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Parte Geral – Doutrina Previdência Complementar Aberta, Fundos Multipatrocinados e Fomento da Previdência Fechada DANILO RIBEIRO MIRANDA MARTINS Procurador Federal da Advocacia-Geral da União, Especialista em Direito Previdenciário, Ges- tão Previdenciária e Previdência Complementar, Procurador-Chefe Substituto da Procuradoria Federal junto à Previc. RESUMO: Este trabalho tem como objetivo principal identificar aspectos que devem ser abordados pelo órgão fiscalizador e regulador a fim de estimular o crescimento das entidades multipatrocina- das e, consequentemente, o fomento da previdência complementar fechada. A preocupação com o fomento da previdência complementar reside na natureza de direito fundamental dessa espécie de direito, o que se extrai da inserção da regulamentação respectiva no capítulo da Constituição que trata do sistema de Seguridade Social, aliada ao teor dos arts. 6º e 7º, inciso XXIV, da Carta Magna. O estudo identifica na finalidade não lucrativa um dos aspectos essenciais das entidades fechadas, sugerindo uma análise mais acurada da destinação dos valores cobrados a título de despesa admi- nistrativa pelos fundos multipatrocinados. Outro aspecto bastante importante é a análise de estrutura de governança de tais entidades, buscando minimizar as situações de conflito de interesses, haja vis- ta o interesse lucrativo das instituições financeiras que atualmente gerem a maioria dos fundos multi- patrocinados, bem como a garantia de efetiva representação dos participantes e assistidos nos con- selhos estatutários, elemento essencial do sistema fechado. Também se avalia como adequada uma maior flexibilidade na instituição desses planos de benefícios, desde que não resultem em prejuízo para os direitos e garantias essenciais dos participantes e assistidos, de forma a descaracterizar a essência das entidades fechadas, que possuem caráter protetivo mais evidente. PALAVRAS-CHAVE: Previdência complementar aberta e fechada; fundos multipatrocinados; caracte- rísticas essenciais; fomento da previdência fechada. SUMÁRIO: Introdução; I – O papel da previdência complementar no contexto da Seguridade Social; II – O problema da inclusão previdenciária no sistema complementar; III – Previdência complementar aberta e fechada: características comuns e especificidades; III.1 Características essenciais; III.2 Re- gras para a criação da entidade e estrutura de governança; III.3 Aspectos tributários; III.4 Principais características dos planos de benefícios; Conclusão; Referências. INTRODUÇÃO A previdência social passou a ser inserida na pauta dos Estados modernos a partir do final do século XIX. Antes da construção de um sistema previden- ciário estatal, os trabalhadores, comumente submetidos a situações de risco, dependiam exclusivamente da ação caritativa individual ou familiar. Se isso já não se mostrava suficiente antes, o que se dirá na sociedade de massas em que vivemos atualmente.

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Parte Geral – Doutrina

Previdência Complementar Aberta, Fundos Multipatrocinados e Fomento da Previdência Fechada

DANILO RIBEIRO MIRANDA MARTINSProcurador Federal da Advocacia-Geral da União, Especialista em Direito Previdenciário, Ges-tão Previdenciária e Previdência Complementar, Procurador-Chefe Substituto da Procuradoria Federal junto à Previc.

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo principal identificar aspectos que devem ser abordados pelo órgão fiscalizador e regulador a fim de estimular o crescimento das entidades multipatrocina-das e, consequentemente, o fomento da previdência complementar fechada. A preocupação com o fomento da previdência complementar reside na natureza de direito fundamental dessa espécie de direito, o que se extrai da inserção da regulamentação respectiva no capítulo da Constituição que trata do sistema de Seguridade Social, aliada ao teor dos arts. 6º e 7º, inciso XXIV, da Carta Magna. O estudo identifica na finalidade não lucrativa um dos aspectos essenciais das entidades fechadas, sugerindo uma análise mais acurada da destinação dos valores cobrados a título de despesa admi-nistrativa pelos fundos multipatrocinados. Outro aspecto bastante importante é a análise de estrutura de governança de tais entidades, buscando minimizar as situações de conflito de interesses, haja vis-ta o interesse lucrativo das instituições financeiras que atualmente gerem a maioria dos fundos multi-patrocinados, bem como a garantia de efetiva representação dos participantes e assistidos nos con-selhos estatutários, elemento essencial do sistema fechado. Também se avalia como adequada uma maior flexibilidade na instituição desses planos de benefícios, desde que não resultem em prejuízo para os direitos e garantias essenciais dos participantes e assistidos, de forma a descaracterizar a essência das entidades fechadas, que possuem caráter protetivo mais evidente.

PALAVRAS-CHAVE: Previdência complementar aberta e fechada; fundos multipatrocinados; caracte-rísticas essenciais; fomento da previdência fechada.

SUMÁRIO: Introdução; I – O papel da previdência complementar no contexto da Seguridade Social; II – O problema da inclusão previdenciária no sistema complementar; III – Previdência complementar aberta e fechada: características comuns e especificidades; III.1 Características essenciais; III.2 Re-gras para a criação da entidade e estrutura de governança; III.3 Aspectos tributários; III.4 Principais características dos planos de benefícios; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOA previdência social passou a ser inserida na pauta dos Estados modernos

a partir do final do século XIX. Antes da construção de um sistema previden-ciário estatal, os trabalhadores, comumente submetidos a situações de risco, dependiam exclusivamente da ação caritativa individual ou familiar. Se isso já não se mostrava suficiente antes, o que se dirá na sociedade de massas em que vivemos atualmente.

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No Brasil, costuma-se considerar como marco inicial da previdência so-cial a edição da Lei Eloy Chaves, que criou as Caixas de Aposentadoria e Pen-sões para as empresas de estrada de ferro então existentes. Após, criaram-se várias outras caixas para empresas de diversos setores de atividade econômica, passando-se, em seguida, a se criar os Institutos de Aposentadoria a Pensões. Estes seriam unificados apenas em 1967, constituindo inicialmente o Instituto Nacional de Previdência Social e, em seguida, o Instituto Nacional de Seguri-dade Social.

Há algum tempo, no entanto, a sustentabilidade do sistema de previdên-cia estatal tem sido questionada. O crescente déficit público obrigou o Estado a buscar alternativas, entre as quais se destaca a previdência complementar, forte-mente estimulada a partir da edição da Emenda Constitucional nº 20/1998. Tal emenda alterou a redação do art. 202 da Constituição Federal, incorporando na Carta Magna princípios específicos para a previdência privada.

Neste estudo, pretendemos tratar de um dos mecanismos criados no bojo da lei complementar que regulamentou o referido artigo da Constituição. Trata--se dos fundos multipatrocinados, entidades fechadas de previdência comple-mentar que podem agregar empregados de mais de uma empresa patrocinado-ra, visto como um avanço com relação à legislação anterior, que previa apenas entidades unipatrocinadas.

Tem-se percebido, assim, um crescente interesse por esse tipo de fundo, sendo certo que a maior parte dos fundos multipatrocinados são geridos por instituições financeiras. Vale notar que tais instituições oferecem, igualmente, planos de entidades abertas de previdência complementar, que possuem carac-terísticas específicas, distintas dos oferecidos pelas entidades fechadas.

O objetivo desse estudo, portanto, é analisar as características essenciais das entidades fechadas e das entidades abertas e avaliar em que medida tais as-pectos determinam ou não a escolha por uma ou por outra. Pretendemos, assim, identificar quais medidas seriam recomendáveis para se estimular o fomento da previdência fechada nesse segmento, destacando os aspectos que mais interes-sam tanto às patrocinadoras quanto aos participantes e assistidos.

I – O PAPEL DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR NO CONTEXTO DA SEGURIDADE SOCIAL

O sistema previdenciário brasileiro, desde a Constituição de 1988, tem sido objeto de inúmeras discussões e preocupações. Pródiga na concessão de direitos sociais, é no campo do direito previdenciário que a chamada Constitui-ção Cidadã se mostrou mais generosa. Como pontifica Grau (A ordem econômi-ca na Constituição de 1988. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 113):

A Constituição do Brasil de 1988 projeta um Estado desenvolto e forte, o quão necessário seja para que os fundamentos afirmados no seu art. 1º e os objetivos

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no seu art. 3º venham a ser plenamente realizados, garantindo-se tenha por fim, a ordem econômica, assegurar a todos uma existência digna.

Foi sobre a égide da redação original da Constituição de 1988, por exem-plo, que se concedeu o direito à aposentadoria aos trabalhadores rurais, inde-pendentemente de contribuição (art. 143 da Lei nº 8.213/1991). Não sem razão, a concessão de tais direitos sem a correspondente contrapartida tem sido apon-tada, há muito, como uma das principais causas para os sucessivos resultados deficitários da previdência social no Brasil.

Se por um lado houve a necessidade de se buscar o reequilíbrio das contas públicas, por outro a pressão pela inclusão previdenciária de determi-nados grupos não diminuiu. Nesse sentido a observação de Pereira Netto (A previdência social em reforma: o desafio à inclusão de um maior número de Trabalhadores. São Paulo: LTr, 2002. p. 49):

[...] o fato é que o atual período da história da previdência caracteriza-se por pro-fundas análises, questionamentos, propostas e ações concretas – reformas – no sentido de frear e reduzir a esfera das conquistas sociais. Assim, ainda que se pos-sa reconhecer que, de fato, em alguns casos elas foram longe demais, no sentido de que se tornaram incompatíveis com a base econômica para sua sustentação (como, por exemplo, quando se criam benefícios previdenciários sem que seja definida a específica fonte de custeio), em outros, esse tão grande e propalado avanço social nunca chegou a se implantar.

Essas duas forças opostas podem ser sentidas especialmente nas Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 47/2005. Foi no bojo da primeira reforma pre-videnciária que se afirmou expressamente o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial no âmbito da previdência social (art. 201, caput), estabelecendo, no mesmo passo, critérios mais rígidos para a aposentadoria no regime geral e nos regimes próprios (arts. 40 e 201 da CF).

Por outro lado, além de ter sobrevivido às reformas previdenciárias, o princípio da universalidade de cobertura e atendimento (art. 194, parágrafo úni-co, inciso I, da CF/1988) foi ampliado pela Emenda Constitucional nº 47/2005, de forma a prever um sistema especial de inclusão previdenciária, como se vê do art. 41, §§ 12 e 13, da Constituição Federal.

É tendo em vista o objetivo de aumentar a cobertura previdenciária que deve ser compreendido também o fortalecimento da previdência privada no contexto das reformas constitucionais assinaladas. Nesse sentido, a Emenda Constitucional nº 20/1998 inseriu o seguinte dispositivo na Carta Maior:

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organi-zado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contra-tado, e regulado por lei complementar.

§ 1º A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às in-formações relativas à gestão de seus respectivos planos.

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§ 2º As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei.

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas pú-blicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qua-lidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Fe-deral ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de econo-mia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocina-doras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada.

§ 5º A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada.

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4º deste artigo estabelecerá os requi-sitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deli-beração.

A inserção da previdência privada no texto constitucional representou, sem dúvida alguma, um fator de forte impulso para o desenvolvimento do setor, antes regulado apenas pela Lei nº 6.435/1977. Destaque-se o caráter comple-mentar do sistema de previdência privada, a obrigatoriedade de adoção de re-gime de capitalização (vez que baseado em reservas que garantam o benefício contratado) e sua subsunção a regime instituído em lei complementar, conferin-do-lhe maior estabilidade e segurança.

Segundo Paulo Kliass (Conjuntura social. Brasília: MPAS, v. 11, n. 2, abr./jun. 2000, p. 70):

Com a aprovação da Reforma da Previdência, sob a forma da Emenda Constitu-cional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, foram estabelecidas as condições para uma significativa expansão do Sistema de Previdência Complementar. A partir da democratização do acesso à previdência complementar fechada e da manuten-ção da sua confiabilidade e segurança, estima-se um amplo crescimento do setor em curto espaço de tempo.

Sobre o papel da previdência privada no sistema de seguridade social brasileira, esclarece Pereira Netto (op. cit., p. 149 e 154):

Atualmente, desde a instituição da previdência social pública entre nós, a previ-dência privada assume caráter nitidamente complementar, no sentido de que tem

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sido sempre um plus, facultativo, adicionado à proteção garantida pelo mecanis-mo oficial básico, obrigatório (ou seja, a participação em um plano de previdên-cia privada não desobriga o segurado de contribuir, concomitantemente, para o RGPS ou um regime próprio de previdência social).

[...] o trabalhador de melhor poder aquisitivo encontra nessa modalidade de pre-vidência uma alternativa para manter seu padrão de vida após a aposentadoria, o que a previdência pública não lhe oferece. Destarte, se a previdência privada tem como um dos seus grandes problemas o fato de não atingir a maior parte da população do país, posto que é bastante onerosa, não se pode deixar de levar em consideração que, por outro lado, é exatamente ela que virá dar certo alívio e segurança para uma outra camada da população, que tem um poder aquisitivo maior durante a atividade e se vê obrigada a reduzi-lo aos limites do INSS quando da aposentadoria.

O caráter complementar da previdência privada em relação à previdên-cia social não faz dela um instrumento menos importante. Tal como a previdên-cia pública, a previdência complementar também se insere no rol de direitos sociais, merecedor de igual proteção.

É o que constata Rodrigues (Fundos de pensão: temas jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 36 e 37):

[...] estaria a previdência, tanto a pública como a complementar privada, abran-gida pelos direitos fundamentais de segunda geração, pois que direito social de-vido aos trabalhadores e seus dependentes. Não restam dúvidas de que o aco-lhimento previdenciário é uma decorrência obrigatória do primado do trabalho. Aqueles que dependem do seu desempenho laborativo para manter a si e a seus dependentes, somente podem possuir bem-estar mínimo se existente forma de acolhimento quando não puder haver mais condições pessoas para o trabalho, seja pelo decurso da idade, seja em caso de invalidez, ou de seu falecimento, para fazer constar os três principais eventos envolvidos. O que se pretende são os meios garantidores de uma vida digna aos destinatários desses direitos.

Naturalmente, o Constituinte de 1988, sensível à matéria, acolhe em seu texto os direitos fundamentais de segundo grau, ora objeto de nossas indagações. Veja-se que fez constar que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193 – dispositivo geral do Títu-lo VIII da Constituição Federal, que trata da Ordem Social). Este título traz em si a Seguridade Social (Capítulo II), que se integraria por ações na área da saúde, da previdência social (pública e privada complementar) e da assistência social. [...]

Mais especificamente ainda, arrolou o constituinte, dentro os direitos sociais, o direito à previdência social e à aposentadoria (arts. 6º e 7º, XXIV, da CF). Ao de-talhar a previdência dispensada aos cidadãos trabalhadores em nosso país, con-templou o regime geral de previdência social (art. 201), o regime de previdência complementar (art. 202) e o regime voltado para os servidores públicos (art. 40), todos a merecer semelhante destaque”.

Esse entendimento – que confere o mesmo status aos direitos garantidos pela previdência pública e pela previdência complementar – é o que confere

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maior segurança ao cidadão, vez que exige, por parte do Estado, semelhante grau de atenção. Além disso, entendimento contrário levaria à conclusão de que a simples redução dos benefícios garantidos pela previdência social deso-neraria o Estado da preocupação quanto ao pagamento de qualquer benefício complementar em valor superior ao teto do Regime Geral.

De modo exemplificativo, seria considerado direito fundamental a pre-vidência paga aos servidores públicos, ainda que acima do teto do RGPS, en-quanto não fosse instituído o regime de previdência complementar previsto no art. 40, §§ 14 a 16, da Constituição Federal. Uma vez instituído o referido regi-me, porém, o direito ao recebimento de benefícios transmutaria sua natureza, passando o Estado a se preocupar somente com o mínimo oferecido diretamen-te pelo Poder Público. Dessa forma, o direito outrora fundamental passaria a ser um direito meramente privado, e o seu não oferecimento uma questão alheia ao Estado, interessando tão somente aos particulares envolvidos.

Isso, contudo, não ocorre. Muito pelo contrário, a Lei Complementar nº 109/2001, ao regulamentar o art. 202, caput, da Constituição, desde logo im-primiu forte caráter interventivo do Estado no setor, como se vê já nos primeiros artigos da lei:

Art. 3º A ação do Estado será exercida com o objetivo de:

I – formular a política de previdência complementar;

II – disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades reguladas por esta lei complementar, compatibilizando-as com as políticas previdenciária e de desen-volvimento social e econômico-financeiro;

III – determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades;

[...]

IV – assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relati-vas à gestão de seus respectivos planos de benefícios;

V – fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e apli-car penalidades; e

VI – proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios. (grifou-se)

Não é outra a leitura de Villela (Alguns pontos da “privatização” da previ-dência e da Lei Complementar nº 109/2001 – Previdência privada: comentários à Lei Complementar nº 109/2001. Marcus Orione Gonçalves Correa (Coord.). São Paulo: LTr, 2004. p. 40 e 41):

Como estamos tratando de previdência privada, poderíamos imaginar que o princípio constitucional a ser aplicado neste caso é, isoladamente, o da livre iniciativa, previsto no art. 1º da CF/1988, já que tais entidades estariam, em tese,

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regidas pelo direito privado. No entanto, como vimos, o art. 202 da CF/1988 está inserido no Capítulo da Seguridade Social e este, por sua vez, inserido na Cons-tituição, logo qualquer interpretação deve seguir a interpretação ditada constitu-cionalmente. [...]

Portanto, para analisarmos as regras contidas no art. 202 da CF/1988, devemos levar em consideração, principalmente, os princípios e objetivos constantes nos arts. 1º, 3º e 194 da CF/1988, não nos esquecendo de que se sobressai, nesse caso, o princípio da dignidade da pessoa humana, constante do inciso III do art. 1º da CF/1988. [...]

Diante desses fatos é muito importante uma atuação forte por parte do Estado – principalmente do Poder Judiciário quando da aplicação e da interpretação do Direito e, em especial, do direito previsto na Constituição – e de toda a comuni-dade junto aos fundos de pensão, seja na gestão, na administração ou na fisca-lização, com o objetivo de torná-los sólidos, garantindo-se, assim, os benefícios futuros de todos os participantes e cumprindo os ditames de nossa Carta Magna.

Ressalte-se que essa conclusão se aplica tanto à previdência complemen-tar fechada quanto à aberta, que se voltam para a proteção da mesma espécie de direitos e com fundamento no mesmo regramento constitucional (art. 202 da CF), embora adotando estratégias por vezes distintas para a sua proteção e ampliação.

Nesse sentido é que se compreende a preocupação do Estado com a expansão da previdência complementar, seja ela fechada ou aberta, que abor-daremos a seguir.

II – O PROBLEMA DA INCLUSÃO PREVIDENCIÁRIA NO SISTEMA COMPLEMENTARUma vez reconhecido seu caráter de direito fundamental, o direito à pre-

vidência complementar deve passar a ser pauta prioritária do Governo. Afinal, como defende Pereira Netto (op. cit., p. 26), “simultaneamente a previdência é também obrigação e, mais que isso, interesse permanente do Estado, compondo os direitos fundamentais do homem na categoria dos direitos sociais”.

A autora, porém, destaca o desafio de proceder à inclusão de um número maior de trabalhadores na previdência, principalmente diante da crescente in-formalização do mercado de trabalho.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho – OIT, um dos principais problemas dos países em desenvolvimento atualmente é a ampliação da cobertura da seguridade social. Segundo dados da OIT, 80% da população mundial ainda vive sem uma proteção suficiente da seguridade social (Trabajo: la revista de la OIT, nº 67, p. 6, dez. 2009).

Como informa o ex-Ministro da Previdência Social Waldeck Ornélas, de cada dez trabalhadores brasileiros, seis não têm proteção do seguro social, ou seja, cerca de 37 milhões de brasileiros no total (Conjuntura Social, Brasília: MPAS, v. 11, n. 1, p. 16, jan./mar. 2000).

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Essa situação tende a se agravar no longo prazo, especialmente no âm-bito da previdência pública, em função da chamada transição demográfica. É o que observa Pereira Netto (op. cit., p. 88):

[...] ocupamos hoje o 16º lugar em número de idosos no mundo e, dentro de trin-ta anos, estaremos na quinta posição, perdendo apenas para a China, a Índia, os Estados Unidos e o Japão. Além disso, os dados da OMS – Organização Mundial da Saúde indicam que o Brasil é o país que apresenta mais rápido envelhecimen-to populacional. [...]

Essas alterações demográficas significam um inegável avanço social, mas, por outro lado, produzem efeitos bastante graves em um sistema previdenciário. Em especial naqueles que, como o brasileiro, adotam o regime de repartição simples, assim entendido aquele que arrecada contribuições e distribui benefícios dentro de gerações diferentes.

Talvez em razão da constatação da insuficiência da previdência pública, o problema da inclusão previdenciária no sistema complementar tem se coloca-do com cada vez mais intensidade. No seminário Internacional de Previdência, ocorrido em Brasília nos dias 9 e 10 de dezembro de 1999, o então Secretá-rio de Previdência Paulo Kliass já afirmava (Conjuntura Social, Brasília: MPAS, v. 11, n. 1, p. 114 e 115, jan./mar. 2000):

[...] Há apenas 2 milhões de pessoas que são participantes de fundos de pensão, em uma população economicamente ativa de quase 70 milhões de pessoas. Cer-tamente, ainda temos de caminhar muito para melhorar o perfil da distribuição de renda, para que cada vez mais as pessoas tenham recursos que sejam pou-páveis e estes recursos também caminhem para a poupança previdenciária. [...]

Procura-se fazer com que haja uma tendência à universalização de acesso à pre-vidência complementar. A legislação era elemento de restrição, pois os fundos existentes não podiam ser aumentados em número, em função da limitação legal de que só poderiam ser criados por empresa.

Para Adacir Reis, ex-Secretário de Previdência Complementar, as modi-ficações promovidas pela EC 20/1998 e pelas Leis Complementares nºs 108 e 109, de 2001, aumentaram significativamente a possibilidade de ampliação do sistema. Em sua visão, o sistema de previdência complementar, na perspectiva de retomada de crescimento do país, tem uma possibilidade de absorção de oito milhões de novos participantes (Reforma da previdência: o Brasil e a expe-riência internacional. Coleção Previdência Social, Série Debates, Brasília: MPS, v. 22, 2005, p. 151).

Os dados indicam que o sistema previdenciário complementar fechado conta com 370 entidades, 1.037 planos previdenciários, 2.712 patrocinado-res, 2,53 milhões de participantes e assistidos e um patrimônio estimado em R$ 502 bilhões. A previdência associativa, prevista na LC 109/2001 e implan-tada somente em 2003, já conta com 27 entidades e 45 planos, reunindo 450 entidades de classe, com uma reserva de R$ 712 milhões, garantindo a cobertu-

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ra previdenciária de cerca de 100 mil pessoas (Ministério da Previdência Social. Previc. Relatório de atividades 2009. Brasília/DF, 2010, p. 9).

Esse fortalecimento da previdência privada também pode ser verifica-do no âmbito da previdência aberta. É o que constata Pereira Netto (op. cit., p. 156):

A previdência aberta, por sua vez, também tem experimentado crescimento ace-lerado (o patrimônio das entidades cresceu em tono de 40% ao ano, a partir de 1994). Provavelmente como consequência da reforma previdenciária, da esta-bilização econômica, do lançamento de produtos mais flexíveis (como o PGBL – Plano Gerador de Benefícios Livres) e, em alguns casos, da transferência de reservas das previdências fechadas para as abertas, o patrimônio dessas entidades ultrapassou a casa dos R$ 10 bilhões já no primeiro semestre de 1999 [...], englo-bando cerca de 3 milhões de participantes.

De acordo com a Superintendência de Seguros Privados – Susep, em maio de 2009, as reservas totais de previdência mais VGBL somavam um to-tal de R$ 146,6 bilhões, abrangendo mais de 15 milhões de participantes1. E espera-se que essa taxa de crescimento, situada por volta de 20% ao ano, per-maneça pelos próximos dez anos2.

Tanto o crescimento da previdência complementar fechada quanto da previdência complementar aberta tem sido atribuído não só à estabilidade eco-nômica, mas também aos novos produtos e mecanismos fornecidos por ambos os sistemas. No campo da previdência fechada, deve-se destacar a previsão da previdência instituída e dos planos multipatrocinados, ambos criados a partir da LC 109/2001.

