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O IMAGINÁRIO REPUBLICANO ATRAVÉS DA IMPRENSA NO INÍCIO SÉCULO XX: ARTHUR BERNARDES E AS DISPUTAS OLIGÁRQUICAS. Natália Fraga de Oliveira * . Introdução A imprensa, desde muito tempo, é um espaço de manifestações variadas, aberto a um público extenso, dentre eles o político. A imprensa, claramente, é um dos espaços mais atrativos para que este possa ser ouvido e alcançar uma grande parte do público almejado, seja através de rádios, televisão, jornais ou tantos outros, sendo este último o espaço de foco do nosso estudo. Neste estudo, nos debruçaremos na cronologiade 1905 a 1910, quando Arthur Bernardes assumiu a chefia do semanário Cidade da Viçosa e também momento em que o imaginário republicano encontrava-se em um intenso processo de construção. Esse período compreende a fase inicial da carreira política de Arthur da Silva Bernardes. Dessa forma, objetivamos compreender como se dava a manifestação do político no jornal chefiado por Arthur Bernardes, bem como o imaginário que era criado acerca da Primeira República, visando, assim, entender o funcionamento do sistema administrativo do município de Viçosa naquele tempo e compreender como se davam e como estavam as disputas de poder local. De acordo com Rosanvallon (2010, p. 12), o político, em sua compreensão inicial, era definido pelos estudiosos apenas como um fenômeno que ocorria no campo das elites. Mais tarde, o político, na visão de Remond (2010, pag 26), passa a ser interpretado através de um caráter multifacetado, mais autônomo, de forma ressignificada. Sendo assim, o objetivo da nova história política, como ainda esclarece Rosanvallon, consiste em identificar não somente as diversas “histórias” em torno das diferentes racionalidades políticas, mas também as alterações da vida pública em decorrência das transformações institucionais. * Mestranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pesquisa financiada pela CAPES. E-mail: [email protected]

O IMAGINÁRIO REPUBLICANO ATRAVÉS DA IMPRENSA ......Assim sendo, Renato Lessa (1988, p. 13) argumenta que durante a Primeira República, particularmente no governo de Campos Sales,

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  • O IMAGINÁRIO REPUBLICANO ATRAVÉS DA IMPRENSA NO

    INÍCIO SÉCULO XX: ARTHUR BERNARDES E AS DISPUTAS

    OLIGÁRQUICAS.

    Natália Fraga de Oliveira*

    .

    Introdução

    A imprensa, desde muito tempo, é um espaço de manifestações variadas, aberto a um

    público extenso, dentre eles o político. A imprensa, claramente, é um dos espaços mais

    atrativos para que este possa ser ouvido e alcançar uma grande parte do público almejado, seja

    através de rádios, televisão, jornais ou tantos outros, sendo este último o espaço de foco do

    nosso estudo.

    Neste estudo, nos debruçaremos na cronologiade 1905 a 1910, quando Arthur

    Bernardes assumiu a chefia do semanário Cidade da Viçosa e também momento em que o

    imaginário republicano encontrava-se em um intenso processo de construção. Esse período

    compreende a fase inicial da carreira política de Arthur da Silva Bernardes.

    Dessa forma, objetivamos compreender como se dava a manifestação do político no

    jornal chefiado por Arthur Bernardes, bem como o imaginário que era criado acerca da

    Primeira República, visando, assim, entender o funcionamento do sistema administrativo do

    município de Viçosa naquele tempo e compreender como se davam e como estavam as

    disputas de poder local.

    De acordo com Rosanvallon (2010, p. 12), o político, em sua compreensão inicial, era

    definido pelos estudiosos apenas como um fenômeno que ocorria no campo das elites. Mais

    tarde, o político, na visão de Remond (2010, pag 26), passa a ser interpretado através de um

    caráter multifacetado, mais autônomo, de forma ressignificada. Sendo assim, o objetivo da

    nova história política, como ainda esclarece Rosanvallon, consiste em identificar não somente

    as diversas “histórias” em torno das diferentes racionalidades políticas, mas também as

    alterações da vida pública em decorrência das transformações institucionais.

    * Mestranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pesquisa financiada pela CAPES.

