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NOTAS DE AULA DE AN ´ ALISE EM R n OLIVAINE S. DE QUEIROZ Departamento de Matem´ atica Instituto de Matem´ atica, Estat´ ıstica e Computa¸c˜ ao Cient´ ıfica UNICAMP Campinas 2010

Notas de Aula AnaliseRn

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Notas de aula Analise Rn

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  • NOTAS DE AULA DE ANALISE EM Rn

    OLIVAINE S. DE QUEIROZ

    Departamento de MatematicaInstituto de Matematica, Estatstica e Computacao Cientfica

    UNICAMP

    Campinas2010

  • Captulo 1

    Revisao de Topologia em Rn

    Neste captulo inicial vamos apresentar conceitos basicos essenciais que necessitaremos no decor-rer do curso.

    1.1 Comentarios preliminares sobre o espaco Rn

    O espaco Euclidiano Rn e definido como o conjunto de todas as n-uplas x = (x1, . . . , xn) denumeros reais xi, i = 1, . . . , n. Um ponto x Rn e tambem chamado de vetor, ja que comas operacoes x + y := (x1 + y1, . . . , xn + yn) e ax := (ax1, . . . , axn) (a R), Rn se torna umespaco vetorial. O vetor (0, . . . , 0) Rn sera denotado somente por 0. Quando n = 1, tambemchamamos os pontos de R = R1 de escalares.

    A nocao se soma de vetores e multiplicacao por escalares, apesar de determinar uma estru-tura de espaco vetorial em Rn, nao e suficiente para definir a nocao de distancia. Para tantonecessitamos do conceito de produto interno, que e uma funcao que associa a cada par de vetoresx, y Rn um escalar e que ainda satisfaz certas propriedades que listaremos a seguir para umexemplo particular. O produto interno euclidiano em Rn e definido por

    x, y :=ni=1

    xiyi, x = (x1, . . . , xn), y = (y1, . . . , yn).

    Outros produtos internos em Rn tambem podem ser considerados. Sao 4 as principais pro-priedades do produto interno.

    Proposicao 1.1 Sejam x, y Rn e a R quaisquer. Temos as seguintes propriedades:(i) simetria: x, y = y, x;(ii) bilinearidade: ax, y = x, ay = ax, y, x+ z, y = x, y+ z, y e x, y + z = x, y+

    x, z;(iii) positividade: x, x 0 e x, x = 0 se, e somente se, x = 0;(iv) identidade de polarizacao: 4x, y = x+ y, x+ y x y, x y

    A norma euclidiana (ou comprimento) de um vetor x Rn e definida porx := x, x1/2.

    3

  • 4 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

    Proposicao 1.2 Sejam x, y, z Rn e a R quaisquer. Temos as seguintes propriedades:

    (i) x 0 e x = 0 se, e somente se, x = 0;(ii) Desigualdade de Cauchy: |x, y| xy;(iii) Desigualdade triangular: x+ y x+ y;(iv) ax = |a|x.

    Send Rn um espaco vetorial de dimensao n, qualquer subconjunto linearmente independente{v1, . . . , vn} com n vetores forma uma base deste espaco.

    Uma base {v1, . . . , vn} paraRn e chamada ortonormal se vi, vj = ij , onde ij = 0 se i 6= j eii = 1 (smbolo de Kronecker). A base canonica de R

    n e {e1, . . . , en}, onde ei = (0, . . . , 1, . . . , 0),com 1 na i-esima coordenada.

    Concluiremos esta secao com alguns comentarios sobre transformacoes lineares e matrizes.

    Se T : Rn Rm e um a transformacao linear, a matriz de T com relacao a`s bases canonicasde Rn e Rm e a matriz A = (aij), onde

    T (ei) =

    mj=1

    ajifj.

    Observe que as coordenadas aji do vetor T (ei) (com relacao a` base (f1, . . . , fm)) aparecem nai-esima coluna de A. Por linearidade obtemos entao que o vetor y = T (x) = Tx pode serencontrado pela expressao y1...

    ym

    = a11 . . . a1n... ...am1 . . . amn

    x1...xn

    .Reciprocamente, se A e uma matriz mn entao T (x) := Ax, x Rn, define uma transformacaolinear de Rn em Rm. Assim, existe uma relacao biunvoca entre o conjunto L(Rn,Rm) dastransformacoes lineares de Rn em Rm com o conjunto das matrizes m n.

    Primeira aula

    1.2 Espacos metricos

    Nesta secao vamos formalizar o conceito de metrica ou distancia em um conjunto, definindoassim os espacos metricos.

    Definicao 1.3 Um conjunto X e chamado de espaco metrico se existe uma funcao d : X X R satisfazendo as seguintes propriedades para quaisquer x, y, z X:

    (1) d(x, y) 0 e d(x, y) = 0 se, e somente se, x = y;(2) d(x, y) = d(y, x);

    (3) d(x, z) d(x, y) + d(y, z).

  • 1.2. ESPACOS METRICOS 5

    Qualquer funcao d que satisfaz as tres propriedades acima e chamada demetrica (ou distancia).

    As vezes utilizamos a notacao (X, d) significando que X e um espaco metrico com metrica d.

    Exemplo 1.4 Seja X = Rn e d1(x, y) = x y =(x1 y1)2 + . . .+ (xn yn)2, x, y Rn.

    Das propriedades de produto interno segue que (Rn, d1) e um espaco metrico. Alem disso,podemos ainda definir d2(x, y) = |x y| = maxi{|xi yi|}. Verifica-se sem muitas dificuldadesque (Rn, d2) e tambem um espaco metrico. As metricas d1 e d2 sao chamadas de metricaeuclidiana e metrica do sup, respectivamente. Elas estao relacionadas de varias maneiras. Emparticular,

    |x y| x y n|x y|, para quaisquer x, y Rn.

    Exemplo 1.5 Seja X qualquer conjunto nao vazio. Dados x, y X defina d(x, y) = 1 se x 6= ye d(x, x) = 0. Entao, apesar de parecer meio artificial, d define uma metrica em X.

    Suponha que d seja uma metrica em X e que Y X. Entao existe automaticamente umametrica dY em Y (e portanto (Y, dY ) e um espaco metrico) definida pela restricao de d a` Y Y ,isto e,

    dY = d |YY .

    Exemplo 1.6 Seja S2 a esfera de raio 1 em R3. Dados x, y S2, defina d(x, y) como sendoo comprimento do menor arco sobre S2 que une x a y. Entao d e uma metrica em S2. Alemdisso, note que d 6= d1 |S2S2 , onde d1 e a metrica euclidiana. De fato, a seguinte desiguladadee satisfeita:

    d1(x, y) d(x, y) pi2d1(x, y), para quaisquer x, y S2.

    Recorrendo a` nocao de distancia podemos definir os conceitos fundamentais de conjuntosabertos e fechados.

    Definicao 1.7 Seja (X, d) um espaco metrico e x0 X. dado > 0, o conjunto

    U(x0, ) := {x X | d(x, x0) < }

    e chamado de -vizinhanca de x0. Um subconjunto V X e chamado de aberto se, paraqualquer x0 V , existe > 0 tal que U(x0, ) V . Um subconjunto C X e chamado defechado se seu complemento X C = X \ C = Cc e aberto.

    Observacao 1.8 Seja (X, d) um espaco metrico e Y X. Entao uma -vizinhanca de umponto x0 Y na metrica dY e dada por U(x0, )Y , sendo essa ultima entendida na metrica d.

    Proposicao 1.9 Seja (X, d) um espaco metrico e {U | A} uma colecao de subconjuntosabertos de X, onde A e um conjunto de ndices qualquer. Entao o conjunto

    A U e aberto

    de X. Se supormos que que A e finito, isto e, A = {1, . . . , k}, entao k=1 U e aberto.Corolario 1.10 Se Y X e A e aberto em Y com relacao a` dY , entao existe um conjuntoaberto U em X tal que A = U Y .

  • 6 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

    Demonstracao. Sendo A aberto em Y , para qualquer x A existe x > 0 tal que U(x, x)Y A. Definamos

    U =xA

    U(x, x).

    Temos entao pela Proposicao 1.9 e pela Observacao 1.8 que U e aberto deX. Note que UY A.Alem disso, como a uniao e tomada em todo x A, temos que A U . Logo, A U Y .Conclui-se que A = U Y .

    Em Rn as -vizinhancas nas duas metricas d1 e d2 que vimos anteriormente recebem nomesespeciais. Se x0 Rn, a -vizinhanca de x0 na metrica euclidiana d1 e chamada de bola aberta decentro x0 e raio , e e denotada por B(x0). A -vizinhanca de x0 na metrica do sup e chamadade cubo aberto de centro x0 e raio , sendo denotado por C(x0). Pelo Exemplo 1.4 temos que

    B(x0) C(x0) Bn(x0),para qualquer x0 Rn e qualquer > 0. Podemos refrasear este fato na maneira apresentadano proximo resultado.

    Proposicao 1.11 Um subconjunto U Rn e aberto com relacao a` metrica d1 se, se e somentese, e aberto com relacao a` metrica d2.

    Definicao 1.12 Um ponto x0 de um espaco metrico X e chamado de ponto limite de umsubconjunto A X se para toda -vizinhanca de x0 U(x0, ), o conjunto U(x0, ) A possuiinfinitos elementos. Se x0 A nao e ponto limite de A dizemos que x0 e ponto isolado de A.

    Um subconjunto D X e denso em X se todo ponto de X e ponto limite de D ou umponto de D.

    O conjuntoA := A {x X | x e ponto limite de A}

    e chamado de fecho de A.

    Em particular, o fecho de qualquer subconjunto de X e um subconjunto fechado.

    1.3 Limites e continuidade

    Consideremos dois espacos metricos (X, dX ) e (Y, dY ), uma funcao f : X Y e x0 X.

    Definicao 1.13 Nas condicoes acima, dizemos que f e contnua em x0 se, dado > 0, existeum > 0, = (), tal que

    dY (f(x), f(x0)) < sempre que dX(x, x0) < .

    Dizemos que f e contnua se f e contnua em todo x0 X.

    Uma formulacao alternativa para a definicao de continuidade pode ser apresentada na formade teorema.

    Teorema 1.14 A funcao f e contnua se, e somente se, para qualquer subconjunto aberto U deY , tem-se que a pre-imagem f1(U) e aberta em X.

  • 1.4. INTERIOR E EXTERIOR 7

    Definicao 1.15 A funcao e chamada de homeomorfismo se ela e inversvel e ambas, f e f1,sao contnuas. Os espacos metricos (X, d) e (Y, d) sao homeomorfos se existe um homeomor-fismo de X em Y . Duas metricas d e d definidas no mesmo conjunto X sao equivalentes seexiste um homeomorfismo de (X, d) em (X, d).

    Tambem definimos o limite de uma funcao f em termos da metrica.

    Definicao 1.16 Seja A X e f : A Y . Seja ainda x0 um ponto limite do domnio A de f .Dizemos que o limite de f em x0 e y0 se, para cada > 0, existe um > 0 tal que

    dY (f(x), y0) < sempre que x A e 0 < dX(x, x0) < .

    Limites e continuidade de funcoes em espacos metricos satisfazem as mesmas propriedadesque limites e continuidades de funcoes em R com relacao a` soma, produto e composicao.

    1.4 Interior e exterior

    Definicao 1.17 Seja (X, d) um espaco metrico e A X. o conjuntoIntA := (Ac)c

    e chamado interior de A.

    Note que x IntA se, e somente se, existe > 0 tal que U(x, ) A, e assim o interior deA e aberto.

    Definicao 1.18 O exterior de A e o conjunto ExtA := Int(Ac). O bordo, (ou fronteira) deA e o conjunto A := X \ (ExtA IntA).

    Notemos que sempre vale X = IntA ExtA A.

    1.5 Compacidade em Rn

    Passamos a relembrar nesta secao o importante conceito de subconjuntos compactos. Para issoalgumas definicoes e observacoes serao necessarias e, como usual, denotaremos por (X, d) umespaco metrico.

    Seja A X. Uma cobertura de A e uma colecao de subconjuntos {U | I}, sendo I umconjunto de ndices, tal que A I U. Se cada U e aberto, entao dizemos que a coberturae aberta.

    Definicao 1.19 Um subconjunto A X e chamado de compacto se toda cobertura aberta deA possui uma subcolecao finita que tambem forma uma cobertura aberta de A.

    Um subconjunto B de um espaco metrico (X, d) e dito limitado se existe uma constanteM > 0 e x0 X tal que d(x, x0) M para qualquer x B.

    Em Rn os compactos sao caracterizados como sendo os subconjuntos fechados e limitados.Uma parte desse rsultado possui uma prova simples e daremos a seguir. Na verdade, enunciamossomente para Rn mas ele vale para qualquer espaco metrico.

  • 8 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

    Teorema 1.20 Seja X um subespaco compacto de Rn. Entao X e fechado e limitado.

    Demonstracao. Por equivalencia, basta demonstrarmos o resultado com relacao a` metrica d2.

    Mostremos incialmente que X e limitado. Para cada N Z+ definimos o cubo abertoUN := CN (0). Entao:

    U1 U2 . . . e Rn =

    N=1

    UN .

