O DISCURSO CURATORIAL COMO PROJETO ARTÍSTICO - DO EXPOSTO AO CONTRAPOSTO

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    O DISCURSO CURATORIAL COMO PROJETO ARTSTICO: DO EXPOSTO AOCONTRAPOSTO

    Neiva Maria Fonseca Bohns UFPel

    RESUMO

    Este artigo pretende discutir a construo de sentidos na prtica discursiva de um curador

    de artes visuais, tendo como objeto de anlise o caso da exposio intitulada O triunfo docontemporneo, sob responsabilidade de Gaudncio Fidelis. Apresentada no SantanderCultural, em Porto Alegre, RS, a mostra comemorativa dos 20 anos do Museu de ArteContempornea do Rio Grande do Sul estimulou o debate sobre formas de apresentao deobras de arte, por desestabilizar as convenes estabelecidas, apresentar obras emsituao de vulnerabilidade e por utilizar um conjunto de elementos expogrficos que seassemelham a esculturas. O discurso curatorial apresentado como projeto artsticocontemporneo tambm foco de interesse para o presente estudo.

    Palavras-chave: Curadoria Expografia Arte Contempornea Museu de ArteContempornea do Rio Grande do Sul Gaudncio Fidelis.

    SUMMARY

    This article aims to discuss the construction of meanings in the discursive practice of a visualarts curator, based on a case-study analysis of the exhibition O triunfo do contemporneo[The triumph of the contemporary] curated by Gaudncio Fidelis. The exhibition was shownat Santander Cultural in Porto Alegre, RS, Brazil in commemoration of 20 years of the Museude Arte Contempornea do Rio Grande do Sul and stimulated debate about the ways ofpresenting works of art, due to its destabilising of established conventions, displaying worksin fragile conditions and using a set of exhibition-design elements that resemble sculptures.A further focus of interest of this study is the presentation of curatorial discourse as a

    contemporary art project.

    Keywords

    Curatorship Exhibition design Contemporary ArtMuseu de Arte Contempornea do RioGrande do Sul Gaudncio Fidelis

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    O discurso curatorial como projeto artstico: do exposto ao contraposto.

    Expor e expor-se

    Este artigo utiliza como metodologia o estudo de caso e, para analisar procedimentos

    curatoriais que revelam uma abordagem autoral, trata da exposio O triunfo do

    contemporneo, trazida ao pblico no andar trreo das instalaes do Santander Cultural,

    em Porto Alegre, RS, de 07 de maro a 22 de abril de 2012.

    A exposio O triunfo do contemporneo comemorou os vinte anos de existncia do

    Museu de Arte Contempornea do Rio Grande do Sul. Sob curadoria de Gaudncio Fidelis

    e fugindo dos procedimentos tradicionais de apresentao de obras de arte, a mostra

    apresentava obras pertencentes ao acervo do MAC RS desde sua fundao, assim como as

    obras adquiridas no decorrer dos anos, incluindo doaes recentes.

    Levando-se em conta o fato de que a ideia original era colocar em exposio todas as obras

    do acervo, os desafios curatoriais iniciais, caso se tratasse de uma postura convencional,

    consistiriam provavelmente em encontrar nexos entre as obras e os perodos artsticos.

    Mas a linha adotada pelo curador, de grande originalidade, procurou evitar as abordagens

    cronolgicas e as associaes estilsticas. As obras foram distribudas espacialmente emtoda extenso do andar trreo (e aqui cabe notar, que pela imponncia arquitetnica do

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    prdio, o espao expositivo do Santander Cultural de Porto Alegre traz enormes problemas

    para os curadores e expgrafos).

    Desta maneira, pinturas, fotografias, esculturas, cermicas e objetos dividiram o espao

    expositivo sem divises classificatrias. No havia, portanto, um setor para pintura, ou

    outro para escultura, como se fazia at mesmo nas exposies modernistas, nem mesmo

    outro tipo de diviso temtica ou de linguagem, como as que tm sido utilizadas pelos

    curadores contemporneos. Entretanto, em alguns casos, as obras foram agrupadas e at

    mesmo conectadas entre si, por dispositivos especialmente planejados e construdos para

    o projeto expogrfico.

