O aprendizado da construção de caso clínico em saúde mental

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    LEARNING TO CONSTRUCT A CLINICAL CASE IN MENTAL HEALTH

    EL APRENDIZAJE DE LA CONSTRUCCION DEL CASO CLINICO EN SALUD MENTAL

    Aline Maino Pergola1, Ana Paula Rigon Francischetti Garcia2

    RESUMENEn este estudio se tuvo com o objet ivo re la-

    tar la experiencia de una alum na en la cons-t ruccin del caso c l n ico en Salud M enta l ,desarrollada en las disciplinas de Enfer m e-ra en Salud M ent al II y Enfer m era Psiqui-trica del Pregrado en Enferm era (UNICAM P).Para estas disciplinas, la construccin delcaso es entend ida como la ar t icu lacin en-t re la entrevista psiquitr ica y a lgunos con-ceptos de la teor a psicoanal t ica, apren-dido s en las clases, super visin y lectu ra detextos, pretendiendo estructurar un cuida-do de Enferm era coherent e con la concep-cin de hombre del referencia l ps icoana-l t ico: un sujeto d iv id ido por la existenciadel inconsciente, estructurado como len-guaje. El relato se bas en la exper iencia vi-v ida por la a lumn a, durante las d isc ip l inas,en la produccin de inform es y construccindel caso bajo la form a de un t rabajo f ina l .Fue pos ib le que la a lumna desar ro l le lalectura del caso y constru ir una t eor a sus-tent adora de la atencin, por m edio de lasdem andas surg idas en e l d i logo con e l p a-c iente que or ientaron los puntos pasib lesde intervencin.

    DESCRIPTORESAtencion de enfermer ia.Salud menta l .

    Enfermer ia psiquiatr ica.Educacion en enferm er ia

    ABSTRACTThis study describes the experience of an

    undergraduate Nursing student in the cons-t ruct ion of a c l in ical case in m enta l heal thfor t he d iscip l ines Ment a l Health N ursing IIand Psychiatr ics Nursing at the State Uni-versity of Campinas (Unicamp). In th ose dis-ciplines case constru ction is understo od asthe coordinat ion of the psychiatr ic in ter -v iew and a number o f concep ts f rom theth eor y of psychoan alysis, learned in classes,superv is ion and books , w i th the a im o fst ructur ing a nurs ing care that is coherentw i t h t h e p s y c h o a n a l y t i c a l r e f e r e n t i a l sconcept ion of hu m an being: a subject d iv i -d e d b y t h e u n c o n s c i o u s , s t r u c t u r e d a sspeech The repor t was based on the stu-dent s exper ience whi le t aking the d isc ip l i -nes , p roduc ing repor ts and cons t ruc t ingthe case as a f inal paper. The student wasable to develop a comprehension of the ca-se and bu i ld a suppor t ing theory fo r car ingth rough the demands tha t came up in thedialogue with the patient that pointed out t hepo in ts in w h ich in te rven t ion was possib le .

    KEY WORDSNursing care.Menta l hea l th .

    Psychiatr ic nursing.Education, nursing.

    RELATODE

    EXPERINCIA

    O aprend izado da cons t ruo decas o c lnico e m Sa de Me nta l

    Recebido: 16/10/2006Aprovado: 13/04/2007

    RESUMOEste estudo o bjet ivou re latar a exper iencia

    de um a aluna na construo de caso c l in icoem Saude M enta l , desenvolv ida nas d isc i-p l inas de Enfermagem em Saude M enta l I Ie Enfermagem Psiquitr ica da Graduaoem En fe rm agem (UNICAMP) . Para es tasdisciplinas, a construo de caso enten-d ida com o a ar t icu lao ent re a entrevistapsiquitr ica e a lguns concei tos da teor iapsicanalt ica, apren dido s nas aulas, super-v isao e le i tura de t extos, pretendendo es-t ru tu ra r um cu idado de En fe rmagem coe-ren te com a concepo de homem do re fe -rencia l ps icanal t ico: um suje i to d iv id idop e l a e x i st n c i a d o i n c o n s ci e n t e , e s t r u -turado com o l inguagem. O re lato baseou-se na exper incia v iv ida pela a luna, du-rante as disciplinas, na produo de rela-tr ios e construo de caso sob a for m a detrabalho f inal. Foi possivel a aluna desen-volver a le i tura do caso e constru ir um a teo-r ia sustentadora do atendim ento, por m eiodas demandas levantadas no d i logo como p a c i e n t e q u e d i r e c i o n ar a m o s p o n t o spassveis de interveno.