    Em particular, o conjunto {UN | N Z+} e uma cobertura aberta do compacto X, existindoassim uma quantidade finita de inteiros positivos N1, . . . , Nk tais que

    X k

    j=1

    UNj .

    Assim, sendo M = maxj{Nj}, segue que X UM e X e limitado.Agora demonstremos que Rn\X e aberto, isto e, queX e fechado. Para isso, seja x0 Rn\X

    e, para cada N Z+, definamos o cubo fechado CN := C1/N (x0). Entao

    . . . C2 C1 e

    N=1

    CN = {x0}.

    Seja VN := Rn \ CN . Segue que VN e aberto e que

    Rn \ {x0} =

    N=1

    VN .

    Novamente, usando a compacidade de X obtemos que existe uma quantidade finita de subcon-juntos VN1 , . . . VNl que cobrem X. TomandoM = maxiNi obtemos que X VM e em particularCN X = . Notando que x0 IntCM temos que Rn \X e aberto.

    Segunda aula

    Corolario 1.21 Se X e um subconjunto compacto de R entao X possui maximo e mnimo.

    Teorema 1.22 Seja X um subconjunto compacto de Rn e f : X Rm contnua. Entao f(X) Rm e compacto e, se m = 1, f assume maximo e mnimo.

    Definicao 1.23 SejaX Rn. Dado > 0, o conjunto xX B(x) e chamado de -vizinhancade X na metrica euclidiana. Similarmente, substituindo B(x) por C(x) definimos a -vizinhancade X na metrica do sup.

    Teorema 1.24 Sejam X Rn um subespaco compacto e U Rn um aberto que contem X.Entao existe > 0 tal que a -vizinhanca de X esta contida em U (em qualquer metrica d1 oud2).

  • 1.5. COMPACIDADE EM RN 9

    Demonstracao. Por equivalencia das metricas, basta provarmos o resultado para a metrica dosup.

    Dado um subconjunto C Rn, para cada x Rn definimos a distancia entre x e C pelaexpressao

    d(x,C) := infcC

    {|x c|}.

    Assumiremos por um momento que, fixado C, a funcao x 7 d(x,C) e contnua de Rn em R.Sejam U aberto tal que X U e f : X R dada por

    f(x) := d(x,Rn \ U).

    Como f e contnua e X e compacto, pelo Teorema 1.22 temos que f assume um mnimo. O valormnimo de f deve ser positivo, caso contrario, f(x0) = 0 para algum x0 X, o que mostrariaque x0 Rn \ U , pois este ultimo conjunto e fechado, obtendo assim uma contradicao. Segueque existe 0 > 0 tal que f(x) 0 para qualquer x X e assim a 0-vizinhanca de X estacontida em U .

    Falta mostrarmos que x 7 d(x,C) e contnua de Rn em R. Sejam x, y Rn e c C.Entao, pela desigualdade triangular,

    d(x,C) |x y| |x c| |x y| |y c|.

    Tomando o nfimo em c na desigualdade acima obtemos

    d(x,C) d(y,C) |x y|.

    Como a mesma desigualdade vale se trocarmos os papeis de x e y, obtemos

    |d(x,C) d(y,C)| |x y|.

    Segue a continuidade e a prova do teorema.

    O Teorema 1.24 nao vale se retirarmos a hipotese de compacidade em X, como verificaremosnos exerccios deste captulo.

    Provaremos a seguir um resultado familiar.

    Teorema 1.25 Seja X Rn um subespaco compacto e f : X Rm contnua. Entao f euniformemente contnua no seguinte sentido: dado > 0, existe > 0, dependendo somentede , tal que, para quaisquer x, y X,

    f(x) f(y) < sempre que x y < .

    Este mesmo resultado vale se considerarmos a metrica do sup.

    Demonstracao. Consideremos o produto cartesiano X X Rn Rn e seu subconjunto

    := {(x, x) | x X},

    o qual chamaremos de diagonal de X X. Notemos que e um subconjunto compacto de R2nja que e imagem de X pela aplicacao contnua h(x) = (x, x).

  • 10 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

    Consideremos a funcao g : X X R definida por

    g(x, y) := f(x) f(y).

    Notemos que g e contnua ja que pode ser escrita com soma e composicao das funcoes contnuasf e d1. Segue que, dado > 0, o conjunto V dos pontos (x, y) XX para os quais g(x, y) < e aberto em X X e, como tal, deve ser escrito como a interseccao de um aberto U Rn Rncom X X. Como V , temos que U .

    A compacidade de e o Teorema 1.24 implicam na existencia de um numero > 0 tal quea -vizinhanca de ainda esta contida em U . Note que, se x, y X sao tais que x y < ,entao

    (x, y) (y, y) = (x y, 0) = x y < ,ou seja, (x, y) pertence a` -vizinhanca de . Segue que (x, y) U e assim g(x, y) < , comodesejado.

    A prova para o caso da metrica do sup segue por equivalencia das metricas.

    Para finalizarmos a caraterizacao dos subconjuntos compactos em Rn necessitaremos aindade um fato basico.

    Lema 1.26 O retangulo Q := [a1, b1] . . . [an, bn] Rn e um subconjunto compacto.

    Teorema 1.27 Seja X Rn um subconjunto limitado e fechado. Entao X e compacto.

    Demonstracao. Seja A uma colecao de abertos que cobrem X. Adicionemos a esta colecao oaberto Rn \X. Temos assim uma cobertura aberta de Rn. Como X e limitado, podemos tomarum retangulo Q como no Lemma 1.26 tal que X Q. Em particular a cobertura aberta deRn cobre o compacto Q. Extramos entao uma subcobertura finita que ainda cobre Q. Se estasubcobertura de Q ainda conter Rn \X, tiramos este conjunto obtendo ainda outra subcolecaoda cobertura inicial A. Tal subcolecao pode nao cobrir Q, mas certamente cobre X ja que oconjunto Rn \X descartado nao contem pontos de X.

    1.6 Conexidade em Rn

    Nesta secao daremos a definicao de espacos conexos e apresentaremos algumas propriedades quenecessitaremos.

    Definicao 1.28 Um subconjunto Y de um espaco metrico X e conexo se ele nao e igual a`uniao de dois subconjuntos abertos, disjuntos e nao vazios.

    Exemplo 1.29 O conjunto Q dos numeros racionais e desconexo, sendo {x R | x > 2} Qe {x R | x < 2} Q uma decomposicao.

    Teorema 1.30 Os unicos subconjuntos de R que possuem mais que um ponto e sao conexos saoo proprio R e os intervalos (abertos, fechados ou semi-fechados).

    Uma caracterizacao de subconjuntos conexos e dada no proximo resultado.

  • 1.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 11

    Teorema 1.31 Seja X um espaco metrico. Sao equivalentes:

    1. X e conexo;

    2. os unicos subconjuntos de X que sao abertos e fechados sao o proprio X e ;3. nenhuma funcao contnua f : X {1, 2} e sobrejetiva.

    Usaremos o seguinte fato basico sobre espacos conexos.

    Teorema 1.32 (Teorema do valor intermediario) Sejam X e Y espacos metricos. Se X econexo e f : X R e contnua entao f(X) e conexo.

    Demonstracao. Se f(X) nao fosse conexo, pelo Teorema 1.31 existiria uma funcao g : f(X){1, 2} contnua e sobrejetora. Assim, a composicao g f : X {1, 2} seria tambem contnua esobrejetora, contradizendo o fato de X ser conexo.

    Em particular, uma funcao contnua de um espaco metrico conexo X com valores em Rassume todos os valores entre dois quaisquer pontos de sua imagem.

    Uma importante classe de conjuntos conexos em Rn e dada pelos conjuntos convexos, quepassamos a definir.

    Dados x1, x2 Rn, o segmento de reta unindo x1 a x2 e dado por t 7 x1 + t(x2 x1),0 t 1.

    Um subconjunto A Rn e convexo se o segmento de reta unindo quaisquer de seus pontosesta inteiramente contido em A. Notemos que qualquer subconjunto convexo de Rn e conexo.

    1.7 Exerccios do captulo

    Exerccio 1 Se x, y Rn, prove que x + y x + y. Quando vale a igualdade? (Aresposta nao e quando x e y forem linearmente dependentes).

    Exerccio 2 Sejam x = (x1, . . . , xn) e y = (y1, . . . , yn). Prove que ni=1

    xiyi

    xy, com aigualdade valendo se, e somente se, x e y forem linearmente dependentes.

    Exerccio 3 Sejam f e g funcoes integraveis em [a, b].

    (i) Prove que bafgdx

    ( baf2dx

    )1/2( bag2dx

    )1/2.

    Sugestao: considere separadamente os casos 0 =

    ba(f g)2dx para algum R e

    0 0 tal que Tx Mx, para qualquer x Rm.

    Sugestao: estime Tx em termos de x e das entradas da matriz de T .

    Exerccio 8 Seja X um espaco metrico e suponha que a11, . . . , amn sejam mn funcoes contnuasde X em R. Para cada p X, seja Ap a transformacao linear de Rn em Rm cuja matriz e(aij(p))mn. Mostre que p 7 Ap e contnua de X em L(Rn,Rm).

    Exerccio 9 Dois vetores x, y Rn sao ortogonais se x, y = 0. Prove ou de um contraexemplo:

    (i) se x e ortogonal a` y, entao x+ y x para qualquer R;(ii) se x+ y x para qualquer R, entao x e ortogonal a` y.

    Exerccio 10 Seja f uma funcao contnua em Rn. Suponha que f(x) > 0 para qualquer x 6= 0 eque f(cx) = cf(x) para qualquer x Rn e qualquer c R, c > 0. Mostre que existem constantesa > 0 e b > 0 tais que ax f(x) bx.

    Sugestao: Considere primeiramente o conjunto {x Rn : x = 1}.

  • 1.7. EXERCICIOS DO CAPITULO 13

    Exerccio 11 Seja (X, d) um espaco metrico. Mostre que, para cadaM > 0, existe uma metricadM tal que dM (x, y) M , para quaisquer x, y X e ainda (X, d) e (X, dM ) sao homeomorfos.Equivalentemente, todo espaco metrico e homeomorfo a um espaco metrico limitado.

    Exerccio 12 (Conjunto de Cantor) Seja C = [0, 1] \ (A1 A2 . . .), onde A1 = (13 , 23),A2 = (

    19 ,

    29) (79 , 89), A3 = ( 127 , 227) . . . (2527 , 2627 ) e Aj e a uniao de 2j1 intervalos abertos de

    comprimento 3j escolhidos similarmente. Mostre que C e fechado e que nao existe conjuntoaberto no qual C seja denso.

    Observacao: uma das propriedades interessantes do conjunto de Cantor e que ele nosda um exemplo de conjunto nao enumeravel de medida nula, conceito que trabalharemos maisadiante no curso.

    Exerccio 13 Seja um numero irracional fixado e R o conjunto de todas as retas da forma

    y = x+ (n m),

    onde n,m Z. Mostre que R e um subconjunto denso de R2.Sugestoes:

    1- basta provar que o conjunto {n m | n,m Z} e denso no eixo y;2- assuma que, dado > 0, existem numeros inteiros n e m suficientemente grandes tais

    que 0 0 tal que a vizinhanca de X em R2 esteja contida em U .

  • 14 CAPITULO 1. REVISAO DE TOPOLOGIA EM RN

  • Captulo 2

    Diferenciabilidade

    Neste captulo vamos estudar o calculo diferencial de funcoes f : Rn Rm. As vezes, chamare-mos uma funcao de varias variaveis com valores em Rm de uma aplicacao. A teoria se baseiana aproximacao linear local dessas aplicacoes como no caso em que m = n = 1. Dentre osresultados que obteremos esta o que trata da diferenciabilidade da composta de duas funcoes(Regra da Cadeia). Alem disso, sendo a derivada uma aproximacao linear da uma funcao emum ponto onde ela e diferenciavel, estudaremos que tipo de informacoes qualitativas podemosobter analisando somente a derivada. Os principais resultados nessa direcao sao o Teorema daFuncao Inversa e o Teorema da Funcao Implcita. O primeiro destes teorema ainda nos forneceraconsequencias importantes que sao as Formas Locais das Imersoes e das Submersoes e o Teoremado Posto.

    Segunda aula (continuacao)

    2.1 Definicoes basicas

    Uma primeira tentativa para definirmos a diferenciabilidade de uma funcao f : Rn Rm seria aseguinte: fixamos n 1 variaveis e tratamos f como sendo uma funcao de apenas uma variavel.Isto feito, supondo que f esta sendo considerada como funcao de xi, definimos a derivada parcialde f na direcao xi como no caso de uma variavel. Assim, as derivadas parciais dao informacoesa respeito de f ao longo das direcoes dadas pelos eixos coordenados. Existe porem uma pequenamodificacao deste conceito que estuda a variacao de f localmente em direcoes dadas por umvetor fixado u.

    Definicao 2.1 Sejam A Rn um aberto, x0 A, u 6= 0 um vetor em Rn e f : A Rm. Aderivada direcional de f em x0 na direcao de u, denotada por f

    (x0;u), e definida por

    f (x0;u) := limh0

    f(x0 + hu) f(x0)h

    ,

    sempre que este limite existir.

    Outra notacao para f (x0;u) ef

    u(x0).