    E-mail: [email protected]

  • 2

    A reflexão anteriormente exposta facilita nossos estudos, uma vez que, utilizamos a

    imprensa como fonte documental, o que nos permite captar as disputas políticas pelo poder

    local, alémde compreender os grupos oligárquicos que se organizavam, bem comoaté que

    ponto as alianças políticas não eram rompidas e quais interesses estariam em jogo para a

    ocorrência dessas cisões.

    Para realizar o estudo proposto, analisamos os jornais Cidade da Viçosa, no que toca

    ao período selecionado para estudo, nos quais buscamos por notícias referentes às disputas

    políticas locais, centradas em Arthur Bernardes, quando ele toma possedo cargo de vereador

    do distrito de Teixeiras pelo Partido Republicano Mineiro.

    Vale mencionar, por fim, que selecionamos leituras como as já referidas e outras que

    se fizeram relevantes no decorrer deste trabalho para nos auxiliar na análise, no entanto, este

    trabalho faz parte de uma pesquisa maior, ainda em execução, o que permite que ainda

    tenhamos um leque maior de leituras até o final da pesquisa.

    Arthur Bernardes, o início da sua vida pública e o imaginário republicano.

    O mineiro Arthur da Silva Bernardes nasceu no dia 8 de agosto de 1875 no município

    de Viçosa província de Minas Gerais, sendo filho do advogado Antônio da Silva Bernardes e

    Aniceta Pinto Bernardes. No final do ano de 1887, iniciou seus estudos no mesmo munícipio

    e mais adiante matriculou-se no tradicional Colégio do Caraça, localizado no atual município

    de Santa Barbara em Minas Gerais.Em 1899, Arthur Bernardes transferiu-se para a Faculdade

    de Direito de São Paulo. Em 1900, recebeu o diploma de bacharel em Direito e retornou a

    Viçosa, sua terra de origem.Em 1903, Bernardes casou-se com Clélia Vaz de Mello, filha do

    senador Carlos Vaz de Mello, proprietário do jornal Cidade da Viçosa. (Verbete Arthur

    Bernardes, cpdoc, 2001, 01)

    Tendo feito uma breve e relevante apresentação do político em foco, vamos adentrar

    nos ideais de imaginário, relevantes para nossa análise, De acordo com Nogueira (1990, p.

    79), o ideal de um povo vai ao encontro de um imaginário grande. Seria a facilidade de um

    povo se ver mais belo, maior que a realidade e mais poderoso. O imaginário, então, todas as

    possibilidades de buscar e realizar imagens sublimes de si mesmo. Neste sentido, é preciso

    uma imagem ideal que perdurará no tempo.

  • 3

    Levando em conta as ideias acima, é possível compreender que o imaginário pode

    estar ligado a projetos de nação, governos, regimes etc. Com a instauração da Primeira

    República brasileira não foi diferente. Um importante mecanismo de propagação dos ideais

    republicanos foi a imprensa. Para Robert Darton (1992, p.13), desde o século XVIII, a

    imprensa possui um papel de destaque na formação dos novos “espaços públicos”. Neste

    período, ocorreram as criações dos ambientes de leituras nos centros urbanos europeus. O

    surgimento de novos gêneros literários distantes dos religiosos foi um fator que contribuiu

    para a modificação do perfil dos leitores, sendo acompanhado pelo crescimento da

    alfabetização da população nos centros urbanos europeus.

    Os pequenos centros urbanos brasileiros também seguiam as vanguardas europeias. À

    vista disso, destacamos que a pequena cidade de Viçosa, situada na Zona da Mata mineira,

    detinha um semanário denominado Cidade da Viçosa, possuindo ligação direta com o Partido

    Republicano Mineiro (PRM). Buscaremos analisar a importância da imprensa na conjuntura

    política local, uma vez que a partir de 1905 o seu redator-chefe passa ser Arthur da Silva

    Bernardes. Com a chefia de Bernardes, o jornal começou a divulgar as ideias que

    interessavamàs oligarquias viçosenses.