Com relação à previdência instituída, seu crescimento tem se verificado continuamente desde o momento de sua criação (Trinta anos da história da pre-vidência complementar no Brasil. Brasília: SPC, 2008. p. 24):

Mas o grande fomento para a formação da previdência complementar associativa veio a partir de 2003, num processo comandado por Adacir Reis. A SPC realizou mapeamento do mercado potencial, verificando que existiam, no país, 40 órgãos de classe federais, mais de 15 mil sindicatos e mais de 7 mil cooperativas. [...]

Ao final de 2003, segundo Adacir Reis, a SPC tinha concluído o processo de regulamentação da chamada previdência associativa (instituidores) e aprovado os primeiros planos de previdência criados no Brasil por sindicatos e entida-des associativas, como cooperativas e conselhos de profissionais liberais. [...] Tratava-se de um novo tipo de previdência complementar, que se apresentava

1 Disponível em: <http://www.susep.gov.br/menumercado/conjuntura/index.asp>. Acesso em: 05 jun. 2011.2 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/previdencia/mat/2007/11/21/327246666.asp>. Acesso

em: 05 jun. 2011.

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para determinados grupos associativos como alternativa a outras modalidades de previdência privada já existentes.

Interessa observar que a Espanha possui mecanismo semelhante em ope-ração há mais tempo. Como afirma Carlos Bravo, responsável pela área de pla-nos e fundos de pensão da Confederação Sindical de Comissões de Construções de Trabalhadores da Espanha (Reforma da previdência: o Brasil e a experiência internacional. Coleção Previdência Social, Série Debates, Brasília: MPS, v. 22, 2005. p. 190 e 191):

Na Espanha, o sistema associativo foi instituído pelas organizações sindicais. [...] O sindicato não faz nenhuma contribuição. As contribuições são feitas pelos afiliados, com sua própria poupança. E ninguém, a não ser eles, podem fazer contribuições a esse sistema. [...]

[...] como em qualquer outra modalidade dos planos de aposentadoria, existe liberdade para movimentar os direitos. Isto é, o participante de um plano asso-ciativo pode movimentar livremente seus direitos para qualquer outro plano de previdência. [...]

A razão dos planos associativos é ofertar um serviço de qualidade para os afilia-dos. Como já dissemos, o papel da comissão de controle é fixar os investimentos, como deve funcionar o plano. São bastante competitivos em preços e serviços, contudo têm uma escassa implantação. [...] Por quê? Porque é poupança indivi-dual, porque tem de competir com as entidades financeiras para captar a poupan-ça individual das pessoas. (grifou-se)

Os planos multipatrocinados, igualmente, têm merecido bastante atenção do órgão supervisor. Como salienta Paulo Kliass, ex-Secretário de Previdência Complementar (Conjuntura Social, Brasília: MPAS, v. 11, n. 1, p. 120, jan./mar. 2000):

Há também o foco da legislação não mais sobre a entidade no seu conjunto, mas sobre o plano especificamente. Cada vez mais, com a criação dos fundos multi-planos [...] haverá crescimento das alternativas apresentadas do ponto de vista de um plano de previdência propriamente dito. [...] Na medida em que pequenas e médias empresas, bem como prefeituras e entidades associativas passem a cons-tituir seus fundos e, portanto, seus planos, isoladamente, não tenham a capaci-dade de gerar uma gestão eficiente em função do problema de escala, de porte, a ideia é que instituições do mercado financeiro, do mercado previdenciário, se especializem na gestão do pequeno. E, na gestão agregada do pequeno, há pos-sibilidade de um patrimônio acumulado que permita a essa entidade eficiência e rentabilidade maiores. (grifou-se)

De acordo com Sousa e Nazaré (Aspectos da previdência no Brasil e os fundos de pensão multipatrocinados: introdução à previdência complementar. São Paulo: ABRAPP, 2005. p. 126) há as seguintes vantagens nessa espécie de fundo:

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As principais vantagens da vinculação das empresas aos fundos multipatrocina-dos, à criação de uma nova entidade, referem-se à transferência da administração previdenciária para terceiros, mantendo o foco no seu business original, e aos baixos custos de administração.

A administração profissionalizada, a transparência, a autonomia em relação à patrocinadora, a tradição e a imagem das entidades já constituídas possibilitam, ainda, uma maior aceitação dos participantes.

Os baixos custos de administração decorrem do ganho de escala obtido à medida que são incorporados novos patrocinadores e participantes. Na busca desse obje-tivo, alguns multipatrocinados têm atuado no mercado de prestação de serviços aos fundos de pensão que preferem manter uma estrutura operacional menor, terceirizando a maior parte dos serviços.

Como observam os autores, esse tipo de serviço tem sido oferecido hoje principalmente por instituições financeiras (op. cit., p. 127):

Diferentemente da experiência internacional, no Brasil os fundos multipatrocina-dos sem vínculos diretos com os patrocinadores são ligados a instituições finan-ceiras, que têm como pontos fortes a sua própria carteira de clientes e possuem como diferencial a rede de distribuição. Nesse mercado, destacam-se a BB Pre-vidência Fundo de Pensão do Banco do Brasil; o Multipensions, vinculado ao Bradesco; o Multiprev, vinculado ao Citibank; e o HSBC Fundo de Pensão, que congregam cerca de 250 patrocinadoras e mais de 130 mil participantes e assisti-dos, segundo ranking da ABRAPP de dezembro de 2004. (grifou-se)

Para Gushiken, Ferrari e Freitas (Previdência complementar e regime pró-prio: complexidade e desafios. Indaiatuba: Instituto Integrar, 2002. p. 109-110), o interesse das instituições financeiras é claro:

Ultimamente assiste-se a uma proliferação de fundos multipatrocinados, criados por bancos privados.

Essa movimentação nos remete a uma indagação: quais as razões que levam ban-cos privados a construírem fundos multipatrocinados, já que são organizações fechadas e, portanto, sem fins lucrativos?

A resposta é simples: o interesse dos Bancos reside na gestão dos recursos, através da terceirização da sua administração; isto é, o fundo multipatrocinado repassa a gestão dos recursos ao banco ao qual está ligado, situação que permitirá a obtenção de enormes lucros para a instituição financeira, sob forma de taxas de administração. (grifou-se)

Como se vê, há uma grande proximidade entre os fundos de pensão mul-tipatrocinados e os planos de previdência aberta, especialmente de natureza coletiva, oferecido pelas mesmas instituições.

Nosso objetivo, com este trabalho, é identificar as características comuns e as especificidades de cada um desses “produtos” oferecidos pelas instituições financeiras. Com isso, pretendemos salientar as razões que levam as empresas a optar por um ou outro, bem como reconhecer os aspectos dos fundos multipa-

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trocinados que podem ser enfocados, caso se pretenda estimular o crescimento da previdência fechada nesse segmento.

III – PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR ABERTA E FECHADA: CARACTERÍSTICAS COMUNS E ESPECIFICIDADES

iii.1 caRacteRísticas essenciais

A divisão entre entidades fechadas e abertas de previdência privada não surgiu com a edição da Lei Complementar nº 109/2001. Ela remonta à época da Lei nº 6.435/1977, que, desde então, já utilizava dois critérios fundamentais para diferenciar uma da outra, conforme a natureza da relação estabelecida entre a entidade e os participantes ou levando em consideração os objetivos da entidade.

O primeiro aspecto refere-se ao fato de as entidades fechadas serem aces-síveis somente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas, e as entidades abertas não terem restrição semelhante. O segundo ponto diz respeito à finalidade lucrativa, facultada apenas para as entidades abertas.

Dispunha então a lei em comento:

Art. 4º Para os efeitos da presente lei, as entidades de previdência privada são classificadas:

I – de acordo com a relação entre a entidade e os participantes dos planos de benefícios, em:

a) fechadas, quando acessíveis exclusivamente aos empregados de uma só em-presa ou de um grupo de empresas, as quais, para os efeitos desta lei, serão de-nominadas patrocinadoras;

b) abertas, as demais.

II – de acordo com seus objetivos, em:

a) entidades de fins lucrativos;

b) entidades sem fins lucrativos.

§ 1º As entidades fechadas não poderão ter fins lucrativos.

§ 2º Para os efeitos desta lei, são equiparáveis aos empregados de empresas patro-cinadoras os seus gerentes, os diretores e conselheiros ocupantes de cargos ele-tivos, bem como os empregados e respectivos dirigentes de fundações ou outras entidades de natureza autônoma, organizadas pelas patrocinadoras.

§ 3º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos diretores e conselheiros das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações vinculadas à Administração Pública.

§ 4º Às empresas equiparam-se entidades sem fins lucrativos, assistenciais, edu-cacionais ou religiosas, podendo os planos destas incluir os seus empregados e os religiosos que as servem. (grifou-se)

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A Lei nº 6.435/1977 previa ainda que a entidade de previdência privada com fins lucrativos se constituiria sob a forma de sociedade anônima e a entida-de sem fins lucrativos, sob a forma de sociedade civil ou fundação.

Como leciona Gonçalves (Direito civil brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 197):

As corporações dividem-se em associações e sociedades. Estas podem ser sim-ples e empresárias, antigamente denominadas civis e comerciais. Como no siste-ma do novo Código Civil todas as sociedades são civis, optou o legislador pela nova designação supramencionada (cf. art. 982).

As associações não têm fins lucrativos, mas religiosos, assistenciais, desportivos ou recreativos. As sociedades simples têm fim econômico e visam lucro, que deve ser distribuído entre os sócios. [...]

As fundações constituem um acervo de bens, que recebe personalidade para a realização de fins determinados. Compõem-se de dois elementos: o patrimônio e o fim (estabelecido pelo instituidor e não lucrativo).

As sociedades anônimas, por sua vez, possuem inarredável caráter lu-crativo (art. 2º da Lei nº 6.404/1976). Por tal razão, esse formato é adstrito às entidades abertas de previdência complementar.

A Lei Complementar nº 109/2001 preservou essa lógica, como pode se ver dos seus arts. 31, inciso I e § 1º, e 36, caput, que seguem transcritos:

Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente:

I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; [...]

§ 1º As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou socieda-de civil, sem fins lucrativos.

Art. 36. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de socieda-des anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas.

Desse modo, salienta Tavares (Direito previdenciário. 7. ed. Rio de Janei-ro: Lumen Juris, 2005. p. 26):

A Lei Complementar nº 109/2001 dispõe que o sistema será denominado aberto, se for acessível a qualquer pessoa; ou fechado, se os assistidos somente puderem ser empregados de empresas, grupos de empresas e agentes públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (por exemplo, a Previ – Fundo de Pensão dos Empregados do Banco do Brasil) ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional (Caixa de Assistência dos Advogados – CAARJ/OAB).

As entidades abertas são organizadas como sociedades anônimas e podem pac-tuar dois tipos de planos: individual e coletivo, se as pessoas físicas estiverem

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vinculadas a uma pessoa jurídica contratante, como, por exemplo, uma empresa. [...]

As entidades fechadas de previdência são organizadas na forma de fundação privada ou sociedade civil sem fim lucrativo. Não podem solicitar concordata ou ser submetidas à falência e seus planos são estabelecidos mediante convênio entre o patrocinador (pessoa jurídica que também contribui, como a Petrobras em relação à Petrus) ou instituidor (pessoa jurídica que apenas organiza o plano, sem contribuir, como a OAB em relação à CAARJ) e a entidade de previdência.

Em nosso sentir, o público alvo e a finalidade são dois elementos indisso-ciáveis na diferenciação entre as espécies de entidades de previdência privada. É justamente diante da falta de finalidade lucrativa e considerando suas con-sequências, pressupõe-se, que a lei resolveu limitar os potenciais beneficiários das entidades fechadas de previdência complementar, o que não ocorre com as entidades abertas.

Uma das consequências mais importantes dessa diferenciação residia no art. 39, § 3º, da Lei nº 6.435/1977, que concedia às entidades fechadas, sob o aspecto tributário, o mesmo tratamento reservado às instituições de assistência social. Assim, nos termos do art. 19, inciso III, alínea c, tais entidades estavam imunes à incidência de impostos em geral, o que pode ser considerado natural face ao seu enquadramento dentro do sistema de seguridade social.

Nessa linha, observa Rodrigues (Fundos de pensão: temas jurídicos. São Paulo: Renovar, 2003. p. 5):

Desde a Constituição de 1946, o nosso sistema jurídico prevê a imunidade tri-butária das instituições de assistência social. Conforme disposto no seu art. 31, IV, b, era vedado criar ou lançar imposto sobre instituições de assistência social, vedação esta que foi acompanhada pelos textos constitucionais seguintes (art. 20, III, c, da Constituição de 1967, e ainda art. 19, III, c, da EC 1/1969). A Constitui-ção de 1988 apenas inovou no que diz respeito ao acréscimo da expressão “sem fins lucrativos”, o que, no entanto, já era exigido em ordens normativas anteriores por força do inciso I do art. 14 do Código Tributário Nacional.

Desse modo, justifica-se a limitação para a atuação das entidades fe-chadas aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas, evitando-se que esse benefício seja utilizado de forma a permitir uma concorrência desleal com as entidades abertas, sujeitas que estão estas a todos os ônus tributários decorrentes da atividade. Não se vislumbra outra razão para que as entidades fechadas não possam albergar pessoas que possuam vínculo de outra natureza com a empresa que não o empregatício.

Embora não presente à época da edição da Lei nº 6.435/1977, outra consequência importante refere-se à aplicação do Código do Consumidor. A Lei nº 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, trouxe diver-sas disposições com a finalidade de regular as relações de consumo, conforme definições contidas nos seus arts. 2º e 3º. Destaque-se que o art. 3º, § 2º, em

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especial, estipula a remuneração como critério essencial para a identificação de relação de consumo.

Nesse sentido, sustenta Coelho (Curso de direito comercial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2002. p. 164-165):

Hoje, o direito privado dos contratos se biparte em dois regimes: o cível e o de tutela dos consumidores. Em termos genéricos e ainda um tanto imprecisos, o regime cível disciplina as relações contratuais entre contratantes iguais (dois empresários ou dois não empresários, por exemplo), e o consumerista cuida das relações entre contratantes desiguais (um empresário e um não empresário, por exemplo). Tecnicamente falando, porém, a definição do regime jurídico a apli-car se encontra no conceito legal de relação de consumo. Quanto caracterizada esta, o contrato se submete ao Código de Defesa do Consumidor; quando não, ao Código Civil de 2002.

O estabelecimento de relação jurídica de natureza diversa entre a entida-de privada e os participantes e assistidos também seria um forte o bastante para justificar os regimes jurídicos diferenciados. Desse modo, teríamos dois siste-mas nitidamente distintos, um cuja relação contratual seria regida pelo Código Civil (previdência fechada) e outro em que a mesma relação seria regida pelo Código do Consumidor (previdência aberta).

Note-se, porém, que esse não é o caminho que tem sido trilhado pelo Poder Judiciário, que em nenhum dos dois aspectos tem reconhecido a especi-ficidade das entidades fechadas.

No que diz respeito à imunidade tributária, o Supremo Tribunal Fede-ral se pronunciou no julgamento do Recurso Extraordinário nº 202.700-6/DF, ocorrido em 8 de novembro de 2001, em sentido contrário ao reconhecimento da imunidade tributária das entidades fechadas (6 votos contrários, 4 a favor e 1 abstenção). Com relação à aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação entre participantes e assistidos e a entidade fechada de previdência, por sua vez, o entendimento favorável à sua aplicação restou consolidado pela Súmula nº 321 do Superior Tribunal de Justiça.

Sem adentrarmos no mérito das referidas decisões, dois desdobramentos se colocam de forma premente. Em primeiro lugar, nota-se uma aproximação entre o regime jurídico das entidades abertas e das fechadas. Por outro lado, intensifica-se o questionamento sobre as razões que levariam uma empresa – ou, mais especificamente, uma instituição financeira – a optar pela criação de uma entidade fechada, em vez de oferecer o mesmo benefício por meio de uma entidade aberta de previdência complementar.

Atendo-nos novamente aos planos multipatrocinados, podemos perceber que a Lei Complementar nº 109/2001 representou, nesse ponto, um avanço com relação à legislação pretérita. Com a novel regulamentação, uma entidade fechada de previdência complementar passa a poder agregar mais de um pa-

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trocinador ou instituidor com a finalidade de oferecer planos de benefícios (art. 34, inciso II, alínea b).

Dessa forma, tornou-se possível o oferecimento da prestação dessa es-pécie de serviço a outras organizações interessadas, superando, ao menos par-cialmente, a limitação de público alvo outrora existente. Permanece, contudo, a necessidade de existência de vínculo com um patrocinador ou instituidor para a adesão de novos participantes e assistidos, requisito inexistente para a previ-dência aberta.

É o que explica Gushiken, Ferrari e Freitas (op. cit., p. 109):

Uma única entidade fechada de previdência complementar pode congregar os empregados de uma ou de várias empresas, bem como os associados das insti-tuidoras. [...] Esta situação permite os seguintes principais tipos de organização:

a) Entidade Unipatrocinada – EFPC com apenas um patrocinador ou com um Instituidor, normalmente com um único plano de benefícios aplicável a todos os participantes. Na nova legislação recebem a denominação de “patrocinador singular” e “plano comum”.

b) Entidade Multipatrocinada e Uniplano – EFPC com vários patrocinadores ou instituidores, mas com apenas um plano de benefícios, compartilhado de for-ma solidária entre esses patrocinadores ou instituidores. É definida pela nova legislação de “plano comum e multipatrocinada”. É usual em conglomerado empresarial, quando um único plano é oferecido a todos os trabalhadores do conglomerado, mas tem diversas pessoas jurídicas patrocinando;

c) Entidades Multipatrocinadas e Multiplano – EFPC com mais de um patrocina-dor ou instituidor e mais de um plano de benefícios, para diversos grupos de participantes. A nova legislação a define como “multiplano de multipatroci-nada”. Neste caso, poderá haver diversos planos, e vários patrocinadores sob guarida de uma entidade multipatrocinada. No mercado é chamada simples-mente de “fundo multipatrocinado” e representa a tendência atual das EFPCs, que passam a oferecer uma administração única para vários planos específi-cos, um para cada conglomerado ou empresa patrocinadora.

Para as entidades abertas, de seu turno, além de facultada a adesão indi-vidual (art. 26, inciso I, da LC 109/2001), a lei possibilita a adesão por meio de plano coletivo, nos termos do art. 26, inciso II, da LC 109/2001, e da Circular Susep nº 138/2000. Neste caso, a pessoa jurídica deve assinar contrato de ade-são, de acordo com o art. 6º da mencionada Circular. Não há também maiores regras para a rescisão do referido contrato (art. 15).

Segundo o art. 4º da Circular, a pessoa jurídica contratante poderá ou não participar do custeio do plano previdenciário. O art. 19, inciso V, deixa para o contrato a definição do valor da taxa de carregamento, principal forma de remu-neração da entidade aberta, limitada ao máximo de 10% sobre as contribuições para os planos estruturados na forma de contribuição variável e de 30% para

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os planos estruturados na modalidade de benefício definido (Resolução CNSP nº 66/2001). O mercado, no entanto, costuma praticar taxas de carregamento que variam de 2% a 5% sobre cada aporte, e taxas de administração que não costumam passar de 3,5%, incidentes anualmente sobre o saldo acumulado.

A norma prevê, ainda, a possibilidade de remuneração da pessoa jurídica contratante quanto a serviços relacionados à divulgação, propaganda, serviços de adesão e prestação de informações sobre o plano, utilizando-se de parte da taxa de carregamento (art. 12).

No caso das entidades fechadas multipatrocinadas, a situação é diversa. A instituição financeira que opta por essa modalidade, como já assinalado, não poderá oferecer a possibilidade de adesão individual (art. 31, incisos I e II, da LC 109/2001). Apesar de a condição de patrocinador ou instituidor ser esta-belecida também por convênio de adesão, neste caso a validade do próprio negócio jurídico depende da autorização do órgão supervisor, com relação a cada plano de benefícios, na expressão do art. 13, caput, da Lei Complementar nº 109/2001. Da mesma forma, a retirada de patrocínio depende de autorização e observância das condições estabelecidas na legislação (arts. 25 e 33, inciso III, da LC 109/2001).

A Lei Complementar nº 109/2001 estipula ainda, em seu art. 18, caput, que o plano de custeio deverá prever “o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à co-bertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador”.

Com fundamento nesse dispositivo, o então Conselho de Gestão da Pre-vidência Complementar editou a Resolução nº 29, de 31 de agosto de 2009, a fim de regular os critérios e limites para custeio das despesas administrativas pelas entidades fechadas de previdência complementar.

No caso das entidades patrocinadas por entes privados, porém, a Reso-lução apenas impõe que o Conselho Deliberativo fixe os critérios quantitativos e qualitativos. A limitação do art. 6º, que limita a taxa de administração a 1% e a taxa de carregamento a 9%, apenas se aplica às entidades regidas pela LC 108, de 2001. Ou seja, especialmente no caso dos fundos multipatrocinados, nada impede que as entidades fechadas adotem as mesmas taxas praticadas no mercado pelas entidades abertas, que visam fins lucrativos.

Ressalte-se que, ainda que o art. 31, § 3º, da Lei Complementar nº 109/2001 imponha a separação do patrimônio do patrocinador e do instituidor com relação à entidade fechada, na prática, especialmente nos fundos multipa-trocinados, tais entidades costumam partilhar da mesma estrutura, física e de pessoal. Do mesmo modo, os prestadores de serviço, quando não se confundem com o próprio patrocinador, costumam fazer parte do mesmo grupo empresarial.

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No caso da BB Previdência, por exemplo, a página eletrônica da institui-ção faz questão de afirmar que “os recursos garantidores das reservas técnicas são aplicados pela BB Administração de Ativos – Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (BB DTVM)”3.

Dessa forma, torna-se extremamente difícil averiguar, na prática, a exis-tência ou não de finalidade lucrativa da atividade desenvolvida pelos fundos multipatrocinados. É possível, pois, que as taxas de administração e de carre-gamento cobradas acabem revertendo integralmente para a remuneração de entidade que componha o grupo empresarial da instituição patrocinadora.

É provável, inclusive, que as instituições financeiras ofereçam taxas pró-ximas para os dois “produtos” (entidades fechadas e entidades abertas), visto que os custos para a administração dos recursos de terceiros, em ambas as situações, tendem a ser assemelhados. Por consequência, acredita-se que o impacto dessa remuneração sobre as reservas para pagamento de benefícios previdenciá rios tende a não apresentar diferença significativa. Essa hipótese, no entanto, demandaria pesquisa de campo específica para poder ser comprovada.

Desse modo, não sendo estes, aparentemente, aspectos definitivos para a escolha entre a criação e o oferecimento de uma entidade aberta ou uma entidade fechada de previdência complementar pelas instituições financeiras, cumpre-nos passar à análise de outros pontos eventualmente relevantes para a nossa análise.

iii.2 RegRas paRa a cRiação Da entiDaDe e estRutuRa De goVeRnança

Como já observado, as entidades fechadas de previdência complementar se constituem sob a forma de sociedade civil ou fundação, enquanto as entida-des abertas são criadas sob a forma de sociedade anônima (art. 31, § 1º, e art. 36, caput, da LC 109/2001).

A sociedade anônima “é a sociedade empresária com capital dividido em ações, espécie de valor mobiliário, na qual os sócios, chamados acionistas, respondem pelas obrigações sociais até o limite do preço de emissão das ações que possuem” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2002. p. 63). Pode ser aberta ou fechada, conforme suas ações sejam ou não negociadas em bolsa ou mercado de balcão (art. 4º da Lei nº 6.404/1976).

Podemos citar como exemplo o Brasilprev, sociedade anônima fechada que possui como acionistas o Banco do Brasil e o Principal Financial Group4.

3 Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/page3,8942,8954,20,0,1,8.bb?codigoMenu=5356&codigoNoticia=6863&codigoRet=5366&bread=1>. Acesso em: 23 jun. 2011.

4 Disponível em: <http://www2.brasilprev.com.br/Empresa/GovernancaCorporativa/Estatuto/Documents/Anexo _I_Estatuto.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011.