    15

  • 16 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Observacao 2.2 No caso em que u = ei, onde ei e o i-esimo vetor da base canonica de Rn,

    temos que a derivada direcional de f na direcao de u coincide com a derivada parcial de f

    na direcao ei, e denotamos porf

    xi.

    Exemplo 2.3 Seja f : Rn R dada por f(x) = x2 e u Rn qualquer vetor fixado. Entaof(x+ hu) f(x) = x+ hu, x+ hu x2

    = x2 + 2hx,u+ h2u2 x2= 2hx,u+ h2u2.

    Segue que f (x;u) = 2x,u.

    Ao tentarmos obter informacoes sobre a continuidade de uma funcao analisando suasderivadas direcionais encontraremos alguns problemas.

    Exemplo 2.4 Seja f : R2 R dada por

    f(x, y) =

    {x+ y se xy = 0,1 caso contrario.

    Entaof

    x(0, 0) =

    f

    y(0, 0) = 1. Entretanto, f nao e contnua na origem. Note ainda que, para

    qualquer direcao u = (a, b), com a 6= 0 e b 6= 0, temos quef(0 + ha, 0 + hb) f(0, 0)

    h=f(ha, hb)

    h=

    1

    h

    e assim, nao existe f (0, 0;u).

    No exemplo anterior a derivada direcional nao existia em direcoes diferentes daquelas dadaspelos eixos. Existem ainda funcoes que possuem derivadas direcionais em todas as direcoes emum dado ponto x0 mas que supreendetemente sao descontnuas em x0.

    Exemplo 2.5 Seja f : R2 R dada por

    f(x, y) =

    xy2

    x2 + y4se x 6= 0,

    0 se x = 0.

    Consideremos um vetor u = (a, b) qualquer. Temos entao que, se a 6= 0,f(0 + ha, 0 + hb) f(0, 0)

    h=

    h3ab2

    h(h2a2 + h4b4)=

    ab2

    a2 + h2b4).

    Segue que

    f (0, 0;u) ={b2/a se a 6= 0,0 se x = 0.

    Assim, existem as derivadas direcionais de f em (0, 0) em todas as direcoes. Entretanto, f naoe contnua em (0, 0). De fato, f(0, 0) = 0 mas, se calcularmos o limite de f em (0, 0) sobre aparabola x = y2 obteremos 1/2.

  • 2.1. DEFINICOES BASICAS 17

    Terceira aula

    Para obtermos continuidade necessitamos de um conceito mais forte que derivadas dire-cionais que e a diferenciabilidade. Recordemos o caso de funcoes de R em R.

    Dada uma funcao f : R R, definimos a derivada de f por meio do limite (se ele existir)

    f (x) := limh0

    f(x+ h) f(x)h

    .

    Definamos

    g(h) :=f(x+ h) f(x)

    h f (x).

    Entao g nao esta definida em h = 0, mas

    limh0

    g(h) = 0.

    No caso em que h 6= 0 podemos escreverf(x+ h) f(x) = f (x)h+ hg(h).

    Definindo g(0) = 0 observamos que a relacao acima continua sendo verdadeira em h = 0. Alemdisso, podemos substituir h por h se substituirmos g por g. Acabamos de verificar que, se fe diferenciavel, existe uma funcao g tal que

    f(x+ h) f(x) = f (x)h + |h|g(h),limh0

    g(h) = 0.(2.1)

    Reciprocamente, suponha que existe R e uma funcao g tal quef(x+ h) f(x) = h+ |h|g(h),

    limh0

    g(h) = 0.(2.2)

    Se h 6= 0 temos quef(x+ h) f(x)

    h= +

    |h|hg(h).

    Logo, tomando o limite h 0 na expressao acima e observando que

    limh0

    |h|hg(h) = 0,

    obtemos que f e diferenciavel e que sua derivada f (x) vale justamente .Segue dessa analise que a existencia de um numero e de uma funcao g satisfazendo (2.2)

    poderia ser usada como definicao de diferenciabilidade de funcoes de uma variavel real. Notemosainda na expressao (2.1) que a quantidade T (h) := f (x)h e linear em h. A derivada total deuma funcao de varias variaveis sera definida preservando as propriedades acima.

    Definicao 2.6 Seja A Rn e f : A Rm. Suponha que A contenha uma vizinhanca de x0.Dizemos que f e diferenciavel em x0 se existe uma matriz B, do tipo m n, tal que

    limH0

    f(x0 +H) f(x0)B H|H| = 0.

    A matriz B e chamada de derivada ou diferencial de f em x0, e e denotada por B = Df(x0).

  • 18 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Na Definicao 2.6 utilizamos a norma do sup, mas poderamos ter utilizado a norma eucli-diana sem nenhuma perda. Para que esta definicao faca sentido devemos observar que a matrizDf(x0), quando existe, e unica.

    Lema 2.7 A derivada de f : A Rn Rm, quando existe, e unica.

    Demonstracao. Suponha queB e C sejam duas matrizes que satisfazem a condicao na definicaode derivada. Segue que

    limH0

    (C B) H|H| = 0.

    Fixado u 6= 0, tomamos H = tu e fazemos t 0. Segue que (C B) u = 0 e, como u equalquer, C = B.

    Mostremos que a definicao de diferenciabilidade que acabamos de dar, na qual a matrizDf(x0) e conhecida como derivada de Frechet, e mais forte que o conceito de derivada direcional,conhecida como derivada de Gateaux. De fato, diferenciabilidade implica em continuidade.

    Teorema 2.8 Seja A Rn e f : A Rm. Se f e diferenciavel em x0 A entao f e contnuaem x0.

    Demonstracao. Para H pequeno de forma que x0 +H A temos que

    f(x0 +H) f(x0) = |H|(f(x0 +H) f(x0)Df(x0) H

    |H|)+Df(x0) H.

    Como a expressao dentro do parenteses tende a 0 quando H 0 temos que

    limH0

    f(x0 +H) f(x0) = 0.

    Logo f e contnua em x0.

    Podemos ainda recuperar o conceito de derivada direcional utilizando o conceito de dife-renciabilidade.

    Proposicao 2.9 Seja A Rn e f : A Rm. Se f e diferenciavel em x0 A entao f (x0;u)existe para qualquer vetor u Rn e

    f (x0;u) = Df(x0) u.

    Em particular, se m = 1 entao

    Df(x0) =( fx1

    (x0), . . . ,f

    xn(x0)

    ).

    Demonstracao. Seja B := Df(x0). Tomemos H = tu, t 6= 0, e substituimos na definicao dediferenciabilidade. Obtemos que

    limt0

    f(x0 + tu) f(x0)B tu|tu| = 0. (2.3)

  • 2.1. DEFINICOES BASICAS 19

    Multiplicamos (2.3) por |u| ou por |u|, dependendo se t > 0 ou t < 0, respectivamente. Emambos os casos obtemos

    limt0

    (f(x0 + tu) f(x0)t

    )B u = 0.

    Segue que f (x0;u) = B u.Suponhamos agora que m = 1. Entao, por definicao, Df(x0) e uma matriz 1 m que

    escrevemos comoDf(x0) = (1 . . . m).

    Pela primeira parte deste teorema temos que

    f

    xj(x0) = f

    (x0; ej) = Df(x0) ej = j, j = 1, . . . ,m.

    O resultado segue.

    Observacao 2.10 No caso em que f : A Rn R e diferenciavel em x0, usamos a notacao

    f(x0) :=( fx1

    (x0), . . . ,f

    xn(x0)

    ),

    chamado de gradiente de f em x0.

    Sejam {e1, . . . , en} e {u1, . . . , um} as bases canonicas de Rn e Rm respectivamente. Dadaf : A Rn Rm diferenciavel em x0 A, definamos a transformacao linear T : Rn Rm por

    T (ei) := Df(x0) ei = f (x0; ei).Suponhamos que f = (f1, . . . , fm), isto e,

    f(x) =

    mj=1

    fj(x)uj .

    Com esta notacao temos que

    f (x0; ei) = limt0

    f(x0 + tei) f(x0)t

    = limt0

    mj=1

    fj(x0 + tei) fj(x0)t

    uj . (2.4)

    Fazendo o produto interno de ambos os lados da igualdade (2.4) com uj, j = 1, . . . ,m, vemos

    que cada termo na soma possui limite, o qual e justamentefjxi

    (x0), ou seja

    mj=1

    fjxi

    (x0)uj = f(x0; ei) = T (ei).

    Segue que a matriz de T com relacao a`s bases canonicas de Rn e Rm ef1x1

    (x0)f1x2

    (x0) . . .f1xn

    (x0)

    ......

    ......

    fmx1

    (x0)fmx2

    (x0) . . .fmxn

    (x0)

    .Tal matriz e chamada de Jacobiana de f em x0, sendo denotada por Df(x0). Ela esta

    definida em qualquer ponto de Rn onde f e diferenciavel.

  • 20 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    2.2 O Teorema do Valor Medio

    Para uma funcao diferenciavel g : R R, o Teorema do Valor Medio afirma que

    g(x) g(y) = g(z)(x y),

    para algum z (x, y). Entretanto esta relacao nao e valida em geral para funcoes de Rn emRm. Vamos demonstrar que uma versao corrigida do teorema e valida. Utilizaremos a seguintenotacao: para x, y Rn, definimos

    L(x, y) := {tx+ (1 t)y | 0 t 1}.

    Teorema 2.11 (Teorema do Valor Medio) Sejam A Rn um aberto e f : A Rm dife-renciavel em todo ponto de A. Sejam x, y A tais que L(x, y) A. Entao, para todo a Rm,existe z L(x, y) tal que

    a, (f(y) f(x)) = a,Df(z) (y x).Demonstracao. Seja u = y x. Como A e aberto e L(x, y) A, temos que existe > 0 talque x + tu A, para qualquer < t < 1 + (basta usar o Teorema 1.24). Agora fixemosa Rm e definamos F : (, 1 + ) Rm por

    F (t) :=a, f(x+ tu)

    .

    Notemos que

    limh0

    F (t+ h) F (t)h

    =a, f (x+ tu;u)

    .

    Em particular, F e diferenciavel em (0, 1). Segue do Teorema do Valor Medio de uma variavelque existe 0 < < 1 tal que

    F (1) F (0) = F () = a, f (x+ u;u) = a, f (z; y x) = a,Df(z) (y x),onde z := x+ u L(x, y). O resultado segue notando que F (1)F (0) = a, (f(y) f(x)). Observacao 2.12 1. No caso em que m = 1, tomando a = 1, o Teorema 2.11 implica que

    f(y) f(x) = f(z), (y x),para algum z L(x, y).

    2. Tomando a de norma 1 segue do Teorema 2.11 que

    f(y) f(x) My x,

    onde M e a norma de Df(z), para algum z L(x, y). Em particular, se A e convexo e asderivadas parciais de f sao limitadas em A, entao f e Lipschitz.

  • 2.3. UMA CONDICAO SUFICIENTE PARA DIFERENCIABILIDADE 21

    2.3 Uma condicao suficiente para diferenciabilidade

    Ate agora obtemos resultados que sao consequencias da hipotese de diferenciabilidade de umafuncao. Entretanto, vimos tambem que nem a existencia das derivadas direcionais em todasas direcoes de uma certa funcao em um dado ponto nao implicam na diferenciabilidade destafuncao neste ponto (ja que pode acontecer de nao termos nem mesmo continuidade). O proximoresultado mostra que a continuidade das derivadas parciais e suficiente para garantirmos adiferenciabilidade.

    Teorema 2.13 Seja A Rn um aberto e f : A Rm, com f = (f1, . . . , fm). Suponha que asderivadas parciais

    fjxi

    das funcoes componentes existem em cada ponto de A e sao contnuas

    em A. Entao f e diferenciavel em A.

    Demonstracao. Primeiramente notemos que e suficiente provarmos o teorema no caso deuma funcao com valores em R. De fato, e um exerccio mostrar que a diferenciabilidade de f =(f1, . . . , fm) e equivalente a` diferenciabilidade de cada componente (compare com os argumentosno final da Secao 2.1 quando falamos de matriz Jacobiana).

    Dados x0 A e > 0, consideremos o pontos x A tais que |x x0| < .Seja H = (h1, . . . , hm) Rm com 0 < |H| < . Consideremos entao os seguintes pontos de

    Rm que sao vertices de um paraleleppedo retangulo centrado em x0:

    p0 = x0,

    p1 = x0 + h1e1,

    ...

    pm = x0 + h1e1 + . . .+ hmem = x0 +H.

    Podemos escrever

    f(x0 +H) f(x0) =mj=1

    (f(pj) f(pj1)

    ). (2.5)

    Suponhamos hj 6= 0 e definamos (t) := f(pj1 + tej), t [, hj + ], para algum > 0.Notemos ainda que e difereciavel em t. Aplicando o Teorema do Valor Medio a` concluimosque

    f(pj) f(pj1) = (hj) (0) = (cj)hj = fxj

    (qj)hj , (2.6)

    para algum cj (0, hj), onde qj = pj1 + cjej . Notemos que se hj = 0, entao (2.6) valeautomaticamente. Substituindo (2.6) em (2.5) concluimos que

    f(x0 +H) f(x0) =mj=1

    f

    xj(qj)hj . (2.7)

    Subtraindo f(x0),H em ambos os lados da igualdade (2.7) e dividindo por |H| nos da

    f(x0 +H) f(x0) f(x0),H|H| =

    mj=1

    ( fxj

    (qj) fxj

    (x0)) hj|H| .

