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O IMAGINÁRIO REPUBLICANO ATRAVÉS DA IMPRENSA NO
INÍCIO SÉCULO XX: ARTHUR BERNARDES E AS DISPUTAS
OLIGÁRQUICAS.
Natália Fraga de Oliveira*
.
Introdução
A imprensa, desde muito tempo, é um espaço de manifestações variadas, aberto a um
público extenso, dentre eles o político. A imprensa, claramente, é um dos espaços mais
atrativos para que este possa ser ouvido e alcançar uma grande parte do público almejado, seja
através de rádios, televisão, jornais ou tantos outros, sendo este último o espaço de foco do
nosso estudo.
Neste estudo, nos debruçaremos na cronologiade 1905 a 1910, quando Arthur
Bernardes assumiu a chefia do semanário Cidade da Viçosa e também momento em que o
imaginário republicano encontrava-se em um intenso processo de construção. Esse período
compreende a fase inicial da carreira política de Arthur da Silva Bernardes.
Dessa forma, objetivamos compreender como se dava a manifestação do político no
jornal chefiado por Arthur Bernardes, bem como o imaginário que era criado acerca da
Primeira República, visando, assim, entender o funcionamento do sistema administrativo do
município de Viçosa naquele tempo e compreender como se davam e como estavam as
disputas de poder local.
De acordo com Rosanvallon (2010, p. 12), o político, em sua compreensão inicial, era
definido pelos estudiosos apenas como um fenômeno que ocorria no campo das elites. Mais
tarde, o político, na visão de Remond (2010, pag 26), passa a ser interpretado através de um
caráter multifacetado, mais autônomo, de forma ressignificada. Sendo assim, o objetivo da
nova história política, como ainda esclarece Rosanvallon, consiste em identificar não somente
as diversas “histórias” em torno das diferentes racionalidades políticas, mas também as
alterações da vida pública em decorrência das transformações institucionais.
* Mestranda em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Pesquisa financiada pela CAPES.
E-mail: [email protected]
2
A reflexão anteriormente exposta facilita nossos estudos, uma vez que, utilizamos a
imprensa como fonte documental, o que nos permite captar as disputas políticas pelo poder
local, alémde compreender os grupos oligárquicos que se organizavam, bem comoaté que
ponto as alianças políticas não eram rompidas e quais interesses estariam em jogo para a
ocorrência dessas cisões.
Para realizar o estudo proposto, analisamos os jornais Cidade da Viçosa, no que toca
ao período selecionado para estudo, nos quais buscamos por notícias referentes às disputas
políticas locais, centradas em Arthur Bernardes, quando ele toma possedo cargo de vereador
do distrito de Teixeiras pelo Partido Republicano Mineiro.
Vale mencionar, por fim, que selecionamos leituras como as já referidas e outras que
se fizeram relevantes no decorrer deste trabalho para nos auxiliar na análise, no entanto, este
trabalho faz parte de uma pesquisa maior, ainda em execução, o que permite que ainda
tenhamos um leque maior de leituras até o final da pesquisa.
Arthur Bernardes, o início da sua vida pública e o imaginário republicano.
O mineiro Arthur da Silva Bernardes nasceu no dia 8 de agosto de 1875 no município
de Viçosa província de Minas Gerais, sendo filho do advogado Antônio da Silva Bernardes e
Aniceta Pinto Bernardes. No final do ano de 1887, iniciou seus estudos no mesmo munícipio
e mais adiante matriculou-se no tradicional Colégio do Caraça, localizado no atual município
de Santa Barbara em Minas Gerais.Em 1899, Arthur Bernardes transferiu-se para a Faculdade
de Direito de São Paulo. Em 1900, recebeu o diploma de bacharel em Direito e retornou a
Viçosa, sua terra de origem.Em 1903, Bernardes casou-se com Clélia Vaz de Mello, filha do
senador Carlos Vaz de Mello, proprietário do jornal Cidade da Viçosa. (Verbete Arthur
Bernardes, cpdoc, 2001, 01)
Tendo feito uma breve e relevante apresentação do político em foco, vamos adentrar
nos ideais de imaginário, relevantes para nossa análise, De acordo com Nogueira (1990, p.
79), o ideal de um povo vai ao encontro de um imaginário grande. Seria a facilidade de um
povo se ver mais belo, maior que a realidade e mais poderoso. O imaginário, então, todas as
possibilidades de buscar e realizar imagens sublimes de si mesmo. Neste sentido, é preciso
uma imagem ideal que perdurará no tempo.