    Segundo Lima (1983, p. 13), Carlos Vaz de Melo, sogro de Arthur Bernardes, oqueria

    projetá-lo na carreira política como deputado estatual, no entanto este preferiu disputar o

    cargo de vereador. Tal escolha pode ser interpretada pela grande importância política que os

    municípios possuíam naquele momento. Assim, é possível inferir que, iniciando sua carreira

    como vereador, seria mais fácil conquistar outros cargos eletivos.

    Inserido no meio político, ao assumir a chefia do Cidade da Viçosa, já na primeira

    edição de janeiro de 1905, Bernardes assinou um artigo defendendo seus ideais de revisão da

    Constituição de 1891:

    Assumindo hoje a redação da Cidade da Viçosa, não poderemos ser acusados de uma

    veleidade jornalística (...). Persuadido, como estamos, de que a Constituição de 24 de

    fevereiro, está errada em alguns pontos, e cumprindo que não se perpetuem esses erros

    como o nosso assentimento dará essa folha o encarniçado e impiedoso combate, à ideia,

    propugnada por alguns, de nada se alterar nesta lei fundamental, e assumirá, em

    consequência, feição francamente revisionista. (...) (Jornal Cidade da Viçosa, ed. 574, localizada no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa, grifo nosso).

  • 4

    A estreia de Bernardes no semanário foi marcada por seu posicionamento político

    favorável à revisão do texto Constitucional de 1891. Neste sentido, teria ele alguma intenção

    de aproximar de grupos específicos? Mais adiante, Bernardes procurou garantir que a lavoura,

    a indústria e o comércio teriam no semanário um destemido“defensor de seus direitos e um

    diligente reivindicador de seus privilégios e garantias1”, de acordo com o artigo tais classes

    mereciam toda a atenção dos poderes públicos. Qual seria o interesse do redator-chefe ao

    aproximar exclusivamente com esses três grupos? De acordo com José Murilo de Carvalho

    (1995, p.18) a temática de interesses do indivíduo e de grupos, nação, cidadania entrelaçados

    a uma ideia de República, fazia parte da construção dos ideários republicanos.

    As leituras dos artigos do semanário, até o memento, apontam que o redator do jornal

    Cidade daViçosaprocurou persuadir seusleitorespara umsuposto interesse da folha pelaluta do

    direito de “todos” e traria em suas edições “todas” as questões relacionadas aos “interesses

    públicos”. Tendo em vista tal argumento, o que o redator entende por “interesses públicos”?

    Seriam os interesses dos grupos dominantes de Viçosa? Também é salientada a importância da

    manutenção da ordem no interior do país, com o auxílioas forças produtoras e o ressurgimento

    de finanças para a formação de um Brasil próspero e rico. Neste sentido, podemos interpretar

    que Arthur Bernardes, a todo o momento, dirige seu apoio aos grupos dominantes de Viçosa.

    Ao final de seu primeiro artigo, Bernardes destacou o seu apoio à política implantada

    pelo Partido Republicano Mineiro (PRM) no município de Viçosa. O redator descreveu a

    política aplicada pelo partido na esfera municipal como liberal, ampla, tolerante e larga. Ainda

    de acordo com o artigo, o PRM estaria sempre aberto à cooperação daqueles que se

    interessassem pela vitória de seus ideais que eram ligadas diretamente com os interesses do

    município. Assim, dominar a escrita era uma forma de exercer podere o uso da imprensa

    ganhou um notório papel neste novo “espaço público” que surgia em meio às disputas de

    poder pelos grupos oligárquicos existentes.

    Desse modo, o semanário Cidade da Viçosa demonstra ter sido de extrema

    importância na fase inicial da carreira política de Arthur Bernardes, uma vez que ele mostrou

    seu apoio aos interesses dos diversos segmentos das oligarquias rurais de Viçosa.

    As construções de um imaginário político republicano

    1Jornal Cidade da Viçosa, ed574, localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.