  • 22 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Fazendo H 0, vemos que qj x0. Usando a continuidade das derivadas pariciais e a limitacaodo quociente hj/|H| obtemos o resultado.

    Uma funcao f : A Rn Rm cujas derivadas parciais existem e sao contnuas em A echamada de continuamente diferenciavel ou de classe C1 em A. No decorrer deste texto usaremosainda a notacao

    Djf(x) :=f

    xj.

    Suponha que f : A Rn Rm e que as derivadas pariciais das componentes de f , dadaspor Djfi, existam. Estas sao, portanto, funcoes de A em R

    m. Podemos entao considerar as suasderivadas parciais Dk(Djfi) = Dk,jfi, que sao as chamadas derivadas parciais de segunda ordemde f . Similarmente definimos as derivada de terceira ordem, e assim por diante. Se as derivadasparciais de f ate ordem r existem e sao contnuas, dizemos que f e de classe Cr. Dizemos aindaque f e de classe C se as derivadas parciais de todas as ordens de f existem.

    2.4 O Teorema de Clairaut-Schwarz

    Esta secao nao foi trabalhada em sala de aula.

    O Teorema de Clairaut-Schwarz nos da condicoes sob as quais temos a igualdade dasderivadas parciais de segunda ordem mistas Dk,jf e Dj,kf .

    Teorema 2.14 (Teorema de Clairaut-Schwarz) Seja A Rn um aberto e f : A R umafuncao de classe C2. Entao, para cada x0 A,

    DkDjf(x0) = DjDkf(x0).

    Demonstracao. Nao faremos por enquanto a demosntracao deste resultado. Os interessadospodem consultar a referencia [9]. Mais adiante, ao estudarmos o Teorema de Fubini teremoscondicoes de dar uma prova elementar deste teorema.

    Quarta aula

    2.5 A Regra da Cadeia

    Para funcoes f e g tais que a composta h = f g pode ser calculada, a regra da cadeia nos dizcomo calcular a derivada total de h em termos da derivada total de f e de g.

    Teorema 2.15 Sejam A Rn e B Rm. Consideremos as funcoes f : A Rm e g : B Rptais que f(A) B e com f(x0) = y0. Se f e diferenciavel em x0 e g e diferenciavel em y0,entao a composta g f e diferenciavel em x0 e, alem disso,

    D(g f)(x0) = Dg(y0) Df(x0),

    onde o ponto indica o produto das matrizes jacobianas de g e f respectivamente.

  • 2.5. A REGRA DA CADEIA 23

    Demonstracao. Pela continuidade de g em y0, podemos tomar > 0 tal que g esta definida noconjunto C(y0). Similarmente, escolhemos > 0 tal que f esteja definida em C(x0) e ainda,f(x) C(y0), para qualquer x C(x0). Segue que a composta g f esta definida em C(x0).

    f g

    cy0x0

    Tomemos H Rn tal que 0 < |H| < . Assim,g f(x0 +H) g f(x0) = g(f(x0 +H)) g(f(x0)) = g(z + y0) g(y0),

    onde y0 = f(x0) e z = f(x0 +H) f(x0). Pela diferenciabilidade de f em x0 podemos escrever

    z = f(x0 +H) f(x0) = Df(x0) H + |H|Ef (H),onde lim

    H0Ef (H) = 0.

    (2.8)

    Analogamente, a diferenciabilidade de g em y0 implica que

    g(z + y0) g(y0) = Dg(y0) z + |z|Eg(z),onde lim

    z0Eg(z) = 0.

    (2.9)

    Substituindo (2.8) em (2.9) obtemos

    g(z + y0) g(y0) = Dg(y0)[Df(x0) H

    ]+ |H|Dg(y0)Ef (H) + |z|Eg(z)

    = Dg(y0)[Df(x0) H

    ]+ |H|E(H),

    onde

    E(H) := Dg(y0)Ef (H) +|z||H|Eg(z), H 6= 0, E(0) = 0.

    A prova estara completa se provarmos que

    limH0

    E(H) = 0.

    Notemos que z 0 quando H 0. Logo, Ef (H) 0 e Eg(z) 0 quando H 0. Vamosentao mostrar que o quociente

    |z||H| esta limitado quando H 0, o que finalizara a prova. Segue

    de (2.8) que

    |z||H| =

    |Df(x0) H + |H|Ef (H)||H| |Df(x0)|+ |Ef (H)| Df(x0) +M, (2.10)

    onde |Ef (H)| M .

    Abaixo temos duas consequencias da regra da cadeia.

  • 24 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Corolario 2.16 Sejam A Rn e B Rm. Consideremos as funcoes f : A Rm e g : B Rptais que f(A) B. Se f e g sao de classe Cr, entao a composta g f tambem sera de classeCr.

    Corolario 2.17 Sejam A Rn aberto, f : A Rm com f(x0) = y0. Suponha que g e umafuncao definida em uma vizinhaca de y0 com imagem em R

    n que ainda satisfaz g(y0) = x0 e

    g(f(x)) = x

    para todo x e uma vizinhanca de x0. Se f for diferenciavel em x0 e g for diferenciavel em y0,entao

    Dg(y0) = [Df(x0)]1.

    Demonstracao. Seja i : Rn Rn a funcao identidade. Sua derivada e a matriz In. Segue que

    Dg(y0) Df(x0) = In.

    Como a inversa a direita de uma matriz e tambem inversa a` esquerda (veja o Teorema 2.5 de[9]), temos o resultado.

    2.6 O Teorema da Funcao Inversa

    Nesta secao consideraremos um dos teoremas mais basicos da teoria que desenvolveremos nocurso. Juntamente com o Teorema da Funcao Implcita, o Teorema da Funcao Inversa ilustra aideia de que um sistema nao linear de equacoes se comporta essencialmente como sua linearizacaoenquanto os termos lineares dominarem (em um certo sentido) os termos nao lineares. Resultadosdessa natureza sao muito importantes em Analise, em particular em equacoes diferenciais.

    A demonstracao que apresentaremos nestas notas e baseada Teorema do Ponto Fixo deBanach (Teorema 2.24). Para uma demonstracao baseada em estimativas elementares encora-jamos a leitura de [12] ou [9]. Historicamente, o uso do Teorema 2.24 na prova do Teoremada Funcao Inversa possui suas razes no metodo iterativo de Goursat ([3]), que e inspirado nometodo iterativo de Picard para existencia de solucoes de equacoes diferenciais ordinarias. Foijustamente o fato de o mesmo prinpio utilizado na demonstracao ser utilizado em outras areasda Analise que nos motivou a apresentar esta prova.

    Definicao 2.18 Sejam U e V subconjuntos abertos de Rn. Dizemos que f : U V e umdifeomorfismo de classe Cr se:

    1. f e um homeomorfismo;

    2. tanto f quanto f1 sao de classe Cr.

    Exemplo 2.19 Fixados a, b Rn, a aplicacao Ta,b : Rn Rn dada por Ta,b(x) = x+ (b a) eum difeomorfismo de classe C.

    Exemplo 2.20 Dada uma matriz Ann nao singular (detA 6= 0), a funcao TA : Rn Rn dadapor TA(x) = Ax e um difeomorfismo de classe C

    .

  • 2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 25

    O seguinte resultado reflete o fato da existencia de um difeomorfismo ser uma relacao deequivalencia entre os subconjuntos abertos de Rn.

    Lema 2.21 Sejam U, V,W subconjuntos abertos de Rn. Consideremos as funcoes f : U Ve g : V W a composicao h = g f : U W . Se quaisquer duas destas funcoes forem umdifeomorfismo, entao a terceira tambem sera.

    Enunciamos agora o principal resultado desta secao.

    Teorema 2.22 (Teorema da Funcao Inversa) Seja W um subconjunto aberto de Rn e con-sidere f : W Rn uma funcao de classe Cr, r = 1, 2, . . . ,. Se x0 W e Df(x0) e naosingular, entao existe uma vizinhanca aberta U de x0, U W , tal que V = F (U) e aberto eF : U V e um difeomorfismo de classe Cr. Alem disso, se x U e y = f(x), entao temos aseguinte formula para a derivada de f1 em y:

    Df1(y) =[Df(x)

    ]1.

    Para demonstrarmos o Teorema 2.22 ainda necessitamos alguns fatos, ja que faremos aprova baseando-nos no Teorema do Ponto Fixo de Banach.

    Definicao 2.23 Seja (X, d) um espaco metrico. Dizemos que {xn}nN X e uma sequenciade Cauchy em X se d(xi, xj) 0 quando i, j . O espaco X e chamado de completo setoda sequencia de Cauchy em X e convergente.

    Teorema 2.24 (Teorema do Ponto Fixo de Banach) Seja (X, d) um espaco metrico com-pleto e T : X X uma funcao. Suponhamos que exista uma constante 0 < 1 tal que, paraquaisquer x, y X,

    d(T (x), T (y)) d(x, y).Entao T possui um unico ponto fixo em X.

    Demonstracao. Aplicando T repetidamente temos que d(T n(x), T n(y)) nd(x, y).Afirmacao: se escolhemos x0 X arbitrario e definimos xn := T n(x0), entao existe uma

    constante K 0 independente de n,m tal que d(xn, xn+m) nK. De fato,

    d(xn, xn+m) = d(Tn(x0), T

    n(Tm(x0))) nd(x0, Tm(x0)).

    Pela Desigualdade Triangular,

    d(x0, Tm(x0)) d(x0, T (x0)) + d(T (x0), T 2(x0)) + . . .+ d(Tm1(x0), Tm(x0))

    (1 + + . . . + m1)d(x0, T (x0)) 11 d(x0, T (x0)).

    A afirmacao segue se tomarmos K =1

    1 d(x0, T (x0)).Segue que {xn} possui um limite, o qual denotamos por a. Como {xn+1} possui obviamente

    o mesmo limite, temos que

    d(a, T (a)) = limn d(xn, T (xn)) = limn d(xn, xn+1) = 0.

  • 26 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Logo T (a) = a. Note que, se tivessemos dois pontos fixos a e b, entao

    d(a, b) = d(T (a), T (b)) d(a, b),contradizendo o fato de 0 < 1.

    Demonstracao do Teorema 2.22.

    Vamos organizar a prova em varios passos.

    Passo (i): podemos assumir que x0 = 0, f(0) = 0 e Df(0) = In, a matriz identidade.

    De fato, o caso geral segue da seguinte forma: compondo com os difeomorfismos do Exemplo2.19 podemos transladar a origem para x0 e depois y0 para a origem; apos isso, compomos afuncao resultante com o difeomorfismo do Exemplo 2.20 com A = [Df(x0)]

    1; finalmente usamoso Lema 2.21.

    Definamos agorag(x) = x f(x).

    Entao g(0) = 0 e Dg(0) = 0n (a matriz nula de ordem n).

    Passo (ii): existe um numero real r > 0 tal que Df e nao singular na bola fechada B2r(0) We, para quaisquer x1, x2 Br(0), temos que

    |g(x1) g(x2)| 12|x1 x2| (2.11)

    e|x1 x2| 2|f(x1) f(x2)|. (2.12)

    Para verificarmos esta afirmacao tomamos inicialmente r1 > 0 tal que B2r1(0) W . Alemdisso, como det(Df(x0)) e uma funcao contnua de x W e nao se anula em uma vizinhancade 0, selecionamos r2 > 0 tal que det(Df(0)) nao se anula em B2r2(0). Finalmente, comoDg(0) = 0, podemos tomar r3 > 0 tal que Dg(x) 1/2 para x B2r3(0). Consideremosr = min{r1, r2, r3}. A desigualdade (2.11) segue do item 2 da Observacao 2.12. A desigualdade(2.12) por sua vez segue substituindo g(xi) por xi f(xi), i = 1, 2. De fato:

    |x1 f(x1) x2 + f(x2)| 12|x1 x2|

    por (2.11), e Pela continuidade da norma,

    |x1 x2| |f(x1) f(x2)| |(x1 x2) (f(x1) f(x2))|.Combinando estas duas desigualdades teremos (2.12).

    Passo (iii): se |x| r, entao |g(x)| r/2, isto e, g(Br(0)) Br/2(0). Alem disso, para caday Br/2(0), existe x Br(0) tal que f(x) = y.

    A primeira parte da afirmacao segue de (2.11) tomando-se x1 = x e x2 = 0. Ja a segundaparte necessitara do Teorema 2.24. Para cada y Br/2(0) e cada x Br(0) temos que

    |y + g(x)| |y|+ |g(x)| r2+r

    2= r.

  • 2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 27

    Segue que a aplicacao Ty : Br(0) Br(0) dada por Ty(x) := y + g(x) esta bem definida. Alemdisso satisfaz

    |Ty(x1) Ty(x2)| = |g(x1) g(x2)| 12|x1 x2|.

    Assim, como Br(0) e um espaco metrico completo, Ty possui um unico ponto fixo x e Ty(x) = xse, e somente se, y = x g(x) = x (x f(x)) = f(x). Como isto e valido para qualquery Br/2(0), vemos que f1 fica definida neste conjunto.

    Segue da continuidade de f que U = f1(Br/2(0)) e aberto em W . Seja V = Br/2(0).