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Levando em conta as ideias acima, é possível compreender que o imaginário pode
estar ligado a projetos de nação, governos, regimes etc. Com a instauração da Primeira
República brasileira não foi diferente. Um importante mecanismo de propagação dos ideais
republicanos foi a imprensa. Para Robert Darton (1992, p.13), desde o século XVIII, a
imprensa possui um papel de destaque na formação dos novos “espaços públicos”. Neste
período, ocorreram as criações dos ambientes de leituras nos centros urbanos europeus. O
surgimento de novos gêneros literários distantes dos religiosos foi um fator que contribuiu
para a modificação do perfil dos leitores, sendo acompanhado pelo crescimento da
alfabetização da população nos centros urbanos europeus.
Os pequenos centros urbanos brasileiros também seguiam as vanguardas europeias. À
vista disso, destacamos que a pequena cidade de Viçosa, situada na Zona da Mata mineira,
detinha um semanário denominado Cidade da Viçosa, possuindo ligação direta com o Partido
Republicano Mineiro (PRM). Buscaremos analisar a importância da imprensa na conjuntura
política local, uma vez que a partir de 1905 o seu redator-chefe passa ser Arthur da Silva
Bernardes. Com a chefia de Bernardes, o jornal começou a divulgar as ideias que
interessavamàs oligarquias viçosenses.
Segundo Lima (1983, p. 13), Carlos Vaz de Melo, sogro de Arthur Bernardes, oqueria
projetá-lo na carreira política como deputado estatual, no entanto este preferiu disputar o
cargo de vereador. Tal escolha pode ser interpretada pela grande importância política que os
municípios possuíam naquele momento. Assim, é possível inferir que, iniciando sua carreira
como vereador, seria mais fácil conquistar outros cargos eletivos.
Inserido no meio político, ao assumir a chefia do Cidade da Viçosa, já na primeira
edição de janeiro de 1905, Bernardes assinou um artigo defendendo seus ideais de revisão da
Constituição de 1891:
Assumindo hoje a redação da Cidade da Viçosa, não poderemos ser acusados de uma
veleidade jornalística (...). Persuadido, como estamos, de que a Constituição de 24 de
fevereiro, está errada em alguns pontos, e cumprindo que não se perpetuem esses erros
como o nosso assentimento dará essa folha o encarniçado e impiedoso combate, à ideia,
propugnada por alguns, de nada se alterar nesta lei fundamental, e assumirá, em
consequência, feição francamente revisionista. (...) (Jornal Cidade da Viçosa, ed. 574, localizada no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa, grifo nosso).
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A estreia de Bernardes no semanário foi marcada por seu posicionamento político
favorável à revisão do texto Constitucional de 1891. Neste sentido, teria ele alguma intenção
de aproximar de grupos específicos? Mais adiante, Bernardes procurou garantir que a lavoura,
a indústria e o comércio teriam no semanário um destemido“defensor de seus direitos e um
diligente reivindicador de seus privilégios e garantias1”, de acordo com o artigo tais classes
mereciam toda a atenção dos poderes públicos. Qual seria o interesse do redator-chefe ao
aproximar exclusivamente com esses três grupos? De acordo com José Murilo de Carvalho
(1995, p.18) a temática de interesses do indivíduo e de grupos, nação, cidadania entrelaçados
a uma ideia de República, fazia parte da construção dos ideários republicanos.
As leituras dos artigos do semanário, até o memento, apontam que o redator do jornal
Cidade daViçosaprocurou persuadir seusleitorespara umsuposto interesse da folha pelaluta do
direito de “todos” e traria em suas edições “todas” as questões relacionadas aos “interesses
públicos”. Tendo em vista tal argumento, o que o redator entende por “interesses públicos”?
Seriam os interesses dos grupos dominantes de Viçosa? Também é salientada a importância da
manutenção da ordem no interior do país, com o auxílioas forças produtoras e o ressurgimento
de finanças para a formação de um Brasil próspero e rico. Neste sentido, podemos interpretar
que Arthur Bernardes, a todo o momento, dirige seu apoio aos grupos dominantes de Viçosa.
