70
81 SIMPÓSIO SIMPÓSIO SIMPÓSIO SIMPÓSIO SIMPÓSIO 6 O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES Ângela Paiva Dionísio Kazumi Munakata Márcia de Paula Gregório Razzini

O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

  • Upload
    buikien

  • View
    218

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

81

SIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIO 66666

O LIVRO DIDÁTICO E AFORMAÇÃO DE PROFESSORES

Ângela Paiva Dionísio

Kazumi Munakata

Márcia de Paula Gregório Razzini

Page 2: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

82

IntroduçãoA parceria livro didático–professor atraves-

sa um momento de encontros e desencontros,uma vez que ambos estão em fase de transição,buscando uma identidade que revele as trans-formações teóricas e políticas ocorridas no pa-norama nacional. O Programa Nacional do Li-vro Didático, os Parâmetros Curriculares Nacio-nais, o PNLD em Ação e os diversos sistemas deavaliação implantados recentemente são algu-mas dessas mudanças políticas.

No âmbito dos estudos sobre a linguagem, aanálise meramente estrutural cede espaço paraa análise da língua em contextos de usos natu-rais e reais, postura já consolidada nos PCN, querefletem as teorias lingüísticas mais recentes.Numa reação em cadeia, os manuais didáticostransitam pelas teorias lingüísticas, tentandoatender aos critérios estabelecidos pelo PNLD eàs diretrizes dos PCN. Uma breve análise pano-râmica do sistema educacional brasileiro, volta-da para o Ensino Fundamental e Médio, revelaque o desencontro entre professor e livro didáti-co não é um traço apenas do sistema educacio-nal atual. Os artigos de Magda Soares “Que pro-fessores de Português queremos formar?” (2001a)e “O livro didático como fonte para a história daleitura e da formação do professor-leitor” (2001b)guiaram-me nesse breve percurso.

Até a década de 1940, o ensino de LínguaPortuguesa consistia na gramática da língua ena análise de textos de autores consagrados.Soares (2001a: 151-52) lembra que as instânciasde formação de professor só surgiram na déca-da de 1930; portanto os professores

[...] eram estudiosos autodidatas da língua e de

sua literatura, com sólida formação humanística,

que, a par de suas atividades profissionais (mé-

dicos, advogados, engenheiros e outros profissio-

nais liberais) e do exercício de cargos públicos que

Livros didáticos de Portuguêsformam professores?

Ângela Paiva Dionísio

Universidade Federal de Pernambuco

quase sempre detinham, dedicavam-se também

ao ensino [...]. O professor da disciplina Portu-

guês era aquele que conhecia bem a gramática e

a literatura da língua, a retórica e a poética, aque-

le a quem bastava, por isso, que o manual didáti-

co lhe fornecesse o texto (a exposição gramatical

ou os excertos literários), cabendo a ele – e a ele

só – comentá-lo, discuti-lo, analisá-lo e propor

questões e exercícios aos alunos.

Na década de 1950, as gramáticas e antolo-gias são substituídas por um único livro que apre-sentava conhecimentos gramaticais, textos paraleitura, exercícios. Afirma Soares (2001a: 153):

Assim já não se remete ao professor, como anterior-

mente, a responsabilidade e a tarefa de formular

exercícios e propor questões: o autor do livro didá-

tico assume ele mesmo essa responsabilidade e

essa tarefa, que os próprios professores passam a

esperar dele, o que surpreende, se se recordar que

já então os professores tinham passado a ser pro-

fissionais formados em cursos específicos.

Neves (2000: 1) assevera que “a questão daformação do professor de Ensino Fundamental eMédio nos cursos de Letras está longe de ter en-contrado uma fixação de caminhos minimamentesatisfatória”. Ao discutir o desempenho dos cur-sos de Letras na formação do professor, a referi-da autora questiona se “os alunos sabem, mini-mamente, o que fazer com a lingüística no ensi-no da língua”, uma vez que a separação em Lin-güística e Língua Portuguesa se evidencia dentrodos próprios cursos de Letras. Recai, pois, sobreos cursos de formação de professores e especifi-camente sobre o curso de Letras a responsabili-dade de tratar o ensino de Lingüística de formaque os graduandos possam perceber como sele-cionar e como orientar os conteúdos de lingua-gem para o Ensino Fundamental e Médio.

Page 3: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

83

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

Esta é uma necessidade cada vez mais urgen-te na formação do professor, pois os ParâmetrosCurriculares Nacionais de Língua Portuguesasimbolizam a aplicação direta das teorias lingüís-ticas no ensino de língua materna. TambémMarcuschi (2000: 10) alerta para a importânciade o professor saber o que deverá fazer com asorientações dadas pelos PCN em suas aulas:

Tudo dependerá, no entanto, de como serão tais

orientações tratadas pelos usuários em suas sa-

las de aula; seria nefasto se as indicações ali fei-

tas fossem tomadas como normas ou pílulas de

uso e efeito indiscutíveis. Pior ainda, se com isso

se pretendesse identificar conteúdos unificados

para todo o território nacional, ignorando a he-

terogeneidade lingüística e a variação social.

Mais uma vez, recorro aos questionamen-tos de Neves (2000: 4) para ilustrar um tópicorecorrente nas preocupações do professor dePortuguês – o ensino de gramática: “O profes-sor de Português recebe na universidade umaformação que lhe permita compreender – comtodas as suas conseqüências – o que é línguaem funcionamento e, a partir daí, que lhe per-mita saber o que é ensinar a língua maternapara os alunos que lhe são entregues?”

Outro fato que contribui para esse des-compasso consiste na não-aplicação (ou na pre-cária aplicação) das correntes lingüísticas con-temporâneas, como a Lingüística Textual, aAnálise do Discurso, a Sociolingüística, nos cur-rículos de formação de professores. Faz-se, noentanto, necessário ressaltar que, por seremestudos recentes, ainda carecem muitos delesde propostas de aplicação ao ensino de línguamaterna (Soares, 2001b).

Nesse momento, retomando o tema desteSimpósio – a relação livro didático e formaçãode professor –, pergunto-me: é também funçãodo livro didático formar professores? Numa res-posta bastante simplificada, diria que não eacrescentaria que é função dos cursos de for-mação de professores preparar seus alunos, fu-turos professores, para elaborar o material di-dático a ser utilizado em suas aulas. No entan-to, sei que essa resposta não se encontra ainda(e não sei se isso ocorrerá um dia) dentro do

campo das possibilidades concretas de realiza-ção de um percurso pedagógico real no contex-to sociopolítico brasileiro.

Responder que sim, que o livro didáticotem também a função de formar professor, se-ria reconhecer que ainda estamos com os pésna década de 1950, uma vez que caberiam aoautor do livro didático a seleção e a prepara-ção dos conteúdos a serem ministrados. Porémnão posso deixar de reconhecer que os manu-ais didáticos exercem funções de formação deprofessor. Gérard e Roegiers (1998: 89, apud E.Marcuschi, 2001: 141) asseguram que os ma-nuais escolares têm o objetivo “de contribuí-rem com instrumentos que permitam aos pro-fessores um melhor desempenho do seu papelprofissional no processo de ensino-aprendiza-gem”. Dentre os recursos empregados pelos au-tores de livros didáticos que podem contribuirpara a formação dos professores, destaco:

Indicação de referênciasbibliográficas comentadas(1) Miranda et al, v.1-4, p. XXIX:

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gos-

tosuras e bobices. 4. ed. São Paulo: Scipione,

1994.

A partir da apresentação dos diversos tipos de

textos de literatura infantil, a autora leva a uma

reflexão sobre a relação texto/leitor. Aponta a

importância de se partilhar experiências de lei-

tura, enfatizando a necessidade de um espaço

de “leitura-prazer” na sala de aula. [...]

Listagem de sites(2) Soares, v. 1-4, p. 29:

Ciber-espacinho de Ângela Lago.

Livro de histórias infantis eletrônico, com ilus-

trações que se movimentam nas páginas.

<http://www.ez-bh.com.br/~angelago>

Doce de Letra.

Revista de literatura infanto-juvenil. Apresen-

ta sites de diversos autores.

<http://www.docedeletra.com.br>

(acessado em setembro de 2002)

Page 4: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

84

Indicação de revistas para alunos eprofessores(3) Soares, v. 1-4, p. 29:

REVISTAS PARA O ALUNO

Ciência Hoje das Crianças. Revista de divulgação

científica para crianças. Rio de Janeiro: Socieda-

de Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Galileu. Rio de Janeiro. Globo. [...]

PARA O PROFESSOR

Amae Educando. Belo Horizonte: Fundação

Amae para Educação e Cultura.

Nova Escola. São Paulo: Abril Cultural. [...]

Indicação de livros, vídeos, músicasrelacionados ao tema da unidade emestudo:(4) Cereja e Magalhães, v. 3, p. 15:

FIQUE LIGADO! PESQUISE!

Para você saber mais sobre a década de 1930 e

a prosa da segunda fase do Modernismo bra-

sileiro, sugerimos:

VÍDEOS

Revolução de 30, de Sylvio Back; São Bernardo,

de Leon Hirschman; Vidas secas e Memórias do

cárcere, de Nélson Pereira dos Santos; [...]

LIVROS

O Quinze, de Rachel de Queiroz (Siciliano); Vi-

das secas e São Bernardo, de Graciliano Ramos

(Record); [...]

MÚSICA

Ouça os compositores de música popular

brasileira da época, como Noel Rosa, Ari Bar-

roso, Ataulfo Alves, Leonel Azevedo, Heitor

dos Prazeres, Ismael Silva, Orestes Barbosa,

e os compositores que tratam de temas nor-

destinos, como Luís Gonzaga, Luís Vieira,

Eleomar, Dominguinhos, além do poeta po-

pular Patativa do Assaré.

Emissão de recados ao professor commaior (exemplo 5) ou menor (exemplo6) grau de informatividade:(5) Soares, v. 3, p. 65:

Observação: Foram escolhidas palavras que se

supõe que ainda sejam conhecidas pelos adul-

tos com que os alunos convivem, a fim de que

identifiquem mais vivamente o processo de va-

riação da língua ao longo de um tempo de que

têm uma compreensão mais fácil (o tempo dos

pais, tios, avós); por isso, são palavras ainda não

inteiramente desconhecidas, mas em processo

de desuso; o professor pode enriquecer o exer-

cício mencionando palavras já em inteiro desu-

so, como janota, cinematógrafo, escarradeira,

botica, etc.

(6) Miranda et. al., v. 3, p. 261:

Professor, há várias outras possibilidades de

passagem da linguagem informal para a formal

no texto. Se quiser, explore-as com os alunos.

Formar um professor requer a articulação dedois componentes curriculares, como destacaReinaldo (2001: 2), que são o conhecimento teóri-co (domínio de conhecimento do objeto lingua-gem) e o conhecimento de ensino e de pesquisasobre ensino (desenvolvimento da habilidade deensino e o conhecimento de pesquisa sobre ensi-no-aprendizagem na área da linguagem).

Em uma das minhas experiências com Prá-tica de Ensino de Português, na UniversidadeFederal de Pernambuco, encontrei uma clien-tela heterogênea, com experiências diferentesno que se refere à concepção de ensino de lín-gua. De acordo com a experiência que traziam,classifiquei os alunos em:

Aluno-professor, ou seja, aquele graduandoque já ensina ou já ensinou e que tem o li-vro didático como instrumento único deorientação metodológica. Apesar de ter es-tudado as correntes lingüísticas contempo-râneas durante o curso de Letras, não sabeo que fazer com elas no dia-a-dia de suasaulas (ou pior, não acredita que possam –ele e as teorias lingüísticas – alterar as prá-ticas já cristalizadas no Ensino Fundamen-tal e Médio). Tem no livro didático o com-panheiro salvador, especialmente naqueleslivros de orientação apenas prescritivista.

Aluno-pesquisador, ou seja, aquele gradu-ando com vasta experiência em pesquisacientífica, como Iniciação Científica, hábilproferidor de comunicações em congressose similares, mas sem a menor noção de

Page 5: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

85

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

como se portar como professor de língua.No geral, também não percebe as possíveisrelações entre as pesquisas que desenvol-ve e o ensino de língua. Para este, o livrodidático tem a função de instrumentalizaro professor.

Aluno-aluno, ou seja, aquele graduando quenão tem experiência de ensino nem de pesqui-sa. Espera pela disciplina de Prática de Ensinocomo a grande inspiradora para a sua forma-ção como professor. Não percebe também arelação entre os estudos feitos nos semestresantecedentes como responsáveis pela sua for-mação. O livro didático apenas representa umrecurso metodológico para o ensino.

O maior desafio consistia em fazer esses alu-nos perceberem o papel do professor como me-diador. Como cerca de 50% da turma se enqua-drava na categoria aluno-pesquisador, decidi,então, solicitar aos alunos a construção de duasorganizações didáticas especiais, apontadaspelos PCN – projeto de pesquisa e módulos di-dáticos –, na tentativa de atrelar o conhecimen-to teórico e o conhecimento sobre ensino de lín-gua, bem como inserir aqueles alunos que nãotinham tal experiência no campo da pesquisa,porque esses futuros professores necessitarãodesenvolver pesquisas em suas atividades deensino de língua materna.

Um traço comum existia entre as três cate-gorias de alunos: como ensinar meus alunos apesquisarem? Foram montados seis grupostemáticos (Adivinhas e ensino de língua; Quemestá falando no texto?; Era uma vez... As fábu-las e os contos de fada na sala de aula; As histó-rias em quadrinhos na sala de aula; Entre a pa-lavra e a imagem: o filme na sala de aula e oDicionário no ensino de línguas) envolvendoalunos das três categorias. Em cada grupo fo-ram desenvolvidas as seguintes etapas: revisãoda bibliografia sobre os temas (momento quecontou muito com a colaboração dos alunos-pesquisadores), análise de livros didáticos paraverificar o tratamento dado por estes aos tópi-cos selecionados, elaboração de um projeto depesquisa com vista ao desenvolvimento dotema no Ensino Fundamental e Médio, monta-gem de um módulo didático que foi ministradopara alunos de Letras e Pedagogia e professo-

res do Ensino Fundamental e Médio num perí-odo de seis horas. Dentre os resultados, inte-ressa-me apenas registrar um deles, nessemomento: a constatação, por parte dos alunos,de que, na relação com o livro didático, o pro-fessor deverá sempre ser superior a ele em co-nhecimento e em desempenho metodológico.Como afirma Rose Marie Muraro, em Memóriasde uma mulher impossível, “a prática é sobera-na na medida em que o conhecimento se cons-trói no exercício da prática”.

Os múltiplos olhares sobrea encruzilhada diabólica doslivros didáticosÉ preciso reforçar a tese de que a formação

do professor é tarefa da instituição de ensino,quer seja nos cursos de Magistério quer seja noscursos universitários. Deve ser, pois, com basenas orientações recebidas nessas instituiçõesque o professor poderá saber o que fazer com olivro ou com os livros didáticos em suas aulas.O professor deveria saber o porquê dos conteú-dos selecionados e as implicações das estraté-gias utilizadas nos livros didáticos. Os autoresde livros didáticos costumam apresentar umManual do professor, em que esclarecem sobreas correntes teóricas em que fundam suasobras, mas nem sempre há uma correlação en-tre tais teorias e as atividades propostas no li-vro do aluno. Algumas vezes, parece haver umaestratégia de marketing e não uma orientaçãoteórico-metodológica. Listar referências biblio-gráficas atuais recheadas de autores de renomenacional e internacional, apresentar um textodidático resumindo as referências citadas oucarimbar a capa do livro com expressões como“Aprovado pelo PNLD” ou “De acordo com osPCN” não asseguram a tal obra coerência entrepressupostos teóricos e práticas metodológicas.

Tais inquietudes revelam, parafraseandoNeves (2000), a “encruzilhada diabólica” que seinstaurou na construção dos manuais didáticosproduzidos na década de 1990. Os autores delivros didáticos, por um lado, precisam atenderàs exigências do PNLD e dos PCN, os quais, porseu turno, requerem a aplicação de programas

Page 6: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

86

de ensino respaldados nas contribuições dascorrentes lingüísticas mais recentes.

Para ilustrar tal encruzilhada, relatarei, bre-vemente, uma pesquisa realizada por um gru-po de professores e pesquisadores da Universi-dade Federal e Pernambuco e da UniversidadeFederal da Paraíba (campus Campina Grande).Tomando por base 25 coleções destinadas aoEnsino Fundamental, publicadas oureformuladas entre 1996 e 1999, o grupo deci-diu investigar quais eram as tendências teóri-cas e metodológicas para a abordagem dos se-guintes temas:

Delineadas as tendências, os especialistasapresentaram um conjunto de reflexões e suges-tões visando contribuir com as tentativas de mu-dança no ensino de língua. Os resultados dessasinvestigações estão compilados em O livro didá-tico de português: múltiplos olhares, publicadopela Editora Lucerna, em abril deste ano. Tomareiapenas os tópicos “língua falada” e “variedades lin-güísticas” para ilustrar essas tendências.

No tratamento dado à oralidade, constatou-se que os livros didáticos atuais não conside-ram “de maneira tão incisiva a fala como o lu-gar do erro. Há, no entanto, que suspeitar domérito dessa postura, pois ela se deve muitomais ao silêncio dessas obras sobre a fala doque à avaliação da fala em suas condições deuso” (Marcuschi, 2001: 24), pois o espaço des-tinado à língua falada raramente supera 2% dototal de páginas. Uma tendência dos livros di-dáticos é tratar a língua falada apenas comouma questão lexical restrita ao uso de gírias ede expressões coloquiais, como no exemplo aseguir.

(7) Cereja e Magalhães, v. 5, p. 34:

1. O texto abaixo é parte da carta de uma lei-

tora que elogia a matéria publicada sobre gí-

rias numa revista. Leia o texto e, em seguida,

reescreva-o, substituindo as gírias por pala-

vras e expressões da norma culta.

É massa!

Dessa vez a Atrevida “arrepiou”. Foi “da hora”

a matéria NA PONTA DA LÍNGUA, com as gí-

rias “maneiras” de todos os lugares É por isso

que me “amarro” cada vez mais nesta revista:

descolada, divertida, diferente e “trilegal”.

Uma postura ainda pouco freqüente consis-te na demonstração de “uma consciência siste-mática das relações entre fala e escrita comoduas modalidades de uso da língua com fun-ções igualmente importantes na sociedade,sendo ambas responsáveis pela formação cul-tural de um povo” (Marcuschi, 2001: 27).

O exemplo 8 ilustra tal postura:

(8) Soares, v. 3, p. 65

3. Descubra o significado de algumas palavras

que envelheceram, palavras que você, prova-

velmente, não conhece, que quase não são

mais usadas:

• Pergunte a pessoas mais velhas, ou procu-

re no dicionário, o significado destas pala-

vras: vitrola, patinete, caneta-tinteiro,

aeroplano, galocha, pó-de-arroz, cristaleira,

bibelô, ruge.

• Compare suas “descobertas” com as de seus

colegas e discutam:

Só as palavras deixaram de ser usadas ou

as coisas que elas nomeiam também deixa-

ram de ser usadas? Ou essas coisas ainda

são usadas, apenas mudaram de nome?

Quanto à apresentação das variedades lin-güísticas (VL), basicamente, são duas as possi-bilidades de encaminhamento metodológico: a)utilização de um texto sobre VL, acompanhadopor perguntas de compreensão; e b) utilizaçãode texto com VL, seguido por perguntas de com-preensão, por atividades de identificação e

Tema Por

1. Tratamento da oralidade Luiz Antônio Marcuschi2. Seleção de textos Maria Auxiliadora Bezerra3. Compreensão de textos Luiz Antônio Marcuschi4. Abordagem do poema José Helder Pinheiro5. Variedades lingüísticas Ângela Paiva Dionísio6. Produção de textos Maria Augusta Reinaldo7. Análise do discurso reportado Dóris Carneiro Cunha8. Pontuação e construção de sentido Márcia Rodrigues Mendonça9. Tratamento de classe de palavras Luiz Francisco Dias10. Avaliação no Manual do professor Elizabeth Marcuschi

Page 7: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

87

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

reescritura de VL. Nem sempre, na abordagemdo texto, respeita-se a relação entre VL e carac-terísticas textuais. Tal fato decorre, a meu ver,de análises equivocadas que resultam em errosconceituais e em inadequações metodológicas,como se verifica, infelizmente, no exemplo 9.

(9) Azevedo, v. 5, p. 34-35:

1. Leia a piada abaixo e responda às pergun-

tas:

Aquele homem humilde, simples, sotaque cai-

pira, foi eleito governador. Um dia, um desses

políticos de palácio chega bem perto e surpre-

ende o governador vendo televisão. Faz sua

média:

– E aí governador, firme?

– Firme, não. Novela!

a. Qual o código usado entre o político e o go-

vernador?

Resposta do Manual do professor: A língua fa-

lada.

b. Houve comunicação entre eles? Por quê?

Resposta do Manual do professor: Não houve

comunicação entre os dois porque, embo-

ra falem a mesma língua, pertencem a gru-

pos sociais diferentes.

c. Classifique a linguagem dos dois falantes.

Resposta do Manual do professor: O político

usa a linguagem culta, e o governador, a po-

pular.

Há, é lógico, o uso de VL nessa piada, tematratado na unidade do livro didático em que seencontra tal exercício, mas não se pode descar-tar o gênero textual no processo de análise. Aspiadas, como já afirmou Possenti (1998), sãotextos que envolvem temas socialmente contro-versos e que operam com estereótipos. Umaanálise dessa piada exige que o leitor/ouvinteidentifique dois sentidos para o termo “firme”:cumprimento informal e variante popular de“filme”. E é justamente essa confusão de senti-do que causa o humor. Não quero negar comisso a caracterização do governador como cai-pira nem negar o preconceito existente, poisseria negar a piada em si. Quero apenas cha-mar a atenção para a necessidade de atrelaradequadamente os domínios de linguagem aos

gêneros textuais, quando da elaboração de ati-vidades. Afirmar que “não houve comunicaçãoentre os dois porque, embora falem a mesmalíngua, pertencem a grupos sociais diferentes”e que “E aí governador, firme?” é linguagemculta compromete, seriamente, a formação doprofessor e do aluno.

Fazendo um contraponto, apresento, a se-guir, um exercício em que se encontram atrela-dos respeito ao gênero textual, fidelidade à lin-guagem dos personagens e atividades de refle-xão sobre o uso da VL. A partir da letra da músi-ca Saudosa Maloca, de Adoniran Barbosa, o li-vro didático propõe o seguinte:

(10) Carvalho et. al., v. 3, p. 71:

1. Uma das primeiras coisas que chamam a

nossa atenção na letra dessa música é ela es-

tar escrita em uma linguagem que não é da

norma culta, ou seja, essa que costuma apa-

recer nos livros. Escreva o que você observa

de diferente nela.

2. Experimente ver como ficaria a letra se fos-

se escrita na norma culta, reescrevendo a se-

gunda estrofe nessa linguagem.

3. Adoniran poderia ter escrito dessa forma

como você escreveu, não poderia? No entan-

to, não o fez. Por que será?

4. Vamos comparar as duas formas de grafar

as palavras:

Explique por que, ao escrever em linguagem

popular, as palavras que não tinham acento na

norma culta passam a ter.

Diferentemente do que ocorre no exemplo9, neste caso o Manual do professor (p. XXXV)esclarece os objetivos das atividades de manei-ra coerente, informando que o uso da letra damúsica de Adoniran Barbosa abre “espaço paraa discussão sobre questões atuais no país e di-ferentes normas da língua”. Alerta ainda que“trabalhar com a norma culta e popular e nãocom o certo e o errado é fundamental, para nãotrair, entre outras coisas, o espírito da música”.

senhor – senhô contar – contá gritar – gritáapreciar – apreciá ligar - ligá cobertor - cobertô

Page 8: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

88

Dizem, ainda, as autoras sobre o fato de que amúsica está escrita na norma não-padrão:“Acreditamos que muitos aspectos possam serobservados pelas crianças: está escrita como sefala; não aparecem o “r” e o “l” final de muitaspalavras; algumas palavras são escritas diferen-temente de como costumam aparecer nos li-vros, como tauba em vez de tábua; [...].” Traz,portanto, este Manual do professor algumas in-formações que contribuem para a formação doprofessor. Recorro, nesse momento, às palavrasde Lajolo (1996: 5) sobre o Manual do profes-sor: “Precisa ser mais do que um exemplar quese distingue dos outros por conter a resoluçãodos exercícios propostos”, já que o professor é“uma espécie de leitor privilegiado da obra di-dática, já que é a partir dele que o livro didáticochega às mãos dos alunos”.

Enfim, de acordo com a análise realizadapelo grupo anteriormente mencionado, cons-tatou-se que, mesmo com avanços relativos àpresença de teorias mais recentes de língua, osconceitos, na maioria das vezes, ainda são vis-tos sob um olhar prescritivista. É preciso, pois,que os livros didáticos saibam enfrentar, comoressalta Rangel (2001: 13), “os novos objetos di-dáticos do ensino de língua materna: o discur-so, os padrões de letramento, a língua oral, atextualidade, as diferentes ‘gramáticas’ de umamesma língua etc.” Na parceria livro didático–professor, parece-me que ambos ainda estãoacertando o passo na travessia entre as teoriaslingüísticas e o ensino de língua materna.

BibliografiaDIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA, Maria A. (Orgs.). O livro

didático de português: múltiplos olhares. Rio de Janei-

ro: Lucerna, 2001.

GÉRARD, François-Marie; ROEGIERS, X. Conceber e ava-

liar manuais escolares. Porto: Porto Editora, 1998.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usu-

ário. Em Aberto, n. 69, p. 2-9, 1996.

MARCUSCHI, Luiz A. O papel da Lingüística no ensino de

línguas. Anais do I Encontro de Estudos Lingüístico-

Culturais da UFPE, 2000.

. Oralidade e ensino de língua: uma questão

pouco ‘falada’. In: DIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA,

Maria A. (Orgs.). O livro didático de português: múlti-

plos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, p. 19-32.

MARCUSCHI, Elizabeth. Os destinos da avaliação no ma-

nual do professor. In: DIONÍSIO, Ângela P.; BEZERRA,

Maria A. (Orgs.). O livro didático de português: múlti-

plos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, p. 139-50.

POSSENTI, Sirio. Os humores da língua. São Paulo: Mer-

cado de Letras, 1998.

REINALDO, Maria Augusta. Teoria e prática na formação

do professor. Anais do II Congresso Internacional da

Abralin. Fortaleza: UFC, 2001.

NEVES, Maria H. M. Examinando os caminhos da discipli-

na Lingüística nos cursos de Letras: por onde se per-

dem suas lições na formação dos professores. Anais

da 18 Jornada de Estudos Lingüísticos do Nordeste.

Salvador: UFBA, 2000.

SOARES, Magda. Que professores de português queremos

formar? Revista Movimento, n. 3, p. 149-55, 2001.

SOARES, Magda. O livro didático como fonte para a histó-

ria da leitura e da formação do professor-leitor. In: MA-

RINHO, M. (Org.). Ler e navegar: espaços e percursos

da leitura. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2001, p.

31-76.

Obras didáticas mencionadasAZEVEDO, Dirce. Palavras e criação: Língua Portuguesa.

São Paulo: FTD, 1996. v. 5-8.

CARVALHO, Carmen S. et al. Construindo a escrita. São

Paulo: Ática, 1998. v. 1-4.

CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens.

São Paulo: Atual, 1998. v. 5-8.

. Português: linguagens. São Paulo: Atual,

1999. v. 3.

MIRANDA, Cláudia et al. Vivência e construção: Língua

Portuguesa. São Paulo: Ática, 2000. v. 3.

SOARES, Magda. Por tuguês: uma proposta para o

letramento. São Paulo: Moderna, 1999. v. 1-4.

Page 9: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

89

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

“Costumo esclarecer que à perda crescen-te da dignidade do professor brasileiro con-trapõe-se o lucro indiscutível e estrondosodas editoras de livros didáticos” – o esclare-cimento é do professor Ezequiel Theodoro daSilva (1998: 58), num artigo originariamentepublicado na revista Em Aberto (n. 69), de1996, data em que ele era titular da Secreta-ria da Educação da Prefeitura Municipal deCampinas (São Paulo), na gestão do prefeitoMagalhães Teixeira, do PSDB. O fato de ele tersido, então, diretamente responsável peladignidade da parcela campineira do profes-sorado brasileiro parece não importar muitoquando se trata de prosseguir sua obstinadacruzada contra o livro didático – tema queocupa considerável espaço da sua produçãoacadêmica.

Para ele, o livro didático associa-se direta-mente com o período militar e seu projeto edu-cacional:

Ainda que as cartilhas, os manuais de ensino

e as coletâneas de textos tivessem presença

na escola brasileira desde o início do século

19, é na segunda metade da década de 1960,

depois da Revolução de 1964 e com a assina-

tura do acordo MEC-Usaid, em 1966, que os

livros didáticos vão ganhando o estatuto de

imprescindíveis e, por isso mesmo, vão sen-

do editados maciçamente, a fim de respon-

der a uma demanda altamente previsível, a

um mercado rendoso, lucrativo e certo (Sil-

va, 1998: 44).

Livro didático e formaçãodo professor são incompatíveis?

Kazumi Munakata

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Aos companheiros professores e funcionários das Universidades

Federais que, no momento em que este trabalho foi apresentado no

Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação, encontravam-se em

greve pela dignidade no exercício de suas atividades profissionais e,

conseqüentemente, pela qualidade na educação.

A ditadura, ao mesmo tempo que introdu-zia a “pedagogia tecnicista”, impôs, mediantecompressão salarial, “o solapamento contínuoe crescente da dignidade profissional dos pro-fessores”, transformando-os em “dadeiros deaulas, sem muito tempo para atualizar-se e, porisso mesmo, lançando mão dos livros e manu-ais que lhes chegavam prontamente” (idem: 45)– o que teria contribuído para a elevação doslucros das editoras. Para esses professores as-sim desqualificados, “coxos por formação e/oumutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério”(idem: 57), o livro didático tornou-se “bengala,muleta, lente para miopia ou escora que nãodeixa a casa cair” (p. 43). Silva (1998) remata:“Não é à toa que a imagem estilizada do pro-fessor apresenta-o com um livro nas mãos, dan-do a entender que o ensino, o livro e o conheci-mento são elementos inseparáveis” (idem: 58).