    Passo (iv): f e um homeomorfismo do conjunto aberto U W sobre o conjunto aberto V .Como a existencia de f1 segue do passo (iii), falta mostrarmos sua continuidade. Sejam

    x1, x2 U e y1 = f(x1), y2 = f(x2). Segue de (2.12) que

    |f1(y1) f1(y2)| 2|y1 y2|,

    e f1 : V U e contnua.

    Passo (v): seja b = f(a) em V . Entao f1 e diferenciavel em b e Df1(b) = [Df(a)]1.Pela diferenciabilidade de f em a podemos escrever:

    f(a+H) f(a) = Df(a) H + |H|Ef (H),

    onde limH0Ef (H) = 0. Tomando x := a+H, segue que

    f(x) f(a) = Df(a) (x a) + |x a|R(x, a),

    onde R(x, a) 0 quando x a. Pelo passo (ii), Df(a) e nao singular. Seja A = [Df(a)]1.Multiplicando ambos os lados da expressao anterior por A e usando y = f(x) nos obtemos

    A (y b) = f1(y) f1(b) + |f1(y) f1(b)|A R(f1(y), f1(b)).

    Isto implica quef1(y) f1(b) = A (y b) + |y b|R(y, b),

    onde

    R(y, b) := |f1(y) f1(b)|

    |y b| A R(f1(y), f1(b)).

    Para finalizarmos a prova do passo (v) falta mostrarmos que R(y, b) 0 quando y b. Paratanto notemos que a desigualdade (2.12) implica que |f1(y) f1(b)||y b| 2.Como f1 e contnua e A e uma matriz consante segue que R(y, b) 0 quando y b. Tomandoy = b+ H segue que f1 e diferenciavel em b e que

    Df1(b) = A = [Df(a)]1.

  • 28 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Quinta aula

    Para finalizarmos a demonstracao do Teorema da Funcao Inversa temos que demonstrar oseguinte:

    Passo (vi): se f e de classe Cr em U , entao f1 e de classe Cr em V .Para y V , vimos que Df1(y) = [Df(f1(y))]1. Agora notemos que f1 e contnua em

    V e sua imagem e U , Df e de classe Cr1 e nao singular em U e, finalmente, as entradas dainversa de uma matriz nao singular sao funcoes C das entradas da matriz. Segue que Df1 epelo menos contnua em V e f1 e C1. Com um raciocnio indutivo vemos que f1 e de classeCr.

    Temos como consequencia imediata do Teorema 2.22 o seguinte corolario:

    Corolario 2.25 Se Df e nao singular em todo ponto de W , entao f e uma aplicacao aberta,isto e, aplica W e subconjuntos abertos de Rn contidos em W em subconjuntos abertos de Rn.

    Exemplo 2.26 Seja g : R2 R2 dada por g(s, t) = (cosh s cos t, senh s sen t). Entao

    Dg(s, t) =

    [senh s cos t cosh s sen tcosh s sen t senh s cos t

    ].

    Segue que det(Dg(s, t)) = senh2 s cos2 t + cosh2 s sen2 t = senh2 s + sen2 t, onde usamos quecos2 t+ sen2 t = 1 e cosh2 s = 1 + senh2 s.

    Definamos := {(s, t) R2 | s > 0}. Segue que, em , senh s > 0 e assim det(Dg(s, t)) >0. Segue do Teorema da Funcao Inversa que g e localmente inversvel. Pela periodicidade decos e de sen, temos que g(s, t + 2pi) = g(s, t). Assim g nao e injetora. Mas pelo Corolario 2.25temos que g() e aberto em R2.

    Seja = {(s, t) R2 | s > 0, 0 < t < 2pi} e g := g. Vamos mostrar que g possui uma

    inversa. Nao e facil resolver explicitamente o sistema

    x = cosh s cos t, y = senh s sen t.

    Entretanto, vamos verificar o que acontece ao fixarmos s = c. Para cada c > 0, g(c, t) representaa elipse

    x2

    cosh2 c+

    y2

    senh2 c= 1.

    Note que cada uma dessas elipses possui e1 e e1 como foco e, alem disso, g(c, 0) = g(c, 2pi) =(cosh c)e1.

    Se s1 6= s2, entao os pontos de g(s1, t) e g(s2, t) estao em elipses diferentes. Alem disso,g(s, t1) = g(s, t2) implica que t1 = t2. Consequentemente, g(s1, t1) = g(s2, t2) implica ques1 = s2 e t1 = t2 e g e injetora. A imagem de por g e R

    2 com a semi-reta no eixo x de e1a + deletada. A parte do bordo de no eixo s e aplicada por g na semi-reta de e1 a + ea parte vertical do bordo de e aplicada por g no segmento que liga e1 a e1. Note , que, porperiodicidade g() e R2 com o segmento ligando e1 a e1 removido.

  • 2.6. O TEOREMA DA FUNCAO INVERSA 29

    x

    y

    s

    t

    2pi

    c

    g

    A seguir daremos um exemplo que mostra que a nao podemos retirar a hipotese de con-tinidade das derivadas no Teorema da Funcao Inversa.

    Exemplo 2.27 Dado 0 < < 1, consideremos a funcao

    f(x) =

    {x+ x2 sen

    1

    xse x 6= 0,

    0 se x = 0.

    Calculando a derivada de f temos que

    f (x) =

    {+ 2x sen

    1

    x cos 1

    xse x 6= 0,

    6= 0 se x = 0,onde a derivada em x = 0 foi calculada diretamente examinando o limite da definicao.

    Notemos que f nao e contnua em x = 0, o que implica que a hipotese de continuidadeda derivada do Teorema da Funcao Inversa nao e satisfeita. Vamos mostrar que f nao posuiinversa local em qualquer vizinhanca da origem.

    Utilizaremos o seguinte fato: se f (x) = 0 e f (x) 6= 0, entao f nao possui inversa localem uma vizinhanca de x. Afirmamos que existem infinitos pontos desta forma em qualquervizinhanca de x = 0. Note que f (x) = 0, x 6= 0 se

    + 2x sen1

    x= cos

    1

    x.

    Como 0 < < 1, analisando o grafico das expressoes em ambos os lados da igualdade acimavemos que f possui infinitos zeros em qualquer vizinhanca de x = 0. Resta mostrarmos quetais zeros de f nao sao zeros de f . Isto e feito por contradicao. Calculamos:

    f (x) =(2 1

    x2

    )sen

    1

    x( 2x

    )cos

    1

    x, x 6= 0.

    Se tivessemos f (x) = 0 e f (x) = 0 com x 6= 0, deveramos ter que o sistema

    2xS C = (2 1

    x2

    )S

    (2x

    )C = 0,

  • 30 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    possui solucao, onde S = sen1

    xe C = cos

    1

    x. Por outro lado, pela Regra de Cramer,

    S = 2x

    1 + 2x2,

    C = 1 2x21 + 2x2

    .

    Segue que

    1 = S2 + C2 = 21 + 4x4

    (1 + 2x2)2,

    e tomando x pequeno o bastante vemos que o lado direito da igualdade acima e menor que 1,obtendo uma contradicao.

    2.7 O Teorema da Funcao Implcita

    Nas disciplinas de Calculo nos deparamos com um princpio, nem sempre cuidadosamenteenunciado, que nos diz que a equacao f(x, y) = 0 determina implicitamente uma das variaveis xou y como funcao da outra. Esta afirmacao e correta em uma vizinhanca U de qualquer ponto

    (x0, y0) tal que f(x0, y0) = 0 e sempre que pelo menos uma das derivadas parciaisf

    x(x0, y0)

    ouf

    y(x0, y0) nao se anule. Este e uma caso especial do Teorema da Funcao Implcita que

    apresentamos nesta secao.

    Teorema 2.28 (Teorema da Funcao Implcita) Seja A Rk+n := RkRn um subconjuntoaberto e f : A Rn de classe Cr. Denotaremos um ponto de Rk+n por (x, y), significando quex Rk e y Rn. Alem disso, denotaremos

    Df(x, y) =

    [f

    x

    f

    y

    ].

    Suponha que (x0, y0) A satisfazem f(x0, y0) = 0 e

    det(fy

    (x0, y0))6= 0.

    Entao existe uma vizinhanca B de x0 em Rk e uma unica funcao g : B Rn tal que g(x0) = y0

    ef(x, g(x)) = 0, para qualquer x B.

    Alem disso, g e de classe Cr em B.

    Demonstracao. Vamos construir uma funcao F que satisfaz as hipoteses do Teorema da FuncaoInversa. Definimos F : A Rk+n por

    F (x, y) = (x, f(x, y)).

    Note que F e de classe Cr em A e

    DF =

    Ik 0fx

    f

    y

    .

  • 2.7. O TEOREMA DA FUNCAO IMPLICITA 31

    Utilizando desenvolvimento por meio de cofatores para o calculo de determinantes temos que

    det(DF ) = det(fy

    ). Segue da que DF e nao singular em (x0, y0).

    Observe que F (x0, y0) = (x0, 0). Pelo Teorema da Funcao Inversa aplicado a` F conclumosque existe um conjunto aberto U V Rk+n, vizinhanca de (x0, y0) tal que:

    1. F aplica U V difeomorficamente sobre um conjunto abertoW Rk+n, com (x0, 0) W ;

    2. a funcao G : W U V inversa de F e de classe Cr.

    Como F (x, y) = (x, f(x, y)), temos que

    (x, y) = G(x, f(x, y)),

    ou seja, G deixa fixo as k primeiras coordenadas. Logo, podemos escrever

    G(x, z) = (x, h(x, z)),

    para alguma h : W Rn. Ademais, como G e de classe Cr, h deve ser de classe Cr.Seja B uma vizinhanca conexa de x0 Rk, escolhida de forma que B{0} W . Se x B

    temos que

    G(x, 0) = (x, h(x, 0)),

    e aplicando F em ambos os lados vemos que

    (x, 0) = F (x, h(x, 0)) = (x, f(x, h(x, 0))).

    Comparando as coordenadas temos que f(x, h(x, 0)) = 0 sempre que x B. Definimos entaog : B Rn por g(x) := h(x, 0). Segue que g e de classe Cr e satisfaz f(x, g(x)) = 0 para x B.Alem disso,

    (x0, y0) = G(x0, 0) = (x0, h(x0, 0)) = (x0, g(x0)),

    e g(x0) = y0 como desejado.

    Resta mostrarmos que g e unica e para isto usaremos que B e conexo.

    Seja g0 uma outra funcao que satisfas as conclusoes do teorema. Em particular, g0(x0) =g(x0) = y0. Como g(x0) V , por continuidade temos que g0(x) V para todo x B0, ondeB0 e uma vizinhanca de x0 contida em B. O fato de f(x, g0(x)) = 0 em B0 implica que

    F (x, g0(x)) = (x, 0)

    e portanto

    (x, g0(x)) = G(x, 0) = (x, h(x, 0)) = (x, g(x)).

    Assim, g0 e g coincidem em B0. Com isso, o conjunto B1 := {x B | |g0(x)g(x)| = 0} e abertoem B e, por continuidade, tambem e aberto o conjunto B2 := {x B | |g0(x) g(x)| > 0}. MasB = B1 B2 com B1 6= e B1 B2 = . Pela conexidade de B segue que B2 = .

    O teorema esta provado.

    Sexta aula

  • 32 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    2.8 A forma local das submersoes

    Vamos nos concentrar nesta secao no caso de uma funcao diferenciavel onde a dimensao dodomnio e maior que a dimensao da imagem. E razoavel esperarmos que, como a derivada nosfornece o comportamento local da funcao, a situacao mais forte que poderamos ter nesse caso eque a derivada fosse sobrejetora. Este caso na verdade ja foi tratado essencialmente no Teoremada Funcao Implcita, mas vamos somente ressaltar um carater mais geral neste secao.

    Definicao 2.29 Seja A Rk+n um aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : A Rn e chamadade submersao se, para qualquer x A, a derivada Df(x) : Rk+n Rn e sobrejetora.

    A submersao canonica e a projecao pi : Rk+n Rn dada por pi(x, y) = y. De fato, do pontode vista local, toda submersao se comporta localmente como a projecao.

    Teorema 2.30 (Forma Local das Submersoes) Sejam A Rk+n um aberto e f : A Rnuma funcao de classe Cr, r 1. Suponha que, no ponto z0 A, a derivada Df(z0) sejasobrejetora. Consideremos uma decomposicao em soma direta N E = Rk+n e escrevemosz0 = (x0, y0) com x0 N e y0 E. Escolhemos N e E de forma que Df(z0)

    E

    seja umisomorfismo. Entao, existem abertos V,W e Z tais que

    x0 V, V N,z0 Z, Z A,f(z0) W, W Rn,

    e um difeomorfismo de classe Cr h : V W Z tal que f h(x, y) = y.

    A

    z0

    Z

    f(z0)

    f

    x0

    y0 W

    V

    h

    W

    Demonstracao. Como ja observamos anteriormente, este resultado ja esta essencialmentecontido no Teorema da Funcao Implcita, e portanto devmos seguir as ideias da demonstracaodaquele teorema.

    Lembremos que, dada uma tranformacao linear T : Rk+n Rn sobrejetora, existe umadecomposicao Rk+n = N E, dimN = k e dimE = n, e tal que T

    Ee um isomorfismo. De

    fato, {Te1, . . . , T ek+n} geram Rn e assim podemos tomar neste conjunto n vetores linearmenteindependentes.