Ao final de seu primeiro artigo, Bernardes destacou o seu apoio à política implantada
pelo Partido Republicano Mineiro (PRM) no município de Viçosa. O redator descreveu a
política aplicada pelo partido na esfera municipal como liberal, ampla, tolerante e larga. Ainda
de acordo com o artigo, o PRM estaria sempre aberto à cooperação daqueles que se
interessassem pela vitória de seus ideais que eram ligadas diretamente com os interesses do
município. Assim, dominar a escrita era uma forma de exercer podere o uso da imprensa
ganhou um notório papel neste novo “espaço público” que surgia em meio às disputas de
poder pelos grupos oligárquicos existentes.
Desse modo, o semanário Cidade da Viçosa demonstra ter sido de extrema
importância na fase inicial da carreira política de Arthur Bernardes, uma vez que ele mostrou
seu apoio aos interesses dos diversos segmentos das oligarquias rurais de Viçosa.
As construções de um imaginário político republicano
1Jornal Cidade da Viçosa, ed574, localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.
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A história política no século XIX privilegiava o campo das elites. Entretanto, a nova
história política considera a manifestação do político em outros campos da sociedade. Desse
modo, podemos pensar os primeiros passos da inserção política do mineiro Arthur Bernardes,
estudando o momento em que assumiu a chefia do jornal Cidade da Viçosa, tendo assinado
alguns artigos que dialogavam com grupos políticos específicos. Neste sentido, a
ressignificação do conceito do político é interessante em nosso estudo pelo fato de almejarmos
uma nova interpretação para Primeira República brasileira. Sendo assim, há indícios da
manifestação do políticono jornal Cidade da Viçosa tendo em vista observamos a existência de
notícias que mencionam disputas políticas entre as oligarquias rurais de Viçosa. E, ao mesmo
tempo, percebemos que Arthur Bernardes procurava direcionar os artigos da seção Cidade da
Viçosa na tentativa de dialogar com as demandas oligárquicas existentes no município.
Assim sendo, Renato Lessa (1988, p. 13) argumenta que durante a Primeira República,
particularmente no governo de Campos Sales, ficou muito perceptível a herança institucional
deixada pelo Império. Para o autor, o golpe de 1889 foi marcado pela ausência do povo e de
sentido, ou seja, os militares não fizeram um projeto de República, não havia uma ordem para
o novo curso do Brasil.Na concepção do autor, um dos motivos do sucesso da monarquia nas
incertezas políticas foi à criação do poder moderador, na qual, tecnicamente, o Imperador teria o
controle de “todos” os conflitos políticos.A partir desse ponto de vistaé possível pensar os
conflitos existentes nos diversos segmentos oligárquicos do município de Viçosa.
Uma das primeiras iniciativas de Arthur Bernardes ao assumir a chefia do Cidade da
Viçosa foi posiciona-se a favor da revisão da Constituição de 1891. Consta explicitamente no
texto o conservadorismo elitista, ressaltando como exemplo a seção referente às Qualidades
do Cidadão Brasileiro. Todavia, a carta magna faz referência aos cidadãos que não poderiam
fazer alistamento eleitoral, entre eles: analfabetos, mendigos, praças de pré, excetuados os
alunos das escolas militares de ensino superior, os religiosos sujeitos às regras de renúncia da
liberdade individual, sendo inelegíveis os cidadãos não alistáveis (Constituição Federal do
Brasil, 1891, Título IV, Seção I). Os demais artigos da lei concentram-se basicamente na
organização do Estado. O modo de elaboração da referida Constituição poderia ser um dos
motivos de Arthur Bernardes requerer a sua revisão, caminhando ao desencontro do dogma
constitucional de inviolabilidade e intocabilidade da lei. Vale ressaltar que os direitos, os
privilégios e os benefícios dos grupos oligárquicos não aparecem assegurados nos artigos de
forma detalhada.
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Após a promulgação da Constituição de 1891 surge oficialmente a Primeira República
brasileira, posteriormente desconstruída e desqualificada por outros projetos de governo.
Neste sentido, uma questão relevante é a reflexão acerca da construção da nomenclatura
“República Velha”. A partir desta questão, Ângela de Castro Gomes, Martha Abreu (2009, p.
01) e outros autores anteriores da geração de 702 levantaram alguns questionamentos em
relação a tal terminologia, relacionando-a com o ato de detenção de poder com a finalidade da
delimitação de espaço de tempo. As autoras argumentaram que a construção do termo foi
realizada pelos ideólogos autoritários do Estado Novo. Logo, em um regime que por muito
tempo a historiografia não considerava haver competição no processo eleitoral.