O que o secretário Silva quis exatamentedizer? Que educação e livros são incompatíveis?Que o professor que se deixa flagrar carregan-do livro é um desqualificado, “coxo por forma-ção”? Talvez ao secretário Silva repugne ler li-vros ou ele considere indigno da sua sabedoriarecorrer a livros para adquirir novos conheci-mentos ou para preparar aulas – não cabe aquidiscutir idiossincrasias pessoais. O que não émuito elegante para um intelectual como ele édesconsiderar toda a história do ensino esco-lar, recortando-lhe apenas a fatia que seja doseu interesse (o período da ditadura militar noBrasil e suas seqüelas), a fim de favorecer a sua

Page 10: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

90

tese de que o livro didático e a formação do pro-fessor são antípodas.1

Segundo Guy Vincent, Bernard Lahire eDaniel Thin (1994), a instituição que hoje co-nhecemos como “escola” apareceu na Europano decorrer dos séculos 16 e 17. Eles advertemque o fato de certas palavras do vocabulárioeducacional terem existido desde a Antiguida-de não significa que elas indicassem sempre asmesmas coisas. A “escola”, por exemplo: essapalavra deriva do grego skholê, que significava“lazer”, “entretenimento”, num sentido muitopróximo ao do latim otium, que daria origem àpalavra portuguesa “ócio”. Esses termos indica-vam a condição privilegiada dos “homens li-vres”, isto é, aqueles que não dependiam do tra-balho para sobreviver e que, por isso, podiam-se dar ao luxo de dedicar-se ao cultivo das ar-tes, da leitura, do pensamento.

A escola que se idealizou e foi se constituin-do nos séculos 16-17 opôs-se de certo modo aesse elitismo dos “bem-nascidos”. Numa épocamarcada pelos movimentos de Reforma e deContra-Reforma, o protestante Comenius (1592-1670) imaginou uma “arte de ensinar tudo a to-dos”, como diz o subtítulo da sua principal obra,Didática magna, propondo a escolarização in-distinta de ricos, pobres, meninos e meninas. Nolado católico, os Irmãos das Escolas Cristãs, deJean-Baptiste de la Salle (1651-1719), criaramuma escola gratuita para todos, cujo ensino re-queria freqüência prolongada de vários anos.Algumas características dessa escola que a tor-naram uma instituição nova, inédita, com umaforma própria – a forma escolar – são:

• “A escola como lugar específico, separadode outras práticas sociais” (Vincent et al.,1994: 30). Isso significa que a escola produze organiza práticas peculiares, com regraspróprias, num âmbito que não se confundecom a família, com a profissão ou com a re-ligião.

• A separação entre o fazer e o ensinar. Atéentão, o aprendizado (de saberes, valores,

comportamentos etc.) efetivava-se pela ob-servação do fazer e pelo treino do própriofazer, em seus respectivos ambientes (oaprendizado de um ofício artesanal fazia-senuma oficina; o de um cavaleiro, na casa deum nobre etc.). Na escola, ao contrário, en-sina-se a todos um conjunto de saberes evalores independentemente da especializa-ção a que cada aluno se destina ou almeja,e esse conteúdo genérico a ser ministrado,sem referência a nenhum ofício em parti-cular, inviabiliza o aprendizado centrado nofazer.

• “Escrituralização-codificação dos saberes edas práticas” (Vincent et al., 1994: 31). Exa-tamente na medida em que o fazer e o ensi-nar se separam, os conteúdos a ser minis-trados passam a ser codificados num siste-ma de registro que é a escrita. “Uma peda-gogia do desenho, da música, da atividadefísica, da atividade militar, da dança etc. nãose faz sem uma escrita do desenho, uma es-crita musical, uma escrita esportiva, umaescrita militar, uma escrita da dança. Escri-tas que implicam quase sempre gramáticas,teorias das práticas. O modo de socializa-ção escolar é, pois, indissociável da nature-za escritural dos saberes a transmitir”(Vincent et al., loc. cit.).

Por isso mesmo, a escola é antes de tudouma instituição de ensino do ler e do escrever.Afirmam Vincent et al. (1994: 36):

O objetivo da escola é aprender a falar e a escre-

ver segundo regras gramaticais, ortográficas,

estilísticas etc. [...]: a escola é o lugar de apren-

dizagem da língua. [...] A forma escolar de rela-

ções sociais é a forma social constitutiva do que

se pode denominar uma relação escritural-esco-

lar com a língua e com o mundo.

Num lugar assim instituído, o livro neces-sariamente se faz presente, não como um aces-sório a mais, mas como um dispositivo funda-mental. Em Ratio studiorum, uma espécie demanual de ensino dos colégios jesuítas, redigi-

1 O seu recorte histórico, que só conhece o período da ditadura militar, obscurece, por isso, o fato notório de que o grande boom dos livrosdidáticos (e, portanto, da lucratividade das editoras) aconteceu com a redemocratização, com a instituição, em 1985, do Programa Nacionaldo Livro Didático (PNLD), por meio do qual o governo federal chegou a adquirir, em 1999, quase 110 milhões de exemplares.

Page 11: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

91

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

do entre 1548 e 1599, grande parte foi dedicadaaos livros a ser adotados. Mais do que isso, ha-via uma série de recomendações sobre o modocomo eles seriam lidos, com a indicação de tre-chos que deveriam ser omitidos por conter in-conveniências (principalmente em relação àdoutrina cristã). Também Comenius, em Didá-tica magna, discutiu os prejuízos causados pelaleitura de livros pagãos e recomendou que seproduzissem livros especialmente adequadosao ensino. Por sinal, ele mesmo foi o autor deum livro que julgou adequado aos propósitosdidáticos: a obra intitulada Orbis sensualiumpictus (O mundo sensível em imagens), de 1658.Segundo Narodowski, esse livro, em que cadacapítulo refere-se a um assunto a ser ensinadoe contém ilustração correspondente,

[...] é a matriz mediante a qual se reproduzirão

os livros de textos didáticos que deverão formar

as crianças da sociedade ocidental moderna

durante trezentos e cinqüenta anos.

Do ponto de vista de seu conteúdo, o livro di-

dático expressa as temáticas estipuladas para o

ensino em cada nível da escolaridade. Isto sig-

nifica que o livro didático é uma mensagem

construída ad hoc, pelo que tanto sua elabora-

ção como sua posterior utilização somente são

compreensíveis no contexto do processo geral

de escolarização. Em outros termos, o livro de

texto didático não possui um valor literário ou

científico autônomo: já desde o século 17 e a

partir da empresa comeniana o texto se legiti-

ma na medida em que contribui eficientemente

para o processo de produção de conhecimentos

escolares. Mais ainda, o texto possui um estilo

literário e uma retórica singular [...]. O livro de

texto didático constrói uma estética que lhe é

própria (Narodowski, 2001: 83-84.).

Nos Estados Unidos, como mostra Stray, aconstituição e o desenvolvimento desse gênerode livro podem ser constatados pela consolida-ção da própria terminologia que o designa: con-sultando o catálogo da Biblioteca de Nova Yorkreferente ao período de 1880 a 1920, ele consta-

tou a passagem do termo “text book para text-book, depois textbook, evolução que reflete [...] aemergência de uma categoria e de um produtoespecíficos” (Stray, 1993: 74, nota 2). Na França,de acordo com Chervel e Compère (1997), váriosautores, hoje tornados “clássicos”, dedicaram-sea produzir obras especialmente destinadas a finsdidáticos: Ester e Atália, de Racine, ou Aventurasde Télémaque, de Fénelon, e Discurso sobre a his-tória universal, de Bossuet, são exemplos.

Essas considerações, longe de pretenderemesgotar uma possível história do livro didático,servem apenas para indicar que este faz parteda vida escolar desde que a escola é escola. Nes-se sentido, ao contrário do que imagina o se-cretário Silva, de fato “o ensino, o livro e o co-nhecimento são elementos inseparáveis” na for-ma escolar, e o professor carregando livro nãoé imagem estereotipada da sua deficiência a sercompensada com muleta, mas a afirmação dasua distinção profissional!

Certamente, o livro didático sofreu altera-ções na sua forma e no modo de sua produçãoe edição, além de ter acompanhado as mudan-ças na maneira como os conteúdos do ensinoeram organizados. Por exemplo, a passagem doslivros de texto, com trechos de obras para lei-tura abrangendo conteúdos os mais variados,para livros especializados por disciplina expres-sa a constituição, a partir do final do século 19,das disciplinas escolares (Chervel, 1990). O li-vro didático também foi um importante supor-te da organização das práticas escolares. Quan-do ele não existia, cada aluno devia trazer desua casa algo escrito – manuscrito ou impresso– que pudesse servir de material de ensino, eeste era necessariamente individualizado. Aadoção, entre outros materiais, do livro didáti-co único para uma turma inteira possibilitariao ensino simultâneo, pelo qual muitos passa-ram a estudar uma mesma matéria ao mesmotempo (Hébrard, 2000).

Como suporte da organização das práticasescolares, o livro didático destina-se tanto aoaluno como ao professor.2 Os usos que um e

2 Segundo Gérard e Roegiers (1998), no Vietnã, os livros didáticos “são especialmente concebidos para os pais a fim de os ajudarem aassegurar as aprendizagens escolares dos filhos” (p. 30). Pode-se também suspeitar que, no Brasil, desde que o Programa Nacional do LivroDidático (PNLD) passou, a partir de 1995/1996, a avaliar os livros didáticos, os avaliadores tornaram-se os destinatários prioritários.

Page 12: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

92

outro fazem do livro didático são diversos, múl-tiplos: nem sempre se lêem esses livros porquese desconhece o seu conteúdo. Dito de modomais claro: se um professor usa um livro didá-tico, isso não significa necessariamente que eleseja malformado, ignorante, como fazem suporas metáforas de “muleta”, “escora” etc. Não háapenas uma maneira de ler um livro – aindamais em se tratando de livros didáticos, para oque é mais conveniente falar em “uso” do queem “leitura” (Lajolo, 1996). Esses livros são car-regados de um lado para outro; são rabiscados(embora o governo não goste disso...); raramen-te são lidos de ponta a ponta ou na seqüênciaem que seus conteúdos estão ordenados.

O estudo sistemático sobre os usos dos li-vros didáticos está ainda por ser realizado, masalgumas informações ainda díspares são surpre-endentes. Esse é o caso da pesquisa realizadapor Araujo (2001) sobre os usos de livro didáti-co de História em algumas escolas estaduais deEnsino Fundamental na cidade de São Paulo.Nesse trabalho, um professor conta que ele uti-liza livro didático apenas como fonte de ilus-trações. Outro relata que o emprega para fazerexercícios de leitura – habilidade que, segundodiz, seus alunos ainda não dominam bem. Umterceiro esclarece que mescla trechos de várioslivros ao mesmo tempo.

Esses exemplos revelam não a suposta defi-ciência do professor que requer, por isso, mule-tas; ao contrário, mostram a extrema criatividadeno manuseio desse material, por cuja escolhaesses professores nem sempre foram responsá-veis.3 No limite, não é impossível que a partir deum livro considerado ruim o professor consigadesenvolver uma excelente aula. Essas questões,no entanto, raramente são levadas em conta naavaliação dos livros didáticos. Sintomático nes-se sentido é o “descompasso entre as expectati-vas do PNLD e as dos docentes”, reconhecido porum documento do próprio Ministério da Edu-cação (MEC, 2001), isto é, o baixo índice de es-

colha, pelos professores, dos livros recomenda-dos pela avaliação do PNLD:

Tendo em vista o PNLD/97, cerca de 72% das

escolhas docentes recaíram sobre os livros não-

recomendados e apenas cerca de 28% sobre os

recomendados. No PNLD/98, embora a soma

dos livros recomendados (com distinção ,

21,88%; com ressalvas, 22,15%; ou simplesmen-

te recomendados, 14,64%) tenha constituído o

grupo mais escolhido pelos docentes, a catego-

ria que, isoladamente, mostrou-se a mais repre-

sentada continuou a ser a dos não-recomenda-

dos (41,33%). No PNLD/99, por fim, as escolhas

dos docentes, com a eliminação da categoria dos

não-recomendados, recaíram, predominante-

mente, sobre a dos recomendados com ressal-

vas (46,74%), a dos recomendados com distin-

ção representando apenas 8,40% das escolhas

(MEC, 2001: 33.).

O que ressalta nesses dados é, mais do queum “descompasso”, uma inversão completa en-tre os critérios da escolha dos professores e osda avaliação do PNLD. O que isso significa? Aincompetência dos professores, incapazes deoptar pelo melhor? O documento do MEC(2001), embora cauteloso, insinua que sim:

Assim, uma visão de conjunto da escolha do li-

vro didático assim como alguns dados relativos

ao seu uso em sala de aula apontam claramente

para a formação docente como um dos fatores

relevantes para a compreensão do referido

descompasso (MEC, 2001: 33.).

O documento prossegue apresentando osindicadores que apontam para a precariedadeda formação dos professores.

Embora essa hipótese não possa ser descar-tada, o que surpreende é a ausência gritante dapossibilidade de equívocos nas avaliações rea-lizadas pelo PNLD. Não é possível que os pró-prios avaliadores tenham uma formação inade-

3 Araújo (2001) descreve uma situação muito comum em que, em razão da intensa rotatividade dos docentes em relação às unidades deensino, os professores têm de adotar livros que não escolheram. Além disso, essa pesquisa constatou que nem sempre há livros suficientespara todos os alunos, o que faz com que os professores retenham os exemplares na escola, distribuindo-os e recolhendo-os a cada aula.Convém esclarecer que a escolha e a distribuição dos livros didáticos no Estado de São Paulo são realizadas de modo autônomo, cabendoao PNLD apenas repassar a verba correspondente.

Page 13: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

93

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

quada? Como o avaliador é avaliado? Como érecrutado? A esse respeito, o Guia de livros di-dáticos, em várias edições, é extremamentelacônico. Na edição referente ao PNLD 2000/2001 afirma-se que os avaliadores são

[...] especialistas que atuam tanto no Ensino

Fundamental como na universidade e é basea-

da não só na experiência docente e no conheci-

mento especializado das equipes, mas, princi-

palmente, naquele conjunto de princípios e cri-

térios já referidos (Introdução Geral).

Na edição do Guia do PNLD/2002, não hámenção à figura do avaliador, mas há um escla-recimento de que “o Ministério adotou umanova sistemática para o processo de avaliação”,buscando, “por meio de parcerias com univer-sidades públicas, impulsionar o interesse dapesquisa universitária sobre o tema, bem comoincentivar a transferência do conhecimento eexperiência acumulados” (p. 11). Que pesqui-sas são essas e como isso se manifesta na esco-lha dos avaliadores não é dado a conhecer.

Em todo caso, é possível aqui reiterar quenão há no momento, com toda a certeza, ne-nhuma pesquisa em andamento que examinesistematicamente os usos efetivos dos livrosdidáticos pelos professores. Isso significa quena melhor das hipóteses os avaliadores conti-nuam examinando os livros com base apenasna sua experiência e intuição – o que geralmen-te é denominado “achômetro”. É também pos-sível que alguns avaliadores simplesmente nãolevem em conta o caráter escolar e didático des-ses livros, lendo-os como se fossem obras cien-tíficas, que devem conter os resultados das maisrecentes pesquisas de ponta na respectiva área.

Do lado da formação dos professores, é pre-ciso fazer distinção entre formação inadequadae atitudes por vezes inesperadas que eles tomamperante necessidades do dia-a-dia. Podemos nãoconcordar com o uso de um livro didático comosuporte de exercícios de leitura, mas isso não sig-nifica que esse professor tenha tido necessaria-mente uma formação inadequada. Não se podeesquecer de que a aula no Ensino Fundamental(e freqüentemente até mesmo no Ensino Supe-rior e na Pós-Graduação) não se presta somente

ao ensino dos conteúdos de uma disciplina, masé também ocasião de desenvolvimento de cer-tas habilidades – por exemplo, de leitura. Antesmesmo de os Parâmetros Curriculares Nacionaispreconizarem atitudes, transversalidades e todaa sua parafernália neotecnicista, os professoresjá desenvolviam essas práticas, sem o que mi-nistrar sua própria disciplina específica ficavamuitas vezes inviabilizado.

Não que a formação esteja às mil maravilhas;ao contrário: é com muita apreensão que se as-siste hoje ao incentivo à proliferação desenfrea-da de cursos improvisados de formação docente,muitos de curta duração, apenas para fazer cum-prir estatisticamente o preceito da nova Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional, que exi-ge formação superior de todos os docentes emtodos os níveis de ensino. Não é assim que os pro-fessores terão oportunidade de discutir as possi-bilidades de uso – e, portanto, de escolha – doslivros didáticos. No máximo haverá tentativas dedoutrinação dos professores, pelas quais se pro-curará “ensinar” como eles não sabem escolherlivros e que por isso devem seguir as orientaçõesdos avaliadores do PNLD. Nesse sentido, o referi-do documento do MEC (2001: 36) recomenda“programas de capacitação para a escolha e o usodo livro didático, destinados aos docentes e téc-nicos dos sistemas educacionais”, subentenden-do-se que docentes e técnicos são “incapazes”.Sugerem-se também “alterações no Guia de livrosdidáticos, descrevendo-se mais adequadamenteas obras que dele constam e utilizando-se umalinguagem mais adequada ao professor e a suasexpectativas” (p. 36), pois, os professores, supõe-se, são incompetentes para entender a linguagemtão elevada dos avaliadores.

Enquanto o “descompasso entre as expectati-vas do PNLD e as dos docentes” for entendidocomo descompasso de mão única, isto é, comoincapacidade do professor em relação à sapiênciado PNLD, não haverá propostas de formação do-cente que consigam levar em conta as poten-cialidades, a criatividade e a autonomia dos pro-fessores. Estes continuarão, como sempre, sendovistos como um “mal necessário”, “coxos por for-mação”, eternamente deficientes a requerer mule-tas, ao mesmo tempo que constituem item indis-pensável para ornar estatísticas eleitoreiras.

Page 14: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

94

BibliografiaARAÚJO, Luciana Telles. O uso do livro didático no ensino

de história: depoimentos de professores de escolas

estaduais de Ensino Fundamental situadas em São

Paulo/SP. São Paulo. Dissertação (Mestrado em Edu-

cação). Programa de Pós-Graduação em Educação:

História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universida-

de Católica de São Paulo, 2001.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: refle-

xões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação,

n. 2, 1990.

CHERVEL, André; COMPÈRE, Marie-Madeleine. Les

humanités dans l’histoire de l’enseignement français.

Histoire de l’Éducation, n. 74, maio 1997.

COMENIUS, João Amós. Didática magna. Tratado da arte

universal de ensinar tudo a todos. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian, 1985.

FRANCA, Leonel. O método pedagógico dos jesuítas: o

“Ratio Studiorum”: introdução e tradução. Rio de Janei-

ro: Agir, 1952.

GÉRARD, François-Marie; ROEGIERS, Xavier. Conceber e

avaliar manuais escolares. Porto: Porto Editora, 1998.

HÉBRARD, Jean. Três figuras de jovens leitores: alfabetiza-

ção e escolarização do ponto de vista da história cultu-

ral. In: ABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história

da leitura. Campinas: Mercado de Letras/ALB/Fapesp,

2000.

LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usu-

ário. Em Aberto, n. 69, ano 16, jan./mar. 1996.

MEC/SEF. Recomendações para uma política pública de li-

vros didáticos. Brasília, 2001.

NARODOWSKI, Mariano. Infância e poder: conformação da

pedagogia moderna. Bragança Paulista: Universidade de

São Francisco, 2001.

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Criticidade e leitura: ensaios.

Campinas: Mercado de Letras/Associação de Leitura do

Brasil, 1998.

STRAY, Chris. “Quia nominor leo”: vers une sociologie

historique du manuel. Histoire de l’Éducation, n. 58, maio

1993.

VINCENT, Guy et al. Sur l’histoire e la théorie de la forme

scolaire. In: VINCENT, Guy (Dir.). L’éducation prisionnière

de la forme scolaire? Scolarisation et socialisation dans

les sociétés industrielles. Lyon: Presses Universitaires

de Lyon, 1994.

A contextualização das práticas escolaresem segmentos de tempo diferentes do nosso,além de nos lembrar o fato, às vezes incômo-do, de que nossas práticas escolares tambémestão condicionadas à nossa época, pode for-necer uma visão crítica e reflexiva sobre práti-cas atuais.

Nesse sentido, o livro didático torna-se ma-terial de pesquisa privilegiado, quer seja comofonte documental na definição de práticas dopassado, quer seja como representação de taispráticas.

Nos últimos vinte anos, influenciado pelasociologia e pela história da leitura, o livro di-dático tem sido objeto de várias teses universi-

tárias, ganhando cada vez mais status de obje-to de estudo e ocupando papel de destaque narecente história das disciplinas escolares. Hoje,o estudo e a constituição da história do livrodidático, assim como a preservação de acervos,tem reunido pesquisadores em torno de núcle-os institucionais, sobretudo nas Faculdades deEducação, de Letras e de Comunicação, sendoque alguns grupos de universidades diferentesdesenvolvem projetos em parceria.

A memória da escola e do livro didático temmerecido também a atenção de Secretarias deEstado da Educação, como atestam a inaugu-ração do Museu da Escola de Minas Gerais, em1994, que funciona junto do Centro de Refe-

O livro didático e a memóriadas práticas escolares

Márcia de Paula Gregório Razzini

Universidade Estadual de Campinas /SP

Page 15: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

95

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

rência do Professor, em Belo Horizonte, e a ex-posição histórica, da qual participo como con-sultora, intitulada “A escola e o saber: trajetóriade uma relação”, que procura mostrar momen-tos marcantes do ensino público em São Paulopor meio de fotos, móveis, objetos e livros di-dáticos, inaugurada no final de outubro de 2001,juntamente com o Centro de Referência do Pro-fessor Paulista. Interessante notar que ambas asiniciativas ocorrem em espaços destinados àformação continuada do professor, voltadosportanto para o presente e para o futuro, masque vêem o passado como um ângulo privile-giado de pesquisa e de formação.

Para afinar a discussão, escolhi dois mo-mentos constitutivos da escola pública: a orga-nização do ensino primário em São Paulo, logoapós a Proclamação da República, e a centrali-zação do ensino secundário a partir do ColégioPedro II, no Rio de Janeiro. E, como Ítalo Calvino

diz sobre a cidade de Maurília em As cidadesinvisíveis, convido-os a visitar essa escola dopassado como quem “observa uns velhos car-tões-postais ilustrados que mostram como estahavia sido” ou, ainda, a se perguntar como es-colas tão diferentes habitaram o mesmo lugar(Calvino, 1990: 30).

De fato, impulsionada pela economiacafeeira e pelos ideais republicanos, a expan-são da escola pública primária no Estado deSão Paulo, traduzida na invenção dos gruposescolares, marcaria as três primeiras décadasda República, fazendo surgir na paisagem ur-bana “templos de saber” (Souza, 1998), cujasimagens seriam difundidas em cartões-pos-tais.

A tabela a seguir, além de fornecer dadossobre o desenvolvimento dos grupos escolaresem São Paulo, mostra a grande ampliação dematrículas:

11.453

12.555

15.280

16.840

19.352

21.673

20.689

22.779

24.536

25.498

30.460

41.275

53.445

1898

1899

1900*

1901

1902

1903

1904

1905

1906

1907

1908

1909

1910

8

8

10

10

10

11

11

13

15

16

18

24

25

30

27*

35

39

41

47

51

55

57

60

63

68

77

38

35

45

49

51

58

62

68

72

76

81

92

102

6.134

6.647

8.526

9.468

9.898

11.654

10.589

11.696

12.565

13.278

15.666

21.229

27.244

5.319

5.908

6.754

7.372

9.454

10.019

10.100

11.083

11.971

12.220

14.794

20.046

26.201

Sexo feminino TotalSexo masculinoTotalInteriorCapital

Anos Alunos matriculadosNº de Grupos

* Foram dissolvidos os Grupos Escolares de São José dos Campos, Bananal e Ubatuba [Nota de rodapé original do Anuário, que acompanha esta tabela]Fonte: Anuário do Ensino do Estado de São Paulo 1910/1911.

Estado de São Paulo – Resumo estatístico dos Grupos Escolares de 1898 a 1910

Page 16: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

96

Segundo Rosa Fátima de Souza, a nova es-cola pública

[...] é uma escola para a difusão dos valores re-

publicanos e comprometida com a construção

e a consolidação do novo regime; é a escola da

República para a República. [...] era preciso fun-

dar uma escola identificada com os avanços do

século, uma escola renovada nos métodos, nos

processos de ensino, nos programas, na organi-

zação didático-pedagógica; enfim, uma escola

moderna em substituição à arcaica e precária

escola de primeiras letras existente no Império

[...] (Souza, 1998: 29).

Para coordenar as mudanças, em 1894, foiinaugurado na capital o novo e suntuoso pré-dio da Escola Normal Caetano de Campos, naentão retirada e recente Praça da República,topônimo perfeito para abrigar uma instituição-modelo encarregada de irradiar o projeto edu-cacional dos republicanos e suas inovações di-dáticas. Além de cuidar da formação dos futu-ros professores primários, a Escola Normalmantinha uma escola primária anexa, chama-da de Escola-Modelo, onde os normalistas dosúltimos anos faziam estágio, e um Jardim daInfância, primeira escola pública infantil, inau-gurada em 1896.

Interessante salientar que somente apósexatos cem anos da fundação da primeira es-cola pública infantil é que a Educação Infantilfoi incluída como primeira etapa da EducaçãoBásica, na Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional (Lei nº 9.394) de 1996.

A centralização do ensino primário a partirda Escola Normal Caetano de Campos colocouem relevo um grupo de normalistas que lá seformaram e que depois vieram a exercer cargospúblicos da administração escolar. Muitos de-les se tornariam também autores didáticos desucesso, como foi o caso de Arnaldo Barreto ede Mariano de Oliveira.

Os novos espaços escolares, cuja simetriados edifícios aponta a separação entre a seçãofeminina e a seção masculina, generalizarama aceitação do método simultâneo como for-ma de organização do tempo escolar, permi-tindo “a ação do professor sobre vários alunos

simultaneamente” (Faria Filho, 2000: 142) e,como conseqüência, a progressão seriada dosconteúdos.

Quanto ao processo de aprendizagem, pro-cura-se difundir com entusiasmo o “método in-tuitivo”, ancorado nas idéias de Pestalozzi e as-sim chamado porque dava muita importânciaà intuição, à

[...] observação das coisas, dos objetos, da na-

tureza, dos fenômenos e para a necessidade da

educação dos sentidos como momentos funda-

mentais do processo de instrução escolar.

Essa etapa da observação minuciosa e orga-

nizada é condição para a progressiva passagem,

pelos alunos, de um conhecimento sensível

para uma elaboração mental superior, reflexi-

va, dos conhecimentos. Tal etapa inicia-se pe-

las “lições de coisas”, momento em que o pro-

fessor deve criar as condições para que os alu-

nos possam ver, sentir, observar os objetos.

Podia-se realizar tal procedimento utilizando-

se dos objetos escolares ou dos objetos levados

para a escola (caneta, carteira, mesa, pedras,

madeira, tecidos...), ou realizando visitas e ex-

cursões à circunvizinhança da escola, ou, ain-

da, possibilitando aos alunos o acesso a gravu-

ras diversas, que tanto poderiam estar nos pró-

prios livros, de “lições de coisas” ou de outros

conteúdos, ou em cartazes especialmente pro-

duzidos para o trabalho com o método (Faria

Filho, 2000: 143).

A expansão da escola pública no Estado deSão Paulo procurava, portanto, articular o pro-grama ideológico da República com as inova-ções pedagógicas em voga na Europa, dando àescola primária uma finalidade cívica e moral,reorganizando o espaço e o tempo escolar e di-fundindo um novo método de ensino-aprendi-zagem.

Tal ponto de inflexão da escola primáriaexigia não só móveis específicos, mas tambémo uso de novos materiais didático-pedagógi-cos, como cadernos, livros e impressos icono-gráficos (mapas e cartazes). Se no início daRepública os móveis e alguns suportes de en-sino eram importados da Europa e dos Esta-dos Unidos, os livros tinham de ser traduzidose adaptados para nossa realidade. A conse-qüência imediata dessa expansão foi o desen-

Page 17: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

97

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

volvimento do mercado editorial e a profissio-nalização do escritor didático.

Prosperaram bastante nesse período edito-ras já tradicionais no segmento dos livros didá-ticos, como a Livraria Francisco Alves, fundadaem 1854 no Rio de Janeiro, cuja filial em SãoPaulo foi aberta em 1893. Se até 1889 a LivrariaFrancisco Alves havia publicado apenas 67 tí-tulos (sendo 59 de ensino), nas três décadas se-guintes ela acompanhou a expansão escolar,publicando 538 títulos, 295 dos quais eram di-dáticos.

Outras empresas, como a editora Melhora-mentos (1915) e a editora de Monteiro Lobato(1918) aparecem em São Paulo nessa época, fa-zendo do livro didático um importante ramo deseus negócios.

A leitura e a escrita, ensinadas simultanea-mente, são as principais atividades dos alunosna escola primária. Para as aulas de caligrafiafoi eleito o método americano, chamado de ca-ligrafia vertical, cujos cadernos graduados per-maneceriam no mercado até os anos 1990,como é o caso dos cadernos de Caligrafia verti-cal de Francisco Viana, publicados de 1909 até1999 pela editora Melhoramentos, segundo aqual essa série teve mais de 110 milhões deexemplares vendidos.

No início do século XX, a alfabetização vaiabandonando a toada da soletração das car-tas de ABC (bê-a-bá), conhecida por métodosintético, substituindo-o pelo método analí-tico, da silabação, adotado oficialmente noEstado de São Paulo (Mortatti, 2000), cujosexpoentes são: a Cartilha das mães e a Car-tilha analítica, de Arnaldo Barreto, a Cartilhaensino rápido da leitura e a Cartilha analíti-co-sintética, de Mariano de Oliveira, além daCartilha infantil, de Gomes Cardim, e daCartilha fácil, de Claudina de Barros, autoresligados à Escola Normal Caetano de Campos.Destas, a cartilha que parece ter alcançadomaior sucesso foi a Cartilha ensino rápido daleitura, de Mariano de Oliveira, que, publi-cada em 1917, permaneceu no mercado até1996, atingindo 2.230 edições e a produção demais de 6 milhões de exemplares. Nas pági-nas 43 e 44 dessa cartilha encontra-se a se-guinte “lição” patriótica:

Ofélia já está no grupo escolar.

2. Ela já sabe ler, escrever e contar.

3. Hoje ela teve uma lição de geografia.

4. Sabem vocês como foi a lição?

5. Primeiro, a professora lhe mostrou o globo

geográfico.

6. Mostrou-lhe no globo os mares e os continen-

tes.

7. Depois mostrou no globo a América do Sul e o

Brasil.