    DESCRITORESCuidados de enfermagem .Saude menta l .

    Enfermagem psiquiatr ica.Educacao em enferm agem.

    1 Graduanda, 8 semestre, Graduao em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, Faculdade de Cincias Mdicas, Universidade Estadual deCampinas (UNICAMP). Campinas, SP, Brasil. [email protected] 2 Enfermeira Mestre em Enfermagem pelo Departamento de Enfermagem,Faculdade de Cincias Mdicas UNICAMP. Campinas, SP, Brasil. [email protected]

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    INTRODUO

    A prt ica ass is tencia l desenvolv ida pelo enfermeiro,in ic ia lmente baseada num saber de senso comum, apre-sentou t ransformaes que acompanharam as mudanasocorr idas na sociedade (1 ). Apesar da fo rmulao de umcorpo de conhecimentos prpr ios, no possvel perce-ber, ao longo de mui tos anos, um saber espec f ico quecaracter ize o t rabalho de Enfermagem junto aos pacien-tes por tadores de t ranstorno ment a l(1 ).

    A par t i r da d cada de 60 com earam a surg i r m ov i -ment os que inc luram di ferentes abordagens do t ratamentoao doente m enta l e insp ira ram o m ov imento d a Reform aPsiquit rica Brasi leira (2 ). Portanto, a part i r desta reformaocor reram m udanas no t raba lho da Enfermagem desen-volv ido nos equipam ento s de sade m ental e a entr ada dere fe renc ia i s que pre tend iam compreender o so f r iment opsquico (3 ). Entre esses referencia is est a ps icanl ise,esco lh ida como a l i cerce para sus ten tar o a tend imentosistem at izado e ind iv idual izado de Enferm agem apren di -

    do e re latado neste t rabalho.

    Para a construo d e caso c l n ico em Sade M ental (4 ), impo rtant e entend er que as m ani festaes inconscien-tes , fo rmadoras do su je i to e fundamentadoras da te ra-put ica aqui abordada, s sero ident i f icadas pelo a lu-no/ enferm eiro capaz de reconhecer, a cada novo pacientecuidado, a lgica das formaes do inconsciente, mani -festadas por meio do sonho, do chis te, do ato fa lho, dolapso e do s into m a (5) .

    Alm disso, a ar t iculao da c l n ica, do ensino e dapesqu isa imp l i ca no meu reconhecimento enquanto a lu -

    na como su je ito , porque t ambm sou de term inada pe loinconsciente, o qu di rec iona a constru o do caso e aut o-r iza ao paciente a ser at ivo n a elaborao de sua propo s-ta te raput i ca , p roduz indo uma re lao in te rsub je t i va .Ess a conc ep o t e r i c a m e pe rm i t i u p ro b l ema t i z a r asquestes subjet ivas que permeiam o processo de cuidarem Enferm agem (6) .

    Destaco q ue a ps icanl ise resgata um a preo cupaoem no s ign i f i ca r o compor t amento hum ano e permi te aoaluno assumir a funo de auxi l iar do paciente na des-coberta d os aspectos m ot ivador es de suas at i tu des(6) . Nes-ta abord agem, o cuidado de Enferm agem considera a d i -nm i c a das re l a es i n t e r s ub j e t i v as , a l uno -pac i en t e ,estabelec idas pelas deter m inaes do incon sciente (6-8).

    Esse re lato de exper incia tem como objet ivo dem ons-t rar o meu percurso, enquanto aluna, nas disc ip l inas deEnferm agem em Sade M ental I I e Enferm agem Psiquitr i -ca, do quart o e sexto semestres do curso de Graduaoem Enferm agem (UNICAM P), expondo com o fo i po ssvel aconstruo de caso c l n ico em Sade M ental (4 ) e sua art i -culao com o cuidado de Enfermagem.Para estas disci-p l inas, a constru o de caso en tend ida como a art icula-o entr e a ent rev ista ps iquitr ica e a lguns concei tos da

    teor ia psicanal t ica ( t ransferncia, ateno uni for m em en-te f lutuante, formaes do inconsciente) aprendidos nasaulas, superviso das atividades prt icas e lei tu ra dir igidade texto s.