Ao considerarmos que a abertura para as disputas políticas foram tão intensas que
alcançaram o campo da memória, fica evidente que o Estado Novo buscava fortificar-se
desqualificando totalmente os primórdios do regime republicano. Observamos que uso de tal
recurso foi o meio de legitimação de seus programas de governo na esfera política, econômica
e cultural. Até o momento de ruptura através do golpe do Estado Novo, todo o projeto
republicano construído é tido como velho, retrógrado e ultrapassado. Por isso, a necessidade
de uma revisão historiográfica que questione criticamente toda a memória construída até
então.
Sendo assim, é interessante levantar algumas questões dos artigos publicados no jornal
Cidade da Viçosa, pois é evidente a disputa pela liderança local entre Arthur Bernardes e José
Teotônio Pacheco. As eleições são muito destacadas nos artigos na primeira página do jornal,
demonstrando um indício de sua importância.
Logo, nosso estudo parte do pressuposto de que a Primeira República brasileira foi um
momento de fortes disputas políticas entre as oligarquias existentes. Apesar da predominância
de oligarquias rurais no cenário local, há indícios de segmentações entre elas, resultando em
fortes disputas de poder no município que poderia extrapolar para os limites da federação.
O imaginário político no Cidade da Viçosa
Para melhor entendimento das manifestações políticas ocorridas no semanário,
selecionamos a leitura da seção denominada Cidade da Viçosa. Neste espaço eram publicados
os editoriais, alguns deles assinados por Arthur Bernardes. Com frequência, os editoriais
2Em meados da década de 1970 os autores Edgar de Decca e Vesentini já realizaram esse apontamento.
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estavam relacionados a assuntos ligados a política local, estadual e federal. A redação do
jornal sempre procurava exaltar as ações do Partido Republicano Mineiro (PRM), atribuindo
maior ênfase às notícias relacionadas ao município de Viçosa.
Desse modo, encontramos muitas notícias referentes à atuação do Partido
Republicano Mineiro. As notícias variavam correspondendo aos nomes dos candidatos para
concorrerem às eleições pelo PRM, aos alistamentos dos eleitores e as convocações dos
mesmos para a votação. Em vista do verificado, podemos perceber que existia uma grande
preocupação do semanário no que se refere às eleições, consequentemente podemos pensar os
conflitos políticos locais entre as elites de Viçosa.
Em um estudo mais focado nas notícias da seção Cidade da Viçosa, percebemos a
existência de conflitos políticos entre Teotônio Pacheco e Arthur Bernardes, redatores-chefes
dos jornais A Reação e Cidade da Viçosa, respectivamente. Portanto, Bernardes passou a
representar o Partido Republicano Mineiro em Viçosa, tal representação ocorreu após o
falecimento de seu sogro o senador Carlos Vaz de Mello. José Teotônio Pacheco era também
advogado e foi eleito deputado geral pelo Partido Liberal no ano de 1889 pelo distrito da
Província de Minas. De acordo com Alberto Lima (1983,14), após o rompimento de
Bernardes e Pacheco, Viçosa ficou dividida entre Bernadistas e Pachequistas. Tal cisão
resultou em disputas no campo da imprensa.
Respingando. (...) O sr. Araújo Junior sempre fez neste município oposição ao Senador
Vaz de Mello e ao dr. Pacheco. Ao senador Vaz de Mello oposição política; ao dr.
Pacheco, política e pessoal. Falece, porém, o Senador Vaz de Mello; substituem-lhe na
direção da política seu filho e genro; dr. Pacheco, separa-se na política do filho e genro
daquele Senador e funda um partido de oposição. O sr. Araújo Junior mantendo-se, se
mentem, contra o dr. Pacheco está em concorrência consigo mesmo, e ligando-se com o
partido do dr. Arthur Bernardes e outros contra o dr. Pacheco, continua ainda nessa
concorrência que não se quebrou. Desapareceu um chefe a quem fez oposição, mas resta
ainda o outro, o dr. Pacheco (Jornal Cidade da Viçosa. Ed 643. 1906. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.
