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Anabel Andres <[email protected]>; Claudia Palma <[email protected]>; Luiz Ferron <[email protected]>; Miriam Dascal <[email protected]>; romero josé <[email protected]>; Tutti Madazzio <[email protected]>; Yaskara Manzini <[email protected]>; Zina Filler <[email protected]>; adriana guidotte <[email protected]>; adriana macul <[email protected]>; adriana cognolato <[email protected]>; Adriana Gerizani <[email protected]>; [email protected]; Alexandre Tripiciano <[email protected]>; Ana Guasque <[email protected]>; Andrea Soares <[email protected]>; Andrea soares <[email protected]>; andreia yonashiro <[email protected]>; angelica rovida <[email protected]>; Camila Vinhas <[email protected]>; Cindy Quaglio <[email protected]>; Cristiano <[email protected]>; Cristina Ávila <[email protected]>; Daniela Dini <[email protected]>; Debora Marçal <[email protected]>; Deca Madureira <[email protected]>; Duda Moreno <[email protected]>; Edneia Amarins <[email protected]>; Eduardo Fraga <[email protected]>; Enoque Santos <[email protected]>; Fabiana Castro <[email protected]>; Fabio Farias <[email protected]>; Fabio Villardi <[email protected]> Fernando Machado <[email protected]>; Frank Aguillar <[email protected]>; Isabel Ramos Monteiro <[email protected]>; Isabela Santana <[email protected]>; Ivo Alcantara <[email protected]>; Josefa Pereira <[email protected]>; Junior Gonçalves <[email protected]>; Leandro Berton <[email protected]>; Liana Zakia Martins <[email protected]>; Liliana Olivan <[email protected]>; Luana Araujo <[email protected]>; Luciana Schwinden <[email protected]>; luciano amorim <[email protected]>; Mariana Duarte <[email protected]>; Michele Farias <[email protected]>; Michelle Mogami <[email protected]>; Mônica Augusto <[email protected]>; morgana silva de souza <[email protected]>; Odair Prado <[email protected]>; Pedro Costa<[email protected]>; Penha Pietras <[email protected]>; Priscila Lima <[email protected]>; Ray Moura <[email protected]>; Renata Casemiro <[email protected]>; Renato Fagundes <[email protected]>; robson <[email protected]>; Robson kamin <[email protected]>; Smile Evandro <[email protected]>; Tatiana Guimarães <[email protected]>; Telmo Jump TJ <[email protected]>; Thais Ponzoni <[email protected]>; Thiago Arruda [email protected] <constelardança@a-pá.lavra.com.br;

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pesquisa vocacioal dança 2010 - dança constelar

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Anabel Andres <[email protected]>; Claudia Palma <[email protected]>; Luiz Ferron <[email protected]>; Miriam Dascal <[email protected]>; romero josé <[email protected]>; Tutti Madazzio <[email protected]>; Yaskara Manzini <[email protected]>; Zina Filler <[email protected]>; adriana guidotte <[email protected]>; adriana macul <[email protected]>; adriana cognolato <[email protected]>; Adriana Gerizani <[email protected]>; [email protected]; Alexandre Tripiciano <[email protected]>; Ana Guasque <[email protected]>; Andrea Soares <[email protected]>; Andrea soares <[email protected]>; andreia yonashiro <[email protected]>; angelica rovida <[email protected]>; Camila Vinhas <[email protected]>; Cindy Quaglio <[email protected]>; Cristiano <[email protected]>; Cristina Ávila <[email protected]>; Daniela Dini <[email protected]>; Debora Marçal <[email protected]>; Deca Madureira <[email protected]>; Duda Moreno <[email protected]>; Edneia Amarins <[email protected]>; Eduardo Fraga <[email protected]>; Enoque Santos <[email protected]>; Fabiana Castro <[email protected]>; Fabio Farias <[email protected]>; Fabio Villardi <[email protected]> Fernando Machado <[email protected]>; Frank Aguillar <[email protected]>; Isabel Ramos Monteiro <[email protected]>; Isabela Santana <[email protected]>; Ivo Alcantara <[email protected]>; Josefa Pereira <[email protected]>; Junior Gonçalves <[email protected]>; Leandro Berton <[email protected]>; Liana Zakia Martins <[email protected]>; Liliana Olivan <[email protected]>; Luana Araujo <[email protected]>; Luciana Schwinden <[email protected]>; luciano amorim <[email protected]>; Mariana Duarte <[email protected]>; Michele Farias <[email protected]>; Michelle Mogami <[email protected]>; Mônica Augusto <[email protected]>; morgana silva de souza <[email protected]>; Odair Prado <[email protected]>; Pedro Costa<[email protected]>; Penha Pietras <[email protected]>; Priscila Lima <[email protected]>; Ray Moura <[email protected]>; Renata Casemiro <[email protected]>; Renato Fagundes <[email protected]>; robson <[email protected]>; Robson kamin <[email protected]>; Smile Evandro <[email protected]>; Tatiana Guimarães <[email protected]>; Telmo Jump TJ <[email protected]>; Thais Ponzoni <[email protected]>; Thiago Arruda [email protected] <constelardança@a-pá.lavra.com.br;

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PROGRAMA VOCACIONAL 2010

Secretaria Municipal de Cultura

Departamento de Expansão Cultural

Coordenação Geral – Luciana Schwinden

DANÇA VOCACIONAL

“O arco ficou tenso e as flechas foram lançadas, cabe a nós agarrá-las e atirá-las

para novos rumos, para alvos ainda mais distantes.” NIETZSCHE, F; Além do bem de do mal

CONSTELAÇÃO DANÇA

“As idéias se relacionam com as coisas como as constelações com as estrelas.”

Walter Benjamin

A dança em 2010 se propõe a aprofundar suas questões como linguagem dentro do

Programa Vocacional, a partir do olhar de cada Artista-Orientador e sua percepção de

cada vocacionado e cada equipamento.

Um desafio foi proposto para os Artistas-Orientadores: sentar-se diante de um papel

em branco, refletir e trazer através da escrita, descritiva e analítica, este olhar único de

cada realidade. O ato de escrever traz a possibilidade de observar sua própria prática e

como sua trajetória pessoal se alinha com as perspectivas do programa e as realidades

encontradas em cada equipamento.

E o ato de compartilhar? A leitura de proposições em lugares tão distintos da cidade

poderá nutrir as práticas artístico-pedagógicas dentro do Programa como um todo. Criar

um jogo de espelhos e reflexos dentro do Caleidoscópio da Dança. Construir o diálogo

individual/coletivo único de cada Artista da Dança dentro dos princípios e

procedimentos do Programa Vocacional.

Boa leitura a todos

Fabio Villardi – Coordenador de Projeto e Pedagógico Dança Vocacional

Daniela Dini – Coordenadora de Ação Dança - Norte/Sul

Robson Lorenço – Coordenador de Ação Dança - Leste/Centro/Oeste

Coordenação Pedagógica Programa Vocacional – Ivan Delmanto

São Paulo, 18 de outubro de 2010

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<constelardança@a-pá.lavra.com.br

SUMÁRIO

Apresentação............................................................................pag. 2

Sumário....................................................................................pag. 3

Equipe Anabel Andrés – Sul 2 .................................................pag. 4

Equipe José Romero – Leste 3................................................. pag. 23

Equipe Miriam Dascal – Sul 1..................................................pag. 36

Equipe Zina Filler – Norte........................................................pag. 67

Equipe Tutti Madazzio – Sul 3 ................................................pag. 92

Equipe Claudia Palma – Leste 1 ..............................................pag. 104

Equipe Yaskara Manzini – Centro/oeste/noroeste....................pag. 140

Equipe Luiz Ferron – Leste 2 ...................................................pag. 276

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CONSTELAÇÃO DANÇA - SUL2

Coordenadora Artístico Pedagógica Anabel Andrés Artistas Orientadores: Adriana Macul, Débora Marçal, Ednéia Amarins, Eduardo Fraga, Luana Araujo, Mariana Duarte, Pedro Costa Considerações Gerais por Anabel Andrés – Que sentido participar do Programa Vocacional tem para mim? “Gosto de ser gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser determinado. A diferença ente o inacabado que não se sabe como tal e o inacabado que histórica e socialmente alcançou a possibilidade de saber-se inacabado. Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. Seria irônico se a consciência de minha presença no mundo não implicasse já o reconhecimento da impossibilidade de minha ausência na construção da própria presença. Não posso me perceber como uma presença no mundo, mas , ao mesmo tempo, explicá-la como o resultado de operações absolutamente alheias a mim. Neste caso o que faço é renunciar à responsabilidade ética, histórica, política e social que a promoção do suporte a mundo nos coloca. Renuncio a participar a cumprir a vocação ontológica de intervir no mundo. O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da História.” Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, Paulo Freire, SP, Paz e Terra, 1996, p. 59-60 Saber-se inacabado: considero que a principal característica que distingue o Programa Vocacional de outros projetos e oficinas de formação, é essa de construção permanente a partir da reflexão conjunta, não só do núcleo de coordenação e artistas orientadores, mas dos coletivos onde atuamos. Estamos construindo conhecimento em rede e assumindo objetivos de transformação social através do fazer artístico neste programa projeto processo, englobando diversas instâncias desde o individual até o institucional. Considerando que cada microrelação reverbera no todo, tudo se interafeta, se entrelaça, é fundamental a parceria cultivada com transparência e alteridade. E alegria. A atitude é a base de toda transformação das relações na sociedade, portanto somos responsáveis por essa transformação, ou não, no nosso fazer cotidiano. É fundamental compreendermos que estamos compartilhando de um contexto comum dentro deste Programa. Somos um coletivo de artistas atuando na cidade de São Paulo, subsidiado pela SMC e o DEC, agora em parceria com a SME, e só podemos agir emancipadamente dentro deste contexto de política pública de cultura, se nos considerarmos parceiros na consolidação dos conceitos e objetivos deste projeto, rompendo com uma visão de funcionalismo público hierarquizado, onde cada um faz sua parte alienadamente, cumpre as obrigações sem envolver-se com o todo, numa postura no máximo narcisista.