8. Ofélia está agora com um globinho na mão.

9. Ela mostra ao Hipólito onde fica o Brasil.

10. Hipólito ficou muito alegre e lhe disse:

11. Vamos ao gabinete, onde está o quadro-negro.

12. Vou fazer no quadro-negro a carta do Brasil.

13. Como o Brasil é belo e grande!

14. Viva a nossa Pátria! Viva o Brasil!

Além das cartilhas, os livros de leituratambém tiveram papel importante na conso-lidação da ideologia republicana, fazendocom que várias gerações lessem, escrevessem,decorassem e recitassem não só velhos ensi-namentos como, por exemplo, as Fábulas deEsopo e de La Fontaine ou as Máximas doMarquês de Maricá, mas também textos queconstruíam a idéia de pátria moderna e civi-lizada, ou seja, livros que veiculavam conteú-dos morais e cívicos e que privilegiavam ométodo intuitivo.

A República nacionalizou o ensino (sobre-tudo o ensino de Língua Materna, de Geografiae de História) e, para isso, foi imprescindível anacionalização do livro didático. A leitura orale coletiva, possível graças à nova organizaçãodo espaço e do tempo escolar com o ensino si-multâneo, tinha lugar de destaque, pois pormeio dela eram transmitidos e reforçados osnovos (e velhos) conteúdos.

Portanto, a difusão dos conteúdos moraise cívicos e do método intuitivo, patrocinadapelo novo regime, não se restringiu aos livrosde “lições de coisas”; verifica-se sua influên-cia nas várias publicações do período, atingin-do desde cartilhas de alfabetização até livrosde leitura de várias áreas e destinados a váriosgraus.

Assim, além do objetivo ideológico, presen-te, por exemplo, logo na abertura das Primeirasleituras, de Arnaldo Barreto,

Page 18: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

98

“Nossa Bandeira”

Pátrio pendão sacrossanto

Da família Brasileira!

Nossa adorada bandeira!

[...]

há nos livros didáticos uma preocupaçãomaior com a materialidade, tanto na escolhado papel, da capa cartonada, do acabamen-to esmerado, quanto na importância das ilus-trações e fotografias (tecnologia de ponta, naépoca, que deu emprego a muitos ilustrado-res), tudo para tornar os livros mais atraen-tes e em sintonia com as novas exigênciaseducacionais.

Nota-se o novo formato dos livros didáticostanto nos livros das grandes editoras, como aLivraria Francisco Alves e a Melhoramentos,quanto nos das pequenas editoras, como a Edi-tora Duprat e a Tipografia Siqueira, ambas deSão Paulo, destacando-se alguns exemplos,como: Noções da vida prática, de Félix Ferreira,Contos infantis, de Adelina Lopes Vieira e JúliaLopes de Almeida, Poesias infantis, de OlavoBilac, Através do Brasil, de Olavo Bilac e ManuelBonfim, Pequenas leituras, de Ramon RocaDordal, Livro dos principiantes, de NestorMartins de Araújo, Nossa Pátria, de Rocha Pom-bo, e os difundidos livros de leitura de JoãoKopke, Tomás Galhardo, Hilário Ribeiro,Arnaldo Barreto.

Interessante salientar que mesmo quandohá poucas ilustrações, como é o caso do Livrode composição, de Olavo Bilac e Manuel Bonfim,o conteúdo é montado e apresentado gradual-mente, para atender tanto aos objetivos moraise instrutivos quanto à observação minuciosa e

organizada requerida pelo método intuitivo, oque explica a grande atenção dada à descrição.Nesse livro, uma rápida consulta ao índicepode ilustrar a apreensão sensível de objetos,pessoas e cenas que estão presentes na escola,no lar e na sociedade:

Enumerações: material escolar, sala deaula, corpo humano, peças do vestuáriomasculino, quarto de dormir, cozinha etc.

Exposições: trabalhos escolares, conduta narua, trajeto da escola, serão em família, as-seio etc.

Descrições: caneta, livro de leitura, mesa dejantar; praça pública, sala de aula; descri-ção geográfica, paisagem da minha janela;borboleta, papagaio; Machado de Assis,Deodoro da Fonseca; tempestade, acende-dor de lampiões, noite e estrelas; mendigaetc.

Cartas: de saudações, ao professor, a umamigo etc.

Dissertações: caridade, amor filial, escolae instrução etc.

A tendência desses livros didáticos se con-servaria vigorosa até a década de 1930, sendoque vários deles, transformados pelo uso embest-sellers didáticos (como os da FranciscoAlves e da Melhoramentos aqui citados), sobre-viveriam pelo menos até os anos 1970.

O último aspecto importante a ser salien-tado diz respeito à progressiva rarefação dasmatrículas à medida que o curso primárioavançava, o que causava inchaço nas classesde primeiro ano e esvaziamento significativoa partir do segundo ano, como mostra a tabelaa seguir, de 1936:

Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral Masc. Fem. Geral

1º ano 47.341 41.557 88.898 9.806 8.500 18.306 37.506 30.976 68.482 94.653 81.033 175.686

2º ano 35.937 33.113 69.050 5.579 4.860 10.439 11.466 9.527 20.993 52.982 47.500 100.482

3º ano 26.304 24.962 51.266 3.529 3.038 6.567 4.331 3.672 8.003 34.164 31.672 65.836

4º ano 16.733 16.622 33.355 1.792 1.582 3.374 384 406 790 18.909 18.610 37.519

Total

Discriminação

Mat

rícul

a in

icial

Urbanos Distritais Rurais Total

Estado de São Paulo – Resumo do movimento de todos os cursos ouunidades de ensino primário geral mantido pelo Estado em 1936

126.315 116.254 242.569 20.706 17.980 38.686 53.687 44.581 98.268 200.708 178.815 379.523

Page 19: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

99

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

Essa situação, perpetuada durante décadas,acabava se refletindo na tiragem dos livros deleitura que, sem dúvida, ía diminuindo à medi-da que o livro era direcionado para as classesmais adiantadas. Em 1946, por exemplo, a Li-vraria Francisco Alves reeditou os Livros de lei-tura, de Felisberto de Carvalho, amplamenteadotados nas escolas primárias, sendo que oprimeiro volume, indicado para o 1º ano, esta-va na 130ª edição, o segundo volume (para o 2ºano) na 107ª edição, o terceiro volume (para o3º ano) na 75ª edição e o quarto volume (para o4º ano) na 42ª edição.

A longevidade de cartilhas e livros de leitu-ra para o curso primário, concebidos ou impul-sionados a partir da República (e alguns, comovimos, sobreviveram bravamente até a décadade 1990), vem nos alertar para a permanênciadesses modelos na escola. A principal razãodessa permanência deve-se, provavelmente, aofato de que tais modelos puderam serreadaptados e postos a serviço de subseqüen-tes ideologias, métodos e organização escolar.

Deixando de lado a escola primária, passe-mos agora para o segundo tópico da discussão,que focalizará algumas questões de leitura noensino secundário, a partir do Colégio Pedro II,no Rio de Janeiro.

O ensino de Português no Brasil, como dis-ciplina curricular institucional, é recente e con-temporâneo à fundação do Colégio Pedro II, em1837, escola secundária padrão da elite brasi-leira. A duração do curso secundário era equi-valente ao período que hoje compreende asquatro últimas séries do Ensino Fundamentalmais o Ensino Médio.

O estudo dos programas de ensino do Colé-gio Pedro II aponta que até 1869 as aulas dePortuguês eram insignificantes no currículo, noqual predominavam as disciplinas clássicas,principalmente o Latim. A partir de 1870, logoapós a inclusão do exame de Português entreos “preparatórios” – exames que davam acessoaos cursos superiores no Brasil (Direito, Medi-cina, Engenharia) –, verificou-se a ascensão doensino de Português no currículo do ColégioPedro II, cujo desenvolvimento, ainda que su-jeito a variações, foi sempre crescente.

Já a literatura nacional era ensinada no cur-

rículo de Retórica e Poética, disciplina exigidanos “preparatórios” das Faculdades de Direitoaté 1890, exigência que, entre nós, parece tersido responsável pelo estreitamento de laçosentre a preparação retórico-literária e os cur-sos jurídicos.

O ensino da língua e da literatura nacionais(portuguesa e brasileira) sempre se pautou peloensino das línguas clássicas, sobretudo o Latim.A “gramática nacional” era estudada a partir dascategorias gramaticais da língua latina eexplicada como uma transformação desta, en-quanto a literatura nacional era apresentada se-gundo os critérios fixos da Retórica e da Poéticaclássicas, dividida por gêneros. A leitura literá-ria, base do ensino de Latim e Grego e base doensino de Retórica e Poética, também se trans-formou em base do ensino da língua e da litera-tura nacionais, erigindo os “clássicos nacionais”.

Inicialmente, as aulas de Português no Co-légio Pedro II, restritas ao primeiro ano, dedi-cavam-se apenas ao estudo de alguns tópicosgramaticais, especialmente dos verbos. Aospoucos, foram absorvendo práticas de ensino econteúdos das aulas de Retórica e Poética. Pri-meiro, em 1855, vieram a leitura literária e arecitação para auxiliar o ensino da língua. De-pois, em 1870, quando houve ampliação da car-ga horária da disciplina no currículo do Colé-gio Pedro II por causa de sua inclusão nos “exa-mes preparatórios”, entraram no currículo dePortuguês a redação e a composição. Em 1890,quando a Retórica e a Poética foram substituí-das pela História da Literatura Nacional, a gra-mática histórica também foi transferida para ocurrículo de Português.

A leitura literária, desde sua introdução em1855, reinou absoluta nas aulas de Português,sobretudo em antologias organizadas por pro-fessores portugueses e, mais tarde, por profes-sores brasileiros. As seletas mais antigas se-guiam os preceitos retóricos, apresentando osexcertos divididos por gêneros, como é o casoda Seleta nacional, de Caldas Aulete, e as maismodernas seguiam a orientação da história li-terária, dividindo os textos cronologicamente,por séculos.

Em ambos os modelos havia a preocupaçãode separar a prosa da poesia.

Page 20: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

100

Uma das seletas escolares de maior sucessono Brasil foi a Antologia nacional, de FaustoBarreto e Carlos de Laet. Sua permanência noensino secundário por mais de setenta anos (1ªedição, 1895; última edição, 1969) é testemu-nho da longa estabilidade do modelo de ensinoque privilegiava a leitura “intensiva” (Chartiere Hébrard, 1995) dos clássicos da literatura na-cional do século XVI ao século XIX.

A leitura da Antologia nacional, porém, nãoera complemento do manual de História da Li-teratura Nacional e sim ponto de partida, nasaulas de Português, para a aquisição e para otreinamento da norma culta vigente, em exer-cícios como leitura e recitação, ditado, estudodo vocabulário, da gramática normativa, da gra-mática histórica, exercícios ortográficos, análi-ses sintáticas e morfológicas, redação e compo-sição.

A leitura literária nas aulas de Portuguêsprocurava, portanto, oferecer “bons modelos”vernáculos (e morais) para a “boa” aquisiçãoda língua, além, é claro, de oferecer a seus lei-tores uma certa formação literária, mas sempriorizá-la.

Só depois da Reforma Capanema, em 1943,é que a História da Literatura Nacional tornou-se a principal atividade das aulas de Portuguêsdas três últimas séries do curso secundário (atualEnsino Médio) e passou a ser exigida nos exa-mes vestibulares de todos os cursos superiores,assinalando com isso a sua ascensão na escola.

A dependência do Ensino Médio em relaçãoao vestibular, como testemunhamos hoje, temorigem institucional nas reformas de ensino doEstado Novo. Porém o critério literário nacio-nalista, que norteava as aulas do curso secun-dário na década de 1940, esbarrava no modelotradicional de ensino da língua, engessada pelaleitura dos clássicos e defendida em nome davernaculidade brasi-lusa, impedindo que osautores do modernismo entrassem nos livrosdidáticos.

O ensino da gramática era supervalorizadoe intenso, fazendo com que os já memorizadostextos e poemas fossem retalhados e divididospor extensas análises morfológicas e sintáticas.

Até o final dos anos 1940, era comum nasaulas de Português o uso de uma antologia e de

uma (ou várias) gramática(s). Na década de1950, houve a fusão entre textos e gramáticanum só compêndio, mas ainda divididos emduas partes (Soares, 1996). A década seguinte(1960) trouxe uma nova organização aos livrosdidáticos, muito próxima da que conhecemoshoje, dividindo o ensino de Português por uni-dades, com leitura de texto literário, atividadesde interpretação e estudo de tópico gramatical,dando continuidade ao privilégio da língua cul-ta (Soares, 1996).

Apenas na década de 1970 é que a leiturados clássicos começou a ser substituída pela“leitura extensiva” (Chartier e Hébrard, 1995),sintonizada com os meios de comunicação demassa e com as inovações tecnológicas.

O novo modelo implantado no Brasil a par-tir de 1971, com a Lei nº 5.692, que redirecionouas Diretrizes e Bases da Educação Nacional,considerava a língua vernácula um “instrumen-to de comunicação” e “em articulação com asoutras matérias”, o que multiplicava as opçõesde textos para leitura em classe, tornando a lei-tura literária mais uma dessas opções.

Além disso, a lei estabelecia também queo ensino da Língua Portuguesa, disciplina quepassou a ser denominada Comunicação e Ex-pressão, deveria preocupar-se, daí em dian-te, com a “expressão da Cultura Brasileira”, li-bertando, portanto, do domínio clássico por-tuguês a língua e a literatura ensinadas emnossas escolas, facilitando e incentivando aleitura dos escritores e poetas modernistas edos autores vivos.

Dessa maneira, o ensino de Português pas-sou a admitir, cada vez mais, um número mai-or e mais variado de textos para leitura, desdeos tradicionais textos literários, consideravel-mente ampliados com a literatura contempo-rânea pós-1922, até todo tipo de manifestaçãográfica, incluindo textos de outras disciplinasdo currículo, textos de jornais, revistas, quadri-nhos, propaganda etc. Não foi por acaso, por-tanto, que o chamado boom da literatura infan-til tenha ocorrido nessa época, pois ela viria aentrar na sala de aula como mais uma das op-ções de leitura.

É ainda nos anos 1970 que aparecem técni-cas e engrenagens que parecem substituir o pro-

Page 21: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

101

O livro didático e a formação de professoresSIMPÓSIO 6

fessor na função de preparar aulas: estudo diri-gido, instrução programada, exemplar do pro-fessor com exercícios resolvidos e respostasimpressas em caracteres vermelhos. Essa novaconcepção de livro didático reflete a má forma-ção dos professores, decorrente da democrati-zação do ensino e da multiplicação de agênciasformadoras sem compromisso com a qualida-de (Soares, 2001).

Quanto à leitura, literária ou não, nota-se oaparecimento de uma “ficha de leitura”, quepassa a acompanhar os textos, propondo ativi-dades de leitura e de interpretação.

Nos anos 1990, verificam-se duas tendências:uma de abandono do livro didático, devido àsconcepções baseadas na “construção” de conhe-cimentos por alunos e professores; outra de con-trole e avaliação dos vários níveis de ensino pe-los órgãos oficiais, incluindo a avaliação dos li-vros didáticos do Ensino Fundamental.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais(PCN), instituídos em 1996, indicam que o en-sino de Língua Portuguesa deveria preocupar-se com os “textos que caracterizam os usos pú-blicos da linguagem”, orais e escritos. Baseadosnas teorias de Bakhtin, os PCN para o 3º e 4ºciclos (5ª a 8ª séries) privilegiam alguns gêne-ros para a leitura em sala de aula: cordel,“causos”, texto dramático, canção, conto, nove-la, romance, crônica, poema, entrevista, deba-te, notícia, editorial, artigo, reportagem, charge,tira, verbete, relatório, didático, propaganda.

Além de parecer novidade (que, como vi-mos, não é), a apresentação de textos por gêne-ros, sem contextualização histórica, pode gerarmuita confusão, uma vez que a definição de gê-nero é historicamente variável, quer porque es-teja ligada à circulação em cada época, querporque dependa da intenção de cada usuário,sem contar que é comum haver num mesmotexto mais de um gênero.

Outro incômodo desse tipo de divisão é oprivilégio que alguns gêneros acabam tendosobre outros, como parece ser o caso dos gêne-ros veiculados em jornais, cada vez mais pre-sentes na escola e nos livros didáticos. O usoexcessivo e indiscriminado do jornal na sala deaula, além de prejudicar a formação dos alunos,que deveria basear-se na diversidade de textos

e de gêneros, escamoteia um componente eco-nômico importante na definição dos custos dolivro didático: os gastos com o pagamento dedireitos autorais dos textos. Sem dúvida, os di-reitos autorais de textos de jornal são muitomais baratos do que, por exemplo, os direitosautorais de um texto literário.

Quanto à leitura literária, sobretudo a lite-ratura adulta (em oposição à literatura produ-zida para o público infantil e juvenil),acantonada no currículo do Ensino Médio des-de a Reforma Capanema (1943), vem manten-do seu cunho elitista, uma vez que uma parcelasignificativamente menor da população temacesso a esse nível de ensino. Suas diretrizes eseu currículo, ao que tudo indica, permanece-rão dependentes do exame vestibular. As listasde obras literárias destinadas a questões do ves-tibular, publicadas pelas universidades, acabaminfluenciando o currículo do Ensino Médio.

Creio que a expansão do ensino, atualmen-te em curso nos centros urbanos, obrigar-nos-áa refletir sobre o passado e a prever práticas deensino de Português capazes de transmitir ecompartilhar com públicos de diferentes clas-ses sociais e de diferentes faixas etárias diferen-tes tipos de textos, inclusive da literatura cano-nizada, pois é no espaço da escola que a demo-cratização pode e deve começar, uma vez que:“A leitura não é prática neutra. Ela é campo dedisputa, é espaço de poder” (Abreu, 1999).

BibliografiaABREU, Márcia (Org.). Leitura, história e história da leitura.

Campinas/São Paulo: Mercado de Letras/ALB/Fapesp,

1999.

CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Compa-

nhia das Letras, 1990.

CHARTIER, Anne-Marie; HÉBRARD, Jean. Discursos so-

bre a leitura: 1880-1980. São Paulo: Ática, 1995.

CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: refle-

xões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação,

n. 2, p. 177-229, 1990.

CORRÊA, Maria Elizabeth Peirão; NEVES, Hélia Maria

Vendramini; MELO, Mirela Geiger de. Arquitetura esco-

lar paulista: 1890/1920. São Paulo: Fundação para o

Desenvolvimento da Educação. Diretoria de Obras e

Serviços, 1991.

FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Instrução elementar no

Page 22: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

século 19. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FI-

LHO, Luciano Mendes de; VEIGA, Cynthia Greive. 500

anos de educação no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Au-

têntica, 2000.

FERREIRA, Avany De Francisco; CORRÊA, Maria Elizabeth

Peirão; MELLO, Mirela Geiger de. Arquitetura escolar

paulista: restauro. São Paulo: Fundação para o Desen-

volvimento da Educação, 1998.

LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. A formação da lei-

tura no Brasil. São Paulo: Ática, 1996.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Os sentidos da alfa-

betização. São Paulo: Editora da Unesp/Conped, 2000.

RAZZINI, Márcia de Paula Gregório. O espelho da nação: a

antologia nacional e o ensino de português e de litera-

tura (1838-1971). 2000. Tese (Doutorado). Instituto de

Estudos da Linguagem. Universidade Estadual de Cam-

pinas.

SOARES, Magda. Português na escola: história de uma dis-

ciplina curricular. Revista de Educação da AEC, n. 101,

p. 9-26, out./dez. 1996.

. O livro didático como fonte para a história

da leitura e da formação do professor-leitor. In: MARI-

NHO, Marildes (Org.). Ler e navegar: espaços e percur-

sos da leitura. Campinas: Mercado de Letras/ALB, 2001,

p. 31-76.

SOUZA, Rosa Fátima de. Templos de civilização: a implan-

tação da escola primária graduada no Estado de São

Paulo (1890-1910). São Paulo: Editora da Unesp, 1998.

Page 23: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

103

SIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIO 77777

O DESENVOLVIMENTO DA EJA EA FORMAÇÃO DE PROFESSORESNA AMÉRICA LATINA

José Rivero

Maria Dulce Borges

Graciela Messina

Page 24: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

104

No início da última década, foram apresen-tados os resultados da única pesquisa regionallatino-americana realizada na área de Educa-ção Básica de Adultos (EBA).1

Os professores entrevistados durante essapesquisa indicavam como principais motiva-ções e aspirações: a) a necessidade de um em-prego estável; b) uma maior participação nageração de processos administrativos; e c) anecessidade de dispor de mais tempo livre pararealizar outras atividades. Uma maioria signi-ficativa dos entrevistados também declarouque seu interesse em trabalhar com jovens eadultos havia influenciado sua decisão de tra-balhar com a EBA, especialmente em vista doacréscimo que essa atividade representava emseus exíguos salários. Coerentemente com ointeresse em trabalhar com jovens e adultos,as respostas à pergunta “Com que grupo vocêse sente mais capacitado para desempenharsuas tarefas?” incluíram tanto jovens e adultosda educação básica quanto alunos do EnsinoMédio. Por sua vez, as fontes de maior insatis-fação para os professores consultados foram ascondições ruins de trabalho (associadas a pro-blemas de infra-estrutura, à carência de ma-terial didático, à instabilidade funcional e, in-clusive, à segurança pessoal) e, em segundoplano, a dispersão e a falta de interesse dosparticipantes.

Pode-se afirmar que existe um desconheci-mento grave a respeito dos professores comoprofissionais e que são raros os países que pos-suem dados sobre as condições sociodemo-gráficas, profissionais e ocupacionais básicas domagistério e da composição das equipes docen-tes das escolas. Esse desconhecimento afeta

Formação de professores paraa Educação de Jovens e Adultos

José Rivero*

Unesco/Peru

também os sindicatos e as associações de clas-se, que tendem a tratar seus associados comosujeitos de classe. Mesmo nas associações do-centes, as áreas de Educação de Jovens e Adul-tos (EJA) não são, normalmente, levadas emconta para fins da própria organização sindical.

Quais as características mais marcantes dosprofessores que trabalham com educação deadultos em instituições de ensino públicas?

O educador de adultos na América Latinaapresenta heterogeneidade de formação, de ní-veis, de funções e de práticas docentes, assimcomo divergência de pontos de partida, concep-ções, enfoques, experiências educativas e metas.Se houvesse traços comuns que o identificassemcoletivamente, esses seriam a não-especializa-ção como professores de jovens e adultos bemcomo a tradição de utilizar a transmissão de co-nhecimento como procedimento pedagógicoúnico para desenvolver a capacidade do educan-do em reproduzir o que lhe foi transmitido.

Às insuficiências técnicas ter-se-ia queacrescentar, no caso da educação básica ou fun-damental de adultos, a situação marginalizadaem que se encontra o professor, em uma mo-dalidade também marginalizada nos sistemaseducacionais. Assim, a nomeação de professo-res obedece mais a critérios administrativos doque à busca de profissionais que reúnam requi-sitos específicos. Em alguns casos, o número deanos na docência é determinante para que oprofessor obtenha uma colocação na área deEJA. Em outros casos, deve-se a gestões pesso-ais dos professores para obter uma colocaçãoadicional àquela desempenhada em institui-ções educacionais infantis ou juvenis em horá-rios diurnos ou, ainda, a critérios arbitrários

* José Rivero é educador peruano e consultor internacional na área de Educação.

1 Essa pesquisa foi desenvolvida pela Unesco como marco do Projeto Principal de Educação na América Latina e no Caribe e contou com aparticipação de 12 países da região.

Page 25: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

105

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

pessoais e político-partidários por parte dasautoridades da área educacional.

Apesar dos excelentes casos de identifica-ção com seu trabalho, especialmente no que serefere a docentes de instituições de ensino re-gulares, a situação dos professores dessa mo-dalidade de ensino não escapa à grave situaçãodo conjunto de docentes. As condições salari-ais sumamente deterioradas, um alto grau deinstabilidade funcional em vários dos paísesestudados, a jornada de trabalho dupla comgrupos absolutamente heterogêneos de crian-ças e jovens, durante o período da manhã, e dejovens e adultos com pouca ou nenhuma esco-laridade nas instituições vespertinas ou notur-nas, a deterioração das condições materiais detrabalho – geralmente em instituições de ensi-no que “sofrem” durante o dia com a freqüên-cia de diferentes tipos de alunos de outras tan-tas instituições de ensino – constituem parte dadívida regional para com esses professores.

A atual formaçãodo professor de jovense adultosA formação recebida em universidades, em

instituições superiores de formação de profes-sores ou em instituições de aperfeiçoamentonão habilita os professores para atender aos re-quisitos especiais que caracterizam um ensinono qual os participantes são os próprioseducandos e não o educador.

Os docentes com título pedagógico foramformados para educar crianças – com as sériasdeficiências reconhecidas em sua formação ini-cial – e, ao chegarem às instituições vesperti-nas ou noturnas, tiveram de se adaptar e de or-ganizar seu trabalho pensando em adultosquando, como mostra a realidade, a maioria dosparticipantes é composta de jovens.

Os critérios de formação estão fortementeassociados à teoria e à prática da escolaridade,sendo o “rendimento acadêmico-intelectual”do educando o principal objetivo da formação.Observa-se, entretanto, uma débil e deficienteformação inicial do docente, agravada nessecaso pela circunstância de ele não haver rece-

bido especialização para o trabalho com jovense adultos com as características dos participan-tes. Em alguns casos, impera a habilitação in-formal ou extracurricular de docentes não-especializados na EJA (não nos esqueçamos deque a média de professores sem formação naAmérica Latina é de 21,3% e que essa situaçãoestá associada ao fato de esses professores atu-arem em áreas carentes ou marginalizadas).Ademais, existe uma profunda heterogeneida-de na formação pedagógica dos professores, queresulta em uma nítida diferença entre os quepossuem formação e os que não a possuem. Osprimeiros estariam mais próximos de conhecere de motivar-se com outros conteúdos mais crí-ticos e com técnicas mais participativas de en-sino. Entretanto, em ambos os casos, pesa mui-to o uso cotidiano da instrução tradicional.

Um problema que afeta a imagem e o rendi-mento profissional é o não-reconhecimento daatual educação de adultos como uma modalida-de necessária e fundamental da atividade educa-cional sob a responsabilidade do Estado. Orça-mentos baixos e níveis escassos de supervisão erequisitos profissionais, acrescidos à ausência depoder de organização e pressão por parte dos usu-ários potenciais, são apenas uma faceta do pro-blema. Mas é importante salientar-se que a EJAnão logrou obter credibilidade social e tampoucoé vista como útil ou necessária pela comunidade.A organização escolarizada tradicional, por meiode aulas ministradas por professores sem forma-ção especializada, tende a diminuir a demandapor esses serviços e a acentuar a desigualdade naaprendizagem entre grupos populacionais quedemandam atenção prioritária e uma educaçãode melhor qualidade.

Rumo a novas estratégiasde formação de educadoresde jovens e adultosUma premissa básica nesse caso é que a EJA

deve concentrar-se em processos de ensino eaprendizagem, os quais, por sua própria natu-reza, demandam dedicação, disciplina e espe-cialização profissional, além de tempo suficien-te. Essa afirmação é particularmente importan-

Page 26: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

106

te, sobretudo se considerarmos a tendência deoutorgar-se à educação capacidade para resol-ver mais problemas do que esta pode efetiva-mente suportar. Assim, o crescente desempre-go e subemprego de seus usuários – reais oupotenciais – pode influenciar para que se exi-jam da EJA soluções ou contribuições específi-cas para a solução desse problema estrutural,ou de outros graves problemas sociais, o queextrapola, em muito, suas possibilidades.

Outras premissas a serem consideradas in-cluem:

• A crescente universalização do acesso àeducação básica e secundária – bem comoas características dos jovens e adultos quedela participam – tem como conseqüênciauma heterogeneidade do alunado atendido.Esses alunos, além de pertencerem às cama-das baixas ou pobres da sociedade, apresen-tam idades, experiências de vida e interes-ses distintos. Assim, é fundamental que osprofessores estejam habilitados a encontrare utilizar novas formas de ensino e aprendi-zagem que lhes permitam lidar com a diver-sidade cultural, com as diferentes compe-tências dos alunos e com as distintas situa-ções de vida que estes enfrentarão ao con-cluir um grau ou ciclo escolar.

• Uma das principais disposições de Jomtiendetermina que os conteúdos curriculares se-jam cada vez mais associados à lógica da sa-tisfação das necessidades fundamentais deaprendizagem dos participantes. No caso dejovens e adultos, esse não é um tema despro-vido de conceitos, de enfoques teóricos oude experiências realizadas. A partir das prá-ticas sistematizadas da “Educação Popular”na América Latina, emerge com vigor a idéiade que as necessidades fundamentais doadulto constituem um todo inter-relaciona-do. A resposta que satisfaz uma necessidadede aprendizagem específica gera um ciclo dereações que vão permitindo a manifestaçãode novas necessidades que devem, igual-mente, ser satisfeitas. Esse processo estrutu-ral e interdependente do processo de forma-ção de adultos permite visualizar a ação edu-cacional como um processo que transcendea EJA, operacionalizada em uma realidadeeconômica e política que desafia, contradi-toriamente, a modernidade. Isso obriga a

propor-se um trabalho de formação em umplano duplo e segundo a realidade institu-cional da EJA em cada país. Esses planos po-dem ser seqüenciais ou programas que se de-senvolvem de forma paralela. De imediato,e como forma de iniciar a EJA vinculada a ne-cessidades básicas circunstanciais, o objeti-vo é formar esses jovens e adultos como ato-res com valores, atitudes, conhecimentos ecompetências que os habilitem a enfrentarsuas necessidades de aprimoramento profis-sional, de uma maior participação no exer-cício da cidadania e de um intercâmbio cul-tural que, em última análise, lhes permitamparticipar da transformação de suas ativida-des profissionais e de suas condições de vida.

• Considerando-se a relação direta entre amotivação para participar e a real utilida-de de um ensino e de uma aprendizagemcentrados no aluno, é imprescindível quesejam redefinidas as atuais estruturas e osatuais procedimentos escolares, tanto daeducação básica quanto da educação se-cundária de jovens e adultos. A concepçãoatual de instituições de ensino para adul-tos, com horários e currículos fixos que de-mandam a assistência diária e em períodosde tempo que cobrem vários anos de esco-laridade, teria de ser seriamente redefinida.Hoje, o baixo impacto desse tipo de pro-grama requer sua modificação, por meio demodalidades semipresenciais e com con-teúdos curriculares e materiais de auto-aprendizagem adequados às demandas e àsnecessidades básicas de aprendizagem,com uma melhor qualidade de vida dosparticipantes.

