os primeiros car-retéis vieram da Finlândia. A primeira compra de algodão do Egito. Depois, veio a utilização do algodão Seridó, plantado nas terras da região.

Com a implantação desta fábrica, o lugarejo inabitado da Pedra prosperou, ganhou posto telegráfico, estradas e os primeiros automóveis. Em seu primeiro ano de funcionamento, a fábrica em-pregava mais de 800 operários, respon-sáveis pela produção diária de mais de dois mil carretéis de linhas para costura, rendas e bordados. Em 1916, a fábrica intensificou a sua produção, passando a exportar para a Argentina, Chile, Peru e outros da América do Sul.

Com sua morte, o controle da Cia. Agro Fabril Industrial passou aos irmãos Menezes, até que, no fim dos anos 80, após sucessivas crises financeiras, foi adquirida pelo Grupo Cataguases, pas-sando a chamar-se Multifabril Nordeste S/A. Essas crises voltaram a se repetir, levando a fábrica a ter a sua produção radicalmente reduzida, com o risco de ter as suas portas fechadas.

Em 1992 o Grupo Carlos Lyra, tra-dicional no segmento da agroindústria de açúcar, álcool e de fertilizantes, com forte participação na economia nacional, aceitou o desafio de continuar o legado empresarial de Delmiro. Assumindo o controle da empresa, deu-lhe o nome da Fábrica da Pedra S/A Fiação e Tecela-gem – uma homenagem de Carlos Lyra à cidade onde Delmiro Gouveia fez história, a antiga Vila da Pedra.

Hoje, o empreendimento produz cerca de 1.500.000 metros de tecido/mês, destinados ao mercado brasileiro e ao Mercosul. Emprega 500 funcionários, dos quais 99% estão em Delmiro Gouveia.

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Frontispício da Companhia Agro Fabril Mercantil, produtora da linha Estrela, na Pedra, Alagoas

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41Agosto/2009Nordeste VinteUm

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ontam seus biógrafos e estu-diosos que Delmiro Gouveia se metera numa encrenca das piores ao enfrentar o mo-

nopólio do ramo têxtil. Mandou cercar sua casa-grande e contra-tou guardas armados. “Fosse por desavenças pessoais, fosse por in-teresses comerciais contrariados, sua pele estava a prêmio. Aos 54 anos, era um cabra marcado para morrer. E driblar este destino foi um golpe que o magnata não sou-be dar”, conta Maynard.

Três tiros à queima-roupa aca-baram com o sonho de cobrir o sertão de máquinas. Estes foram disparados quando o empresário lia jornal na varanda de seu cha-lé, no dia 17 de outubro de 1917. Apesar de as suspeitas recaírem sobre a Machine Cottons – grupo inglês que fez uma férrea cam-panha para adquirir a Fábrica da Pedra e retomar o monopólio no negócio de linhas, perdido duran-te a Primeira Guerra –, o crime ja-mais foi solucionado. No processo judicial – em que ninguém nunca acreditou – o acusado de disparar os tiros foi condenado a 30 anos de prisão. Era um ex-operário da

C“Cabra marcado para morrer aos 54 anos”

Construção do mito

A banda local acompanhou o fé-retro, mas, além disso, nada mais houve”. Anos após a sua morte, o grupo inglês finalmente comprou a fábrica. E não perdeu a oportu-nidade de chocar a população da Pedra: várias máquinas da CAM foram quebradas e jogadas no leito do Rio São Francisco.

Para Telma de Barros Correia, a morte prematura, violenta e pou-co esclarecida, contribuiu para reforçar a força do mito no qual Delmiro Gouveia já havia se con-vertido quando vivo e aprofundar o interesse em torno do persona-gem e de sua obra.

“Um homem com rara habili-dade para ganhar dinheiro e orga-nizar empreendimentos inovado-res, mobilizando amplamente os recursos oferecidos pela técnica e pela ciência. Mostra-se, por outro lado, um homem de pulso e cora-gem – capaz de grandes embates –, que na visão de vários autores teria enfrentado a prepotência das oligarquias estaduais, a fúria de trustes internacionais e a violência dos coronéis”, diz a professora, em relação às obras até hoje publica-das sobre ele.

VEjA TAMBéMLivros:

Filmes:

ARARIPE, J.C. Delmiro Gouveia: a glória de um pioneiro. Fortaleza: BNB, 1997.

MARTINS, F. Magalhães. Delmiro Gouveia: pioneiro e nacionalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL,1979.

ROCHA, Tadeu. Delmiro Gouveia: o pioneiro de Paulo Afonso. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1970.

SILVA, Davi Roberto Bandeira da. Ousadia no Nordeste: a saga empreendedora de Delmiro Gouveia. Maceió, FIEA, GIJS, 2007

“Coronel Delmiro Gouveia”, de Geraldo Sarno, 1977.“Delmiro Gouveia: o homem e a terra”, de Ruy Santos,1971.

Delmiro Gouveia foi assassinado aos 54 anos com três tiros à queima-roupa enquanto lia o jornal na varanda de seu chalé em 17 de outubro de 1917

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1903-1917Água vinha de trem. Depois, barragens e desenvolvimento

uando Delmiro Gouveia chegou à Pe-dra, em 1903, existia ali apenas uma pequena estação da Ferrovia Paulo

Afonso e umas poucas casas de taipa. Até a água precisava vir de trem. Quando ele mor-reu assassinado, em 1917, a então Pedra já contava com cerca de 6 mil moradores. Em 1916, a Cia. Agro Fabril Mercantil produzia, com algodão seridó plantado na região,

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518.400 carretéis de linha de costura por dia, de qualidade igual ou superior aos me-lhores produtos importados, sem descuidar do bem estar dos operários.

Para minorar o problema de falta d’água que chegava de longe, no trem semanal, Delmiro logo construiu o açude do Desvio, no córrego Paricônia, e no ano de 1907 fez a barragem no Riacho de Mosquita, para cons-truir o açude de Pedra Velha. Em grande par-te, graças às ações pioneiras de seu afamado morador Delmiro, hoje o município que leva seu nome tornou-se uma das mais importan-tes cidades do interior de Alagoas.

Companhia Agro Fabril que mora-va justamente na Vila da Pedra.

Em seu testamento, relata Maynard, o cearense deixou uma fortuna calculada em quatro mil contos de réis. “E exigiu: ‘Que-ro que meu corpo seja inumado em cova rasa, sendo meu enterro feito sem pompa alguma e dis-penso também todos os sufrágios e quaisquer outras solenidades’.

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desenvOLviMentO

Em agosto de 2010, o Ceará vai sediar novamente a Conferência internacional sobre Clima, Sustentabilidade e desenvolvimento das regiões Semiáridas, a icid+18, também chamada de icid 2010. Quase duas décadas depois do primeiro evento,

afora alguns avanços institucionais, as regiões semiáridas, geralmente as maiores concentradoras de pobreza no globo, ainda não conseguiram o mais importante: virar prioridade na pauta da agenda de desenvolvimento mundial. assunto que

interessa diretamente ao nosso Nordeste subdesenvolvido

O semiárido quer

Prioridade

Por Marcel [email protected]

Hiper Árido

Árido

Semiárido

Subúmido Seco

área seca compreende 41.3% da área terrestre global

Equador

área seca está na casa de 34.7% da população global em 2000

percentual da população global

percentual da área terrestre

Fonte: Millenium ecosytem assessment

Superfície terrestre

População

Hiper Árido Árido Semiárido Subúmido/ Seco

43Agosto/2009Nordeste VinteUm

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srael, no Oriente Médio, e o estado do Arizona, nos Estados Unidos, guardam semelhanças entre si. Ambos se localizam em regiões de secas, com grandes porções desérticas, e têm clima árido e semiárido. Dos 15 países do Oriente Médio, Isra-

el é o único desenvolvido da região, mesmo sem produzir uma única gota de petróleo. Ao contrário dos vizinhos, todos subdesenvolvidos e onde o “ouro negro” não signi-ficou a saída para o atraso. Apesar dos escassos recursos naturais e do clima árido, já que 85% de suas terras são desérticas e falta água, Israel – que tem pouco mais de sete milhões de habitantes, 470 quilômetros de comprimento e 135 de largura, em seu ponto mais amplo –, desenvolveu intensamente sua agricultura e indústria, exporta tecnologia, frutas e alimentos.

I

No estado do Arizona, grande parte do território possui clima árido ou semiárido. Estas regiões re-cebem menos de 40 centímetros de chuva por ano. Mas, nem por isso, a agricultura e a pecuária deixam de ser praticadas por lá. Vegetais (especialmente ce-nouras e ervilhas) são as principais fontes de renda agropecuária. Outros produtos cultivados são o al-godão (o Arizona já foi o maior produtor nacional) e frutas cítricas. Leite e carne bovina são as principais fontes de renda da indústria pecuária.

Estes são apenas dois exemplos de como polí-

ticas públicas podem possibilitar desenvolvimento sustentável em regiões assim. Elas se situam em pa-íses de primeiro mundo e, infelizmente, não emble-máticas do que acontece nas demais zonas áridas e semiáridas do planeta. Em geral subdesenvolvidas, como a África subsaariana, a Mongólia e o Nordeste do Brasil, para citar apenas alguns exemplos, essas regiões, além dos sérios problemas socioeconômi-cos, ainda sofrem com a ameaça de agravamento das condições ambientais e climáticas, o que certamen-te tornará ainda mais difícil a presença humana.