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A exigência de que pelo menos duas pessoas subscrevam as ações da entidade está prevista na legislação (art. 80, inciso I, da LSA).

De acordo com o art. 45 do Código Civil, a existência legal de todas as pessoas jurídicas começa com a inscrição do ato constitutivo (estatuto e ata da assembleia de constituição) no respectivo registro. Como ocorre com as entida-des com fins lucrativos em geral, as sociedades anônimas devem ser registradas na Junta Comercial do Estado em que se situa a sede da companhia (art. 967 do CC).

A Lei das Sociedades Anônimas, porém, estabelece outras formalidades antes do início de seu funcionamento (arts. 95 a 98). Entre eles, a comprova-ção do depósito da parte do capital realizado em dinheiro (art. 80, inciso III) e a apresentação a duplicada da ata de assembléia de avaliação dos bens (art. 8º). Ademais, no prazo de 30 (trinta) dias do deferimento, os administradores, os administradores devem providenciar a publicação dos atos constitutivos em órgão oficial (art. 98).

O início da operação somente dependeria de autorização da CVM caso se optasse pela abertura do seu capital. A quase totalidade das entidades abertas de previdência, contudo, não fez ainda essa opção.

Após, a entidade aberta deve obter autorização da Susep para operar no segmento de previdência complementar, submetendo seus atos constitutivos e respectivos planos de benefícios à aprovação do órgão fiscalizador (art. 38 da LC 109/2001). Também dependerão da aprovação do órgão fiscalizador os atos relativos à eleição e posse dos membros de diretoria e conselhos estatutários, bem como operações de fusão, cisão, incorporação ou qualquer outra forma de reorganização da entidade.

A administração da companhia é atribuída pela Lei de Sociedades Anô-nimas ao conselho de administração e à diretoria, ou somente a esta, como dispuser o estatuto da entidade (art. 138). O conselho de administração deve ter no mínimo três membros, eleitos pela assembléia dos acionistas, destituíveis a qualquer tempo (art. 140). Seus membros devem necessariamente ser acionistas (art. 146 da LSA).

A diretoria, por sua vez, é composta por dois ou mais diretores eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração (art. 143). Os di-retores podem ser acionistas ou não (art. 146). De acordo com a lei, deve existir ainda um Conselho Fiscal, composto por no mínimo três e no máximo cinco membros (art. 161, § 1º, da LSA).

Tantos os dirigentes quanto os conselheiros estão sujeitos aos deveres instituídos nos arts. 153 a 157 da Lei de Sociedades Anônimas, sob pena de responsabilidade pessoal. Desse modo, devem empregar em suas funções “o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios” (art. 153).

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Desse modo, devem agir sempre visando ao fim e aos interesses da com-panhia (art. 154), estando impedidos os seus membros de intervir em qualquer operação social em que tiverem interesse conflitante com o da companhia (art. 156). De acordo com o art. 155, § 1º, devem também guardar sigilo sobre qual-quer informação que ainda não tenha sido divulgada para o mercado5.

Como observa Coelho (op. cit., p. 194), “a assembleia geral é o órgão máximo deliberativo máximo da estrutura da sociedade anônima. Pode, em função disso, discutir, votar e deliberar sobre qualquer assunto do interesse so-cial, inclusive os mais diminutos problemas administrativos”.

Ainda no que se refere à estrutura de governança, podemos citar a Cir-cular Susep nº 249/2004, que trouxe para as entidades abertas de previdência complementar a obrigação de mecanismos de controles internos, avaliando continuamente os diversos tipos de riscos associados às atividades da entidade (art. 2º, inciso IV). Cuida-se, aqui, da implantação da metodologia de supervisão baseada em risco no âmbito da Susep.

Em se tratando de instituições financeiras, contudo, acreditamos que não houve grande inovação. A implantação de mecanismos de controles internos já deveria ser uma realidade nessas instituições desde a edição da Resolução CMN nº 2.554, de 1998.

Bastante distinta é a forma de constituição de uma entidade fechada de previdência complementar. Caso se opte pela estrutura de sociedade civil, em tese, serão necessários pelo menos dois sócios quotistas para sua constituição. Optando pela estrutura de fundação, uma única instituição poderia criar a en-tidade fechada, o que representa, de certa forma, uma vantagem em relação às entidades abertas.

Tanto a fundação quanto a sociedade civil terão sua ata constitutiva e es-tatuto registrados em cartório de registro público. No caso da fundação, exige--se a lavratura de escritura pública (art. 62 do Código Civil). Não se aplica às entidades fechadas as regras que preveem a fiscalização do Ministério Público e a necessidade de que esse órgão se manifeste nas propostas de alteração do es-tatuto (arts. 66 e 67, inciso III), por força do disposto no art. 72 da LC 109/2001.

Diferentemente das entidades abertas, esse registro inicial não depende de nenhuma formalidade complementar. Ou seja, mais um aspecto favorável das entidades fechadas.

Mais relevante, no entanto, nos parece ser o prazo para a autorização para funcionamento da entidade fechada e aprovação dos respectivos planos de

5 A fiscalização relativa ao cumprimento dessas normas é efetuada pela Comissão de Valores Mobiliários, nos termos do art. 8º, inciso III, da Lei nº 6.385/1976. No caso das entidades abertas, o art. 3º da Lei nº 10.190/2001 sujeitou os administradores também às regras próprias das instituições financeiras, possibilitando inclusive a decretação de indisponibilidade de seus bens, mas sob fiscalização da Susep, e não do Banco Central.

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benefícios que, no caso das entidades fechadas, fica a cargo da Superintendên-cia Nacional de Previdência Complementar – Previc (art. 33 da LC 109/2001, e art. 2º, inciso IV, da Lei nº 12.154/2009).

Sob esse aspecto, percebe-se que é mais complexa a regulamentação das entidades fechadas, na medida em que não só a criação da entidade e seus planos de benefícios devem ser submetidos ao órgão fiscalizador; todo contra-to de adesão celebrado entre a entidade fechada e patrocinador ou instituidor também deve sê-lo (art. 13 da LC 109/2001), assim como ocorre por ocasião de sua retirada (art. 25). Isso se justifica em razão da responsabilidade especial do patrocinador e do instituidor com a entidade fechada de previdência comple-mentar (art. 41, § 2º, da LC 109/2001).

Por essa razão, a nosso ver, torna-se fundamental considerar-se o prazo que leva para a aprovação de tais atos no âmbito dos entes fiscalizadores. Nesse sentido, nos parece extremamente relevante o estabelecimento dos prazos para análise dos requerimentos apresentados, como se vê da recente Instrução Previc nº 30/2009.

Mas é na estrutura de governança que as entidades fechadas de previdên-cia complementar apresentam as diferenças mais sensíveis.

Inicialmente, não se vislumbra a existência de uma entidade fechada sem a figura de um patrocinador ou instituidor, ao menos no momento de sua cons-tituição (art. 31, incisos I e II, da LC 109/2001). No caso dos fundos multipatro-cinados, no entanto, o que se percebe é que a instituição responsável pela sua criação, geralmente, não o faz visando aos seus próprios empregados, mas sim ao de outras empresas ou entidades de classe que podem vir a aderir ao fundo de pensão. Dessa forma, a instituição financeira responsável pela criação do fundo apresenta características muito próximas das de um prestador de serviço.

Embora o Código Civil tenha disposições a respeito dos órgãos que inte-gram as sociedades civis e fundações, tais normas devem ser afastadas face ao teor do art. 35 da Lei Complementar nº 109/2001. Desse modo, as entidades fechadas deverão manter uma estrutura mínima composta por conselho delibe-rativo, conselho fiscal e diretoria executiva – à semelhança, nesse ponto, do que ocorre com as entidades abertas.

Na entidade aberta, a instância máxima de deliberação costuma ser o conselho deliberativo (inexistindo, nesse caso, a figura da Assembleia Geral), que não pode se afastar na sua atuação do objetivo primordial dessas entidades que é “instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário” (art. 2º da LC 109/2001). O eventual intuito lucrativo da instituição financeira, nesse caso, não encontra guarida na legislação.

Percebe-se, assim, a forte possibilidade de ocorrência de conflito de inte-resses nos fundos multipatrocinados, em que a maioria dos dirigentes e conse-lheiros acabam sendo indicados pela instituição financeira. Vale observar, so-

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bre isso, a recomendação que consta do item 25 do Guia de Melhores Práticas em Fundos de Pensão:

O exercício da atividade de conselheiro e de dirigente deve ser feito em prol dos planos de benefícios e da entidade, evitando-se que o mesmo seja feito em benefício próprio ou de um grupo, evitando potencial conflito de interesses. Con-selheiros e dirigentes, independente de indicação ou eleição, depois de empossa-dos nos respectivos cargos, passam a representar a entidade e os planos de bene-fícios. Esses requisitos se aplicam ainda aos membros dos comitês constituídos e destinados a realizar a gestão específica de planos de benefícios.6

A maior diferença com relação às entidades abertas, contudo, reside no art. 35, §§ 1º e 2º, da LC 109/2001, que garantem a participação dos participan-tes e assistidos nos conselhos deliberativo e fiscal, reservando-lhes no mínimo um terço das vagas. A esse respeito, afirma o item 17 do Guia de Melhores Práticas da Previc:

É recomendável buscar o máximo de representatividade em todas as instâncias, garantindo a participação, sempre que possível, de representantes de todos os planos administrados, de seus patrocinadores, instituidores, participantes e as-sistidos.

Essa previsão torna possível aos participantes e assistidos tomar parte nas decisões sobre a administração de seus recursos, o que não é possível no caso das entidades abertas. É o que atestam Gushiken, Ferrari e Freitas (Previdência complementar e regime próprio: complexidade e desafios. Indaiatuba: Instituto Integrar, 2002. p. 152 e 216):

Com a aprovação da nova legislação, que incorpora o direito de os participantes elegerem seus próprios representantes nos órgãos diretivos de seus fundos de pensão, uma antiga reivindicação dos trabalhadores foi resolvida. Ainda que de maneira parcial, pois somente nas estatais se garante a paridade nos Conselhos Deliberativos e Fiscais, este novo direito não deixa de expressar uma grande inovação e avanço. [...]

A participação direta dos atores sociais, notadamente dos trabalhadores, nos ór-gãos previdenciários, é um importante fator de aperfeiçoamento do Estado De-mocrático de Direito. [...] Um dos elementos do devir da universalização dos direitos sociais, notadamente os da previdência social, avançam na proporção direta da gestão ativa da comunidade dos órgãos colegiados da previdência so-cial em todos os níveis, reforçando a chamada democracia participativa.

Seria importante, nesse sentido, que o órgão de fiscalização averiguas-se continuamente em que medida tem sido garantida a representatividade dos participantes e assistidos nos conselhos estatutários das entidades multipatroci-nadas, visto que se trata de um aspecto fundamental do perfil traçado pela lei

6 Disponível em: <http://www.previdencia.gov.br/arquivos/office/3_101112-163932-055.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011.

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para as entidades fechadas de previdência complementar, do qual não se pode afastar.

Ainda quanto aos aspectos relacionados à estrutura de governança, deve--se ressaltar a edição da Resolução CGPC nº 13/2004. Essa norma trouxe para o sistema de previdência complementar fechada os princípios de supervisão base-ada em risco, exigindo das entidades a implantação de práticas de governança, gestão e controles internos adequados ao porte, complexidade e riscos inerentes aos planos de benefícios por ela operados (art. 1º). Não há, nesse ponto, dife-renças significativas com relação às entidades abertas a serem considerados.

iii.3 aspectos tRibutáRios Como tivemos a oportunidade de destacar, o Supremo Tribunal Federal

firmou entendimento contrário ao reconhecimento da imunidade tributária dos Fundos de Pensão (RE 202.700-6/DF), exceto quando houver contribuição ex-clusiva do patrocinador (Súmula nº 730 do STF).

A solução, então, foi a criação de um regime especial de tributação. É o que relata Rodrigues (op. cit., p. 155):

À vista de quadro que vislumbrava derrota na tese da imunidade no plenário do Supremo Tribunal Federal, o Presidente da República, em 4 de setembro de 2001, editou a Medida Provisória nº 2.222, que dispunha “sobre a tributação, pelo imposto de renda, dos planos de benefício de caráter previdenciário”. Em seguida, outras normas legais complementaram quadro de regras tributárias des-tinadas a prover, para os planos previdenciários de entidades fechadas, meca-nismo exacional menos oneroso do que o destinado às demais pessoas jurídicas não financeiras.

De acordo com o autor, para melhor compreensão do problema deve-se diferenciar a fase de contribuição (pagamento pelos participantes e patrocina-dor) da fase de acumulação (gerenciamento de recursos), e ambas da fase de recebimento do benefício (op. cit., p. 156).

O art. 1º da MP 2.222/2001, inicialmente, igualou as regras de tributação incidentes na fase de acumulação sobre as entidades fechadas e sobre as en-tidades abertas. Após, estabeleceu a exceção constante do art. 2º, criando um regime especial de tributação. Tal regime consistia em evitar-se a tributação na fase da contribuição, tributando-se apenas os rendimentos na fase de acumula-ção com uma alíquota de 20%, limitada ao valor estabelecido no § 1º daquele mesmo dispositivo.

Conforme esclarece Rodrigues (op. cit., p. 157-159):

Verificou-se que a contribuição da pessoa física beneficiária já dispunha de um diferimento via legislação do imposto de renda. O art. 11 da Lei nº 9.532, de 1997 (art. 74, III, do Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto de Renda) autoriza que se abata até 12% da renda bruta anual, desde

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que valores alocados em fundos previdenciários (tanto entidades abertas como fechadas). Assim, somente quando a pessoa física viesse a receber o benefício previdenciário incidiria a exação (via recolhimento à época) sobre sua renda passada não tributada.

De outro lado, a pessoa jurídica empregadora podia verter contribuições, aba-tendo-as de sua receita bruta, e, por conseguinte, deixando de incidir tributação sobre estes montantes (observado o limite de 20% da folha da pagamento dos participantes dos planos). Neste caso, está-se a cuidar de alíquota de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ; alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e os Adicionais (9%), num total de 34%. Estes valores não pagos pela pessoa jurídica empregadora ao Fisco Federal na fase de contribuição não eram percebidos mais adiante por este percentual de 34% (ratio do deferimento). Esses montantes se incorporavam às reservas dos planos e quando dispendidos em forma de benefícios eram recuperados parcialmente, pois que observada a alíquota da pessoa física (até 27,5%, subtraída ainda a parcela a deduzir, confor-me tabela do imposto de renda).

Esta “distorção” é que o Regime Especial de Tributação buscou evitar: a perda de receita tributária quando do aporte da contribuição do empregador pessoa jurí-dica. [...] Em outras palavras, o RET aumentou a carga tributária na fase de acu-mulação dos planos das entidades abertas e institui regime para quaisquer planos previdenciários (de entidades abertas ou fechadas), visando ao diferimento dos tributos alocados na fase de contribuição.

O grande avanço no tratamento dessa matéria veio com a Lei nº 11.053/2004. Com a nova legislação, deixou-se de tributar na fase inicial da formação das reservas, concentrando-se a cobrança exclusivamente na fase de recebimento dos benefícios, possibilitando ao participante optar por um regime regressivo de tributação e estimulando a formação de poupança de longo prazo. A previsão aplica-se aos planos de contribuição definida e contribuição variável tanto de entidades fechadas quanto de entidades abertas.

Duas diferenças fundamentais, entretanto, podem ser identificadas com relação ao regime de tributação das entidades fechadas e das entidades abertas de previdência complementar. O principal delas refere-se à tributação da pró-pria entidade, vez que, como esclarece o art. 17 da Instrução Normativa SRF nº 588/2005, as entidades fechadas (ou abertas sem fins lucrativos) estão isentas do IRPJ e da CSLL. É o que prevê o art. 5º da Lei nº 10.426/2002 e no art. 7º da Lei nº 11.053/2004, o que representa uma significativa vantagem em relação às entidades abertas com fins lucrativos.

Sobre esse tema, sustenta Gaudenzi (Tratamento tributário aplicado: pa-trocinadores, participantes e ativos financeiros dos planos de previdência com-plementar. In: Gestão de fundos de pensão: aspectos jurídicos. São Paulo: SIN-DAPP, 2006. p. 215):

[...] à simples análise da estrutura das EFPC, é possível verificar que não é apenas formalmente que essas entidades não possuem fins lucrativos, mas efetivamente têm a sua organização voltada exclusivamente para a administração de planos

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de benefícios. Essas entidades, diferentemente das sociedades seguradoras ou das entidades abertas de previdência complementar, têm de reverter a integralidade do seu superávit em benefício dos participantes de seus planos, restando não revertida apenas a parcela destinada ao custeio das despesas inerentes à própria manutenção das suas atividades.

Assim, é por razões, desde as mais evidentes, até as mais particulares, que as EFPC não podem ser cobradas do recolhimento da CSLL.

Nessa linha também é a observação de Carvalho e Murgel (Tributação de fundos de pensão. Belo Horizonte: Decálogo, 2007. p. 121):

[...] exsurge patente que as entidades fechadas de previdência complementar encontram-se impedidas de auferir lucro, assim entendido como o resultado po-sitivo, nos exatos termos fixados pela legislação comercial.

Conforme reza o regime contábil próprio das entidades fechadas de previdência complementar, estas não apuram lucro ou prejuízos, mas superávits ou déficits. E, caso apurem superávit, impede ressaltar que nunca terão sua disponibilidade, visto que tal numerário possui como destinação específica as reservas técnicas que, se não utilizadas, determinarão a revisão do plano de benefícios, diminuin-do as contribuições dos patrocinadores e participantes.

Vale notar que sobre a remuneração eventualmente destinada pelos fun-dos multipatrocinados aos seus prestadores de serviço, envolvendo os valores obtidos a título de taxa de carregamento ou taxa de administração, incidem o IRPJ e a CSLL. Não há, entretanto, dados disponíveis sobre a destinação desses valores cobrados a título de despesa administrativa, principalmente quanto à re-muneração de prestadores de serviço integrantes do mesmo grupo econômico.

Vale notar que o art. 13 da Resolução CGPC nº 29/2009 determina a pu-blicação dos dados consolidados referentes às despesas administrativas no site do Ministério da Previdência Social, providência ainda não adotada pelo órgão fiscalizador do sistema.

Outro aspecto a ser salientado, nessa discussão, é o fato de as instituições financeiras poderem oferecer planos VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) para os quais não há dedução e a tributação somente incide sobre o ganho das aplicações financeiras. Esta é uma boa opção para quem faz declaração simplificada de imposto de renda (art. 1º, inciso II, e 3º, inciso II, da Lei nº 11.053/2004), não disponível para as entidades fechadas.

É certo que tais planos são oferecidos por entidades seguradoras, e não propriamente por entidades abertas de previdência complementar. Essa van-tagem, no entanto, pode muito bem ser explorada pela instituição financeira alternativamente ao oferecimento de um plano de benefícios oferecido por uma entidade fechada (fundo multipatrocinado), motivo pelo qual também deve ser considerada.

Não se pode esquecer, por fim, da taxa de fiscalização cobrada pela Susep, instituída pelos arts. 48 a 58 da Lei nº 12.249/2010, e da taxa cobrada

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pela Previc, conforme previsto no art. 12 da Lei nº 12.154/2009. O impacto da cobrança dessas taxas, entretanto, tem sido considerado ínfimo diante do volu-me de recursos administrados por essas entidades.

iii.4 pRincipais caRacteRísticas Dos planos De benefícios

Neste item, pretendemos enfocar não a entidade como um todo, mas sim os planos de benefícios por elas administrados. Dessa forma poderemos avaliar melhor o produto oferecido por essas entidades aos potenciais interessados.

As entidades abertas e fechadas têm como objetivo inafastável instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário (art. 2º da LC 109/2001). Tais planos, nos termos do art. 7º, parágrafo único, podem ser de benefício de-finido, contribuição definida em contribuição variável, sem prejuízo do desen-volvimento de outras modalidades. Dispõe a lei em comento:

Art. 7º Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefí-cios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolu-ção técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar. (grifou-se)

A regra encontra-se na seção que trata das disposições aos planos de benefícios das entidades abertas e fechadas de previdência complementar, atri-buindo aos respectivos órgãos reguladores e fiscalizadores a competência para fixar as características desses planos.

Discussão importante refere-se à necessidade de normatização prévia pelos órgãos reguladores das outras formas de planos de benefícios previstas na lei. Há quem defenda, nesse ponto, que a necessidade de regulamentação é um pressuposto inarredável (Alguns pontos da “privatização” da previdência e da Lei Complementar nº 109/2001 – Previdência privada: comentários à Lei Complementar nº 109/2001. Marcus Orione Gonçalves Correa (Coord.). São Paulo: LTr, 2004. p. 162-163):

A primeira parte do parágrafo único do art. 7º da LC 109/2001 fixa a competência do órgão regulador e fiscalizador, que certamente é uma das figuras mais proemi-nentes dessa lei, para normatizar planos de benefícios.

O poder geral de normatização atribuído ao órgão regulador e fiscalizador está previsto no art. 5º da lei. Sua competência para normatizar modalidades de pla-nos de benefícios é apenas um desdobramento desse poder geral. [...]

Como já foi exposto ao comentarmos o art. 3º, inciso VI, da LC 109/2001, o princípio básico que ocasiona e propulsiona toda a ação estatal pertinente à Pre-

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vidência Complementar é a proteção dos interesses dos participantes e assistidos. [...]

Quanto mais precisa e delimitada for a normatização acerca das possíveis mo-dalidades de planos de benefícios, menor será a possibilidade de abuso. [...] Cumpre assinalar, dessa maneira, que somente aquelas modalidades de planos que forem normatizadas pelo órgão regulador é que podem ser instituídas pelas entidades de Previdência Complementar. Não podem estas, portanto, inventar novas modalidades de planos que não estejam desenhadas nas normas expedidas pelo órgão regulador. (grifou-se)

Partindo desse pressuposto, impõe-se a análise das normas expedidas pelos órgãos reguladores dos respectivos sistemas para fins de regulação do art. 7º, parágrafo único, da LC 109/2001. Antes, porém, cumpre destacar que a regulação deve, necessariamente, considerar os direitos dos participantes e as especificidades dos planos oferecidos pelas entidades, conforme sejam elas abertas e fechadas.

Deve-se observar, dessa maneira, que o art. 14 da LC 109/2001 estabele-ceu que os planos das entidades fechadas devem contemplar, necessariamente, os institutos do benefício proporcional diferido, da portabilidade (este restrito às hipóteses de cessão de vínculo com o patrocinador aliada à observância de pra-zo mínimo fixado pelo órgão regulador), além do resgate e do autopatrocínio. O art. 27 da lei complementar, por sua vez, ao tratar das entidades abertas, fez referência apenas aos institutos da portabilidade e do resgate.

Tanto o benefício proporcional diferido quanto o autopatrocínio, restrito às entidades fechadas, parecem se justificar em razão da exigência de manuten-ção de vínculo com patrocinador ou instituidor para manutenção da qualidade de participante. Desse modo, não pode se considerar que tenham, sob esse aspecto, direitos a mais que os participantes das abertas; ao contrário, trata-se de direitos necessários diante da restrição mencionada.

As regras que limitam a portabilidade dos recursos do participante, por sua vez, aparentemente decorrem da responsabilidade especial que o patro-cinador tem com relação à entidade fechada de previdência complementar. Lembre-se de que, ao contrário do que ocorre nos planos coletivos das entida-des abertas, os patrocinadores das entidades fechadas somente podem exercer seu direito de retirada após o cumprimento da totalidade dos compromissos assumidos até aquela data (art. 25).

Desse modo a norma busca resguardar, de alguma forma, as empresas que optaram pela criação de entidades fechadas para seus empregados, limitan-do a possibilidade de transferência de recursos dos planos de benefícios por ela criados. O mesmo ocorre com o resgate, que só é possível na hipótese de ces-sação do vínculo empregatício (art. 22 da Resolução CGPC nº 06/2003). Essa mesma lógica não se aplica às entidades abertas, para as quais deve prevalecer o princípio da livre concorrência.