    O relato deste percurso just i f icvel ao considerarque a aprendizagem ocorre medida que os atendimen-tos real izados durante as at iv idades prt icas se desen-

    volvem. Nestes atendim ento s, o a luno desempenh a a fun-o de enferm eiro e baseado em concei tos psicanal t icosdeve colocar o paciente em posio capaz de pro duzi r co-nhecimen to , pois passar a q uest ionar-se sobre o seu so-f r im ento psquico (9 ). Por ou t ro lado , o a luno t ambm deve-r e laborar o seu pr pr io conhecim ento sobre o caso aten-dido. A constru o de caso perm i te, port anto, a ar t icula-o entre a c l n ica e a teor ia, dem onstrando quais ponto ssustent aro as inter venes de Enferm agem.

    MTODO

    Trata-se de u m relato de exper incia de carter qu al i -tat ivo n o qual se ut i l izou, para re le i tura das fontes pr im -r ias, o m esm o ref erencia l ter ico adot ado pelas disc ip l i-nas, ou seja, o psicanalt ico. O m to do u ti l izado fo i a cons-truo de caso em psicanl ise, segundo o qual se anal isao discurso de um suje i to.

    Para es te re la to , cons idere i com o d iscurso a m inhap rodu o ac adm i c a ( f on t es p r i m r i as de dados ) nasduas c i tadas d isc ip l i nas : os re la t r ios obr iga tr ios de-s env o l v i dos aps c ada pe r odo de a t i v i dade p r t i c a ,apresentando os regis t ros e as impresses dos atendi -m ento s rea li zados e a const ru o de caso sob a fo rm ade t rabalho f inal , o qual inc lu iu o rac iocn io c l n ico en-

    t re a t eor ia e a p r t i ca e , conseqent em ente , o desenvo l -v iment o do d iagnst i co es t ru tu ra l a l icerce das in te rven-es de Enferm agem.

    Na construo de caso, foi possvel identi f icar a posi-o assumida po r m im n a re lao t ransferencia l junto aopaciente, a ar t iculao entre a h istr ia de v ida e o examedo estado m ental , a e laborao do diagnst ico estrutu rale a propo sio de int ervenes de Enferm agem, alm deelemen tos da teor ia estud ada.

    Diante dos atos e da dem anda do paciente, ao atend-lo, real izei uma le i tura do caso, constru indo uma teor ia,baseada em m inhas prpr ias h ipt eses, que al iceraram

    as inter venes(9) . Para t a l f im, d evo desocupar a posiode det ento r do saber e p assar a ocupar a po sio de re-ceptor da fa la do paciente, part icularmente das rupturasreveladoras do suje i to (8-9). Por ser suje i to do inconsciente,se man ifesta atr avs de ato s, os quais so situaes ines-peradas do comp or tam ento do ind ivduo e , em um pr ime i -ro m om ento , no so passveis de expl icao (9 ). Dessa fo r-ma, estabeleo uma exper incia intersubjet iva, na qualh um su je i to que in te r roga o ou t ro , e no deve in te rpre-tar , mas constru i r : a construo acontece bem antes dainterpretao(9).

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    Nesta perspect iva, ao constru i r e conduzi r o caso prec iso f az- lo a luz do incon sciente e, p ara tant o, no necessrio f ixar a ateno ao discurso do paciente, cau-sando a seleo do mater ia l escutado e podendo fa ls i f i -car a percepo. Deve-se ut i l izar a tcnica da atenoun i fo rm ement e f l u tuante para favorecer o reconhec imen-to das ruptu ras do discurso e o texto desconexo do paci -en te (7 ). Est aconst i tu i em s im plesm ente escutar, sem a pre-

    ocupao em t om ar no ta ou lembrar de qua lquer de ta lhe ,para depois dos atend imen tos comear a constru i r as h i -p t eses sobre o d iagns t i co es t ru tu ra l des te su je ito e ,ass im, d i rec ionar os atendimentos(7 ). Este fo i o mater ia lregis t rado nos re latr ios.