    Ao optar por determinada linha curatorial (que, neste caso, inclui as determinaes da

    expografia), o organizador de uma mostra de arte sempre revela os princpios que o movem.

    Assim, quando distribui obras numa exposio, portanto, o curador tambm se expe. No

    caso da mostra O triunfo do contemporneo, a comear pelo ttulo escolhido, o projeto

    afirma peremptoriamente a vitria dos procedimentos artsticos que superam o raciocnio

    moderno. Caberia tratar aqui, caso houvesse mais espao para discusso, se o projeto

    contemporneo realmente se ope ao projeto moderno, ou se apenas estende seus limites e

    amplia suas formas de expresso. Mas acima de tudo, esta foi uma exposio anticlssica,

    especialmente pelo fato de negar as regras de equilbrio e de simetria, de evitar a

    austeridade formal, e por fazer uso dos recursos exagerados, quase dramticos.

    Assim, a exposio se caracterizava pela preferncia pelas grandes dimenses e pelas

    formas que se contrapunham aos elementos arquitetnicos do prdio, e pelo uso de ndices

    que reafirmavam enfaticamente a posio das obras. Mas tambm se distinguia pelo

    agrupamento de obras com caractersticas totalmente distintas, formando conjuntos

    polissmicos de intensa carga semntica. O gosto pelas formas agigantadas em pelos

    movimentos inesperados revelados pelo design da exposio faz pensar em perodos

    artsticos que sucederam os perodos clssicos (embora as formas utilizadas nos

    dispositivos expogrficos fizessem franca referncia s esculturas minimalistas da segunda

    metade do sculo XX).

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    Anlise dos critrios curatoriais

    Certamente os critrios curatoriais adotados no seguiram as convenes academicistas,

    nem modernistas, e nem mesmo as prticas habituais da arte contempornea, muitas das

    quais procuram tirar partido dos espaos arquitetnicos onde as exposies acontecem.

    Observou-se a inexistncia de critrios cronolgicos, histricos, museolgicos e formais

    (embora existissem relaes cromticas evidentes entre obras de naturezas distintas).

    Contudo, notou-se o uso de critrios espaciais na distribuio dos elementos expogrficos e

    critrios extra-artsticos, que fazem aluso s biografias dos artistas (e suas afinidades

    eletivas).

    1. Critrios no-cronolgicos

    As obras da exposio no seguiram critrios cronolgicos. Obras consideradas histricas

    podiam estar lado a lado com outras muito recentes. Procedimentos tcnicos de perodos

    diferentes podiam ser encontrados em conjuntos de obras arbitrariamente constitudos. Era

    do confronto entre obras de origens histricas diversas que se construiam os novos

    sentidos.

    2. Critrios anti-historicistas

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    Obras de artistas de enorme importncia para a arte brasileira podiam estar colocadas ao

    lado de obras de artistas iniciantes. No havia qualquer diviso por perodos histricos, nem

    por produo geracional. A inexistncia de hierarquias artsticas valorizava o trabalho dos

    artistas mais jovens, e, para os observadores iniciantes, as distines artsticas no eramto evidentes. Todas as obras, portanto, estavam apresentadas indistintamente, sem pr-

    avaliaes, permitindo ao pblico o contato direto com elas, sem intermediao de uma

    abordagem historicista ou crtica.

    3. Critrios anti-formalistas

    Obras que apresentavam caractersticas formais muito diferentes estavam agrupadas e

    obras muito similares, em termos de materiais e de procedimentos tcnicos, estavam

    separadas espacialmente. A associao de peas realizadas com diferentes materiais e

    texturas enfatizava a diversidade do acervo, e estimulava o pblico a procurar, por conta

    prpria, as relaes formais entre as obras, abrindo espao para uma experincia no

    apenas esttica, mas tambm ldica.

    4. Critrios anti-museolgicos

    Algumas obras foram apresentadas em situao de fragilidade, revelando facetas que

    habitualmente no so mostradas (o verso de uma pintura, por exemplo), ou equilibrando-se

    sobre bases pouco seguras. Mostrar todos os lados de uma pintura concebida para ser

    apresentada frontalmente e presa a uma parede plana, traz para o ambiente expositivo uma

    atmosfera de ateli de artista, em que obras se acumulam por todos os cantos. Colocar uma

    escultura sobre uma base instvel altera a relao do observador com a obra. Mas,

    principalmente, expe as inseguranas vividas por toda e qualquer instituio, e que

    costumam ser maquiadas. O espao expositivo, assim, perde a aura de lugar de certezas

    absolutas, e passa a ser trajeto de risco.