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Além disso, deve-se considerar que diversas normas previstas para as entidades fechadas têm aplicação mais específica nos planos de benefício de-finido, para os quais a lei parece dar tratamento mais adequado no âmbito das entidades fechadas. Esse é o caso não só da previsão constante do citado art. 25, como também 17 da lei complementar, que determina a aplicação imediata dos regulamentos dos planos aos participantes, observado o direito acumulado de cada um. Em se tratando de plano de contribuição definida, tais disposições teriam certamente aplicação bastante limitada.

Outra característica das entidades fechadas é a obrigatoriedade de utili-zação do superávit para a constituição de reserva de contingência e de reserva especial (art. 20 da LC 109/2001), havendo regras bastante rígidas antes de admitir-se a reversão de valores. Destaque-se que as entidades abertas não apre-sentam semelhante restrição.

Após enfatizadas essas especificidades estabelecidas na lei, passamos a considerar as normas infralegais produzidas pelos respectivos entes regulado-res. Estamos falando aqui, principalmente, da Resolução CGPC nº 16/2005 e da Resolução CNSP nº 139/2005.

Editada pelo então Conselho de Gestão da Previdência Complementar, a Resolução nº 16/2005 definiu as características essenciais dos planos de bene-fícios das entidades fechadas, assim dispondo:

Art. 2º Entende-se por plano de benefício de caráter previdenciário na modalida-de de benefício definido aquele cujos benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção.

Parágrafo único. Não será considerado para fins da classificação de que trata o caput o benefício adicional ou acréscimo do valor de benefício decorrente de contribuições eventuais ou facultativas.

Art. 3º Entende-se por plano de benefícios de caráter previdenciário na modalida-de de contribuição definida aquele cujos benefícios programados têm seu valor permanentemente ajustado ao saldo de conta mantido em favor do participante, inclusive na fase de percepção de benefícios, considerando o resultado líquido de sua aplicação, os valores aportados e os benefícios pagos.

Art. 4º Entende-se por plano de benefícios de caráter previdenciário na modali-dade de contribuição variável aquele cujos benefícios programados apresentem a conjugação das características das modalidades de contribuição definida e be-nefício definido.

Desde que se observem essas características básicas, os planos de bene-fícios das entidades fechadas podem adotar diversos formatos. E a conceituação elástica do art. 4º acaba por permitir uma ampla possibilidade de combinações. É o que observa Conde (Modalidades e características dos planos de benefícios: introdução à previdência complementar. São Paulo: ABRAPP, 2005. p. 95):

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Voltando-se para a modelagem de planos de benefícios, encontra-se grande quantidade de tipos de planos, mas, na essência, sempre serão enquadrados nas categorias BD, CD ou Misto.

Na fase em que o participante está em atividade ou naquela em que recolhe con-tribuições, cito algumas modalidades:

•planoscomgarantiaderentabilidademínima;

•planosquelimitamosrendimentosfinanceirosouadotamumtetoderentabili-dade;

•planoscomgarantiadebenefíciomínimo;

•planos que oferecem apenas benefícios de risco e outros apenas benefíciosprogramados;

•planosquerepassamparaasseguradorasosbenefíciosderisco.

O Conselho Nacional de Seguros Privados, por sua vez, cuidou do tema no bojo da Resolução nº 139/2005 da seguinte forma:

Art. 7º Em função da cobertura por sobrevivência, os planos serão dos seguintes tipos:

I – Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL), quando, durante o período de di-ferimento, a remuneração da provisão matemática de benefícios a conceder for baseada na rentabilidade da(s) carteira(s) de investimentos de FIE(s), no(s) qual(is) esteja(m) aplicada(s) a totalidade dos respectivos recursos, sem garantia de remu-neração mínima e de atualização de valores e sempre estruturados na modalida-de de contribuição variável;

II – Plano com Remuneração Garantida e “Performance” (PRGP), quando garantir aos participantes, durante o período de diferimento, remuneração por meio da contratação de índice de atualização de valores e de taxa de juros e a reversão, parcial ou total, de resultados financeiros;

III – Plano com Remuneração Garantida e “Performance” sem Atualização (PRSA), quando garantir aos participantes, durante o período de diferimento, re-muneração por meio da contratação de taxa de juros e a reversão, parcial ou total, de resultados financeiros e sempre estruturados na modalidade de contri-buição variável;

IV – Plano com Atualização Garantida e “Performance” (PAGP), quando garantir aos participantes, durante o período de diferimento, por meio da contratação de índice de preços, apenas a atualização de valores e a reversão, parcial ou total, de resultados financeiros; e

V – Plano de Renda Imediata (PRI), quando, mediante contribuição única, garan-tir o pagamento do benefício por sobrevivência, sob a forma de renda imediata.

Parágrafo único. Em todos os tipos de plano mencionados neste artigo, poderá ser contratada a reversão de resultados financeiros durante o período de pagamento do benefício sob a forma de renda.

Art. 8º A cobertura por sobrevivência poderá ser estruturada nas seguintes mo-dalidades:

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I – Contribuição Variável: em que o valor e o prazo de pagamento das contribui-ções podem ser definidos previamente e o valor do benefício, pagável de uma única vez ou sob a forma de renda, por ocasião da sobrevivência do participante ao período de diferimento, é calculado com base no saldo acumulado da respec-tiva provisão matemática de benefícios a conceder e no fator de cálculo;

II – Benefício Definido: em que o valor do benefício, pagável de uma única vez ou sob a forma de renda, e das respectivas contribuições são estabelecidos pre-viamente na proposta de inscrição.

Parágrafo único. Na modalidade prevista no inciso I deste artigo, quando o be-nefício for pago de uma única vez, o fator de cálculo corresponderá à unidade.

Comparando as duas normas, vê-se que a Resolução CNSP nº 139/2005 não trata da modalidade de contribuição definida. Ao contrário, a modalidade mais usual para as entidades abertas é a de contribuição variável, permitindo que os participantes dessas entidades tenham maior liberdade para alterar o valor de suas contribuições durante o período de constituição das suas reservas.

Ademais, diferentemente da Resolução CGPC nº 16/2005, a Resolução do CNSP se ocupa de detalhar várias tipos de planos de benefícios (art. 7º), que se inserem em alguma das modalidades previstas no art. 8º. Nada obsta, contudo, que as próprias entidades fechadas se apropriem dos tipos de planos descritos na Resolução CNSP no momento da configuração dos planos, quando da celebração do contrato previdenciário.

Não se vê, assim, qualquer restrição para a criação de um plano PGBL por uma entidade fechada, estruturando-se um plano de benefícios na modali-dade de contribuição variável. Aliás, essa é a modalidade em que o próprio art. 7º, inciso I, da Resolução CNSP nº 139/2005 enquadra esse tipo de plano. Igual-mente não se vê qualquer restrição para a instituição de planos do tipo ciclo de vida, já utilizados pelas entidades abertas e por várias entidades fechadas.

Essas são, portanto, algumas das características mais importantes dos pla-nos de benefícios oferecidos pelas entidades abertas e pelas entidades fechadas. Observa-se, em síntese, garantias maiores para os participantes das entidades fechadas, contrapondo-se à maior flexibilidade das entidades abertas, condição esta aparentemente mais atrativa para as instituições financeiras que oferecem trais produtos.

Por outro lado, vê-se um grande espaço ainda para o desenvolvimento de novos produtos pelas entidades fechadas, a fim de tornar seus planos mais atrativos, aspecto sobre o qual deve se focar o debate sobre o fomento da pre-vidência complementar fechada nos próximos anos. Resta saber até onde vai o interesse das instituições financeiras em oferecer produtos diferenciados espe-cíficos para as entidades fechadas de previdência complementar, viabilizando a expansão do segmento.

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Não se pode afastar, também, a possibilidade de discutir-se mais pro-fundamente o desenvolvimento de uma regulação no ambiente da previdência fechada mais voltada para planos na modalidade de contribuição variável, com características mais flexíveis. Uma medida dessa natureza pode se mostrar fun-damental para o desenvolvimento da previdência fechada.

Mas essa maior flexibilidade, cumpre ressaltar, jamais poderá vir em de-trimento das garantias mínimas previstas nas disposições específicas da previ-dência complementar fechada, sob pena, inclusive, de se perder as característi-cas protetivas elementares e essenciais desse sistema.

CONCLUSÃOComo observado de início, o caráter complementar da previdência pri-

vada (art. 202 da CF/1988) não pode afastar a conclusão de que temos aí um importante instrumento de proteção aos direitos sociais dos trabalhadores. É o que se extrai do disposto nos arts. 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal, bem como pela inserção da previdência privada no capítulo que trata do siste-ma de seguridade social.

É isso que justifica o forte caráter interventivo da Lei Complementar nº 109/2001 e o que determina a crescente preocupação do Estado com o fo-mento da previdência complementar. Dessa forma, exsurge a importância do desenvolvimento dos mecanismos voltados para uma maior inclusão no sistema previdenciário complementar.

Um desses mecanismos, sobre o qual resolvemos nos debruçar, são os fundos multipatrocinados. A possibilidade de redução de custos, nesse caso, é visto usualmente como uma grande vantagem, capaz de estimular a ampliação do sistema previdenciário fechado.

Não se pode olvidar, contudo, que os principais fundos multipatrocina-dos hoje existentes são oferecidos, principalmente, por instituições financeiras, que fornecem também planos previdenciários de entidades abertas. Nossa in-tenção, portanto, resume-se em identificar os pontos comuns e especificidades das entidades abertas e fechadas, bem como de seus planos de benefícios, bus-cando apresentar sugestões voltadas para o crescimento da previdência fechada nesse setor, sem perder de vista as suas características essenciais.

Dessa forma, foi salientado o objetivo não lucrativo das entidades fecha-das, em contraposição à finalidade lucrativa das entidades abertas. Identificou--se que uma das principais decorrências dessa característica, existente desde a Lei nº 6.435/1977, era a imunidade tributária então deferida às entidades fecha-das. Isso justificaria, ademais, a limitação imposta pela legislação que permite o oferecimento dos planos de benefícios apenas para os empregados do patroci-nador. A lógica da livre concorrência, desse modo, não se aplicaria às entidades fechadas, mas apenas às abertas, para as quais não existe a mesma restrição.

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Constatamos, entretanto, que essa distinção não se mostra tão nítida no caso dos fundos multipatrocinados, em que as taxas podem acabar servindo simplesmente como forma de remuneração de entidades do mesmo grupo eco-nômico da instituição financeira patrocinadora. Entendemos, pois, necessária uma avaliação mais aprofundada do órgão fiscalizador quanto à destinação dos valores cobrados a título de taxa de administração e de carregamento por essas entidades.

Verificamos ainda que as entidades abertas possuem, em tese, mais fle-xibilidade no momento da adesão e retirada de novas empresas, o que pode representar um estímulo para as empresas aderirem a esse modelo. Por outro lado, a existência de regras mais estreitas para as entidades fechadas pode re-presentar uma garantia maior para os participantes e assistidos, especialmente quando se trata de planos de benefício definido. A fim de minimizar eventuais críticas, destacou-se a necessidade de se estabelecer prazos bastante exíguos para a aprovação desses atos no âmbito da Previc.

Outro aspecto a ser salientado diz respeito às regras para constituição dessas entidades, visto que as entidades abertas são constituídas sob a forma de sociedade anônima e as entidades fechadas, sob a forma de sociedade civil ou fundação. Observou-se, desse modo, que as regras para a constituição das entidades fechadas são mais simples, pois não têm de atender às exigências complementares constantes da Lei de Sociedades Anônimas.

Quanto à estrutura de governança, as entidades fechadas apresentam a vantagem – da perspectiva dos participantes e assistidos – de permitir a parti-cipação dos beneficiários na gestão dos seus recursos. Esse é um aspecto que precisa ser observado também com maior atenção pelo órgão fiscalizador, es-pecialmente nos fundos multipatrocinados, em que o interesse lucrativo das instituições financeiras pode implicar situações de conflito de interesses.

Vale ressaltar que os dirigentes das entidades abertas ou fechadas devem observar os princípios prudenciais previstos em ambas as legislações, ponto com relação ao qual não há grandes distinções.

Do ponto de vista tributário, a falta de um produto semelhante ao VGBL ainda é um ponto em desfavor das entidades fechadas. A isenção do IRPJ e da CSLL, no entanto, é um ponto a favor dessas mesmas entidades, sendo neces-sário averiguar em que medida essa economia acaba sendo repassada ou não para os participantes e assistidos. Daí decorre a necessidade, mais uma vez, de se aprofundar a discussão quanto às despesas administrativas cobradas pelos fundos multipatrocinados.

Por fim, com relação às características dos planos de benefícios admi-nistrados por essas entidades, percebe-se que a legislação da previdência com-plementar fechada apresenta uma modelagem mais adequada para planos de benefícios definidos, extremamente preocupada com a proteção dos direitos

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dos participantes e assistidos. A regulamentação, porém, deixa um grande es-paço aberto para o desenvolvimento de novos tipos de planos de benefícios, restando questionar se há interesse das instituições financeiras em oferecer tipos de planos de benefícios muitos distintos daqueles já oferecidos pelas entidades abertas.

Não se pode afastar, por fim, a necessidade de discutir-se mais profunda-mente o desenvolvimento de uma regulação mais voltada para planos na mo-dalidade de contribuição variável, com características mais flexíveis, no âmbito da previdência complementar fechada.

Como se viu, porém, essa flexibilidade não poderá vir jamais em prejuí-zo das garantias mínimas previstas na legislação da previdência complementar fechada, sob pena de se perder as características protetivas essenciais desse sistema.

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Parte Geral – Doutrina

Efeitos da Declaração de Nulidade de Contrato de Trabalho sobre as Contribuições Sociais

FERNANDO MAURO DE SIQUEIRA BORGESPós-Graduado em Direito Previdenciário, Pós-Graduado em Direito Privado, Pós-Graduando em Direito Público, Procurador Federal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A nulidade do contrato individual de trabalho; 1.1 Considerações gerais; 1.2 Posição jurisprudencial acerca da nulidade do contrato de trabalho; 1.3 Hipóteses de nulidade ab-soluta do contrato de trabalho; 1.3.1 Nulidade absoluta decorrente da incapacidade; 1.3.2 Nulidade absoluta decorrente da ilicitude do objeto; 1.3.3 Nulidade absoluta decorrente da ilicitude da causa no direito do trabalho; 1.3.4 Nulidade absoluta decorrente de simulação; 1.3.5 Nulidade absoluta por inobservância da forma prescrita em lei; 2 As contribuições sociais incidentes sobre relação de trabalho declarada nula; Conclusão.

INTRODUÇÃOA fixação da competência da Justiça do Trabalho para promover a exe-

cução de ofício de contribuições sociais inseridas no art. 195, I, a, e II1, da Constituição Federal de 1988 foi introduzida pelo poder constituinte derivado através da Emenda Constitucional nº 20/1998 e, hoje, está regulada no inciso VIII no art. 1142 com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.

Referida competência foi regulada pela Lei nº 10.035/2000, que estabe-leceu os procedimentos, no âmbito da Justiça do Trabalho, para a execução das contribuições sociais sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Ultrapassados mais de oito (8) anos da inédita atribuição relacionada à Justiça antes especializada em questões afetas às relações de trabalho, os operadores do Direito, atuantes nesta seara, vêm debruçando-se sobre questões tormento-sas e que são merecedoras de amplo debate no meio jurídico. Nesse universo,

1 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro. II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. [Omissis]”

2 “Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: [...] VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.”

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insere-se a questão atinente aos contratos de trabalho declarados nulos pela judicatura trabalhista.

O presente ensaio tem por objeto a abordagem do efeito da declaração de nulidade de contrato de trabalho sobre a execução das contribuições sociais.

Não se pretende, nas linhas do presente artigo, esgotar a enumeração de todos os efeitos e tratar de nulidades parciais (nulidade de específicas cláusulas contratuais). O propósito é trazer ao debate as repercussões tributárias da de-claração de nulidade do contrato de trabalho e sistematizar diversas situações fáticas segundo os princípios multidisciplinares: direito do trabalho, civil, tribu-tário e comparado.

1 A NULIDADE DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

1.1 consiDeRações geRais

Em matéria de nulidades dos contratos individuais no direito do trabalho, é conveniente recordar, propedeuticamente, a norma básica insculpida no art. 8º, parágrafo único, da CLT3 (que rege a aplicabilidade do direito civil aos con-tratos de trabalho sob a égide do Código Civil de 2002). As normas de direito ci-vil aplicam-se às relações de trabalho em caráter subsidiário, o que pressupõe o atendimento de duas condições de aferição estritamente hermenêutica, a saber:

– a lacuna no sistema legal-trabalhista;

– a compatibilidade entre a norma civil e os princípios do direito do trabalho sintetizados em quatro entidades segundo a divisão de Plá Rodriguez4 (princípio da proteção, princípio da primazia da realida-de, princípio da irrenunciabilidade e princípio da razoabilidade).

Resgatando-se a concepção civilista, pode-se dizer que a nulidade abso-luta é declarada retroativamente, restituindo as partes à situação anterior ao ato (status quo ante), importando a devolução recíproca das prestações recebidas por força da eficácia aparente do ato nulo. A adoção irrestrita desta teoria da nulidade absoluta no âmbito do direito do trabalho é, simplesmente, inaplicá-vel na prática, na medida em que não se pode restaurar o momento anterior à prestação entregue pelo trabalhador em forma de força pessoal de trabalho, bem como porque o princípio retor da proteção objetiva, com maior amplitude, é resguardar o protegido, o trabalhador.

3 “Art. 8º As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.”

4 RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. Trad. Wagner Giglio. São Paulo: LTr, 1996.

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Nesse sentido, a teoria civilista da nulidade, na sua sanção peculiar, em se tratando de nulidade absoluta, seria decididamente prejudicial para o traba-lhador, favorecendo o empregador e culminando em desafio direto aos princí-pios norteadores do direito do trabalho.

Tendo-se por certo que – contrariamente ao direito italiano, que exclui, expressamente, a nulidade retroativa nas relações de trabalho, salvo quando proveniente da ilicitude do objeto ou da causa – não há sistematização das nulidades no direito do trabalho e atenta à regra fixada no parágrafo único do art. 8º da CLT, a maior parte da doutrina e jurisprudência vem utilizando-se do sistema de nulidades do Código Civil, fazendo-se as adaptações necessárias para preservação dos princípios peculiares do direito do trabalho já destacados.

Alguns autores, todavia, defendem a aplicação, ao contrato de trabalho, das concepções civilistas puras, entendendo que, em caso de nulidade do alu-dido contrato, hão de se lhe reconhecer os efeitos que lhe atribui o direito civil (HUECK; NIPPERDEY. Lehrburch dos Arbeitsrechts. Apud DE LA CUEVA, Mario. Derecho mexicano del trabajo. México: Porrua, t. 1, 1969. p. 512). Para estes pensadores, eventual prejuízo do empregado haverá de ser solucionado mediante a propositura da demanda indenizatória.

A doutrina dominante, porém, adota orientação distinta. Sustenta a ina-plicabilidade da teoria pura civilista em caso de nulidade de contrato de tra-balho em face da impossibilidade da restituição das partes à situação anterior. Leciona Mario de La Cueva, ilustre mestre mexicano, que a nulidade de con-trato de trabalho assemelha-se à rescisão, eis que produz efeitos somente para o futuro.

No Brasil, parece não haver razão para se atribuir efeito retroativo à de-cretação de nulidade do contrato de trabalho, caso contrário ter-se-ia norma protetiva aplicada contra os interesses daquele a quem visa proteger. Pensam assim Orlando Gomes e Élson Gottschalk:

A questão da ineficácia do contrato de trabalho seria resolvida em termos tão simples se fôra possível aplicar ao mesmo, com todo rigor, a teoria civilista das nulidades. Mas a natureza especial da relação de emprego não se compa-dece com a retroatividade dos efeitos da decretação da nulidade. O princípio segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz não pode ser aplicado ao contrato de trabalho. É impossível aceitá-lo em face da natureza da prestação devida pelo empregado. Consistindo em força-trabalho, que implica em dispên-dio de energia física e intelectual, é, por isso mesmo, insuscetível de restituição. Se a nulidade absoluta tem efeito retroativo, se repõe os contraentes no estado em que se encontravam ao estipular o contrato nulo, como se não fora cele-brado, nenhuma parte tem o direito de exigir da outra o cumprimento da obri-gação. Donde se segue que o empregado não tem o direito de cobrar o salário ajustado. Esta seria a consequência inelutável do princípio da retroatividade da nulidade de pleno direito.

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Mas é consequência evidentemente absurda, ainda mesmo se admitindo que o trabalhador possa exigir a remuneração com fundamento na regra que proíbe o enriquecimento ilícito. Porque a verdade é que a retroatividade só teria cabimento se o empregador pudesse devolver ao empregado a energia que este gastou no trabalho. Mas, como isso não é possível, os efeitos da retroati-vidade seriam unilaterais, isto é, beneficiariam exclusivamente ao empregador, como pondera De La Cueva, ao criticar a opinião de Hueck-Nipperdey. Deve--se admitir em toda extensão o princípio segundo o qual trabalho feito é salário ganho. Pouco importa que a prestação de serviço tenha por fundamento uma convenção nula. Em direito do trabalho, a regra geral há de ser a irretroatividade das nulidades. O contrato nulo produz efeitos até a data em que for decretada a nulidade. Subverte-se, desse modo, um dos princípios cardeais da teoria ci-vilista das nulidades. A distinção entre os efeitos do ato nulo e do ato anulável, se permanece para alguns, não subsiste em relação a este. (Curso elementar de direito do trabalho, 1963, p. 115/116)

Perfilhando o mesmo entendimento acima exposto, Arnaldo Süssekind5.

Pontes de Miranda6 também reconhece a atribuição de efeitos ao contra-to de emprego nulo:

Direito protectivo, o direito ao trabalho tinha de atender à irrestituibilida-de da prestação do trabalhador, uma de cujas consequências é ter o emprega-dor os deveres oriundos do contrato de trabalho, mesmo se há nulidade. Assim, se o menor de quatorze anos continuou no serviço, ou voltou a êle, depois de ter quatorze anos, conta-se-lhe o tempo de serviço anterior aos quatorze anos. Embora nulo o contrato individual de trabalho, se o trabalho foi prestado, tem de ser retribuído como se válido fosse.

Segundo a doutrina, considera-se legítima, portanto, geradora de efeitos jurídicos, toda e qualquer pretensão emanada da relação de emprego no que toca o passado em face da impossibilidade de retroação dos efeitos da declara-ção de nulidade de contrato de trabalho.

1.2 posição juRispRuDencial aceRca Da nuliDaDe Do contRato De tRabalho

As jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior do Trabalho e do Superior Tribunal de Justiça não se afastam do entendimento doutrinário dominante:

1. Recurso extraordinário trabalhista: a nulidade do contrato de trabalho firmado com entidade da Administração Pública sem a prévia realização de concurso público – por afronta do art. 37, II, da Constituição – não gera efeitos trabalhistas,

5 SUSSEKIND, Arnaldo. Comentários à consolidação das leis do trabalho. São Paulo: Freitas Bastos, v. 3, 1964. p. 32/35.

6 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, t. XLVII, 1964. p. 492.

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mas é devido o pagamento de salários pelos dias efetivamente trabalhados: pre-cedente (AI 219.969-AgRg, Moreira Alves, DJ 28.05.1999). 2. Agravo regimental manifestamente infundado: aplicação de multa, nos termos do art. 557, § 2º, CPC. (STF, AgRg-AI 221454/PR, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 06.12.2005)

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos. Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8.213. Possibilidade. Precedentes. 3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/1988. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroati-vos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acór-dão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes ci-tados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.1986; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.1986. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AI 476950/RS, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 30.11.2004)

CONTA VINCULADA AO FGTS – DIREITO DE SAQUE DO SALDO RESPEC-TIVO QUANDO DECLARADO NULO SEU CONTRATO DE TRABALHO POR AUSÊNCIA DE PRÉVIA – APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO – O titular da conta vinculada ao FGTS tem o direito de sacar o saldo respectivo quando declarado nulo seu contrato de trabalho por ausência de prévia aprovação em concurso público. (STJ, Súmula nº 466, 13.10.2010, DJe 25.10.2010)

Súmula TST nº 363:

Contrato nulo. Efeitos. Nova redação. Res. 121/2003, DJ 21.11.2003

A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.