Divulgados em 2007, os últimos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Cli-máticas (sigla em inglês IPCC) – órgão das Nações Unidas responsável por produzir in-formações científicas em três rela-tórios divulgados periodicamente desde 1988 – apontam para um cenário catastrófico em termos globais. As estimativas são de que a temperatura média do planeta subirá quatro graus até 2100, caso nada seja feito para reduzir as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global. Previsões mais otimistas apostam que o aumento seria de 1.8 grau (com corte de 70% das emissões). Os relatórios são baseados na revisão de pes-quisas de 2.500 cientistas de todo o mundo. Eles afirmam, categoricamente, que há 90% de certeza de que o homem é o responsável pelas mudan-ças do clima no planeta.

Nova delimitação do semiárido brasileiro, o mais populoso do mundo

Fonte: Ministério da integração Nacional 2005

Legenda

Municípios do semiárido

Limite municípios

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s relatórios do IPCC também divulgaram há dois anos os im-pactos do aquecimento global

sobre a economia e o meio ambiente em escala mundial. E regiões como o Nordeste brasileiro deverão estar entre as mais atingidas. Já escassa e mal distribuída nessas áreas, a água terá acesso ainda mais dificultado na região, com o clima passando de semiárido para árido. Haverá com-prometimento da recarga dos lençóis freáticos, cuja redução nos aqüíferos chegará a 70% até o ano 2050.

A contar, ainda, a evaporação, já considerável nos dias atuais. “Au-mentos de temperatura associados à mudança de clima decorrente do aquecimento global, independente do que possa vir a ocorrer com as chuvas, já seriam suficientes para causar maior evaporação dos lagos, açudes e reservatórios e maior de-manda evaporativa das plantas”, coloca José A. Marengo, pesqui-sador do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe). Sem fa-lar da acentuação do processo de desertificação, em andamento em algumas áreas.

IndIcadores do semIárIdo e nordesteDISCRIMINAçÃO SEMIáRIDO NORDESTE S.áR/NE (%)

PIB - R$ Bilhões (2007) 86,5 298,2 29PIB per capita – R$ (2007) 3.880 5.790 67População - Milhões (2007) 22 52 43Área Territorial (Km²) 986.909 1.553.917 64Densidade Demográfica(Habitante/Km²) (2007)

22 33

Fonte: etene/BNB

Nordeste brasileiro entre os mais impactados pelo aquecimento

O No plano socioeconômico, os resultados das projeções do IPCC para o Nordeste não seriam menos ruins. Segundo o estudo Mudan-ças Climáticas, Migrações e Saúde: Cenários para o Nordeste Brasileiro, 2000-2050, divulgado em versão final este ano pelo Centro de De-senvolvimento e Planejamento Re-gional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (Ufmg) e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fio-cruz), o impacto seria a queda de 11,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em relação ao crescimento esperado do in-dicador no cenário tendencial em 2050. Além disso, o setor agrí-cola teria sua capacidade produtiva mais atingida nas próximas décadas, o que comprometeria sua geração de renda e emprego. Haveria atra-ção de trabalho para outras regiões do país e para setores menos afeta-dos da economia, gerando migração e deslocamento de capital.

De acordo com estudos da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agrope-

cuária (Embrapa) e da Universidade de Campinas (Unicamp), a oferta de terras aptas à agricultura nos estados nordestinos terá reduções significa-tivas. Por exemplo, a redução na área de terras agriculturáveis será mais drástica nos esta-dos do Ceará (-79,6%), Piauí (-70,1%), Paraíba (-66,6%) e Pernambuco (-64,9%).

Considerando essa redução na disponibilidade de terras agricul-táveis, as estimativas desse estudo mostram reduções importantes nos PIBs estaduais. Os estados mais afetados serão Pernambuco (-18,6%), Paraíba (-17,7%), Piauí (-17,5%) e Ceará (-16,4%). O Estado que terá o PIB menos atingido, segundo a modelagem baseada nas pre-visões do cenário A2 do IPCC, é Sergipe (-3,6%). Lá, deve ocorrer o menor choque na disponibilidade de terras para a agricultura (-5,3%).

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panorama das regiões ári-das e semiáridas tem a seguinte grandeza de rele-

vância: nada menos que 35% da população do planeta – mais de dois bilhões de pessoas – moram em terras secas, e co-brem 41% de superfície ter-restre. Elas estão bem próximas ao mapa de pobreza mundial e na mira das severas mudanças climá-ticas apontadas pelo IPCC.

Todas as perspectivas climáti-cas e seus impactos no desenvol-vimento das regiões semiáridas do mundo serão mais uma vez tema de um grande evento internacio-nal que deverá reunir em Fortale-za, de 16 a 20 de agosto de 2010, mais de duas mil pessoas de 50 países. A Segunda Confe-rência Internacional sobre Clima, Sustentabilidade e Desenvolvimento em Regiões Semiáridas, a Icid+18, tam-bém chamada de Icid 2010, convocará elaboradores de políticas públicas, cientistas e participantes da sociedade civil de países em desenvol-vimento e industrializados, representando todas as regiões semi-áridas do mundo.

“O objetivo principal da Icid+18 é de novo alargar a agenda das regi-ões áridas e semiáridas na Rio+20, dessa vez com um sentido mais prá-tico, o de tentar identificar e propor políticas públicas para o desenvolvi-mento sustentável dessas regiões”, afirma o diretor da Icid, Antônio Rocha Magalhães, para quem as populações que vivem nessas ter-ras continuam sub-representadas na discussão de ações climáticas e de desenvolvimento.

ocha Magalhães foi o coorde-nador da primeira Icid, reali-zada há 17 anos, também em Fortaleza. Na época que ante-

cedeu a Conferência das Nações Uni-das sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento (Rio 92 ou Eco 92), ocorrida no Rio de Janeiro, lideranças políticas do Nordeste, preocupadas com a au-sência de uma pauta de discussões ligada às regiões áridas e semiáridas do planeta, sugeriram a realização da conferência, que acabou ocorrendo na capital cearense.

“Ela produziu um conjunto de conhecimentos científicos que foram levados à Rio 92 e cumpriram o obje-tivo principal que era de abrir espaços para a agenda das regiões semiáridas. Foi um evento que contou com 1.300 partici-pantes oriundos de 45 países e de várias institui-ções nacionais e internacionais, obtendo muita repercussão no Brasil e no mundo”, lembra Magalhães.

O saldo da primeira Icid incluiu a publicação de diversos livros e do-cumentos que contribuíram para o desenvolvimento de pesquisas em to-dos os países que contam com regiões semiáridas. Entre eles, destacam-se a Declaração de Fortaleza — A busca do desenvolvimento sustentável para as regiões semi-áridas, documento que serviu como base de discussões duran-te a Eco 92, os Anais da Conferência (publicados em português, espanhol, inglês e francês), os livros Desenvolvi-mento sustentável no Nordeste (publi-cado pelo Ipea), e Climate Variability, Climate Change and Social Vulnerabi-lity in the Semi-arid Tropics, que aca-bou virando clássico mundial sobre o assunto, publicado pela Cambridge University Press.

garaNtia ÀS NaÇÕES aFriCaNaS. A con-

Icid: o início dos primeiros avanços institucionais

Vida de 35% da população mundial e 41% da superfície do planeta em conferência

PErSPECtiVa 1992

O Rtribuição científica da Icid serviu de base para que os delegados presentes na Rio 92 pudessem propor à As-sembléia Geral das Nações Unidas a negociação de uma Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (Unccd), que acabou surgindo em 1994. Segundo o jornal francês Le Monde (26 de junho de 1992), graças à Icid as nações africa-nas obtiveram, dos países desenvolvi-dos, no Rio de Janeiro, garantias de celebração da futura convenção.

A Unccd e as convenções de Mu-danças Climáticas e de Preservação da Biodiversidade tratam dos três maio-res problemas ambientais enfrentados pela humanidade, segundo a ONU.

Um outro desdobramento impor-tante da Icid foi o Projeto Áridas, uma metodolo-gia desenvolvida por um conjunto de especialis-tas, cientistas brasileiros e es-

trangeiros que discutiram o que as recomendações da Icid colocadas na Declaração de Fortaleza significariam para o semiárido do Nordeste do Bra-sil. “A partir daí, nós desenvolvemos uma metodologia de planejamento para o desenvolvimento sustentável, que chamamos de Projeto Áridas. Fi-zemos cerca de 50 estudos regionais, todos seguindo a mesma metodologia, e nos estados esses estudos foram re-plicados, inclusive no estado do Ce-ará, fornecendo toda a base para a safra de planos estaduais de desenvol-vimento sustentável que começou em 1995, no Ceará”, recorda Magalhães.

Embora reconheça que na prá-tica ainda estejamos longe de um desenvolvimento sustentável, Rocha Magalhães destaca a preocupação e a elevação do nível de conscientiza-ção geral em relação ao tema, “em boa parte graças ao trabalho da Icid e do projeto Áridas”.

O evento contou com 1.300 participantes oriundos de 45 países e de várias instituições nacionais e

internacionais

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menos de um ano para a Icid 2010, a orga-

nização do even-to corre contra o tempo na busca de parcerias e de consolidar alian-ças com institui-ções do Brasil e do exterior. O ob-jetivo é movimentar grupos de pesquisa que irão preparar e apresentar os trabalhos.

Na segunda edição, a Icid deverá investir R$ 5 milhões em or-ganização. Os estudos vão abordar três temas relacionados ao clima, meio am-biente e desenvolvimento sustentável em regiões semiáridas. O primeiro deles é “informação sobre variabilidade e mu-danças climáticas e ambientais”. “Segu-rança humana, bem-estar e desenvolvi-mento humano” e “processos de políticas públicas” são os outros dois.

O evento vai produzir e publicar recomen-dações para a Rio+20 (caso esta se concretize) e orientar análises e políticas destinadas a redu-zir a vulnerabilidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas que habitam as terras secas ao redor do mundo. De acordo com o diretor da Icid, a expectativa é de que cerca de 500 traba-lhos sejam inscritos, dos quais 100 devem ser apresentados durante a conferência.