    Aps a re le i tu ra das fon tes p r imr ias com a tenoun i fo rm em ente f l u t uante , rea l izei uma an l i se tem t i ca,com def in io de categor ias pelas quais d i rec ionei o re-la to de m inha aprend izagem: a concepo de lou cura , ainter face entre o h is tr ico de Enferm agem , o levantam entode p ro b l emas e o d i agnst i c o est ru t u ra l e a i n t e r f ac eentre o h is tr ico e as intervenes de Enferm agem. A inter-

    face entr e o h is tr ico e as dem ais etap as do p rocesso deEnferm agem deve-se a imp or t nc ia da fa la do pac ien tepara cons t ruo de um a t end im ento d e Enferm agem s is-tem at i zado e baseado nu m a abordagem ps icanal t i ca .

    Neste re lato, adotei a estru tur a do pr ocesso de Enfer-magem (10) som ente em suas etapas, pois o emb asamen toter ico ut i l izado para abordar a concepo de homem eprocesso sade-doena fo i subst i tudo, isso , adotei aconcepo de um homem d iv id ido pe la insero do in -consciente e o pr ocesso sade-doena observado com o aescolha do s intoma como a expresso do suje i to d ianteda angst ia da castrao s imbl ica.

    Todo s os con ceitos uti l izados neste estudo sero deta-lhados no decorrer da discusso e pud eram ser aprendi -dos atravs das aulas tericas, da superviso em campode atividades prticas, dos espaos de discusso dos ca-sos junt o ao superv isor e s colegas em campo e da apl i -cao prt ica. Entret anto, fo i fund ament al e inquest ionvela imp ort ncia da le itu ra de t extos, selec ionados a part i rdas dvidas sobre conceitos tericos e si tuaes suscita-das pelos atendim ento s e apon tados pela superv isora oupor procura espontnea, os quais d i rec ionaram o apren-d i z ad o e p u d e r a m s e r r e l a c io n a d o s s s it u a e s v i -venciadas na prtica e alguns, inclusive, al iceraram estadiscusso. Tamb m foi im port ante p ara o rac iocn io c l n i -

    co, a anot ao e a evoluo de Enferm agem em p ront u-r io e a e laborao de re latr ios obr igatr ios.

    RESULTADOS E DISCUSSO

    Apresento o desenvolv im ento de m eu aprendizado, d i -vidido em categorias, sobre a construo de caso clnicoem Sade M enta l , a par t i r de m inha v ivncia em a tend i -m ento s oferec idos a dois usur ios de Centr os de AtenoPsicossocial (CAPS) da cidade de Campinas (So Paulo).

    A pr im ei ra categor ia tem t ica apresenta a concepoda loucura aprend ida e fundamenta l para demarcar ospon tos pelos quais fo i real izada a escuta, um a vez que apsicanl ise e a ps iquiatr ia no def inem igualment e o con-cei to de loucura (11).

    As outras duas categor ias re lac ionam o his tr ico deEnfermagem s outras etapas do processo de Enferma-gem, isso , o levantam ento de pro blem as, d iagnst ico ein te rveno(10). Tal fato expl ica-se por ser, a psicanl ise,um re fe rencia l em qu e o t ra tament o est no prpr io p ro -cesso de possib i l i tar ao paciente restaurar sua his tr ia,ressignif icando, assim, seu modo de exist ir (7 ).

    Sal iento que meu aprendizado ocorreu considerandoas seguintes etapas: a part icipao nas aulas tericas; or e c o n h e ci m e n t o d o c am p o d e a t i v i d a d e p r t i ca e d osuperv isor; a escolha do paciente de acordo com a re la-o in te r sub je t i va es tabe lecida ; as en t rev is tas p re l im i -nares (h i st r i co de en ferm agem) qu e perm i t i ram o levan-tam ento d e prob lemas e forneceram subsdios para o es-tabe lec iment o do d iagnst i co es t ru t u ra l ; as d i scusses

    de caso com as colegas de at iv idade prt ica e/ou com osuperv isor, com indicao de le i turas e d i rec ionamentodos atend imen tos; o regist ro do s atendim ento s nos pron-tur ios e nos re la t r ios , permi t i ndo o desenvo lv imentodo rac iocn io c l n ico; o estabelec imento de um plano decuidados de acordo com o diagnst ico estrut ural do paci -ente atendido; e, por f im, a e laborao do t rabalho f inalde cada disc ip l ina que permi t iu a concluso do rac ioc-n io c l n ico e a reart iculao da prt ica com a ress igni -f icao da teor ia.