  • 2.9. A FORMA LOCAL DAS IMERSOES 33

    Podemos supor ainda que N = Rk e E = Rn. De fato, basta usarmos difeomorfismos quepermutam as coordenadas.

    Agora procedemos como na demonstracao do Teorema 2.28. Definamos F : A Rk Rnpor F (x, y) = (x, f(x, y)). Entao DF (x0, y0) e nao singular e, se f(x0, y0) = c0, podemosaplicar o Teorema da Funcao Inversa para escolhermos uma vizinhanca de (x0, y0) que e aplicadadifeomorficamente em uma vizinhanca V W de (x0, c0). A definimos

    Z = F1(V W ), F1 : V W Z.Seja h := F1. Entao, como F1(x, f(x, y)) = (x, y), devemos ter h(x, y) = (x, h1(x, y)). Masassim, se (x, y) V W ,

    (x, y) = F h(x, y) = F (x, h1(x, y))= (x, f h(x, y)) =,

    isto e, f h(x, y) = y, para qualquer (x, y) V W .

    2.9 A forma local das imersoes

    Nesta secao consideraremos o caso de uma funcao difereneciavel na qual a dimensao do domnioe menor que a dimensao da imagem. Do ponto de vista da diferenciabilidade, o melhor quepodemos esperar neste caso e que a derivada seja injetora.

    Definicao 2.31 Seja A Rk um aberto. Uma aplicacao diferenciavel f : A Rk+n e chamadade imersao se, para qualquer x A, a derivada Df(x) : Rk Rk+n e injetora.

    A imersao canonica e a inclusao i : Rk Rk+n dada por i(x) = (x, 0). De fato, do pontode vista local, toda imersao se comporta localmente como a inclusao.

    Teorema 2.32 (Forma Local das Imersoes) Sejam A Rk um aberto e f : A Rk+n umafuncao de classe Cr, r 1. Suponha que, no ponto x0 A, a derivada Df(x0) seja injetora.Entao, existem abertos V,W e Z tais que

    f(x0) Z, Z Rk+n,x0 V, V A Rk,0 W, W Rn,

    e um difeomorfismo h : Z V W , de classe Cr, tal que h f(x) = (x, 0).

    Demonstracao. Seja E = Df(x0)(Rk) e tomemos P qualquer subespaco complementar de E,

    isto e, Rk+n = E P . Por injetividade e compondo com difeomorfismos que permutam a base,vamos supor que E = Rk e P = Rn. Isto nos permite definir G : A Rn Rk+n por

    G(x, y) = f(x) + (0, y),

    de forma que G e de classe Cr, G(x0, 0) = f(x0) e

    Dg(x0, 0) =

    [Df(x0) 0

    0 In

    ],

  • 34 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    ja que permutamos a base de maneira que Df(x0)(Rk) = Rk. Segue que DG(x0, 0) e nao

    singular. Pelo Teorema da Funcao Inversa, G e um difeomorfismo de classe Cr de uma vizinhancade (x0, 0), a qual escolheremos da forma V W A Rn, em uma vizinhanca de f(x0).Definamos Z := G(V W ) e h := G1 : Z V W . Uma vez que G(x, 0) = f(x), temos que

    h f(x) = h(G(x, 0)) = G1(G(x, 0)) = (x, 0),

    para qualquer x V , demonstrando o teorema.

    2.10 O Teorema do posto

    Definicao 2.33 Seja T : Rk Rn uma aplicacao linear. O posto de T e dimensao de suaimagem T (Rk).

    De Algebra Linear sabemos que oposto de T : Rk Rn e igual a se, e somente se, a matrizque representa T possui um determinante menor de ordem nao-nulo e todo determinantemenor de ordem (+ 1) (+ 1) e nulo.

    Definicao 2.34 Sejam A Rk aberto e f : A Rn uma funcao diferenciavel. O posto de fem x A e o posto de sua derivada Df(x).

    Seja f : A Rk Rn diferenciavel no aberto A. Se f e uma submersao, entao o postode f e n em qualquer ponto x A. Ja no caso em que f e uma imersao, o posto de f e k emqualquer ponto x A. Por esta razao, as imersoes e submersoes sao chamadas de funcoes deposto maximo.

    Lembrando que o determinante e uma funcoes contnua das entradas de uma matriz, vemosque, se f : A Rk Rn e de classe C1 e se o posto de Df(x) e , entao em alguma vizinhancade x o posto de Df(x) sera maior ou igual a . Em geral a desigualdade estrita e possvel. Defato, definindo f : R2 R2 por f(x, y) = (x2 + y2, 2xy) teremos

    Df(x, y) =

    [2x 2y2y 2x

    ],

    cujo o posto e 2 em todo R2, exceto nas retas y = x. O posto de Df(x, y) sobre estas retas,exceto no ponto (0, 0), sendo igual a 0 neste ponto.

    Sempre que compormos uma funcao diferenciavel f com difeomorfismos teremos que o postodessa composicao sera igual ao posto de f . Isto segue de fatos de Algebra Linear e do fato dedifeomorfismos possuirem derivadas nao singulares.

    O teorema que apresentaremos nesta secao nos diz que funcoes de classe C1 que possuemposto constante em um aberto se comportam localmente como uma projecao seguida de umainclusao. Em particular, ele generaliza as formas locais das imersoes e das submseroes.

    Antes de enunciarmos o Teorema do Posto, deixe-nos fazer um comentario sobre notacao queutilizaremos no decorrer da sua demonstracao. Dada uma funcao f : A Rn Rm diferenciavel,sejam f1, . . . , fm suas funcoes componentes. A matriz Jacobiana Df e tambem denotada por

    Df =(f1, . . . , fm)

    (x1, . . . , xn).

  • 2.10. O TEOREMA DO POSTO 35

    Teorema 2.35 (Teorema do Posto) Sejam A0 Rn e B0 Rm abertos, f : A0 B0 umafuncao de classe Cr, e suponhamos que o posto de f seja constante e igual a k em todo A0. Sex0 A0 e y0 = f(x0), entao existem conjuntos abertos A A0 e B B0 com x0 A e y0 B,e difeomorfismos g : A U Rn e h : B V Rm, de classe Cr, tais que

    h f g1 : U V

    eh f g1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0).

    Demonstracao. Vamos supor por simplicidade que x0 = 0 Rn e y0 = 0 Rm. O caso geralsegue ao considerarmos f(u) = f(u+ x0) y0. Alem disso, compondo com difeomorfismos quepermutam as bases nos podemos assumir que determinante menor de ordem k k em Df(x0)que nao se anula e justamente o dado pelas primeiras k colunas e k linhas, isto e,

    (f1, . . . , fk)

    (u1, . . . , uk)=

    f1u1

    . . . f1uk...

    ...fku1

    . . . fkuk

    ,onde f = (f1, . . . , fk, . . . , fm), e omitimos o ponto x0 em que a matriz acima esta sendo avaliada.

    Definamos g : A0 Rn por

    g(u) := (f1(u), . . . , fk(u), uk+1, . . . , un), u = (u1, . . . , uk, uk+1, . . . , un).

    Segue que g e de classe Cr e que

    Dg =

    f1u1

    . . . f1uk...

    ... fku1

    . . . fkuk0 Ink

    ,onde os termos na matriz indicada por nao nos interessa. Portanto, Dg(x0) e nao-singular e,pelo Teorema da Funcao Inversa, existe um conjunto aberto A1 A0 contendo x0, no qual g eum difeomorfismo sobre um conjunto (aberto) U1 = g(A1). Notemos que, pela definicao de g,f g1(0) = 0 e f g1(U1) B0. Alem disso,

    f g1(x) = (x1, . . . , xk, fk+1(x), . . . , fm(x)),

    com fk+i(x) := fk+i g1(x), i = 1, . . . ,mk. Utilizando esta expressao calculamos D(f g1)e encontraremos que, em U1,

    D(f g1) =

    Ik 0

    fk+1xk+1

    . . .fk+1xn

    ... ...fmxk+1

    . . . fmxn

    .

    Por outro lado, como Dg1 e nao-singular em U1 e g1(U1) = A1 A0, temos que o posto deD(f g1) = Df Dg1 em U1 e constante e igual ao posto de Df em A0, isto e, igual a k. Segue

  • 36 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    que o determinante menor da matriz D(f g1) formado pelas k + 1 primeiras linhas e k + 1primeiras colunas deve ser nulo. Este fato implica que necessariamente devemos ter

    fk+1xk+1

    = 0

    em U1. Raciocinando indutivamente vemos que fk+i, i = 1, . . . ,m k, dependem somente dasvariaveis x1, . . . , xk.

    Vamos agora definir o difeomorfismo h. Seja H uma funcao definida em uma vizinhaca V1de 0 Rm em B0 e dada pela expressao

    H(y) :=(y1, . . . , yk, yk+1 + fk+1(y1, . . . , yk), . . . , ym + fm(y1, . . . , yk)

    ).

    Note que o domnio V1 deve ser escolhido pequeno o suficiente de maneira que, para y V1, asfuncoes fk+i estejam definidas em y e tal que H(V1) B0.

    Observemos que H(0) = 0 e que a matriz de DH e nao-singular em todo V1, pois

    DH =

    [Ik 0 Imk

    ].

    Logo, H e um difeomorfismo de classe Cr de uma vizinhanca V de 0 V1 sobre uma vizinhancaB B1.

    Escolhemos agora uma vizinhanca U U1 da origem em Rn tal que f g1(U) B e sejaA = g1(U). Definamos entao h := H1. Segue que g1 : U A, f : A B e h : B V saotodas de classe Cr, e g1 e h sao difeomorfismos. Finalmente,

    h f g1(x) = h(f g1(x))= h

    (x1, . . . , xk, fk+1(x), . . . , fm(x)

    )= h

    (x1, . . . , xk, fk+1(x1, . . . , xk), . . . , fm(x1, . . . , xk)

    )= H1

    (x1, . . . , xk, 0 + fk+1(x1, . . . , xk), . . . , 0 + fm(x1, . . . , xk)

    )= (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0),

    finalizando a demonstracao.

    2.11 Notas sobre as referencias

    Com excessao das secoes 2.6, 2.8, 2.9 e 2.10, as demais secoes se baseiam na referencia [9]. Ademonstracao do Teorema da Funcao Inversa que demos nestas notas sao baseadas em [1], e valepara espacos mais gerais que Rn, que sao os espacos de Banach. As formas locais da forma queapresentamos podem ser encontradas em [6] ou [7]. Ja o Teorema do Posto pode ser encontradoem [11] ou [6] e [7]. Para formas mais avancadas do Teorema da Funcao Implcita, com aplicacoese contexto historico, veja [5].

    2.12 Exerccios do captulo

    Exerccio 16 Seja A Rn e f : A Rm. Mostre que, se f (x0;u) existe, entao, para R,f (x0;u) tambem existe e f (x0;u) = f (x0;u).

    Exerccio 17 Seja A Rn um subconjunto aberto e conexo e f : A Rm diferenciavel emtodo A. Mostre que, se Df(x) = 0 para todo x A, entao f e constante em A.

  • 2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 37

    Sugestao: dados x, y A, considere uma poligonal L(p1, p2) . . . L(pk1, pk), tal quep1 = x e pk = y. Aplique o Teorema do Valor Medio em cada trecho dessa poligonal. Apos isso,tome naquele teorema a = f(y) f(x).

    Exerccio 18 (Formula de Euler) Seja f : Rn R e p um numero real dado. Dizemos quef e homogenea de grau p se f(tx) = tpf(x), para todo x 6= 0 e qualquer t > 0.

    Suponha que f seja diferenciavel em Rn \ {0}. Mostre que f e homogenea de grau p se, esomente se,

    f(x), x = Df(x) x = pf(x)Sugestao para a parte : defina (t) := f(tx) e, fixado x, mostre que (t)tp e constante.

    Exerccio 19 Mostre que a funcao f : R2 R dada por f(x, y) = |xy| e diferenciavel em (0, 0)mas nao e de classe C1 em qualquer vizinhanca de (0, 0).

    Exerccio 20 Seja u = x3f(y/x, z/x), onde f : R2 R e uma funcao diferenciavel, (x, y, z) R3. Mostre que

    xu

    x+ y

    u

    y+ z

    u

    z= 3u.

    Exerccio 21 Sejam f, g : Rn R funcoes tais que f e contnua em x0 e g ediferenciavel em x0 com g(x0) = 0. Mostre que o produto fg e diferenciavel em x0.

    Exerccio 22 Seja f : Rn R contnua em aberto, com f de classe C1 em \ {x0}.Suponha que

    Li = limxx0

    fxi(x),

    onde fxi =f

    xi. Prove que f e de classe C1 em todo com

    Li = fxi(x0).

    Sugestao: aplique o Teorema do Valor Medio para f(x0 + tei) f(x0).

    Exerccio 23 Seja f : R R definida por

    f(x) =

    {xp se x 0,0 se x 0,

    onde p > 0 esta fixado. Mostre que f e de classe Cq se q < p mas nao e de classe Cq se q > p.

    Assim, para todo q > 0 inteiro, existe uma funcao que e de classe Cq mas nao e de classeCq+1.

    Sugestao: Exerccio 22 com x0 = 0.