A Icid+18 já conta com apoio garantido do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da ONU. Entre o fi-nal de setembro e o início de outubro, Rocha Magalhães e autoridades estaduais integram missão à França, Alemanha, Bélgica e Inglater-ra, com o objetivo de consolidar parcerias com instituições européias, para contribuições nas áreas científica e financeira.

Uma equipe da Icid foi designada para par-ticipar, no fim de setembro, da conferência das partes da Convenção de Combate à Desertifica-ção, em Buenos Aires, que contou com a parti-cipação de instituições do mundo inteiro.

Consolidação de parcerias e prospecção de recursos

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oNU, Bid E BaNCo MUNdiaL aNtôNio roCha MagaLhÃES

avaliação é o diretor da Icid+18, Antônio Ro-cha Magalhães, que fala com conhecimento de causa. Cearense de Canindé, ele é doutor

em Economia pela USP e dedicou a vida ao estudo e ao trabalho na área de desenvolvimento regional e sustentável. Trabalhou no Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e no Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea). Foi secretário de Planejamento do Estado do Ceará e secretário executivo do Mi-nistério do Planejamento. Dirigiu o Projeto Áridas – uma estratégia para o desenvolvimento sustentável do Nordeste. Ensinou Economia na UFC e Políticas Públicas na Universidade do Texas, em Austin, nos Estados Unidos. Ex-consultor do Banco Mundial (Bird) no Brasil e também membro do Painel Inter-governamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Magalhães atualmente presta consultoria a vários órgãos, entre eles os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Ciência e Tecnologia (MCT).

Um cearense dedicado ao desenvolvimento

A

Globalmente, essas regiões mais pobres, semiáridas, continuam sem ter uma prioridade grande na agenda de desenvolvimento. nela, a atenção maior está indo para a questão das florestas, e o problema do semiárido fica um pouco de lado. então, a icid tem esse objetivo de fortalecer a agenda para essas que correspondem às regiões mais pobres

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agENda

pós a nova delimitação estabelecida em 2005 pelo Ministério da In-

tegração Nacional (MIN), o semiárido brasileiro corres-ponde a 969.589,4 km2, onde estão 1.133 municípios de oito estados nordestinos (exceto Maranhão) e do Norte de Mi-nas Gerais. O governo federal con-ta hoje com algumas políticas dire-cionadas para o semiárido brasileiro. Entre elas, estão o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável do Semiárido e o Plano Nacional de Combate à Desertificação e Mitiga-ção dos Efeitos da Seca.

Apesar de o conceito de desen-volvimento sustentável ter obtido bastante difusão em todo o mundo, Magalhães considera que no âmbi-to governamental, pelo menos no Brasil, ele ainda não inspira uma política de Estado, internalizada por todos os órgãos da estrutura administrativa federal. “A situação hoje é que há vários planos, há al-guns pequenos grupos interessa-dos, tentando defender a questão do Nordeste, do semiárido, mas a avaliação é que, realmente, esse não é um assunto prioritário na agenda nacional. Não é na agen-da do Congresso, não é na agenda do governo federal, não é nem na agenda dos ministérios”, critica o diretor da Icid.

Ele cita como exemplo o fato de que a questão do semiárido é

tratada pelo MMA e pelo MIN, e somente o MMA elaborou o Plano de Combate à Desertificação. “Isso fica numa coordenação, no quarto escalão. E geralmente um grupo de pessoas que não tem acesso às de-cisões do ministério, ao ministro. Então, é realmente uma atividade não prioritária dentro do ministé-rio e do governo. No Ministério do Planejamento, por exemplo, não tem um grupo que se encarregue dessa questão”, afirma.

No caso da desertificação, en-tretanto, Rocha considera como avanços a criação do plano na-cional, que atende à decisão da Unccd, e a elaboração de planos estaduais. “Isso é um passo im-portante, mas eu diria que no âm-bito nacional esse é um plano do MMA, não é ainda um plano do Ministério do Planejamento, de todos os ministérios. Então acho que isso não é bom, porque acaba sendo uma coisa um pouco mar-ginal, não está internalizado pelo governo como um todo”, explica.

A prioridade reclamada pelo diretor da Icid tem a ver, também, com o nível de subdesenvolvimen-to do semiárido. “Ela não é uma região muito rica em termos de capacidade de produção, tem li-mitações. Não tem poder suficien-te para se impor nacionalmente”. Nesse sentido, ele cita o enfraque-cimento institucional e político de órgãos que trabalham o desenvol-vimento do Nordeste, como é o caso da Sudene e do Dnocs.

ventos como a Icid também tentam contribuir para des-mistificar visões errôneas em

relação ao semiárido. “Temos que fugir de certos slogans, que são muito do agrado de políticos e de algumas outras pessoas que não entendem muito do assunto, como essa de que uma polí-tica adequada para o Nordeste rural é uma política que vai prender o homem a terra. Isso seria castigá-lo. Ele tem que ter liberdade, de decidir migrar ou ficar no mesmo lugar”, pontua. “Para os que decidem ficar na terra, é impor-tante que tenham melhores condições de vida. E os que decidirem migrar precisam ter uma capacitação adequa-da para poder competir em outros lu-gares também”, acrescenta.

É nesse ponto que reside a segun-da dimensão da Icid+18: “Segurança humana, bem-estar e desenvolvimento humano”. Na visão dele, pensar o de-senvolvimento sustentável deve levar em consideração todas as dimensões de desigualdade, tanto sociais quanto econômicas. A pensar ainda a capa-citação humana, o desenvolvimento de atividades econômicas que sejam sustentáveis. “Temos que fazer com que as atividades econômicas não des-truam essa base. As pessoas, também do ponto de vista social, tem de ser sustentáveis, com uma boa educação, bom acesso a serviços de saúde. Isso é que é desenvolvimento”, pondera.

Nesse contexto, a tecnologia pode dar contribuição significativa, de acor-do com Rocha Magalhães. “Por exem-plo, tecnologias de irrigação que otimi-zem e reduzam o uso da água”. Todo esse processo, na ótica dele, tem sido posto em segundo plano por governos sem visão de longo prazo necessária para a implementação das mudanças. “Entre a estratégia de longo prazo, que não assegure a reeleição e uma que atenda aos interesses da clientela e ga-ranta a eleição, alguns políticos vão es-colher essa última opção”, considera.

Sustentabilidade não vira política de Estado no Brasil

“Prender o homem à terra seria castigá-lo”

AE

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entre os assuntos mais debatidos na Icid+18 em 2010, certamente estará a desertificação. De acordo com a Unccd, desertificação representa a degrada-

ção da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas resultante de uma diversidade de fatores, como as variações climáticas e as atividades humanas.

Vinte e cinco por cento da produção mundial de alimen-tos procedem de zonas áridas e semiáridas, que estão em ris-co de desertificação. Segundo dados das Nações Unidas, o processo de desertificação vem colocando fora de produção, anualmente, cerca de seis milhões de hectares devido ao so-brepastoreio, à salinização dos solos por irrigação e a proces-sos de uso intensivo e sem manejo adequado na agricultura.

Por continentes, a África Subsaariana é a região “com o maior índice de desertificação do mundo”, fenômeno que atinge ainda 25% da América Latina e do Caribe, entre outros lugares, segundo a Organização das Nações Unidas para Agri-cultura e Alimentação (FAO). Estima-se que até 2020 cerca de 135 milhões de pessoas correrão risco de serem obriga-das a abandonar suas terras devido à contínua desertificação. Destas, 60 milhões serão da África Subsaariana.

Já na Ásia, com 1,7 bilhão de hectares de terra árida, semi-árida e semi-úmida, as regiões prejudicadas incluem desertos

crescentes na China, Índia, Irã, Mongólia e Paquistão; as dunas de areia da Síria; as montanhas erodidas do Nepal; e o desmatamento e pecuária extensiva das regiões montanhosas do Laos. Quanto ao número de pessoas afetadas pela desertificação e pela seca, a Ásia é o continente mais prejudicado, de acordo com a ONU.

“Esse fenômeno con-tinua se expandindo, e as políticas públicas ain-da não foram capazes de freá-lo, embora já se veja algumas experiências que podem ser interessantes. Ao lado disso, a população é maior, e portanto a pres-são sobre o meio ambien-te é maior”, aponta Rocha Magalhães, ao contrapor que o conhecimento acer-ca da desertificação ainda

Desertificação: problema real e ainda desconhecido

E

Desertificação representa a degradação da terra nas zonas áridas, semi-áridas e subúmidas secas resultante de uma diversidade de fatores, como as variações climáticas e as atividades humanas.

O clima semiárido é um tipo de clima caracterizado pela baixa umidade e pouco volume pluviométrico. Na classificação mundial do clima, o clima semiárido é aquele que apresenta precipitação de chuvas média anual entre 300 mm e 800 mm.

Conceitos

CE

PI

MA

BA

PE

RN

PB

AL

SE

MG

ES

Áreas susceptíveis à desertificação

Áreas Afetadas por Processos de desertificação

Áreas Semi-ÁridasÁreas Subúmidas SecasÁreas do EntornoLimites das ASD

ModeradaGraveMuito Grave

isolinhas de incidência de secas

20%40%60%80%

precisa evoluir.Um relatório da ONU concluído em 2007 revela que a

desertificação ameaça 75% das terras áridas e semiáridas da América Latina — o equivalente a um quarto da superfície da região. Segundo o documento, um terço da população mun-dial é vítima da degradação das terras. O cenário projeta um total de 50 milhões de pessoas sendo obrigadas a migrar, den-tro de dez anos, por causa disso. A estimativa é de que pelo menos 100 países enfrentem o problema.