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Não há ponto final: emancipação é um processo que consolida-se dia a dia. É um contínuo assumir-nos responsáveis, - prazerosa, necessária e urgentemente responsáveis -, diante e dentro de um contexto histórico, que só pode nos interessar se dele nos sentirmos parte, relacionando nosso corpo universo individual com o outro, os outros, reconhecendo um sentido de corpo coletivo, que move e transforma o corpo político social, e busca harmonizar-se num contexto macro, corpo planetário, em que coexistimos. “Outrando-nos”, cultivando vínculos afetivos, reconhecendo-nos singulares e inacabados podemos, dia a dia, reafirmar e ampliar essa noção de pertencimento. Torna-se então impossível apenas cumprir obrigações e sujeitar-nos à fatalidade. Inacabados que somos, nos inserimos num todo maior ao qual é preciso escutar e dar voz aos desejos, aos direitos, aos saberes, e o dever adquire o sentido de responsabilidade e comprometimento para com um mundo, onde cada um pode dizer: eu faço diferença. Este programa é uma oportunidade neste sentido. REUNIÃO ARTÍSTICO PEDAGÓGICA COMO PRÁTICA EMANCIPADORA Do encontro com os AOs, como coordenadora artístico pedagógica de equipe, emergiu um foco de pesquisa: o de fomentar um lugar/função/ritual de nutrição. Nutrir-nos uns aos outros com nossas experiências artísticas, afetivas, intelectuais, filosóficas, nutrir-nos do Programa, que através do material norteador, da constante reflexão sobre princípios, procedimentos e processos voltados para a emancipação, nos desafia a reinventar-nos fora de nossas zonas de conforto, arriscar-nos e assumir-nos inacabados, e nutrirmos o Programa com nossas histórias singulares junto aos Vocacionados, em diferentes contextos locais, compondo um organismo regional, que desemboca em um organismo plural São Paulo, do qual nos alimentamos diariamente. Como podemos tornar a reunião em espaço de nutrição? Como podemos todos nos perceber e assumir responsáveis pelo fluxo da reunião, contemplando o lugar dos compromissos assumidos com o projeto, em concordância com um contrato, o diálogo e construção permanente de conhecimento com os conceitos norteadores, o lugar de pensar e fundamentar nossos processos como artistas orientadores, e o lugar do prazer e da troca como artistas eternamente aprendizes? Como mediar as demandas de modo que sejam acolhidas pelos AOs como desafios que propiciam desenvolvimento em vez de sobrecarga? Como manter a escuta sensível em períodos de muitas ações por realizar, e a ansiedade que os acompanha? Como podemos tornar a reunião em espaço de criação? “Ao comer juntos transformam-se em “companheiros” que, etimologicamente, quer dizer: “aqueles que comem juntos o mesmo pão”. O propósito de um jantar não é o fim pragmático da alimentação e dos prazeres do paladar. O que se espera é que o ato de comer juntos se torne numa ocasião de companheirismo, de amizade. Os hóspedes assimilam a comida. O ritual assimila os hóspedes... Como na festa de Babette... Agora, por um momento, vamos brincar com a imaginação. Na imaginação o pensamento é onipotente e tudo é possível. Pois vamos imaginar o impossível! (…) A realidade familiar nos diz: “Nós comemos a comida, nós assimilamos a comida, a comida se torna o que somos. Mas de repente uma nova verdade se ouve, quando a etiqueta da normalidade é subvertida, e o mundo vira de cabeça para baixo: Somos comidos pela comida, a comida nos assimila; nós nos tornamos o que comemos.” (Rubem Alves, in O poeta, o guerreiro e o profeta)

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É preciso considerar que nem sempre todos têm o mesmo grau de fome, os apetites são diferentes, às vezes o cardápio do dia traz opções limitadas de escolha, e nem sempre os pratos dão certo, e os erros são tão fundamentais quanto (ou mais que) os acertos, se pudermos extrair aprendizado de cada acontecimento, transcender julgamentos e preconceitos, buscar novas possibilidades e construir conhecimento nesse processo. Somos oito pessoas, e neste pequeno coletivo já existe uma diversidade de histórias, referências, graus de maturidade, desejos, e contextos de atuação no projeto, que é preciso reconhecer, fomentar nas singularidades de suas ações em contextos diversos, e propiciar condições para que a contribuição de cada um possa “ampliar” o outro, descentralizando a busca de respostas. Não é um lugar de conforto e certezas, e há tempos em que quase só temos o tempo suficiente para tratar de efetivar demandas, deixando o espaço de troca e pesquisa em segundo plano, portanto a disponibilidade, a atitude generosa de cada um faz-se mister. Como não negar, mas assumir e crescer com as crises internas? Considero que todo coletivo no seu processo de amadurecimento passa por crises, nossa equipe Sul 2 não é diferente. Penso que é preciso acolhê-las, mas com cuidado para não cair nas armadilhas de projeções infantis que os egos às vezes nos pregam. Há um aprendizado também no nível afetivo, interpessoal, de grande relevância. Acredito que ao incorporar modos mais claros e transparentes de comunicar-nos, assumindo-nos e reconhecendo-nos inacabados, estaremos também atuando na conscientização gradual dos coletivos em que atuamos. Isto não quer dizer que vamos enveredar pelo viés da terapia, mas que é necessário deixar espaço para sentir e harmonizar a pulsação das pessoas que integram a equipe, esclarecer os papéis e funções, que no fazer cotidiano às vezes vão se confundindo, desmistificando o foco na produtividade fragmentadora e superficial. AÇÕES EM EQUIPE Como estimular a ampliação do nosso olhar sobre as nossas relações com a cidade, como reconhecer a região em que atuamos com nossos corpos como parte do corpo da cidade, e, ampliando essa consciência, do planeta? Podemos reencantar o olhar das comunidades sobre o espaço em que vivem, e promover o reconhecimento de uma rede regional, dentro de uma visão global, na qual se inserem? Acolhendo como eixo norteador a temática do "patrimônio histórico cultural material e imaterial/história presente”, nos aventuramos pelo território de pesquisa das histórias e saberes que Artistas Vocacionados e Artistas Orientadores trazem em seus corpos: memória, espaço, lugar e identidade, diversidade e singularidade. Através da improvisação, da criação, compartilhamento de vocabulário de movimento, e da apreciação reflexiva amplia-se a consciência do corpo expandido, - corpo sensível, corpo social, corpo ambiental, corpo universal, corpo quântico, etc. -, e a idéia de pertencimento e comprometimento em um contexto ampliado, potencializando a atitude emancipada. Coerentes com essa proposta as ações processos realizadas nos contextos locais, que serão consteladas por cada AO, tiveram ressonância, ampliando perspectivas e aprofundando vínculos entre os Vocacionados, nutrindo o corpo coletivo. Também fortaleceu-se a parceria dos coordenadores de cultura em muitas delas. A idéia de realizar uma ação processos regional num parque da região, também reverberando a Ação Travessia, nasceu do desejo e do empenho de cada um da equipe Sul 2. Dança Manancial, realizada no Parque Ecológico do Guarapiranga, levou em

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conta a relevância da Bacia da Guarapiranga como reserva ambiental e o sentido de sustentabilidade da vida na cidade e no planeta. Foi proposto como uma vivência "matrimônio", a fim de experimentar o ambiente através do sensorial, do movimento, das trocas de experiências artísticas e poéticas, e refletir sobre nossos possíveis vínculos afetivos com este patrimônio. E está reverberando. Realizamos as reuniões itinerantes entre julho e agosto com o intuito de conhecermos todos os equipamentos da região, e através das conversas com os coordenadores de cultura, compartilhamos um pouco mais da realidade em que cada AO desenvolve sua parceria, o que também ampliou muito nossa compreensão das especificidades de cada contexto, e do que é comum a todos nesta região de São Paulo. Olhar do viajante. ASSUMINDO A INCERTEZA “O verbo assumir é um verbo transitivo e que pode ter como objeto o próprio sujeito que assim se assume. (...) Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professpr ou professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A asunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. E´ a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu.” (Paulo Freire, in Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa, SP, Paz e Terra, 1996) Assumo todo o processo junto a meus parceiros coordenadores, AOs e AVs como uma grande oportunidade de reinventar-me como pessoartista, desde o início compartilhando cada desafio, cada idéia, cada conflito, cada ação, fluindo na gestação/respiração/pulsação das turmas e grupos, acolhendo os ciclos, nutrindo processos artísticos que vem se desenvolvendo desde o primeiro encontro neste Projeto. As inquietações me impulsionam a ir em busca de possibilidades, conhecimento e transcendência dos meus limites para poder apoiar os processos dos AOs em seus contextos de ação, inventando-me ponte e ponta nesta Rede Vocacional, e procurando nutrir sempre o lugar do vínculo afetivo que nos abre para a dimensão do pertencimento, através da atitude fundamentada na alteridade, na transparência e na responsabilidade, que podem mover indivíduos e, consequentemente, coletivos, rumo à sua emancipação como processo contínuo de crescimento e humanização. Nas palavras do poeta Ferreira Gullar “Nada vos oferto além destas mortes de que me alimento. Caminhos não há, mas os pés na grama os inventarão.” Sou grata por este nosso TAO Vocacional.