ADMINISTRATIVO – FGTS – CONTRATO DE TRABALHO NULO – LIBERAÇÃO DE SALDO DA CONTA DO FGTS – POSSIBILIDADE – RESGUARDADO O DI-REITO DA CEF DE REAVER OS VALORES INDEVIDAMENTE DEVOLVIDOS À MUNICIPALIDADE – PRECEDENTES

1. Esta Corte Superior de Justiça, em reiterados pronunciamentos, tem mantido o entendimento segundo o qual é devido o levantamento do saldo existente nas contas do FGTS quando se tratar de contrato de trabalho nulo.

2. Quanto à alegação da necessidade de citação do Município, o acórdão que-dou-se silente com relação à matéria. Caberia à recorrente interpor embargos de declaração para sanar a omissão e provocar a manifestação deste Tribunal.

3. O inconformismo tem procedência, todavia, quanto ao direito à repetição dos valores à CEF. De fato, uma vez admitido o levantamento dos saldos do FGTS por parte da ex-empregada, fica resguardado o direito da CEF de reaver os valores indevidamente devolvidos à municipalidade de Mossoró/RN, conforme consig-nado no julgamento do REsp 724289/RN, da relatoria do Ministro José Delgado, DJ 29.08.2005. Agravo regimental provido em parte, para reconhecer que, uma

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vez admitido o levantamento dos saldos do FGTS por parte da ex-empregada, fica resguardado o direito de a CEF reaver os valores indevidamente devolvidos à municipalidade de Mossoró/RN. (STJ, AgRg-REsp 727174/RN, 2005/0028914-3, DJ 22.06.2007)

Da mesma força, o Supremo Tribunal de Justiça português assegura a irretroatividade dos efeitos da declaração de nulidade do contrato de trabalho.

CONTRATO DE TRABALHO NULO – MENOR DE 14 ANOS – VALIDADE PARA EFEITOS DE SEGURO

I – O contrato de trabalho declarado nulo, por o trabalhador ser menor de 14 anos, produz efeitos, como se fosse válido, em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, nomeadamente nos domínios das relações entre o empre-gador e o trabalhador e entre o empregador e o segurador.

II – O pessoal seguro é o que estiver ao serviço do segurado, na unidade pro-dutiva identificada no contrato, em conformidade com as folhas de férias a en-viar ao segurador, sendo irrelevante, para efeitos de seguro, a falta de qualquer ressalva ou reserva sobre a validade de contratos de trabalho. (STJ, Acórdão de 03.10.2000, Processo nº 41/2000)

O Direito português, igualmente ao italiano, tem norma expressa quanto à irretroatividade das nulidades. Confira-se o voto do relator do Processo nº 41/2000 do Supremo Tribunal de Justiça luso:

É que o regime da nulidade do contrato de trabalho apresenta especiali-dades em relação ao regime geral das nulidades da lei civil, constante dos arts. 285º e seguintes do Código Civil. O fundamental desse regime especial está contido no art. 15º da lei do contrato de trabalho, designadamente no seu nº 1, assim redigido: “O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em exe-cução ou, se durante a acção continuar a ser executado, até à data do trânsito em julgado da decisão judicial”.

O contrato declarado nulo ou anulado produz efeitos “como se fosse válido”, o que autoriza a projecção dessa validade em todas as direcções e não apenas no círculo das relações empregador-trabalhador. Aliás, tratando-se de seguro obrigatório, a relação contrato de trabalho-contrato de seguro não é acessória e circunstancial, mas necessária, profunda e essencial.

Como se expôs, doutrina e jurisprudência brasileiras e o direito compara-do são uníssonos em não autorizar, salvo específicas exceções, a retroatividade dos efeitos da declaração da nulidade do contrato de trabalho. Desta forma, torna-se curial a necessidade de sistematizar os casos de nulidade segundo a regra geral da irretroatividade. Neste passo e fundado na regra legal vigente – art. 8º, parágrafo único, da CLT, recorre-se ao novo Código Civil, em especial o seu art. 4227, que estabelece que os contratantes são obrigados a guardar, assim

7 “Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

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na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.

Cumpre reconhecer aplicável, em matéria das nulidades mencionadas, o princípio da boa-fé objetiva (relativo às legítimas expectativas de direito engen-dradas pelas circunstâncias objetivas e incutidas no bonus pater familiae) e do próprio princípio da aparência (o direito aparente produz os mesmos efeitos da realidade de direito, salvo particulares restrições legais), ambos dimanados do artigo mencionado. No direito do trabalho, a utilidade desse princípio – positi-vado na norma do art. 422 – está na base da solução de problemas específicos de direito individual do trabalho como, exemplificamente, a responsabilidade do empregador público pelos consectários de contrato de trabalho nulo (CF, art. 37, § 2º), em casos de cooptação do trabalhador de boa-fé mediante contrato aparentemente válido e eficaz (princípio da aparência).

A extrema importância do tema relativo aos efeitos da declaração de nulidade do contrato de trabalho está estampada nos números obtidos no sítio do Tribunal Superior do Trabalho, que, até o final de julho de 2011, possuía 24.655 processos suspensos aguardando análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em face do reconhecimento de repercussão geral, ou seja, considerados relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, e que ultra-passem os interesses subjetivos da causa. Os temas relativos ao direito do traba-lho são diversos: competência da Justiça do Trabalho, dispensa de empregados de empresa pública, equiparação salarial e diversas questões processuais, entre outros. O tema com maior número de processos sobrestados é o que diz respei-to à responsabilidade subsidiária do ente público nos contratos de terceirização, em caso de inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa prestadora de serviços (8.316 processos); em segundo lugar, os processos que aguardam decisão quanto à exigibilidade de depósitos do FGTS em caso de contrato nulo por ausência de concurso público (6.474); em terceiro, os que tratam da competência da Justiça do Trabalho em questões referentes à com-plementação de aposentadoria e pensão por entidades de previdência privada, vinculadas ao contrato de trabalho (3.978 processos).

1.3 hipÓteses De nuliDaDe absoluta Do contRato De tRabalho

1.3.1 Nulidade absoluta decorrente da incapacidade

É nulo o contrato celebrado pelo empregador e pelo empregado menores de 16 anos, por aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tive-rem o necessário discernimento para celebrar o contrato e aqueles que, ainda que por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

O contrato de trabalho celebrado pelo menor de 16 anos – proibido de trabalhar (CF, art. 7º, XIII) – é nulo. Ocorre que, pelas razões já invocadas – con-trariedade ao princípio da proteção na esfera trabalhista –, não se faz retroagir a

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declaração da nulidade ao momento da celebração do contrato. Nesses casos, impera a regra da irretroatividade.

1.3.2 Nulidade absoluta decorrente da ilicitude do objeto

Na aferição da nulidade decorrente da ilicitude do objeto, é indispensá-vel a separação entre objeto imediato e objeto mediato do contrato; o primeiro, sempre lícito, não dá ensejo à declaração de nulidade. O segundo, consistente no destino da energia do trabalhador na empresa, pode ser ilícito.

Hipoteticamente, imagine-se uma empresa empregadora que se dedica à prática de “contrabando” sob a dissimulação de uma atividade comercial co-mum. Nesse caso, visualizam-se três situações, a saber:

a) o empregado desconhece a atividade de “contrabando” e para ela não contribui de nenhum modo, pois trabalha no balcão do co-mércio;

b) o empregado conhece a atividade de “contrabando” e para ela não contribui diretamente, pois apenas faz a limpeza do recinto onde se realiza;

c) o empregado conhece a atividade ilegal e para ela contribui direta-mente.

Embora a nulidade exista e deva ser declarada, o empregado não se colo-ca na mesma posição para as três situações. Nas duas primeiras situações, deve--se prestigiar a regra da irretroatividade da nulidade, eis que houve aplicação de energia do empregado para exercício de atividade laboral e boa-fé dele.

Na terceira hipótese, o empregado assumiu postura ativa, contribuindo diretamente para o resultado ilícito do empreendimento. Nesse caso, deve-se aplicar a teoria civil das nulidades, tendo-se em conta a natureza penal das nu-lidades, bem como a natureza do ato praticado.

1.3.3 Nulidade absoluta decorrente da ilicitude da causa no direito do trabalho

No tocante à causa (motivo), prevê o art. 166, III, do Código Civil a in-validação do ato quando o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito. Nesse caso, aplicável a mesma regra fixada para a hipótese da letra c do item anterior (retroatividade), eis que não se trata de hipótese de empregado inocente.

1.3.4 Nulidade absoluta decorrente de simulação

O art. 167, § 1º, II, do Código Civil diz simulado o negócio que contenha declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.

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Nessa modalidade, a falsidade encontra-se no próprio objeto do negó-cio. Há simulação de conteúdo do negócio jurídico (conluio e simulação para fraudar terceiros através de acordos na Justiça do Trabalho para escapar de credores sem privilégios ou mesmo simular tempo de serviço para fins de gozo de benefícios previdenciários). Caracteriza-se a simulação através da declara-ção recíproca das partes que, acintosamente, não corresponde à sua vontade real. O conteúdo declarado é conscientemente divergente da real intenção dos celebrantes, acarretando o engano de terceiros. É por este motivo que a simula-ção é um defeito do negócio jurídico, uma vez que vicia fator essencial para a imaculada validade do negócio: a licitude do seu objeto. Andou bem o Código Civil de 2002 ao colocar, como principal efeito do negócio simulado, a nulida-de. E isso porque, como vício social que é, afronta a própria lei, e tem, como suporte fático do negócio jurídico, uma mentira, o que torna ilícito o objeto da estipulação. Nesse caso, a declaração de nulidade do contrato de trabalho tem efeito retroativo.

1.3.5 Nulidade absoluta por inobservância da forma prescrita em lei

Neste tópico, encontra-se, exemplificativamente, a matéria recorrente no âmbito da judicatura trabalhista: contratação de servidor celetista sem prévia aprovação em concurso público de provas e título.

Configura-se, na hipótese, a clara lição de José Afonso Dallegrave Neto (Nulidade do contrato de trabalho e o novo Código Civil. 1. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 116/117).

Enfrentemos, a título exemplificativo, o caso típico do servidor celetis-ta que deixou de se submeter à aprovação em concurso público. A nulidade proveniente da violação da solenidade prevista no art. 37, II, da CF, obstará o aproveitamento de qualquer outra espécie contratual.

[...] A omissão do administrador acerca da abertura de concurso público constitui grave negligência, mormente porque tal regra encontra-se prevista na Constituição da República (art. 37, II), inclusive a responsabilidade do Estado a atos lesivos praticados por seus agentes (§ 6º). Logo, em se tratando de culpa grave do agente, não há justificativa para a redução da indenização. Somente no caso de restar comprovado nos autos que o próprio servidor agiu em conluio com o administrador é que se poderá falar em redução da indenização ou mes-mo sua exclusão. Contudo, conforme já acentuamos, nos contratos de adesão, o caso do contrato de emprego, há presunção juris tantum de que o aderente (in casu o empregado) age de boa-fé. Assim, em caso de ausência nos autos acerca da comprovação de concorrência de culpa da parte do servidor, a presunção lhe favorece. Com base nessas premissas dogmáticas, é equivocada, ilegal e iníqua a Súmula nº 363 do TST, quando declara que a indenização referente ao contrato nulo – por inobservância do art. 37, II, da CF/1988 – equivale tão so-

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mente à contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o salário-mínimo/hora.

2 AS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS INCIDENTES SOBRE RELAÇÃO DE TRABALHO DECLARADA NULA

A atual redação da Constituição Federal, no seu art. 195, I, a8, prevê a in-cidência da contribuição social sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo que seja sem vínculo empregatício.

Sérgio Pinto Martins9 esclarece que:

Atualmente a Constituição não faz referência apenas à folha de salários, mas também aos demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qual-quer título, à pessoa física. Isso quer dizer que há base constitucional para exigir a contribuição sobre outro pagamento feito pela empresa que não seja salário, como a indenização, desde que haja previsão em lei.

A matriz legal atinente à contribuição social é o art. 22, inciso I, da Lei nº 8.212/1991:

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avul-sos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetiva-mente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa.

Sendo certo que as contribuições sociais destinadas à Seguridade So-cial têm feição tributária, são perfeitamente aplicáveis as regras definidoras do momento em que se considera ocorrido o fato gerador do tributo previstas no Código Tributário Nacional – CTN.

Dispõe referido Código que, não disciplinando a lei de modo diferente, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos, (a) em se tra-

8 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro. II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos de prognósticos; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.”

9 Direito da seguridade social. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 193.

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tando de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circuns-tâncias materiais necessárias a que se produzam os efeitos geralmente delas decorrentes, (b) em se tratando de situação jurídica, desde o momento em que tal situação jurídica esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.

Embora não seja tarefa fácil distinguir situação de fato e situação jurídica, há casos (a prestação de serviço para a hipótese de incidência da contribuição social prevista na Lei nº 8.212/1991) onde se pode, razoavelmente, dizer que a hipótese de incidência do tributo constitui-se em situação de fato.

No caso de prestação de serviço, realizado o fato, passa a ser devido o tributo, ou seja, quando consumado o fato sobre o qual incide a norma tributá-ria previamente estabelecida, ocorrida hipótese de incidência tributária, passa a ser devido o tributo, in casu, a contribuição social estabelecida no art. 22, I, da Lei nº 8.212/1991. Veja-se, a propósito, excerto de recente artigo do ilustre Procurador Federal Dr. Geraldo Magela Ribeiro de Souza10:

23. Na hipótese de o pagamento preceder a prestação de serviço, será ele próprio o fato gerador porque integraliza a hipótese de incidência. Nos demais casos, por constituírem a regra geral da nossa sistemática trabalhista, segundo a qual primeiro ocorre a prestação do serviço, depois o pagamento, não será este o fato gerador, pois já concretizada a hipótese de incidência anterior, qual seja, a prestação de serviço ou trabalho. Como a remuneração passa a ser devida com a prestação do serviço, desde lá restará caracterizado o fato gerador, vale dizer, concretizada estará a hipótese descrita na lei, nascendo, daí, a obrigação tributária. O fato ocorrido (prestação de serviço) é instantaneamente atingido pela imposição, é já um fato tributado, e não um fato tributável ou imponível.

Para que determinado tributo deixe de ser exigível pela insubsistência do fato tributável, é necessário o desaparecimento de seu suporte fático de incidên-cia da norma tributária com a completa supressão de seus efeitos econômicos. Nesse sentido é a lição de Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, p. 145), verbis:

Se alguém realizou a hipótese de incidência tributária mediante um fato circunstancialmente ilícito, nasce e subsiste a relação obrigacional tributária na medida em que subsistir aquele fato no mundo dos fatos, vale dizer, no mundo econômico. Se no mundo dos fatos aquele fato não subsiste, não subsistirão os seus efeitos tributários.

No caso de nulidade do contrato de trabalho, é reconhecidamente im-possível apagar todos os efeitos ocorridos antes do momento de declaração da nulidade. Nesse sentido, é, da mesma forma, impossível apagar os efeitos

10 SOUZA, Geraldo Magela Ribeiro de Souza. Fato gerador e execução da contribuição previdenciária na justiça do trabalho. Disponível em: http://www.unafe.org.br. Acesso em: 19 nov. 2007.

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econômicos desta relação de trabalho (vide decisões dos Tribunais Superiores quanto à manutenção de certos efeitos de contrato nulo, já que o empregador não poderá devolver ao trabalhador a sua força de trabalho desperdiçada em decorrência de contrato de trabalho nulo), portanto, não há de se ter por insub-sistente o fato tributável relacionado à prestação de serviço calcada em contrato declarado nulo.

Embora o enunciado da Súmula nº 363 do Tribunal Superior do Traba-lho não preveja, expressamente, a necessidade de recolhimento de contribui-ções sociais relacionadas ao contrato declarado nulo, há alguns julgados (RR 61172/2002, DJ 10.12.2004 e RR 1008/2002) abordando a questão no sentido da exigência tributária.

O relator do julgado do TST AI-RR 1059/2001-005-16-00.9, Dr. Ricardo Machado, asseverou que “a contratação de servidor público, após a Constitui-ção de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respei-tado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”. A necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias foi igualmente confirmada. “Sendo devidos os salários em sentido estrito (e não verba indenizatória), conforme a previsão da Súmula nº 363, resulta a obriga-ção tributária de recolhimento das contribuições previdenciárias”, esclareceu o relator. Ricardo Machado também frisou que a cobrança provém da própria legislação previdenciária em vigor (arts. 43 e 44 da Lei nº 8.212/1991). “De outro modo não poderia ser, uma vez que a Constituição Federal (art. 195, I, a) impõe a contribuição em virtude da prestação de serviço, mesmo sem vínculo empregatício”, explicou.

No mesmo sentido, decisão do TRT 21ª Região, Processo RO nº 1116200900122009/PI, 01116-2009-001-22-00-9, publicação DJTPI em 12.05.2010:

CONTRATO NULO POR VIOLAÇÃO À REGRA CONSTITUCIONAL DO CON-CURSO PÚBLICO – EFEITOS – A contratação de servidor sem a prévia aprovação em concurso público (inciso II do art. 37 da CF) acarreta a nulidade contratual, sendo devidas ao trabalhador todas as parcelas de natureza salarial, os valores do FGTS bem como as contribuições previdenciárias e anotações da CTPS. Ho-norários advocatícios. Condenação. Requisitos. Os honorários advocatícios na justiça do trabalho somente são devidos quando atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/1970 e das Súmulas nºs 219 e 329 do colendo TST. Recurso conhecido e provido em parte para excluir a condenação de 13º salário, férias c/ 1/3 e hono-rários advocatícios.

Alçado ao nível constitucional o trabalho como direito social – art. 6º da Carta Magna –, os efeitos do labor humano em contrato com ente público na esfera trabalhista não podem ser desconhecidos por vício de nulidade contratual res-paldada no art. 37, inciso II, da norma fundamental. São distintos os conceitos de

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contrato laboral nulo e inexistente. O registro da carteira profissional determiná-vel de officio pelo juízo por força do art. 39, § 2º, da CLT visa atestar a existência da relação empregatícia havida e não a sua validade. Remessa parcialmente pro-vida para assegurar o registro em CTPS de contrato de trabalho ainda que nulo. (TRT 21ª R., Proc. REO 00974/1995, Pleno, Rel. Juiz Ronaldo Medeiros de Souza, DOERN 09.07.1997)

Observa-se, nas decisões colacionadas, a distinção entre a validade do negócio jurídico, no caso, o contrato de trabalho, e o aproveitamento do tempo de serviço prestado sob a contratação nula para fins previdenciários e tributários.

No âmbito da Administração Tributária, há entendimento no mesmo sen-tido consubstanciado no Parecer MPAS/CJ nº 3.391/2004, que trata de conflito entre a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o INSS (Instituto Nacio-nal do Seguro Social), cuja ementa é a que se segue:

Previdenciário. Contribuição para a Seguridade Social. Contratos celebrados com fundamento nos arts. 232 a 235 da Lei nº 8.112/1990. Contratos de locação de serviços. Revogação pela Lei nº 8.745/1993. Manutenção dos efeitos dos con-tratos anteriores pelo período de vigência pactuado. Obediência ao princípio da pacta sunt servanda. Impossibilidade de prorrogação dos contratos após o advento da Lei nº 8.745/1993.

Reconhecendo a Administração Tributária a nulidade de contratos de prestação de serviços em caráter temporário, admite-se, no citado parecer, a manutenção de alguns dos efeitos do contrato, em especial, a incidência de contribuição social sobre a relação de trabalho decorrente de contrato nulo, verbis:

30. Independente do prazo máximo fixado no inciso III do § 1º do art. 233 da Lei nº 8.112/1990, não era cabível a prorrogação dos contratos expirados já na vigência da Lei nº 8.745/1993. Nem se pode considerar a situação como prorro-gação de contrato, na medida em que se trata, na verdade, de novo contrato fir-mado pela UFMG, sem respaldo legal. Assim, incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos pela UFMG em decorrência da prorrogação dos contratos efetuada após a entrada em vigor da Lei nº 8.745/1993.

Entendimento idêntico ao parecer supra havia sido produzido no âmbito da então Procuradoria-Geral do INSS em 1997 (Parecer nº 54/1997), quando tratou de contrato de trabalho nulo por ofensa ao art. 37, II, da CF/1988.

CONCLUSÃOComo se pôde reconhecer, no âmbito do direito do trabalho, é impos-

sível a adoção irrestrita da teoria civilista do ato jurídico nulo. Não se pode restituir as partes a situação anterior à declaração de nulidade.

No Direito brasileiro – diferentemente do Direito italiano, que exclui, expressamente, a nulidade retroativa nas relações de trabalho, salvo quando

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proveniente da ilicitude do objeto ou da causa –, não há razão jurídica para se atribuir efeito retroativo à decretação de nulidade do contrato de trabalho; caso contrário, ter-se-ia norma protetiva aplicada contra os interesses daquele a quem visa proteger o direito do trabalho.

Embora não haja sistematização das nulidades na seara trabalhista, a doutrina e a jurisprudência, apoiadas no direito comparado, sustentam a inapli-cabilidade da teoria pura civilista em caso de nulidade de contrato de trabalho, erigindo, como regra geral, a irretroatividade da declaração de nulidade. A ju-risprudência trabalhista tem avançado na medida em que se utiliza dessa regra (irretroatividade) como vetor interpretativo, dando maior amplitude ao enuncia-do da Súmula nº 363 do TST. Fundado em um dos pilares do direito do trabalho (proteção do trabalhador) e escudado na regra fixada no parágrafo único do art. 8º da CLT, adota-se, em matéria de nulidade, a cláusula geral inserta no art. 422 do NCC, o princípio da boa-fé, para casos como a cooptação do trabalhador de boa-fé mediante contrato, pelo Poder Público, sem prévio concurso público de provas e títulos.

Da mesma forma, o efeito da nulidade do contrato de trabalho sobre matéria tributária – processos de execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II da CF/1988 – deve refletir a observância ao prin-cípio de proteção ao trabalhador (caráter social da Previdência Pública) e a vinculação às normas tributárias insertas no Código Tributário Nacional.

Atenta às questões aqui expostas, a Administração Tributária tem discurso afinado com a doutrina e direito comparado (Parecer MPAS/CJ nº 3391/2004), e admite a geração de efeitos tributários em casos de contratos de trabalhos nulos.

Embora se reconheça que alguns autores defendem a aplicação ao con-trato de trabalho das concepções civilistas puras (prejuízo do empregado solu-cionado mediante demanda indenizatória), perfilha-se ao entendimento de, em regra, irretroatividade dos efeitos da declaração de nulidade, consagrando-se o princípio basilar da proteção no direito do trabalho e a cláusula geral da boa-fé inserta no vigente Código Civil.

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Parte Geral – Doutrina

Impedimento e Suspensão do Prazo Prescricional nas Ações Regressivas Acidentárias: um Olhar no Artigo 200 do Código Civil

PEDRO PAULO RIBEIRO DE MOURAProcurador Federal, Pós-Graduado em Direito Público e em Direito Constitucional pela Uniderp.

RESUMO: As ações regressivas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face dos empre-gadores têm como causa de pedir a concessão de benefício previdenciário decorrente da violação das normas de segurança, higiene e saúde do trabalhador. Ocorre que essa conduta do empregador tam-bém é contravenção penal à luz do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Dessa forma, o presente artigo analisará o prazo prescricional da ação regressiva ajuizada pelo instituto previdenciário sob a ótica da causa de impedimento ou suspensão prevista no art. 200 do Código Civil brasileiro, pois ele estabelece a vedação da fluência do prazo prescricional quando o fato deva ser apurado no juízo criminal.

PALAVRAS-CHAVE: Ação regressiva; INSS; prescrição; impedimento e suspensão; art. 200 do Có-digo Civil; responsabilidade penal da pessoa jurídica; contravenção penal; art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.

ABSTRACT: The legal action filed by Instituto Nacional do Seguro Social against employers has as cause of action the concession of a social security benefit which derives from the violation of pre-cepts of employees’ security, hygiene, and heath. This conduct taken by employers is also a misde-meanor in the light of article 19, § 2º, in Law 8.213/91. On this way, the present article will analyse the limitation period of the mentioned action according to the causes of impediment and suspension predicted by article 200 of Brazil’s Civil Code, since it prohibits the flow of the limitation period when the fact has to be investigated by the Criminal Justice.