O Brasil conta com quatro núcleos de desertificação. Eles somam 18,7 mil km² e se localizam nos municípios de Gil-bués, no Piauí; Seridó, no Rio Grande do Norte; Irauçuba, no Ceará; e Cabrobó, em Pernambuco. Mesmo as regiões mais ricas do país, como o Sul e o Sudeste, são alvo de desertifi-cação ou estão em estado de alerta. A lista de Estados com algum registro desse fenômeno é formada por Bahia, Piauí, Pernambuco, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Ceará, São Paulo, Minas Gerais, Para-ná e Rio Grande do Sul, além da região amazônica.

OTAMAR, 2006

Fonte: MMa

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Morreu em setembro, aos 83 anos, o poeta alberto Porfírio, um dos grandes nomes da poesia popular cearense, quiçá brasileira. Nasci-do em quixadá, em 1926, alberto Porfírio é autor do livro Poetas Populares e Cantadores do Ceará, publicado em 1978, uma obra de grande importância para quantos apreciam o gênio poético dos rapsodos do povo. Porfírio, idealizador e freqüentador assíduo das famosas “Noites de viola” que se realizavam na Casa de Juvenal galeno, escreveu poemas do melhor lavor, entre os quais “a estátua do Jorge”, “Cantiga da dorinha”, “eu gostei mais foi do Cão”, “No tempo da lamparina” e “Porque não aprendi a ler”. escreveu também um livro de sonetos e outro sobre as referidas “Noites de viola”. Cordelista inspirado, é autor de vários folhetos. Tratava-se de personalidade afável e caráter firme, por isso figura amada e respeitada no meio da cantoria e do cordel. infelizmente, por ser avesso a badalações, nunca teve o talento reconhecido pela mídia, apesar de ter uma verve tão inspirada quanto a de um Patativa do assaré, por exemplo. Porfírio, além de poeta, era também xilógrafo e escultor. a estátua do cantador Cego aderaldo, que se vê em frente da estação Rodoviária de quixadá (Ce), é da lavra dele.

Morre o Poeta alberto Porfírio

PiNGo De fortaleZa eM 25 aNoS De CarreiraO Brasil conhece Ubiratan

Aguiar como o político que representou o povo cearense em vários mandatos parla-mentares, desde a Câmara Municipal de Fortaleza à Câ-mara dos Deputados em Brasí-lia, passando pela Assembleia Legislativa do Estado. Hoje

presidente do Tribunal de Contas da União, Ubiratan é, antes de tudo, poeta. Autor de diversos livros, sua mais recente criatura, entretanto, é Sina do Cabra da Peste, CD em que aparece em parceria com importantes intérpretes da música popular brasileira, como Fagner, Dominguinhos e Waldonys; e cujas letras foram todas compostas por ele. O título do CD é sintomático e identifica, de logo, as preferências estéticas do compositor, marcadas por um telurismo lírico que nada deve a figuras essenciais do cancioneiro sertanejo. Ubiratan é, portanto, um poeta cantante.

O cantor, compositor e produtor cultural Pingo de Fortaleza lançou em julho deste ano seu 18º disco – Prata 950. A produção se

iniciou ano passado, com o intuito de comemorar 25 anos

de carreira. Pré-lançado na abertura do show do cantor Nando Reis no VIII Acampamento Latino Americano da Juventude em Icapuí (CE), Prata 950 é um independen-te pop-clássico, executado por uma banda básica, com arranjos simplificados, em grande maioria baladas. Traz 12 faixas, metade inédita, outras três novidade na voz do cantor e três regravações, escolhidas a partir da receptivi-dade com o público – Filhos, Coração de Pedra e Lógica. A capa cita a Art-Pop. “Estas músicas falam o que eu que-ria falar”. Download disponível no blog pingodefortaleza.blogspot.com.

sinA dO CABRA dA Peste

[email protected]

Eles herdaram uma vida farta e luxuosa, mas, em pouco tempo, per-deram tudo: a condição financeira, o respeito social, o poder, e em alguns casos, até a família e a saúde. A dramática história de três fazendeiros da época de ouro na região cacaueira do sul da Bahia é contada no documen-tário Os Magníficos, dirigido por Bernard Attal. O filme, que revisita o episódio de uma praga agrícola e seu efeito devastador nos anos 80, tem lançamento programado para o fim de setembro em Salvador. Produzido pela Ondina Filmes, é o primeiro documentário de Bernard Attal, autor dos curtas 29 Polegadas (2005) e Ilha do Rato (2006) – que participaram e foram premiados internacionalmente – e o curta A Bicicleta, lançado internacio-nalmente este ano.

Os Magníficos: glória e decadência no cacau

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Prêmio Amaro Quintas, que ver-sa sobre a História de Pernambuco, para o pesquisador Geraldo Ferraz durante a sessão comemorativa dos 108 anos da Academia Pernambu-cana de Letras. A obra agraciada é Pernambuco no Tempo do Cangaço. Theophanes Ferraz Torres, um Bravo Militar (1894 – 1933). Um resgate de

memória contemporânea, que trata fatos notáveis ocorridos no Brasil e, em particular, no Estado de Pernambuco, durante a época do banditismo que campeava no início do século XX. A ideia principal surgiu quando Ferraz observou a neces-sidade entre os historiadores, estudantes, pesquisadores e curiosos no tema, de se obter dados concretos e organiza-dos. São dois volumes e 15 anos de investigação, realizada, simultaneamente, sobre fatos como Aviação, Mudanças Urbanísticas no Recife, Primeira Grande Guerra, Evolução dos meios de transportes no Recife, Política, Governos (Federal e Estadual), Banditismo, Revoltosos, Movimentos Operários, Conspirações sobre o regime instituído, Revolução de 30.

Formada por 151 deputados de todos os partidos e dos 9 estados, a bancada do Nordeste na Câmara dos Deputados se reúne periodi-camente em Brasília para tratar das questões de interesse da região. Antes apenas para discutir emendas ao Orçamento da União, normal-mente entre setembro e outubro, as reuniões ganharam outra dinâmica a partir da Constituinte de 1988. Os

parlamentares nordestinos passaram, inclusive, a se articular com bancadas de outras regiões. Atualmente, as reuniões são quinzenais e trazem ministros, dirigentes de estatais e outras autoridades que debatem diversos temas ligados ao desenvolvimento regional. E como forma de divulgar boa par-te do que tem sido discutido pelos parlamentares, foi lançado no início de setembro o primeiro número da revista Nordeste em Debate, publicação da Bancada de Deputados Federais do Nordeste. De distribuição gratuita e com tiragem de 2.000 exemplares, a revista traz relato jornalístico das discussões re-alizadas nos dois últimos anos. A publicação é uma comemo-ração dos 20 anos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), operado pelo BNB.

Para a eStaNtePrêmio Amaro Quintas para “Pernambuco no Tempo do Cangaço”

Nordeste em debate

LAMPiãO, CAnGAçO e nORdesteCom preços nos sebos

virtuais que variam entre R$ 100 e R$ 500, Lampião, Cangaço e Nordeste, da escritora Aglae Lima de Oliveira, é uma obra mag-nífica sobre esse homem-mito. A autora estudou durante 20 anos o tema do banditismo como fenô-meno social. Uma de suas mais renomadas biógrafas,

Aglae diz que Virgulino Ferreira, o Lampião, em sua infân-cia, foi um menino como outro qualquer: brincava, fazia e vendia artefatos de couro na feira de sua cidade, inventava poemas e dançava xaxado. OLIVEIRA, Aglae Lima de. Lam-pião, cangaço e Nordeste. Recife: Edições O Cruzeiro, 1970.

A ARte AnFíBiA de OtACíLiO de AzevedO

Cearense de Reden-ção, Otacílio de Azevedo (1896-1978) foi pintor, desenhista e poeta brasi-leiro membro da Acade-mia Cearense de Letras e fundador da Sociedade Brasileira dos Amigos da Astronomia. Em Arte An-fíbia: o caso Otacílio Aze-vedo, Herbert Rolim estu-da as relações entre poesia e pintura. Para a professora

Odalice de Castro, o autor oferece-nos uma reflexão séria e madura sobre a correspondência entre as artes, com des-taque para um de seus maiores representantes no estado. “Os cruzamentos de tendências artísticas oriundas do fim do século conferem à arte de Otacílio de Azevedo o tom próprio de dinâmica plástica realizada pelas leituras aber-tas no tempo, numa “mobilidade complexa”, atravessando quase todo o século XX, conferindo à poesia e à pintura traços de um estilo que não se prendem a nenhum rótulo”. Arte anfíbia: o caso Otacílio de Azevedo. / Herbert Rolim - For-taleza. Edições UFC, 2009.

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Nanotecnologia alencarina entre as melhores da américa latina

Ceará é sede do novo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia. O Nano(Bio)Simes chega para consolidar e perpetuar as vocações cearense e nordestina para essa promissora área

teCnOLOGiA

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Nanotecnologia alencarina entre as melhores da américa latina

Pelas bandas do Nordeste brasileiro, a cada dia, fica menos invulgar perceber o trabalho centrado no estudo, na pesquisa de técnicas e na aplicação de conceitos interdisciplinares ultramodernos em áreas como nanociência e nanotecnologia. Ou

seja, pesquisar, manipular e criar estruturas em níveis atômi-co e molecular, aprofundando a compreensão e o controle da matéria nas escalas da excessiva pequenez, hoje é uma reali-dade cada vez mais tangível, particularmente no Ceará, um dos Estados onde a pesquisa ganha destaque.

p

O trabalho que a Universi-dade Federal do Ceará (UFC) desenvolve nessa área há cer-ca de oito anos, por exemplo, lhe rendeu recentemente seu quarto Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), chamado Instituto de Nano-BioEstruturas e Simulação Na-noBioMolecular – ou simples-mente Nano(Bio)Simes.