    5. Critrios cromticos

    Algumas obras colocadas muito prximas apresentavam em comum certos elementos

    cromticos, embora variassem em texturas e materiais. Uma pintura e uma obra feita de

    porcelana podiam ser aproximadas pela coincidncia de tons cromticos. Uma pintura e

    uma impresso digital tambm podiam estar lado a lado pelas mesmas razes. Desta forma,

    a exposio seguia princpios estticos gerais, e era possvel identificar certas regies onde

    certas cores e tons pudessem ser encontrados.

    6. Critrios de ocupao do espao.

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    As obras foram bem distribudas pelo espao expositivo de maneira que todos os lugares

    ficassem ocupados. Os elementos expogrficos foram construdos e distribudos para

    produzir a sensao de unidade numa exposio de grande variedade formal. Se fosse

    possvel retirar as obras do espao, as peas da expografia continuariam ocupandosatisfatoriamente o espao, quase como se houvesse outra exposio dentro da exposio.

    7. Critrios afetivos

    Algumas obras de artistas com ntidas afinidades afetivas foram apresentadas num mesmo

    ambiente ou sobre um mesmo aparato expogrfico. Desta maneira, vida e arte eram

    mostradas de maneira indissocivel.

    As obras e os sentidos

    Tendo como fios condutores os elementos expogrficos cuidadosamente desenhados e

    construdos, as obras se apresentavam ao observador a partir da viso do curador sobre o

    acervo. Entretanto, os sentidos produzidos pelo contato com as obras variavam de acordo

    com o percurso de cada visitante. Embora algumas partes da mostra parecessem

    imponentes na forma de apresentao das obras, noutros casos era a precariedade e a

    instabilidade que prevaleciam, como se as obras estivessem temporariamente ali colocadas,

    ou em trnsito. A ideia de uma exposio in progresstambm podia ser percebida em vrias

    situaes. Desta maneira, a mostra, como um todo, assumia-se pelos seus aspectos de

    incompletude, e dependia do espectador para que se realizasse.

    O carter espetacular da mostra, com estruturas de grande porte projetadas para evidenciar

    as obras, exercia particular interesse no pblico pouco habituado a frequentar exposies de

    arte. Era evidente a atrao despertada nos grupos que pela primeira vez entravam no

    espao expositivo do Santander Cultural. Nestes casos, as questes que mobilizaram oscrculos de especialistas em artes visuais no eram as mais relevantes. A variedade na

    disposio das obras e a grande quantidade de informao visual disponvel por toda parte

    atraam, claramente, a ateno do pblico habituado aos meios de comunicao de massa e

    comunicao instantnea, e pouco versados em espaos museolgicos.

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    Quase obra/ no-obra

    Logo ao entrar no amplo salo do Santander Cultural, o visitante se deparava com um painel

    que trazia o texto curatorial, mas tambm tinha elementos expogrficos que poderiam serconfundidos com obras de arte. Logo atrs do painel de entrada, uma pintura de Lenir de

    Miranda (Pedro Osrio, 1945) e uma fotografia digital de Mrio Rhnelt (Pelotas, 1950)

    estavam colocadas lado a lado. Ao invs de estilstica, a similaridade entre elas ela

    cromtica: ambas possuam tons de marrom e de ocre.

    Algumas esculturas com materiais diversos estavam dispostas no cho, num espao nobre

    do salo, entre o painel de entrada e a escada circular que leva ao andar inferior. Feita de

    materiais variados a interessante escultura de Alexandre Antunes (Porto Alegre, 1961)

    apoiava-se sobre bases instveis. Ao lado, a pea escultrica de Jos Francisco Alves

    (Sananduva, 1965), de grande rigor formal, feita com ferro e tecido, ocupava elegantemente

    o espao a ela destinado.

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    Mas adiante o curador, tambm responsvel pelo projeto expogrfico, decidiu colocar uma

    estrutura de propores arquitetnicas, que provocava uma interrupo no corpo do edifcio.