KEYWORDS: Action; INSS; limitation period; impediment and suspension; article 200 of Brazil’s Civil Code; criminal liability of companies; misdemeanor; article 19, § 2º, in Law 8.213/1991.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Impedimento e suspensão do prazo prescricional com fulcro no artigo 200 do Código Civil; 2 A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a contravenção penal do artigo 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991; 2.1 Da responsabilidade penal da pessoa jurídica; 2.2 Contravenção penal do artigo 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991; 3 Do impedimento e suspensão do prazo prescricional das ações regressivas com fulcro no artigo 200 do Código Civil e artigo 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃOUltrapassados mais de 18 anos do ajuizamento da primeira ação regres-

siva pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em Minas Gerais1, permanece o

1 Segundo dados da Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal, após a criação da Advocacia-Geral da União, a primeira ação regressiva foi ajuizada na 10ª Vara Federal de Minas Gerais, em 15 de março de 1994, recebendo a seguinte numeração: 94.00.06177-3.

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debate a respeito do prazo prescricional para o exercício da pretensão repara-tória pela autarquia previdenciária.

A discussão, no entanto, ganhou fôlego com a vigência do novo Código Civil, uma vez que esse diploma reduziu para três anos o prazo prescricional para a pretensão de reparação civil (art. 206, § 3º, V, do Código Civil).

Não obstante as respeitáveis opiniões em contrário2, a Procuradoria-Ge-ral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, tem claro posiciona-mento a respeito, postulando a imprescritibilidade do fundo do direito e a pres-crição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, aplicando, por analogia, o art. 1º do Decreto nº 20.910/19323.

Neste momento, não se pode falar que há uma jurisprudência tranquila sobre o tema, pois a discussão acerca da questão ainda é algo incipiente na maioria dos Tribunais Regionais Federais. E, naqueles em que a matéria tem sido enfrentada há mais tempo, como é o caso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há clara divisão nos entendimentos.

No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por exemplo, há decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Guilherme Couto (AC 472433), Poul Erik Dyrlund (AC 474233), Reis Friede (Ap-RE 510628) e Maria Alice Paim Lyard (AC 497363), aplicando o prazo de três anos com fulcro no Código Civil. No mesmo sentido, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região há julgado relatado pelo Desembargador Federal José Lunardelli (AC 0006172-05.2010.4.03.6105).

Por sua vez, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, a questão en-contra-se claramente dividida, podendo-se observar decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Francisco Wildo (AC 521057) e Margarida Canta-relli (AC 544447), reconhecendo o prazo trienal de prescrição, mas, em sentido inverso, decisão que não apenas aplica o prazo quinquenal de prescrição como afasta a prescrição do fundo de direito, conforme se apreende do Agravo de Ins-trumento nº 106230, relatado pelo Desembargador Federal Geraldo Apoliano.

Esta divergência também é constatada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pois há decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Maria Lúcia Luz Leiria (AC 5000028-71.2010.404.7213), Jorge Antonio Maurique (AC 2008.71.17.000490-1) e Valdemar Capeletti (AC 2008.71.07.000726-6), aplicando o prazo quinquenal de prescrição. Porém, reconhecendo o prazo prescricional com fulcro no art. 206, § 3º, V, do Código Civil, há decisões rela-tadas pelos Desembargadores Federais Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz,

2 Sandro Cabral de Silveira defende a aplicação do prazo trienal. In: A ação regressiva proposta pelo INSS, Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 111, 22 out. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4392>. Acesso em: 22 fev. 2012.

3 Esta orientação da Procuradoria Federal restou manifestada no Memorando Circular nº 017/2009/AGU/PGF/CGCOB.

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(AC 5008883-59.2011.404.7001) e Marga Inge Barth Tessler (AC 0004226-49.2008.404.7201).

Alheio, contudo, à referida discussão, que certamente só encontrará uni-formidade quando enfrentado o tema pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, o que não está longe de ocorrer em face dos diversos recursos especiais que foram interpostos, os adeptos da aplicação trienal do Código Civil, por dever de coerência, devem aplicar a sistemática desse diploma em relação ao impedi-mento, à suspensão e à interrupção do prazo prescricional.

1 IMPEDIMENTO E SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL COM FULCRO NO ARTIGO 200 DO CÓDIGO CIVIL

O Código Civil de 2002 estabelece, entre os arts. 197 a 204, causas de impedimento, suspensão e interrupção do prazo prescricional, destacando-se, em especial, uma novidade em relação ao Código Civil de 1916, que é a causa de impedimento ou suspensão da fluência do prazo quando o fato deva ser apurado no juízo criminal, a saber:

Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo crimi-nal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

Note-se que o Código Civil não exige a existência de processo criminal e muito menos de decisão transitada em julgado para que haja a suspensão do prazo prescricional, bastando a instauração de inquérito policial, conforme orientou o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 920582/RJ:

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – POLICIAL MILITAR – LICENCIAMENTO EX OFFICIO – INQUÉRITO POLICIAL – ARQUIVAMENTO – PRAZO PRESCRICIONAL NA ESFERA CÍVEL – SUSPEN-SÃO – POSSIBILIDADE – ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL – APLICABILIDADE – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO – 1. Quando a ação cível se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, sendo irrelevante que a respectiva ação penal não tenha sido proposta, se houve a abertura de inquérito policial poste-riormente arquivado. Inteligência do art. 200 do atual Código Civil. 2. Recurso especial conhecido e provido.

Ademais, não exige o diploma civil que a questão submetida seja crime, mas sim que haja a apuração no juízo criminal, o que abrange tanto o crime quanto a contravenção, espécies do gênero infração penal.

Percebe-se, assim, que a suspensão do prazo prescricional é atributo de coerência do sistema jurídico nacional, porquanto busca concentrar a litigância no menor número de instâncias possível. Sendo assim, na hipótese de o juízo criminal absolver o réu por estar provada a inexistência do fato ou não haver o réu concorrido para a concretização deste, a decisão produzirá efeito no âmbito cível, inclusive nas ações regressivas. É o que também orienta a colenda Corte no Recurso Especial nº 686.486/RJ:

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A decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impe-dindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdi-ções, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria, segundo pre-visto no art. 935 do CC/2002 (que repetiu o disposto no art. 1.525 do CC/1916).

Aliás, a própria reforma do Código de Processo Penal, realizada por meio da Lei nº 11.719/2008, revelou claramente essa orientação, pois possibilitou ao Magistrado a fixação, na sentença criminal, de um valor correspondente à indenização pelos danos causados à vítima (art. 387, IV, do Código de Processo Penal). Espera-se, com essa modificação legislativa, reduzir o número de ações civis decorrentes do crime (ação civil ex delicto), porquanto aquele que sofreu o dano pode reconhecer como adequados os valores fixados na esfera criminal.

Esse é o entendimento que orientou o legislador ordinário ao elaborar a referida reforma processual, conforme se apreende do parecer do Deputado Regis de Oliveira, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça e Cida-dania da Câmara dos Deputados, ao apreciar o Projeto de Lei nº 4207/2001, posteriormente convertido na Lei nº 11.719/2008.

A presente emenda, permitindo ao juiz fixar na elaboração da sentença um valor mínimo para reparação de danos, vem reduzir a necessidade da ação civil ex delicto, pois quando a aferição do prejuízo suportado pela vítima for de fácil constatação o juiz poderá determiná-la na própria sentença condenatória. Esta situação agradará a vítima que verá seu patrimônio mais rapidamente recom-posto e também trará benefícios ao Estado que terá uma diminuição de ações indenizatórias

No entanto, não se pode perder de vista que a suspensão ou impedimen-to do prazo prescricional da ação cível, enquanto perdurar o inquérito policial ou o processo crime, é uma faculdade daquele que sofreu o dano, e não um ônus deste. Por essa razão, nada impede que a ação reparatória seja ajuizada, ainda que não concluído o inquérito policial ou a ação penal.

Com relação às ações regressivas ajuizadas pela autarquia previdenciária em face dos empregadores que negligenciaram quanto à saúde e segurança do trabalhador, não há que se olvidar que as condutas praticadas podem caracteri-zar infração penal, seja crime ou contravenção penal, conforme será explanado posteriormente.

Revela-se, assim, que a aplicação do prazo prescricional do Código Civil para as ações regressivas determina, por dever de coerência, a aplicação das causas de impedimento, interrupção e suspensão daquele diploma privado, en-tre estas, em especial, o art. 200.

2 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E A CONTRAVENÇÃO PENAL DO ARTIGO 19, § 2º, DA LEI Nº 8.213/1991

Uma vez estabelecida a premissa de que a apuração do fato no juízo criminal importa o impedimento ou suspensão da fluência do prazo prescricio-

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nal, imperioso estabelecer uma correlação entre as ações regressivas propostas contra os empregadores e a possível ocorrência de infrações penais.

O primeiro questionamento a ser feito, representando, inclusive, tese de defesa dos empregadores, diz respeito ao fato de as ações regressivas, em sua grande maioria, serem propostas em face da pessoa jurídica, pois essa, segundo parcela da doutrina, não pode delinquir. Ademais, sustenta-se que, ainda que seja admitida a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não existiria no or-denamento jurídico brasileiro qualquer infração penal para os casos de acidente de trabalho que tenha como sujeito ativo a pessoa jurídica.

2.1 Da ResponsabiliDaDe penal Da pessoa juRíDica

Com relação ao primeiro argumento, não é nova a discussão quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo de infrações penais, poden-do-se buscar na história do direito romano e germânico o debate sobre a possi-bilidade de delinquência por entes coletivos.

No direito inglês, remontam ao século XIX as primeiras decisões dos Tri-bunais admitindo excepcionalmente a responsabilidade da pessoa jurídica, o que, posteriormente, precisamente em 1989, restou consagrado por intervenção legislativa. Nesse sentido, ensina Luiz Regis Prado4 que:

A pessoa jurídica (corporation ou company) pode, assim, ser responsabilizada por toda infração pena que sua condição lhe permitir realizar. Isso ocorre, espe-cialmente, no campo dos delitos referentes às atividades econômicas, de segu-rança no trabalho, de contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor.

No mesmo sentido, o Código Penal francês, em vigor desde 1º de março de 1994, admite o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que já representava uma intenção da doutrina francesa desde o projeto Paul Matter de 1938. Aliás, lembra-nos Luiz Regis Prado5 que, na França, a Ordena-ção de Colbert de 1967 já previa que as comunidades de cidades, praças fortes, vilarejos, os grupos e companhias que praticassem rebelião, violência ou outro crime poderiam ser processados e as penas poderiam ser a multa, perda de pri-vilégios ou outras previstas publicamente com pena para o crime.

A corrente doutrinária6 que sustenta a impossibilidade de a pessoa jurí-dica ser sujeito ativo da infração penal argumenta que o ente coletivo não tem vontade própria e consciência, razão pela qual não é possível falar em conduta ou percepção da natureza preventiva da pena. Do mesmo modo, entende que a pessoa jurídica não é capaz de compreender o caráter ilícito de um fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, razão pela qual seria inimpu-tável. Alega, ademais, que a pessoa jurídica age apenas de acordo com o estatu-

4 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2009. p. 442.5 Ibid., p. 444.6 Cezar Roberto Bitencourt, René Ariel Dotti, Munoz Conde, Maurach, entre outros.

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to social e este não contempla a realização de crimes, bem como que a punição da pessoa jurídica atingiria, ainda que indiretamente, os seus integrantes, o que violaria o princípio da personalidade das penas.

Contudo, tem prevalecido na doutrina a possibilidade de o ente coletivo ser sujeito ativo de infração penal, pois: I – a pessoa jurídica é um ente autô-nomo, sendo dotado de consciência e vontade, razão pela qual pode realizar condutas e assimilar a natureza preventiva da pena; II – a pessoa jurídica deve responder por seus atos, adaptando-se o juízo de culpabilidade às suas caracte-rísticas; III – o fato de o estatuto social não prever crime não impede a sua práti-ca; IV – a punição da pessoa jurídica não viola o princípio da personalidade das penas, pois não se pode confundir a pena com os efeitos da condenação que, inevitavelmente, atingem terceiros, assim como ocorre com as pessoas físicas7.

A Constituição Federal de 1988 admitiu a responsabilização penal da pessoa jurídica no art. 173, § 5º, e art. 225, § 3º, conforme se observa:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[...]

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compa-tíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e finan-ceira e contra a economia popular.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, in-dependentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (HC 92921) e o Superior Tribunal de Justiça (EDcl-REsp 865.864/PR) têm admitido a responsabilidade penal da pessoa jurídica, destacando, contudo, a necessidade de imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física (teoria da dupla imputação), o que não significa a necessidade de dupla condenação.

Ao reconhecer a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa ju-rídica o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ratificam e enaltecem uma tendência internacional e que só tem a contribuir para o desen-

7 O cumprimento da pena por uma pessoa física importa em sofrimento e angustia para os seus familiares, mas nem por isso se fala em violação da personalidade da pena.

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volvimento nacional, pois, como alertava Magalhães Noronha8, ao comentar os “delitos dos tempos atuais, do progresso e da civilização”, “nunca tantos pagaram por tão poucos”.

Aliás, bem apregoa Fernando Galvão9 que, “no caso da pessoa jurídica, a marca da responsabilidade criminal dificulta os negócios da pessoa jurídica e, na defesa de seus interesses econômicos, os dirigentes da pessoa jurídica são estimulados a evitar o processo penal”.

Portanto, pode-se concluir pela responsabilidade penal da pessoa jurídi-ca, devendo-se enfrentar a discussão do enquadramento das causas de aciden-tes de trabalho como infração penal.

2.2 contRaVenção penal Do aRtigo 19, § 2º, Da lei nº 8.213/1991É comum a lição doutrinária de que a Lei nº 9.605/1998 rompeu pela pri-

meira vez com o clássico axioma societas delinquere non potest, mas, na verda-de, logo após a Constituinte de 1988 – consciente da necessidade de proteção no âmbito penal da saúde do trabalhador e das condições dignas do desem-penho da função –, o legislador reconheceu, em 1991, a existência de contra-venção penal para a hipótese, nos termos do art. 19, § 2º, da Lei nº 8213/1991.

Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

[...]

§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cum-prir as normas de segurança e higiene do trabalho.

Não obstante a natureza de contravenção penal, o art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 é um poderoso instrumento de combate aos acidentes de trabalho, até porque a distinção entre contravenção penal e crime não é ontológica, mas sim de graus, quantitativo e qualitativo.

Deveras, nos termos do art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezem-bro de 1941, considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativa-mente com a pena de multa, enquanto contravenção é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou até ambas, alternativa ou cumulativamente.

A distinção entre crime e contravenção penal centra-se na possibilidade de previsão da pena de reclusão e detenção para o primeiro, o que não é pos-

8 MAGALHÃES NORONHA, E. Do crime culposo. São Paulo: Saraiva, 1966. p. 147-148 apud MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, v. 1, 2011. p. 276.

9 GALVÃO, Fernando. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 16.

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sível no chamado “crime anão”. Ocorre que tal distinção, no que diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica, revela-se sem qualquer conteúdo prático, pois não se fala em pena privativa de liberdade para a pessoa jurídica.

Dito isso, não se pode olvidar que a referida norma tem amparo no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, porquanto responsabiliza penalmente a em-presa que viola o meio ambiente do trabalho.

É cediço que o meio ambiente se divide em meio ambiente natural, ar-tificial, cultural e do trabalho, sendo este último definido por Celso Antonio Pacheco Fiorillo10 como:

Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.).

Segundo Cirlene Luiza Zimmermann11, a partir do que determina a Lei nº 6.938/1981, o meio ambiente do trabalho pode ser definido como:

Assim, partindo do pressuposto de que o Meio Ambiente do Trabalho (MAT) é uma das perspectivas de análise do meio ambiente, a formação do conceito daquele decorre deste. O MAT, enquanto espécie, portanto, é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica e psíquica (acréscimo indispensável por envolver relações humanas), que permite, abriga e rege a vida dos trabalhadores, ou seja, a conjunção de todos os fatores que interferem no bem-estar do obreiro.

Logo, pode-se claramente constatar que a Lei nº 8.213/1991 trouxe, após a Constituição Federal de 1988, um tipo penal de natureza contravencional que está em plena sintonia com a exigência de proteção ambiental, responsabilizan-do expressamente a pessoa jurídica quando esta deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

Nesse ponto, cumpre destacar o brilhante e talvez primeiro trabalho aca-dêmico sobre o tema, que foi escrito pelo Promotor de Justiça Eduardo Roth Dalcin12 e publicado, em 1994, na Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul com o título “A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o descum-primento das normas de segurança e medicina do trabalho – O tipo penal do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991”. Nesta inovadora e atual obra, destaca o eminente Promotor de Justiça que:

10 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 22.

11 Zimmermann, Cirlene Luiza. A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012. p. 27.

12 ROTH DALCIN, Eduardo. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho – O tipo penal do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, v. 33, p. 75, 1994.

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Esta norma, consoante se extrai de sua leitura, atribui a autoria de ato contra-vencional à empresa (pessoa jurídica – sujeito ativo), cujo conceito delimitado encontra-se consignado no art. 14, I, e seu parágrafo único da citada lei. Trata-se de tipo penal que encontra suporte na norma constitucional inserta no § 3º do art. 225, haja vista que visa reprimir o descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho, as quais têm por escopo oferecer ao trabalhador um meio ambiente laboral mais seguro, sadio e higiênico.

No mesmo sentido, destaca-se a palestra proferida no 8º Congresso Goia-no de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, quando o eminente Subpro-curador-Geral do Trabalho e Professor de Direito do Trabalho na Universidade Católica de Goiás, Dr. Edson Braz da Silva13, destacou:

E mais, mesmo que não haja qualquer acidente ou risco de acidente, o simples descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho já é um relevan-te penal, respondendo o transgressor por contravenção penal punível com multa – art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.

Apesar da importância desse instrumento de proteção à saúde e seguran-ça do trabalhador, revela-se fundamental registrar a pouca atenção que tem sido ofertada a esse tipo penal pelos órgãos de persecução penal, o que se reflete, inclusive, na quase inexistente jurisprudência a respeito.

Aliás, já em 1994 o Promotor de Justiça Eduardo Roth Dalcin14 alertava:

Registre-se ser imprescindível uma maior interação entre os órgãos do Parquet que atuam na esfera cível e penal, a fim de que haja uma ação mais ágil e eficaz do Ministério Público no combate ao descaso e à desatenção por parte das em-presas e dos empregadores no cumprimento das normas de segurança, higiene e medicina do trabalho. Por outro lado, não raro, a prova prévia à formação da opinio delicti da contravenção penal em estudo é colhida no próprio expediente investigatório do acidente de trabalho. Ademais, a elaboração da denúncia cri-minal exige um conhecimento específico sobre as diversas normas regulamenta-doras de medicina, higiene e segurança do trabalho, a fim de descrever correta-mente qual norma foi descumprida pela empresa, justificando, pois, essa maior aproximação entre os órgãos. Idêntica situação ocorre nos homicídios culposos, lesões corporais culposas e crime de perigo decorrentes de acidentes de trabalho, onde, em regra, a culpa em sentido estrito emerge do descaso, da negligência e da desatenção ao cumprimento das normas específicas de segurança, medicina e higiene do trabalho. Registre-se também que a necessidade dessa maior in-teração deve-se à circunstância desses ilícitos penais decorrentes de acidentes de trabalho não chegarem ao conhecimento da autoridade policial, a qual, por lhe ser matéria atípica, não habitual, ignora as normas básicas e elementares de segurança e medicina do trabalho que descumpridas configuram, de forma patenteada, a culpa do agente elaborando inquéritos defeituosos e incompletos, restando por não indiciar alguém. Assim, é de bom alvitre que os Promotores de Justiça da área cível após coletarem as provas necessárias para o ajuizamento da

13 “Responsabilidade civil, penal, trabalhista e previdenciária decorrentes do acidente do trabalho”. Palestra proferida no 8º Congresso Goiano de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho – Goiânia, jun. 1999.

14 Idem, p. 80.

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ação civil acidentária indenizatória, ação acidentária propriamente dita ou ação civil pública acidentária, representem aos Promotores Criminais, indicando-lhes quais as normas descumpridas, facilitando-lhes a ação.

O alerta posto pelo ilustre Promotor de Justiça tem validade atual, pois são raros os inquéritos policiais e as denúncias que atentam para a referida contravenção penal ou mesmo buscam perquirir eventual descumprimento de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, revelando-se quase que uni-forme a busca pelo enquadramento da conduta nos tipos penais do homicídio culposo ou lesão corporal.

Não obstante essa situação, que deve ser imediatamente corrigida em um esforço conjunto dos órgãos de persecução penal, cumpre colacionar que o antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por meio de sua 11ª Câmara, reconheceu a referida contravenção penal, nos seguintes termos:

CONTRAVENÇÃO PENAL – LEI Nº 8.213/1991 – Deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. Agente que não fornece e não exige o uso de apetrechos necessários a proteção do operário. Caracterização. Existência de dano ou perigo concreto ao bem juridicamente tutelado. Desneces-sidade. Incorre nas penas do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991 o agente que, res-ponsável por empresa construtora, não fornece e não exige o uso dos apetrechos necessários a proteção do operário, pois age com manifesta negligência punível, sendo absolutamente irrelevante a existência do dano ou perigo concreto ao bem juridicamente tutelado, por tratar-se de contravenção penal de perigo abstrato ou presumido. (Apelação nº 998.343/1, 11ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, Relator Xavier de Aquino, Processo Original da 5ª Vara Regional de Santana da Comarca de São Paulo, feito nº 235/93)

Aliás, há que se festejar a notícia publicada em 9 de junho de 2011 no site do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, ao informar que “MPE denun-cia usina de cana por contravenção penal contra meio ambiente do trabalho”15. Nessa notícia, bem esclarece o Promotor de Justiça Luiz Antônio Freitas de Almeida:

O Promotor esclarece que a pessoa jurídica em regra não comete crime nem contravenção penal, salvo excepcionalmente no caso de crimes ambientais, con-forme autoriza a Constituição Federal no art. 225, § 3º. Por isso, inviável querer responsabilizá-la penalmente pelo homicídio, ainda que tenham seus funcioná-rios concorrido com culpa para o evento ao não observar as normas técnicas pertinentes, cabendo, nesse ponto, apenas responsabilizar penalmente os fun-cionários responsáveis pela segurança do trabalho, já que, ao não tomarem as medidas necessárias e impostas pelas normas de segurança, a omissão tornou-se penalmente relevante. De outro lado, como o meio ambiente não se resume a apenas recursos naturais, existindo também o meio ambiente cultural, artificial, inclusive meio ambiente do trabalho, o Promotor de Justiça entende constitucio-nal a contravenção penal prevista no art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, de modo que foi possível denunciá-la pela prática desse delito.

15 Disponível em: <http://www.mp.ms.gov.br/portal/principal/notall.php?pg=1&id=7746>.

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De tal forma, a Lei nº 8.213/1991 inovou a ordem jurídica ao estabelecer uma infração penal que pune o empregador que descumpre as normas de se-gurança e higiene do trabalho, o que traz reflexos diretos nas ações regressivas ajuizadas pela autarquia previdenciária, notadamente no que diz respeito ao início de contagem do prazo prescricional, como será analisado a seguir.

3 DO IMPEDIMENTO E SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DAS AÇÕES REGRESSIVAS COM FULCRO NO ARTIGO 200 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 19, § 2º, DA LEI Nº 8.213/1991

Não se pode olvidar que a causa de pedir das ações regressivas ajuiza-das pelo Instituto Nacional do Seguro Social é a violação das normas de saúde e segurança do trabalho. Tanto é verdade que é comum nas ações ajuizadas pela autarquia serem apresentados como prova os Relatórios de Investigação de Acidentes de Trabalho realizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, bem como as decisões proferidas na Justiça do Trabalho.

Ademais, o próprio art. 120 da Lei nº 8.213/1991 determina o ajuiza-mento das ações “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segu-rança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva”.