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Constelação no Campo Limpo – Mariana Duarte “...ela era louca para dançar, dançar, isso mesmo, eu espero que vocês saibam o que é dançar, antes era ficar andando pelo salão, a dois, é assim que eu ainda danço, agora é ficar sozinho se rebolando, tanto faz...” Hilda Hilst – Fluxo-Floema A.O. Pesquisador O processo de pesquisa que vem sendo realizado no Campo limpo tem dois focos distintos. Um relaciona-se exclusivamente com da dança contemporânea o outro dialoga com a dança de salão. Esses focos foram definidos gradualmente pelos vocacionados no decorrer da implantação. Umas das turmas do campo limpo é fruto da parceria estabelecida com o teatro vocacional e com a equipe do Campo Limpo. O que foi determinante no rumo da pesquisa estabelecida pelos vocacionados. Um grupo muito participativo e propositivo, que dialoga constantemente sobre o processo de criação, assim como, sobre o conteúdo proposto para os encontros semanais. Acredito que as ações culturais realizadas vêm potencializando definitivamente os encontros. Fomentando novas questões a serem abordadas na pesquisa. Por outro lado, o trabalho que vem sendo realizado em uma turma bem pequena hoje, que passou por mudanças constantes de vocacionados, transitou, no momento da implantação, por um caminho mais técnico, de criação de vocabulário e aquisição de princípios básicos da dança (apoios, níveis, qualidade de movimento, espacialidade, ritmo...). Agora, dentro de uma perspectiva de conclusão do percurso trilhado, estamos agregando ao momento inicial um olhar extremamente criativo e inventivo. Desenvolvendo uma pesquisa em dança contemporânea com a manipulação de vários objetos. Ainda, por um terceiro viés a dança com a terceira idade trilha o lugar de descobrir-se como seres dançantes e disponíveis para o movimento e diálogo com as a outras gerações. Buscamos sensibilizar esses vocacionados de que seus corpos são criativos e podem dançar juntos, ainda que cada um mantenha sua personalidade. Tem sido uma experiência sensível de escuta artística. Parcerias As parcerias no Campo Limpo tiveram início desde a implantação com o apoio das coordenadoras de cultura Camila e Andressa. Logo em maio fizemos uma ação cultural sugerida por Camila. Junto do A.O Sérgio (teatro) fomos assistir a uma sessão de cinema no ônibus da Cultura Inglesa. Considero que essa ação foi um ponto de partida interessante para criar laços entre nós A.Os, A.Vs e o CEU. Destaco ainda que tive apoio importante do setor de esporte. Indo ao baile realizado no CEU, pude perceber um potencial enorme com a terceira idade. Sugeri aos coordenadores de esporte que fizéssemos uma turma que contemplasse esse público e coordenador Márcio deu todo incentivo para isso, ajudando na divulgação junto aos freqüentadores do equipamento. Em junho estreitei minha parceria com a gestora Mary que gentilmente se mostrou colaboradora em relação ao programa, concedendo um ônibus para nós teatro e dança irmos juntos ao “Toda terça tem espetáculo” no CEU Paraisópolis. Mais uma vez houve um diálogo entre a equipe do Programa vocacional e equipamento.

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Meu diálogo com o teatro também foi profícuo com o A.O. Erick Nowinsky. Realizamos uma parceria de trabalho com o grupo “Dionisos”, com o qual tenho colaborado na estruturação coreográfica de algumas cenas. Dessa permanente conversa com o teatro, acabamos por aglutinar uma mesma parcela de vocacionados, e alguns deles atualmente fazem dança e teatro. Acredito que todas as parcerias que nós estabelecemos no Campo Limpo vão ao encontro do caráter principal do Programa Vocacional que “é sua ação cultural em parceria com as comunidades e equipamentos públicos da cidade, fazendo do binômio artístico-pedagógico sua singularidade.”1 Ações Culturais realizadas Maio Espaço cultural Ninho Sansacroma - Cia Fletir “esperando godot” Cinema no ônibus – festival cultura inglesa. Trabalho corporal com o grupo “Dionisos” teatro vocaional/Erick Nowinsky. ABC dança em diadema “Deadly” Cia. Circo Mínimo. Junho Toda terça tem espetáculo – Vocacionados de dança e teatro - apresentação musical “Ruídos”. Vídeo “Lecuona” grupo corpo, no Teatro do CEU Campo Limpo. Baile no CEU Campo Limpo. Julho Trabalho com o grupo “Dionisos” teatro vocacional turma do Érick Nowinsky. Filme “Chega de Saudade” no teatro do CEU Campo Limpo. Baile na Galeria Olido com vocacionados. Baile no CEU Campo Limpo. Agosto Baile na Galeria Olido com vocacionados. Baile no CEU Campo Limpo. Panorama de dança do SESI – Cena 11 e Cláudia Muller. Setembro Ação processos – Dança Manancial no parque ecológico da Guarapiranga. Baile no CEU Campo Limpo. As ações realizadas até o momento (vídeos e espetáculos de dança e música) têm sido pensadas no sentido de se articularem com o foco da pesquisa (dança de salão e contemporânea) e interferir “na maneira de se pensar os modos de produção artística, a fim de se emancipar o indivíduo e os coletivos como agentes criadores, propositores e questionadores de suas próprias formas artísticas”2. Além dessa preocupação inicial com o foco das ações, foi de suma importância a atenção permanente em articular as atividades com os procedimentos instaurados pelo programa. Dessa maneira, a ocupação/criação do espaço público, protocolo e apreciação se fazem constantes na atuação do Campo Limpo incitando a emancipação dos vocacionados através de um movimento contínuo de novas criações, possibilitando um espaço de troca que transcende os encontros semanais (bailes dentro e fora do equipamento, saídas do CEU em geral), e abrindo espaço para o desenvolvimento do olhar artístico e crítico. Protocolos e Apreciação Esses procedimentos, como mencionado, estão presentes no trabalho cotidiano, abrangendo os encontros semanais e as ações realizadas. 1Programa Vocacional 2010 - Material Norteador. 2 Programa Vocaional 2010 – material norteador.

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Criar, jogar, refletir, propor, sugerir, questionar... são peças importantes que auxiliam e dialogam com os princípios artísticos-pedagógicos. No que tange forma e conteúdo, percebe-se que existe uma relação muito grande entre princípio e procedimento. Isso se acentua à medida que, o que se quer dizer - e como se diz - é parte fundamentadora do ato de criar, bem como do refletir sobre o que foi feito. Dessa maneira, é necessário um olhar propositivo e acolhedor sobre os processos artísticos e pedagógicos desenvolvidos com e para os vocacionados. Reverberando continuamente uma ação estimulante no que diz respeito aos protocolos e apreciações. Adriana Macul Constelação Paraisópolis Difícil começar. Tanta coisa para falar, pensar. Meu terceiro ano no projeto. Não paro de crescer, aprender, me emocionar. Arte, cultura, educação, política, cidadania e alegria. Alegria em poder estar fazendo parte deste acontecimento, sim um ACONTECIMENTO. Grandioso. Uma possibilidade de juntos construirmos novos ares para a cultura em São Paulo. Histórico também, pelo caráter democrático que está implícito na ideologia do Programa. Sinto-me grata por esta oportunidade – a de colaborar com micro ações na construção de um Brasil mais justo – em épocas de eleições, impossível não se sensibilizar com a nossa responsabilidade cidadã. Que pais estamos construindo? Estar no Projeto para mim é uma via concreta de viabilização de meus ideais. Arte? Para que fazer arte? Dúvidas em relação a isto permeou meu percurso inúmeras vezes... Pesquiso-me! Agora um novo respiro e uma nova vontade me persegue; a relação arte e vida – a arte como possibilidade de encontrar novas saídas e caminhos mais felizes para mim, para minha relação com os outros e com o mundo. Para Heidegger não existe o conceito homem separado de mundo, ele refere-se ao ser-no-mundo de maneira indissociada, – sou o mundo que construo e o mundo é uma extensão de mim... O Programa, uma possibilidade concreta de coletivamente nos ancorarmos na viabilização de um ser–no-mundo melhor... Poliana, brega? mas é como ando me sentindo ultimamente – apaixonada pelo trabalho. Lembrei-me agora de nossa reunião em que o Fabinho nos perguntou sobre nossa pesquisa. Respondi; “este ano minha pesquisa é que só pode ser bom para o outro se for bom para mim”. Esta é a minha pesquisa, minha indagação. AO pesquisador, Como fomentar esta atitude? Com vontade... VONTADE – tem que dar vontade, e se não der, tenho que vasculhar as brechas do que me faz sentido, para poder detonar meu desejo – Isso não quer dizer que tudo tenha que ser bom, confortante e prazeroso o tempo todo, muito pelo contrario, O desconforto esta implícito em tudo que é desconhecido. Mas como posso pesquisar um modo de me conduzir instigado em relação ao que me rodeia. Como não amortecer. AO pesquisador? Sim, mas não só no CEU, no vocacional, mas na minha vida “Navegar é preciso, viver não é preciso...” Relação entre arte e vida...

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Gosto deste trecho de Guatarri, em que ele define a arte como “processo de busca por caminhos para novos territórios existenciais singulares, não serializados, em que os corpos possam voltar a agir com autonomia”. No trabalho com os vocacionados, a mesma pesquisa se desdobra: Quais os pontos a partir dos quais nossos desejos convergem e nos potencializam? E quanto as nossas diferenças, os espaços não convencionais dentro e fora de mim? Negá-los? Não, mas acolhe-los como desafios que problematizam e dão a instabilidade necessária ao processo criativo – muitas vezes difícil –mas como olhar para o desafio como uma possível instabilidade que vai reorientar meu movimento no espaço?... pois sempre haverá uma pedra no meio do caminho... e no meio do caminho sempre haverá uma pedra... AUTONOMIA EMANCIPAÇÃO – inspirado no conceito de Paulo Freire e na minha experiência. Vejo a autonomia e emancipação como processos continuados sem regras dadas à priore. Para mim ninguém emancipa ninguém e tampouco somos ou seremos totalmente autônomos. Não acredito na perseguição de um estado de não autonomia e não emancipação para outro em que seremos plenos nesses conceitos... Vejo isso sim, como um processo, com altos e baixos, intermitências entre momentos de plenitudes e outros de descrença – Os de plenitude nos trazem a referencia da possibilidade de que nós e o mundo podemos atuar de uma maneira mais potente. Os de descrença nos faz desistir de tudo. Saber que oscilam e se intercalam é importante, e o trabalho coletivo se faz fundamental neste momento– Um alimenta o outro a construir uma rede frutífera para não desistirmos de sermos mais autênticos em nossas manifestações (autonomia), e menos dependentes de um núcleo especifico para dar vazão a nossos desejos (emancipação), mas precisamos uns dos outros na construção e no desenrolar deste processo. Por isso a importância de um entorno que nos fomente, de uma rede potencializadora – que se viabiliza na forma de Vocacional em Rede e de outras ações que buscam a Sustentabilidade do Projeto. Coordenador, precisa de AO que precisa de vocacionado, que precisa dos amigos, da família, vice versa e assim vai... A construção de uma rede de pessoas, de ações, de idéias, de imagens que fomentem um modo mais potente, criativo e ético de se existir é fundamental para sairmos da esterilidade e da impossibilidade de transformação que inúmeras vezes experienciamos amargamente. Penso a busca por emancipação e autonomia como um processo construído coletivamente – presente em nossas mínimas ações, desde o primeiro dia que entramos no equipamento e, claro, antes disso, em nossas vidas... Por isso, para mim, a relação arte – vida me persegue – impossível eu ter uma prática dissociada do que eu acredito, respiro, e persigo... Protocolo e apreciação – A apreciação acontece o tempo todo, em todos os momentos em que paramos e refletimos sobre o que estamos fazendo. Precisa de tempo, de escuta, de disponibilidade. O protocolo é uma maneira poética, mais solta e livre de a apreciação acontecer – textos – desenhos- artigos- relatos – performances – desabafos... muitas formas... Quanto a esta pratica sinto sua inserção de modo diferente em minhas três turmas – cada uma buscando dar conta de uma maneira mais própria para o grupo se elaborar – a procura da comunicação do como estamos vivendo aquele processo... Protocolo... é uma pratica que possibilita descobrir os recursos que tenho e não sabia, e