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    A história política no século XIX privilegiava o campo das elites. Entretanto, a nova

    história política considera a manifestação do político em outros campos da sociedade. Desse

    modo, podemos pensar os primeiros passos da inserção política do mineiro Arthur Bernardes,

    estudando o momento em que assumiu a chefia do jornal Cidade da Viçosa, tendo assinado

    alguns artigos que dialogavam com grupos políticos específicos. Neste sentido, a

    ressignificação do conceito do político é interessante em nosso estudo pelo fato de almejarmos

    uma nova interpretação para Primeira República brasileira. Sendo assim, há indícios da

    manifestação do políticono jornal Cidade da Viçosa tendo em vista observamos a existência de

    notícias que mencionam disputas políticas entre as oligarquias rurais de Viçosa. E, ao mesmo

    tempo, percebemos que Arthur Bernardes procurava direcionar os artigos da seção Cidade da

    Viçosa na tentativa de dialogar com as demandas oligárquicas existentes no município.

    Assim sendo, Renato Lessa (1988, p. 13) argumenta que durante a Primeira República,

    particularmente no governo de Campos Sales, ficou muito perceptível a herança institucional

    deixada pelo Império. Para o autor, o golpe de 1889 foi marcado pela ausência do povo e de

    sentido, ou seja, os militares não fizeram um projeto de República, não havia uma ordem para

    o novo curso do Brasil.Na concepção do autor, um dos motivos do sucesso da monarquia nas

    incertezas políticas foi à criação do poder moderador, na qual, tecnicamente, o Imperador teria o

    controle de “todos” os conflitos políticos.A partir desse ponto de vistaé possível pensar os

    conflitos existentes nos diversos segmentos oligárquicos do município de Viçosa.

    Uma das primeiras iniciativas de Arthur Bernardes ao assumir a chefia do Cidade da

    Viçosa foi posiciona-se a favor da revisão da Constituição de 1891. Consta explicitamente no

    texto o conservadorismo elitista, ressaltando como exemplo a seção referente às Qualidades

    do Cidadão Brasileiro. Todavia, a carta magna faz referência aos cidadãos que não poderiam

    fazer alistamento eleitoral, entre eles: analfabetos, mendigos, praças de pré, excetuados os

    alunos das escolas militares de ensino superior, os religiosos sujeitos às regras de renúncia da

    liberdade individual, sendo inelegíveis os cidadãos não alistáveis (Constituição Federal do

    Brasil, 1891, Título IV, Seção I). Os demais artigos da lei concentram-se basicamente na

    organização do Estado. O modo de elaboração da referida Constituição poderia ser um dos

    motivos de Arthur Bernardes requerer a sua revisão, caminhando ao desencontro do dogma

    constitucional de inviolabilidade e intocabilidade da lei. Vale ressaltar que os direitos, os

    privilégios e os benefícios dos grupos oligárquicos não aparecem assegurados nos artigos de

    forma detalhada.

  • 6

    Após a promulgação da Constituição de 1891 surge oficialmente a Primeira República

    brasileira, posteriormente desconstruída e desqualificada por outros projetos de governo.

    Neste sentido, uma questão relevante é a reflexão acerca da construção da nomenclatura

    “República Velha”. A partir desta questão, Ângela de Castro Gomes, Martha Abreu (2009, p.

    01) e outros autores anteriores da geração de 702 levantaram alguns questionamentos em

    relação a tal terminologia, relacionando-a com o ato de detenção de poder com a finalidade da

    delimitação de espaço de tempo. As autoras argumentaram que a construção do termo foi

    realizada pelos ideólogos autoritários do Estado Novo. Logo, em um regime que por muito

    tempo a historiografia não considerava haver competição no processo eleitoral.

    Ao considerarmos que a abertura para as disputas políticas foram tão intensas que

    alcançaram o campo da memória, fica evidente que o Estado Novo buscava fortificar-se

    desqualificando totalmente os primórdios do regime republicano. Observamos que uso de tal

    recurso foi o meio de legitimação de seus programas de governo na esfera política, econômica

    e cultural. Até o momento de ruptura através do golpe do Estado Novo, todo o projeto

    republicano construído é tido como velho, retrógrado e ultrapassado. Por isso, a necessidade

    de uma revisão historiográfica que questione criticamente toda a memória construída até

    então.

    Sendo assim, é interessante levantar algumas questões dos artigos publicados no jornal

    Cidade da Viçosa, pois é evidente a disputa pela liderança local entre Arthur Bernardes e José

    Teotônio Pacheco. As eleições são muito destacadas nos artigos na primeira página do jornal,

    demonstrando um indício de sua importância.