A oposição política liderada por Pacheco resultou na criação do jornal A Reação no
ano de 1905. Por consequência, o Cidade da Viçosa, de acordo com primeira edição sob a
chefia de Arthur Bernardes, afirmava ser um jornal tolerante e com o compromisso com a
verdade, noticiava a estreia do referido jornal:
A Reação
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Surgiu nesta cidade no dia 14 corrente um novo órgão de publicidade, cujo nome se vê
acima do qual é diretor o sr. Antônio F. Galvão, diretor político o sr. Dr. José Teotônio
Pacheco e o sr. Major Francisco Eugenio Dias de Carvalho. O novo jornal intitula-se
órgão do interesse do povo, e não diz politicamente falando, se apoia ou não o regime
republicano... promete não engrossa e assevera que não aspira os bafejos oficiais. Fala
também da má direção de antigos chefes políticos davam aos negócios públicos neste
município, e que só agora se pretende corrigir. Ao novo colega desejamos vida longa e
próspera. (grifos meus). (Jornal Cidade da Viçosa.Ed 599. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.
Percebemos que ao noticiar o aparecimento do periódico A Reação, o jornal Cidade
daViçosa já questionava a orientação política do mesmo. Neste sentido, seria uma tática do
redator republicano Artur Bernardes de semear dúvidas aos seus leitores? Em que implicaria a
orientação política do A Reação? Assim, o Cidade da Viçosa iniciou ataques contra a folha
dirigida por Teotônio Pacheco. O semanário justificativa as ofensas como uma forma de
defender-se de acusações políticas “infundadas” pelo jornal A Reação. Sendo assim, na seção
nº 642 de julho de 1906 foi aberta uma coluna, assinada por Dr. Zeb,no interior da seção
Cidade da Viçosa com a finalidade de discorrer sobre as eleições para o cargo de vereador
geral.
Dado o exposto, podemos perceber a relevância política que era projetada no cargo de
vereador geral. Tal relevância seria pela grande importância que o município apresentava
naquele momento e o vereador geral teria espaço e proximidade para dialogar com grupos
oligárquicos existentes? Ser eleito para o referido cargo poderia significar a chave de entrada
para outros cargos eletivos de maior magnitude? Essas questões são muito importantes no
desenvolvimento do nosso estudo, pois foram encontradas quantidades significativas de artigos
sobre as eleições para o cargo de vereador geral. Tais achados sugerem valor, tendo em vista
que os momentos de grandes disputas entre os redatores Arthur Bernardes e Teotônio Pacheco
ocorreram na época das eleições. Naquele contexto seguia-se os conflitos políticos e com
frequência o Cidade da Viçosa procurava desqualificar o jornal A Reação colocando-o no
patamar de “falsa imprensa”.
Falsa imprensa. “(...) missão primordial de uma imprensa seria, patriótica e honesta, e
fomentar o progresso de todos os elementos que rodeiam e compõem o meio que ela se
exercita (...) falsos pregoeiros declamar (sic) pelas colunas dos jornais que hão
deaconselhar o povo de lançar mão de meios violentos para se obter dos poderes públicos
a satisfação de necessidades (...) A essa só pode apelidar de falsa imprensa. Jornal Cidade da Viçosa (Ed 602. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de
Viçosa.
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É interessante refletirmos o porquê do redator do Cidade da Viçosa utilizar repetidas
vezes em um mesmo artigo a palavra “falso”. Por que o seu ponto de ataque ao inimigo vai ao
sentido do questionamento da “verdade” de seus discursos? Quais seriam os conselhos
violentos? Na tentativa de responder algumas questões, após a leitura do jornal Cidade da
Viçosa foi selecionado alguns trechos que aparentam indícios de disputas entre os dois redatores
locais e os “maus conselhos” da A Reação ao povo.
Seção: Cidade da Viçosa. Título: Aquilo não é imprensa. (...) “A Reação é a que há em vão
toda a sua vida para justificar o procedimento do seu chefe, aconselhando o povo, de casa
em casa, pelas ruas, a revolta contra o imposto”. Jornal Cidade da Viçosa(Ed 707. 1905. Localizado no Arquivo Central Histórico da Universidade Federal de Viçosa.
Dentre as inúmeras interpretações aos ataques, é interessante partirmos do ponto da
desqualificação da folha concorrente como “falsa”, uma vez que o ataque da oposição é direto
nas receitas do governo municipal, ou seja, nos impostos. Ao aconselhar o povo a não pagar
os impostos a administração do PRM tornou-se dificultosa no município, consequentemente
atingiu diretamente o jornal Cidade da Viçosa que se denomina “Órgão do Partido
Republicano Mineiro”, sendo acusada pelo A Reação de manter-se com recursos da Câmara,
devido as publicações de atas e outras notícias relacionadas ao erário.