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muitas vezes nos possibilita descobrir recursos que percebo estar “adquirindo naquele momento mesmo” ... Como agora ao escrever, descubro conexões que não havia pensado anteriormente – constelações... Ao protocolar constelo minha experiência e me elaboro... FORMA - CONTEÚDO – Usando um pouco do meu TCC - Como tornar a forma necessária? AO Pesquisador – Eu- pesquisador. Meu “núcleo artístico” chama-se Tríade, cujo nome ancora-se na pesquisa da tríade arte / instituição-produção / política, partindo do principio que o tipo de relação que se estabelece entre o trabalho artístico, sua viabilização e inserção no mercado da arte estão implicadas na própria forma em que a arte se manifesta. Na dança, o corpo. De que corpo estamos falando? Segundo Lheman (2007), na arte contemporânea, ao aproximar arte e vida, uma nova visão de corpo se faz presente, contrária ao exercício maçante da disciplina (como conceito de FOUCAULT, e não como palavra) que buscou controlar os corpos e as esferas sociais, que segundo Foucault (1996) objetivou um “investimento político e detalhado do corpo, uma nova <<microfísica>> do poder” a qual tentou ganhar campos cada vez mais vastos, com a “tendência de cobrir o corpo social inteiro (...) A disciplina fabricou assim corpos submissos e exercitados, corpos <dóceis>. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma <aptidão>>, uma <capacidade> que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. (Foucault, 1996, p.127).” Na medida que buscamos meios de aumentar a potencias dos corpos através da arte, não estaríamos indiscriminadamente sugerindo novas possibilidades de existência e de configurações sociais? Forma –conteudo inseparáveis – uma conduz, induz, e reflete a outra. Poderia transcorrer horas sobre o assunto, pois tem sido meu tema de pesquisa artístico – acadêmico – vida, mas acho que já esbarrei nas questões mais cruciais que envolvem meu trabalho e meu olhar sobre o Programa... Ação Cultural – Como abrir frentes de diálogo ou confronto com instancias detentoras desses meios de produção? De novo, relaciono - me com esta pergunta a partir de minha pesquisa como artista e como individuo. Vontade. A mesma pesquisa em outra instancia. Como, com os coordenadores e vocacionados, podemos potencializar os pontos que nos fortalecem? Como tentar compreender o que nos separa como detonadores de novas perguntas e ações que possam estabelecer novas parcerias para esta empreitada? Penso que neste ponto o Programa está cada vez mais maduro, ou talvez, minha compreensão sobre o programa esteja mais complexa. Vejo as ações, Vocacional em Rede, RAP, RG, AO visita, como meios de viabilização do que se propõe conceitualmente. MINHAS Ações mais importantes: CRUK – Ação que surgiu de uma reunião realizada no inicio do Projeto com coordenadores de dança e de teatro, gestora, coordenadores de cultura e AOS do CEU Paraisopolis. Iniciada pelo AO Paulo Fabiano, e os grupos de teatro G e Jep e Cia TP, e

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continuada por nós Aos e grupos/turmas de dança e de teatro de Paraisópolis. Ainda conta com pouco envolvimento da coordenação do CEU. (segue release) PERSONA – Exercício de um fazer continuado, que se refaz no exercício cênico e no confronto com o publico. Este ano quis experimentar a relação processo – produto como indissociáveis na produção artística. Inserir a “Mostra final” no processo – Optamos por ao invés de prepararmos durante o Projeto uma montagem e revelar o “resultado final” desta pesquisa somente final do ano, mostrá-la de modo precário em meados do Projeto para ir lapidando-a ao longo do ano, no confronto com o publico. Espetáculo–protocolo... de uma turma. A própria mostra é um protocolo plástico e transitório. A partir dela discutimos a questão principal da turma “quero ser diva, mas não sou” e o que eu faço com o corpo que tenho e não gosto? Começamos esta pesquisa a partir da seguinte questão: O que os motivam? Coreografias das Divas. O ano de 2009 dedicamos somente a exercícios separados entre as danças pops televisivas e a pratica de treinamento contemporâneo. Em 2010 propusemo-nos a aprofundar esta discussão. AO pesquisador: O que me motiva e onde estão os pontos que convergimos no interesse artístico? Aos poucos a brincadeira ficou prazerosa, muitas descobertas... A não aceitação do próprio corpo, a vontade de querer ser outro. O deslumbre por um ideal de corpo e de mulher... Fomos refletindo todas estas questões em nosso Protocolo – espetáculo. Ai surgiu o Flavio de Carvalho “A moda e o novo homem” – trazendo um material impressionantemente rico para aprofundar estas questões... Um novo mergulho no material que nos aproximou e deu motivação a todos (eu, Avs, coordenadores do CEU, técnico de luz). Com a apresentação no CRUK, se deu a aproximação com o teatro e com o movimento cultural. Vontade e engajamento na criação artística. Na ultima quarta, no ensaio, o clima era de plena alegria de estarmos juntos criando algo interessante e mobilizador para todos. Agendamos duas apresentações no Vocacional Apresenta e surgiram ações interligadas – como ir a exposição de moda – “a moda e o novo homem” (agendada para 18 de outubro), alem de outras ações- como pesquisas de vídeos, encontros de leitura, etc... Outras ações paralelas – somente citações, caso contrario este relato vira um livro... Ao longo do ano, as ações se deram em relação a estes dois eixos que mencionei, (persona e cruk), mas houve outras paralelas: Abril – Almoço na casa da vocacionada Maria do Carmo – Um banquete nordestino foi feito por elas para mim e para Cris (coordenadora de cultura do CEU). Maio – Ida ao espetáculo “Episódico” do núcleo DR. Foram as minhas duas turmas de jovens. Foi muito importante a ida a este espetáculo, pois a partir dele encontramos pontos comuns de interesse artístico. Junho – Ida ao Vocacional Apresenta com os vocacionados. Julho – Começaram os encontros pra programação do Primeiro CRUK. Agosto – I CRUK. Ida a aula de Afro do AV Rafael. Esta ação faz parte de uma pratica que fazemos de pesquisar com os AVS aulas, cursos, workshop que estão sendo oferecidos na cidade de São Paulo. Setembro – II CRUK (apresentação do Persona), Mostra Cultural, Dança Manancial. Por ai vai... poderia continuar escrevendo horas, mas acho melhor parar por aqui... Adriana Macul.

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Ednéia Amarins Constelação Guarapiranga Quero iniciar com uma fala de Pierre Babin (autor francês) que dizia: “Faça com que gostem para que depois aprendam.” Esse é o caminho que escolhi para desenvolver meu trabalho com dança no Programa Vocacional. Diferentemente de aulas em academia, meu trabalho com os vocacionados é prepará-los para o conhecimento, reflexão e valorização da dança escolhida pelo grupo. Nesse ano estou trabalhando com grupos de Hip Hop e percebo que cada um segue um estilo diferente dentro da linguagem. Desde o inicio, procurei fazer com que eles pensassem por que escolheram o Hip Hop. Fizemos então um trabalho de pesquisa. Procuramos identificar ligações dessa dança com o dia a dia dos vocacionados na comunidade; o que essa dança tem em comum com a realidade deles e o que eles podem acrescentar para enriquecer os movimentos usados nas coreografias. É muito importante que eles percebam que conhecendo a origem dos movimentos e a história da dança escolhida, o ato de criar se torna mais fácil e prazeroso. Pesquisar e ler sobre a dança, às vezes não despertar muito o interesse do vocacionado, mas é meu papel procurar incentivá-lo e guiá-lo por esse caminho. Acredito realmente que um grupo não pode apenas criar “coreografias”. É preciso que esse grupo desenvolva a vontade de pesquisar e que aprenda a falar com o corpo, abrindo possibilidades de conhecer a si mesmo e descobrir coisas novas. Depois que ele passa a gostar do que faz, ele começa a aprender e assim se preparar melhor para dançar na vida. AO Eduardo Fraga Constelação no CEU Cantos do Amanhecer Ao pesquisador, sim, desde o primeiro dia que pisei no CEU já me veio a indagação “como construir parcerias para que o trabalho se efetive?” Pesquisa constante e ininterrupta; tentativas com a gestão, coordenação de cultura, esporte, etc. Conversas de corredor com os faxineiros, guardas, mães, alunos, professores das escolas... enfim estabelecer parcerias afetuosas que pudessem abrir caminhos positivos e construtivos... Para mim, uma pesquisa séria; a cada passo, foram surgindo vários focos, me direcionando e me encorajando a prosseguir, indicando caminhos e diálogos para poder sentir, como poderia montar e estruturar a minha contribuição e parceria como artista orientador. O próximo passo, foi sentir o local que administraria as aulas, já que no CEU não tem uma sala apropriada para dança, mais um desafio para meu AO pesquisador: como lidar com espaços não convencionais? Comecei a dar aulas na sala do EMEF, onde ficamos um mês e logo em seguida conheci o Redondo, o qual se tornou uma vitrine de nosso trabalho. A parceria com o bibliotecário, Silvio, que fica em frente ao espaço do Redondo, foi também importante... levei a ele a proposta de trabalhar com os vocacionados leituras que pudessem abrir novos horizontes e acrescentar informações nas nossa aulas, trocando idéias e conceitos, uma forma de conduzir a apreciação do que vínhamos fazendo de maneira lúdica e com parceirias.