“Isso é o reconhecimento de que estamos fazendo ci-ência de qualidade e de que somos um dos melhores do Brasil. Competimos com uni-versidades como USP (Uni-versidade de São Paulo) e Uni-camp (Universidade Estadual de Campinas)”. As palavras são do professor do Departamento de Física e membro do comi-tê gestor do instituto, Valder Freire. Para demonstrar o peso da universidade, o artigo “De-veloping nanotechnology in La-tin America” (Desenvolvendo Nanotecnologia na América Latina), de autoria de Luciano Kay e Philip Shapira e publi-cado recentemente na Journal of Nanoparticle Research vol. 11, coloca a UFC entre os 10 principais centros de desenvol-vimento de pesquisas em na-nociência e nanotecnologia da América Latina.

O Nano(Bio)Simes, segun-do Valder, é uma conseqüência das atividades de grupos do Nor-deste de que a UFC faz parte, como a Rede Cooperativa para Pesquisa em Nanodispositivos Semicondutores e Materiais Nanoestruturados (NanoSemi-Mat), de Pernambuco, e a Rede Nacional de Nanobiotecnologia e Sistemas Nanoestruturados (NanoBioEstruturas), do Rio Grande do Norte.

O Nano(Bio)Simes integra cerca de 50 pesquisadores – além dos associados. A maioria é oriunda de universidades do Nordeste, como as federais do Rio Grande do Norte (UFRN),

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Aliás, saber não só o “porquê” das coisas, mas o “como” é característi-ca intrínseca à nanociência. Nessa busca, insere-se a cristalografia, ciência que estuda a posição dos átomos em um cristal. A aplicação desta ciência é importante, por exemplo, para saber como deter-minado medicamento se liga a uma proteína. Sabendo disso, po-dem ser desenvolvidos fármacos mais eficientes. A UFC tem o mais importante grupo de cristalografia do Norte-Nordeste, um dos suces-sos do projeto responsável pela criação do Nano(Bio)Simes.

UfC: a cristalografia e a eficiência dos fármacos

Alagoas (UFAL) e Maranhão (UFMA). O recurso previsto para as pesquisas é de R$ 4 milhões duran-te três anos. Destes, R$ 2,7 milhões serão investidos em equipamentos. A coordenação será do professor Benildo Sousa Cavada, do Departa-mento de Bioquímica da UFC.

A multi e interdisciplinarida-de da pesquisa em nanociência e nanotecnologia são um detalhe à

parte. O instituto envolve Física, Química, Biologia, Bioquímica, Biofísica e Farmacologia. O próprio professor Valder é um exemplo des-sa interação da comunidade cien-tífica. Físico desde 1977, há seis anos se aventura em pesquisas que envolvem a Biologia e a Bioquími-ca. A parte “bio” do projeto do novo INCT se deve, em grande parte, à sua influência.

Um exemplo dessa integração é a pesquisa realizada com estatinas, medicamento que retira cerca de 60% de colesterol do sangue, indi-cado para pessoas que sofreram en-farte. Por meio de simulação, está sendo estudada a forma como as es-tatinas se ligam às proteínas respon-sáveis pela retirada do colesterol. A intenção é verificar qual estatina é mais eficaz. A pesquisa estuda qua-tro tipos: a atorvastatina, a sinvasta-tina, a rosuvastatina e a fluvastati-na. “A partir disso, podemos tentar modificar a estatina para obter uma ainda mais eficaz”, explica Valder.

A dedicação à parte “bio” da

nanociência e da nanotecnologia se deve, segundo o professor, aos pro-gressos na medicina que têm por base a Biologia Molecular. “Isso vai transformar a indústria farmacêu-tica”, prevê. As pesquisas de novos medicamentos devem, daqui por diante, levar menos tempo. “Pode-se indicar o melhor caminho por meio da simulação. Em vez de testar dez mil compostos, testa-se menos de cem. E em vez de passar dez anos pesquisando, passa-se um ano”.

A nanociência e a nanotecno-logia abrem espaço ainda para o aprofundamento — e mesmo a re-visão — de pesquisas com plantas

Valder Freire, Professor do Depto. de Física da UFC e membro do comitê gestor da Nano (Bio)Simes

isso é o reconhecimento de que estamos fazendo ciência de qualidade e de que somos um dos melhores do Brasil.

Do combate ao colesterol às funções da “arruda”: NOVOS MEDICAMENTOS EM MENOS TEMPO

medicinais, área em que a UFC se destaca com o projeto Farmácias Vivas. Uma experiência já realiza-da com a arruda, conforme o pro-fessor, diferenciou as quatro molé-culas do princípio ativo da planta. “Quando você vai a um raizeiro, ele diz: ‘tome isso aqui que é bom para tal coisa’, mas ele não sabe como a planta funciona”.

Usada para ampliar a resistên-cia de vasos sangüíneos e evitar rupturas, a arruda é indicada no tra-tamento de varizes. Popularmente, acredita-se que seu uso pode resta-belecer ou aumentar o fluxo mens-trual e combater vermes. Como uso tópico, o azeite de arruda, obtido no cozimento da planta, alivia dores reumáticas. O aroma forte funciona como repelente. Também, confor-me a medicina popular, serve para aliviar dores de cabeça e, segundo os especiaistas, isso pode ser explicado pelo seu óleo essencial que contém undecanona, metilnonilketona e metilheptilketona. Tais substâncias possuem propriedades calmantes e, quando aspiradas, aliviam dores e diminuem a ansiedade.

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Na próxima década, a produção industrial global em

nanotecnologia atingirá cerca de US$ 1 trilhão. O número de empregos nessa área chegaria a 2 milhões.

Hoje, estima-se que o total de recursos governamentais e privados aplicados nessas áreas atinjam a casa dos US$ 5 bilhões por ano.

Setores como a indústria de semicondutores passariam a ser

totalmente dependentes de técnicas e produtos da nanotecnologia. O impacto dessas novas tecnologias será elevado também no ramo químico

e farmacêutico.

De longe, a infraestrutura do Brasil é a melhor da américa Latina quando se trata de

nanociência e nanotecnologia.

Estima-se que haja cerca de 1.500 pesquisadores trabalhando nessas áreas.

As pesquisas englobam nanobiotecnologia, química supramolecular, nanomagnetismo,

semicondutores, nanoobjetos (em particular, nanotubos de carbono), sensores, instrumentação e teoria.

Há diversos polos que se destacam nas pesquisas: o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no rio de Janeiro (rJ), o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas (SP), a Universidade Estadual de Campinas (SP), a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de São Carlos (SP), a Universidade Federal de Minas gerais, a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal do rio de Janeiro e a Universidade Federal do rio grande do Sul.

• redes temáticas que realizam pesquisas de ponta em nanociência e nanotecnologia: Rede

de Materiais Nanoestruturados; • Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces; • Rede

de Pesquisa em Nanotecnologia; • Rede Cooperativa para a Pesquisa em Nanodispositivos

Semicondutores e Materiais Nanoestruturados.

• grupos autônomos de pesquisa atuam nessas áreas, bem como projetos específicos

(financiados pelas agências estaduais de fomento científico) e os de grande escala, como o

Instituto do Milênio de Nanotecnologia. Há também projetos individuais e redes menores no

âmbito de colaborações nacionais e internacionais.

Números e panoramasNo mundo

No Brasil

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saiba que a nanotecnologia pode estar...

CURIOSIDADES DO COTIDIANO

O qUE SIGNIfICAM

Nos tecidos, criando repelência à água e a óleos

Na pintura dos carros, para proteger a lataria de riscos

Nos cosméticos, fazendo com que a liberação do ingrediente ativo seja mais efetiva

Na criminalística, com nanopartículas fluorescentes para obter impressões digitais mais confiáveis

Materiais nanoestruturados = formados por camadas nanométricas de átomos ou moléculas

Semicondutores = materiais de condutividade entre a alta dos condutores e a baixa dos isolantes. Exemplos são o silício (Si) e o germânio (Ge). Utilizados industrialmente são tratados e modificados com a introdução de “impurezas” especiais que lhe dão características distintas. Na indústria eletrônica, os exemplos mais claros são o diodo, o transístor e os circuitos integrados (CIs), dispositivos imprescindíveis na fabricação e desenvolvimento de eletrônicos.

Dentre os cinco temas que o Nano(Bio)Simes vai abordar, haverá pesquisas voltadas para o desenvol-vimento de nanotubos de carbono, estruturas cujo diâmetro é de um nanômetro (0,000000001 metro) e a espessura da parede de apenas um átomo. Segundo o professor Antonio Gomes Souza Filho, um dos pesquisadores do novo INCT, os nanotubos possuem resistência à tração maior do que o aço. “Essa propriedade permite obter materiais com alta resistência mecânica e, ao mesmo tempo, leves”, detalha. Por serem muito pequenos, os nanotu-bos têm sido propostos também para

aplicações biológicas, como o trans-porte de drogas e a terapia gênica.

Conjugado com o DNA, uma proteína ou um aminoácido, por exemplo, os nanotubos formam sistemas híbridos nanoestruturas-biomoléculas, considerado pelo professor com uma das áreas mais promissoras. Segundo ele, esses sis-temas podem ser aplicados em diag-nósticos e terapias. “Eles podem ser engenheirados para reconhecer uma célula doente entre muitas sadias. A biomolécula faz o reconhecimento e a nanoestrutura permite, através de suas propriedades físicas, localizar onde o sistema se ligou”.

NANOTUBOS DE CARBONOMAIS RESISTENTES qUE O AçO

O bilionésimo é representado pelo prefixo nano (‘anão’, em grego) ou matematicamente por 10-9 (0,000000001). As dimensões típi-cas da nanociência e da nanotec-nologia vão de 0,1 nanômetro (0,1 nm) a 100 nanômetros (100 nm), ou seja, do tamanho de um áto-mo até o de um vírus. Para melhor comparação, um fio de cabelo hu-mano tem cerca de 30 mil nm.