    Logo, nosso estudo parte do pressuposto de que a Primeira República brasileira foi um

    momento de fortes disputas políticas entre as oligarquias existentes. Apesar da predominância

    de oligarquias rurais no cenário local, há indícios de segmentações entre elas, resultando em

    fortes disputas de poder no município que poderia extrapolar para os limites da federação.

    O imaginário político no Cidade da Viçosa

    Para melhor entendimento das manifestações políticas ocorridas no semanário,

    selecionamos a leitura da seção denominada Cidade da Viçosa. Neste espaço eram publicados

    os editoriais, alguns deles assinados por Arthur Bernardes. Com frequência, os editoriais

    2Em meados da década de 1970 os autores Edgar de Decca e Vesentini já realizaram esse apontamento.

  • 7

    estavam relacionados a assuntos ligados a política local, estadual e federal. A redação do

    jornal sempre procurava exaltar as ações do Partido Republicano Mineiro (PRM), atribuindo

    maior ênfase às notícias relacionadas ao município de Viçosa.

    Desse modo, encontramos muitas notícias referentes à atuação do Partido

    Republicano Mineiro. As notícias variavam correspondendo aos nomes dos candidatos para

    concorrerem às eleições pelo PRM, aos alistamentos dos eleitores e as convocações dos

    mesmos para a votação. Em vista do verificado, podemos perceber que existia uma grande

    preocupação do semanário no que se refere às eleições, consequentemente podemos pensar os

    conflitos políticos locais entre as elites de Viçosa.

    Em um estudo mais focado nas notícias da seção Cidade da Viçosa, percebemos a

    existência de conflitos políticos entre Teotônio Pacheco e Arthur Bernardes, redatores-chefes

    dos jornais A Reação e Cidade da Viçosa, respectivamente. Portanto, Bernardes passou a

    representar o Partido Republicano Mineiro em Viçosa, tal representação ocorreu após o

    falecimento de seu sogro o senador Carlos Vaz de Mello. José Teotônio Pacheco era também

    advogado e foi eleito deputado geral pelo Partido Liberal no ano de 1889 pelo distrito da

    Província de Minas. De acordo com Alberto Lima (1983,14), após o rompimento de

    Bernardes e Pacheco, Viçosa ficou dividida entre Bernadistas e Pachequistas. Tal cisão

    resultou em disputas no campo da imprensa.

    Respingando. (...) O sr. Araújo Junior sempre fez neste município oposição ao Senador

    Vaz de Mello e ao dr. Pacheco. Ao senador Vaz de Mello oposição política; ao dr.

    Pacheco, política e pessoal. Falece, porém, o Senador Vaz de Mello; substituem-lhe na

    direção da política seu filho e genro; dr. Pacheco, separa-se na política do filho e genro

    daquele Senador e funda um partido de oposição. O sr. Araújo Junior mantendo-se, se

    mentem, contra o dr. Pacheco está em concorrência consigo mesmo, e ligando-se com o

    partido do dr. Arthur Bernardes e outros contra o dr. Pacheco, continua ainda nessa

    concorrência que não se quebrou. Desapareceu um chefe a quem fez oposição, mas resta

    ainda o outro, o dr. Pacheco (Jornal Cidade da Viçosa. Ed 643. 1906. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.

    A oposição política liderada por Pacheco resultou na criação do jornal A Reação no

    ano de 1905. Por consequência, o Cidade da Viçosa, de acordo com primeira edição sob a

    chefia de Arthur Bernardes, afirmava ser um jornal tolerante e com o compromisso com a

    verdade, noticiava a estreia do referido jornal:

    A Reação

  • 8

    Surgiu nesta cidade no dia 14 corrente um novo órgão de publicidade, cujo nome se vê

    acima do qual é diretor o sr. Antônio F. Galvão, diretor político o sr. Dr. José Teotônio

    Pacheco e o sr. Major Francisco Eugenio Dias de Carvalho. O novo jornal intitula-se

    órgão do interesse do povo, e não diz politicamente falando, se apoia ou não o regime

    republicano... promete não engrossa e assevera que não aspira os bafejos oficiais. Fala

    também da má direção de antigos chefes políticos davam aos negócios públicos neste

    município, e que só agora se pretende corrigir. Ao novo colega desejamos vida longa e

    próspera. (grifos meus). (Jornal Cidade da Viçosa.Ed 599. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.