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Mais um desafio para eu, pesquisador; a chegada dos vocacionados. Parti, então da idéia de estarmos juntos, com a proposta de disciplina, vigor, respeito ( idéias simples como o pedido de fazerem as aulas com calça preta e camiseta branca, o que me ajudaria muito a ter uma visão de estética e postura da coluna e dos membros superiores e inferiores, foi um eficiente instrumento de disciplina e ajudou no comprometimento deles com os encontros)... Ações mínimas como esta e outras maiores foram tecendo minha pesquisa enquanto artista e agente cultural... Ação Cultural A parceria com o teatro deu a possibilidade de participar do Sarau com diversas linguagens, onde os vocacionados puderam pela primeira vez se apresentar com a coreografia do bolero de Ravel. O bolero de Ravel foi a música que me trouxe a despertar com os vocacionados, no sentido crescente de entrarmos numa viajem de percepção com o corpo, mente . Acredito que o resultado cênico dessa coreografia está diretamente relacionado com a pesquisa que está sendo desenvolvida dentro do processo postural, com as articulações, equilibrio e as formas lúdicas de brincar com a fantasia, no sentido de criar formas, descobrir movimentos e sentir parte desse universo dançante. Um ponto de encontro entre meu trabalho artístico, meu trabalho de educador e de agente cultural... de repente percebi tudo junto, fazendo sentindo e pulsando aquele lugar de um modo que ainda não tinha visto. Neste momento entendi a relação entre forma e conteúdo. A dança deles, o envolvimento com o Sarau, as aulas cheias expressavam o conteúdo de tudo o que vinha trabalhando até então. Me emocionei... Ações Culturais Realizadas Também houve ações culturais realizadas fora do CEU, como por exemplo, a exposição no Itaú Cultural, do artista plástico Hélio Oiticica, que deixou todos soltos e com a sensação corporal, e que dialoga com o trabalho que eu venho desenvolvendo. Esta ação alem de expandir a relação dos vocacionados para espaços que não são convencionais para eles, estimulou o olhar crítico e lúdico com o espaço, as cores e a interatividade do corpo de espectador, com a obra do artista - Patrimonio histórico material e imaterial. Outras ações culturais, como a festa Junina, teve como objetivo estruturar o vinculo com o equipamento e resgatar a memória dos vocacionados. Senti que a participação dos vocacionados no evento do equipamento, fortaleceu e reaproximou o vinculo que o programa necessita ter, para boa realização do trabalho no decorrer do ano. Ação Processo Dança Manancial A Dança manancial, dentro da programação de setembro, no parque ecológico Guarapiranga foi super nutriente pela participação transparente de todos os envolvidos no evento, gestão, coordenadora, AOS, vocacionados, funcionários, enfim todos. A vivência foi muito rica em todos os sentidos, na troca, no aprendizado, na comunhão de estarmos realmente todos empenhando e doando o seu melhor para que tudo desse certo. Todos saíram mais fortalecidos e consciente de só ser possível ter esse resultado, com muita parceria e vontade de sairmos vitoriosos. Ganhou o projeto, a cultura, o esporte, os CEUS, enfim todos. Depois deste evento, minha reflexão sobre autonomia e emancipação se ampliou... Percebi que no trabalho que fizemos até agora como equipe e eu como AO, estava fortalecendo, aos poucos, sem alarde, a possibilidade dos vocacionados se perceberem de outra forma... Compreendi que estas duas palavras “autonomia e emancipação” estava presentes em cada brecha de minha pesquisa que vinha desenvolvendo como

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bailarino, ator, terapeuta corporal e autodidata, aplicando dentro desse universo, a massagem integrativa como uma fonte de energia que limpa, renova, revigora e transforma as couraças, os pontos energéticos, pontos de estímulos para dar suporte ao corpo, a mente e a sensibilidade de cada participante desse processo perceber que o melhor remédio é ser feliz, com isso feito, fortificando e valorizando a sua auto estima e tendo essa visão interna de que o espelho de dentro, tem que estar transparente, com as nossa ações, expressões, para que juntos possamos fazer a revolução interna virar realidade em nossas vidas. AO Pedro Costa Constelação Feitiço da Vila Comecei em abril de 2010 no CEU ‘Feitiço da Vila” em novo equipamento o qual despertou minha atenção à comunidade do Valo Velho. Fiquei surpreso com fato de que a maioria do vocacionados era senhoras e, em menor número, senhores. Fiz o RG deles em que eles comentaram que nunca haviam feito dança e queriam fazer dança de salão. A partir de um trabalho de sensibilização e conscientização corporal, utilizei alguns técnicas como contato, dança de salão e jogos lúdicos. O eixo norteador baseou-se em bate-papos e histórico de vida, frequência e participação no CEU. Percebi ao longo dessas conversas que o samba estava presente na vida de cada um deles e era o ritmo com o qual eles mais se identificavam. Isso deu oportunidade para que eles se soltassem e criassem suas danças. Comecei a pesquisar dança contemporânea e o samba mais profundamente e adotei Adoniran Barbosa como foco da pesquisa por mais bem representar o samba e também a vida cotidiana dos paulistanos. Propus que todos os vocacionados fizessem uma pesquisa sobre a história desse importante sambista. Muitos trouxeram recortes de jornais, pesquisaram online, assistirão a documentários, leituras em sala de aula e outros elementos que foram incorporados ao trabalho de dança. Como uma extensão dessa pesquisa, fizemos uma visita ao bairro do Bixiga para que eles vivenciassem um pouco da história desse bairro em que a obra de Adoniran Barbosa se realizou. Caminhamos por diversas ruas e paramos em alguns locais que representam a vida desse sambista como a Praça Don Orione que contém um busto em sua homenagem. Continuando nosso passeio, fomos até a escola de samba Vai-Vai na qual, sob o ritmo da bateria, todos sambaram animadamente. O passeio terminou no Núcleo Pedro Costa em que fizemos uma ação/processo para discutir, ouvir e dançar Adoniran. Percebi após esse passeio um maior entrosamento no processo coreográfico e entre os vocacionados. Buscando a relação forma e conteúdo, agreguei aspectos da vida cultural deles em que vários elementos servem como uma base coreográfica. Uma senhora dançando com um pote d’água sobre a cabeça evocando momentos vividos na sua infância, ou outra senhora, com 66 anos, que consegue fazer se expressar com seu corpo toda sua história de vida. Entre algumas ações culturais estão: Parceria com teatro e dança Visita ao museu da Língua Portuguesa, Pinacoteca Dança Manancial (Parque Ecológico do Guarapiranga)Apresentação no CEU “Feitiço da Vila” de um espetáculo de dança na Virada CulturalAulas abertas durante a festa junina e o aniversário do CEU “Feitiço da Vila”

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Débora Marçal CONSTELAÇÃO VILA DO SOL Acredito ter como ponto importante a fusão entre a arte palco/pesquisa e a arte orientação/pesquisa, para isto trago exatamente o ponto onde estas duas praticas se fundem, no trabalho de pesquisa da Capulanas Cia de Arte Negra e o Mix Dança, Teatro e Musica Vocacional. Criei com mais 3 jovens negras e artistas, a Capulanas Cia de Artes Negras, e ela que foi a minha porta de entrada para o projeto dança vocacional em 2007, como resultado desta primeira experiência de orientação da AO Jonaya de Castro e a Capulanas Cia de Arte Negra, com o projeto surgiu uma cena que era de teatro e ao final se tornou completamente dançada, não que este fosse o objetivo do projeto neste momento, mas foi o que foi feito. Em seguida em 2008 adentrei este projeto como Artista Orientadora. Na Capulanas Cia de Arte Negra pesquisamos, como o nome já diz, arte negra, que tem como base e foco principal a arte africana onde o hibridismo é o fio condutor da arte, dança, teatro, musica, performance entre outras, compartilhamos nossas vivências com o pensamento e prática também da Cultura popular brasileira. O projeto mix cultural, neste formato, com esta configuração (no ano de 2009 foi realizado o primeiro sarau mix cultural, porém foi somente o sarau, não houve um processo, de aula mix, como foi agora) surgiu primeiramente a partir de um aspecto, recorrente, no inicio do ano no projeto vocacional na maioria dos equipamentos e linguagens, a evasão, flutuação, ate formarem as turmas temos um longo caminho e muitas ações. Esta junção deu certo e frutos, no primeiro a dança estava sem quorum e na segunda o teatro estava sem quorum, juntamos as turmas estas duas vezes, e na terceira e quarta surgiu o interesse por parte dos vocacionados, e dai pra frente começamos a desenvolver uma forma, que no começo era de improviso, que funcionava muito bem por sinal, e depois começamos a pensar separadamente ações que tivessem um dialogo entre as duas linguagens, e a orientação então se dá da seguinte forma, das 9h as 10h somente dança, das 10h as 12h dança e teatro e das 12h as 13h somente teatro, neste primeiro período trabalhamos uma orientação mais voltada somente pra dança; Como ação cultural foi trabalhado a questão do agente cultural, como este agente dialoga com a comunidade? como esta comunidade acessa o equipamento? e como o fazer artístico se insere nessas intersecções? o vocacionado teve como tarefa/exercício organizar todo o Sarau Mix, entrando em contato com os artistas do bairro, para as apresentações e exposição de artesanato, e as apresentações artisticas, organização e realização de todo trabalho, decoração do espaço, recepção dos convidados comunidade e artistas vocacionados de outro equipamento, preparação do espaço para o sarau, elaboração dos cartazes que decoraram o espaço do redondo, se apresentaram, e ao final deixaram os espaços utilizados exatamente como encontraram, neste mix cultutal, o tema era a palavra e a palavra que se sobresai com certeza é VOCACIONAL.