• A tendência à descentralização impõe novosdesafios a professores e diretores, que devemser levados em conta nas propostas de for-mação de professores. Uma das conseqüên-cias dessa mudança é que as instituiçõeseducacionais começam a usufruir de um cer-to grau de autonomia organizacional e ad-ministrativa. Essa nova autonomia dá a dire-tores e a professores mais espaço para a to-mada de decisões, para a organização de pro-jetos educativos capazes de gerar e atrair re-cursos ou para a adoção de iniciativas deajustes curriculares. Não restam dúvidas,entretanto, de que esses mesmos diretores e

Page 27: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

107

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

professores necessitarão de maior compe-tência para planejar, administrar e imple-mentar decisões, sem a tradicional depen-dência dos níveis centrais. E será tambémnecessário modificarem-se os critérios deseleção e nomeação de diretores, professo-res e supervisores envolvidos no próprio pro-cesso de aperfeiçoamento de docentes.

• Esses processos de descentralização pode-rão estar associados a crescentes esforçospara priorizar políticas sociais, em um am-biente regional com visíveis resultados defrustração em relação a políticas neoliberais.Serão também necessárias harmonizaçõese alianças mais efetivas e eficazes com asexperiências de outros setores públicos e deassociações da sociedade civil com vastaexperiência em trabalhos participativos nonível local, municipal ou estadual.

• Estimular a priorização do público a ser aten-dido e o compartilhamento de responsabili-dades pressupõe acordos voltados para açõescomuns e complementares entre órgãos go-vernamentais e organizações não-governa-mentais. Um desafio ainda a ser superadopor ambos os tipos de instituição é a intro-dução de novos processos lógicos que trans-formem microexperiências em experiênciasmais abrangentes (macroexperiências), quepermitam a superação da tendência paraprescrever, ensinar e transmitir conceitos epráticas ao educando e que utilizem a expe-riência de vida, os saberes, os conhecimen-tos, as informações, os valores e as atitudesdos educandos, tanto jovens quanto adultos.

Como reposicionar o educadorde jovens e adultos em umaprofissão compatível com umaeducação entre pessoasadultas?

1. Entendendo que o jovem e o adulto, tantoindividual como socialmente, são atoressociais com conhecimentos, informações,habilidades, valores e atitudes – produtode sua experiência de vida – e com baga-gens significativas de sua história pessoale coletiva.

2. Admitindo que todos os elementos que osparticipantes trazem consigo são factíveisde ser intercambiados, fortalecidos eredefinidos e que isso somente será possí-vel na medida em que esses participantesforem capazes de analisar esses elementosde forma crítica e de buscar novas infor-mações, novos conhecimentos, novas ha-bilidades, novos valores e novas atitudesque satisfaçam suas necessidades deaprendizagem.

3. Partindo do pressuposto de que o aportepedagógico central dos educadores da EJAé gerar mecanismos de formação que per-mitam ao participante:

• criticar os elementos que constituemsuas experiências de vida;

• buscar as informações e os conhecimen-tos necessários para gerar habilidades,valores e atitudes que afirmem sua con-dição de sujeito em processo de transfor-mação;

• confrontar essas novas informações, es-ses novos conhecimentos e valores comaqueles que possui, os quais foram anali-sados de forma crítica;

• reconstruir sua competência pessoal ecoletiva em uma síntese teórica e práticaespecífica, que o habilite a superar a pro-blemática reconhecida (e que serviu debase para o processo educativo).

4. Preparando o educador como gerador deprocessos pedagógicos que permitam rea-lizar uma educação entre adultos, com osjovens e os adultos em formação.

Como preparar esse educadorde jovens e adultos?Há que se fazer uma dupla aproximação

estratégica entre a capacitação para o exercícioda profissão e a formação inicial de novos edu-cadores de EJA.

Ambas as modalidades de formação exigema definição, nos programas de EJA, do caráterda formação específica desse educador bemcomo das novas conceituações políticas, estra-tégicas, institucionais e metodológicas que in-

Page 28: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

108

tegram as definições e os processos subjacentesà modernização econômica e sociopolítica denossos países.

Essa perspectiva deveria ir além das propostasde re-profissionalização regular e/ou capacitaçãopara o exercício da profissão, geralmente ofereci-das pelos centros de formação gerados nos siste-mas educacionais. Será necessário superarem-setanto a insistência da visão “escolarizante” quantoos mecanismos pedagógicos que continuam a ig-norar a especificidade da demanda por parte departicipantes jovens e adultos.

O desenvolvimento de novos projetos de“formação para o exercício da profissão” paraeducadores que assumirem essas tarefas deve-riam levar em conta – teórica e operacional-mente – a necessidade de aprofundar pelo me-nos os três aspectos seguintes:

• Por um lado, as hipóteses teóricas oumetodológicas nas quais devem estarapoiadas a nova EJA e a própria formaçãoespecífica de seus educadores.

• Por outro lado, determinar as “demandasdos educadores de EJA” em relação a suasnovas tarefas de educar jovens e adultos ca-rentes.

• Finalmente, formular as perguntas que de-verão orientar tanto as estratégias decapacitação quanto os processos pedagógi-cos que inspirem as políticas e as práticasde formação/aprimoramento, à luz dos no-vos desafios da EJA na América Latina.

As estratégias e metodologias que deveriamorientar as políticas de formação inicial dosnovos educadores de EJA não deveriam referir-se apenas a certas “adaptações curriculares” deplanos e programas de formação, mas tambémtentar modificar radicalmente esse tipo tradi-cional de formação de professores. Do mesmomodo, a formação de seus professores deveriaajudar a EJA a superar o atual isolamento dasinstituições públicas de ensino para jovens eadultos em relação a outras experiências insti-tucionais que possam enriquecer sua imple-mentação.

Nesse sentido, sugere-se considerar aspec-tos como os que seguem:

• Estudar a possibilidade de vincular e inte-grar a formação de educadores regulares

valendo-se de experiências de formação de“educadores polivalentes”, capazes de traba-lhar com crianças, jovens e adultos, capa-zes de organizar projetos educativos e detrabalhar com suas próprias comunidades,capazes de estimular a participação ativados pais e a educação de seus filhos.

• Na política pública destinada à formação deeducadores de jovens e adultos, não se podecontinuar a privilegiar objetivos ligados ex-clusivamente à recuperação de uma esco-laridade compensatória. A confluência dasatisfação das necessidades de formaçãodos jovens e adultos exige que o participan-te seja considerado na multiplicidade defunções “protagonísticas” que lhes cabe de-sempenhar, tanto em sua condição de agen-te produtor de bens (materiais e culturais)como em sua situação de reprodutor socialde bem-estar cultural e material.

• Caracterizar os processos educativos queoperacionalizem as estratégias metodoló-gicas da formação de educadores de EJA,enfatizando-se: a) as necessidades educa-cionais dos participantes como sujeitos so-ciais; b) os modelos curriculares que sirvama uma concepção e a uma ação educacio-nais entre adultos; c) os modelos de avalia-ção e controle dos processos de aprendiza-gem; d) os mecanismos de gestão educacio-nal que propiciem a maior participação dossujeitos em formação; e) a crescente intro-dução de tecnologias e meios educacionaisque conduzam à autonomia na aprendiza-gem.

• Refletir sobre os modelos de formação, nosentido de esclarecer as opções teóricas quecondicionam as práticas de formação e quepossam responder a perguntas como:

– Qual a situação dos modelos tradicionaisante os modelos personalizados?

– Como avaliar experiências sociais versussaberes pertinentes para os jovens de ori-gem popular nas escolas?

– As escolas e a aprendizagem são funda-mentalmente eficientes?

– A autonomia institucional está vinculadaà transformação social do desenvolvimen-to local?

Page 29: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

109

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

• Determinar os processos pedagógicos quedão prioridade às relações teoria/práticade formação social, à heterogeneidade desaberes e à integração de conhecimentos,à dimensão de modalidades de formaçãonão-presenciais, com especial ênfase sobrea produção de material educativo auto-ins-trucional e sobre a coordenação com ou-tros atores sociais e econômicos que os cor-roborem.

Novos requisitos deaprendizagem na Educaçãode Jovens e AdultosO impacto das novas condições sociais, eco-

nômicas e políticas dos países latino-america-nos, nas políticas e nos programas educativosdestinados a jovens e adultos, deve repercutirde modo direto na situação profissional dosprofessores encarregados desses programas.

Tanto a Conferência Internacional sobreEducação de Adultos realizada em Hamburgo(1998) como a estratégia de acompanhamentoadotada nos países da América Latina possibi-litaram uma nova agenda da Educação de Jo-vens e Adultos.

Será indispensável, em primeiro lugar, in-cluir, nos programas de estudos e nas novas es-tratégias de formação de educadores de jovense adultos latino-americanos, a associação dire-ta da EJA com um conceito de educação per-manente, ou educação que persistirá por todaa vida, como parte da redefinição dos concei-tos educacionais em curso, superando a atualassociação restrita a práticas escolarizadas.

É importante destacarem, como inspiraçãopara a formação de educadores de EJA, as se-guintes agendas temáticas definidas comoprioritárias na EJA regional:

a. A alfabetização considerada como acessoà cultura escrita, à educação básica e à in-formação.

b. A vinculação da EJA ao trabalho, tendocomo referência básica as reais possibi-lidades da EJA nos locais de produção eseu potencial para a melhoria da quali-dade de vida da população em situaçãode pobreza.

c. A educação cidadã, os direitos humanos e aparticipação de jovens e adultos,enfatizando-se a formação em valores de-mocráticos e o efetivo exercício das res-ponsabilidades e dos direitos humanos.

d. A EJA voltada para populações rurais e in-dígenas, com o objetivo de revigorar o tra-balho produtivo e organizacional em áre-as rurais e de ratificar e solidificar culturase identidades indígenas.

e. A afirmação dos jovens como públicoprioritário da modalidade educativa EJA,assumindo suas próprias particularidades,necessidades, diversidades e realidades,com ênfase especial sobre sua vinculaçãocom o trabalho produtivo, sua maior inser-ção como cidadãos e a conclusão de suaeducação básica e secundária.

f. Incorporar a igualdade de gênero à EJA, re-conhecendo as participantes do sexo femi-nino como sujeitos sociais com direito dedesenvolver seus conceitos, suas idéias eseus interesses singulares, bem como pos-sibilitando uma redistribuição mais justade responsabilidades.

g. Finalmente, associar intimamente os con-teúdos e as atividades da EJA a um desen-volvimento local e sustentável. Trata-se,aqui, de atribuir novo valor à importân-cia do local e à necessidade de construirsociedades locais em um mundo que seglobaliza, e de afirmar a idéia de desen-volvimento associada a uma geração decapacidades em permanente diálogo coma natureza.

Considerações finaisUma “re”-valorização da situação profis-

sional dos docentes de EJA exige a supera-ção da atual situação de abandono oficialem que se encontra a Educação de Jovens eAdultos e também que sociedades, governos– sobretudo estes últimos – destinem os es-forços e recursos necessários para igualar eincrementar os serviços educacionais ofe-recidos às camadas mais carentes das zonasrurais e urbanas, aos núcleos indígenas e,em geral, a todos os excluídos dos benefí-cios de uma sólida educação básica.

Page 30: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

110

Vale destacar que o Plano Regional de Açãolatino-americano apresentado no Fórum Mun-dial de Dakar (2000) estabelece seis objetivos aserem alcançados na primeira década do sécu-lo que inicia. Dois desses seis objetivos estãodiretamente relacionados com a EJA:

• Proporcionar um acesso eqüitativo aos pro-gramas de educação básica e permanentepara adultos e, no transcorrer do presentedecênio, reduzir pelo menos à metade asatuais disparidades entre os gêneros.

• Zelar para que as necessidades de aprendi-zagem de todos os jovens sejam satisfeitas,mediante um acesso eqüitativo a umaaprendizagem adequada e a programas de

aquisição de competências práticas.

Da mesma forma, segundo o Pronunciamen-to Latino-Americano feito por um numerosogrupo de educadores e intelectuais latino-ame-ricanos, “enquanto não se oferecer uma educa-ção de melhor qualidade aos menos favorecidose não se assegurar uma educação igualitária ahomens e mulheres, dificilmente poderemosavançar na meta de lograr eqüidade educacio-nal e, sem eqüidade educacional, dificilmenteavançaremos na conquista da justiça social”.

A existência de professores mais qualificados,para que jovens e adultos possam receber umaeducação de melhor qualidade, está diretamen-te relacionada à execução plena dessas priorida-des bem como à satisfação dessas demandas.

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) deveser vista não apenas como uma atividade suple-tiva, mas como uma educação permanente in-cluindo necessariamente uma formação sólidaque permita o desenvolvimento de conhecimen-tos específicos, suscetíveis de serem comprova-dos em atividades concretas. Essa é uma dasconclusões de um estudo conduzido pelaUnesco em sete países da América Latina, inclu-indo o Brasil, publicado sob o título Alfabetismofuncional em sete países da América Latina.

A década de 1990 foi testemunha de um cres-cimento exponencial na demanda de educação.Indivíduos, economias e sociedades viram-sepraticamente forçados a elevar os níveis de edu-

Educação de Jovens e Adultose formação de professores

Maria Dulce Borges

Unesco/Brasil

cação, o que teve como conseqüência um cres-cimento da participação individual e coletiva,num leque cada vez maior de atividades deaprendizagem envolvendo pessoas de todas asidades, sem a preocupação de tempo e de lugar.

O desafio recorrente da formação de pro-fessores estava colocado com muito maisacuidade e complexidade que nunca. Nos paí-ses que participaram na avaliação dos indica-dores de educação* cujo relatório foi publica-do no texto da OCDE em colaboração com aUnesco – Professores para as escolas de amanhã–, os professores representam uma proporçãoalta da força de trabalho em geral. Em média,um em cada 25 trabalhadores de todos os seto-

* Dezoito países: Argentina, Brasil, Chile, China, Egito, Índia, Indonésia, Jordânia, Malásia, Paraguai, Peru, Filipinas, Rússia, Sri Lanka,Tailândia, Tunísia, Uruguai e Zimbábue.

Page 31: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

111

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

res é professor; além disso, os professores sãoem geral os trabalhadores mais qualificados:mais de metade dos trabalhadores com ensinosuperior trabalha em educação.

No entanto, a grande questão não está ape-nas na formação de professores, mas em comocriar condições para retê-los no sistema.

Na realidade, as expectativas em relação aopapel do professor continuam altas apesar, ou porcausa, de todo o desenvolvimento tecnológico. Doprofessor se exige que, além de ser competente,atualize seus conhecimentos em alta velocidadee que, para além de suas capacidades técnicas epedagógicas, saiba lidar individualmente comalunos como pessoas, com seus valores e cultu-ras próprias. Essas expectativas da sociedade emgeral têm atingido níveis que se confrontam coma própria “profissionalidade” do professor.

Analisemos rapidamente este termo relativa-mente novo – profissionalidade. A partir de quemomento um ofício passa a ser uma profissão?

Estudos realizados nomeadamente emFrança, mostram que passamos a ser profissio-nais quando deixamos de seguir regraspreestabelecidas e passamos a ter estratégiasque seguem determinados objetivos dentro deuma certa ética. Ou seja, de modo abstrato ebastante genérico, há pelo menos três níveis dediferença entre ofício e profissão: uma primei-ra diferença no tipo de ocupação (manual e in-telectual ou artística); uma segunda diferençana natureza do saber, misterioso para o ofício epublicamente dominado e professado para aprofissão; e uma terceira ligada à legitimaçãosocial, que depende da utilidade para o ofício edo prestígio para a profissão. Exemplos flagran-tes de profissões que seguem esses critérios são,por exemplo, a advocacia e a medicina.

Um processo de profissionalização devetransformar um ofício numa profissão, um ar-tesão num profissional; mais propriamente,profissionalização é um processo de racionali-zação dos saberes. Um profissional é uma pes-soa que adquiriu competências específicas,especializadas, com base em saberes racionaisreconhecidos, legitimados pela universidade epelo exercício.

O profissional responde, adapta-se à de-manda, ao contexto, a problemas complexos e

variados, tem autonomia e responsabilidadepessoal, insere-se em normas coletivas que lhedão identidade profissional e num grupo quedesenvolve estratégias de promoção, de valori-zação e de legitimação.

Para a função docente o processo é igual. Oudeveria ser igual. Isto é, teoricamente, o pro-fessor é um profissional quando a atuação deleobedece aos critérios de racionalização dos sa-beres e de legitimação social, sumariamentedescritos acima, que definem uma profissão.

A formação tem, assim, uma importânciacrítica na profissionalização do professor. Ela éum dos suportes da trilogia ação/formação/pesquisa e da articulação entre suas respecti-vas lógicas na busca de uma mudança qualita-tiva que envolva a reflexão sobre valores, nor-mas, modelos.

A profissionalidade é tudo o que está paraalém da profissionalização, é o que está na baseda mudança, na consciência de si e dos outros,no desejo ou motivação para a função e na com-preensão da significação do que se faz. Ela, aprofissionalidade, é também um dos fatoresmais presentes na capacidade dos governos deatrair e reter professores qualificados na pro-fissão, o que por sua vez influi na capacidadede captar os melhores estudantes para se tor-narem professores.

Vejamos um pouco essa questão da reten-ção de professores, que afeta de maneira mui-tas vezes dramática a educação e a alfabetiza-ção de adultos.

Por força do direito de todos à educação, ossistemas educativos expandiram-se mundial-mente, o que exacerbou a necessidade de pro-fessores qualificados para atender o nível pri-mário e, sobretudo, o nível secundário, atual-mente sob pressão em quase todas as latitudes.O equilíbrio entre o que se espera dos profes-sores e o que lhes é oferecido em troca tem gran-de impacto na força de trabalho docente e naqualidade desse trabalho. Alguns países do Nor-te desenvolvido estão mesmo encarando a pos-sibilidade de atrair professores qualificados deoutros países, já que os profissionais nacionaisestão pouco a pouco perdendo a motivaçãopara esse trabalho! A constatação é que 30% dototal do corpo docente deixam a profissão an-

Page 32: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

112

tes de completar cinco anos (nos centros urba-nos essa porcentagem sobe para 50%!).

Apesar de o papel dos professores ser reco-nhecido na sociedade, ainda há dificuldade emassumir que a qualidade tem um preço. Nemtodos podem exercer a função docente, e nenhu-ma associação profissional aceitaria entre seuspares candidatos despreparados para a função.

Falando de desenvolvimento da EJA, essaquestão do recrutamento e da retenção de pro-fessores qualificados torna-se ainda mais críti-ca, já que nem sempre os recursos financeirosdisponíveis num determinado país permitem aimplementação de uma educação verdadeira-mente para todos, crianças, jovens e adultos. Noentanto, à medida que cresce o papel da edu-cação na dinâmica das sociedades modernas,ela, a educação, ocupa cada vez mais lugar, navida dos indivíduos, ao longo de toda a vida.Deixou de existir a delimitação de tempo, ida-de ou lugar, para aprendermos, para nos quali-ficarmos – a competência passou a serevolutiva, exigindo um grau elevado de adap-tabilidade. É o que se chama comumente ocontinuum educativo. A EJA constitui, assim,uma excelente ocasião para abordar questõesligadas ao meio ambiente e à saúde, à educa-ção em matéria de população, à educação paraos valores e culturas diferentes.

O nível de participação do adulto na vida danação depende em larga medida do nível de es-colaridade anterior, que produz um efeito cu-mulativo reconhecido por todos: quanto maisescolarizado o indivíduo, mais vontade ele temde aprender. Por isso os progressos na escolari-zação de jovens, os progressos na alfabetizaçãode adultos e qualquer impulsão à educação bá-sica estimulam e são estimulados pelo cresci-mento da demanda de educação de adultos, nassociedades de hoje e de amanhã. Daí que o anal-fabetismo nos países em via de desenvolvimen-to, o iletrismo nos países desenvolvidos e os li-mites da educação permanente constituem ver-dadeiros obstáculos a políticas de promoção deeqüidade e igualdade.

Nesse processo, o que é que, racionalmente,a sociedade pode esperar dos seus professores?Que nível de exigência é preciso colocar no tra-balho que fazem? Que contrapartida podem os

professores pretender – condições de trabalho,direitos, estatuto – na sociedade? E a grande per-gunta: quem pode ser um bom professor e comoencontrar essa pessoa, formá-la, preservar a suamotivação e a qualidade do seu ensino?

Teve lugar, de 5 a 8 de setembro de 2001, emGenebra, no Bureau Internacional da Educaçãoda Unesco, a 46ª Conferência Internacional deEducação, dedicada ao tema “Educação paratodos para aprender a viver juntos”. As conclu-sões dos debates, das sessões plenárias e dasoficinas que se realizaram durante a Conferên-cia, preparadas para os organismos governa-mentais e não-governamentais, para os profes-sores e suas organizações, para a mídia e todosos parceiros da sociedade civil interessados naqualidade e na pertinência da educação e emseu potencial para levar indivíduos e socieda-des a aprenderem a viver juntos, foram de gran-de relevância e oportunidade marcante – sobre-tudo se pensarmos nos acontecimentos ocorri-dos em setembro. É evidente que há urgênciacada vez maior de pormos de pé o conceito de“aprender a viver juntos”, um dos pilares da edu-cação, tal como definidos pelo Relatório Inter-nacional da Unesco, publicado sob o título Edu-cação, um tesouro a descobrir.

Não há dúvida de que o direito de todos àeducação ainda tem um longo caminho a per-correr, apesar da certeza generalizada que setem hoje de que a educação é o caminho paracombater a pobreza e promover a participaçãode todos nos níveis político, social e cultural.No entanto, o objetivo da educação para todosvai além da universalização pura e simples. Emcada país a luta pela coesão social e contra adesigualdade, o respeito pela diversidade cul-tural e o acesso a uma sociedade do conheci-mento, que pode ser facilitada pelas tecnologiasde informação e comunicação, estão direta-mente relacionadas com a qualidade da educa-ção. A própria diversidade lingüística e o fossoainda existente no âmbito do desenvolvimentocientífico e tecnológico dependem muito des-sa qualidade da educação.

Nesse contexto, as reformas são mais pro-cesso que produto. O importante, paralelamen-te à definição dos conteúdos, continua sendo oenvolvimento de todos os atores.

Page 33: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

113

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

Sendo assim, à parte a necessidade de sefazer um levantamento das práticas de ensinoe aprendizagem na linha do aprender a viverjuntos, visando seu estudo e divulgação mes-mo em nível nacional, os processos de reformadevem necessariamente facilitar e promover oenvolvimento de professores, ao mesmo tem-po que a área da formação deve desenvolvercom os professores os comportamentos, as ati-tudes e os valores que se quer ver praticadospelos alunos, no âmbito do respeito à diversi-dade. O uso das tecnologias de informação ecomunicação na formação e na sala de aula con-tribuirão também para a mudança necessáriada relação aluno/professor, acompanhando aevolução da sociedade nos últimos tempos.

Não nos esqueçamos de que a educação nãopode estar sozinha nesse processo de aprendi-zagem coletiva, para melhor viver juntos. Os

professores, as comunidades, as famílias, o se-tor econômico, a mídia, as ONGs e as autorida-des intelectuais e espirituais devem trabalharjuntos, cada um na sua área de competência,visando a um mesmo objetivo – a construção desociedades diversas mas solidárias, em paz con-sigo mesmas e com os outros.

O que pensam os professores a propósito detudo isso? Seria interessante e extremamenteelucidativo perguntar aos professores como elesse vêem na sociedade e no sistema educativo ecomo vêem a profissão docente, suas demandase incentivos, como se vêem na sala de aula. AUnesco estaria interessada em participar de umesforço como esse, pela importância que elepoderia ter na definição da identidade profissio-nal do professor e, portanto, na compreensãoainda mais aprofundada de seu papel e de suaprofissionalidade.

A formação de educadores:um caminho para atransformação da educação depessoas jovens e adultas

Graciela Messina

Unesco/Orealc/Chile

A tese principal:a mudança na Educação deJovens e Adultos começapelos educadoresA educação de pessoas jovens e adultas tem

enfrentado uma crise estrutural nos últimosvinte anos: em repetidas ocasiões, discutiu-seo sentido dessa modalidade e em diversas ou-tras os governos privilegiaram a educação dapopulação escolar. No entanto, a educação de

pessoas jovens e adultas desafiou o tempo econtinua tão presente quanto na década de1960, embora enfraquecida em alguns países daregião e marginal na maioria deles.

A tese desta apresentação é que estamosatravessando um momento favorável na Amé-rica Latina para gerar uma transformação posi-tiva na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Essa transformação deve começar nos pró-prios educadores. Ela deve ser gerada por pro-cessos integrados de formação, sistematizaçãoe credenciamento da experiência, que possibi-

Page 34: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

114

litem uma guinada radical tanto no trabalho ena profissão docentes como na EJA.

A mudança educacional tem habitualmen-te ocorrido a partir da concepção e da imple-mentação de novos planos de estudo, da ela-boração de materiais ou da implementação deprogramas de formação educacional. O currí-culo, os modelos de gestão e os materiais di-dáticos têm sido usados como estratégias paramelhorar a qualidade da educação, a qualida-de dos sistemas educacionais, suas estruturase suas funções. Os sujeitos têm sido relegadosa um segundo plano e tem prevalecido o pon-to de vista do “sistema” e de sua eficiência eeficácia. A formação dos professores tem sidoabordada da mesma maneira, vista como umaestratégia para melhorar a qualidade dos sis-temas educacionais, mas não como um espa-ço para o educador e seu trabalho educacio-nal, para a reflexão e para a sistematização desua prática.

A formação tem-se assemelhado mais auma missão salvadora para educadores ca-racterizados como pseudoprofissionais ousemiprofissionais do que a um espaço para oseducadores se assumirem como os intelectu-ais necessários que são, necessários para a so-ciedade e merecidamente participantes de umprocesso de aprendizagem permanente. A for-mação tampouco tem sido vista como parte le-gítima do trabalho docente e integrada a elecomo elemento da tarefa institucional e da ta-refa coletiva dos profissionais da área. Alémdisso, os educadores têm sido vistos principal-mente como um insumo ou fator do processoeducacional, ou seja, apenas como recursoshumanos e não como sujeitos e protagonistasda mudança educacional e social.

A principal limitação dos processos de for-mação reside nesse enfoque “de fora para den-tro”, que privilegia mais a formação que o tra-balho docente e que considera a formaçãocomo um meio destinado a preparar os educa-dores para os programas de reformas educa-cionais. Os governos têm procurado formarprofessores de acordo com os requisitos das re-formas e, assim, a formação tem sido definida“de cima para baixo”, seguindo a mesma ori-entação daquelas.

A formação docente tem reproduzido esseesquema e as práticas mais habituais de ino-vação e renovação nessa área têm consistidona definição de novos perfis para os educado-res, em mudanças nos planos de estudo, no es-tabelecimento de conteúdos mínimos para aformação, na elaboração de materiais, em con-cursos de projetos para instituições de forma-ção, no credenciamento institucional ou napromoção de pesquisas educacionais comorequisito ou norma estabelecida a partir donível central dos ministérios de educação. Emtodas essas estratégias, os educadores têm sidorelegados a um segundo plano. A formação dosformadores e o desenvolvimento de espaços dereflexão nos próprios locais de trabalho aindasão ações marginais.

Nesse contexto, no qual a formação tem-se tornado cada vez mais importante como es-tratégia de melhoramento ao mesmo tempoque os educadores continuam sendo executo-res e não protagonistas e em que a formaçãode educadores de jovens e adultos não foi abor-dada em toda a sua especificidade e comple-xidade, insere-se a tese que vamos analisar.

Estamos imbuídos da visão a partir do sis-tema, que anula os sujeitos e os encerra emcategorias de níveis e modalidades educacio-nais, nichos chamados educação formal enão-formal ou informal, educação inicial, bá-sica, primária, secundária, superior, intercul-tural, para adultos, e outros. A inovação edu-cacional está ameaçada por sua própria som-bra e, em muitos casos, corre o risco de se tor-nar apenas cópia ou réplica de algo já produ-zido em outro lugar, ou seja, a inovação podetornar-se repetição e, como qualquer repeti-ção, ficar mais próxima das classificaçõesdicotômicas e autoritárias que de espaçosmultidimensionais e abertos. O exposto aci-ma insere-se num campo educacional que,em nível teórico, é “fraco”, já que reproduzconceitos das Ciências Naturais e segue mo-delos explicativos mecânicos próprios do es-tilo do modelo de insumo–produto. A produ-ção de teorias no campo da educação, a par-tir da prática e do diálogo interdisciplinar, éa grande tarefa pendente sobre a qual se as-senta o tema que estamos analisando.

Page 35: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

115

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

Para transformar a educação de adultos,precisamos questionar as categorias habituaisque nos permitem organizar nossa prática edu-cacional e hierarquizá-la de acordo com os es-quemas conhecidos e aceitos como naturais.Atribuímos às normas contingentes a condi-ção de leis da natureza. “Desnaturalizar” asnoções e os nomes que constituem o campoda educação seria o primeiro passo para qual-quer mudança.

A transformação da EJA produzirá mudan-ças na educação como um todo, em sua tarefasocial e em suas relações com a vida cotidianae o trabalho. Para transformar a educação deadultos, precisamos, em primeiro lugar, ques-tionar suas fronteiras, articular suas diversasexpressões e reintegrá-la ao conjunto de pro-cessos educacionais dos quais ela está se-gregada ou separada. Essa é uma tarefa coleti-va a ser levada a cabo por todos os profissio-nais da área pensando juntos, por educadoresque estão investigando o que devem fazer.

Embora a tese aqui apresentada se baseiena noção de que a transformação da EJA deveocorrer a partir dos educadores e com sua par-ticipação, a tarefa situa-se num espaço de con-vergência entre dois campos: a chamada “edu-cação de adultos” e a formação docente, am-bos em processo de revisão e debate.

A educação de adultosA educação de adultos tem sido, desde

suas origens, um espaço com fronteiras per-manentemente redefinidas, um espaço con-traditório, tenso, propício tanto para a pro-moção de novas oportunidades para gruposexcluídos e para a experimentação de novaspráticas como para a reprodução de práticasescolarizadas e para a degradação e o empo-brecimento dessas práticas. Há dez anos, umapesquisa publicada pela Unesco chamou, emseu título, a educação básica de adultos de “aoutra educação” (Messina, 1993). Esse nomepermanece: a “outra”, sempre determinadapela educação oficial e vinculada a ela, desti-nada às novas gerações; a “outra”, para abran-ger também a possibilidade da saída, de seroutra e perder-se nessa singularidade, tornan-

do-se finalmente livre e legítima para criar suaprópria configuração.

A educação de adultos tem sido caracteri-zada pelo princípio da “compensação” e usa-da como um ato de “reparação” social princi-palmente pela escolaridade não alcançada porparte da população adulta. Desde sua origem,a educação de adultos tem estado vinculadaaos setores sociais mais excluídos. Educaçãode adultos é um nome que oculta o que todossabemos: que seus únicos destinatários têmsido adultos em situação de pobreza e que, namaioria dos casos, tem consistido em esforçosorientados pela perspectiva compensatória(“uma educação pobre para pobres”).