    Percebemos que ao noticiar o aparecimento do periódico A Reação, o jornal Cidade

    daViçosa já questionava a orientação política do mesmo. Neste sentido, seria uma tática do

    redator republicano Artur Bernardes de semear dúvidas aos seus leitores? Em que implicaria a

    orientação política do A Reação? Assim, o Cidade da Viçosa iniciou ataques contra a folha

    dirigida por Teotônio Pacheco. O semanário justificativa as ofensas como uma forma de

    defender-se de acusações políticas “infundadas” pelo jornal A Reação. Sendo assim, na seção

    nº 642 de julho de 1906 foi aberta uma coluna, assinada por Dr. Zeb,no interior da seção

    Cidade da Viçosa com a finalidade de discorrer sobre as eleições para o cargo de vereador

    geral.

    Dado o exposto, podemos perceber a relevância política que era projetada no cargo de

    vereador geral. Tal relevância seria pela grande importância que o município apresentava

    naquele momento e o vereador geral teria espaço e proximidade para dialogar com grupos

    oligárquicos existentes? Ser eleito para o referido cargo poderia significar a chave de entrada

    para outros cargos eletivos de maior magnitude? Essas questões são muito importantes no

    desenvolvimento do nosso estudo, pois foram encontradas quantidades significativas de artigos

    sobre as eleições para o cargo de vereador geral. Tais achados sugerem valor, tendo em vista

    que os momentos de grandes disputas entre os redatores Arthur Bernardes e Teotônio Pacheco

    ocorreram na época das eleições. Naquele contexto seguia-se os conflitos políticos e com

    frequência o Cidade da Viçosa procurava desqualificar o jornal A Reação colocando-o no

    patamar de “falsa imprensa”.

    Falsa imprensa. “(...) missão primordial de uma imprensa seria, patriótica e honesta, e

    fomentar o progresso de todos os elementos que rodeiam e compõem o meio que ela se

    exercita (...) falsos pregoeiros declamar (sic) pelas colunas dos jornais que hão

    deaconselhar o povo de lançar mão de meios violentos para se obter dos poderes públicos

    a satisfação de necessidades (...) A essa só pode apelidar de falsa imprensa. Jornal Cidade da Viçosa (Ed 602. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de

    Viçosa.

  • 9

    É interessante refletirmos o porquê do redator do Cidade da Viçosa utilizar repetidas

    vezes em um mesmo artigo a palavra “falso”. Por que o seu ponto de ataque ao inimigo vai ao

    sentido do questionamento da “verdade” de seus discursos? Quais seriam os conselhos

    violentos? Na tentativa de responder algumas questões, após a leitura do jornal Cidade da

    Viçosa foi selecionado alguns trechos que aparentam indícios de disputas entre os dois redatores

    locais e os “maus conselhos” da A Reação ao povo.

    Seção: Cidade da Viçosa. Título: Aquilo não é imprensa. (...) “A Reação é a que há em vão

    toda a sua vida para justificar o procedimento do seu chefe, aconselhando o povo, de casa

    em casa, pelas ruas, a revolta contra o imposto”. Jornal Cidade da Viçosa(Ed 707. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.

    Dentre as inúmeras interpretações aos ataques, é interessante partirmos do ponto da

    desqualificação da folha concorrente como “falsa”, uma vez que o ataque da oposição é direto

    nas receitas do governo municipal, ou seja, nos impostos. Ao aconselhar o povo a não pagar

    os impostos a administração do PRM tornou-se dificultosa no município, consequentemente

    atingiu diretamente o jornal Cidade da Viçosa que se denomina “Órgão do Partido

    Republicano Mineiro”, sendo acusada pelo A Reação de manter-se com recursos da Câmara,

    devido as publicações de atas e outras notícias relacionadas ao erário.