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Luana Araújo CONSTELAÇÃO CAPÃO REDONDO “Salve, meu corpo, minha estrutura de viver e de cumprir os ritos do existir! Amo tuas imperfeições e maravilhas, amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes.” Carlos Drummond de Andrade CONSTELAÇÃO......... “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!”E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto … ... Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” Olavo Bilac Constelação é um grupo de estrelas que aparecem próximas umas das outras no céu que quando são ligadas formam uma imagem de um animal, objeto ou seres fictícios. Em Gramática, é o coletivo de estrelas (qualquer conjunto de estrelas pode ser chamado de constelação). Para a Astronomia, constelação é uma região do céu. Nesse conceito astronômico, pertencem a uma constelação não somente estrelas, mas qualquer objeto celeste que, visto a partir da Terra, esteja contido na mesma região, mesmo sem qualquer ligação astrofísica com outro objeto ou estrela da constelação. Na verdade, normalmente estão bastante distantes uns dos outros. Tudo o que está em uma constelação mantém apenas um vínculo (uma ligação) aparente. O trabalho desenvolvido no Programa Vocacional no CEU Capão Redondo permeia a dança contemporânea, dança-teatro e jogos cênicos, danças populares e registros de fotos e vídeos. Tem como principal objetivo o trabalho da corporeidade, maneira pela qual o cérebro reconhece e utiliza o corpo como instrumento relacional com o mundo. Partindo do trabalho de consciência corporal, percepção do corpo e seus espaços, suas diversas formas de apoios e utilização dos mesmos, a dança e o processo investigativo das interpretes - criadoras vocacionadas foi conseqüência de descobertas e novas possibilidades de comunicação. Estrategicamente, parte-se da percepção do uso funcional que as artes, com suas especificidades, fazem do corpo humano, distinguindo tal uso de duas formas: primeiramente, as que partem da corporeidade, tendo o corpo como imagem, referência ou inspiração, denotado em processos descritivos ou modalidades plásticas que recuperam a imagem do corpo humano, quer figurativamente, quer de modo a diluir, em maior ou menor grau, as referências corporais; e, em segundo lugar, as que assumem um processo de corporificação, buscando a presença física do corpo, a exemplo das artes cênicas e demais modalidades de intervenção em que o corpo é presente cenicamente. Há que se diferenciar, no entanto, corporeidade e corporificação. Por esta última entende-se, aqui, a assimilação de idéias estruturadas, advindas de referências

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cotidianas, natas, sociais e/ou culturais e a constituição de uma mensagem corporal que evidencie ou traduza tais idéias. Trata-se da construção de uma partitura corporal que expresse uma idéia pré-concebida. As aulas são divididas em duas turmas 1. formada por adolescentes, aos domingos, das 10h00min as 13h00min. 2. formada por mulheres de 40 a 60 anos, aproximadamente, também aos domingos, das 13h30min as 16h30min, com publico flutuante. A ênfase da primeira turma se da no processo de descoberta do corpo e suas possibilidades a partir dos jogos cênicos e exercícios de percepção e conscientização corporal. A disponibilidade do corpo também se da por parte do trabalho com as danças populares (que alem de seu caráter lúdico, auxiliam na aproximação dos vocacionadas da nossa própria cultura e influencias, muitas vezes desconhecida). O trabalho foi enriquecido pela apreciação de cada exercício bem como de cada ação externa. O protocolo foi espontâneo. Por vezes registrado em imagens,outras em poemas, outras em textos, e outras ate, em musicas. Foram desenvolvidas partituras corporais pelas próprias vocacionadas, a partir do seu caminho, seus repertórios pessoais explorados e adquiridos, suas historias, e o que gostariam de contar a partir daquele corpo. Com o auxilio da idéia de "Patrimônio material e imaterial", pesquisamos o sentido da cultura, das formas de expressão de cada povo, qual a materialidade que expressa esses sentimentos e a relação entre as historias de todas elas. A segunda turma passa pelos mesmo princípios do jogo, exercícios de percepção. O foco, porém, com maior direcionamento ao trabalho de alongamento e conscientização corporal a partir de fundamentos das danças sociais (danças de salão). Devido interesse do grupo, são desenvolvidas bases e seqüências coreográficas com base em deslocamentos, a percepção da dança a dois (sensibilização de si e do outro), a importância do olhar e da comunicação não verbal. O "Patrimônio material e imaterial" mais uma vez veio com as danças dançadas pelos pais, avos... A relação do registro a partir de desenhos tenta transpor sensações a partir das cores e imagens. Esses registros resultam em protocolos poéticos e sensíveis, simples e delicados. AO PESQUISADOR / FORMA E CONTEUDO O termo corporeidade diz respeito à essência ou à natureza dos corpos ou dos estados corporais, relacionando-se a tudo que preencha o espaço e se movimente, mas que, ao mesmo tempo, situe o homem como um ser no mundo. Tem, portanto, um caráter denotativo, como representação das condições de comportamentos, atitudes e dinâmicas corporais do cotidiano de cada momento e espaço histórico-cultural. Para este trabalho artístico, o termo toma uma interpretação simbólica, passando a traduzir um corpo expressivo, o qual preenche o espaço determinado, de modo a comprometê-lo com seus significados e sentidos. Neste sentido, a corporificação é a construção de uma partitura corporal dentro de cada proposta, a qual parte da observação do corpo cotidiano (corporeidade), para recompô-lo na cena, portanto em termos conotativos. A corporificação, então, é um processo que pressupõe a consciência corporal e da motricidade humana, além de seus aspectos críticos da corporeidade, a qual é redimensionada na cena enquanto movimento, gesto e expressão. A pesquisa acontece por vários caminhos.

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Desde o pessoal, como artista-orientadora, que desenvolve uma proposta em que acredita e vê que da o certo resultado, como a pesquisa compartilhada de cada vocacionado, que se descobre e reinventa seus movimentos a cada encontro proporcionado. O corpo e descoberto a partir da respiração. Da soltura e contato com o solo. Da percepção do corpo, seu peso, seus espaços e alavancas. O rito de ser e se sentir. Os exercícios de alongamento permitem maior agilidade e sensação de prazer imediata. Auxiliados por massagens individuais e conjuntas, a disponibilidade do corpo para a descoberta do movimento se faz mais eficaz. O caminho da descoberta de cada um, seu tempo, a escuta do próprio corpo e suas necessidades e, com isso, ter mais prazer a partir de seus movimentos, poder se relacionar com as demais pessoas e coisas de forma mais sensível são alguns dos principais objetivos que tenho nesta pesquisa. O prazer consigo mesmo. Com sua dança. Com seu corpo. O trabalho de consciência corporal visa proporcionar maior controle sobre as possibilidades e limites corporais. Visa aproveitar o potencial do movimento, o prazer do alongamento, a sensação do relaxamento, o poder da força. A dança contemporânea a partir do contato e improvisação oferece um espaço para livre experimentação do movimento, um momento de encontro com a criatividade e espontaneidade propondo um diálogo físico por meio da troca de peso e do contato que possibilita uma profunda percepção de si mesmo e do outro. As danças populares acrescentam aos sons e movimentos, o contexto histórico e cultural de cada região do país. A partir do jogo, da brincadeira e da disponibilização corporal, os participantes, de forma lúdica, tem contato com suas próprias raízes e tradições culturais. Os jogos cênicos visam despertar e investigar os processos criativos e as expressões cênicas criativas e não-criativas. O resultado e a criação de partituras coreográficas pessoais de acordo com as percepções e necessidades de cada uma. De acordo com o sentido que aquele movimento faz para cada uma delas. USO DO ESPAÇO CONVENCIONAL / NÃO CONVENCIONAL Diversas foram às pesquisas em relação aos espaços disponíveis no equipamento. A principio, abrigados por uma sala no prédio da EMEF, desde o primeiro encontro já utilizamos o corredor do andar superior e escadas. Algumas atividades aconteceram na área do redondo, com o objetivo de maior visibilidade das atividades. Com esse espaço, outros também surgiram. O gramado próximo ao BEC (onde num final de tarde, fizemos uma dinâmica linda de registro de sombras a partir do contraste da luz no corpo das participantes projetado na lateral do prédio. A quadra e a beira da piscina também já serviram de palco para intervenções e pesquisas corporais. Alem disso, áreas gramadas e uma pequena clareira no meio de arvores próxima ao estacionamento também possibilitaram o contato com a natureza, o sensível, a extensão natural do nosso corpo que e o espaço que ocupamos. AÇÃO CULTURAL / APRECIAÇÃO Diversas foram as ações culturais realizadas ao longo do ano. Desde ações locais de divulgação do programa (em escolas e espaços comerciais e públicos da região), ate saídas, visitas a outros CEUs e outras turmas de vocacionados, permitindo e valorizando a rede composta pela equipe.

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Pude acompanhar o processo de praticamente todos os AOs da equipe devido algumas substituições (por ser a única com aula aos domingos e todos os outros aos sábados, quando necessário, substituía outro AO sem prejudicar o processo realizado no equipamento em que atuo. Alem disso, possibilitou que minhas vocacionadas me acompanhassem reforçando o trabalho realizado semanalmente. Com cada uma das turmas que passei, tentei desenvolver um pouco do trabalho de percepção e escuta do outro. A partir de jogos cênicos, a disponibilização do corpo para o movimento., respeitando e somando sempre a proposta do AO titular. No CEU Capão Redondo, fizemos alguns passeios pelo entorno, com a proposta de nos aproximarmos da historia pessoal de cada um. Um lugar importante (valor imaterial), acompanhada por pic-nic e lembranças compartilhadas (patrimônio material / imaterial). Em um desses encontros, fomos juntos a turma de teatro ao Parque Santos Dias, numa ação conjunta, com intuito de aproximar os vocacionados e as linguagens. Outros, em lugares significativos para elas (lugares que freqüentam e realizam algum tipo de atividade pontual). Além disso, fomos a alguns espetáculos de dança (dança contemporânea e dança-teatro) valorizando e reforçando a importância da apreciação, e o quanto ela pode interferir no desenvolvimento de criação pessoal do repertorio de movimentos. Alguns espetáculos que fazem parte do fomento, alguns sugeridos por elas. Houve a tentativa de aproximação com a comunidade na participação do Sarau da Biblioteca mas que, por incompatibilidade de horários não pode se repetir. Um encontro pontual foi a Ação Processos, realizada no Parque Ecológico Guarapiranga onde os vocacionados tiveram oportunidade de se encontrarem, trocaram idéias e experiências. O contato com a natureza e a relação com a água (água do universo, água do corpo), anteriormente trabalhada em alguns encontros, fez com a que a percepção do sensível e do corpo que transcende a capa de pele fez muito mais sentido. SUSTENTABILIDADE - AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO A partir das ações e do desenvolvimento do processo, buscou-se o trabalho de autonomia visando a emancipação e sustentabilidade do trabalho realizado. Iniciativas como a proposta da realização de um sarau regional, com a busca de apoios dentro e fora do equipamento foi um dos resultados obtidos. Há ainda a idéia de realizar, no equipamento, o "Dansarau", encontro de dançarinos e pensadores de dança da região, visando o fortalecimento e intercambio das linguagens da dança que existem naquela região, alem do acesso da comunidade ao equipamento, visando a apropriação do bem publico por parte da comunidade. “Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente”. (Paulo Freire, 1996, p.85)

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PROGRAMA VOCACIONAL - PROJETO DANÇA VOCACIONAL PESQUISAS EQUIPE LESTE3