O BILIONÉSIMO – DO áTOMO AO VíRUS

Nanotecnologia. Nanofio enrolado em um fio de cabelo transmitindo luz

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POdeRLOCAL&CidAdAniA

A Cidade Digital, projeto de inclusão social criado em Tauá, no Ceará, combina alfabetização digital, acesso gratuito a computadores e conexão banda larga à internet. Hoje, a iniciativa

comemora uma revolução tecnológica proporcionada pela criatividade e pelo foco na capacitação dos seus habitantes. Pessoas que, em sua maioria, não tinham acesso à web e

hoje incorporam novos léxicos ao cotidiano, discutindo assuntos “internáuticos” nas ruas, em casa e no trabalho. Um contexto inusitado que aponta o surgimento de novas possibilidades

de melhoria de vida no sertão cearense

Por Lucílio Lessa / [email protected]

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ficção científica é pródiga em projetar cenários genero-sos relacionados à perspec-

tiva dos avanços tecnológicos para o bem da humanidade em regiões po-bres do planeta. É o caso de Tauá, município localizado na árida região dos Inhamuns, sertão do Ceará, a 344 quilômetros da capital, cenário real para um novo Nordeste brasilei-ro. Até pouco tempo um local nada identificado com iniciativas voltadas a fomentar o desenvolvimento de no-vas tecnologias.

Boa parte da economia local é sustentada pela renda agrícola. Dos pouco mais de 56 mil habitantes, 45% estão na zona rural. Sob sol es-caldante e mínimas milimetragens de chuva, não à toa, Tauá – segundo município mais extenso do Ceará, es-teve em situação de emergência por nove vezes num espaço de três anos consecutivos. Mais do que qualquer outro local do país.

E mesmo que as evidências apontem para um atraso aparente em relação aos caminhos da tecnologia, a descoberta de uma nova ferramen-ta vem pautando as conversas não só nas escolas, mas principalmente nas praças, calçadas e nas ruas de Tauá. O que seria? A internet. O motivo? A Cidade Digital.

Projeto de inclusão social que combina alfabetização digital e aces-so gratuito a computadores com conexão banda larga à internet, foi inaugurado em 2006. Trata-se de uma parceria do município com o

Ministério das Comunicações, que viabilizou cerca de R$ 800 mil para conceber a iniciativa. A contraparti-da foi de R$ 40 mil. Antes das ati-vidades, apenas 0,73% da população acessava a internet. Hoje esse núme-ro saltou para cerca de 30%.

Para desenvolver sua rede digi-tal, o projeto possui uma série de recursos que literalmente promo-vem o acesso da comunidade às fa-cilidades do mundo virtual. A base está sustentada em uma avançada

rede física composta de um Centro de Capacitação Tecnológica, quios-ques com acesso gratuito à internet espalhados pela cidade, rede wi-reless gratuita em vários pontos do município, e demais serviços que primam pela originalidade.

Mas o que realmente faz a dife-rença no processo de inclusão social oportunizado pelo projeto é a chan-ce de a população se capacitar para de fato ter acesso aos serviços. E isso ocorre através de cursos dispo-nibilizados pelo poder público local. Existem em Tauá 19 cursos de capa-citação. Ao todo, já participaram das atividades mais de duas mil pessoas.

Boa parte dos cursos ocorre na sede do projeto, o Centro de Capa-citação. No prédio também funciona a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo, além de uma sala de videoconferên-cia e outra de formação à distância. “Estamos criando projetos de capa-citação em todas as secretarias para atender a essa nova cultura que está se estabelecendo”, comemora o pre-feito Odilon Aguiar.

PÚBLiCoS NÃo CoNVENCioNaiS. E como toda moda que se preze, a Cidade Digital atingiu até públicos pouco con-vencionais. É o caso da professora apo-sentada Antônia Xavier Luz, 65 anos. Entre risadas, olhar sereno e convites para o lanche, ela comemora. É uma das 40 alunas inscritas em mais um curso de capacitação digital, dessa vez voltado para a terceira idade.

Antônia Xavier Luz, 65 anos professora aposentada

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Do tipo que não precisa de es-forço para expressar suas opiniões, Antônia diz que “a informática está em voga em Tauá”. E completa: “Meu marido disse que ‘papagaio velho não canta’, mas eu sei que vou aprender”.

A pequena Samara Rebouças do Amorim, 10 anos, também se rendeu aos encantos do mundo virtual. Atra-vés de uma parceria da Secretaria de Educação local com a empresa Educandos, Samara e outros 1.800 alunos da rede pública, distribuídos em seis das 122 escolas, já usufruem de softwares educacionais criados es-pecialmente para a realidade do mu-nicípio, num projeto chamado Avant. Cada escola recebeu 10 computado-res. “Antes, não acessava a internet. Agora, posso fazer minhas pesquisas. Dá até mais vontade de estudar”, afirma a aluna.

dESENVoLViMENto E VENda dE SOFT- WARES. Os efeitos da Cidade Digital também se refletem na trajetória de Dion Esterfene Barbosa, 20 anos. Após participar de um curso de capacitação de serviços técnicos especializados, ele formou, com outros 12 ex-alunos, a Associação de Desenvolvimento Tec-nológico de Tauá (Adett).

Hoje com 16 membros, a associa-

Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Empreendedorismo do município, Elvis Gonçalves, a Ci-dade Digital se destaca não apenas pelos projetos inovadores, mas por aproximá-los da população. “Caso contrário seria uma coisa contem-plativa. Não adianta existir o melhor equipamento em um projeto público se não houver pessoas aptas a utilizá-lo”, diz ele.

CUrSoS dE iNgLêS E Para dEFiCiENtES Vi-SUaiS. O curso mais recente ofereci-do é o de línguas estrangeiras. “Muita coisa em internet é escrita em inglês. Além disso nós sempre recebemos visitas de ONGs de fora do país”, diz o secretário. O próprio Elvis, inclusi-ve, começou como aluno de um dos cursos da Cidade Digital.

Em meio às situações que contam a história do projeto, uma delas se des-taca na opinião do secretário. “Há um curso voltado a pessoas com deficiên-cias especiais. Certa vez, pegamos uma turma de deficientes visuais. No início, eles tinham medo dos equipamentos, de pegar, de levar choque. Aos poucos, conseguimos que eles fossem tocando e entendendo o que é um mouse, um monitor, enfim, eles acabaram apren-dendo. A alegria deles era contagiante. Isso não tem preço”, conclui.

samara Rebouças, 10 anos

ção desenvolve e comercializa softwa-res em órgãos públicos e empresas de dentro e fora do município. “Alguns de nós também damos aulas de capa-citação gratuitas na Cidade Digital. É uma forma de multiplicar essa oportu-nidade que nos foi dada”, considera.

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Tão surpreendente quanto cons-tatar a extrema popularização da in-ternet em Tauá, são os recursos criados para facilitar o acesso da população ao serviço. Para resolver o problema de quem não pode ter o seu próprio com-putador, por exemplo, a Cidade Digital criou os quiosques Digitais.

A proposta é oferecer sinal gratui-to em terminais multimídia de acesso à internet, os chamados Totens. Há qua-tro estruturas montadas em pontos es-tratégicos, como o terminal rodoviário e o campus da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Cada quiosque conta com quatro computadores.

Desde a sua criação, o serviço é um sucesso. O usuário tem direito a 40 minutos de acesso por vez. Da hora que abre, às sete horas da manhã, até o fechamento às 22 horas, os quios-ques são procurados. “Cerca de 3.860 pessoas passam por mês aqui”, afirma o secretário Elvis.

Aos domingos, os quiosques di-gitais realizam um outro projeto: o Tele-Saudade. “Minha família mora distante. Aqui, posso vê-los”, come-mora a dona de casa Zuleide Silva. Trata-se de um serviço que garante o contato da população com parentes ou amigos que residem em outras localidades. O Tele-Saudade utiliza os computadores, os microfones e as webcam dos quiosques e da sede da Cidade Digital para aproximar mora-dores locais com o mundo. São 149 acessos por mês.

Já quem tem seu próprio note-book pode acessar a internet através do sistema wireless Tauá Net Móvel. Com ele, é possível acessar a internet em seis áreas do município, como é o caso das praças da cidade. Cada ponto possui um raio de 100 metros de abrangência.

Os métodos de inclusão chegam a ser pitorescos, como prova o Bode Fone. O nome é uma homenagem ao animal símbolo de Tauá, já o servi-ço não fica atrás no quesito origina-

lidade. Em um município onde a rede de telefonia é precária, o Bode Fone, um orelhão com figuras de bode, per-mite que os habitantes façam ligações telefônicas nacionais e internacionais utilizando a telefonia Voip, ou seja, via internet.

Após a ligação, o servidor transfere a chamada para um Pabx, em seguida converte a voz para tecnologia telefô-nica e, por fim, distribui as ligações para uma operadora. Difícil? “Não acho. Para mim é a mesma coisa de uma ligação normal”, diz o agricultor José Silveira. Cada usuário pode utilizar o serviço durante três minutos por vez. São 700 ligações por dia. Cada minuto custa R$ 0,10 à prefeitura, independente do destino. O valor é 70% mais barato que o de uma ligação normal.