    Neste momento,A Reaçãoiniciou uma campanha de incentivo ao não pagamento de

    impostos perdurou por um longo tempo, resultando em atitudes drásticas por parte da

    administração pública. Como é mencionado no artigo destacado a Câmara de Viçosa iniciou a

    execução contra vários contribuintes inadimplentes, dentre eles, A Reação. Desse modo, a

    campanha anti-impostos promovida pela oposição aponta para uma quebra de harmonia entre

    os diversos grupos do município de Viçosa. Por consequência, os eleitores oposicionistas que

    não enfrentavam a gestão atual de forma mais agressiva, passaram a sofrer os efeitos das

    execuções da Câmara, gerando desconforto entre ambos os lados.

    Neste sentido, em todo processo eleitoral percebemos a presença de conflitos políticos

    entre os redatores dos jornais Cidade da Viçosa e A Reação. Das notícias encontradas,

    verificamos a importância dada ao cargo de vereador. Logo, podemos refletir acerca da

    escolha de Arthur Bernardes em optar por iniciar sua carreira política no legislativo

    municipal, e por não aceitar auxilio do seu sogro Vaz Mello na disputa pelo cargo de

  • 10

    deputado. Uma das possíveis interpretações para tal escolha seria o fato de que a função de

    vereador ajudaria estreitar os laços políticos com seus correligionários e a fazer alianças mais

    fortes com as elites viçosenses, consolidando a sua base política, para posteriormente projetar-

    se rumo a outros cargos eletivos em esferas diferentes do Estado.

    Conclusões

    Com base nas análises realizadas até aqui, foi possível observarmos alguns pontos

    marcantes e de grande relevância para nossa pesquisa. O primeiro deles é que, na seção: Cidade

    da Viçosa, nos diálogos do seu redator-chefe com alguns grupos dominantes locais, foi

    marcante a presença das alianças oligárquicas representadas pelos maiores produtores rurais do

    município e região. O que é, no mínimo, curioso, visto que há indícios de que o destaque para

    grupos de indivíduos faziam parte do imaginário republicano.

    Sendo assim, uma das possíveis interpretações para a inserção política de Arthur

    Bernardes deve-se à visível aproximação deste com os grupos locais, uma vez que, na Primeira

    República, o município era fundamental no processo de consolidação do poder, pois havia a

    existência de chefes locais que eram extremamente influentes na política.

    Desse modo, no momento que Arthur Bernardes escolheu iniciar sua carreira política

    como vereador pelo distrito de Teixeiras, pertencente à Viçosa e, consequentemente, pelo seu

    engajamento no Partido Republicano Mineiro, tornando-se presidente da Câmara de Viçosa,

    ocasionou divergências políticas com o antigo chefe-local, antigo aliado da família de

    Bernardes e do senador Vaz de Mello, José Teotônio Pacheco. Este como forma de propagar

    seus ideais políticos e combater a consolidação da chefia local de Arthur Bernardes, fundou o

    jornal A Reação com a denominação de “Órgão do interesse do povo”. Por sua vez, o opositor

    não demonstrou se era favorável ao republicanismo, segundo biografias era um político ligado à

    monarquia.

    Percebemos também na leitura da seção Cidade da Viçosa que os editoriais estavam

    constantemente voltados para notícias políticas, por isso ocorreu a abertura de uma coluna

    especial denominada de “Respingando” com o objetivo de combater os ataques do diretor

    político de A Reação, Teotônio Pacheco. Também era objetivo atacar a folha por meio de suas

    justificativas, sempre denominando o concorrente de “falsa imprensa”.

  • 11

    Os embates entre os dois redatores-chefes ocorreram durante e após todo o processo

    eleitoral. Verificamos que na eleição para vereador no ano de 1906, ocorreu a vitória do

    candidato do Partido Republicano Mineiro, apoiado por Arthur Bernardes. Não satisfeito com o

    resultado, Pacheco entra em cena atacando o candidato vitorioso e colocando em dúvidas toda a

    eleição, além de constantemente acusar os republicanos de maus gestores. Contudo, o estudo do

    semanário Cidade da Viçosa nos permite entender, de maneira mais clara, as disputas políticas

    que ocorriam nos municípios na Primeira República brasileira e, por consequência,

    compreender melhor a inserção de Arthur Bernardes na política mineira.

    Referências

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    Ed. FGV. 2015.

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