    A concepo de loucura

    Aprend i que a loucura um a exper incia subjet iva daqual o suje i to perdeu o sent ido, procurando, atravs daanl ise, determin- lo e restaur- lo (11). Sua manifestaoocorre a part i r da lgica do inconsciente, isso , o suje itos e a p r e s e n t a c o m o e f e i t o s i n g u l a r d e l i n g u a g e m ,estrutu rado na dim enso inconsciente e expresso por umsaber d esconhecido, ou seja, um saber d i feren te d o saberconsciente e acadm ico(8,12).

    Cont udo , essencia l ressal tar q ue suje i to no aquiempr egado como sinn imo de ind iv duo ou persona l ida-de. Enten do suje i to com o o lugar da verdade e d a palavra,const i tudo a part i r da entrada do indiv duo na lgica da

    l inguagem(12)

    .Essa entrada ocorre quando o indiv duo r econhece ser

    um a pessoa di ferent e daquela que at endia a tod as as suasnecessidades nos prim eiros m eses de vida. Esta difere na marcada pe la inc luso de um te rce i ro (Out ro [A] ) nodiscurso do cuidador da cr iana e indica para esta umalei externa a esta relao. Esta diviso marca a emergn-c ia do suje i to do inconsciente (8,12).

    Desse m odo , entendo que t odo discurso surge do lugardo Outro, por este const i tu i r o lugar da le i e dos s igni -

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    f icantes(12).A m ani festao da subjet iv idade se expressapelo modo como o suje i to ut i l iza seus s igni f icantes. As-s im, a exper incia subjet iva sempre s ingular e regidapelas le is da l inguagem q ue nor m at izam o funcionam entodo i nc ons ci en t e : c ada s u j ei t o a t r i bu i um de t e rm i nadosentido a cada signif icante (12-13).

    Essa man i fes tao pde ser apreend ida a par t i r do

    discurso da usuria 1(a)

    que re la tava, nos a tend imento deEnferm agem, apresentar f r eqent es episdios m anacos.No ent anto, ao resgatar o sent ido destes episdios junto aela, ver i f iquei qu e a m ania signi f icava poder fazer bo ne-cas de pano e arrum ar a casa. M ania, para esta usuria1,expressava um m om ento de produt i v idade.

    A ps iquiatr ia c l n ica def ine sndrome manaca comoum a elevao do hu m or, com rpido f luxo d e idias, ace-lerao ps icomotora e grandios idade (14). Logo, o sent idos ingu la r de produt i v idade para es ta pa lav ra man ia -expressa a subjetividade da usuria1, que suje ito quan-do se mant m imp ossib i l i tada para o desen-vo lv im ento de t a re fas por sua produt i v ida-

    de s igni f icar do ena, ou m elhor, mania.Retom ando a def in io in ic ia l sobr e lou-

    cura, restaurar o sent ido const i tu i -se em um apossib i l idade de t ratamento, pois o acessoao suje i to ocorre p ela fa la(8) . O suje i to , por-tan to , p ro tagon is ta de sua re lao com oOut ro , havendo a cons t ruo de um casopart icular at r avs da fa la(15). Aprendi qu e, aocontar sua h is t r ia , o su je i to fa la para s ip rpr io , p roporc ionando a res taurao deum sent ido para a sua histr ia e conseqen-tem ente para sua v ida.

    A inter face entre o histr ico de Enferm agem,o levantam ento de problemas e o diagnsticoestrutural

    Para constru i r uma teor ia que fundamente e s is tema-t ize o atendim ento de Enferm agem, necessr io basear-se nica e exclusivamente na fala do usurio, pois esta a melho r e m ais r ica fonte d e inform aes sobre sua his-tria de vida. Tal r iqueza pode ser aprendida a cada aten-d imento de Enfermagem rea li zado, em que o h ist r i co deEnferm agem foi coletado sem rot ei ro pr-def in ido , pois om ater ia l explorado era coletado acom panhando as asso-c iaes fe i tas pelo paciente, tcnica denominada l iv re-associao (7 ).