    Sobre uma base de aparncia precria, repousava uma pea escultrica de Patrcio Farias

    (Arica, 1940), feita de MDF e de tecido. Ao lado da estrutura de ferro que acompanha a

    escada, outra pea do mesmo artista, com os mesmos materiais. Ambas originalmente

    faziam parte de um conjunto de cinco obras concebidas para serem apresentadas lado a

    lado. Para esta mostra, o conjunto foi desmembrado. No espao do fundo, num pequeno

    corredor que liga as duas alas laterais do prdio, estava outra escultura de Patrcio Farias,

    bem maior, feita de chumbo, madeira, tecido e ao. Na sua frente, uma instalao de Vera

    Chaves Barcellos (Porto Alegre, 1938), feita com materiais diversos, incluindo papel e pedra.

    Mas talvez a situao mais surpreendente fosse aquela em que se encontrava a grandeobra de Iole de Freitas (Belo Horizonte, 1955), j exposta inmeras vezes pelo MAC RS.

    Desta vez, ao invs de apresentar-se inteiramente como corpo em suspenso no espao, a

    obra parecia assentar-se sobre um dos balces do edifcio, que originalmente abrigou o

    Banco da Provncia. Para sustentar uma obra to imponente, uma estrutura escultrico-

    arquitetnica (que atingia o segundo andar do prdio) foi projetada, construda e instalada.

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    No vo central do espao expositivo, mais ao fundo, obras de vrios artistas foram

    apresentadas de maneira associada, dispostas numa construo espacial com diferentes

    patamares, visvel por todos os lados. Ali estavam, como dois lados de uma mesma moeda,

    as pinturas de Milton Kurtz (Santa Maria, 1951) e de Mrio Rhnelt, artistas de grande

    afinidade artstica, que trabalharam e produziram conjuntamente durante o perodo mais

    frtil de suas carreiras. Ali tambm estava um trabalho da ceramista Marlies Ritter. Ao lado,

    no cho, uma escultura feita com chapa de ao de Edmilson Vasconcelos (Pelotas, 1961),

    artista verstil, de grande capacidade criativa, que entre as dcadas de 1980 e 1990

    realizou performances inusitadas na cidade de Pelotas, RS. Um pouco mais esquerda, a

    escultura de Tti Waldraff (Santa Cruz do Sul, 1959), mostrava uma gara sobre skate, feita

    com materiais industriais. Ao fundo, para apresentar um trabalho de Sandro Ka (que lembra

    muito o trabalho da argentina Liliana Porter), o curador e expgrafo optou por projetar uma

    grande estrutura com elementos simtricos. Esta instalao expogrfica colocava em

    evidncia o dado irnico do trabalho do jovem artista, que associa objetos decorativos de

    fabricao industrial, feitos de plstico, borracha, porcelana ou gesso.

    Na lateral esquerda, logo na entrada, disposta ao centro do ambiente, estava uma pintura de

    Plnio Bernhardt (Cachoeira do Sul, 1927- Porto Alegre, 2004), mostrada de maneira que se

    podiam ver todos os lados da obra. Na parede, uma divertida pintura de Fernando Lindote

    (Santana do Livramento, 1960), em que se percebiam dois coelhos brancos pintados sobre

    um fundo vermelho. Um pouco mais frente, na mesma parede, uma belssima gravura

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    circular de Maria Lcia Cattani (Garibaldi, 1958). Mais adiante estava uma instalao de

    Karin Lambrecht (Porto Alegre, 1957), feita com variados materiais, e que j foi apresentada

    em diversas exposies. Depois viam-se algumas pinturas muito coloridas de Romanita

    Disconzi (Santiago, 1940), do perodo em que a artista pesquisava processos pictricos,relacionando-os com a formao da imagens eletrnicas. Ali perto estava uma extraordinria

    xilogravura do jovem Rafael Pagatini (Caxias do Sul, 1985).

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    Na lateral direita do prdio estava a grande pintura de Nuno Ramos (So Paulo, 1960),

    datada de 1991 e feita, como se sabe, de materiais variados, incluindo tecido, plstico, metal

    e vidro. Esta uma das obras mais importantes do acervo do MAC RS, e j foi restaurada

    vrias vezes. De difcil conservao, a obra necessita de ambiente adequado e cuidados

    duplicados. Na frente da obra de Nuno Ramos o curador colocou outra estrutura

    expogrfica de carter escultrico, especialmente projetada para receber obras e

    intervenes de Carlos Asp (Porto Alegre, 1949).