A revolução tecnológica assa-nhou de tal forma a comunidade que foi criado um programa de rádio para esclarecer as dúvidas da população. Realizado às segundas-feiras, o pro-grama é um espaço aberto. “Outro dia nós estávamos com um convidado fa-

lando sobre tecnologia e abrimos para as perguntas dos ouvintes. Daí um deles ligou e disse: ‘tá, mas eu quero saber porque é que meu computador pifou’. Tivemos que parar o programa e orientá-lo, ao vivo”, diz Elvis.

agENtES dE SaÚdE CoM PaLM toP E gPS. A Cidade Digital também abriu brecha para desdobramentos em outras áreas, como na saúde. A prova são as agentes comunitárias de saúde digitais, que cir-culam pelo município levando à mão o seu próprio computador, o Palm Top. Ao todo, são 150. Com isso, os tradicio-nais formulários foram substituídos e as agentes podem controlar de forma digitalizada os casos de diabetes, den-gue, hipertensão e demais doenças.

Para quem ficou surpreso, uma novidade: os Palms já estão sendo aposentados para darem lugar a um sistema ainda mais moderno, o GPS, sistema de radionavegação baseado em satélite. No equipamento, será instalado o mesmo software utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Projetos especiais

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Bode Fone. Ligações nacionais e internacionais através da internet

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Por mais que os avanços sejam evidentes, há ainda um caminho lon-go a ser trilhado. “O comércio eletrô-nico, por exemplo, ainda não foi fo-mentado. Os comerciantes utilizam a internet como forma de comuni-cação e para comprar. Ainda não se vende pela internet em Tauá. Por en-quanto”, sonha o secretário Elvis.

Uma iniciativa que promete aque-cer o comércio da região e ao mesmo tendo cumprir com o papel da Cidade Digital como facilitadora da promoção social é o Incubadoras Digitais. Trata-se de uma parceria do município com a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado (Secitece) e o Serviço Bra-sileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

“Após capacitar os jovens com alguma experiência em informática,

possibilitaremos a eles montarem, cada um, o seu próprio negócio”, afirma o secretário.

Além de terem garantidos os cus-tos com água, luz, telefone e equipe técnica de vendas por um ano, os jovens ainda recebem do Sebrae a capacitação necessária. Os novos em-presários ainda ganham uma bolsa de R$ 225 mensais, para não desistirem do projeto. “O governo dá a bolsa, o Sebrae a capacitação e o município ainda sustenta os empresários por mais um ano, até que eles tenham a carteira de clientes deles”, diz Elvis.

O serviço de internet no comér-cio ainda é subaproveitado. Mesmo assim, já colhe frutos. Que o diga a atendente Maria José Campos. Tra-balhando em uma locadora da cida-de, ela ressalta que antes da Cidade

Cursos

Incubadoras

Digital não acessava a internet. “Fa-cilitou porque posso verificar com facilidade os preços dos filmes e ter acesso às resenhas para melhorar meu trabalho. Ah! Agora preferimos também comprar os filmes pela in-ternet”, diz.

MaiS LAN HOUSES E LoJaS dE iNForMátiCa.Quem pensa que com a facilidade do acesso gratuito à internet as lan hou-ses da cidade estariam condenadas, se enganou. Antes do projeto, haviam apenas três. Hoje, só com o sinal da Cidade Digital são 20. Além delas, houve um aumento de lojas destina-das à venda de computadores, peri-féricos e suprimentos de informática, além de assistências técnicas.

Para José Rodrigues, dono de uma sorveteria na cidade, as facili-dades são indiscutíveis. “Todos hoje sabem o que é internet”, exagera. No entanto, o comerciante considera o acesso precário. “Eu acho um pouco lento. Nós ainda navegamos muito

O monitoramento de todos os serviços da Cidade Digital é feito em um prédio situado no centro de Tauá, e que abriga, além da Secretaria de Ciência e Tecnologia, algumas ações decorrentes do projeto. Lá, funciona o Centro de Ca-pacitação Tecnológica Graci Aguiar, no qual são oferecidos cursos de tecnologia da informação em parceria com o Insti-tuto Federal do Ceará (IFCE) e com a Secretaria de Educação. A capacitação em informática é uma vitrine para os alunos, já que a cidade agora é referencial na contratação de mão de obra para funções no segmento da informática.

Ainda na sede da Cidade Digital há a sala de videocon-ferência para palestras e cursos. “qualquer empresário que quiser utilizar o serviço, basta solicitar. É gratuito”, afirma Elvis Gonçalves. Desde o início do projeto já foram realizados 536 eventos. Só este ano foram 291 até julho.

A estrutura da Cidade foi também chamariz para um outro projeto em parceria com a Universidade Aberta do Brasil, que possibilita a realização de seis cursos de formação à distância para professores da região. Em Física, por exemplo, está Antônio Almeida Cavalcante, 28 anos. Duas vezes por semana, ele viaja 65 quilômetros para participar das aulas.

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devagar”, afirma. A vendedora Neurivânia Mon-

teiro, funcionária de uma farmácia de manipulação, diz que esse proble-ma não é exclusivo da Cidade Digi-tal. “Aqui, na loja, nós trabalhamos com outro provedor, que também é muito lento. À noite, faço um curso a distância e lá uso a internet da Ci-dade Digital. Até prefiro, pois acho mais rápida. O problema é que os provedores daqui usam apenas qua-tro megabytes”.

CPd driBLa ProBLEMa dE traNSMiSSÃo. É verdade que a transmissão de da-dos da Cidade Digital — 4 mega-bytes, não é nem de longe a ideal. E mais frustrante ainda é saber que o município paga por cada megabyte cerca de R$ 4 mil. “Na capital, não sairia por mais de R$ 70. Uma lan house tem 4 megabytes”, reclama Elvis. Para contornar o problema, a Cidade Digital optou mais uma vez pela criatividade. Daí, surgiu o Centro de Processamento de Dados (CPD). Um departamento equipado com dois servidores, que gerencia

toda a rede de comunicação.“Daqui, distribuímos o link de

internet para todos os usuários”. É o que informa o coordenador do CPD, José Eduardo Pereira de Melo. Es-pécie de “Professor Pardal” de Tauá, o cientista — autodidata, diga-se de passagem, é quem bola toda a enge-nhoca que fornece o serviço de inter-net do projeto à população.

CriatiVidadE E adaPtaÇÃo. A cada expe-rimento mostrado, um susto. “Estamos em fase de testes com um novo proje-to que irá agilizar a internet em cerca de 400%”, revela Eduardo. E duvidar por que? A idéia que fundamenta a declaração do cientista é, sobretudo, convincente. Entenda: tudo que for acessado pela primeira vez na internet, por qualquer usuário da Cidade Digi-tal, ficará armazenado no servidor.

Por exemplo, um vídeo no You-Tube baixado pela primeira vez em qualquer computador que esteja na rede do projeto, ficará automatica-mente disponível para todos os outros usuários. Assim, qualquer um que for acessá-lo não precisará mais esperar o arquivo ser carregado. “Ele pode-rá assisti-lo em velocidade de rede. Músicas já baixadas então demoram apenas dois segundos para serem bai-xadas novamente. As atualizações dos antivírus cadastrados também servem para todos”, informa Eduardo.

Os métodos de adaptação utiliza-dos pelo Centro já otimizaram consi-deravelmente os serviços da Cidade Digital. Em 2006, quando começou, o projeto tinha apenas uma antena para envio de sinal, que dava aces-so a 20 usuários simultâneos. Após a instalação de outra antena, foi-se atrás de recursos complementares. Assim, foram instalados painéis seto-riais. Atualmente, o município possui três torres de sinal. Cada uma dispõe de quatro painéis setoriais que pos-sibilitam até 100 pessoas utilizarem simultaneamente a internet. Ao todo existem 600 antenas de usuários.

tAuá em nÚmerOs56 mil habitantes, 45%

moram na zona rural.

Em situação de emergência por 9

vezes num espaço de três anos consecutivos. Mais do que qualquer

outro local do país.

2º município mais extenso do Ceará.(4.018,18 km²)

Parceria do município com o Ministério das Comunicações, que viabilizou cerca de R$ 800 mil para

conceber a Cidade Digital. A contrapartida

foi de r$ 40 mil.

Antes, apenas 0,73% da população acessava

a internet. Hoje, esse número é de 30%

O município possui 3 torres de sinal.

Cada uma dispõe de 4 painéis setoriais que possibilitam a até 100 pessoas utilizarem simultaneamente a

internet Elvis gonçalves, Secretário de Ciência e Tecnologia do Município

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gabytes”, calcula Elvis.Com a chegada do projeto, fica

mais próximo de ser realizado um sonho antigo da região, o de trans-formar Tauá em um grande pólo de call centers e, assim, atender a de-manda de outras localidades. “Nós até já tivemos essa possibilidade, quando fomos procurados para oferecer esse serviço. Na ocasião tínhamos a mão-de-obra, tínhamos estrutura, mas não tínhamos sinal. Com o Cinturão isso será possível”, espera o prefeito Odilon Vieira.

dESaFio Para aLéM da zoNa UrBaNa.Como todo ponto fora da curva das facilidades comuns às grandes metrópoles, Tauá ainda precisa vencer desafios. O maior deles é conseguir incluir a zona rural nesse avanço tecnológico, já que as polí-ticas públicas têm o compromisso de ir além das zonas urbanas. “Esse acesso irá gerar novos conhecimen-tos para a atividade agropecuária e consequentemente melhor qualida-de de vida aos agricultores”, avalia o secretário Elvis Gonçalves.

A próxima meta do projeto é transformá-lo de Cidade Digi-tal para Município Digital. Em outras palavras, levar a internet aos oito distritos da cidade, sen-do que o mais próximo tem uma distância de 35 quilômetros do centro e o mais distante chega a 70. O projeto ainda está em es-tudo, mas a idéia é abranger de 60% a 70% do território. De uma ponta a outra, Tauá possui 200 quilômetros de extensão. Gran-de? Sim, mas bem menor que o desafio que está por vir.

Avanços

Existem 19 cursos de capacitação. Já participaram das

atividades mais de 2.000 pessoas.