    As representaes inconscientes no podem se tornarconsc ien tes , porque uma fo ra , denominada reca lque,atua constantem ente sobre estas imp edindo de se torna-rem conscientes. Port anto , a invest igao do inconscien-

    te o correr p or interm dio d as associaes l iv res, obser-vadas atravs das palavras. Assim, a m eta do pro f issio-nal o paciente associar , fa lar , para que possa escutaraqui lo que sut i lmente mani festo pela palavra (12).

    Isso pde ser observado no caso da usuria 1 qu edisse ser h ipert ensa e diabt ica, quando, em seu h istr i -co e exam e c l n ico, no h avia nenhum indcio dessas con-

    d ies. Em out ro a tend iment o , con tou qu e seu m ar ido ,por e la descr i to com o um a pessoa m ui to aut or i t r ia, rea-l izava o contro le da presso arter ia l e da gl icemia atra-vs de m edidas f reqent es e pagas. A s i tuao sut i lm entedescr i ta que o mar ido cu idava da sade, a t mesmopagando, enquanto ela se considerava impedida por e lede real izar o controle desses parmetros. Se me f iasse sevidncias cl n icas, no pod er ia consider- la h iper ten sae diabtica. No entanto, para a real izao psquica dessesujei to, era fundamental a sua condio de hipertensa ediabt ica um a vez que esta posio a colocava no lugarda pessoa im pedida p elo m arido. Esta posio fo i respei -

    tada na conduo dos a tend im entos .

    Para cada atendim ento deve ser obede-c ida a recomendao do pac ien te re la ta rtud o o qu sua auto -observao detectar e,o en ferm eiro guiar-se pelas capacidades dopaciente e n o pelos seus prp rios desejos(7) .

    A entrevista uma form a adequada, quan-do bem d i r i g ida , de se levantar h ip tesesdiagnsticas sobre a estrutura cl nica apre-sentada, pois cada estrut ura p squica apren-dida (neurtica e psictica) se relaciona demodo mu i t o pa r t i c u l a r c om a l i nguagem.Com o exemplo de um a estrut ura neurt ica,relato a relao da usuria 1 com o seu mari -do, que se mantinha sempre na posio deobjeto do desejo dele. Ou seja, real izava as

    suas atividades de acordo com aqui lo qu e im aginava ser odesejo do marido: se dizia preferir que ela f icasse tr iste,pois ao estar alegre parecia louca, ela permanecia tr iste.Com o to do suje ito n eurt ico, precisa tornar o o utro com-pleto para no se defrontar com a angstia da castraos imb l i ca (b) .

    Para m anter sua condio ex istencia l , o neurt ico nopode sat is fazer seu desejo e desse m odo , cr iar expedien-tes para no ocorrer essa satisfao, deslocando o dese-

    jo , sem pre que esse puder ser m in im am en t e al canado .Essa ocor rnc ia v i s ve l em s i tuaes re la tadas pe lausuria 1, como , por exemplo , in iciar vr ias at iv idades aomesmo tem po, ev i tando, dessa fo rm a, te rminar a lgum adelas, mant endo -se in sat is fe i ta. Assim , no sat is faz seudesejo e a inda produz s intomas como insnia, t r is teza,

    (a) Termo utilizado para respeitar o sigilo sobre a identidade de uma usuriade estruturao neurtica acompanhada em um Centro de Ateno

    Psicossocial de Campinas (So Paulo).

    (b) Kirschbaum DIR. As primeiras entrevistas e suas implicaes na relao

    intersubjetiva enfermeira-paciente. Texto de apoio da disciplina de Enferma-

    gem Psiquitrica (EN 632) do curso de Graduao em Enfermagem.

    Departamento de Enfermagem FCM/UNICAMP; 2005.

    A entrevista umaforma adequada,

    quando bem dirigida,

    de se levantar

    hipteses diagnsticas

    sobre a estrutura

    clnica apresentada,

    pois cada estrutura

    psquica aprendida

    (neurtica e psictica)

    se relaciona de modo

    muito particular coma linguagem.

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    ansiedade, para tent ar superar a angst ia decorrent e dapresso do desejo (b).