Neste momento,A Reaçãoiniciou uma campanha de incentivo ao não pagamento de
impostos perdurou por um longo tempo, resultando em atitudes drásticas por parte da
administração pública. Como é mencionado no artigo destacado a Câmara de Viçosa iniciou a
execução contra vários contribuintes inadimplentes, dentre eles, A Reação. Desse modo, a
campanha anti-impostos promovida pela oposição aponta para uma quebra de harmonia entre
os diversos grupos do município de Viçosa. Por consequência, os eleitores oposicionistas que
não enfrentavam a gestão atual de forma mais agressiva, passaram a sofrer os efeitos das
execuções da Câmara, gerando desconforto entre ambos os lados.
Neste sentido, em todo processo eleitoral percebemos a presença de conflitos políticos
entre os redatores dos jornais Cidade da Viçosa e A Reação. Das notícias encontradas,
verificamos a importância dada ao cargo de vereador. Logo, podemos refletir acerca da
escolha de Arthur Bernardes em optar por iniciar sua carreira política no legislativo
municipal, e por não aceitar auxilio do seu sogro Vaz Mello na disputa pelo cargo de
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deputado. Uma das possíveis interpretações para tal escolha seria o fato de que a função de
vereador ajudaria estreitar os laços políticos com seus correligionários e a fazer alianças mais
fortes com as elites viçosenses, consolidando a sua base política, para posteriormente projetar-
se rumo a outros cargos eletivos em esferas diferentes do Estado.
Conclusões
Com base nas análises realizadas até aqui, foi possível observarmos alguns pontos
marcantes e de grande relevância para nossa pesquisa. O primeiro deles é que, na seção: Cidade
da Viçosa, nos diálogos do seu redator-chefe com alguns grupos dominantes locais, foi
marcante a presença das alianças oligárquicas representadas pelos maiores produtores rurais do
município e região. O que é, no mínimo, curioso, visto que há indícios de que o destaque para
grupos de indivíduos faziam parte do imaginário republicano.
Sendo assim, uma das possíveis interpretações para a inserção política de Arthur
Bernardes deve-se à visível aproximação deste com os grupos locais, uma vez que, na Primeira
República, o município era fundamental no processo de consolidação do poder, pois havia a
existência de chefes locais que eram extremamente influentes na política.
Desse modo, no momento que Arthur Bernardes escolheu iniciar sua carreira política
como vereador pelo distrito de Teixeiras, pertencente à Viçosa e, consequentemente, pelo seu
engajamento no Partido Republicano Mineiro, tornando-se presidente da Câmara de Viçosa,
ocasionou divergências políticas com o antigo chefe-local, antigo aliado da família de
Bernardes e do senador Vaz de Mello, José Teotônio Pacheco. Este como forma de propagar
seus ideais políticos e combater a consolidação da chefia local de Arthur Bernardes, fundou o
jornal A Reação com a denominação de “Órgão do interesse do povo”. Por sua vez, o opositor
não demonstrou se era favorável ao republicanismo, segundo biografias era um político ligado à
monarquia.
Percebemos também na leitura da seção Cidade da Viçosa que os editoriais estavam
constantemente voltados para notícias políticas, por isso ocorreu a abertura de uma coluna
especial denominada de “Respingando” com o objetivo de combater os ataques do diretor
político de A Reação, Teotônio Pacheco. Também era objetivo atacar a folha por meio de suas
justificativas, sempre denominando o concorrente de “falsa imprensa”.
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Os embates entre os dois redatores-chefes ocorreram durante e após todo o processo
eleitoral. Verificamos que na eleição para vereador no ano de 1906, ocorreu a vitória do
candidato do Partido Republicano Mineiro, apoiado por Arthur Bernardes. Não satisfeito com o
resultado, Pacheco entra em cena atacando o candidato vitorioso e colocando em dúvidas toda a
eleição, além de constantemente acusar os republicanos de maus gestores. Contudo, o estudo do
semanário Cidade da Viçosa nos permite entender, de maneira mais clara, as disputas políticas
que ocorriam nos municípios na Primeira República brasileira e, por consequência,
compreender melhor a inserção de Arthur Bernardes na política mineira.
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12
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em:. Acesso em: 10 set. 2017.