    Exerccio 24 Seja f : R2 R definida por

    f(x, y) =

    x3

    x2 + y2se (x, y) 6= (0, 0),

    0 se (x, y) = (0, 0).

    Mostre que f nao e diferenciavel em (0, 0). Entretanto, mostre que para qualquer curva diferen-ciavel : (a, b) R2 passando pela origem, f e diferenciavel.

  • 38 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    Exerccio 25 Seja r um numero inteiro positivo e f uma funcao definida em um aberto Rncom valores em R, e possuindo derivadas parciais contnuas de ordem s r. Seja x0 eh Rn um vetor. Defina g(t) := f(x0 + th), com t pequeno de forma que x0 + th . Mostreque

    g(t) =((h,)f)(x0 + th).

    Mais geralmente,g(r)(t) =

    ((h,)rf)(x0 + th).

    Aqui, (h,)r siginifica composicao dos operadores diferenciais.Sugestao: use inducao em r.

    Exerccio 26 (Formula de Taylor) Seja f uma funcao definida em um aberto Rn pos-suindo derivadas parciais contnuas ate ordem r. Seja x0 e h Rn um vetor de forma quex0 + th , para qualquer t [0, 1]. Mostre que existe [0, 1] tal que

    f(x0 + h) = f(x0) +

    ((h,)f)(x0)

    1!+ . . .+

    ((h,)r1f)(x0)

    (r 1)! +((h,)rf)(x0 + h)

    r!.

    Sugestao: use a formula de Taylor em uma variavel para g definida no Exerccio 25.

    Exerccio 27 Seja f : (a, b) R uma funcao de classe Cr, para algum inteiro r 1. Suponhaque para algum ponto c (a, b) temos que

    f (c) = . . . = f (n1)(c) = 0, mas fn(c) 6= 0.

    Mostre que, se n for par, entao f possui maximo local em c se fn(c) < 0 e mnimo local em cse fn(c) > 0. Se n for mpar, c nao e ponto de mnimo nem de maximo local de f .

    Exerccio 28 Seja f como no Exerccio 26 e defina o resto na formula de Taylor por

    Rr(x) :=

    ((h,)rf)(x0 + h)

    r!.

    Suponha ainda que todas as derivadas de f de ordem r sejam limitadas, isto e: rfxi1 xir

    (x) C, para qualquer x = x0 + h .

    Mostre que

    |Rr(x)| Cnr

    r!hr, h = x x0,

    sempre que x .

    Exerccio 29 Seja f : Rn R de classe C1. Mostre que

    f(x) = f(0) +

    10

    d

    dtf(tx)dt.

    Conclua que existem funcoes contnuas g1, . . . , gn tais que

    f(x) = f(0) + x1g1(x) + . . . + xngn(x).

  • 2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 39

    Exerccio 30 Seja f : R2 R com derivadas parciais ate ordem 2 contnuas. Suponha aindaque f(0, 0) = fx(0, 0) = fy(0, 0) = 0. Mostre que existem funcoes contnuas h1, h2 e h3 tais que

    f(x, y) = h1(x, y)x2 + h2(x, y)xy + h3(x, y)y

    2.

    Sugestao: use o Exerccio 29.

    Exerccio 31 Mostre que se f : R2 R e de classe C, entao existem funcoes de classe Cf11, f12, f22 : R

    2 R tais quef(x, y) = f(0, 0) + fx(0, 0)x + fy(0, 0)y + x

    2f11(x, y) + xyf12(x, y) + y2f22(x, y).

    Exerccio 32 Seja f : R2 R de classe C com f(0, 0) = 0. Seja U = {(t, u) R2 | t 6= 0} edefina g : U R por

    g(t, u) =f(t, tu)

    t.

    Mostre que existe g : R2 R de classe C com g(t, u) = g(t, u), para qualquer (t, u) R2, istoe, g pode ser estendida de maneira C a todo R2.

    Sugestao: Exerccio 31.

    Exerccio 33 Uma funcao f : Rn R e chamada analtica real se f e de classe C e,para x = x0 + h em uma vizinhaca de x0 ,

    f(x0 + h) = f(x0) +

    ((h,)f)(x0)

    1!+ . . .+

    ((h,)rf)(x0)

    r!+ . . . ,

    que e chamada de Serie de Taylor de f .

    Seja f C(). Suponha que qualquer x0 possua uma vizinhanca U tal que aestimativa rf

    xi1 xir(x) M r

    seja valida em U para alguma constante M e qualquer inteiro positivo r. Mostre que f e analticareal.

    Exerccio 34 Defina f : R R por

    f(x) =

    {e1/x se x > 0,0 se x 0.

    (i) Mostre por inducao que, para x > 0 e k 0 inteiro, a k-esma derivada de f e da formap2k(1/x)e

    1/x para algum polinomio p2k(y) de grau 2k em y.

    (ii) Mostre que f e de classe C e que f (k)(0) = 0 para todo inteiro k 0.(iii) Conclua que f nao pode ser analtica real em R.

    Exerccio 35 Seja f : R2 R2 definida por f(x, y) = (x2 y2, 2xy).

    (i) Mostre que f e injetora no conjunto A := {(x, y) R2 | x > 0}.Sugestao: se f(x, y) = f(a, b), entao f(x, y) = f(a, b).

  • 40 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

    (ii) Encontre B = f(A).

    (iii) Se g e a inversa de f , encontre Dg(0, 1).

    Exerccio 36 Seja f : Rn Rn dada por f(x) = x2 x. Mostre que f e de classe C eaplica B1(0) em si mesma bijetivamente. Entretanto, mostre que a inversa de f em B1(0) naoe diferenciavel em 0.

    Exerccio 37 Seja f : R2 R2 dada por f(x, y) = (ex cos y, ex sen y). Mostre que f e local-mente inversvel em todo ponto de R2 mas nao possui uma inversa definida globalmente.

    Exerccio 38 Seja f : R R dada por

    f(x) =

    {x+ 2x2 sen(1/x) se x 6= 0,0 se x = 0.

    Mostre que f e diferenciavel mas nao e inversvel em uma vizinhanca de 0. Qual hipotese doTeorema da Funcao Inversa nao se verifica?

    Exerccio 39 De uma demonstracao alternativa do Teorema da Funcao Implcita no caso de: R2 R seguindo os passos abaixo. Suponha que seja de classe C1, (x0, y0) = 0 ey(x0, y0) > 0.

    (i) Mostre que existe > 0 tal que (x0, y) < 0 se y0 y < y0 e (x0, y) > 0 sey0 < y y0 + .

    (ii) Mostre que existe > 0 tal que (x, y0 ) < 0 e (x, y0 + ) > 0 se |x x0| < .(iii) Seja I := {(x, y) | |x x0| < , |y y0| < }. Escolha e de forma que y(x, y) > 0

    para todo (x, y) I. Mostre que se |x1 x0| < , entao a equacao (x1, y) = 0 possuiexatamente uma solucao y1 com (x1, y1) I. Seja y1 = (x1), o que define uma funcaode (x0 , x0 + ) em R.

    (iv) Mostre que e diferenciavel e que

    (x) = x(x, (x))y(x, (x))

    .

    Exerccio 40 Lembremo-nos do resultado de existencia de solucoes na teoria de equacoes difer-eneciais devido a` Picard.

    Teorema de existencia e unicidade de Picard. Seja F : RRN R uma funcao contnuaem (t0 a, t0 + a)Br(x0) R RN , a > 0. Entao existe uma solucao x(t) da equacao

    dx

    dt= F (t, x), x(t0) = x0,

    definida no intervalo (t0 h, t0+ h), para algum h > 0. Se F e Lipschitz em x, entao a solucaoe unica.

    Utilizando este resultado, de uma prova alternativa para a versao abaixo do Teorema daFuncao Implcita.

  • 2.12. EXERCICIOS DO CAPITULO 41

    Teorema. Suponha que U R2 e um aberto e seja f : U R de classe C1. Se f(t0, x0) = 0,com (t0, x0) U , e se

    f

    x(t0, x0) 6= 0,

    entao existe um intervalo aberto (t0h, t0+h), h > 0, e uma funcao continuamente diferenciavel : (t0 h, t0 + h) R tal que (t0) = x0 e

    f(t, (t)) = 0.

    Sugestao: Defina F (t, x) = ft

    (t, x)/fx

    (t, x) e aplique o Teorema de existencia e unici-

    dade obtendo uma solucao (t) = x(t). Note que f(t0, (t0)) = 0 e calculedf

    dt(t, (t)).

    Exerccio 41 Seja A Rn aberto e x0 A. Suponha que f : A Rm seja uma aplicacaocontnua em todo A e diferenciavel em x0 (nao necessariamente nos demais pontos de A).Suponha que Df(x0) seja um isomorfismo sobre sua imagem. Mostre que existe uma vizinhancaU A de x0 tal que f(x) 6= f(x0) para todo x U com x 6= x0.

    Sugestao: observe que neste caso Df(x0) v cv, para todo v Rn.

  • 42 CAPITULO 2. DIFERENCIABILIDADE

  • Captulo 3

    Nocoes de variedades diferenciaveis

    e subvariedades

    A palavra variedade e usada para descrever um espaco topologico que localmente e como umespaco Rn, para algum inteiro n, que e chamado dimensao da variedade. Por exemplo, o crculoe localmente como a reta R. Elipsoides e cilindros sao localmente como R2. Ja um cone naoe como R2 proximo de seu vertice. Gostaramos de tratar as variedades de um ponto de vistamais concreto. Entretanto, iniciaremos com um tratamento mais geral, porem nao completo,das variedades. Faremos desse forma acreditando que, com isso, estaremos preparando o terrenopara o estudo de objetos mais gerais que nao estao necessariamente contidos do espaco Rn.

    Setima aula

    3.1 Definicao e exemplos

    Antes de darmos a definicao de variedade diferenciavel, iniciamos com a definicao de variedadetopologica.

    Lembremos que um espaco topologico e de Hausdorff se, dados dois pontos distintos nesteespaco, existem duas vizinhancas abertas disjuntas, cada uma contendo um desses pontos.

    Definicao 3.1 Uma variedade topologica M de dimensao n e um espaco topologico de Haus-dorff com base enumeravel de abertos e com a propriedade que cada ponto possui uma vizinhancahomeomorfa a um subconjunto aberto de Rn.

    Dada uma variedade topologica M e q um ponto de M , consideremos o par (U,), onde Ue um aberto de M contendo q e e um homeomorfismo de U em um subconjunto aberto de Rn.Tal par e chamado de vizinhanca coordenada de q. Notemos que (q) = (x1(q), . . . , xn(q)) Rn,onde cada xi, i = 1, . . . , n, e uma funcao coordenada. E possvel que q pertenca a uma outravizinhanca coordenada (V, ) e neste caso (q) = (y1(q), . . . , yn(q)). Em particular, isto ocorrerasempre que (U,) e (V, ) forem vizinhancas coordenadas com U V 6= . Como e saohomeomorfismos, este caso nos da um homeomorfismo

    1 : (U V ) (U V ).

    43

  • 44 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

    V

    U q

    (V )

    (U)

    (q)(q)

    M

    1

    Figure 3.1: vizinhancas coordenadas e suas interseccoes.

    Definicao 3.2 Dizemos que (U,) e (V, ) sao C-compatveis se 1 e 1 sao difeo-morfismos dos conjuntos abertos (U V ) e (U V ), sempre que U V 6= (veja a Figura3.1).

    Definicao 3.3 Uma estrutura diferenciavel C em uma variedade topologica M e umafamlia U = {(U, )} de vizinhancas coordenadas tais que

    i)U =M ;

    ii) para quaisquer , , (U, ) e (U, ) sao C-compatveis;

    iii) qualquer vizinhanca coordenada (V, ) que e C-compatvel como todo (U, ) U per-tence a U .

    Uma variedadade topologica com uma estrutura diferenciavel C e chamada de variedadediferenciavel.

    Na pratica, para verificarmos que uma variedade topologica e uma variedade diferenciavelnao e necessario provar a maximalidade da famlia de vizinhancas coordenada como no item iii)da Definicao 3.3. De fato, o proximo resultado nao sera demonstrado no curso mas usaremosquando for necessario.

    Proposicao 3.4 Seja M um espaco topologico de Hausdorff com base enumeravel de abertos.Se {(U, )} e uma cobertura de M por vizinhancas coordenadas C-compatveis, entao existeuma unica estrutura diferenciavel C sobre M que contem esta famlia.

    Passamos a dar alguns exemplos.

    Exemplo 3.5 O espaco Rn e uma variedade diferenciavel com uma unica vizinhanca coordenada(Rn, In), onde In e a identidade.

  • 3.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS E VARIEDADES 45

    Exemplo 3.6 Qualquer subconjunto aberto V de uma variedade diferenciavel M e tambemuma variedade diferenciavel (de mesma dimensao). De fato, se {(U, )} e uma estruturadiferenciavel C para M , entao {(U V,

    UV )} e uma estrutura diferenciavel C para V .