    Ao lado das delicadas pinturas de Gilda Vogt, e suspensa por uma estrutura expogrfica,

    estava uma magnfica obra de porcelana de Tnia Resmini (Santana do Livramento, 1953).

    O que estas obras podiam ter em comum era o uso, em menor ou maior grau, da cor de

    rosa. Neste caso a associao entre o trabalho das duas artistas era, evidentemente,cromtica. E para o observador recm-chegado, que no conhecia as distines entre o

    trabalho das duas artistas, podia parecer tratar-se de obra nica. Ao lado, uma escultura de

    Felix Bressan (Caxias, 1964), feita com vassouras e ferro, suspensa por um cabo de ao

    pendente da escada, relembrava uma das fases mais interessantes da produo do artista.

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    A exposio tambm trazia, numa das salas do fundo, um grande desenho de Eduardo

    Haesbaert (Faxinal do Soturno, 1968), feito com pastel seco sobre papel. Em torno do

    desenho, uma construo da expografia, pintada de preto, sublinhava o trabalho (e

    confundia os observadores, que chegavam a tropear na pea). Na mesma sala estava uma

    magnfica pintura do surpreendente Rafael Pagatini. Ainda cabe mencionar a admirvel obra

    de Michael Chapman (Caversham, Esccia, 1948) que lembra o tempo em que o artista,

    radicado no Brasil h muitos anos, se dedicava pintura, empregando nas telas todo seu

    vasto conhecimento sobre o assunto. Outras tantas obras estavam presentes na mostra,

    como um conjunto bastante representativo de artistas de Belm do Par, que no analisarei

    aqui, por falta de espao.

    Entre o exposto e o contraposto

    Como se pode observar, na exposio O triunfo do contemporneo, uma nova prtica

    curatorial, ainda desconhecida no Brasil, foi apresentada ao pblico. Neste projeto, a

    expografia, constituda por elementos que oscilavam entre a vocao arquitetnica e a

    escultrica, tinham autonomia em relao s prprias obras, apresentando-se com valores

    estticos que despertavam muita ateno. Felizmente, no chegavam, contudo, a constituir-

    se como cenrios (como aconteceu no caso da exposio comemorativa dos 500 anos de

    descoberta do Brasil). Os elementos expogrficos, ao mesmo tempo em que serviam para

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    valorizar as obras apresentadas, estavam articulados com uma coerncia tal que,

    isoladamente, produziam sentido. E faziam arte.

    Contudo, alm de mostrar as obras que deveriam ser apreciadas pelo pblico, as peas

    auxiliares geraram contraposies que modificaram os ambientes. Entre o exposto e o

    contraposto, surgiram novos sentidos nunca experimentados mesmo por quem j conhecia

    o acervo do MAC desde sempre. A polmica amplamente instaurada no meio artstico

    gacho, contudo, referiu-se ao grau de autonomia que o projeto expogrfico pode ter em

    relao ao conjunto de obras apresentadas. Muitos consideraram que, se as peas que

    constituram o projeto expogrfico fossem apresentadas isoladamente, poderiam ser

    avaliadas pelas suas qualidades estticas e artsticas. Fica a dvida: seriam obras de arte,

    esperando pela oportunidade de fazer carreira solo? Ou formavam um conjunto sub-arquitetnico concebido para desativar a imponncia da edificao planejada para existir

    como instituio financeira? O debate est lanado.

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    Neiva Maria Fonseca Bohns

    Mestre e Doutora em Histria, Teoria e Crtica das Artes Visuais pela Universidade Federal

    do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. Exerce o cargo de Professora Associada no Centro

    de Artes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), RS, Brasil, onde desenvolve

    atividades de ensino, pesquisa e extenso nas reas de arte contempornea e arte

    brasileira. Tambm atua como crtica de arte e curadora de exposies de artes visuais.

    membro do Comit Brasileiro de Histria da Arte. Ocupa o cargo de Diretora Cultural da

    Fundao Vera Chaves Barcellos, Viamo, RS.