À vista disso, como a causa de pedir da ação regressiva é passível de apuração na esfera penal, não há que se falar em fluência do prazo prescricio-nal – impedimento ou suspensão – quando há inquérito policial instaurado para investigar o acidente de trabalho, bem como quando existente ação penal em curso sobre o fato.

A hipótese será de impedimento do prazo prescricional quando for ime-diatamente instaurado o inquérito policial ou, em uma situação mais difícil de ocorrer do ponto de vista prático, for imediatamente ajuizada a ação penal. Por outro lado, haverá hipótese de suspensão do prazo prescricional a partir da instauração do procedimento de investigação ou do ajuizamento da denúncia.

A questão posta não é novidade no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pois o egrégio Tribunal já teve oportunidade de afastar a prescri-ção, nas ações regressivas propostas pelo instituto previdenciário, com fulcro no art. 200 do Código Civil brasileiro.

DIREITO CIVIL – AÇÃO REGRESSIVA PROPOSTA PELO INSS – RESSARCIMEN-TO DE DANO – ACIDENTE DE TRABALHO – ART. 120 DA LEI Nº 8.213/1991 – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – SOLIDARIEDADE – ART. 30 DA LEI Nº 8.212/1991 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – 1. Consoante prescreve o art. 120 da Lei nº 8.213/1991, “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e co-letiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”. 2. Não há falar em prescrição no caso dos autos, porquanto a demanda se origina de fato processado criminalmente, hipótese em que o prazo não flui antes do julgamento. 3. Solidariedade decorrente do art. 30 da Lei nº 8.212/1991. 4. No mérito, não demonstrada a negligência das demandadas, mas culpa exclusiva da vítima, se impõe a improcedência da ação regressiva. 5. Mantida a verba

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honorária como fixada em sentença, uma vez que arbitrada com observância do disposto no art. 20 do CPC (10% do valor atribuído à causa), estando de acordo com os parâmetros desta Turma para causas análogas. (TRF 4ª R., AC 0003917-46.2008.404.7001, 4ª T., Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, DE 04.02.2011)

É importante destacar que essa apelação cível tem origem na Ação Ordi-nária nº 2008.70.01.003917-0/PR, que teve como sentenciante o Juiz Federal Gilson Luiz Inácio, cuja decisão bem lançou o seguinte alerta:

A alegada prescrição trienal, com fulcro no art. 206, § 3º, inciso V, do Código ci-vil não comporta acolhimento, pois o valor pago pelo INSS a título de pensão por morte é mensal e contínuo, enquadrando-se, pois, na natureza de bem público e, por conta disso, indisponível e, consequentemente, imprescritível.

De outro norte, ainda que assim não fosse, como anotado pelo INSS, nos moldes gizados pelo art. 200 do Código Civil, originando-se a presente demanda de fato a ser apurado na instância criminal, não corre prescrição antes da respectiva sentença.

Aliás, mesmo entre os Desembargadores Federais do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que se manifestem pela aplicação do prazo trienal de prescrição há o reconhecimento da suspensão do prazo quando demonstrada a existência de inquérito policial ou processo judicial. É o que se observa do se-guinte trecho da decisão proferida na Apelação Civil nº 2008.71.17.000959-5.

Assim, aplicáveis as regras do Código Civil, poderia ter havido interrupção da prescrição, forte na letra do art. 200 da lei material civil. Entretanto, embora noti-ciada a existência de uma ocorrência policial, menção não há quanto a inquérito policial ou processo judicial.

Por conseguinte, sempre que houver demonstração em juízo da existên-cia de inquérito policial instaurado ou ação penal em curso, não haverá que se falar em contagem do prazo prescricional para a autarquia previdenciária ajuizar a ação regressiva. O prazo prescricional continuará o seu normal curso a partir da decisão judicial que arquivar o procedimento de investigação ou julgar a lide, seja pela condenação, absolvição ou mesmo extinção do feito sem exame do mérito.

Nesse sentido, por dever de coerência, os adeptos da aplicação do prazo trienal de prescrição devem admitir a causa de impedimento ou suspensão do prazo prescricional estampada no art. 200 daquele diploma legal, cujo teor, aliado ao art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, tem aplicabilidade nas ações re-gressivas ajuizadas pela autarquia previdenciária que tenham como causa de pedir o descumprimento, por parte da empresa, das normas de segurança e higiene do trabalho.

CONCLUSÃOA doutrina e a jurisprudência divergem a respeito do prazo prescricional

para o ajuizamento das ações regressivas, uns defendendo a aplicação do prazo

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quinquenal previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932 e outros, o prazo trienal estabelecido no art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002.

Contudo, a aplicação do prazo trienal do Código Civil de 2002 exige, por dever de coerência, a aplicação das causas de impedimento, suspensão e interrupção do prazo prescricional previstos naquele diploma legal, em especial o art. 200, o qual prevê que não correrá prescrição enquanto o fato é apurado no juízo criminal.

É certo que a causa de pedir das ações regressivas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com fulcro no art. 120 da Lei nº 8.213/1991, é a vio-lação das normas de segurança, saúde e higiene do trabalho, que, por sua vez, configura contravenção penal prevista no art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.

Portanto, como o art. 200 do Código Civil determina que não corre prazo quando o for passível de apuração no juízo criminal, o que é o caso dos aci-dentes de trabalho decorrentes da violação das normas de segurança e higiene do trabalho, não haverá o transcurso do prazo prescricional da ação regressiva enquanto houver inquérito policial em curso ou ação penal para apurar o fato.

REFERÊNCIASBITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2011.

CAHALI, Yussef Said. Prescrição e decadência. 3. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GALVÃO, Fernando. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. São Paulo: LTr, 2010.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral. 4. ed. São Paulo: Método, v. 1, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2009.

RIBEIRO, Lúcio Ronaldo Pereira. Da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 26, 1º set. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1714>. Acesso em: 22 fev. 2012.

ROTH DALCIN, Eduardo. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o descumpri-mento das normas de segurança e medicina do trabalho – O tipo penal do art. 19, § 2º, da Lei nº 8.213/1991. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, v. 33, 1994.

SILVEIRA, Sandro Cabral. A ação regressiva proposta pelo INSS. Jus Navigandi, Teresi-na, a. 8, n. 111, 22 out. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4392>. Acesso em: 22 fev. 2012.

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012.

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Parte Geral – Doutrina

As Provas no Direito Previdenciário

ALLAN LUIZ OLIVEIRA BARROSProcurador Federal da Advocacia-Geral da União em Brasília/DF, Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Previdenciário, Ex-Procurador-Chefe da Procuradoria Federal Especia-lizada junto ao INSS em Alagoas, Coordenador de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto à Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc.

SUMÁRIO: Introdução; I – Os principais meios probatórios nas ações previdenciárias; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃOPara discorrer sobre as provas no direito previdenciário, necessária se

faz uma breve incursão sobre a teoria geral do direito probatório, estudado nos manuais da doutrina processualística civil.

O conceito de prova encontra-se intimamente relacionado aos meios pelos quais as partes pretendem demonstrar a existência do direito subjetivo postulado em juízo.

Nos dizeres do art. 333 do Código de Processo Civil, ao autor cabe a comprovação do fato constitutivo do seu direito; ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor.

Essa relação dialética que se realiza no processo judicial está mergulha-da em regras legais de produção e valoração que disciplinam a utilização dos meios de prova, sempre pressupondo que, para cada prova produzida no pro-cesso, deverá ser oportunizada a manifestação da parte ex adversa, de modo a garantir o direito ao pleno contraditório, à ampla defesa e à paridade de armas.

Segundo Amaral Santos, a prova possui características objetiva e subjeti-va. A faceta objetiva do conceito de prova é a de “levar o juiz ao conhecimento da verdade dos fatos da causa”. O aspecto subjetivo seria o contributo à for-mação do convencimento a ser formado no íntimo do Magistrado sobre a ver-dade dos fatos, figurando o julgador como principal destinatário da produção probatória1. Enquanto no aspecto objetivo foca-se nos meios e na produção das provas, no subjetivo centra-se na utilização das provas para firmar o convenci-mento do juiz da causa.

1 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 331.

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No nosso sistema judiciário, vigoram os princípios da liberdade na pro-dução das provas e da persuasão racional.

A liberdade na produção das provas encontra-se positivado no art. 332 do Código de Processo Civil, em que se estabelece que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defe-sa”. Ou seja, não se adota o vetusto sistema da prova legal tarifada, em que era atribuída uma pontuação fixa para cada meio probatório para ao final somar a pontuação de cada prova produzida pelas partes e declarar o juiz o vencedor da demanda, reduzindo a atividade jurisdicional a uma operação matemática.

No sistema de valoração da prova da persuasão racional (também conhe-cido como sistema do livre convencimento motivado), atualmente prevalente na processualística brasileira, “o juiz é livre para formar seu convencimento, desde que se baseie nos elementos constantes dos autos. O juiz não pode tomar em consideração, a fim de formar sua convicção acerca das alegações sobre a matéria de fato, nenhum elemento além das provas carreadas para os autos”2.

Todos os meios de prova são permitidos no direito moderno: sejam as provas típicas, ou seja, aquelas previstas na legislação processual (documental, testemunhal, pericial, depoimento pessoal, interrogatório, confissão, exibição de documento ou coisa e inspeção judicial), sejam as provas atípicas não pre-vistas na legislação, mas que são aceitas desde que, no linguajar do CPC, sejam moralmente legítimas. As provas atípicas servem para legitimar aquelas provas que inexistiam em determinado momento histórico, mas que a evolução do conhecimento humano e da ciência tornou possível sua produção, a exemplo do exame de DNA nas ações de investigação de paternidade.

Registre-se a previsão constitucional da proibição das provas ilícitas (art. 5º, LVI), como depoimentos sob tortura, escutas telefônicas clandestinas ou qualquer outra prova que viole os direitos e as garantias individuais do cidadão. A ilegalidade dessas provas macula também as demais provas que dela deriva, o que a doutrina denomina de teoria da árvore dos frutos envenenados (fruits of the poisonous tree), por meio do qual as provas aparentemente lícitas, mas que derivam de uma prova ilícita, também são imprestáveis à comprovação do fato que se pretende demonstrar3. Transportando para a seara previdenciária, poderíamos dar como exemplo de prova ilícita os registros de vínculos laborais inseridos no sistema informatizado da Previdência Social (CNIS) com base em provas adulteradas produzidas pelo segurado ou terceiros interessados4.

2 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2006. p. 408.

3 Por todos, sugere-se a leitura do voto do Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 93.050.

4 Uma situação concreta pelo autor foram ações judiciais propostas por estivadores (trabalhadores avulsos) que tiveram seus benefícios suspensos diante da constatação, em auditoria interna realizada pela Previdência

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Essas notas introdutórias sobre o direito probatório auxiliarão na compre-ensão de como se realiza o manejo das provas disponíveis para o reconheci-mento do direito subjetivo previdenciário e sua valoração pelo Judiciário.

É inegável, e a praxe cotidiana nos foros Brasil afora não nos deixa enga-nar, que o direito previdenciário é um direito primordialmente do revolvimento de fatos e de sua comprovação, sendo pouquíssimas as causas em que se dis-cute matéria unicamente de direito. Também é uma verdade não contraditável que várias ações são julgadas com base em provas indiretas, que não se relacio-nam diretamente ao fato que pretende comprovar.

Essa afirmação, que talvez cause arrepio aos olhos daqueles que não atuam com frequência na seara previdenciária, é facilmente demonstrável quan-do observamos benefícios de aposentadoria especial serem concedidos com base em laudo técnico (prova pericial) que declara a impropriedade das con-dições ambientais do trabalho, cuja prova é produzida décadas após a efetiva prestação dos serviços pelo trabalhador, quando o processo produtivo de traba-lho não é mais o mesmo (utilização de máquinas mais modernas, por exemplo, repercutem na avaliação da dosimetria do ruído), e, em alguns casos, nem mais existe a empresa a qual o trabalhador exercia suas atividades profissionais.

Da mesma forma, nos casos em que a jurisprudência permite a conces-são do benefício de aposentadoria rural com base em certidão de nascimento do autor da ação, onde consta registrado o pai do autor com a profissão de agricultor. Nesse caso, presumem os julgados que o autor da ação tem direito à aposentadoria por idade como segurado especial com base em documento pro-duzido no momento do seu nascimento, vindo a requerer o benefício 55 ou 60 anos depois. Aliás, são vários os casos concretos que poderíamos exemplificar em que o benefício rural é concedido com base em provas pouco verossímeis.

Na valoração das provas, sempre predomina o sentimento do juiz da causa em relação aos elementos de prova apresentados pelas partes, com forte influência também do seu conhecimento acumulado em relação ao processo produtivo e às atividades laborativas exercidas na região do país em que a ação é julgada.

São essas e outras constatações da prática judiciária que pretendemos pontuar no presente trabalho, de modo a contribuir para o aprimoramento do sistema jurisdicional e administrativo previdenciário, mais especificamente em relação à produção e à valoração do material probatório apresentado nas ações previdenciárias.

Social, de que os registros no CNIS foram inseridos com base em provas falsas produzidas no âmbito do próprio sindicato da categoria profissional, responsável à época por guardar os documentos comprobatórios do exercício laboral e informar ao INSS. A princípio, teria o INSS que considerar válidos os vínculos laborais registrados no referido sistema corporativo, em razão da presunção de validade dessas informações, mas como esses registros foram realizados com base em provas ilícitas não podem ser consideradas como válidas para fins de concessão do benefício de aposentadoria.

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I – OS PRINCIPAIS MEIOS PROBATÓRIOS NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIASMesmo sabendo das diversas possibilidades probatórias permitidas no

processo moderno, deter-nos-emos àquelas provas mais utilizadas no processo previdenciário.

O reconhecimento do direito à prestação previdenciária depende da comprovação de uma série de fatos jurídicos que ora se relacionam aos riscos sociais elencados pela legislação como aptos à proteção social do Estado5, ora à comprovação dos requisitos específicos de cada benefício estabelecido na Lei nº 8.213/1991 e minudenciado no seu regulamento, Decreto nº 3.048/1999.

No direito previdenciário, o esforço probatório direciona-se, invariavel-mente, à comprovação da situação de risco social protegido pela legislação, do tempo de serviço ou de contribuição, da qualidade de segurado, da qualidade de dependente, do período de carência e da situação de incapacidade laboral ou de invalidez.

No processo previdenciário, as provas utilizadas com maior frequência são a documental, a testemunhal e a pericial, cada uma delas recebendo um tra-tamento específico pela legislação, a qual elege de forma expressa a prova apta a demonstrar determinado fato jurídico, sem prejuízo do livre convencimento do Magistrado em cada caso concreto.

Enquanto podemos afirmar que a prova documental é a prova por ex-celência no processo previdenciário, as provas testemunhais são consideradas complementares em relação aos documentos. Associa-se à prova documental para contribuir na formação da convicção judicial, mas, sozinha, não possui o efeito jurídico de comprovar de per se o fato jurídico previdenciário.

As situações de risco social são comprovadas por documentos que se reportam à ocorrência do evento, a exemplo da certidão de óbito para a com-provação do falecimento do segurado; certidão de nascimento para a concessão do salário-maternidade ou para comprovação da qualidade de dependente do filho; certidão de casamento para a comprovação da qualidade de dependente do cônjuge; documento de identidade civil para a comprovação da idade do segurado ou do dependente, este último para indicar a menoridade previden-ciária do filho ou irmão até 21 anos; guia de recolhimento do segurado à pri-

5 Constituição Federal: “Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)”.

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são emitida pelo órgão do sistema prisional, para a concessão do benefício de auxílio-reclusão, entre outros.

Algumas dessas provas são consideradas provas plenas (presunção juris et de jure) em razão de não ser admitida a comprovação do fato jurídico por outro meio senão por meio de provas específicas, não se admitindo prova em contrário, como no caso do óbito, do nascimento e do casamento, pois se trata de documentos públicos e insubstituíveis quanto à comprovação do fato ao qual se pretende comprovar6.

Se, para os documentos públicos, a legislação processual professa sua suficiência para a comprovação do fato jurídico para o qual foi produzido, para os documentos particulares o tratamento legislativo é da liberdade na produção probatória.

Os documentos particulares, por serem produzidos sem maior rigor for-mal ou qualquer controle apriorístico do Estado quanto ao seu conteúdo, vin-culam o subscritor do documento em relação à manifestação da vontade que ele expressa. Esse o sentido do art. 368 do Código de Processo Civil, ao afirmar que “as declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário”. Toda-via, se contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interes-sado em sua veracidade o ônus de provar o fato.

Situação bastante curiosa que ocorre na seara previdenciária é a apresen-tação pelo segurado de documentos públicos para a comprovação de atividade laboral dos trabalhadores rurais, documentos estes emitidos por órgão públicos que não possuem legitimidade para declarar a condição de trabalhador rural do segurado, consistindo prova indireta ou indiciária. São os casos das fichas am-bulatoriais emitidas pelos postos de saúde pública, as declarações emitidas por secretarias municipais ou estaduais, certidões dos Tribunais Regionais Eleitorais e fichas de matrícula em escolas públicas, onde o segurado declara-se trabalha-dor rural (agricultor, lavrador, boia-fria), com a finalidade de constituir início de prova material para a concessão futura de benefícios rurais. São documentos que ontologicamente não dizem respeito à comprovação da atividade laboral, e que em algumas situações nascem viciadas em razão do interesse do segurado em produzir prova em seu favor para ação judicial futura.

A jurisprudência tem admitido essas provas como aptas à concessão de benefício rural desde que corroborada por outras provas documentais e por idônea prova testemunhal.

6 Código de Processo Civil: “Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”. “Art. 366. Quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta”.

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PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – APO-SENTADORIA POR IDADE – TRABALHADORA RURAL – ART. 106 DA LEI Nº 8.213/1991 – ROL DE DOCUMENTOS EXEMPLIFICATIVO – INÍCIO DE PRO-VA MATERIAL CORROBORADO POR IDÔNEA PROVA TESTEMUNHAL – BE-NEFÍCIO CONCEDIDO – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA POR SEUS PRÓ-PRIOS FUNDAMENTOS – 1. O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/1991 é meramente exemplificativo, e não taxativo, podendo ser aceitos como início de prova material, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade, documentos como, in casu, ficha de atendimento ambulatorial em nome da parte autora, ficha escolar de seu filho e certidão emitida pelo Tribunal Regional Eleitoral/PB, nos quais consta sua qualificação de agricultora, docu-mentos esses devidamente corroborados por prova testemunhal idônea. 2. Na ausência de fundamento relevante que infirme as razões consideradas no julgado agravado, deve ser mantida a decisão por seus próprios fundamentos. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ, AGREsp 200702400220, 5ª T., Relª Laurita Vaz, DJe 24.03.2008)

O reconhecimento do direito ao benefício rural com base em provas meramente indiciárias, e não conclusivas, é reflexo de uma política judiciária que prestigia há décadas o direito à prestação previdenciária com base em do-cumentos que não possuem a força probatória atribuída nas decisões judiciais. Como a grande maioria dos benefícios rurais é concedida no valor de um salá-rio-mínimo e sem contrapartida financeira por parte do segurado (recolhimento das contribuições previdenciárias), esses benefícios recebem um tratamento di-ferenciado pela jurisprudência, com um viés assistencial, embora tenha o be-nefício natureza jurídica previdenciária. Por razões sociais relacionadas à pre-sunção da hipossuficiência dos trabalhadores rurais, a jurisprudência prevalente reduz o rigor técnico-probatório para esses benefícios rurais previstos no art. 39, I, e art. 143 da Lei nº 8.213/19917.

Retornemos à comprovação do exercício de atividade laboral pelos tra-balhadores urbanos e rurais.

A comprovação do exercício de atividade laboral, segundo prescreve o § 3º, art. 55, da Lei nº 8.213/1991, deve ser lastreada em início de prova material8.

7 “Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, fica garantida a concessão: I – de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou [...]”. “Art. 143. O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea a do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário-mínimo, durante quinze anos, contados a partir da data de vigência desta lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. (Redação dada pela Lei nº. 9.063, de 1995)”.

8 Lei nº 8.213/1991: “Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado: [...] § 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida

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O início de prova material estabelecido pelo § 3º, art. 55, da Lei de Bene-fícios nada mais é que um documento validamente produzido e que comprove ou que indique que, em determinado período, o segurado efetivamente exerceu a atividade laboral.

Para a comprovação do tempo de serviço, não se admite unicamente a prova testemunhal, devendo o fato ser comprovado mediante a apresentação de documentos que efetivamente demonstrem o exercício da atividade profis-sional.

O art. 62 do Decreto nº 3.048/1999 apresenta algumas provas docu-mentais que são utilizadas no processo previdenciário para a comprovação da atividade urbana ou rural.

Art. 62. A prova de tempo de serviço, considerado tempo de contribuição na forma do art. 60, observado o disposto no art. 19 e, no que couber, as peculiari-dades do segurado de que tratam as alíneas j e l do inciso V do caput do art. 9º e do art. 11, é feita mediante documentos que comprovem o exercício de atividade nos períodos a serem contados, devendo esses documentos ser contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar as datas de início e término e, quando se tratar de trabalhador avulso, a duração do trabalho e a condição em que foi pres-tado. (Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de 2002)

§ 1º As anotações em Carteira Profissional e/ou Carteira de Trabalho e Previ-dência Social relativas a férias, alterações de salários e outras que demonstrem a sequência do exercício da atividade podem suprir possível falha de registro de admissão ou dispensa. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§ 2º Subsidiariamente ao disposto no art. 19, servem para a prova do tempo de contribuição que trata o caput: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

I – para os trabalhadores em geral, os documentos seguintes: (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

a) o contrato individual de trabalho, a Carteira Profissional, a Carteira de Traba-lho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentado-ria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Por-tos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Secretaria da Receita Federal do Brasil; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

b) certidão de inscrição em órgão de fiscalização profissional, acompanhada do documento que prove o exercício da atividade; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

c) contrato social e respectivo distrato, quando for o caso, ata de assembléia geral e registro de empresário; ou (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento” (grifos nossos).

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d) certificado de sindicato ou órgão gestor de mão de obra que agrupa trabalha-dores avulsos; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

II – de exercício de atividade rural, alternativamente: (Redação dada pelo Decre-to nº 6.722, de 2008).

a) contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

b) contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

c) declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homolo-gada pelo INSS; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

d) comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

e) bloco de notas do produtor rural; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

f) notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 24 do art. 225, emiti-das pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segura-do como vendedor; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

g) documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agríco-la, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vende-dor ou consignante; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

h) comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decor-rentes da comercialização da produção; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

i) cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

j) licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra; ou (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

l) certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio – Funai, certificando a condição do índio como trabalhador rural, desde que homologada pelo INSS. (Incluído pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

§ 3º Na falta de documento contemporâneo podem ser aceitos declaração do empregador ou seu preposto, atestado de empresa ainda existente, certificado ou certidão de entidade oficial dos quais constem os dados previstos no caput deste artigo, desde que extraídos de registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização do Instituto Nacional do Seguro Social. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§ 4º Se o documento apresentado pelo segurado não atender ao estabelecido neste artigo, a prova exigida pode ser complementada por outros documentos que levem à convicção do fato a comprovar, inclusive mediante justificação ad-ministrativa, na forma do Capítulo VI deste Título. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

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§ 5º A comprovação realizada mediante justificação administrativa ou judicial só produz efeito perante a previdência social quando baseada em início de prova material. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

§ 6º A prova material somente terá validade para a pessoa referida no documen-to, não sendo permitida sua utilização por outras pessoas. (Redação dada pelo Decreto nº 4.729, de 2003)

[...]

O art. 106 da Lei nº 8.213/1991 também se esforça no mister de apresen-tar documentos que comprovariam a atividade rural9.