    J na estrutura psictica, observei o usurio 2(c) , quedem onstrava sem pre um a certeza inquest ionvel ao re la-tar qualquer si tuao de sua vida. Possua absoluta cer-teza de haver encontrado um amigo pela l t ima vez emum a festa nos anos 80. Entr etant o, nesta dcada j estavain te rnado em um hosp ita l ps iqu i t r i co .

    O sujeito psictico no capaz de uti l izar f iguras del inguagem para descrever a sua cond io existen cial, po issua entrada na ordem s im bl ica no ocorreu. O ps ict icono com pletou o Com plexo de dipo e de Castrao per-m anecendo com o suposto su je i to comple to (15-16).

    Out ro conce i to impo r tan te qu e perm eia as e tapas doh ist r i co de Enfermagem, do levantamento de prob lemase do diagnst ico da estrutura c l n ica envolv ida a cha-mada t ransferncia. A t ransferncia um fragmento derepet io q ue, por sua vez, um a t ransferncia do p assa-do esquecido, pois sofreu recalque (17).

    Quando a usuria 1 m e v ia, d iz ia no estar bem , entre-tant o, se m ostrava mais sol ic ita qu ando eu m encionava areal izao d e algum cuidado f sico e no desenvolv im entodeste. Ao ocupar a posio de prestador de cuidados f si -cos, possivelmente estava reatual izando uma de suas s-r ies psquicas, no entant o, m ant inha sua posio de insa-t is fao, pois a t ransferncia um fragmento de repet i -o do cont edo recalcado e, a minh a posio neste lugarcont r ibu a para a adeso ao t ra tamento , mas no paraum novo posic ionamento desse suje i to. Aps a capturadesse suje i to, a indicao do t rat amen to esvaziar o lu-gar que este m e colocou por m eio da re lao t ransferen-c ial , favorecendo sua movim entao (17).

    J o usurio 2diz ia que m e parec ia com u m amigo seue, portant o, poder ia ser f i lha dele. Ent retant o, quando lheindaguei mais a respeito desse amigo, levantei a possibi-l idade deste hom em ser apenas um a personagem d el i ran-te desse usur io. Todavia, me assem elhar com um a perso-nagem del i rant e do usur io, ta lvez tenh a const i tu do umfator fac i l i tador da re lao teraput ica.

    Portanto, considerando a fa la dos usurios 1 e 2 e amaneira como se re lac ionavam com esta, a lm de todosos processos conscientes e inconscientes envolv idos, possvel compor o h is tr ico do paciente, d iagnost icar aestrutu ra psquica e levantar p roblem as existent es, pas-

    sveis de interveno.

    A interface entre o histrico de Enfermagem e as intervenesde Enfermagem

    Conceber a pr t ica de Enferm agem baseada no refe-renc ia l ter i co da ps ican l i se s ign i f i ca a poss ib i l i dadede apr ec iar as si tuaes de cuidado sob duas dim enses:a s ingular idade do suje i to e a s imul taneidade entre pes-

    qu isa e t ra tament o(8 )

    .A abord agem psicanal t ica favorece a adeso e o com -

    prom et imento do ind ivduo com o pro je to te raput i co p ro-posto, pois este percebe que seu mo do de enxergar o mu n-do e se re lacionar com ele valor izado pelo enferm eiro,mesmo cor respondendo a uma in te rpre tao d i fe ren tedaquela da fam lia e dos prof issionais que o aten dem (b) .

    As prop ostas de inter veno para o suje i to n eurt icofundam entam-se no fa to do en fermei ro passar a ocupar olugar do grande Outro, no do Outro detentor do saber,m as daquele que acom panha o suje i to neurt ico na des-cobert a daqui lo que const i tu i seu desejo, ou seja, possi -

    b i l i ta r - lhe d izer ou apreender qua is s ign i f i cados emer-gem d a comb inao ent re os signi f icantes (15).

    O enferm eiro no deve nom ear o desejo, mas favore-cer cond ies para que o su je ito en t re em conta to com odese jo sem produz i r sin tom as e um in tenso so f r im entopsquico (15). Para o suje i to neurt ico, o enfermeiro deveserv i r com o tes temun ha (9 ).