A próxima meta do projeto é levar a

internet aos oito distritos da cidade,

sendo que o mais próximo tem uma

distância de 35 quilômetros

do centro e o mais distante chega

a 70.

O projeto ainda está em estudo, mas a

idéia é abranger de 60% a 70% do território. De

uma ponta a outra, Tauá possui 200

quilômetros de extensão.

tAuá em nÚmerOs

É provável que a Cidade Di-gital não demore para usufruir de outro recurso benéfico às suas atividades: o projeto Cinturão Di-gital, do Governo do Estado. O sistema é baseado em fibra ótica com instalação aérea e pretende interligar os municípios disponibi-lizando serviços de internet.

Com previsão de atender a 82% da população cearense, o pro-jeto tem custo de R$ 55 milhões e é visto como solução para os altos custos de manutenção da conexão à internet no interior do Estado. Uma “mão na roda” para diminuir a desigualdade de acesso entre as regiões do país, visto que o Ceará encontra-se numa região em que há o menor número de pessoas com acesso à rede — apenas 4% de sua população conectada.

A informação oficial é de que através de uma estrutura potente, o transporte de internet seja realiza-do entre os municípios de maneira mais segura e com custos mais bai-xos. A infraestrutura de 2.300 qui-lômetros de extensão possibilitará a inclusão de Tauá. “A redução dos custos com internet será de 90%. O Cinturão vai oferecer até 100 me-

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uem diria, no chamado centro hegemônico do planeta, que uma jovem nação de 509 anos se-ria capaz de se destacar neste mundo milenar, com uma descoberta a sete quilômetros de pro-

fundidade em águas marítimas?O anúncio — e sua resposta — cairia bem nos filmes

de ficção, daqueles que expõem a reanimação de mons-tros que estavam lá, impassíveis, até que cientistas ou aventureiros, movidos pela curiosa compulsão huma-na, decidem mexer com o que está quieto.

Entretanto, neste caso, não pintarão das entra-nhas novas feras arqueo-lógicas — além, claro, dos sauros que não sabem vi-ver sem aquele entreguis-mo básico. Foi essa, aliás, a primeira e única imagem que vi brotar das cavernas: um economista contraria-do declarava à Globo News (!) que, com a descoberta e as regras propostas pelo governo para sua explora-ção, “teremos a absurda retomada do monopólio estatal do petróleo”.

A revelação é, porém, muito mais inquietante para o desconsolado espé-cime demotucano: o achado em águas ultraprofundas do Oceano Atlântico conflagra uma nova fase na economia brasileira.

O volume global e a qualidade do óleo encontrado elevam o Brasil à posição de um dos maiores produtores mundiais, quando a Petrobras já ocupa o quarto lugar en-tre as 17 maiores empresas do planeta, superando, entre os colossos, Fedex, Google, Microsoft, 3M, Honda, Phi-lips, General Electric e Walt Disney Company.

Em 2007, a ANP havia estimado o potencial de explo-ração do pré-sal em R$ 50 bilhões, o suficiente para iniciar a arrancada para a melhoria da qualidade de vida no País,

mas significando apenas um pouco mais de 30% do volume liberado para a festa da ciranda financeira em 2009 (R$140 bilhões) — na hegemônica e sagrada ordem rentista.

Os primeiros resultados das pesquisas apontam um volumoso nicho de petróleo. A camada do pré-sal é exten-sa e abraça o corte litorâneo de Santa Catarina ao Espírito Santo.

Uma sóbria previsão revela que os campos do pré-sal produzirão, a partir de 2017, mais de um milhão e 300 mil barris de pe-tróleo diários — quase 70% do que a Petrobras produz hoje.

Em apenas três campos (Tupi e Iara, na Bacia de Santos, e Parque das Baleias, na bacia de Campos), as estimativas apontam volumes entre 9,5 e 14 bilhões de barris, o equiva-lente às reservas totais da Petrobras antes da descoberta — apta a alavan-car, além de um novo parque fabril, a construção de poderosa infraestrutu-ra. Unicamente a acumulação de Tupi reúne entre 5 e 8 bilhões de barris de óleo equivalente (óleo mais gás).

O governo decidiu que não se limi-tará ao horizonte de extrair e vender óleo em barris, no tradicional figuri-no da lavra primário-exportadora.

Apostará, como fez a Noruega — que investiu na industrialização do país —, no fomento de uma indústria petrolífera, explorando toda a cadeia

produtiva requerida, desde a siderurgia, com a produção do aço para os estaleiros, plataformas e navios até, por exemplo, o simples batom ou botão de roupa, oriundos de derivados de petróleo, prevendo inclusive a formação de mão de obra para atuar na área petrolífera.

Este arcabouço já prevê a contratação de 40 navios sonda e plataformas de perfuração semi-submersíveis até 2017, além de 234 embarcações, das quais 70 são de grande porte.

Bem claro: o Brasil poderia comprar tudo lá fora ou produzir internamente, turbinando o desenvolvimento da indústria nacional para suprir as necessidades da ex-

Em Tese--------Luiz Carlos Antero

de uma jovem naçãoPré-sal: vitória

Q

Uma sóbria previsão

revela que os campos

do pré-sal produzirão,

a partir de 2017, mais

de um milhão e 300

mil barris de petróleo

diários — quase 70%

do que a Petrobras

produz hoje.

[email protected]

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ploração petrolífera — e vice-versa.Nas condições de hoje, o Brasil reúne tecnologia de

ponta e condições de mobilizar investimentos para efe-tivar tal indústria, ultrapassando outros países que não cruzaram o portal da exportação bruta.

A impactante descoberta reuniu-se num conjunto de projetos que regulará a extração do petróleo no pré-sal. Entre as metas, consta a criação da Petrosal, uma estatal que cuidará da gestão produtiva, controlando a execução do projeto, evitando alteração dos custos, as-segurando o direcionamento dos ganhos para o Fundo Social vinculado à Presidência da República, de onde os recursos seguirão para a Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, combate à pobreza e sustentabilidade am-biental. E, quem sabe — há proposta —, contribuiria para desafogar nossa deficitária Previdência.

A União cederá à Petro-bras a exploração com paga-mento em ações. Hoje, 39% do capital da empresa é públi-co; o resto é capital privado, majoritariamente externo.

Isto tem tirado o sono da velha oposição (ex-neo) libe-ral, pois não há como questio-nar a legitimidade da propos-ta — que, soberana, reintegra o Estado brasileiro no contro-le acionário da Petrobras.

Neste prumo, a sociedade deve atuar no sentido de fa-zer com que o pré-sal repre-sente uma segunda indepen-dência do Brasil, ninando o sonho de redenção das suas regiões, promovendo uma distribuição dos recursos obtidos com todos os esta-dos e municípios. Em 2008, foram recolhidos R$ 23 bi-lhões em royalties e partici-pação especial, mas apenas R$ 850 milhões atenderam assim ao Pacto Federativo.

A demanda da indústria do petróleo, nessa fase ini-cial, requereu investimentos vultosos em toda a infra-estrutura produtiva. Lembre-se que a estagnação econô-mica levou a siderurgia brasileira — que agora ensaia ressurgir, vigorosa — a pique nas duas últimas décadas, desde o desmonte promovido pelos governos de FHC.

O último grande alto forno no Brasil foi inaugura-do há 23 anos, em 1986. O governo, em parceria com o setor privado, passa à tarefa de reerguer a indústria

naval, que hoje emprega cerca de 40 mil trabalhadores. Dez novas grandes siderúrgicas projetadas devem trazer autonomia à produção nacional de aço em seis anos.

Além das Plataformas P-51, P-52 e P-55, construídas a partir de 2003, a Petrobras encomendou mais qua-tro unidades. Serão contratadas mais dez, até 2017. O índice de nacionalização na construção de plataformas superou os 80%, com os itens necessários produzidos internamente.

Este esforço do Sistema Petrobras, em especial da Transpetro, entretanto, incorpora governo, universida-des, institutos de pesquisa, empresários e trabalhado-res envolvidos no projeto da indústria petrolífera.

A Petrobras afirmou-se por sua capacidade de li-derar o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa ao longo de sua história, conduzindo o Brasil para além

da autossuficiência. É a única empresa do planeta capaz de extrair óleo em águas ultraprofundas — com tecnologia própria —, responsável por 97% da produção brasileira. Nas circunstâncias, a tentativa de afastá-la da exploração do pré-sal seria invenção da lógica privatista.

Exitoso o projeto dese-nhado para a nova indús-tria petrolífera, o Brasil ini-ciará um ciclo econômico que o fará ocupar em futuro próximo posição de maior destaque entre as nações desenvolvidas. É precisa-mente isso que incomoda os protagonistas do derrotado Estado mínimo.

Pois, ainda no plano das reflexões sobre o pré-sal, que aqui tangencia discretamen-te o debate sobre o estímulo à pesquisa de matrizes ener-géticas limpas, em franca

progressão, temos seis decênios de gloriosa excelência. Trata-se do momento culminante de uma significa-

tiva conquista do povo brasileiro desde a campanha “O Petróleo é Nosso”, na década de 1950, que culminou com a criação da Petrobras. E isto converte o debate e as re-alizações em curso, em mecanismos de esclarecimento e mobilização das forças políticas e populares no rumo de uma conquista mais ampla e definitiva: o desenvolvimen-to do País com soberania e mais igualdade.

(*) Luiz Carlos Antero é sociólogo e jornalista

A Petrobras afirmou-se por sua capacidade de liderar o desenvolvimento tecnológico e a pesquisa ao longo de sua história, conduzindo o Brasil para além da autossuficiência. É a única empresa do planeta capaz de extrair óleo em águas ultraprofundas com tecnologia própria

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Aquarela Mino Castelo Branco66 Agosto/2009Nordeste VinteUm

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