José Romero Toada à Toa A vida, apenas se sonha que é plena, bela ou o que for. Por mais que nela se ponha é o mesmo que nada por. Pois é certo que o vivido -na alegria ou desespero- como o gás é consumido… recomeçamos do zero. (Ferreira Gullar) Introdução Os recortes que deram ensejo às pesquisas realizadas pelos integrantes da equipe leste 3 emergiram após o encontro com Nirvana Marinho, coordenadora pedagógica do projeto dança vocacional, no mês de julho. Naquela reunião de equipe falamos do histórico de cada um, “quem somos?” e “como fazemos?”. Cada integrante da equipe nomeou um procedimeno pedagógico que havia trabalhado nos seus encontros com os vocacionados e que considerava significativo para pesquisa que vinha desenvolvendo. Os procedimentos foram assim nomedados: Andrea Soares – reconhecimento do eixo/mandala, Camila Vinhas – registros de depoimentos corporais, Josefa Pereira – recebero peso do outro, Penha Pietras – criação, Smile – desconstruir/construir, TJ – apreciação ao todo comum e José Romero – móbile. A partir desse encontro onde floresceu a vontade de escrever/descrever/refletir sobre o trabalho/pesquisa que cada um desenvolvia, passamos a reservar nos encontros semanais (reuniões artístico pegadagógica de equipe) momentos para discutir a pesquisa que cada um conduzia, pensando nos desdobramentos e desmembramentos que afloravam nas reuniões e nos encontros com os vocacionados. Nesse sentido, todas as pesquisas foram se transformando e indicando novos olhares e caminhos para os artistas orientadores e o coordenador artístico pedagógico. Nesse momento, outubro de 2010, as ações culturais/políticas e os encontros com os vocacionados tem como objetivo fomentar a apropriação, na esfera artística e ou política/ética e ou cultural, dos conteúdos trabalhados pensando em gerar um campo de autonomia/emancipação sobre esses conteúdos para todos os envolvidos. Para esses ultimos meses de projeto também são objetivos a realização das mostras finais (ação cultural onde as pesquisas são compartilhadas) e desenvolver e fortalecer entre AOs, Vocacionados, equipamentos e o Programa Vocacional, estratégias de sustentabilidade para os meses em que o projeto dança vocacional não atua. Os textos aqui reunidos são frutos de reflexões individuais e coletivas realizadas dentro da equipe, foram desenvolvidos respeitando as características e maneira de se expressar de cada integrante e devem ser vistos como uma fotografia que mostra o momento atual dessas pesquisas.

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JOSÉ ROMERO (coordenador artístico pedagógico – equipe leste 3) Como coordenador artístico pedagógico sou afetado pelas pesquisas que cada artista orientador desenvolve, e em conjunto, pensamos em ações que possam potencializar estas pesquisas. A equipe tem como prática a troca de saberes entre todos e o arcabouço conceitual, as práticas desenvolvidas e relatadas e a metodologia adotada se dirigem, enquanto procedimentos e resultados, a realizar uma aproximação entre a arte, seus aspectos pedagógicos e os contextos éticos e políticos que afloram na condução/desenvolvimento do projeto dança vocacional. Individualmente minha conduta visa responder ou simplesmente vivenciar as “perguntas desencadeadoras de questionamentos” que vão surgindo no espaço tempo que o projeto se desenvolve. PERGUNTA DESENCADEADORA: 1- COMO CHEGAR EM UM LUGAR, CONHECER A SUA HISTÓRIA, OBSERVAR PARA PODER ATUAR EM PARCERIA? Registros Digitais A pesquisa de um lugar a partir de registros fotográficos e videográficos digitais, quanto ao procedimento, a manipulação da matéria, a busca de sentidos, a ação de revelar, tornar visível e apresentar imagens está atrelada ao ato criador investigativo. Ato criador - percepção da imagem – experimentação – significâncias - identidades próprias - imagens únicas. Como afirma Salles (1998), o ato criador é um contínuo processo de formalizar a matéria, de uma determinada maneira, com determinado significado, que gera experimentações no tempo e no espaço, que a autora chama de documentos de processo. Os registros fotográficos e videográficos das ações culturais/políticas e dos encontros realizados pela equipe Leste 3 são entendidos como documentos de processo que guardam na sua essência o frescor e potência do momento em que foram produzidos e que analisados em conjunto com outros documentos de processos produzidos (textos, poesia, protocolos, etc.), são objetos que auxiliam a reflexão e compreensão dos contextos culturais e políticos da região onde atua a equipe Leste 3. PERGUNTA DESENCADEADORA: COORDENADOR ARTÍSTICO PEDAGÓGICO TAMBÉM PESQUISA? 1- Móbile A partir da inquietação que traz a pergunta - O que é ser um coordenador artístico pedagógico do Programa Vocacional ? e coordenador artístico pedagógico também pesquisa? – passei a atuar como um articulador dos interesses que emergem de cada núcleo formado pela tríade CEU, artista orientador e vocacionado, assim, dentro da equipe, atuo como uma peça que aproxima todos em torno de um interesse comum, interesse esse, que vai se tranformando no decorrer do espaço/tempo que o projeto se desenvolve. A imagem do móbile surje dentro da seguinte perspectiva: deixar que as peças se movam com seus peso e contrapesos em torno de um eixo comum preservando suas características e subjetividades. Móbile – Criação do escultor americano Alexander Calder (1898-1976) o móbile é um objeto típico da arte cinética, designação dada a obra de arte que tem movimento

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real ou uma impressão de movimento criando com a sua movimentação várias formas no espaço. 2 - Apreciação de espetáculos como suporte para discutir: conteúdo e forma - ocupação de espaços não convencionais – emancipação.

Deslocamentos: centro/periferia – periferia/centro – periferia/periferia.

Gerar estratégias para que o vocacionado se perceba como um cidadão dentro do contexto cultural da cidade. Circular pela pólis, romper com as barreiras espaciais, políticas e sociais que dividem as várias cidades dentro da mesma cidade.

As organizações da elite, a segmentação e desorganização das massas parecem ser o mecanismo gêmeos de dominação social nas nossas sociedades. O espaços tem um papel fundamental nesse mecanismo. Para dizer em poucas palavras: as elites são cosmopolitas, o povo é local. O espaço do poder e da riqueza se projeta em todo o mundo, enquanto a vida e a experiência da gente comum é radicada nos lugares, na própria cultura e na própria história (Castells, apud MICONI: 2008, p. 162).

Vivênciar novas possibilidades através do deslocamento pela cidade pode gerar um aprendizado mais amplo e reflexivo? As ações culturais ancoradas na experimentações que decorrem do ir e vir pela cidade visam, pelo deslocamento dos corpos, fundamentar e referenciar o fazer/dizer artístico dos vocacionados e revelar novas possibilidades de se conhecer e se reconhecer dentro da cidade.

A apreciação de espetáculos na região da central da cidade atende o desejo de levar os vocacionados para lugares diferentes dos seus espaços habituais.

Referências SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume. 2006. MICONI, Andrea. Ponto de virada: a teoria da sociedade em rede. In DI FELICE, Massimo. (org.). Do público para as redes – A comunicação digital e as novas formas de participação social. São Caetano do Sul: Difusão, 2008 PENHA PIETRAS CEU Lajeado O que me interessa é a procura por outros movimentos – como acontece novos movimentos que então geram novas criações? Olhar sensível – procura, procura procura….

O potencial criador é um fenômeno de ordem mais geral, menos específica do que os processos de criação através dos quais o potencial de cada um se reverbera, no corpo, e na atenção, no olhar. Por exemplo, um pedreiro montando uma parede. Ele já esta fazendo uma coreografia e criando. Basta fitar as coisas com atenção coreográfica e criar. Para olhar atento e sensível, uma roupa no varal tem também uma criação.

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Observando tudo a todo tempo, a criação é ordenada pelo momento e pela atenção, até o processo de criação. Quando você vê uma criança em um parque de diversão brincando ela está dançando? Seu corpo cria movimentos criativos bem livres. A criação para mim vem da observação de tudo e de todos. Desde o primeiro dia falo para os vocacionados observarem muito as pessoas nas ruas, em casa, no CEU. Ver bem seu modo de andar e se movimentar. Cada pessoa tem uma ginga diferente e muito própria. Nesta observação eles trazem muitas informações. Na hora que eu proponho movimentos criativos, tudo isso aflora, pois não tem bonito ou feio, tem o movimento.

Esta autonomia dá para eles sustentabilidade no movimento, haja vista as coreografias do vocacionado Thiago. Também é visto total autonomia de movimentos bem criativos no grupo todo, e a luta pelo seu lugar na dança, já sabendo que serão vitoriosos da dança. Com consciência do próprio corpo e respeitando o corpo do outro. Assim a dança lhes dará uma grande chance.

Sei que eles saberão como preservar seu lugar no CEU Lajeado, ou em qualquer lugar que eles estejam, pois o solo foi bem arado e muitos frutos surgiram.

PRIMEIRA RECEITA DA CRIAÇÃO

Quando eu tinha apenas 8 anos, vim pela primeira vez ao Teatro Municipal de São Paulo. Vi luzes negras, “Strobo”, foi lindo. Cheguei em Ribeirão Preto e montei a minha luz. Peguei minha bicicleta, papel celofane bem colorido e coloquei nas rodas, virei de cabeça pra baixo, deitada no chão e eu pedalava atrás de uma cortina transparente com dois abajours. Pronto, tinha minha própria luz “Strobo” negra. TJ CEU Jambeiro Eu sou da catinga ou não quem será? Lembrei falei como apareci Histórias tenho para contar “De quanto e tantos lugar” Minha raiz Olho até meus pés “Tão perto tanto longe” Não sei como achar Vejo calango pião criança pé no chão embuzada terra Terra seca não tem cheiro mas vive molhada Pela labuta que pela História poucos não sabem nada (poesia feita por TJ após assistir junto com os vocacionados espetáculo inspirado na obra de Guimarães Rosa no CEU Jambeiro) A pesquisa da historicidade de cada um O ultimo encontro da capacitação - Ação Cultural - no CEU Azul da Cor do Mar, Fábio Villardi falou sobre a história e a memória de cada pessoa que ali estava e assim usou um barbante, nele fizemos vários nós que simbolizavam a nossa coluna