Os sistemas educacionais foram organiza-dos para formar as novas gerações por meio deuma instituição especializada, a escola, quedistribui a educação de acordo com a classesocial e com outras formas de classificação-discriminação. Nesse marco, a educação deadultos tem sido a educação dos que estão“fora”, uma tarefa definida como “supletiva” ou“compensatória”, concebida para reparar a fal-ta de oportunidades dos grupos que não tive-ram acesso à escola ou não puderam continu-ar seus estudos numa instituição escolar. Emsua aplicação, uma parte da educação de adul-tos cumpriu seu mandato social como “educa-ção compensatória” e outra se desvinculoudesse mandato e se comprometeu com os se-tores sociais excluídos. A educação populardeste século faz parte dessa educação de adul-tos que procura um outro caminho. A pedago-gia da libertação, promulgada por Paulo Freire,e a educação popular, construída a partir dateoria e da prática freireanas, caracterizam-sepor sua explícita intencionalidade política deconscientizar e promover a organização dossetores populares (García Huidobro, 1994).Desde a década de 1960, observamos a convi-vência de duas práticas de educação de adul-tos: uma compensatória e outra vinculada aossetores excluídos e a suas organizações.

Considerada em seu conjunto, a educaçãode adultos tem sido um espaço educacionalheterogêneo, fragmentado e sensível a mudan-ças políticas e sociais; retrai-se em tempos deditadura e expande-se em períodos de demo-

Page 36: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

116

cracia formal, em tempos de mobilização po-pular. Ao mesmo tempo, tem constituído umfoco de atenção educacional e de atrito socialpara os setores mais vulneráveis.

No entanto, a educação de adultos apresen-ta-se com uma configuração tão diversificadaquanto a enfoques, instituições e programasque não seria válido, na América Latina, abordá-la como uma “educação de adultos em geral”.Devemos considerá-la fazendo referência a eta-pas, países, grupos de países, modalidades,ações do Estado ou da sociedade civil. Nessecontexto, a primeira diferença significativapode ser identificada entre duas produções quecoexistem e se contrapõem na década de 1980e começam a se complementar na década de1990: os programas do Estado e os programasda sociedade civil.

Na maioria dos países, a educação de adul-tos oferecida pelo Estado tem sido não apenascompensatória, mas também seletiva. Sua ofer-ta concentrou-se nos centros urbanos e os gru-pos mais excluídos (“os pobres dos pobres”) nãotiveram acesso a ela. Por sua vez, as pesquisasindicam que as mulheres preferem participar deprogramas comunitários de alfabetização ou decapacitação para ofícios domésticos, enquantoos homens predominam na educação básica esecundária formal e nos programas de educa-ção profissionalizante de grande porte (Pieck,1996). Na educação básica formal de adultos,participam em maior número pessoas que játêm alguma escolaridade ou que foram expul-sas da escola recentemente. A educação secun-dária ou de segundo grau de adultos conta comum número maior de estudantes que a educa-ção básica, comprovando que a escolaridadeprévia condiciona a participação na educaçãode adultos (Messina, 1993). A educação-traba-lho para os setores mais excluídos continuousendo terra de ninguém na década de 1990(Pieck, 2000), da mesma maneira que a educa-ção pós-alfabetização esteve desconectada dotrabalho na década de 1980 (Schmelkes, 1988).Nesse marco, a educação de adultos apresenta-se como uma modalidade na qual predominamos jovens e na qual os “adultos adultos” e osadultos mais velhos têm pouca ou nenhumaparticipação.

Além de compensatória e seletiva, a educa-ção de adultos tem desempenhado papel mar-ginal no conjunto das ações dos países da re-gião e nas reformas implementadas na décadade 1990. Desempenhou um papel marginal,também, em projetos regionais ou internacio-nais de longo prazo implementados na Améri-ca Latina, como o Projeto Principal de Educa-ção para a América Latina e o Caribe – PPE(1980-2000) e a proposta da Educação para To-dos (1990-2000).

O PPE, definido na reunião de ministros deEducação realizada no México em 1979, resul-tou de um grande desejo dos governos da re-gião de trabalhar em conjunto. Esse projetocontemplava uma proposta de “educação paratodos” organizada em torno da educação bási-ca e inserida na linha da educação permanen-te. Desde suas origens, o PPE propôs-se a daruma resposta ao analfabetismo e a melhorar aoferta da educação de adultos. Sua propostaoriginal compromete-se com os setores maisexcluídos e assume a perspectiva de “eliminar”o analfabetismo e “ampliar os serviços” da edu-cação de adultos. Esse enfoque reduz o analfa-betismo a um sintoma e a educação de adultosa uma oferta que deve ser ampliada, com basena mesma lógica que imperou para o sistemaeducacional formal: a expansão da cobertura.Além disso, o discurso e a prática do PPE con-centraram-se progressivamente, nas duas últi-mas décadas, no sistema educacional formal, naescola e nos processos de ensino e aprendiza-gem.

Essa posição secundária desenvolveu-se detal forma que, em alguns países, a educação deadultos descentralizou-se a ponto de dissolveras estruturas nacionais da modalidade (Argen-tina, dissolução da Dinea) Em outros países, noentanto, foram mantidas estruturas fortes ecentralizadas, com uma gestão progressiva-mente descentralizada (Inea, México; Conafe;outras instituições). Nesse sentido, o interessedo Estado em relação à educação de adultos émuito diferente na região. Nos países em quecontinua funcionando como um espaço “regu-lar”, a educação de adultos é um espaço “à par-te”. Em alguns países a segregação é tão acen-tuada que foi definida em lei como um “regime

Page 37: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

117

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

educacional especial”, como a educação espe-cial, a educação artística e a educação para po-pulações indígenas.

Marginal, compensatória, seletiva e segre-gada: esses atributos se conjugam e definem umespaço para a educação de adultos. A con-trapartida social é um alto contingente de jo-vens e adultos que são analfabetos ou não che-garam a concluir o primeiro grau. Segundo es-timativas da Unesco, essa população totalizava150 milhões no início da década de 1990 e semanteve nos mesmos níveis até o final dessadécada. Ainda de acordo com essas mesmasestimativas, a maioria desses jovens e adultosvive no Brasil e no México. Essa demanda silen-ciosa – que não demanda – deve ser alvo da ta-refa que precisamos levar a cabo. É a partir des-sa caracterização que devemos abordar a for-mação dos docentes.

Um outro aspecto fundamental a ser leva-do em consideração ao se falar sobre a forma-ção dos educadores de adultos é o fato de o cha-mado “analfabetismo” incluir tanto as popula-ções que desconhecem a escrita da língua ofi-cial (os chamados “analfabetos absolutos”)como as populações cuja escolaridade é insufi-ciente para possibilitar sua inclusão na socie-dade (os chamados analfabetos funcionais, cujoindicador é a escolaridade básica incompleta,assumindo-se a conclusão de sete séries comoelemento discriminador) (Infante, 2000).

Além disso, o analfabetismo de indivíduos egrupos é sempre um “problema” social, um sin-toma de exclusão social e de colonização cultu-ral que não pode ser reduzido a habilidades deaprendizagem ou a competências sociais. Nomesmo sentido, a alfabetização não se resume àpossibilidade de ter acesso a um código e deadministrá-lo: ela implica a capacidade de pen-sar a partir de um código e a possibilidade depoder contar com espaços de trabalho e famili-ares nos quais a língua escrita faça parte da vidacotidiana. A formação docente deve contemplara preparação para essa maneira de conceber econtextualizar o analfabetismo e a alfabetização.É importante, também, que concebamos a alfa-betização como elemento da distribuição socialdo conhecimento. Ser alfabetizado é condiçãonecessária para participar da produção e da cir-

culação do conhecimento e também do mundodo trabalho e dos sistemas de poder (Infante,2000; Kalman, 2000).

A educação de adultos caracteriza-se pelaheterogeneidade e fragmentação, desde as cam-panhas maciças de alfabetização até os progra-mas de continuação de estudos primários oubásicos e secundários e os programas de edu-cação profissionalizante. Embora os países setenham proposto a criar sistemas integrados deeducação de adultos, suas diferentes modalida-des continuam, na prática, desvinculadas.

Essa desarticulação se soma à exclusão en-frentada pela maioria dos países. Além disso, afalta de ações intersetoriais parece caracterizara educação de adultos: enquanto os Ministériosda Educação ou instituições semelhantes seencarregam da alfabetização e da educação for-mal de adultos, os Ministérios do Trabalho e osinstitutos de formação profissional assumem aeducação profissionalizante. Embora algunsMinistérios da Mulher ou da Juventude assu-mam tarefas de alfabetização ou de educaçãoprofissionalizante, em convênio com Ministé-rios da Educação ou independentemente, eembora a atuação de Ministérios do Trabalhoou da Mulher nessa área tenha sido registradacomo uma novidade na década de 1990, aindanão existe uma agenda intersetorial efetiva.Some-se a esse fato a sobreposição de umagrande quantidade de instituições e progra-mas. No caso da formação profissional na Amé-rica Latina, temos um verdadeiro emaranha-do de instituições (Gallart, 2000) e no Méxicoa situação é semelhante (Pieck, 1996). Ao mes-mo tempo, os governos optaram, no campo daeducação de adultos, por políticas de “omis-são” (não fazer nada e direcionar recursos paraoutras áreas), de eliminação (dissolução de es-truturas, centros e programas) ou de emergên-cia (programas maciços de curto prazo cen-trados em resultados rápidos e não em proces-sos). Tanto as campanhas de alfabetizaçãocomo os programas de educação profissiona-lizante são exemplos de ações desse tipo. O ob-jetivo das campanhas é que as pessoas mudemde categoria, a saber, da categoria de analfabe-tas à de alfabetizadas; e os programas profissio-nalizantes do estilo acima mencionado obje-

Page 38: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

118

tivam também uma mudança na classificaçãodas pessoas: de desempregadas a “inseridas nomercado de trabalho”.

Já afirmamos anteriormente que a educa-ção de adultos tem estado sujeita a um proces-so de permanente redefinição de suas frontei-ras. Na década de 1990, o termo “educação deadultos” foi alterado para “educação de jovense adultos”, em decorrência da presença majori-tária de jovens nessa modalidade, fato confir-mado por pesquisas educacionais (estudo re-gional da Unesco em 13 países, sobre a educa-ção básica de adultos; cf. Messina, 1993).

Durante o processo de acompanhamentoregional da Conferência Mundial sobre a Educa-ção de Adultos (Confintea V, Hamburgo, 1997),que gerou um foro permanente entre 1998-2000,coordenado e impulsionado pela Unesco/Crefal/Ceaal/Inea, surge um novo nome: “educação depessoas jovens e adultas”, para levar em consi-deração a dimensão do gênero.

A preocupação com as fronteiras dessa mo-dalidade educacional vai além de denomina-ções e referências a seus destinatários. No pro-cesso de acompanhamento da Confintea V, hou-ve um questionamento radical em relação aocampo da EJA. Argumentou-se que: a) a EJA tor-nou-se uma referência abstrata, já que jovens eadultos estão em todos os espaços; b) a EJA rei-vindica espaços nos quais instituições setoriaisjá estão atuando; c) é necessário pensar na EJAcomo algo que vai além da alfabetização, daeducação básica ou dos cursos profissio-nalizantes; d) a articulação não pode limitar-sea vinculações curriculares e deve envolver ne-xos institucionais; e) a necessidade de repen-sar a EJA abre-nos diferentes alternativas, queincluem sua conservação como modalidade,complexas articulações entre seus distintos pro-gramas e submodalidades e sua dissolução emalgo novo e inédito; f ) essas transformaçõesdevem ser promovidas mantendo-se o compro-misso com os setores mais excluídos. Esses de-bates, que continuam em andamento, foramparcialmente assumidos por um documentoredigido numa reunião regional organizada pelaUnesco (Marco Regional de Ação, 2000).

Com base nessas reflexões, precisamos nosperguntar até que ponto a educação de adultos

é uma categoria criada a partir de uma perspec-tiva da educação como uma soma de progra-mas, muitos dos quais não se identificam comesse espaço (Unesco, Marco Regional de Ação,2000). Os educadores e os instrutores de cursosprofissionalizantes identificam-se como educa-dores de adultos, o que não acontece com oseducadores dos Ministérios da Saúde, da Mu-lher, da Juventude e outros. Podemos pensar aeducação de adultos como algo diferente deuma soma de alfabetização, educação básica ecursos profissionalizantes, como programassobrepostos.

A necessidade de articulação é tão pertinen-te quanto manter o compromisso com os seto-res excluídos e, ao mesmo tempo, evitar qual-quer segregação: as propostas de uma “educa-ção para a vida” precisam incluir essas reflexões.A tarefa é proporcionar a pessoas que estão forados sistemas educacionais a oportunidade dereintegrar-se a eles, lógica que também é váli-da para pensarmos a respeito da participaçãodos educadores.

Os governos concentraram seus esforços napopulação em idade escolar. Um novo projetode educação de adultos implica não apenas umorçamento maior ou sua inclusão nos proces-sos de reforma: ele pressupõe a redefinição dossistemas educacionais e da tarefa educacionalcomo um todo; pressupõe uma perspectiva deeducação permanente e inclusiva que conside-re os setores mais excluídos como o centro desuas ações sem que isso signifique oferecer umaeducação pobre para pobres.

A formação docenteO segundo núcleo a partir do qual devemos

considerar a formação dos educadores de adul-tos é a própria formação docente. É evidenteque os educadores têm sido eternamente rele-gados a um plano inferior numa hierarquia cujoescalão mais baixo é a educação de adultos.

Eles têm sido desfavorecidos não apenasem termos de condições de trabalho e de salá-rios. A questão fundamental é o abismo entrea educação necessária em nossos tempos, asdemandas colocadas aos educadores e as con-dições a eles proporcionadas pelo Estado. O

Page 39: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

119

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

vínculo entre o magistério e o sistema educa-cional, tão forte no século XIX, hoje já não exis-te. Os sistemas educacionais contribuírampara a criação e a consolidação dos estadosnacionais e os professores, por sua vez, foram“a mão” dos sistemas educacionais, uma con-gregação leiga disposta a executar um manda-to e uma doutrina. Os sistemas educacionaisparecem ter-se esquecido de que precisarão deseus professores. Pode-se conjeturar que nãose trata de uma confusão, e sim de uma opçãosistemática por uma outra coisa: os meios decomunicação e os sistemas virtuais. Nem mes-mo os sindicatos de professores, ainda pode-rosos em alguns países, conseguiram mudaressa situação.

Salários baixos, condições de trabalho queobrigam o professor a ter mais de um empre-go, falta de uma formação sistemática e o fatode a formação não fazer parte do trabalho do-cente não representam questionamentos legí-timos, e sim elementos a serem organizadospara satisfazer às novas exigências do currícu-lo e da gestão. A profissão docente tem sidoquestionada e considerada um ofício ou umasemiprofissão, enquanto o profissionalismotem sido visto como um processo de fora paradentro: o processo de profissionalizar quemnão é profissional. O que se propõe, com baseem outros marcos de referência, é a promoçãodo “profissionalismo” como um caminho a serpercorrido a partir dos próprios educadorespor duas vias: a epistemológica, que implica asistematização a partir da reflexão da práticadocente nos espaços de grupos docentes, e apolítica, ou da organização e participação doseducadores nas políticas públicas por meio dossindicatos de professores (Hargreaves; PérezGómez, outros). Embora prevejam a participa-ção de docentes, as reformas a limitam aoâmbito da escola e não permitem que os pro-fessores participem efetivamente na definiçãodos projetos educacionais nacionais ou dasgrandes políticas educacionais e que desem-penhem o papel que lhes cabe na educaçãopara a vida social.

A formação docente tem estado sujeita auma hierarquização formal nos últimos vinteanos, em decorrência de duas estratégias bá-

sicas: a transferência à educação superior e aampliação dos anos de escolaridade dos pro-gramas. Ao mesmo tempo, a profissão docen-te continuou sendo categorizada como umaprofissão de segunda ordem no conjunto dasprofissões.

Em todos os países da região, foram desen-volvidos programas de renovação da formaçãodocente (inicial e continuada) na década de1990; no entanto, a separação entre a forma-ção inicial e a formação em serviço foi man-tida, bem como a separação entre a escola e asinstituições de formação e entre as carreirasque formam para os diferentes níveis e moda-lidades do sistema educacional. A formaçãodocente reproduz a estrutura fragmentada dosistema educacional.

Por último, as inovações na formação do-cente inicial não incorporaram a problemáti-ca da educação de pessoas jovens e adultasnem a perspectiva da educação permanente.A formação de educadores de adultos conti-nuou segregada ou passou a fazer parte da for-mação geral dos professores.

No entanto, a conjuntura atual é favorável,já que foram introduzidas mudanças na forma-ção docente em quase todos os países da região.Surgiram, também, experiências de formaçãonos próprios espaços de trabalho, workshopsnas escolas que, em alguns casos, geraram es-truturas de autogestão interconectadas em re-des. Essas experiências foram organizadas emtorno da reflexão da prática pedagógica. Em quepesem essas “boas notícias”, no entanto, a prin-cipal limitação dos processos de formação é oenfoque de fora para dentro, que privilegia maisa formação que o trabalho e considera a forma-ção como um meio para preparar os educado-res para programas de reformas. Por essas ra-zões, os novos modelos de formação recebemcríticas por terem sido definidos “de cima parabaixo”, seguindo a orientação das reformas.

O debate sobre a formação de educadoresinsere-se nesse contexto, no qual a formaçãoadquiriu relevância e, ao mesmo tempo, os edu-cadores continuam sendo executores e não pro-tagonistas e no qual a formação de educadoresde pessoas jovens e adultas não foi abordada emtoda a sua especificidade e complexidade.

Page 40: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

120

A formação dos educadores depessoas jovens e adultasNão temos uma situação comum em todos

os países da região. Apenas alguns países estãodebatendo o tema neste momento. Além disso,o debate se diferencia de acordo com a situa-ção dos docentes e do papel que desempenham.Enquanto em alguns países, como a Argentina,os educadores são formados e atuam como pro-fessores da educação formal de adultos, emoutros, como México, os educadores de adul-tos (os assessores do Inea) são, em sua maioria,“voluntários”, pessoas da comunidade, sem di-ploma e com salários baixíssimos.

Conseqüentemente, enquanto na Argenti-na se discute a formação inicial dos educado-res de adultos (em que tipo de instituição, quetipo de estrutura curricular etc.), no México otema em questão é o credenciamento oucertificação da experiência dos educadores deadultos no contexto de um programa integralde formação, sistematização e credenciamentoda experiência.

Qual é a formação inicial dos educadores deadultos? No caso dos educadores diplomados,eles são, em sua maioria, professores formadosnas escolas normais e nos institutos de forma-ção, que não oferecem formação específica ini-cial em educação de adultos. Existem poucascarreiras em toda a região da América Latinaexclusivamente formadas para a educação deadultos. Em outros casos, temos as carreiras depós-graduação. Os educadores não-diplomadossão bacharéis formados em serviço aos quais,em alguns casos, são oferecidos cursos de pós-graduação.

A partir desse breve diagnóstico, o que sepropõe é o seguinte:

1. Definição da tarefa em nível nacional e re-gional (América Latina), a partir de umamplo processo participativo que envolvainstituições educacionais e sociais e edu-cadores, visando à identificação da com-plexa situação da formação de professorespara a educação de adultos. Essa tarefapressupõe a determinação do estado atualda educação de adultos e da formação deeducadores de adultos.

2. Criação de um espaço de diálogo e siste-matização de experiências tanto no níveldos países como da região (América Lati-na), com a participação de profissionaisdas diferentes instituições que atuam nocampo da educação de adultos (Ministé-rios de Educação e outros, ONGs, univer-sidades), educadores e sindicatos de pro-fessores.

3. A tarefa de formação é específica e, aomesmo tempo, concebida para diferentestipos de educadores. Um de seus propósi-tos é criar um espaço de intercâmbio, for-mação e produção de conhecimentos en-volvendo educadores de adultos de dife-rentes origens e tipos de formação (edu-cadores comunitários, educadores profis-sionais, educadores interculturais, educa-dores da formação profissional, outros). Areflexão a partir da prática é um enfoque-chave para a realização dessa tarefa.

4. A outra tarefa é integrar a problemática daeducação de pessoas jovens e adultas aoconjunto dos programas de formação ini-cial, promovendo, particularmente, carrei-ras de formação de educadores com umciclo comum e menções, uma das quaisseria a educação de adultos. No ciclo co-mum, não apenas se recuperaria a tradi-ção da educação popular e a sistematiza-ção educacional como também os estu-dantes seriam sensibilizados para perceberos jovens e adultos como sujeitos legítimosde sua tarefa, desconcentrando-se das cri-anças e encarando a educação como umprocesso que envolve todas as gerações.

A reafirmação da responsabilidade do Esta-do no campo da formação dos educadores deadultos e da educação de adultos é o núcleo apartir do qual estas reflexões foram organiza-das. Além disso, a formação de educadores é ocaminho para se repensar e dinamizar a educa-ção de adultos. Habitualmente, as mudançastêm sido geradas a partir do currículo ou dodesenvolvimento institucional, mas não a par-tir dos educadores e com eles. Estamos fazen-do alusão a um programa integral que conjugaa formação, a sistematização da experiência eo credenciamento. Isso implica tanto a pesqui-

Page 41: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

121

O desenvolvimento da EJA e a formação de professores na América LatinaSIMPÓSIO 7

sa de quem são e de que necessitam os educa-dores como a criação de uma proposta de edu-cação de adultos que parta dos interesses e dosconhecimentos das pessoas e que esteja orien-tada para os setores mais excluídos. Esse pro-cesso é o inverso da definição de perfis docen-tes ou da predeterminação de conteúdos míni-mos para a formação. Trata-se de uma forma-ção docente para educadores de adultos comosujeitos de direitos, cidadãos plenos e inter-locutores do Estado na definição de políticaseducacionais, ou seja, o oposto de uma forma-ção de educadores como executores de progra-mas num espaço “sala de aula”, em lugaresescolarizados, ainda que não inseridos fisica-mente na escola. Essas propostas precisarãoestar articuladas com uma formação geral ecomum de todos os educadores e profissionaisdas Ciências Sociais e de Saúde em torno datarefa social inadiável e específica que a educa-ção de pessoas jovens e adultas implica.

BibliografiaBLANCO, Rosa; MESSINA, Graciela. Innovación educati-

va. Estado del arte sobre las innovaciones educativas

en América Latina. Bogotá, Colômbia: CAB/Unesco,

2000.

BÜTTNER, Thomas; JUNG, Ingrid; KING, Linda (Orgs.).

Hacia una pedagogía de género. Experiencias y

conceptos innovativos. Bonn/Colômbia: DSE/Unesco-

IUE/Cafam, 1997.

GALLART, María Antonia. La formación para el trabajo en

América Latina: pasado, presente y futuro. Dissertação

(reunião prospectiva preparatória da VII Reunião do

Comitê Regional Intergovernamental do PPE, Santia-

go, ago. 2000). Buenos Aires: Cenep, 2000.

INFANTE, Isabel (Org.). Alfabetismo funcional en siete pa-

íses de América Latina. Santiago, Chile: Unesco/Orealc,

2000.

LETELIER, María Eugenia. Analfabetismo femenino en Chile

de los noventa. Santiago, Chile: Unesco/Orealc, 1996.

MESSINA, Graciela. La educación básica de adultos: la otra

educación. Santiago, Chile: Unesco/Orealc, 1993.

. Innovaciones en la educación básica de adul-

tos. sistematización de 6 experiencias. Santiago, Chile:

Unesco/Orealc, 1995.

. Cómo se forman los maestros en América

Latina. Boletín del PPE, n. 43, Unesco/Orealc, ago. 1997.

MESSINA, Graciela (Org.). Estrategia regional de

seguimiento de Confintea V. Santiago, Chile: Unesco/

Crefal/Inea/Ceaal, 1999.

PIECK, Enrique. Función social y signif icado de la

educac ión comuni tar ia . Una soc io logía de la

educac ión no formal . Méx ico: Un icef /Co leg io

Mexiquense, 1996.

. Educación de adultos y formación para el

trabajo en América Latina: incidencia y posibilidades en

los sectores de pobreza. In: JACINTO, Claudia;

GALLART, María Antonia. Por una segunda oportunidad:

la formación para el trabajo de los jóvenes vulnerables.

Montevideo: Cinterfor/OIT/Rede Latino-Americana de

Educação e Trabalho, 1998.

PIECK, Enrique. Educación de jóvenes y adultos vinculada

al trabajo. In: Unesco/Ceaal/Crefal/Inea. La educación

de personas jóvenes y adultas en América Latina y el

Caribe. Prioridades en el siglo XXI. Santiago de Chile,

2000.

RIVERO, José. Educación de adultos en América Latina.

Desafíos de la equidad y la modernización. Madrid: Oei,

1993.

. Educación y exclusión en América Latina.

Reformas en tiempos de globalización. Lima: Tarea,

1999.

SCHMELKES, Sylvia. Postalfabetización y trabajo en Amé-

rica Latina. Pátzcuaro, México: Unesco/Orealc/Crefal,

1988.

. Campesinos e indígenas en América Lati-

na: sus exigencias educativas. In: UNESCO/UNICEF. La

educación de adultos en América Latina ante el próxi-

mo siglo. 1994a.

. Necesidades básicas de aprendizaje de los

adultos en América Latina. In: UNESCO/UNICEF. La

educación de adultos en América Latina ante el próxi-

mo siglo. 1994b.

TORRES, Rosa María. La formación de los maestros. Qué

se dice, qué se hace. Dissertação (seminário regional

“Formas de aprender e novas formas de ensinar: de-

mandas da formação inicial do professor”). Santiago de

Chile: Unesco/Unicef/Cide, 1995.

. La profesión docente en la era de la

informática y la lucha contra la pobreza: desafíos para

la política educativa. Dissertação (reunião prospectiva

preparatór ia da VII Reunião do Comitê Regional

Intergovernamental do PPE, Santiago, ago. 2000).

Buenos Aires, 2000.

UNESCO/OREALC. Nuevas formas de aprender y nuevas

formas de enseñar: demandas a la formación inicial del

docente. Santiago de Chile: Unesco/Orealc/Cide, 1996.

UNESCO/OREALC/CIDE. Mecanismos de articulación en-

tre la enseñanza escolar y la extraescolar. Santiago de

Chile, 1990.

UNESCO/CEAAL/CREFAL/INEA. La educación de personas

jóvenes y adultas en América Latina y el Caribe. Priori-

dades en el siglo XXI. Santiago de Chile, 2000.

UNESCO/Ministério da Educação do Chile. Marco regional

de acción para la educación de personas jóvenes y adul-

tas. Santiago de Chile, 2000.

Page 42: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Page 43: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

123

SIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIO 88888

O FUNDEF E A VALORIZAÇÃODO MAGISTÉRIO

Ulysses Cidade Semeghini

Oswaldo José Fernandes

Page 44: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

124

O Fundef foi criado para garantir umasubvinculação dos recursos da educação parao Ensino Fundamental, assim como para asse-gurar uma melhor distribuição desses recursos.Com esse fundo de natureza contábil, cada es-tado e cada município recebem o equivalenteao número de alunos matriculados na sua redepública do Ensino Fundamental.

Além disso, é definido um valor mínimonacional por aluno/ano. O Fundef foi criadopela Emenda Constitucional nº 14/96, regula-mentado pela Lei nº 9.424/96 e pelo Decretonº 2.264/97 e implantado automaticamenteem janeiro de 1998 em todo o país.

O Fundo é composto, no âmbito de cadaestado, por 15% das seguintes receitas:

• Fundo de Participação de Estados e Muni-cípios (FPE e FPM).

• Imposto sobre Circulação de Mercadoriase Serviços (ICMS).

• Imposto sobre Produtos Industrializados,proporcional às exportações (IPIexp).

• Ressarcimento pela desoneração de ex-portações de que trata a Lei Complemen-tar nº 87/96 (Lei Kandir).

• Complementação da União (quando neces-sário).

Em cada estado, os recursos do Fundef sãodistribuídos entre o governo estadual e os go-vernos municipais, de acordo com o número dealunos do Ensino Fundamental público aten-dido em cada rede de ensino (estadual ou mu-nicipal), conforme os dados constantes do Cen-so Escolar do ano anterior. Esse censo é reali-zado a cada ano pelo Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do MEC,em parceria com as Secretarias Estaduais de

O Fundef e a valorizaçãodo Magistério

Ulysses Cidade Semeghini

Fundef/MEC

Educação. O valor referente ao Fundef é credi-tado em conta específica, sempre que houverarrecadação e repasse de recursos das fontesque alimentam o Fundo. Ou seja, o crédito daparcela do Fundef originária do FPM acontecena mesma data do repasse do FPM, o mesmoocorrendo com relação às outras fontes.

Os recursos devem ser utilizados da seguin-te maneira:

• Sessenta por cento, no mínimo, para remu-neração dos profissionais do magistério emefetivo exercício no Ensino Fundamentalpúblico. Até dezembro de 2001, parte dessaparcela também pode ser utilizada para ha-bilitação de professores leigos.

• Quarenta por cento, no máximo, em outrasações de manutenção e desenvolvimento doEnsino Fundamental público, como, porexemplo, capacitação de professores, aqui-sição de equipamentos, reforma e melhoriasde escolas da rede de ensino e transporteescolar.

A Lei nº 9.424/96 faculta, até dezembro de2001, a utilização de parte da parcela dos 60%dos recursos do Fundef na habilitação de pro-fessores leigos. Porém é necessária a identifi-cação desses professores com base na Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)e na Resolução-CNE nº 03/97, que consideracomo leigos, para efeito de atuação no EnsinoFundamental, os professores que:

• tenham apenas o Ensino Fundamental, com-pleto ou incompleto;

• lecionem para turmas de 1ª a 4ª séries e nãopossuam o Ensino Médio, modalidade Nor-mal (antigo Magistério);

• lecionem para turmas de 5ª a 8ª séries semque tenham concluído o Ensino Superior, emcursos de Licenciatura em área específica.

Page 45: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

125

O Fundef e a valorização do MagistérioSIMPÓSIO 8

A partir de 2002, a possibilidade de apoiar ahabilitação de professores leigos não mais serápossível com a parcela dos 60% do Fundef. En-tretanto todos os investimentos voltados à for-mação inicial dos profissionais do Magistériopoderão continuar sendo financiados com aparcela dos 40% dos recursos do Fundo.