    Exemplo 3.7 Seja U Rn um aberto e f : U Rm uma funcao de classe C. O grafico de fe o conjunto

    G(f) := {(x, f(x)) U Rm}.A funcao : G(f) U dada por (x, f(x)) = x e f : U G(f) dada por f(x) = (x, f(x)) saocontnuas e inversas uma da outra. Logo sao homeomorfismos. Alem disso, tais funcoes sao declasse C. Segue que G(f) e uma variedade diferenciavel com estrutura diferenciavel dada poruma unica vizinhanca coordenada (G(f), ). Isto nos diz que as curvas e superfcies conhecidasdos cursos de calculo sao variedades diferenciaveis.

    3.2 Funcoes diferenciaveis e variedades

    Definicao 3.8 Sejam W M um subconjunto aberto em M e f : W M R uma funcao.Dizemos que f e de classe Cr em W se, para cada q W , existe um uma vizinhanca coordenada(U,) contendo q tal que f 1 e de classe Cr em (U) (veja a Figura 3.2). A funcao f e declasse C se e de classe Cr, para qualquer inteiro positivo r.

    f

    f 1

    q

    R

    M

    Figure 3.2: f : M R.

    Note que a definicao de diferenciabilidade independe da vizinhanca coordenada que es-colhemos. De fato, se (U,) e (V, ) sao vizinhancas coordenadas de um ponto q M ef : W M R, entao

    f 1 = (f 1) ( 1).

    Definicao 3.9 Suponha que M e N sejam variedades diferenciaveis e que W M e aberto.Seja F : W N uma aplicacao. Dizemos que F e de classe Cr em W se, para todo q W ,existem vizinhancas coordenadas (U,) de q em M e (V, ) de F (q) em N , com U W eF (U) V , tal que

    F 1 : (U) (V )e de classe Cr. F e de classe C se e de classe Cr, para qualquer inteiro positivo r.

  • 46 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

    Como no caso de funcoes deM em R, a definicao de diferenciabilidade para aplicacoes entrevariedades nao depende de uma particular escolha de vizinhanca coordenada.

    Proposicao 3.10 Sejam M , N e P variedade diferencaveis. Se F : M N e de classe C,entao F e contnua. Se F : M N e G : N P sao de classe C, entao a composta G F : M P sera de classe C.

    Definicao 3.11 Uma aplicacao F : M N , de classe C, entre variedades diferenciaveis echamada de difeomorfismo se ela e um homeomorfismo e F1 e de classe C. Dizemos queM e N sao difeomorfas se existe um difeomorfismo F : M N .

    Esta definicao estende o conceito de difeomorfismo previamente definido para funcoes desubconjunto de Rn.

    3.3 Posto de uma aplicacao, imersoes e mergulhos

    Definicao 3.12 Sejam M e N variedades diferenciaveis, q M e F : M N uma aplicacaodiferenciavel. Suponha que (U,) e (V, ) sao vizinhancas coordenadas de q e F (q) respectiva-mente. O posto de F em q e o posto da funcao

    F 1 : (U) (V ),no ponto (p) (Definicao 2.34).

    Na Definicao 3.12 precisamos mostrar que o posto e independente da escolha das vizinhancascoordenadas. Este fato nao sera provado, ficando como um exerccio.

    O Teorema 2.35 (Teorema do Posto) pode ser reformulado no caso de variedades da formaabaixo.

    Teorema 3.13 SejamM e N variedades diferenciaveis com dimM = m e dimN = n. Suponhaque F : N M seja de classe C e que o posto de F seja constante e igual a k em todo pontode N . Se q N , existem vizinhancas coordenadas (U,) e (V, ) de q e de F (q) respectivamentetal que (q) = 0 Rn e (F (q)) = 0 Rm e

    F 1(x) = (x1, . . . , xk, 0, . . . , 0), x = (x1, . . . , xn) Rn.Alem disso, podemos assumir que (U) = Cn (0) Rn e (V ) = Cm (0) Rm, onde Ck (0) eo cubo de centro 0 e raio > 0 em Rk.

    Note que, pelo Teorema 3.13, uma condicao necessaria para que F : N M seja umdifeomorsfismo e que dimM = dimN = posto de F .

    Definicao 3.14 Uma aplicacao F : N M de classe C e chamada de imersao se posto de F =dimN em todo ponto de N . F e chamada submersao se posto de F = dimM em todo pontode M .

    Suponha que F : N M seja uma imersao injetora e seja N := F (N). Entao, se (U,) euma estrutura diferenciavel de classe C em N , teremos que (U , ) sera uma estrutura diferen-ciavel de classe C em N , onde U := F (U) e := F1, sendo F : N N com F (q) = F (q)(justifique!). Alem disso, F : N N sera um difeomorfismo.

  • 3.3. POSTO DE UMA APLICACAO, IMERSOES E MERGULHOS 47

    Definicao 3.15 A variedade diferenciavel N e chamada de subvariedade imersa.

    Observacao 3.16 Em geral, a topologia e a estrutura C de uma subvariedade imersa Ndependem somente de F e de N , isto e, N nao e necessariamente um subespaco topologico deM . Isto ficara mais claro no exemplos.

    Oitava aula

    Exemplo 3.17 Seja F : R R3 dada por F (t) = (cos 2pit, sen 2pit, t). Note que a imagem F (R)e uma helice que esta contida em um cilindro de raio 1 centrado no eixo z.

    Exemplo 3.18 Seja F : R R2 dada por F (t) = (cos 2pit, sen 2pit). Entao F (R) e o crculoS1 := {(x, y) R2 | x2 + y2 = 1}.

    Exemplo 3.19 Seja F : (1,) R2 dada por F (t) =(cos 2pit

    t,sen 2pit

    t

    ). Entao F (t)2 =

    1/t2, para t > 1. A imagem de F sera a curva espiral em torno de (0, 0).

    1

    Figure 3.3: curva espiral em torno de (0, 0).

    Exemplo 3.20 Seja F : (1,) R2 dada por F (t) =((1 + t) cos 2pit

    2t,(1 + t) sen 2pit

    2t

    ). Entao

    a imagem de F sera novamente uma curva espiral, porem agora em torno do crculo de centro(0, 0) e raio 1/2.

    1

    Figure 3.4: curva espiral.

  • 48 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

    Exemplo 3.21 Seja F : R R2 dada por F (t) = (2 cos(t pi/2), sen 2(t pi/2)). Entao,quando t varia de 0 ate 2pi, a imagem de F faz um circuito completo iniciando na origem comomostramas as setas na Figura 3.22.

    Figure 3.5: figura oito.

    Exemplo 3.22 Construiremos agora uma funcao cuja imagem e novamente a figura oito, poremcom uma importante diferenca: quando t varia no domnio dessa funcao, passaremos pela origemapenas uma vez (quando t = 1/2). Seja g : R R uma funcao monotona crescente e de classeC tal que g(0) = pi e

    limt g(t) = 0, limt+ g(t) = 2pi.

    Definamos G : R R2 por G(t) := F (g(t)), seno F a funcao do Exemplo 3.21, isto e,G(t) = F (g(t)) =

    (2 cos(g(t) pi/2), sen 2(g(t) pi/2)).

    Figure 3.6: figura oito.

    Exemplo 3.23 Seja agora F : (,1] [1) R2 dada por

    F (t) =

    { (1t , senpit

    )se 1 < t

  • 3.4. SUBVARIEDADES 49

    (0, 1)

    (0,1)

    1

    Figure 3.7: Exemplo 3.23.

    sobre a subvariedade imersa N , considerada como um subespaco topologico de M . Isto e o quenos mostra o Exemplo 3.22 e o Exemplo 3.23. No primeiro caso temos que N e a figura oito,enquanto N e a reta R, e estes dois espacos nao sao homeomorfos (de uma justificativa rapidapara este fato!). No Exemplo 3.23 temos que N = R novamente e N nao e localmente conexoquando considerado como subespaco de R2. De fato, existem pontos sobre o eixo y (por exemplo(0, 1/2)) para os quais vizinhancas arbitrariamente pequenas nao sao conexas.

    Estes fatos nos motiva a dar uma definicao mais restritiva.

    Definicao 3.24 Um mergulho e uma imersao F : N M que e um homeomorfismo de Nsobre sua imagem F (N) = N M , quando consideramos N como subespaco topologico de M(isto e, com a topologia relativa). Neste caso dizemos que N e uma subvariedade mergulhada.

    Os exemplos 3.17, 3.19 e 3.20 sao de subvariedades mergulhadas.

    O proximo resultado nos diz que a diferenca entre uma subvariedade imersa e uma sub-varieadade mergulhada e essencialmente global isto e, a diferenca nao depende da natureza localda aplicacao F .

    Teorema 3.25 Seja F : N M uma imersao. Entao cada ponto q N possui uma vizinhancaU tal que F

    Ue um mergulho de U em M .

    Demonstracao. De acordo com o Teorema 3.13, podemos escolher vizinhancas coordenadas(U,) de q N e (V, ) de F (q) M tais que (U) = Cn (0) Rn, (V ) = Cm (0) Rm,(q) = 0 e (F (q)) = 0. Ademais,

    F 1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0, . . . , 0).

    Note que F 1 e um homeomorfismo de Cn (0) Rn sobre sua imagem contida emCm (0) Rm. Como F (U) V e V e um subconjunto aberto de M , a topologia de F (U) edada pela topologia de V e, consequentemente de M . Segue que F e um homeomorfismo de Uem F (U) com a topologia relativa.

    3.4 Subvariedades

    Nesta secao vamos discutir com mais detalhes o conceito de subvariedade. Ate agora vimosa definicao mais geral que e a de subvariedade imersa e entao o de subvariedade mergulhada.

  • 50 CAPITULO 3. NOCOES DE VARIEDADES DIFERENCIAVEIS E SUBVARIEDADES

    Desenvolveremos agora a nocao de subvariedade regular, que e um caso particular das demaisporem mais natural, ja que nesse caso a topologia e a estrutura diferenciavel sao derivadasdiretamente da variedade da qual ela e um subconjunto.

    Definicao 3.26 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao m e n um inteiro com 0 n M . Um subconjunto N M possui a propriedade de n-subvariedade se cada q Npossui uma vizinhanca coordenada (U,) sobre M com (p) = (x1(p), . . . , xm(p)), p M , taisque

    i) (q) = (0, . . . , 0);

    ii) (U) = Cm (0);

    iii) (U N) = {x Cm (0) | xn+1 = . . . = xm = 0}.

    A Figura 3.8 mostra um exemplo de um subconjunto N R3 com a propriedade de n-subvariedade (n = 2, m = 3 e M = R3).

    M = R3

    N

    U

    U N

    (U)

    (U N)

    Figure 3.8: Propriedade de n-subvariedade

    Notemos que nem sempre uma subvariedade imersa possui a propriedade de n-subvariedade.Tome, por exemplo, q = (0, 0) nos exemplos 3.22 e 3.23.

    No lema abaixo, denotemos por pi : Rm Rn, n m, a projecao soobre as primeiras ncoordenadas.

    Lema 3.27 Seja M uma variedade diferenciavel de dimensao m e n um inteiro satisfazendo0 n m. Suponha que N M satisfaz a propriedade de n-subvariedade. Entao N com atopologia relativa de M e uma variedade topologica de dimensao n. Alem disso, cada vizinhan-ca coordenada (U,) de M , da forma apresentada na Definicao 3.26, define uma vizinhancacoordenada (V, ) em N , com V = U N e = pi |V . Estas coordenadas locais determinamuma estrutura diferenciavel C em N na qual a inclusao i : N M e um mergulho.

    Demonstracao. Suponhamos que N M possua a topologia relativa de M . Segue queV = UN e um conjunto aberto emN e a uniao de vizinhancas dessa forma cobreN . Alem disso,usando o tem iii) da Definicao 3.26 temos que e um homeomorfismo sobre Cn (0) = pi(C

    n (0)).

    Assim, N e uma variedade topologica de dimensao n.

    Sejam (U,) e (U , ) vizinhancas coordenadas deM satisfazendo as condicoes da Definicao3.26. Definamos V = U N e V = U N e suponhamos que V V 6= . Sejam = pi |V

  • 3.4. SUBVARIEDADES 51

    e = pi |V . Segue da primeira parte da demonstracao que (V, ) e (V , ) sao vizinhancascoordenadas topologicas, isto e, 1 e 1 sao homeomorfismos em seus domnios.Queremos mostrar que estas duas composicoes sao diferenciaveis.

    Seja : Rn Rm dada por (x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0 . . . , 0), de forma que pi e aidentidade em Rn. Notemos que e de classe C em Cn (0). Segue que 1 = 1 e declasse C. Por outro lado, = pi e portanto e tambem de classe C. Portanto, 1 ede classe C em seu domnio (V V ). Por um raciocnio anlago podemos provar que 1e tambem de classe C em (V V ).

    Finalmente, como a topologia de N e a topologia relativa, a inclusao i : N M e, pordefinicao, um homeomorfismo sobre sua imagem. Alem disso, se (V, ) e uma vizinhanca coor-denada como na Definicao 3.26, entao

    i 1(x1, . . . , xn) = (x1, . . . , xn, 0, . . . , 0).e portanto i e uma imersao.

    Definicao 3.28 Uma subvariedade regular de uma variedade diferenciavel M e qualquersubespaco N de M com a propriedade de n-subvariedade e com um a estrutura diferenciavel C

    dade pela Definicao 3.26.

    Pelo Lema 3.27 uma subvariedade regular e uma subvariedade mergulhada.

    O metodo mais utilizado para en