Não obstante a opção normativa de elencar quais documentos seriam aptos a indicar o exercício de atividade laboral, devemos considerar que outros documentos também podem firmar o exercício da atividade urbana ou rural. Um exemplo que podemos citar e que fundamentou uma sentença de proce-dência do benefício de pensão por morte é em um caso concreto que se discutia a qualidade de segurado de um operário da construção civil que, ao edificar um restaurante, faleceu no primeiro dia de trabalho em razão do desabamento do prédio. Como o benefício de pensão por morte não exige carência para sua concessão e permite o deferimento do benefício com o recolhimento de apenas uma única contribuição ou pelo exercício de um único dia de atividade laboral comprovada seguida do óbito, a matéria de prova compreenderia ape-nas o efetivo exercício de atividade e o enquadramento do trabalhador como contribuinte individual ou empregado, pois incontroversos o óbito e a quali-dade de dependente do filho do falecido. Pela ausência de documentos que evidenciassem o registro do vínculo empregatício e da inscrição e recolhimento de contribuições previdenciárias do trabalhador como contribuinte individual, o dependente do falecido apresentou um exemplar de jornal do dia seguinte ao óbito em que noticiava o acidente de trabalho com imagens fotográficas e a declaração do empregador argumentando que teria contratado o trabalhador para reformar seu estabelecimento comercial, quando veio a falecer. O benefí-

9 “Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, no caso de produtores em regime de economia familiar; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) V – bloco de notas do produtor rural; (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008) VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7º do art. 30 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008) X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008).”

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cio foi concedido com base na matéria jornalística (início de prova material) e depoimento das testemunhas que presenciaram o evento. A diversidade de pos-sibilidades das situações da vida com repercussão previdenciária não permite a taxação literal de quais documentos comprovariam o exercício de atividade laboral pelo trabalhador.

Embora louvável a indicação legal do art. 106 da Lei nº 8.213/1991 e do art. 62 do Decreto nº 3.048/1999 de quais documentos estariam aptos à com-provação da atividade laboral, eles são apenas indicativos, sinalizadores, sendo possível a comprovação por outros meios legítimos.

A depender da atividade exercida pelo trabalhador, urbano ou rural, o rigor da produção probatória é dosado de forma diferente pela jurisprudência. Vários são os fatores que levam a jurisprudência a relativizar o rigor proba-tório em favor dos trabalhadores rurais. As relações de trabalho desenvolvi-das no meio rural se estabelecem de forma precária, com trabalhadores pouco instruídos, sujeitos a condições ambientais de trabalho prejudiciais à saúde e, em algumas situações, realizadas em verdadeira afronta à dignidade da pessoa humana, como no caso dos boias-frias. Nesse ambiente em que predomina a informalidade e a precarização das relações de trabalho tem-se construído, com o passar dos anos, jurisprudência que ameniza o rigor formal da apresentação das provas que comprovem o exercício laboral, tornando aceitáveis provas in-diciárias.

Enquanto que, para o trabalhador urbano, são exigidos documentos que comprovem o início e o fim da relação de trabalho, para os trabalhadores rurais, são comuns os entendimentos jurisprudenciais que exigem apenas o início de prova material, corroborada com prova testemunhal, para se considerar efetiva-mente prestado o exercício de atividade rural durante todo o período alegado pelo segurado10.

Questionamento interessante relacionado à comprovação da atividade rural é o entendimento jurisprudencial construído no sentido de que a prova deve ser contemporânea ao lapso temporal ao qual se refere a carência do be-nefício requerido pelo segurado. É o denominado período de prova, que, em síntese, corresponde ao período em que a prova da atividade laboral deve ser produzida. Podemos exemplificar com o benefício de aposentadoria por idade rural. Considerando a situação hipotética do segurado do sexo masculino que completa a idade de 60 anos no ano de 2002, havendo previsão legal na regra de transição do art. 142 da Lei nº 8.213/1991 de que o trabalhador deve com-provar o período de carência de 126 meses de trabalho no campo. Se o segura-do requereu o benefício no ano de 2009, deve o início de prova documental ser produzido no período de carência, ou seja, entre o ano de 1992 e 2002 (10,5 anos de carência).

10 TNU: “Súmula nº 14 – Para a concessão de aposentadoria rural por idade, não se exige que o início de prova material, corresponda a todo o período equivalente à carência do benefício”.

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Em relação à necessidade da contemporaneidade da prova em relação ao período de carência, foi editada a Súmula nº 34 da Turma Nacional de Uni-formização dos Juizados Especiais Federais – TNU, em que afirma: “Para fins de comprovação do tempo de labor rural, o início de prova material deve ser contemporâneo à época dos fatos a provar”.

Em razão das dificuldades encontradas na produção da prova no meio rural, alguns juízos passaram a substituir a prova documental pela realização em audiência de instrução da inspeção judicial, analisando aspectos ligados ao linguajar, biotipo físico (mãos calejadas, pele desgastada pela ação solar) e outras características que levassem a concluir tratar-se o segurado de traba-lhador rural. Esse entendimento, porém, não tem prevalecido, mantendo-se a exigência da apresentação de início de prova material11, embora a análise das características físicas do segurado ainda seja um elemento de prova relevante para a formação da convicção judicial.

Ressalte, como exceção à regra de exigência de início de prova material insculpida no § 3º, art. 55, da Lei nº 8.213/1991, a possibilidade de o segurado alegar a ocorrência de caso fortuito ou de força maior que impossibilitaram a produção probatória. A destruição dos documentos dos segurados por força de enchentes, desabamentos de prédios e desmoronamentos de terras, atingindo a residência do segurado ou da própria agência da Previdência Social, pode amoldar-se na regra de exceção. São situações que ocorrem ano a ano em nosso país em decorrência de fenômenos climáticos. Resta aos segurados demonstrar o nexo de causalidade entre o fato jurídico imprevisível e a impossibilidade da produção da prova.

Na esfera administrativa, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, não obstante facultar ao segurado a apresentação de documentos que compro-vem sua atividade laboral, serve-se de uma série de informações que são migra-das de diversas bases de dados informatizadas de órgãos públicos e particulares para seus sistemas corporativos, sendo o principal deles o Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, onde constam informações sobre os vínculos empregatícios e remunerações dos segurados.

Lei nº 8.213/1991:

Art. 29-A. O INSS utilizará as informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS sobre os vínculos e as remunerações dos segurados, para fins de cálculo do salário-de-benefício, comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social, tempo de contribuição e relação de emprego. (Re-dação dada pela Lei Complementar nº 128, de 2008)

11 Por todos, o julgamento do PEDILEF 200580140006970 pela TNU, Relator Juiz Federal Renato César Pessanha de Souza, DJU 30.05.2007: “PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA – TRABALHADOR RURAL – PERÍODO DE CARÊNCIA – INÍCIO DE PROVA MATERIAL – INSPEÇÃO JUDICIAL – A inspeção judicial, prevista no art. 35, parágrafo único, da Lei nº 9.099/1995, não constitui início de prova material para fins de concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural. Incidente parcialmente conhecido e, neste ponto, provido”.

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Essas informações obtidas pelos sistemas corporativos da Previdência So-cial têm o mesmo valor de documento público e são aceitos como válidos pela jurisprudência12.

Também são carreados aos processos judiciais, sob a forma de docu-mento público, alguns procedimentos administrativos (entrevista, justificação administrativa e pesquisa externa) realizados pelo INSS quando da análise do pedido administrativo de benefício.

Em outra oportunidade13, analisamos esses três procedimentos adotados pela autarquia previdenciária:

A entrevista é o procedimento interno utilizado pelo INSS principalmente nos processos dos benefícios rurais, consistente na oitiva do requerente, equivalente ao depoimento pessoal no processo judicial civil, tendo por finalidade a compro-vação do exercício de atividade rural, possuindo o caráter complementar em re-lação às provas documentais. A entrevista também é realizada para a oitiva de vi-zinhos confrontantes do imóvel rural onde a atividade é exercida pelo segurado.

Justificação Administrativa (JA) é o procedimento administrativo realizado pela Previdência Social e destinado a suprir a falta de documento ou comprovação de fato do interesse do beneficiário ou da empresa, desde que a lei não exija do-cumento público. No processamento da justificação administrativa para a com-provação do tempo de serviço, dependência econômica, identidade ou relação de parentesco deve o procedimento da JA estar lastreado em início de prova material, documentos estes que confirmem os depoimentos colhidos pela Previ-dência. O interessado poderá solicitar a realização de justificação administrativa arrolando de três a seis testemunhas, a fim de confirmar os fatos que o interessado pretende comprovar.

Pesquisa externa são os serviços externos, envolvendo deslocamento de servidor do INSS, que tem por finalidade a elucidação de dúvidas, complementação de informações ou apuração de denúncias junto a empresas, órgãos públicos, enti-dades representativas de classe, cartórios, contribuintes e beneficiários, destinada a verificar os documentos apresentados pelo interessado, beneficiários ou con-tribuintes; realizar visitas necessárias ao desempenho das atividades de perícias médicas, habilitação e reabilitação profissional, bem como de serviço social. A pesquisa externa tem valiosa participação nos benefícios requeridos por segu-rados especiais e demais trabalhadores rurais, para a comprovação do efetivo trabalho rural.

Tanto a entrevista quanto a justificação administrativa e a pesquisa exter-na, embora sejam procedimentos administrativos para a colheita de provas, são produzidas nos autos judiciais como prova documental.

Uma matéria que tem suscitado uma série de questionamentos judiciais acerca de sua legalidade é a previsão normativa do § 3º, art. 22, do Decreto nº

12 STJ, AgRg-Ag 1125987/RJ, 5ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22.06.2010.13 BARROS, Allan Luiz Oliveira Barros. Lições gerais sobre o processo administrativo previdenciário. Revista

Virtual da Advocacia-Geral da União, n. 105, out. 2010. Acesso em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=151590&id_site=1115&ordenacao=1>.

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3.048/199914, por meio da qual o INSS tem exigido a apresentação de 3 (três) documentos para a comprovação do vínculo e da dependência econômica. A exigência da associação de 3 (três) documentos para a comprovação do vín-culo e da dependência econômica é direcionada aos dependentes da 2ª classe (pais, irmãos não emancipados até 21 anos), arrolados no art. 16 da Lei nº 8.213/1991, os quais não recebem da legislação um tratamento de presunção legal de dependência econômica em relação ao segurado como ocorre com os dependentes de 1ª classe (o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos ou inválido).

Embora essa exigência seja direcionada aos dependentes da 2ª classe, tal imposição normativa também tem sido aplicada para a comprovação da união estável.

Argumentam algumas decisões judiciais que a comprovação de união estável não dependeria da apresentação de provas documentais, já que a lei não exige início de prova material para a comprovação da affectio maritalis15.

Como bem aponta a doutrina, o que pretende o § 3º, art. 22, do Decreto nº 3.048/1999 é exigir não a comprovação da dependência econômica em rela-ção ao companheiro ou companheira, pois esta se presume segundo o § 4º, art. 16, da Lei nº 8.213/1991, mas o que se deve comprovar é o próprio vínculo de companheirismo, ou seja, a própria existência da união estável.

A dependência econômica do companheiro ou companheira é presumida le-galmente. Os documentos acima relacionados não dizem respeito à comprova-ção da dependência econômica do companheiro ou companheira em relação ao segurado, mas à comprovação do próprio vínculo de companheirismo. Não há confundir a prova da vida em comum – mesmo domicílio, contas bancárias conjuntas, etc. – com a prova da dependência econômica. Assim, como a espo-sa deve provar o casamento válido, presumindo-se a dependência econômica, a companheira provará a vida em comum, presumida, não obstante, a mesma dependência.16

14 “Art. 22. A inscrição do dependente do segurado será promovida quando do requerimento do benefício a que tiver direito, mediante a apresentação dos seguintes documentos: (Redação dada pelo Decreto nº 4.079, de 2002) [...] § 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econômica, conforme o caso, devem ser apresentados no mínimo três dos seguintes documentos: (Redação dada pelo Decreto nº 3.668, de 2000) I – certidão de nascimento de filho havido em comum; II – certidão de casamento religioso; III – declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado como seu dependente; IV – disposições testamentárias; VI – declaração especial feita perante tabelião; VII – prova de mesmo domicílio; VIII – prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou comunhão nos atos da vida civil; IX – procuração ou fiança reciprocamente outorgada; X – conta bancária conjunta; XI – registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado como dependente do segurado; XII – anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados; XIII – apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro e a pessoa interessada como sua beneficiária; XIV – ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste o segurado como responsável; XV – escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de dependente; XVI – declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um anos; ou XVII – quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.”

15 STJ, REsp 778384/GO, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 17.08.2006.16 DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. São Paulo:

Método, 2008. p. 190.

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Entendemos que a ilegalidade do referido dispositivo não se reporta à exigência de início de prova material para a comprovação da união estável, mas ao fato de exigir a associação de 3 (três) provas documentais para comprovar essa situação jurídica, o que representa uma indevida tarifação probatória, limi-tando sobremaneira a livre valoração da prova pelo Magistrado.

Uma última situação que envolve a produção de prova documental me-rece registro. É a utilização de questões decididas pela Justiça do Trabalho para o reconhecimento de direitos previdenciários. Muito comum na prática forense que os segurados, antes de dirigirem-se ao INSS para requerer o seu benefício, proponham uma ação perante a Justiça do Trabalho para que seja reconhecido um vínculo trabalhista e registrado em sua CTPS. A Justiça do Trabalho tem questionado que o INSS não tem reconhecido automaticamente efeitos previ-denciários às decisões emanadas do juízo laboral. A autarquia previdenciária argumenta em suas decisões administrativas e na defesa em juízo que, por não ter participado da relação processual estabelecida na Justiça do Trabalho, os efeitos da decisão judicial não poderiam alcançá-lo, cabendo ao órgão previ-denciário apenas receber as cópias do processo trabalhista como prova empres-tada para avaliar sobre a existência ou não de provas suficientes para comprovar o vínculo laboral entre o segurado e seu empregador. Pelo lado da autarquia, um dos argumentos utilizados é que muitas ações trabalhistas são concluídas com acordos judiciais entre empregado e empregador, sem que nenhuma prova do vínculo laboral tenha sido apresentada; então, seria necessário que a autar-quia previdenciária conheça as provas para avaliar os efeitos previdenciários decorrentes da decisão trabalhista17. Doutro lado, não raro as sentenças traba-lhistas também resultam no recolhimento de contribuições previdenciárias pelo empregado (segurado) ou seu empregador, exigência essa do Fisco federal.

Sobre a prova emprestada, doutrina de Amaral Santos discorre sobre a problemática de transportar prova produzida em um processo para outro pro-cesso onde não figuram as mesmas partes processuais. Leciona o processualista:

A prova de um fato, produzida num processo, seja por documentos, testemu-nhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, pode ser trasladada para outro, por meio de certidão extraída daquele. A essa prova, assim transferida de um processo para outro, a doutrina e a jurisprudência dão o nome de prova emprestada. [...]

As regras relativas à eficácia da prova emprestada estão, entretanto, subordinadas às diversas situações em que se encontrarem os litigantes em relação a ela. Con-sideradas as pessoas dos litigantes no processo para o qual é transportada, será de se distinguir a prova conforme tenha, no processo anterior, sido produzida:

17 Comunga do entendimento o Juiz Federal José Antônio Savaris, em sua obra Direito processual previdenciário (Curitiba: Juruá, 2008. p. 268), para o qual, “quando não se encontra qualquer vestígio da atividade supostamente desempenhada pelo segurado e a ação trabalhista é ajuizada vários anos após o suposto exercício da atividade, o reconhecimento de tempo de serviço a rigor implicaria o reconhecimento de filiação sem prova material, pois a sentença trabalhista, em casos tais, declara o vínculo empregatício com apoio exclusivamente em prova testemunhal ou apenas em razão do acordo judicial”.

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a) entre as mesmas partes; b) entre uma das partes daquele e terceiro; c) entre terceiros. [...]

Na segunda hipótese, conserva ela eficácia probatória, principalmente quando a prova foi reconhecida na sentença do processo anterior, salvo as restrições pecu-liares a cada caso; na primeira hipótese, não terá ela eficácia em relação à parte contrária, que não participou de sua produção, podendo valer tão somente como adminículo probatório para a formação da convicção do juiz.18

Quanto ao argumento de que a decisão trabalhista deve repercutir na esfera previdenciária quando o empregado realiza os recolhimentos das con-tribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho, indispensável a remissão à regra inscrita no art. 118 do Código Tributário Nacional, no sentido de que a definição legal do fato gerador tributário é interpretada abstraindo-se a validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos, e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. Ou seja, a cobrança da contribuição previden-ciária decorre da ocorrência do fato gerador previsto na legislação apto a gerar o crédito tributário da Fazenda Pública, no caso o reconhecimento do vínculo laboral pela Justiça do Trabalho, não adentrando ao mérito da legalidade da relação de trabalho estabelecida entre o pretenso segurado e seu empregador.

Podemos construir algumas premissas para tentar contribuir para a so-lução desse embate jurídico. Primeiro, deve-se reconhecer que as instâncias trabalhista e previdenciária são autônomas e independentes, de modo que não podemos falar em efeitos automáticos de um em relação ao outro. Ou seja, o poder estatal da jurisdição atribuído pela Constituição aos juízes do trabalho restringe-se a processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho e não as relações previdenciárias. Segundo, que não está obrigado o órgão pre-videnciário a aceitar, simplesmente, efeitos automáticos à decisão trabalhista. Deve, sim, receber as provas produzidas nos autos da ação trabalhista e avaliar a suficiência de provas para, se for o caso, atribuir efeitos previdenciários.

A prova pericial19 no processo previdenciário é utilizada com frequência tanto para a comprovação do exercício de atividade sujeita a condições espe-ciais de trabalho, para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial ou de aposentadoria por tempo de contribuição, com a conversão de tempo especial em comum, como na análise dos benefícios por incapacidade (auxílio--doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente).

Na aposentadoria especial são produzidos laudos técnicos por profis-sionais da área de segurança e medicina do trabalho (médicos e engenheiros)

18 SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 367 a 371.

19 Para Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2007. p. 374 e 375), “a prova pericial é admissível quando se necessite demonstrar no processo algum fato que dependa do conhecimento especial que não seja próprio ao juiz médio, ou melhor, que esteja além dos conhecimentos que podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média”.

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que inspecionam o ambiente de trabalho do segurado e indicam a presença de agentes agressores à saúde ou à integridade física do segurado, reduzindo-se o tempo de contribuição necessário para aposentação.

A partir do laudo técnico elaborado, é preenchido um formulário deno-minado perfil profissiográfico previdenciário, onde são descritos os períodos em que a atividade especial fora exercida e se há efetiva exposição do segurado a agentes agressivos à saúde, aptos à concessão da aposentadoria especial ou à conversão da atividade especial em tempo comum.

Não obstante a utilização da prova pericial nos pedidos de aposentadoria especial, sua utilização mais recorrente evidencia-se nos benefícios por incapa-cidade de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e auxílio-acidente.

O laudo pericial produzido por médico-perito do INSS ou pelo perito judicial é imprescindível à comprovação:

a) da situação de incapacidade laboral parcial ou total, para a concessão ou manutenção do benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, respectivamente (§ 1º, arts. 42 e 101 da Lei nº 8.213/1991);

b) da consolidação de sequelas que impliquem a redução da capacidade para o trabalho que habitualmente o segurado exercia, decorrentes de acidente de qualquer natureza, para fins do reconhecimento do direito à prestação indeni-zatória do auxílio-acidente;

c) da natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação en-tre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID (art. 21-A da Lei nº 8.213/1991);

d) da isenção de carência para a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença em razão do segurado estar acometido das doen-ças e afecções especificadas em lista elaborada pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social, de acordo com os critérios de estigma, deformação, mutilação, deficiência, ou outro fator que lhe confira especifi-cidade e gravidade que mereçam tratamento particularizado, situações estas indicadas nos arts. 26, II e 151 da Lei nº 8.213/1991.

e) do direito à majoração em 25% do salário-de-benefício da aposentadoria por invalidez para os segurados que necessitam de acompanhamento permanente de outra pessoa;

f) da situação de invalidez do filho ou irmão maiores de idade, com a finalidade de prorrogar a qualidade de dependente, enquanto perdurar a invalidez (art. 16, I e III, da Lei nº 8.213/1991); e

g) dos segurados incapacitados elegíveis ao serviço de reabilitação profissional, a fim de se submeterem a tratamento que permita sua readaptação profissional e social de modo a se reinserir no mercado de trabalho.

Na produção do laudo pericial, surgem dois conceitos médicos que in-fluenciam diretamente na concessão do benefício por incapacidade – data do

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início da doença e data do início da incapacidade. É importante registrar a diferença desses conceitos médicos, já que pode o segurado ser portador de doença sem estar em situação incapacitante para o trabalho. Ser portador de doença não gera direito ao benefício, mas ser portador de incapacidade, sim – satisfeitos os demais requisitos legais do benefício. A incapacidade é um estado clínico decorrente de uma patologia que impede o segurado do exercício de seu labor, de forma temporária ou permanente.

Se, na data de início da incapacidade fixada pelo perito judicial, o se-gurado não possuía qualidade de segurado, não há direito ao benefício20. Da mesma forma, se a doença de que é portador o segurado é anterior à data de sua filiação ao regime geral previdenciário, também não é devido o benefício. É o que na prática previdenciária denominamos doença preexistente.

Se o segurado, embora já portador da moléstia incapacitante quando se filiou ao RGPS, foi acometido de incapacidade resultante da progressão ou agravamento da doença anterior à filiação, há direito ao benefício. Essa a inte-lecção da lei de benefícios:

Subseção V

Do Auxílio-Doença

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (grifos nossos)

Observa-se que a realização da perícia médica influencia diretamente na fixação da qualidade de segurado, sendo importantíssima a atuação dos assis-tentes técnicos das partes tanto na formulação de quesitos específicos relacio-nados à patologia que alega o segurado possuir, seja para rebater os argumentos técnicos apresentados no laudo do perito judicial, seja para solicitar esclareci-mentos adicionais.

A data da realização da perícia médica em juízo também tem sido utili-zada para conferir reflexos financeiros às prestações previdenciárias, servindo como marco inicial para contagem do momento em que o benefício por inca-pacidade passa a ser devido ao segurado, quando não são apresentados aos

20 “PREVIDENCIÁRIO – PENSÃO POR MORTE – QUALIDADE DE SEGURADO – PERDA – REINGRESSO – DOENÇA PREEXISTENTE – AÇÃO IMPROCEDENTE – TUTELA REVOGADA – 1. Restando comprovado nos autos que a incapacidade laborativa da falecida remonta a época em que já não mais ostentava a qualidade de segurada, e que a sua nova filiação ao RGPS ocorreu após o evento incapacitante, deve ser reformada a sentença para julgar improcedente o pedido de pensão por morte. 2. Revogação da tutela antecipada concedida na sentença.” (TRF 4ª R., AC 2005.72.15.001012-0/SC, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira)

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autos judiciais documentos suficientes que afirmem a data em que se iniciou a incapacidade laboral.

CONCLUSÕESComo visto, o estudo da prova no direito previdenciário envolve uma

série de discussões em torno das espécies probatórias mais adequadas para a comprovação dos fatos jurídicos previdenciários e os critérios de avaliação e valoração do material probatório. O legislador, em várias passagens, exterio-rizou sua preferência pela exigência de prova documental. A prova pericial é indispensável para a comprovação de várias situações em que a lei exige a opinião de um perito na área de engenharia ou medicina do trabalho, ou na área médica em geral. A prova testemunhal, embora seja coadjuvante e com-plemente o valor probante da prova documental, em muitas situações mostra--se decisiva para a formação do convencimento judicial. A inspeção judicial, da mesma forma, ainda hoje constitui elemento relevante para a formação da convicção judicial nos benefícios rurais.

O que realmente importa na seara previdenciária para o reconhecimento do direito subjetivo à prestação não é a quantidade de documentos que são apresentados pelos segurados e dependentes, mas que o segurado apresente em juízo provas que verdadeiramente se refiram ao fato que pretende comprovar, o que torna a dialética processual exercitada no juízo previdenciário instigante e desafiadora.

REFERÊNCIASBARROS, Allan Luiz Oliveira Barros. Lições gerais sobre o processo administrativo previdenciário. Revista Virtual da Advocacia-Geral da União, Brasília/DF, n. 105, out. 2010. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=151590&id_site=1115&ordenacao=1>.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. I, 2006.

DIAS, Eduardo Rocha; MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previden-ciário. São Paulo: Método, 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. Pro-cesso de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2007.

SANTOS, Moacir Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1984.

SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008.

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