A atualização e o aprofundamento dos co-nhecimentos profissionais deverão ser promo-vidos a partir de programas de aperfeiçoamen-to profissional continuado, assegurados nosplanos de carreira do Magistério público. Po-dem ser usados os recursos da parcela dos 40%do Fundef, inclusive para o desenvolvimento daformação, em Nível Superior, dos professores nadocência de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamen-tal, obedecendo nesse caso às exigências legaisestabelecidas.

Em relação a esses cursos (que não tenhamcomo finalidade a habilitação do professor), oMEC não realiza o credenciamento de institui-ções que ofereçam cursos de capacitação; noentanto, torna-se necessária a verificação sobreeventuais exigências relacionadas ao credencia-mento dessas instituições nos Conselhos Esta-duais e Municipais de Educação.

A LDB (art. 62) estabelece que os docentesda Educação Básica deverão ser formados emNível Superior (Licenciatura Plena), mas admi-te como formação mínima a de Nível Médio,modalidade Normal, para a docência nas qua-tro primeiras séries do Ensino Fundamental.Dessa forma, os professores deverão, no futu-ro, ser formados em Licenciatura específica ouem curso Normal Superior, pois a melhoria daqualidade do ensino constitui um compromis-so que passa também pela valorização do Ma-gistério. Portanto não há prazo para os sistemasde ensino deixarem de aceitar a formação emNível Médio, modalidade Normal, para quemfaz parte do quadro do Magistério, com atua-ção nas quatro primeiras séries do Ensino Fun-damental.

Os profissionais do Magistério são aquelesque exercem atividades de docência e aquelesque oferecem suporte pedagógico a tais ativi-dades, como as de administração ou direção deescola, planejamento, inspeção, supervisão eorientação educacional.

O efetivo exercício é caracterizado pela exis-tência de vínculo definido em contrato próprio,celebrado de acordo com a legislação que dis-ciplina a matéria e pela atuação, de fato, do pro-fissional do Magistério no Ensino Fundamen-tal. Os afastamentos temporários previstos nalegislação, tais como férias, licença-gestante oupaternidade, licença para tratamento de saúde,não caracterizam ausência ao efetivo exercício.

A legislação do Fundef não estabelece valormínimo (piso) ou valor máximo (teto) de salá-rio para o Magistério. As escalas salariais deve-rão integrar o Plano de Carreira e Remunera-ção do Magistério que cada governo (estaduale municipal) deve implantar. Assim, os saláriosserão definidos de acordo com a realidade decada um desses governos, ou seja, de acordocom o número de profissionais e de alunos, areceita, a jornada de trabalho, entre outras va-riáveis.

O MEC, por intermédio do Fundescola, de-senvolveu um software para auxiliar os gover-nos que precisem criar um novo Plano de Car-reira e Remuneração do Magistério. O progra-ma permite a realização de criterioso estudo darealidade do estado ou do município e a simu-lação de alternativas de planos, tomando comobase as diretrizes e dispositivos legais vigentes.

A Lei nº 9.424/96 estabelece a obriga-toriedade de implantação de novos Planos deCarreira e Remuneração para o Magistério emestados e municípios. Portanto, se o prefeito ouo governador ainda não tomaram essa providên-cia, a sociedade, particularmente a comunidadeescolar, deverá mobilizar-se, envolvendo o Po-der Legislativo local, no sentido de buscar o cum-primento desse mandamento legal.

A maior parte dos recursos do Fundef (par-cela anual mínima de 60%) deve ser utilizadana remuneração dos profissionais do Magisté-rio do Ensino Fundamental, ou seja, na cober-tura da folha de pagamento desses profissio-nais. Assim, as tabelas salariais do Magistérioconstantes do Plano de Carreira e Remunera-ção deverão incorporar os eventuais ganhos fi-nanceiros alcançados em razão do Fundef. Des-sa forma, podem ser adotados mecanismos eformas de concessão de ganhos adicionais emfavor desses profissionais, como abonos, por

Page 46: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

126

exemplo, em caráter temporário e excepcional,sempre sob o princípio da transparência e como respaldo legal exigido (lei municipal no casode rede municipal de ensino).

Com o objetivo de analisar as principaismudanças e os avanços ocorridos em favor doEnsino Fundamental no período compreendi-do entre a implantação do Fundef, em janeirode 1998, e junho de 2000, o MEC contratou pes-quisa amostral nos estados e municípios. Umadas idéias centrais na concepção do Fundo é avalorização do Magistério, tema que orientou amaior parte do esforço da pesquisa. A seguir,sintetizam-se seus principais resultados, no quese refere a salários, capacitação e aumento donúmero de docentes.

Os indicadores referentes à evolução donúmero de professores do Ensino Fundamen-tal, no período de dezembro de 1997 a junhode 2000, indicam um crescimento global nes-se contingente da ordem de 10% – mais de 100mil novos postos de trabalho apenas entre osdocentes, sem contar auxiliares, profissionaisde apoio administrativo e pedagógico etc. Asduas categorias mais numerosas – professorescom formação em Nível Médio (modalidadeNormal) e professores com Nível Superior (Li-cenciatura Plena) – representavam, em junhode 2000, cerca de 49% e 35%, respectivamen-te, do total de professores do Ensino Funda-mental e tiveram índices de crescimento qua-se idênticos, cerca de 11,5% (acima da média,portanto), em relação aos números de dezem-bro de 1997.

Em face da permissão legal de utilização departe da parcela de 60% do Fundef (vinculadaao pagamento do Magistério), para fins de ha-bilitação de professores leigos (até o ano 2001),nota-se que, se antes de 1998 apenas 23% dasredes de ensino desenvolviam atividades vol-tadas à capacitação de professores leigos, emjunho de 2000 nada menos do que 73% delas ofaziam. Assim, uma das prioridades vinculadasà criação do Fundef, que é a extinção da cate-goria de professores leigos, com a conseqüentemelhoria na qualificação do corpo docente, estásendo rapidamente atingida em todo o país.Verifica-se que, se, em dezembro de 1997, pro-fessores com formação até o Ensino Fundamen-

tal representavam 6,3% do total lecionando noconjunto das redes públicas do país, em junhode 2000 essa proporção já estava reduzida a3,1%.

Ainda que se reitere que uma das metasmais ambicionadas pelo Fundef seja a de pro-mover a erradicação, como vem de fato ocor-rendo, da categoria de docentes não-qualifica-dos, os maiores percentuais de aumento aca-baram por beneficiar os professores cuja esco-laridade máxima era o Ensino Fundamentalcompleto. Isso se explica com facilidade, umavez que grande parcela desses profissionais re-cebia remunerações inferiores aos requisitosmínimos, não raro muito menores que o salá-rio mínimo. O percentual nacional médio deacréscimo para essa categoria situou-se entre50 e 60%, com grande destaque para a RegiãoNordeste.

Há várias formas para se obterem informa-ções sobre o Fundef:

• Os Conselhos de Acompanhamento e Con-trole Social do Fundef (estaduais e munici-pais) devem receber, do Poder Executivo,relatórios periódicos de comprovação daaplicação dos recursos. Também podem so-licitar o extrato da conta do Fundef direta-mente à agência do Banco do Brasil onde osrecursos são depositados.

• Representantes do Legislativo local, Tribu-nais de Contas e o Ministério Público tam-bém podem obter informações do Banco doBrasil, quando solicitadas.

• O público em geral pode ter acesso aos va-lores repassados a estados e municípios pelaInternet, no seguinte endereço: <www.mec.gov.br/sef/fundef>, onde é possível o aces-so ao Banco do Brasil e à Secretaria do Te-souro Nacional.

• Nas cidades com menos de 100 mil habi-tantes, a comunidade pode acompanhar osvalores repassados ao município em carta-zes fixados nas agências dos Correios.

Na cartilha intitulada Fundef – Manual deOrientação, elaborada pelo MEC e distribuídaàs Secretarias de Educação dos estados e mu-nicípios, são oferecidas orientações gerais. En-tretanto, se necessário, pode-se procurar o De-partamento de Acompanhamento do Fundef,

Page 47: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

127

O Fundef e a valorização do MagistérioSIMPÓSIO 8

em Brasília, pelo telefone (61) 410-8648, pelo fax(61) 410-9283, por e-mail <[email protected]>ou, ainda, pelo Fala Brasil (0800-616161).

Em caso de descumprimento dos dispositi-vos legais sobre o Fundef, recomenda-se:

• procurar, primeiramente, os membros doConselho de Acompanhamento e ControleSocial do Fundef, para que este solicite aoresponsável, se necessário, a correção dasirregularidades praticadas;

• na seqüência, se necessário, procurar os

representantes do Poder Legislativo local,para que estes, pela via da negociação oupela adoção de providências formais, pos-sam buscar a solução junto ao governanteresponsável;

• ainda, se necessário, recorrer ao MinistérioPúblico (Promotor de Justiça), diretamente oucom a ajuda e intermediação do Conselho doFundef, formalizando suas denúncias, enca-minhando-as, também, ao respectivo Tribunalde Contas (do estado ou dos municípios).

Não há nenhuma possibilidade de mudan-ça, no interior da sala de aula, que não seja pormeio do professor, e não há nenhum profes-sor capaz de promover mudanças, dentro desua sala de aula, a não ser por meio dacapacitação permanente, bem como da forma-ção de um novo quadro do Magistério, adequa-do às exigências do novo século, do novo mi-lênio.

Essa capacitação tem custo, não é feita gra-tuitamente. O sistema de ensino não pode co-brar de seus professores qualquer coisa, ne-nhum centavo, em relação à formação e àcapacitação – isto é inadmissível. É preciso queos sistemas, quer municipais, estaduais ou fe-deral de ensino, respondam de maneira soli-dária à formação e à capacitação desses pro-fissionais.

Qual é o papel do Fundef em relação a isso?A instituição do Fundef encontrou resistên-

cia por parte de muita gente, estranhamente

DEBATEO Fundef e a valorizaçãodo Magistério

Oswaldo José Fernandes

Secretário Municipal de Educação, Cultura e Esportes – Jundiaí/SP

de educadores conseqüentes, porém permitiu,primeiro, que socializássemos parte da rendanacional, uma vez que criou uma bolsa, umfundo que leva as pessoas a participar de ma-neira direta de nossa sociedade de consumo.

Outra mudança importante, além da dis-tribuição de renda, é que ele provocou o re-torno de professores que estavam afastadospor conta dos baixos salários, tanto no Norte eno Nordeste quanto nos estados do Sul e doSudeste, pois os salários melhoraram e as pes-soas passaram a integrar o mercado consumi-dor, a ser cidadãs. O Fundef resgata a cidada-nia, especialmente dos trabalhadores em edu-cação.

Além disso, o Fundef coloca em cena o En-sino Fundamental, que é, fazendo aqui um tro-cadilho, como o nome diz, fundamental, im-portante. Não há quem caminhe no sentidocontrário. O Fundef permitiu que fossemalocados recursos para a melhoria da qualida-

Page 48: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

de de ensino. Mesmo antes do Fundef, o go-verno Fernando Henrique Cardoso cuidava dauniversalização do ensino, mas o grande dra-ma está colocado em duas pontas: uma delasé a da permanência, como evitar a evasão; ou-tra é a permanência com qualidade. Não bastagarantir a permanência e evitar a evasão. É pre-ciso fazer isso com qualidade. Essa é uma ques-tão central e está relacionada, efetivamente,com a formação do profissional, porque o alu-no não está na escola só para aprender a ler ea escrever, tem de aprender a viver, a somatizarconhecimentos e isso passa pela qualidade doprofessor.

O aluno não vai aprender sozinho; o profes-sor é uma figura imprescindível na vida do es-tudante. Ele precisa estar ali para monitorar oconhecimento das crianças, da apropriação cul-tural, do saber, da leitura, da Matemática, daLiteratura, dos conceitos de boa qualidade devida. O Fundef, colocando no cerne da questãoo Ensino Fundamental, vai permitir a médio elongo prazos que a educação tenha outro per-fil, porque com professores melhores qualifica-dos, mais bem informados teremos uma socie-dade melhor do ponto de vista do conhecimen-to. Esse é um papel importante que o Fundefestá desenvolvendo, neste momento, nacional-mente, no que tange à educação.

O governo federal acertou, como balizadordas políticas públicas, ao colocar na ordem dodia a educação. Também por conta disso houveum estímulo muito grande para a municipa-lização do ensino. Embora sem embutir em seucontexto de legislação, o Fundef criou facilida-des para que os municípios, principalmente doSul e do Sudeste, aderissem ao processo demunicipalização. A municipalização, no caso daeducação, coloca os agentes fazedores da edu-cação próximos dos consumidores de educaçãoe as duas pontas se juntam: a ponta dos fazedoresde educação e a ponta dos consumidores de edu-

cação, aqueles que são usuários dos diversos sis-temas de ensino, especialmente dos sistemasmunicipais.

O Fundef, ao sinalizar para um piso míni-mo (piso pode não ser o termo mais conveni-ente, mas refere-se ao mínimo em termos desalário), fez com que houvesse uma correçãorápida nos salários dos trabalhadores em edu-cação, estabelecendo, à época, um valor-refe-rência em torno de R$ 320,00.

Outra questão que o Fundef também colo-ca é que, ao se estabelecer que o governo fe-deral teria recursos complementares para a co-bertura de Fundos Estaduais, isso gerou segu-rança nos agentes educacionais dessas áreas.

Ao colocar em cinco ou seis estados brasi-leiros recursos para a educação, o governo fe-deral permite que, a médio e longo prazos, te-nhamos uma sociedade mais educada, cujosresultados poderão não ser vistos rapidamen-te, mas serão no dia-a-dia das comunidades. Nodesempenho das crianças e dos jovens é quevamos poder observar qual a importância realda distribuição de renda por meio da educação.

Vale lembrar que o Fundef é transitório,decenal. Do Fórum de Secretários Municipaisde Educação das Prefeituras do PSDB de SãoPaulo, realizado em 29 de setembro de 2001, emJundiaí, foi extraída uma carta, propondo quese dê prioridade ao Fundef, para que se torneartigo permanente, no capítulo relacionado àEducação, consagrado na Constituição Federal,e sugerindo, ainda, no caso de São Paulo, quefizéssemos o mesmo em relação à ConstituiçãoEstadual. Nesse mesmo Fórum, deliberou-seque o deputado federal por Jundiaí, Dr. AndréBenassi, fosse o encaminhador dessa propostaao Congresso Nacional.

Acredito que isso tem de ser feito dessa for-ma, a fim de que não fiquemos ao sabor dosgovernantes, daqueles que são contra ou a fa-vor do Fundef.

Page 49: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

129

SIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIOSIMPÓSIO 99999

DESEMPENHO DO PROFESSORE SUCESSO ESCOLAR DO ALUNO

Charles Hadji

Maria Helena Guimarães de Castro

Page 50: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

130

Desempenho do professore sucesso escolar dos alunos

Charles Hadji

Universidade Pierre Mendès/Grenoble/França

O problema dos marcos deobservação, de análise e deinterpretaçãoA primeira questão levantada pela pesquisa

das ligações entre desempenho do professor esucesso escolar dos alunos é aquela do marcoparadigmático adequado. Será que esse marcose encontra disponível?

Se uma indagação sobre a condição deprodução dos saberes no campo que nos pre-ocupa aqui se mostra, de partida, necessária,isso não significa que nos devamos perder emconsiderações de índole epistemológica. Po-demos nos contentar com duas questões sim-ples, para as quais Clermont Gauthier (1997)contribuiu com elementos de resposta perti-nentes.

Quais as principais etapas quemarcaram a evolução da pesquisa?

Situando-se numa perspectiva histórica,Gauthier distingue cinco grandes períodos no

ResumoPartiremos de dois fatos que, na atualidade,

constituem consenso na comunidade de pesqui-

sadores. De um lado, “certos professores conse-

guem fazer com que seus alunos progridam mais

do que outros” (Felouzis, 1997: 57). A esse respei-

to, existem diferenças significativas de um profes-

sor a outro. Esse é o chamado “efeito-professor”.

Do outro, não podemos senão constatar “a dificul-

dade de se estabelecerem resultados reais,

acumuláveis e generalizáveis, sobre a questão da

eficácia dos professores” (idem: 28). E, de fato, pou-

cos dados indiscutíveis se encontram realmente

disponíveis “sobre os professores e seu papel no

sucesso ou fracasso dos alunos” (idem: 35). Isso nos

conduzirá a uma indagação sobre três grandes as-

suntos:

• Como foram construídos os saberes atual-

mente disponíveis?

• O que sabemos hoje, exatamente, sobre a in-

fluência dos professores no sucesso dos alunos?

• Como poderíamos chegar a saber mais e

melhor a respeito dessa questão?

que se refere, em particular, à evolução da pes-quisa nos Estados Unidos.

• Um primeiro período (até meados dos anos1950) no qual a eficácia estava associada acertos traços da personalidade. A pesquisaestava orientada para a identificação de va-riáveis de prognóstico constituídas, no es-sencial, pelas características individuais(por exemplo, o professor cordial). Todavia,chegou-se rapidamente a detectar os limi-tes de tais trabalhos, que eram muitofreqüentemente baseados na opinião, igno-rando o trabalho concreto dos professoresem aula.

• Posteriormente, deu-se preferência a me-dir a eficácia a partir da eficiência dos mé-todos. A pedagogia experimental acreditoupoder calcular a eficácia diferencial de di-versos métodos, definidos de acordo comuma tipologia geral, comparando seus resul-tados com base em dados objetivos. Porém,de um lado, percebeu-se que essa aborda-gem não permitia detectar diferenças signi-ficativas. De outro, compreendeu-se, emparticular graças às pesquisas sobre a

Page 51: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

131

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

interação “aptidões–procedimentos”,1 quenão era possível considerar um “método deensino” como variável causal independen-te (Bru, 1990).

• Durante os anos 1960, diversos estudos dedi-caram-se à observação do ensino em sala deaula. Nessa época, 79 sistemas de observaçãodiferentes foram elaborados e implementados(Gauthier, 1997: 33). Entretanto, se o esforçotinha o mérito de centrar-se na “caixa preta”do trabalho em aula, os trabalhos ignorarama questão dos efeitos produzidos pelo ensi-no, pois as práticas descritas não foram com-paradas com o sucesso escolar.

• Nos anos 1970, a questão central tornou-se,então, saber se eram os professores os querealmente faziam a diferença, dentro de umaperspectiva processos–produto. Tentou-se,assim, identificar comportamentos estáveisdo professor (processos) que pudessem con-duzir a um melhor aproveitamento escolardos alunos (produto). Quais são as variáveisde processo (instruções, perguntas, tempoconcedido aos alunos etc.) suscetíveis de “fa-zer diferença”? Se essas pesquisas, baseadasno cálculo de correlações, têm produzido boaparte do saber atualmente disponível e fe-lizmente se prolongaram na elaboração demeta-análises que permitiram chegar a re-sultados importantes, elas foram, no entan-to, objeto de múltiplas críticas sobre as quaisvoltaremos a falar.

• Uma crítica importante foi no sentido de queignorava o processo de pensamento dos pro-fessores, com o surgimento, nos anos 1980,de uma quinta abordagem ilustrada pelostrabalhos de Schön (1983; 1987) e centradaprecisamente no conhecimento dos proces-sos de pensamento mobilizados pelos pro-fissionais na sua atividade concreta. Com orisco de ignorar, de um lado, o papel dos sa-beres objetivos e, de outro, aquele das variá-veis quantificáveis.

Esse rápido histórico permite constatar quenenhuma das abordagens que se sucederam na

história recente da pesquisa sobre o ensino é to-talmente satisfatória, bem como nenhuma de-monstrou-se capaz de fornecer uma respostatotalmente fundamentada e definitiva para aquestão da eficácia do ensino e dos professores.

Quais foram, e são, os principaisparadigmas da pesquisa?

Os autores não se colocam de acordo sobre anatureza e o número dos grandes paradigmas depesquisa no campo da eficácia. Isso levaria amostrar que nenhum deles se impõe de manei-ra indiscutível!

Para Bressoux (1994), pode-se detectar, comrespeito aos trabalhos sobre os efeitos-professor,quatro grandes paradigmas.

O paradigma do critério de eficácia, caracte-rizado pela pesquisa de uma variável que seria achave para o bom ensino, ou para o bom profes-sor, e que permitiria prognosticar sua eficácia-paradigma dominante quando da primeira faseacima descrita.

Posteriormente, o paradigma processo-pro-duto (dominante a partir da quarta fase).

Em terceiro lugar, o paradigma dos proces-sos mediadores, que se centra sobre a pesquisadaquilo que se interpõe entre os estímulos pe-dagógicos (a ação direta dos professores) e aaprendizagem dos alunos (por exemplo: envol-vimento na tarefa; “perseverança”). Para Durand(1996: 15), esse paradigma corresponde apenasa “uma notável evolução no âmbito da corrente‘processo-produto’”.

Por último, o paradigma ecológico, de inspi-ração etnográfica, que se dedica à interação de-mandas meio ambiente—respostas dos atores,referindo-se aos contextos suscetíveis de outor-gar sentido às ações.

Considerando o primeiro paradigma fora decogitação, Durand (1996) vê, essencialmente, umestado em que se sucedem as pesquisas “proces-so-produto”, as quais, se “continuam”, revelam-sedoravante menos criativas (1996: 17); uma abor-

1 NT Interação Aptidões–Tratamentos (I.A.T.). Vários grupos de sujeitos equivalentes ou, ao contrário, diferenciados do ponto de vista dascaracterísticas pessoais consideradas são expostos a condições pedagógicas diferentes para assimilar um conteúdo de aprendizagem idên-tico. A seguir, avaliam-se os desempenhos de cada sujeito para poder identificar os tratamentos pedagógicos que melhor convêm às carac-terísticas pessoais apresentadas pelos alunos.

Page 52: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

132

dagem caracterizada pelo enfoque nas cogniçõese no funcionamento cognitivo dos professores, ten-do sempre a preocupação de identificar os elemen-tos de eficácia. Entretanto, esse autor salienta osurgimento de uma terceira atitude, de perspecti-va etnográfica (idem: 32), caracterizada pelos tra-balhos de Schön. Os defensores dessa terceira ati-tude estariam menos interessados nos problemasde eficácia e de avaliação.

Eis por que poderemos ficar finalmente deacordo com Gauthier (1997), que distingue trêsgrandes abordagens nas pesquisas sobre Peda-gogia:

• A abordagem processo–produto, centrada napesquisa de correlações entre comportamen-tos observáveis e resultados quantificáveis.

• A abordagem cognitiva, centrada na análise,em nível mais profundo, de processos nãoobserváveis diretamente, o que privilegia umtrabalho de inferência, freqüentemente fun-damentado na análise das produções verbaisdos atores.

• A abordagem interacionista-subjetivista,sensível às interações entre atores e à forçade suas representações e, de forma mais pre-cisa, à importância da história de cada um.

O que podemos deduzir a partir dessa pri-meira análise?

a. Nenhum paradigma chega a ser totalmentesatisfatório, ou seja, nenhum deles oferecetodas as chances de aportar uma resposta ver-dadeiramente pertinente à questão da eficá-cia. Cada um, além de seu inegável interesse,tem “sérias limitações”, muito bem analisadaspor Gauthier. Fiquemos simplesmente comaquelas do paradigma que, por ora, permitiuproduzir mais saber(es): o paradigma proces-so–produto. Gauthier (1997) identifica nelesete limitações: visão redutora da eficácia (de-sempenhos cognitivos medidos com a aplica-ção de testes padronizados); nenhuma expli-cação sobre a maneira pela qual o ensino pro-duz seus efeitos; subestima da influência dosalunos no processo de aprendizagem; esque-cimento do contexto; superestima da freqüên-cia na apreciação da importância de um fa-tor; impacto fraco na formação dos professo-res do ensino primário; desdém com a histó-ria. Bressoux (1994) acrescenta outras três:confusão (possível) entre causa e correlação;

negação da experimentação; ausência demarco teórico interpretativo. Acrescente-se aisso o que Durand (1996) vem finalmente res-saltar sobre o fato de se ignorarem as ativida-des desenvolvidas quando da interação comos alunos (por exemplo: atividades de plane-jamento).

b. É por isso que podemos clamar, junto comGauthier, por uma complementaridade dasabordagens e, até mesmo, dos esforços porprogredir no sentido de “um modeloeclético” (1997: 125).

c. Isso nos parece: um comprometimento mai-or do que a construção de um modelo descri-tivo exaustivo (do processo ensino-aprendi-zagem), pois não permite o esquecimento denada e integra as três grandes abordagensidentificadas; mais do que o surgimento deum novo e mais poderoso paradigma de pes-quisa; simplesmente a elaboração de um mo-delo de trabalho suscetível de fazer aparecerclaramente os espaços de análise prioritáriaou, dito de outra forma, os grandes canteirosde obras nos quais deveria empenhar-se apesquisa para contribuir com respostas maissatisfatórias à questão da eficácia. É isso quefaremos no nosso terceiro ponto, após ter evo-cado rapidamente alguns resultados já produ-zidos por esse esforço.

Alguns resultadosinteressantes produzidospelos trabalhos sobreos efeitos-professorO que se sabe hoje, de maneira comprova-

da? Duru-Bellat e Mingat (1994), Bressoux (1994),Felouzis (1997) e Gauthier (2001) têm apresen-tado sínteses a respeito, ao mesmo tempo, dosproblemas colocados pela análise dos tais “efei-tos-professor” e dos resultados obtidos.

Rumo a uma base de conhecimentos:alguns resultados

Uma coisa é certa: “os efeitos-professor fo-ram provados e ficou demonstrado que o seuimpacto é mais poderoso do que aquele das es-

Page 53: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

133

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

colas” (Bressoux, 1994: 127). Na explicação esta-tística da variância do aproveitamento escolarem turmas de seconde,2 o ganho da variânciaexplicada pelo estabelecimento é só de 5%, en-quanto é de cerca de 15% para a turma (e, por-tanto, para o professor) (Felouzis, 1997: 57). Aúltima estimativa confirmada por Duru-Bellat eMingat para o C.P.3 : a inclusão da pertença a umaturma aumenta em 19% o poder explicativo deum modelo estatístico. Numa pesquisa que in-cluiu 102 turmas do ensino primário, constatou-se, “para um aluno de desempenho exatamentemédio num teste inicial, um desvio de 30 pon-tos no teste final, dependendo de o aluno ter sidoescolarizado com o professor mais, ou com omenos, eficaz” (Bressoux, 1994: 135).

Mas quais são, de um lado, os fatoresexplicativos dessas diferenças e, de outro econjuntamente, quais são as características dosprofessores eficazes?

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar, paraevitar qualquer contra-senso, que a eficácia pe-dagógica efetiva do professor é apenas parcial-mente dependente de variáveis de identificaçãopessoal, tais como o sexo, o meio social de ori-gem, a formação pedagógica inicial ou os anosde experiência na profissão (Bressoux, 1994:138). Esse resultado foi confirmado por Felouzis:as características individuais não exercem umverdadeiro efeito (1997: 26). Não existe o bomprofessor do ponto de vista da idade, do sexo, daorigem social ou do status (idem: 32). Isso por-que “a eficácia dos professores se constrói nainteração escolar” (idem: ibidem).

Portanto são as características pedagógicas quecontam. O mestre, não como indivíduo, mas comoprofessor, colocando em prática um “comporta-mento pedagógico”. Este já foi analisado sob umainfinidade de pontos de vista (Durand, 1996: 12).Inúmeras têm sido as variáveis de processo estu-dadas: instruções; perguntas; intercâmbios verbais;modalidade direta ou indireta do ensino; naturezadas retroações; nível de dificuldade das tarefas; taxade redundância das explicações; clareza e freqüên-

cia dos exemplos; tempo concedido aos alunospara responderem; organização do curso; modali-dades de estabelecimento e de manutenção damatéria; clima da turma; modalidade de decisões;taxa de comportamentos entusiastas.

O que podemos deduzir? Os alunos terãomelhor desempenho escolar (de uma maneirageral) se o seu professor:

• Efetivamente ensinou os conteúdos avalia-dos: os alunos têm mais chances de apren-der e, portanto, de ter sucesso, quando o pro-fessor “executa” o currículo.

• Concedeu tempo suficiente para sua disci-plina (sendo que esse tempo varia de formaconsiderável de um para outro professor).

• Levou seus alunos a concederem o máximode tempo na tarefa (esse tempo pode variarde 50 a 90% para um ensino de Matemática).

• Destinou muito tempo a tarefas interativas.

• Manifestou expectativas positivas e elevadascom respeito aos seus alunos. Esse ponto foiintensamente confirmado pelos trabalhos deFelouzis (1997) que, tendo distinguido doisgrupos de professores do ensino secundáriofrancês, os eficazes e os não-eficazes, pôdedetectar nos 18 professores eficazes intensasexpectativas positivas com respeito aos alu-nos (visão ponderada do nível de suas capa-cidades; um tipo de relação que exclui qual-quer desdém ou rejeição; julgamentos posi-tivos em relação às potencialidades e às ca-pacidades para cada um progredir; práticaspedagógicas centradas nos alunos e tenden-tes a valorizá-los; nível alto de exigência doponto de vista do trabalho e do nível de com-petência esperado, mas impondo-se semautoritarismo). Por sua vez, os 16 professo-res ineficazes desenvolvem concepções mui-to negativas sobre os alunos, seu fraco nívelde competências e sua incapacidade paraaprender, o que se traduz em práticas peda-gógicas menos intensivas.

• Soube apresentar suas exposições de formaclara.

2 NT Antepenúltima série do ensino secundário francês, equivalente ao 2º ano do Ensino Médio brasileiro.

3 NT C.P.: Cours Préparatoire. Última série da escola maternal francesa, antes do ensino primário, equivalente ao penúltimo ano da pré-escolabrasileira.

Page 54: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

134

• Fez elogios ajustados, não muito freqüentes,que acompanharam os efetivos sucessos dosalunos.

• Propôs retroinformações (feedbacks) corretivas,de um modo afetivamente neutro e deixandoao aluno tempo suficiente para corrigir-se.

• Estruturou as atividades: propondo exercí-cios de entrada nas seqüências; procedendopor etapas curtas, mas com ritmo permanen-te e sem digressão, sempre sem temer a re-dundância; com um tempo importante deprática dirigida coletiva, seguida de exercí-cios individuais, mas cuidando de manter osalunos envolvidos na tarefa; por último, ter-minando com sínteses.

• Soube interrogar os alunos de maneira efi-caz: ao colocar numerosas perguntas; ao con-ceder tempo entre uma e outra pergunta; aointerrogar todos os alunos, numa ordemestabelecida; articulando o lugar concedidoàs intervenções orais espontâneas segundoo público (pois essa prática só é positiva comum público desfavorecido); e desconfiandodas respostas colegiais.