    Observei que aps a construo do caso e conseqen-te estabelec imento do diagnst ico estrutural da usuria1, pude interrog- la sobre os mot ivos que a faz iam noquerer m ais f req entar o CAPS e, em seguida, constru i r

    jun t o a e la a t erap u t ic a in d icad a em seu d isc u rso , resu l-tando nas indagaes que passou a fazer a s i p rpr iasobre a real izao de atividades artesanais na sua casa.Ver i f iquei que esse suje i to pd e entrar em t ratament o porcom ear a se quest ionar sobre o q u fazer para diminui rseu so f r iment o (9 ).

    Para um paciente ps ict ico, com o o caso do usurio2, as intervenes propostas devem objet ivar a supera-o dos s intom as negat ivos, at ravs da convivncia har-m onio sa com as idias del iran tes, isso , da reestru tu raoda re lao do eu com o m undo (1 ).

    Neste caso, minha t arefa no fo i dec i f rar o del r io ou

    dizer que a personagem del i rante, com a qual o pacienteestabelecia sua re lao com igo, no ex ist ia. M as favore-cer a este paciente falar das relaes construdas sobrem im e sua personagem del i rante, de m anei ra a estru tur aro del r io. Ass im , o suje i to p ode ut i l iz- lo com o um rem en-do para favorecer uma entrada deste no s imbl ico (15). Eudever ia, ento, secretar iar o ps ict ico(17).

    (c)Termo utilizado para respeitar o sigilo sobre a identidade deum usurio deestruturao psictica morador de uma residncia teraputica de um Centro

    de Ateno Psicossocial.

  • 7/31/2019 O aprendizado da construo de caso clnico em sade mental

    6/6

    Rev Esc Enferm USP2008; 42(2):383-8.

    www.ee.usp.br/reeusp/3 8 8O aprendizado da construo decaso clnico em Sade MentalPergola AM, Garcia APRF

    CONCLUSO

    Esta exper incia m ostrou que a ut i l izao da tcnicada a teno un i fo rm emente f l u tuante um d ispos it i vo fun-damental para acessar o d iscurso do paciente, indepen-dent em ente d e sua estru tur ao psquica.

    Para es te aprend izado fo i fundamenta l a le i tu ra da

    bib l iograf ia recomendada, por basear minha observaoe auxi l iar n a construo do s conheciment os. Alm disso,a composio de re latr ios auxi l iou na ref lexo sobre o

    caso, no levantament o d e d v idas e na assimi lao d ateor ia . En t re t an to , a abordagem d i re ta do p acien te , fo isem dv ida , a chave para o aprend izado, permi t i ndo aconstruo de caso.

    Logicam ente so conh eciment os bsicos, porm acre-di to j serem suf ic ientes para me permi t i r uma atuaoembasada teor icamente junto aos pacientes com trans-

    to rnos ment ais ou por tado res de out ras patolo gias e aten-didos em quaisquer out ras inst i tu ies de sade, respei -tand o a expresso d e sua s ingular idade.

    REFERNCIAS

    1. Campos CS, Barros S. Reflexes sobre o processo de cui-d a r d a e n f e r m a g e m e m s a d e m e n t a l . R e v E s c E n f e r mUSP. 2000; 34(3):27 1-6.

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    1 1 . B i rma n J . O lu g a r d o p s q u ico n a e xp e r i n c ia d a lo u cu -ra. Cinc Hoje. 1983;1(6):30-6.

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    1 3 . Ma sa g o ACBM. Or i fe u , a mu lh e r co m p n is : a co n s -t r u o d a s i g n i f i c a o s e x u a l e m u m ca so d e p s ico se[ d i s se r t a o ] . S o P a u l o : I n s t i t u t o d e P s ic o l o g i a , U n i -ve rs id a d e d e S o Pa u lo ; 2 0 0 0 .

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    16. Lacan J. As psicoses l ivro 3. Rio de Janeiro: Jorge Za-har ; 1999.

    1 7 . F re u d S . A d in mica d a t ra n s fe r n c ia . R io d e Ja n e i ro :Imago; 1 923. (Obras Psico lg icas Comple t as de Sigmu ndFreud, v. 12).

    Correspondncia: Aline Maino PergolaRua 24 de maio, 914 - Vila IndustrialCEP 13035-370 - Campinas, SP, Brasil