Clermont Gauthier (2001) faz uma apresen-tação do conjunto dessas qualidades e atitudesque tornam o professor eficaz, ordenando-assegundo duas grandes funções (gestão da maté-ria; gestão da turma), sendo que cada uma éabordada sob um triplo ponto de vista: planeja-mento, interação e avaliação. Nesse conjunto,Bressoux (1994) vê dois fatores que surgem deforma constante e positiva:

• o tempo de envolvimento na tarefa;

• a estruturação do ensino.

Que uso podemos fazer dessesresultados?

Será que temos de nos conformar com o per-fil que parece assim resultar do professor eficaz?Será que tudo isso tem de ser feito (Gauthier,2001: 214) e será que assim estaremos assegura-dos do sucesso? Acreditar nisso seria recair natrilha do cientificismo (a ciência tem respostapara tudo) e do aplicacionismo (seria suficienteapenas aplicar modelos científicos para ter su-cesso). Sem dúvida, há também muitas outrascoisas a serem feitas para se ter sucesso; e a efi-

cácia nunca poderá estar garantida. Em rigor:• As situações de ensino em sala de aula são

tais que essa atividade constitui uma tarefacomplexa, de múltiplas dimensões. Durand(1996) ressalta algumas: um número elevadode elementos interagindo; o caráter pluridi-mensional de cada situação, a que se acres-centa o caráter heterogêneo dos alunos; a si-multaneidade dos acontecimentos; a fra-ca previsibilidade da situação; uma forte pres-são temporal. Essa complexidade é tal quesomente uma e mesma forma de agir nemsempre pode produzir os mesmos efeitos.

• Há, no ensino, uma “primazia do operativo”(Durand, 1996: 69). A ação é guiada por crité-rios pragmáticos, e não lógicos ou formais. Elaé freqüentemente conduzida na urgência, poroperadores com uma “racionalidade limitada”(idem: 73), que trabalham com uma “alça demira prática” (idem: 34) dominante. O essen-cial é, para o professor em campo, encontrarem cada caso, ou em cada categoria de casos,“respostas satisfatórias” (idem: 34), e não apli-car um modelo, a priori, que seja válido inde-pendentemente de qualquer contexto.

• Justamente, os efeitos dos diversos fatoresidentificados variam com o contexto de suaaparição (Bressoux, 1994: 106) em função,dentre outros fatores, do nível da série ou anode escolaridade considerado e das caracte-rísticas sociais do alunado. É por isso que “en-sinar constitui uma profissão que acontecenum contexto demasiado complexo para quese permita reduzir a uma lista de competên-cias” (Gauthier, 2001: 214). Não se pode iso-lar fatores que seriam geralmente eficazes deforma independente da particularidade dassituações onde eventualmente poderão agir.

• Em situações e contextos de grande comple-xidade, nenhum fator poderá agir isolada-mente: “esses fatores estão interligados, detal forma que suas combinações demons-tram ser mais importantes que o seu efeitoisolado” (Bressoux, 1994: 106). São as com-binações, as constelações de fatores que po-dem, de preferência, produzir efeitos. Con-tudo, se levarmos em consideração que osprocessos escolares caracterizam-se pormúltiplos efeitos de interação (idem: 128), deonde se deduz a existência de “efeitos decomposição” (Duru-Bellat e Mingat, 1994:

Page 55: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

135

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

143), pode-se confirmar que toda pesquisageral do “bom professor” será em vão.

• Finalmente, é por isso que seria convenien-te, aqui e sempre, fazer, segundo a expressãode Clément Gauthier, um “uso prudente”(1997: 217) dos resultados da pesquisa. O queisso quer dizer? Não se deve sucumbir nemà “mística” da todo-poderosa ciência, nem àmística simétrica do professor condenado àimpotência e à hesitação pela complexidadeda sua profissão; mas, sim, utilizar os resul-tados dos trabalhos de pesquisa como ferra-mentas intelectuais ou como grades deinteligibilidade para estar informado e tam-bém para refletir sobre a sua própria prática,tendo em vista, eventualmente, reajustar aspráticas e os meios implementados refe-renciando-os às finalidades perseguidas.“Trata-se de tentar incorporar na sua práti-ca, em função de seu contexto e de suas prá-ticas profissionais, alguns saberes, savoir-faire ou formas de ser, a fim de aumentar seu‘efeito-professor’ ” (Gauthier, 2001: 214).

Entretanto, será que temos grades deinteligibilidade suficientemente pertinentes epotentes?

Para progredir na questãoda eficácia dos professoresTemos rigorosamente que reconhecer, citan-

do Bressoux, que se os efeitos-professor foramjá provados e se, assim, nossos conhecimentosapresentaram progressos, “temos ainda muitopouco conhecimento a respeito dos fatores quefavorecem os desempenhos dos alunos” (1994:108). Por meio de que processos mediatários osfatores identificados (e isolados) pelas pesqui-sas sobre os efeitos-professor chegam a produ-zir, justamente, seus efeitos? Seria preciso nãoapenas, como salientam Duru-Bellat e Mingat,descrever de forma sistemática e precisa “a efe-tiva variedade das práticas”, mas também “de-terminar [...] as práticas eficazes, ou seja, aque-las que se revelarem efetivamente ligadas à qua-lidade do ensino” (1994: 139). É preciso, ainda,ir além dessa pesquisa de correlações (que en-cerra no paradigma processo–produto) para ten-tar identificar as causalidades que estão efetiva-

mente operando, isto é, as vias e os mecanismospelos quais, e graças aos quais, existe um “efei-to”. O que implica sabermos mais, de fato, “so-bre os fatores que influem no aproveitamentoescolar dos alunos” (Bressoux, 1994: 128).

Duas grandes questões são, então, apresentadas:1. Quais são os fatores que incidem na apren-

dizagem dos alunos? E qual seria a impor-tância relativa da qualidade do desempe-nho do professor no sucesso escolar dosalunos?

2. Quais seriam as vias e os mecanismos den-tro da importância relativa da eficácia even-tual dos professores?

No que se refere à questão dos fatoresque incidem no desempenho escolardos alunos

Temos de considerar, junto com JeanCardinet, que um desempenho (do aluno) obser-vado “é uma função com muitas variáveis” (1991:210). Poderíamos considerar o “valor escolar” doaluno; mas, também, a sua história escolar; o con-texto social da prova de avaliação; as interações,presentes e passadas, com o(s) professor(es); acapacidade do aluno em decodificar o problemaque lhe é colocado etc. Em todos os casos, torna-se necessária uma leitura plurifatorial do sucesso(ou do fracasso). Isso permite entender que o de-sempenho do professor vem a ser apenas um fa-tor dentre vários outros, e que não podemossupervalorizá-lo (se é que não devemos, nãoobstante, subestimá-lo). O professor não é o úni-co responsável. E ele é só em parte responsável.

Dentre todos esses fatores que interagem, po-deríamos distinguir dois subconjuntos: os fatoresrelativos ao educando e aqueles relativos aos con-textos dos aprendizados. Pelo lado do educando,poderíamos evocar: a bagagem hereditária (comtodas as discussões que ela suscita); a personalida-de; as aptidões; a história, em particular a escolar;as atitudes, e a relação com a “coisa escolar”; os pro-jetos; a vontade; o nível de comprometimento. Pelolado dos contextos, podemos identificar três gran-des séries de fatores: o contexto de vida (o meio so-cial e cultural); o contexto da aprendizagem (escola,currículo, professor e “método”); o contexto da ava-liação. O professor, em rigor, só viria a ser mais um

Page 56: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

136

fator de contexto entre muitos outros, o que tornaredutora a pesquisa febril das correlações entre odesempenho do professor e o aproveitamento es-colar dos alunos. Essa pesquisa deve situar-se numplano mais amplo, que tenha em conta, pelo me-nos, algumas dimensões principais dos processosintervenientes. Só então é que, talvez, possamosresponder mais facilmente à segunda pergunta.

No que se refere à questão das viasreais da eficácia pedagógica:três grandes áreas de pesquisa

Seria necessário permitir-se uma visão de con-junto do processo geral de ensino-aprendizagem.

Vários pesquisadores contemporâneos têmproposto tais modelos. Bru (1991) propõe ummodelo da “interação contextualizada”, o qual,no âmbito de uma abordagem sistêmica, conce-de importância igual a três subsistemas: ensino;aprendizagem; e contexto. Gauthier (1997) pro-põe um modelo “eclético”, fazendo da classe omarco de observação privilegiada, sendo que elepróprio está inscrito dentro de um marco finali-zado, privilegiando duas funções de base do en-sino: a gestão da matéria e a gestão da classe.

Ao levantar a questão da necessidade de evitarformalizações redutoras que fariam esquecer acomplexidade da profissão de professor (Gauthier,1997: 17), preferimos ressaltar que um melhor co-nhecimento dos “efeitos-professor” reside nos pro-gressos que serão atingidos em três grandes “can-teiros de obras”, suscetíveis de nos esclarecer so-bre a natureza e a realidade de um “modo de agirdidático” do professor (Hadji, 1992: 158).

Três grandes áreas de pesquisaÁrea 1: pesquisas sobre a qualidade dodesempenho de um professor

O que seriam um ensino e um professor dequalidade? A resposta não é evidente. Isso de-pende dos fins e dos objetivos a que nos propo-mos (Avanzini, 1991).

A eficácia só existe quando está vinculada aobjetivos. Mas será que a qualidade se resume emeficácia? É nisso que consiste a totalidade do pro-blema das competências do professor, e do pro-fessor especialista. Essas competências não po-

dem mais ser estudadas de forma simplesmenteapriorística e no abstrato (“competências social-mente definidas”, Felouzis, 1997: 19). É precisodescrever e analisar os comportamentos realmen-te praticados quando se ensina a alunos concre-tos: reencontramos a necessidade de descrever demaneira sistemática a efetiva variedade das prá-ticas. Porém não é fácil descrever o professor es-pecialista: qual seria a importância relativa dosconhecimentos, das competências, da experiên-cia, das rotinas (Durand, 1996: 27-32)?

Por último, como medir a eficácia (de umensino de qualidade)? Além de essa questão abrira segunda área de pesquisa (o que significa tersucesso, para o aluno?), teríamos de reconhecerque a identificação de indicadores da eficácia doensino é problemática (Durand, 1996: 9). Assimcomo também é problemática a escolha dosmétodos da pesquisa. Duru-Bellat e Mingat pro-puseram medir “a eficácia pedagógica” por meioda preeminência dos desempenhos finais mé-dios obtidos por alunos com características in-telectuais e sociais médias. Mas isso iria, então,diferenciar eficácia de eqüidade, que é a capaci-dade de igualar os resultados para alunos comcaracterísticas diferentes (1994: 134-35). Por suavez, Felouzis mede o “efeito-professor” pelo di-ferencial que existe entre a média da turma e amédia dos exames comuns em finais de ano,todo o resto permanecendo igual (sexo, idade,origem social, escore inicial). Essas maneiras deproceder demonstram uma certa astúcia e levama resultados interessantes. Mas a área de pesqui-sa não se encontra, ainda, fechada.

Área 2: as pesquisas sobre o sucessoescolar dos alunos

Se o professor “faz a diferença”, qual

seria ela? Como imaginá-la? Como

evidenciá-la?

Gauthier, 1997: 131

Em primeiro lugar, o que significa ter suces-so? Não deveríamos falar em fracasso tão cedonem tão rapidamente, para não sermos vítimasde imagens e de hierarquias sociais polêmicas.

Page 57: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

137

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

Toda noção de sucesso ou de fracasso é relativa.Podemos vislumbrar uma trajetória, um lugarocupado, um poder adquirido, algumas compe-tências adquiridas: tudo isso vem a ser assuntode apreciação. Não devemos nos deixar sucum-bir ao mito da trajetória ideal. Isso porque sóexiste sucesso ou fracasso em relação a projetos.Por último, o fracasso escolar não é uma doen-ça, é preciso fazer uma leitura “em positivo”(Charlot, 1997) das experiências escolares.

Podemos então tomar como único indica-dor de sucesso os desempenhos escolares dosalunos? Não seria necessário considerar pelomenos três espaços de investigação: a ativida-de ou os comportamentos; as aprendizagens; odesenvolvimento (Durand, 1996: 83)? Bressouxsalienta que nós, com freqüência, nos conten-tamos com resultados obtidos em testes de lei-tura e de matemática, e que isso provoca umavisão restritiva da eficácia (1994: 125). Indo namesma direção, Gauthier deplora a utilizaçãoúnica de testes padronizados centrados em pro-cessos intelectuais (1997: 105). Pois, tal comoescreve Cardinet, não deveríamos nos conten-tar com “desempenhos escolares brutos, exces-sivamente ligados ao conteúdo curricular decada disciplina e à mercê de seu estudo em aula”(1991: 210). E, em último caso, seria melhor ra-ciocinar em termos de “progresso dos alunos”(Felouzis, 1997: 39), do que em termos de re-sultados brutos.

Área 3: as pesquisas sobre a “causalidade”pedagógica

Finalmente, tudo conduz a esta área, pois adificuldade é a de fazer o nexo entre algumaspráticas de professores (área 1) e o aproveita-mento escolar de alunos (área 2)

Seria preciso poder mostrar como, em rigor,os professores fazem as diferenças; como o en-sino produz seus efeitos (Gauthier, 1997: 39 e105). Ora, os resultados escolares obedecem, nósjá vimos, a um sistema de causalidade comple-xo (Durand, 1996: 5). Isso porque, nós já ressal-tamos, não são os comportamentos pedagógi-cos isolados, mas sim alguns patterns, ou mistu-ras de práticas, que podem produzir seus efeitos(Duru-Bellat e Mingat: 141). Quais variáveis en-

tão escolher para explicar as diferenças na eficá-cia? Eis todo o problema das variáveis de coman-do e das modalidades de regulagem da ativida-de pedagógica. A área é extensa. Durand distin-gue cinco níveis de regulagem (ordem; partici-pação; trabalho; aprendizagem; desenvolvimen-to). Teremos de nos indagar acerca da perti-nência da escolha dos meios e dos objetivos in-termediários (Durand, 1996: 134).

Portanto, não é fácil identificar “os mecanis-mos pedagógicos que atuam na eficácia dos pro-fessores” (Felouzis, 1997: 30). Porém surge já umresultado essencial: essa eficácia se constrói nainteração escolar. É esse espaço de interaçõesque deve tornar-se objeto privilegiado de pes-quisas, mesmo quando essas interações sãomuito difíceis de ser identificadas.

ConclusãoAlém de resultados às vezes discordantes

(Felouzis, 1997: 30), podemos considerarcomo comprovada a existência de efeitos-pro-fessor. Entretanto, isso não significa que pos-samos colocar à disposição dos professoresum modelo a ser aplicado. As mesmas manei-ras de agir não são obrigatoriamente eficazescom todos e em todos os contextos. É difícilgeneralizar. Se, de um lado, é necessário, nes-sa área, ajudar os professores a se livrarem desuas crenças espontâneas, cuja força e fre-qüência se explicam (Durand, 1996: 192) pelocaráter “não-observável e retardado no tem-po dos efeitos das ações que visam ao apren-dizado dos alunos” (ou, dito de outra forma,pela distância que sempre existirá entre ensi-no e aprendizagem), do outro, pela “ausênciade conhecimentos científicos confiáveis eexaustivos para organizar essas ações” (a au-sência de um modelo científico de ação), nãose pode, justamente, dar a acreditar que os re-sultados dos trabalhos atuais sobre a eficáciado ensino são suficientes para fundar práti-cas de formação e de ensino totalmenteconfiáveis. Se a pesquisa tem produzido re-sultados notáveis (o nosso ponto 2), ainda res-ta muito para ser compreendido (o nosso pon-to 3) no marco de paradigmas de pesquisa aserem atualizados (o nosso ponto 1).

Page 58: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

138

Isso porque “a pesquisa da eficácia ou dacompetência, na base de saberes positivos veri-ficados, constitui um objetivo legítimo e desejá-vel” (Gauthier, 1997: 248).

BibliografiaAVANZINI, G. L’école, d’hier à demain. Toulouse: Éditions Eres,

1991.

BRESSOUX, P. Les recherches sur les effets-écoles et les

effets-maîtres. Revue Française de Pédagogie, n. 108, p.

91-137, 1994.

BRU, M. Une nouvelle approche des conduites d’enseignement:

les recherches sur la gestion des apprentissages. In:

A.F.I.R.S.E., Les nouvelles formes de la recherche en

éducation. Matrice-Andsha, 1990. p. 253-60.

. Les variations didactiques dans l’organisation

des conditions d’apprentissage. Toulouse: Éditions

Universitaires du Sud, 1991.

CARDINET, J. L’apport socio-cognitif à la régulation interactive.

In: WEISS, J. (Ed.). L’évaluation: problème de

communication. Cousset, Fribourg: Del Val/IRDP, 1991. p.

199-213.

CHARLOT, B. Du rapport au savoir. Eléments pour une théorie.

Paris: Anthropos, 1997.

DURAND, M. L’enseignement en milieu scolaire. Paris: PUF,

1996.

DURU-BELLAT, M.; MINGAT, A. La variété du fonctionnement

de l’école: identification et analyse des ‘effets-maîtres’. In:

CRAHAY, M. (Ed.). Evaluation et analyse des

établissements de formation. Bruxelles: De Boeck

Université, 1994. p. 131-45.

FELOUZIS, G. L’efficacité des enseignants. Paris: PUF, 1997.

GAUTHIER, Clermont. L’effet enseignant. In: RUANO-

BORBALAN, J. C. (Ed.). Éduquer et former. Auxerre:

Éditions Sciences Humaines, 2001. p. 201-14.

GAUTHIER, Clermont (Ed.). Pour une théorie de la pédagogie.

Bruxelles: De Boeck Université, 1997.

HADJI, Charles. Penser et agir l’éducation. Paris: ESF Éditeur,

1992.

SCHÖN, D. A. The reflective practitioner. New York: Jossey

Bass, 1983.

. Educating the reflective practitioner. San Fran-

cisco: Jossey Bass, 1987.

As funções docentese sua formação

Maria Helena Guimarães de Castro*

Inep/MEC

O esforço empreendido na direção dauniversalização do ensino básico para a popula-ção de 7 a 14 anos, no país, obteve ótimos resul-tados no final da década. De 1991 a 1999, a taxade escolarização líquida, que fornece a propor-ção real de crianças, nessa faixa etária, estudan-do no Ensino Fundamental, saltou de 84% para95%. Foi um crescimento extraordinário, dado oatraso que tivemos na década anterior, com a es-colarização variando apenas de 80% a 84%. Em1998, o Brasil conseguiu antecipar e superar ameta estabelecida pelo Plano Decenal de Edu-

cação para Todos, que previa elevar a, no míni-mo, 94% a cobertura da população em idade es-colar até 2003.

Garantida a entrada na escola, o problemapassa a ser de assegurar as condições de perma-nência no sistema, bem como o sucesso esco-lar. Houve uma evolução bastante positiva nosindicadores de fluxo, principalmente nas primei-ras séries do Ensino Fundamental. A promoçãopassou de 60% para 74%, na média do EnsinoFundamental, entre os anos de 1991 a 1999. Na1ª série, a repetência diminuiu de 48% para 39%,

*Presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e Secretária de Ensino Superior do MEC.

Page 59: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

139

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

no mesmo período, enquanto na 5ª série caiu de38% para 23%. A taxa de distorção idade/sériecaiu de 64,1%, em 1991, para 46,6%, em 1998, e41,7% em 2000. A redução continua acentuadanas séries iniciais, tendência que certamenteestá associada à iniciativa de muitos sistemas deensino de implantar o sistema de ciclos, elimi-nando dessa forma o problema da reprovação.

O melhor fluxo, como a menor pressãodemográfica, vem influenciando uma novatendência de diminuição das matrículas nasséries de 1ª a 4ª (gráfico 1). Nas séries de 5ª a8ª, delineia-se uma fase de estabilidade, evi-denciada pela menor pressão das séries ini-ciais.

zonas, Maranhão, Ceará e Alagoas, que em1998 tinham menos de 90% de crianças de 7 a14 anos no Ensino Fundamental, conseguiramsuperar esse patamar em 1999. Se examinar-mos as taxas de escolarização de 1994, verifi-camos que o Nordeste superou em muito opatamar em que se encontrava, que era de 77%de escolarização líquida.

Contudo, a universalização do ensinoprecisa avançar verticalmente, na direção doEnsino Médio. Na faixa etária dos 15 aos 17anos, os jovens que estão matriculados naescola representam 84,5% do total (taxa deatendimento escolar de 1999). Entretanto, agrande maioria não está efetivamente cur-sando o Ensino Médio: eles ainda estão ten-tando completar o Ensino Fundamental.Apenas 32,6% dos jovens podem ser compu-tados nas escolas do Ensino Médio.

Mas uma outra tendência apontada pelosúltimos dados é que os alunos em atraso escolarestão buscando cada vez mais o ensino de jovense adultos, diminuindo a demanda sobre o ensi-no regular. A matrícula inicial nos cursos presen-ciais de 1ª a 4ª série apresentou um aumento de37%, de 2000 a 2001. A matrícula nos cursos denível médio cresceu 15%. A Educação de Jovense Adultos (EJA) incorporou ao sistema perto de410 mil pessoas – 70% no Ensino Fundamental e26% no Ensino Médio – interessadas em concluirseus estudos. No mesmo período, o Ensino Mé-dio regular cresceu apenas 2,7%.

A maior demanda deve voltar-se, assim, parao Ensino Superior. Há cada vez mais concluintesno Ensino Médio para as vagas disponibilizadaspela universidade. Mesmo assim, as universida-des públicas preenchem todas as suas vagas, noinício do ano, mas perdem alunos no meio docurso, por causa da evasão. As universidades pri-vadas, por sua vez, sequer conseguem preenchertodas as suas vagas nas matrículas iniciais, e fi-cam, assim, com vagas ociosas durante o ano.Para cada 100 estudantes que ingressaram nauniversidade em 1994, 70 concluíram seus cur-sos no ano de 1999. Nas instituições federais, essa

Entretanto, ainda é necessário completar auniversalização da educação básica em dois sen-tidos. No plano regional, o Norte e o Nordestedo país permanecem com taxas inferiores à metaestabelecida e são essas duas regiões que con-centram cerca de 60% dos cerca de um milhãode crianças fora da escola. Segundo os últimoscálculos de escolarização, cruzados com as esti-mativas populacionais do IBGE, para o ano de1999,1 os estados de Rondônia, Acre, Maranhãoe Piauí eram os que ainda mantinham a escola-rização abaixo dos 92%.

Embora sejam os últimos a completarem atarefa da universalização do ensino, os estadosdo Norte e do Nordeste vêm melhorando, anoa ano, suas posições. Estados como Acre, Ama-

1 As taxas de escolarização e de atendimento para o ano 2000 serão conhecidas apenas quando o IBGE disponibilizar os dados dacontagem populacional por idade.

Fonte: Inep/MEC

Gráfico 1

1ª a 4ª série (em mil)21.333 20.939

20.212 19.769

5ª a 8ª série (em mil)14.459

15.121 15.506 15.601

1998 1999 2000 2001

Matrículas no Ensino FundamentalBrasil – 1998-2001

Page 60: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

140

relação (concluintes por ingressantes) alcança-va 78%, enquanto nas instituições privadas fi-cava em 70%.

Com esse quadro, o grande compromisso écom a qualidade do ensino. É preciso diminuir aevasão e melhorar o desempenho escolar. Comrelação aos docentes, os desafios são principal-mente o aprimoramento da formação inicial econtinuada de professores, articulado a umapolítica de apoio e incentivo ao seu desenvolvi-mento profissional, tanto em termos das condi-ções de trabalho, como salário e carreira.

Um dos grandes sinalizadores da políticanesse sentido tem sido o Fundo de Manutençãoe Desenvolvimento do Ensino Fundamental e deValorização do Magistério (Fundef). Os resulta-dos apontam tanto para a elevação do nível sa-larial do Magistério quanto para o aumento degastos em atividades de capacitação docente,reforma e ampliação de escolas e aquisição deequipamentos e de material didático.

A implantação de sistemas nacionais de ava-liação na educação básica (Sistema Nacional deAvaliação da Educação Básica – Saeb; Exame Na-cional do Ensino Médio – Enem) permite identi-ficar as principais deficiências na aprendizagemdos alunos. O nível de escolaridade do professorexerce, aqui, grande influência. O ganho no ren-dimento dos alunos manter-se-á ascendente àmedida que se elevar a escolaridade do professore seu grau de satisfação profissional.

Base legal da formação paraa educação básicaSegundo a Lei de Diretrizes e Bases da Edu-

cação (LDB – Lei nº 9.394/96), artigo 62, e o De-creto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, a for-mação de docentes para atuar na Educação Bási-ca será feita em nível superior, em curso de Li-cenciatura, de graduação plena, em universida-des e instituições superiores de educação. A úni-ca exceção admitida pela LDB para que se formemprofessores que não em Licenciaturas Plenas parao exercício de Magistério na educação básica, é aque se faz em nível médio, na modalidade Nor-mal, que passa a ser formação mínima para o exer-cício do Magistério na Educação Infantil e nasquatro primeiras séries do Ensino Fundamental.

A Licenciatura curta ou de 1º grau – criadapela Lei nº 5.692/71, artigo 30, como formaçãomínima para o exercício do Magistério no ensi-no de 1º grau, da 1ª à 8ª séries – foi extinta emconseqüência do que dispõe o artigo 62 da LDB.Apesar disso, ainda continua a ser ministrada emalgumas instituições de Ensino Superior.2

A Licenciatura Plena – a ser ministrada pelosinstitutos superiores de educação, segundo oartigo 7º da Resolução CNE/CP nº 1, de 30 desetembro de 1999 – pode ser de dois tipos: o cur-so Normal Superior, para Licenciatura de profis-sionais em Educação Infantil e de professorespara os anos iniciais do Ensino Fundamental; eos cursos de Licenciatura, destinados à forma-ção de docentes dos anos finais do Ensino Fun-damental e do Ensino Médio, organizados emhabilitações polivalentes ou especializadas, pordisciplina ou área de conhecimento. Ambos de-verão ter duração mínima de 3.200 horas, com-putadas as partes teórica e prática.

Além desses, nos termos da ResoluçãoCNE nº 2/97, poderão ser desenvolvidos pro-gramas especiais de formação pedagógica (es-quemas I e II), destinados aos portadores dediploma de nível superior que desejem ensi-nar nas séries finais do Ensino Fundamentalou no Ensino Médio, em áreas de conheci-

2 Ver Pareceres CNE/CES nº 630/97 e CNE/CES nº 431/98, com recomendação para se tornar plena por meio da Resolução CNE/CES nº 2,de 19/5/1999.

Fonte: Inep/MEC

Gráfico 2

Concluintes no Ensino Médio – Vagas noEnsino Superior – Brasil – 1991-2000

639 749960

11641330

1536 1787

517 574 634 699 776905

1991 1994 1996 1997 1998 1999 2000

Concluintes do Ensino Médiono ano anterior (em mil)

Vagas no Ensino Superior (em mil)

Page 61: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

141

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

mento ou disciplinas de sua especialidade.A Lei nº 9.424, de 1996, que regulamentou o

Fundef, estipulou um prazo de cinco anos paraque os professores leigos obtivessem a habilita-ção necessária ao exercício das atividades docen-tes. Para isso, incentivou a aplicação de recursosdo Fundo para a capacitação mínima dos pro-fessores “leigos”, isto é, sem Magistério ou semLicenciatura, para atuar nos níveis de ensinoapropriados. A LDB foi mais longe ao prever queaté o fim da Década da Educação – dezembro de2006 – somente serão admitidos professores ha-bilitados em nível superior ou formados por trei-namento em serviço.

Carência de formaçãoAté o ano 2000, o número de professores sem

habilitação ainda se encontrava na casa do um mi-lhão. Desses, cerca de 250 mil necessitavam comple-tar ao menos a formação mínima do Normal Médio,para se habilitarem ao exercício das funções docen-tes na escola infantil ou no fundamental de 1ª a 4ªsérie. Entretanto, se observamos os níveis escolaresde 5ª a 8ª série e de Ensino Médio, as necessidadesde capacitação aumentam para, pelo menos, 350 mildocentes, que precisarão obter Licenciatura para sehabilitar ao exercício das funções docentes nas esco-las em que já atuam.

Sem magistério Sem licenciatura 1996 2000 1996 2000 N.abs. % N.abs. % N.abs. % N.abs. %

Total 297.973 15,4 249.957 11,2 1.096.483 56,7 1.176.031 52,9Pré-Escola 45.373 20,7 32.462 14,2 183.824 83,7 184.681 80,9Fundamental de 1ª a 4ª série 146.311 18,8 96.760 11,9 632.761 81,5 641.569 78,7Fundamental de 5ª a 8ª série 59.743 9,8 66.948 8,9 195.826 32,0 245.666 32,8Ensino Médio 46.546 14,2 53.787 12,5 84.072 25,7 104.115 24,2

Funções docentes sem formação mínima (leigos) Brasil – 1996-2000

Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares.

Nível de ensino

Tabela 1

Nível de formação

As regiões mais carentes de professorescom pelo menos o Magistério são o Norte e oNordeste. Os estados do Acre e do Maranhãoapresentam mais de 30% de docentes sem Ma-gistério, atuando no ensino de 1ª a 4ª série. Osestados de Tocantins, Pará, Rondônia, Amazo-nas, Piauí e Ceará estão com pelo menos 20%dos docentes de 1ª a 4ª série sem Magistério.

No ensino de 5ª a 8ª série, também o Norte e oNordeste são carentes de professores com formaçãosuperior em Licenciatura. Os estados do Tocantins eRoraima, no Norte; Maranhão e Piauí, no Nordeste,apresentam mais de 70% de docentes sem Licencia-tura. Os estados do Amazonas, Bahia, Sergipe e Goiás,este último já no Centro-Oeste, necessitam formarmais de 60% dos seus docentes. Outros estados doNorte e do Nordeste ainda apresentam pelo menos50% de docentes sem Licenciatura.

No Ensino Médio, a situação não é diferen-

te. Estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste são os que apresentam maior carência dedocentes com Licenciatura. Nos casos deRoraima, Tocantins, Maranhão, Piauí, Bahia eGoiás, em cada dez funções docentes, cinco nãotêm Licenciatura, embora pelo menos dois te-nham algum curso superior. Outros estados,como Amazonas, Rio Grande do Norte, Sergipee Mato Grosso, apresentam, em cada dez fun-ções docentes, quatro sem Licenciatura, compelo menos dois tendo algum curso superior.

A formação de professoresOs cursos de Magistério estão diminuindo. De

1998 a 2000, a proporção de cursos nessa habilita-ção caiu de 30% para 17%, no conjunto dos cursosde nível médio. As escolas estão se adaptando àsnovas demandas do mercado de trabalho, enquan-

Page 62: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

142

to, na área da Educação, a demanda está sendodirecionada para a formação de nível superior. Es-tão sendo criados cursos na modalidade Normal

Ano Nº de escolas Matrículas

Ensino Médio Magistério % Ensino Médio Magistério %

1998 17.602 5.261 30 6.968.531 741.625 11

1999 18.603 4.085 22 7.769.199 615.411 8

2000 19.456 3.228 17 8.192.948 518.775 6

Fonte: Inep/MEC – Seec

Tabela 2

Número de escolas e matrículas no Ensino Médio e na habilitação MagistérioBrasil – 1998-2000

BRASIL 524.140 712.192 36% 167.319 29.032

Norte 5,2% 5,1% 33% 6,5% 6,5%

Nordeste 21,1% 21,2% 36% 18,2% 14,2%

Sudeste 48,8% 44,1% 23% 44,1% 52,1%

Sul 16,6% 20,1% 65% 21,2% 15,9%

Centro-Oeste 8,4% 9,6% 55% 9,9% 11,3%

Fonte: Inep/MEC – Seec

Matrícula 1994 Matrícula 1999Taxa de

crescimento Matrícula 1999Concluintes

1998

Licenciatura plena Pedagogia

Matrículas em licenciaturas plenas e em pedagogiaBrasil – 1994-1999

Tabela 3

Superior, destinados à formação de docentes paraa Educação Infantil e para as primeiras séries doEnsino Fundamental.

Os cursos superiores com LicenciaturaPlena correspondem a 41% dos cursos degraduação do país, segundo dados do Cen-so do Ensino Superior de 1999. As matrícu-las apresentaram grande crescimento nasregiões Sul e Centro-Oeste, nesta últimaprincipalmente por influência do DistritoFederal. Mas o Sudeste continua concen-trando grande parte dos estudantes nessahabilitação (mais de 40%). O Nordeste vem

em segundo no volume de matrículas (pou-co mais de 20%). É bom lembrar que do to-tal de professores que ainda não possuemLicenciatura e atuam na 5ª até a 8ª série doEnsino Fundamental, bem como no EnsinoMédio, cerca de 40% estão na Região Nor-deste, enquanto outros 30% ainda podemser encontrados no Sudeste. A oferta aindaestá, portanto, invertida, em relação à ca-rência.

Os cursos de Pedagogia, por sua vez, apre-sentaram, em 1999, 167 mil alunos matricu-lados, sendo 74 mil no Sudeste e 30 mil noNordeste. A Região Sudeste cresceu 37%, des-de 1994, abaixo da média do país, mas ainda

concentra grande parte dos estudantes. ONordeste cresceu 48%, porém manteve a mes-ma participação de 18% nas matrículas. Pelolado dos concluintes, estes foram 29 mil noano de 1998. O Sudeste formou 15 mil e o Nor-

Page 63: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

143

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

deste, 4 mil. Em resumo, o Sudeste matricu-lou cerca de 44% do total de estudantes emPedagogia, no ano de 1999, enquanto forma-va 52%, no ano anterior. O Nordeste, por suavez, matriculou 18% dos estudantes, enquan-to formava 14%.

Perfil atual das funçõesdocentes segundo aformaçãoOs dados preliminares do Censo Escolar

de 2001 indicam um total de 2,6 milhões defunções docentes no país,3 com um cresci-mento de 4,2% em relação ao ano anterior ede 21,6% acumulados desde 1996. O ensinode jovens e adultos cresceu muito nos últimosanos, sendo acompanhado do maior cresci-mento registrado pelas funções docentes, en-tre todos os níveis de ensino. Desde 1996, as

crescimento de docentes com nível superior.Na Educação Especial, com um número bem

menor de alunos e professores, a proporçãodestes com formação superior é bem maior,chegando a 60% nas escolas públicas; as es-

colas particulares fizeram um ajuste, comcrescimento de 75% dos professores comgrau superior, atingindo agora uma propor-

ção de 40%.A partir da LDB, iniciou-se a integração

das creches no sistema educacional brasilei-

ro. Os censos escolares passaram a incluir to-dos os dados referentes a creches. Os anos de1998 e 1999 foram de regularização do cadas-

tro de estabelecimentos, docentes e matrícu-las. A partir de 1999, os registros de matrícu-las se regularizaram, alcançando em 2001 mais

de um milhão de crianças atendidas. As fun-ções docentes cresceram 30,5% nas creches e16% nas pré-escolas, de 1999 a 2001.4

3 O conceito de função docente é utilizado para contabilizar todas as situações de docentes que atuam em mais de uma área de conhecimen-to ou em mais de um estabelecimento escolar.

4 Dados preliminares do Censo Escolar de 2001.

Total 2.582.369 18,7 80,0 53,7

Creche** 63.012 30,5 57,2 12,7

Pré-Escola 248.470 13,2 66,4 24,7

Classes de alfabetização 41.094 - 45,6 61,6 9,8

Fundamental de 1ª a 4ª série 809.061 4,2 87,1 27,1

Fundamental de 5ª a 8ª série 770.077 25,9 83,5 74,4

Ensino Médio 448.328 37,2 75,0 88,8

Educação Especial 42.628 30,1 46,4 48,5

Educação de Jovens e Adultos 159.699 99,9 85,0 63,7

Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares. Notas: * Dados preliminares. ** O crescimento nas creches só pode ser mensuradoem relação ao ano de 1999. Obs: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidadede ensino e em mais de um estabelecimento escolar.

Número de funções docentes por nível de ensino e proporção no setor públicoBrasil – 2001

Nível de ensino

Funções docentes em 2001*

Números absolutos Crescimento1996–2001

Proporção nosetor público

Proporçãocom formação

superior

Tabela 4matrículas da EJAcresceram 35%, en-quanto os docentespraticamente dobra-ram seu número. Essecrescimento de do-centes na EJA foiacompanhado demaior qualidade nograu de formação dospróprios professores,na medida em que seconstata um cresci-mento ainda maiorentre os docentes denível superior (tabe-las 4 e 5).

Tanto na Educa-ção Infantil, como naEducação Especial, os

dados apontam tam-bém para um grande

Page 64: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

144

Total 40,0 37,2 45,0 52,2 54,5 59,6

Creche** 65,2 81,8 8,3 11,3 11,6 14,6

Pré-Escola 38,4 93,3 19,2 24,5 16,2 25,0

Classes de alfabetização - 64,8 112,8 5,0 4,4 10,4 18,5

Fundamental de 1ª a 4ª série 32,9 71,8 19,5 25,1 26,2 40,8

Fundamental de 5ª a 8ª série 29,1 19,2 72,4 72,6 79,3 84,0

Ensino Médio 47,2 25,6 86,4 88,5 86,3 89,9

Educação Especial 28,0 74,6 48,5 57,3 37,0 41,0

Educação de Jovens e Adultos 144,9 66,7 52,3 59,6 74,6 86,7

Funções docentes com formação superior*Crescimento1996-2001 Proporção (%)

Público Privado

1996 2001

Nível de ensinoPúblico Privado

1996 2001

Fonte: Inep/MEC, Censos Escolares. Notas: *Dados preliminares. **O crescimento nas creches só pode ser mensurado em relaçãoao ano de 1999. Obs.: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidade de ensino e emmais de um estabelecimento escolar.

Tabela 5

Funções docentes com formação superior por nível de ensinoBrasil – 1996-2001

BRASIL 165.011 24,5 67,2 83.459 25,0 70,1

Norte 13.242 2,9 82,7 3.524 8,3 85,6

Nordeste 54.410 5,9 75,9 23.960 10,7 81,1

Sudeste 66.962 40,5 58,8 38.858 31,8 65,4

Sul 22.564 32,1 64,3 11.028 36,9 58,4

Centro-Oeste 7.833 32,8 61,2 6.089 26,7 69,3

Pré-Escola

Pública Privada

Tabela 6

Unidade daFederação

Fonte: Inep/MEC – Seec, Censo Escolar 2001 (resultados preliminares)

Total Superior(%)

Médio(%)

Total Superior(%)

Médio(%)

Número de funções docentes com e sem curso específicoem Pré-Escola, por dependência administrativa e grau de formação

Brasil e Regiões – 2001

O crescimento foibem maior entre os pro-fessores com nível supe-rior. O crescimento foi de73% nas creches e de 29%nas pré-escolas. Porém osdocentes com nível supe-rior representam peque-na proporção no quadrode professores que aten-dem nas creches. Nos es-tabelecimentos públicos,esses professores repre-sentavam 8% em 1996 epassaram a 11% em 2001.Nos estabelecimentosprivados, os docentescom formação superiorpassaram de 12% para15% entre o total de pro-fessores.

Nas pré-escolas, osdocentes com formaçãosuperior representam 25% do total. NaRegião Sudeste, as pré-escolas públi-cas chegam a 40%. No Sul e no Cen-tro-Oeste esse índice está acima dos32%. O Norte e o Nordeste mantêm,ainda, baixa proporção de docentescom nível superior, que só é atenuadanos estabelecimentos privados. NoNordeste, nas pré-escolas públicas,eles não passam dos 6%. Nas pré-es-colas particulares atingem a propor-ção de 11% (tabela 6).

As funções docentes com nível supe-rior são requisito necessário, pela LDB.Entretanto, creches e pré-escolas sãocompostas em sua maioria por profes-sores de nível médio, com Magistériocompleto. Representam mais de 60% dototal de docentes. Essa é a formação mí-nima recomendada para o exercício das funçõesdocentes no ensino infantil. Nas creches, cercade 30% dos docentes ainda não contam sequercom o curso Normal Médio. Nas pré-escolas, essepercentual cai pela metade – cerca de 15% pos-suem o nível médio, mas sem Magistério, ouapresentam apenas o nível fundamental.

Os docentes no EnsinoFundamentalO Ensino Fundamental, de acordo com os

dados preliminares do Censo Escolar de2001, ocupa 1,6 milhões de funções docen-tes. Nas séries de 1ª a 4ª, cerca de 25% pos-

Page 65: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

145

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

Fonte: Inep/MEC – Seec. Obs.: As funções docentes contabilizam professores que atuam em mais de uma modalidade de ensinoe em mais de um estabelecimento escolar.

Tabela 7

Proporção das funções docentes segundo o grau de formaçãoBrasil 1996-2000

Grau de formaçãoPré-Escola

Ensino FundamentalEnsino Médio

1ª a 4ª série 5ª a 8ª série

1996 2000 1996 2000 1996 2000 1996 2000

Total de docentes 219.517 228.335 776.537 815.079 611.710 749.255 326.827 430.467

100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0

No máximo Fundamental completo 16,1 9,3 15,3 8,1 1,0 0,6 0,3 0,1

Médio sem Magistério 4,3 4,4 3,3 3,3 6,6 6,1 6,4 6,1

Magistério 61,4 63,2 61,1 64,0 18,7 19,2 6,9 5,3

Superior 18,2 23,1 20,3 24,6 73,7 74,1 86,4 88,4

– Sem Magistério e sem licenciatura 0,3 0,5 0,3 0,4 2,2 2,2 7,5 6,2

– Com Magistério e sem licenciatura 1,7 3,5 1,5 2,9 3,5 4,7 4,6 6,4

– Com licenciatura 16,3 19,1 18,5 21,3 68,0 67,2 74,3 75,8

suem formação em nível superior, enquantonas séries de 5ª a 8ª, os docentes com forma-ção superior representam 74%. O número defunções docentes cresceu 14%, no período de1996 a 2001, enquanto o crescimento dosprofessores de nível superior, no mesmo pe-ríodo, foi de 30%.

As escolas particulares possuem menor nú-mero de professores do que as escolas públi-cas, porém o ajuste foi maior no sentido do au-mento do grau de formação. Nas séries de 1ª a4ª, em que a proporção das funções docentescom formação superior não é alta, as particu-lares registraram alteração de 26% para 41%,no período de 1996 a 2001. Nas escolas públi-cas, a proporção ainda não superou os 25%.Nas séries de 5ª a 8ª, em que uma maior quali-

ficação dos docentes é necessária, as escolasparticulares alteraram a proporção de 79%para 84%, no mesmo período, enquanto nas es-colas públicas o percentual manteve-se próxi-mo dos 73% (tabela 5).

Dentro do que recomenda a lei vigente,as funções docentes em exercício nas sériesde 1ª a 4ª precisam ter, no mínimo, Magisté-rio completo. Atualmente, quase 90% dasfunções docentes estão enquadradas nesserequisito. Se formos considerar apenas osdocentes com formação superior, com Ma-gistério ou Licenciatura, esse percentual cai-ria para 24%. Em uma perspectiva mais fle-xível, restam pelo menos 11% de professoresque precisam agregar o curso Normal aosseus currículos (tabela 7).

Nas séries de 5ª a 8ª, em que a determina-ção legal vai no sentido de que todos os profes-sores tenham formação superior com Licenci-atura completa, o percentual de cobertura dalegislação está ainda em 67%. No período 1996-2000, houve uma tendência para o crescimen-to dos docentes com Magistério, com ou semcurso superior. Parece estar havendo um ingres-so de professores com Magistério na universi-

dade, mas esse movimento ainda não conse-guiu causar impacto na proporção dos docen-tes que já possuem Licenciatura completa. Des-se modo, cerca de 25% dos docentes, com for-mação média, com ou sem Magistério, preci-sarão se adequar à legislação, formando-se nonível superior. Outros 7% precisarão se adequarà legislação apenas acrescentando o curso deLicenciatura a seus currículos.

Page 66: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

146

BRASIL 49.176 11,4 13% 380.679 88,4 35%

Norte 3.722 16,2 10% 19.268 83,8 45%

Nordeste 19.279 21,4 12% 70.767 78,4 34%

Sudeste 14.037 6,5 10% 201.871 93,4 40%

Sul 5.641 8,2 11% 62.932 91,5 19%

Centro-Oeste 6.497 20,1 31% 25.841 79,8 34%

Ensino Médio

Formação média Formação superior

Tabela 8

Unidade daFederação

Nº absoluto (%) Crescimento1996-2000

Nº absoluto (%) Crescimento1996-2000

Número de funções docentes no Ensino Médio por grau de formaçãoBrasil e Regiões – 2000

Fonte: Inep/MEC – Seec. Censo Escolar 2001 (resultados preliminares)

Os docentes no Ensino MédioO Ensino Médio incorporou 3,5 milhões

de novas matrículas, desde 1994. Em seteanos, cresceu o equivalente ao registrado nos14 anos anteriores, ou seja, 70% de cresci-mento. Também o número de estudantes queconcluem esse nível de ensino cresceu. De1991 a 1994, o número de concluintes haviaaumentado 40%, passando de 660 mil para917 mil concluintes. A partir de 1994, o siste-ma promoveu um melhor fluxo escolar, al-cançando em 2000 um número duas vezesmaior de concluintes (1.850 mil).

O Ensino Médio apresenta perto de 450mil funções docentes, pelos dados aindapreliminares do Censo Escolar de 2001. Des-ses, quase 90% têm formação superior. O nú-mero de funções docentes cresceu 37%, noperíodo de 1996 a 2001, refletindo pratica-mente o mesmo crescimento dos professo-res de nível superior (41%). No ano de 2000,de cada 100 novas funções docentes, 95 fo-ram preenchidas com professores de nívelsuperior, sendo que 81 com Licenciatura.Enquanto isso, outros 5% continuaram sen-do de docentes com formação média, semMagistério. As escolas ainda estão absorven-do professores com nível médio, principal-mente em estados do Nordeste e do Centro-Oeste (tabela 8).

As escolas particulares de Ensino Médiotambém possuem menor nú-mero de professores do queas escolas públicas, porémtambém aqui o ajuste foimaior no sentido do aumen-to do grau de formação. Asparticulares alteraram a pro-porção de docentes com ní-vel superior de 86% para 90%,enquanto nas escolas públi-cas o percentual passou de86% para 88%.

Dentro do que a LDB de-termina, as funções docen-tes em exercício no EnsinoMédio devem ter formaçãosuperior com Licenciatura

completa. Atualmente, cerca de 76% dasfunções docentes estão enquadradas nesserequisito. Restam pelo menos 12% de pro-fessores que precisam agregar à sua forma-ção o curso de Licenciatura. Outros 11% dedocentes ainda não possuem graduação su-perior e, portanto, precisarão se adequar àlegislação (tabela 7). Professores com Ma-gistério estão ingressando na universidadee adquirindo formação superior. A propor-ção dos docentes com nível médio e Magis-tério vem decrescendo, enquanto aumentaaqueles com Magistério e formação superi-or. Entretanto, ainda lhes falta o curso de Li-cenciatura.

Os docentesno Ensino SuperiorA expansão da matrícula no Ensino Médio,

que se acentuou nos últimos cinco anos, vemprovocando um aumento na demanda por va-gas no Ensino Superior. Em 1990, havia cercade 640 mil alunos concluintes no nível médio eaproximadamente 520 mil vagas no Ensino Su-perior, o que estabelecia uma relação de prati-camente 1,2 alunos por vaga. Em 1999, mais de1,7 milhão de estudantes concluiu o Ensino Mé-dio para cerca de 900 mil vagas oferecidas parao Ensino Superior, fazendo a relação aproximar-se de 1,9 alunos por vaga.

Page 67: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

147

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

Nos seis anos que vão de 1994 a 2000, oEnsino Superior incorporou um milhão deestudantes nos cursos de graduação. De 1997a 2000 – o período de maior crescimento – ataxa média de expansão foi de 11,5% ao ano.Esse percentual é praticamente o mesmoatingido pelo sistema em toda a década de1980 (11,8%).

A rápida expansão da matrícula repercu-te, obviamente, no aumento do número deprofessores no Ensino Superior, que tambémvem se dando de forma acelerada. Em 1994,contavam-se 141 mil professores em exercí-cio em todas as instituições. Em 1999, essenúmero passou para 174 mil. O crescimentomédio no período 1994-1999 foi de 4,2% aoano, sendo que de 1998 a 1999 o crescimen-to foi de 5,3%.

Fonte: Inep/MEC

Tabela 9

Ensino Superior: Docentes com mestrado e doutoradoBrasil – 1994-1999

1994 Total 141.482 100,0 33.531 23,7 21.326 15,1

Pública 75.285 53,2 21.268 28,2 16.850 22,4

Federal 43.556 30,8 14.899 34,2 9.147 21,0

Privada 66.197 46,8 12.263 18,5 4.476 6,8

1998 Total 165.122 100,0 45.482 27,5 31.073 18,8

Pública 83.738 50,7 25.073 29,9 23.544 28,1

Federal 45.611 27,6 16.371 35,9 13.170 28,9

Privada 81.384 49,3 20.409 25,1 7.529 9,3

1999 Total 173.836 100,0 50.849 29,3 34.937 20,1

Pública 80.883 46,5 24.231 30,0 25.360 31,4

Federal 46.687 26,9 16.496 35,3 14.651 31,4

Privada 92.953 53,5 26.618 28,6 9.577 10,3

Total Mestrado Doutorado

Nº absoluto % Nº absoluto % Nº absoluto %

Nesse universo, a proporção dos profes-sores com pós-graduação, em cursos deMestrado ou Doutorado, cresceu substanci-almente. Em 1999, 50% das funções docen-tes já eram ocupadas por professores comgrau de mestre ou de doutor, sendo que osprofessores com título de doutor represen-tavam 20% do total (tabela 9). Nas institui-ções públicas federais e estaduais, a propor-ção de professores titulados é bem mais alta.De cada dez funções docentes, pelo menosseis são de mestres ou doutores e, entre es-tes, pelo menos três são doutores. Nas insti-tuições privadas, de cada dez funções docen-tes, pelo menos quatro são de mestres oudoutores, entre os quais pelo menos umapresenta titulação no Doutorado.

O percentual de professores sem pós-gra-

duação apresentou uma grande queda, de34,5% para 15%, no período de 1990 a 1999.Esses professores mantêm o mesmo percen-tual de 15% tanto nas instituições públicascomo nas particulares.

A categoria dos professores com especia-

lização mostrou uma pequena elevação, de31,6% para 35%, no período 1990-1998, man-tendo-se nessa proporção em 1999. Nas insti-tuições públicas, os docentes com especiali-zação representam 23%, enquanto nas parti-culares somam 45%. A proporção de profes-

Page 68: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

148

sores com mestrado cresceu de 21% para 29%e a de professores com doutorado, de 13%para 20% (gráfico 3).

A qualidade do ensinoA busca de qualidade e a promoção de

maior eqüidade do sistema de ensino pas-saram a ocupar lugar de destaque na novaagenda das políticas de educação básica. Acorreção do fluxo escolar foi uma das medi-das pelas quais se buscou combater a baixaeficiência dos alunos e a pouca efetividadedo ensino. Como um dos resultados dessapolítica, o número de concluintes do EnsinoFundamental cresceu a uma taxa de 10% aoano, desde 1994. Por sua vez, a proporção deestudantes em atraso escolar, que era de 60%em 1994, baixou para 42% no ano de 2000.Mas outras estratégias também se interliga-ram nesse esforço:

• O aprimoramento do sistema de forma-ção inicial e continuada de professores,articulado a uma política de apoio e in-centivo ao seu desenvolvimento profis-sional.

• O desenvolvimento de sistemas de ava-liação de aprendizagem e do desempenho

docente, referenciados em padrões dequalidade.

• Novas tecnologias de informação nas es-colas e como suporte a programas de edu-cação a distância, inclusive voltados paraa formação continuada e para a capacita-ção de professores.

• Elaboração e disseminação de diretrizese parâmetros curr iculares nacionais,abrangendo desde a Educação Infantil atéo Ensino Médio, passando pelo EnsinoFundamental, pela Educação Indígena,pela Educação de Jovens e Adultos e pelaformação de professores.

• Implantação de sistemas nacionais de ava-liação na educação básica: o Saeb e o Enem.

• A criação do Fundef, no sentido de promo-ver maior eqüidade no financiamento doensino obrigatório e de assegurar condi-ções mínimas para a remuneração maisdigna dos profissionais da educação, bemcomo para sua formação.

Resultados obtidospelo FundefA lei que instituiu o Fundef (Lei nº 9.424,

de 24/12/1996) assegura a utilização de, pelomenos, 60% (sessenta por cento) dos recur-sos do Fundo para a remuneração dos pro-fissionais do Magistério em efetivo exercíciode suas atividades no Ensino Fundamentalpúblico.

Estudos recentes realizados pelo MEC e peloInep analisaram dados sobre os níveis salariaisdos docentes e chegaram a conclusões anima-doras a respeito desses níveis assim como sobrea formação desses docentes.

Um dos trabalhos5 analisou os dados de umapesquisa amostral, realizada pela Fipe/USP em300 redes públicas de Ensino Fundamental, com-preendendo a totalidade das redes estaduais edo Distrito Federal e as redes municipais perten-centes às 26 capitais e mais 273 municípios.

Uma das conclusões do estudo foi que:

5 Semeghini, Ulysses. Fundef: uma revolução silenciosa. Departamento de Acompanhamento do Fundef/MEC.

Gráfico 3

Docentes no Ensino Superior – Proporçãosegundo o grau de formação – Brasil 1990-1999

40,0

35,0

30,0

25,0

20,0

15,0

10,01990 1994 1998 1999

Sem pós-graduação Especialização

Mestrado Doutorado

Fonte: Inep/MEC

Page 69: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

149

Desempenho do professor e sucesso escolar do alunoSIMPÓSIO 9

Os reajustes foram maiores nas redes munici-

pais em todas as regiões, o que é ainda mais sig-

nificativo, levando-se em conta que foi nessas

redes que aumentou substancialmente o núme-

ro de docentes. Entretanto, mesmo as

redes estaduais reajustaram seus sa-

lários em níveis superiores ao da in-

flação no período. Os maiores índices

foram concedidos aos profissionais

dos municípios e regiões mais pobres,

com o que reduziu-se a distância en-

tre seus vencimentos e a média das

demais regiões. No Norte e no Nor-

deste, em que pese transferirem re-

cursos aos municípios, os estados

concederam aumentos médios em

suas redes bem maiores do que os es-

tabelecidos no Sul, no Sudeste e no

Centro-Oeste.

Segundo o trabalho, a remunera-ção média dos professores das redespúblicas aumentou 29,5%, entre de-zembro de 1997 e junho de 2000. Asduas categorias funcionais mais repre-sentativas – os profissionais com for-mação em nível médio na modalidadeNormal e os portadores de curso supe-rior com Licenciatura Plena – obtive-ram, nesse período, elevações salariaisde 23% e 27%, respectivamente. A re-muneração média nacional dos profes-sores com nível médio completo namodalidade Normal, que em dezem-bro de 1997 era de R$578,00 para a jor-nada de 40 horas, passou a R$710,00 em junhode 2000. Já os docentes de formação superiorcom Licenciatura Plena passaram de R$1.005,00para R$1.278,00, no mesmo período e para idên-tica jornada.

Quando se analisaram os dados referen-tes às várias regiões do país, constatou-seque o maior percentual de aumento da remu-neração ocorreu no Nordeste, onde a eleva-ção média foi de 59,7%, sendo de cerca de54% para os professores com modalidadeNormal e de 36% para os docentes com Li-

cenciatura Plena. Dessa forma, a remunera-ção média total na região, que correspondiaa 49% da média nacional em 1997, ascende-ra a 61% em 2000.

Analisando comparativamente a evolução daremuneração dos docentes pertencentes às re-des estaduais e municipais, verificou-se que, noperíodo, houve aumento médio de 33,3% nasredes municipais e de 25,2% nas estaduais. Essefoi um dos reflexos diretos da redistribuição dosrecursos que beneficiou intensamente os muni-cípios, justamente os que dispunham de meno-res possibilidades para arcar com essas eleva-ções, antes da criação do Fundef.6

No tocante aos professores com Licenciatu-ra Plena, as redes sediadas na Região Sudeste

Tabela 10

Remuneração média, em reais, dos professores com licenciatu-ra do Ensino Fundamental – 40h semanais 1997/2000

Fonte: DAF/MEC, Pesquisa Fipe/USP, 2000

Municipal 1.079 1.299 20%

Estadual 965 1.266 31%

Total 1.005 1.278 27%

Municipal 821 985 20%

Estadual 780 968 24%

Total 778 973 25%

Municipal 626 824 32%

Estadual 522 722 38%

Total 560 763 36%

Municipal 1.268 1.531 21%

Estadual 1.125 1.554 38%

Total 1.165 1.545 33%

Municipal 955 1.168 22%

Estadual 811 954 18%

Total 855 1.030 20%

Municipal 750 1.002 34%

Estadual 924 1.186 28%

Total 880 1.141 30%

Dez./1997 Jun./2000Taxa de

crescimento

BRASIL

Centro-Oeste

Sul

Sudeste

Nordeste

Norte

6 Segundo informa o estudo, a inflação no mesmo período, medida pelo INPC/IBGE, foi da ordem de 12%.

Page 70: O LIVRO DIDÁTICO E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

concederam, no período de dezembro de 1997a junho de 2000, uma elevação salarial médiade cerca de 33%. No Nordeste, os docentes comessa mesma formação pertencentes àsredes estaduais foram os que obtiveramos maiores aumentos, alcançando 38%em média. Já dentre as redes munici-pais, as maiores elevações salariais nes-sa categoria aconteceram na RegiãoCentro-Oeste, atingindo 34%, e no Nor-deste, 32%.

Outro estudo7 analisou dadosextraídos das Pesquisas Nacionais porAmostra de Domicílio (PNAD), realiza-das pelo Instituto Brasileiro de Geogra-fia e Estatística (IBGE). Chegou a con-clusões que indicam melhorias salari-ais e de formação profissional.

Os dados mostram um claro e progressivo au-

mento dos salários médios dos professores no

país com a implantação do Fundef e a diminui-

ção das diferenças regionais. Antes do Fundef,

a evolução dos salários dos professores era mais

lenta no conjunto do país, além de muito hete-

rogênea.[...]

Os números mostram evolução contínua da me-

lhoria na formação docente, embora de forma

mais clara e acentuada entre os professores de

1ª a 4ª série.

Segundo o trabalho, na vigência do Fundef,em 1998, registrou-se o maior aumento de salá-rio na Região Nordeste (19,5%), bem como au-mentos variáveis nas demais regiões, com exce-ção do Sul. Nos dois anos anteriores ao Fundef,a relação entre o menor e o maior salário médioregional – Nordeste e Sudeste, respectivamente– havia aumentado (chegando a 2,2 vezes em1997), ocorrendo o inverso nos anos posteriores(caindo a relação para 1,98 em 1999).

Nos anos de 1998 e 1999, observa-se a ocor-rência de ganhos positivos em todas as regiões,sendo esses maiores nas regiões mais pobres(27% no Nordeste; 23% no Norte; 22% no Cen-tro-Oeste). Está havendo, portanto, um alcance

maior da eqüidade nos salários dos professoresno país, que é um dos objetivos declaradamentealmejados na criação do Fundo.

O trabalho obser va, também, que oFundef teve impacto positivo sobre a forma-ção dos professores. Entre 1996 e 2000, o nú-mero de professores de 1ª a 4ª série sem for-mação mínima (Ensino Médio completo) re-duziu-se em 44,1%; enquanto o número deprofessores com formação adequada aumen-tou em 13,8%. Já o número de docentes de 5ªa 8ª série sem formação mínima (Ensino Su-perior completo) chegou a crescer 20,6%; en-quanto o de docentes com a formação míni-ma aumentou em 23,2%.

O acréscimo de funções docentes para asséries iniciais do Ensino Fundamental, entre1996 e 2000, foi de apenas 5%, acompanhando aredução da demanda nessas séries. Assim, foipossível que o investimento na melhoria da for-mação daqueles professores tivesse um impac-to mais evidente nas estatísticas. Já nas sériesfinais, as funções docentes precisaram crescer22%, o que certamente exigiu a incorporação deprofessores sem a formação mínima recomen-dada, uma vez que a oferta de profissionais coma qualificação necessária tem sido menor que ademanda, principalmente nas regiões e cidadesmais carentes.

7 Coelho, Ricardo. O Fundef e a nova orientação das políticas educacionais nos anos 90: princípios e resultados. Inep/Gabineteda Presidência.

Tabela 11

Salário médio, em reais, dos professoresdo Ensino Fundamental, em escolas públicas – 40h semanais

Brasil –1996-1999

Fonte: Estimativas Inep/MEC–Seec a partir de dados IBGE/PNAD 1996, 1997, 1998 e 1999.

Taxa de crescimento1996-1999

1996 1997 1998 1999

BRASIL 557 585 626 670 20%

Norte 510 482 516 593 16%

Nordeste 345 354 423 451 31%

Centro-Oeste 559 551 628 672 20%

Sudeste 709 778 845 893 26%

Sul 604 665 656 749 24%