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lembrando que cada um tem a sua maneira e jeito de se por. Essa vivência despertou a minha pesquisa como AO que é falar, descobrir, revelar os históricos de cada pessoa, equipamento, coordenadores, AO e vocacionados. Por que isso? A partir da vivência que eu tive naquele encontro pude perceber a importância de conhecer esse todo comum. Apreciação ao Todo Comum: nome de procedimento pedagógico por mim utilizado com a turma de vocacionados. Metáfora utilizada com os vocacionados para fortalecer a troca entre as experiências – o quanto é necessário saber da história que já existe. “Tinha um homem que morava em um bairro há 48 anos e freqüentava um mesmo bar há 48 anos e sentava no mesmo lugar há 48 anos e falava com as mesmas pessoas no balcão há 48 anos. Bebia no mesmo copo a mesma pinga há 48 anos. Derrepente aparece um alguém que nunca entrou naquele lugar - um alguém não sei quem - com um copo de água pura e transparente e oferece essa água para esse senhor de 70 anos. Ele olha e fala: meu filho, você está no meu bairro, próximo ao meu lugar, encostado no balcão. Não falou com a dona do bar, não perguntou o que eu estou bebendo. Faço isso aqui há 48 anos e você quer que eu beba a sua água? Você poderia pelo menos respeitar esta história que aqui já existe e experimentar minha pinga - esse alguém, não sei quem - experimentou a pinga do senhor que disse: aí sim, agora eu quero a sua àgua pura e transparente. A constelação já existe, as histórias se misturam, as pessoas já começam a se ver. Trocar é o que fica, falamos de historicidades. O encontro com outras pessoas da equipe Leste 3 (AOs e vocacionados), as ações culturais, ações pedagógicas são potencializadores desse processo de construção e emancipação no sentido de trazer consciência do que foi construído. A materialização deste percurso aconteceu no Bailão realizado em agosto, no CEU Jambeiro, ação que apertou a tecla da experimetação, a constelação anda! JOSEFA PEREIRA CEU Água Azul

CORPO ------- entendimentos – mecanismo – ---estruturação –--------- compreensão – percurso – desejos – história ----------- CONTEXTO-- ------ cotidiano – valores – espaços – procedimentos – ------atravessar– apreciar – experimentação --------APROPRIAÇÃO --------invenção– criação – estar arte.

Estas são as palavras que têm norteado o percurso desenvolvido com as turmas no CEU Água Azul. Como alguém que tateia no escuro, fui propondo e experimentando diversos procedimentos com o intuito de reconhecer os corpos que ali se apresentaram. Essas palavras formam uma constelação que giram em torno de 3 eixos centrados nas palavras: corpo, contexto e apropriação. Assim como estes meses de processo no equipamento, estas três palavras puderam estruturar eixos em uma tríade que exclui qualquer tentativa de um caminho centralizado. Nosso trajeto segue por corredores cheio de portas.

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Juntos, entramos por algumas delas, desaguando em outros corredores sempre maiores e com uma infinidade de novas portas. Alguns momentos, em fina sintonia pudemos encontrar aberturas realizadas em comum e sensível acordo, instantes preciosos onde pudemos coletivamente experimentar e vivenciar um campo que a todos cabiam. Já em outros momentos, portas foram abertas por grupos menores, e às vezes, por medidas tirânicas escancaramos portas que ainda não nos era possível compreender, e que por vezes nos assustava, nos provocava solidão ou insegurança. Andamos por caminhos coloridos que para alguns se compreendia um campo florido, para outros um campo altamente vertiginoso, enquanto outros somente viam preto e branco. Não me é possível encontrar melhor jeito de relatar o processo de pesquisa desenvolvido até aqui se não por esta metáfora. -Encontros com as turmas: Durante os encontros foram testados uma infinidade de procedimentos, de um modo geral, eles foram estruturados em diferentes momentos: 1.trabalho de sensibilização e reconhecimento corporal – aquecimento e alongamento; trabalhos de estruturação partir de conscientização óssea, temporal e espacial; seqüências de movimentos a partir dos elementos estruturais experimentados. 2. procedimento criativo – investigações e jogos experimentais de elementos criativos em dança. 3. apreciação – outro momento sempre presente nos encontros, fomos traçando diferentes modos de apreciar os exercícios desenvolvidos, buscando uma relação não hierárquica entre “fazer”e “refletir”. 4. protocolo – ainda não totalmente apropriado na prática dos encontros, estamos desbravando e descobrindo modos de construir este protocolo. Tentamos partir da caixinha (sugestão do TJ), testamos depoimentos em vídeo, escrevemos, circulamos o livro do vocacional como modo de reflexão contínua além das paredes do equipamento, trouxemos anotações sugeridas pela A.O. e ainda estamos testando estes modos. Estes momentos dos encontros foram experimentados em diferentes proporções, como tentativas de articular diferentes etapas da experiência em dança. Juntos, eles traçam uma pequena metodologia que tem por objetivo construir um trajeto corporalmente compreensível e coerente dentro do percurso de trabalho. Estes momentos, apesar estarem aqui enumerados, não correspondem a uma relação linear e hierárquica, mesmo tendo eles o objetivo de buscar uma certa ordenação, fui procurando estabelecer diferentes jeitos de criar reordenações de acordo com o interesse em cada situação, como um meio de proporcionar novas ferramentas e descobertas e de não enrijecer o processo em andamento. Um pequeno repertório de experimentos foi sendo desbravado (a ele se referem as palavras iniciais), gerando este “percurso de portas” ilustrado pela metáfora descrita acima. Se por um lado, este repertório foi se dando de maneira fragmentada, por outro, ele foi o modo possível de uma trajetória marcada pela procura constante de um diálogo menos efêmero em um contexto onde há uma demasiada procura por eventos festivos onde poucas vezes se cultivou o vínculo coletivo, temporal, ou crítico dentro de seu contexto. -Festa Junina no Sambódromo e Show de Talentos: A atuação do projeto dança vocacional no CEU Água Azul, se pautou na tentativa de estabelecer uma relação mais próxima entre seus coordenadores de cultura e

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gestor. Em um equipamento marcado fortemente por eventos de caráter festivo, imprimindo assim, um certo tipo de envolvimento entre esta comunidade que o cerca, aceitamos desenvolver ações demandadas pelo equipamento como modo estabelecer vínculos e conquistar visibilidade e espaço. -Encontros de Improvisação: conteudo e forma A partir da observação de uma demanda por eventos extraordinários aos encontros cotidianos do Programa Vocacional no equipamento, surgiu a parceria entre as artistas orientadoras Josefa (dança), Camila (dança) e Lígia (teatro), e buscando também a atuação dos coordenadores de cultura. A proposta de criarmos encontros entre os vocacionados das diferentes linguagens emerge de um interesse compartilhado pelas turmas ali envolvidas em desenvolver experimentos criativos onde a questão fosse a improvisação. O projeto ainda está sendo experimentado e transformado, mas já começa a delinear algumas escolhas estéticas. O encontro propõe inicialmente um momento de experimentação onde se estabelecem alguns procedimentos que nortearão a pesquisa do dia. Com base nestes primeiros exercícios, criamos no palco momentos de livre experimentação onde apenas algumas delimitações recortam o palco em pequenos territórios. Um deles corresponde à palavra: como depoimentos, sonoplastia, narração, etc; outro corresponde ao protocolo: uma reflexão pode ser registrada em papel durante o acontecimento improvisado; outro corresponde ao corpo: neste acontecem as cenas buscando um diálogo de acordo com a proposta feita ao início do encontro, ou mesmo, correspondendo a conteúdos trabalhados no contexto de cada turma. Alguns destes recortes (delimitados por linhas no espaço) são redefinidos de acordo com interesses e sugestões referentes ao andamento dos encontros. Ao final, retiramos as delimitações espaciais e abrimos o experimento para que outros desdobramentos surjam livremente. CAMILA VINHAS CEU Água Azul Como A.O. Pesquisadora, em meu primeiro ano no Programa Dança Vocacional 2010, na cidade Tiradentes - CEU Água Azul, resolvi abordar dois lados/ações do que se tornou a mesma pesquisa, devido à demanda do espaço político-organizacional do CEU versus a demanda pela criatividade dos vocacionados ali inscritos. Desde meu primeiro encontro no CEU Água Azul captei imagens dos vocacionados que conheci. Na forma do que chamei de “Depoimentos Corporais” os voacionados se apresentavam, diziam seu nome, o que era dança para eles e o que eles mais gostavam na dança e então dançavam sua resposta. Muitos deles realizavam os movimentos ao mesmo tempo em que falavam e outros preferiam movimentar sua história depois de contá-la verbalmente. Através de nuances entre suas escolhas de expressão fomos localizando suas histórias/memórias assim como o quanto de liberdade davam para suas movimentações. A partir de então passamos a experimentar diferentes modos de composição coreográfica ao mesmo tempo em que desenvolvemos técnicas de aquecimento/integração do corpo/mente, realizadas através das manipulações, alongamentos e torções da Madame Beziérs, toques de osso da Ideokinesis, rolamentos, alongamentos e exercícios de respiração, de troca de peso, de mudança de planos, de dinâmicas e fontes de movimentação.

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Ao mesmo tempo, assistimos juntos em 3 sessões de cinema, projetados de um telão na parede, documentários sobre grupos e artistas que nos inspiraram, como o grupo “Mulheres de Eldorado” dirigido por Rose de Almeida, na cidade de Diadema, em que mulheres da terceira idade, em geral donas de casa, iniciaram um grupo de dança depois de assistirem suas filhas dançando, orientadas por Rose de Almeida, que então convidou estas mães para dançarem junto com suas filhas e criaram o espetáculo “Maria Resistência”. E também “Renée Gumiel, a Memória Gruda na Pele”, de Inês Bogéa, sobre esta fantástica bailarina que dançou e atuou até seu último dia de vida, aos 93 anos. REGISTRO DE DEPOIMENTOS CORPORAIS A proposta foi captar registros videográficos de depoimentos corporais dos vocacionados quando chegaram ao CEU Água Azul, no início das atividades, para mostrar seus desejos, anseios e também seu modo espontâneo de movimentação preferida. Durante os dois primeiros meses foram coletados pouco mais de 20 depoimentos corporais, na medida em que o processo criativo das aulas foi se desenvolvendo, assim como outras demandas externas foram surgindo e que se tornaram ações culturais e que também foram filmadas, como é o caso da apresentação dos Vocacionados no Sambódromo no dia 19 de Junho de 2010, mostrando um segundo momento da movimentação e da organização destes vocacionados no espaço. E mostrando também as diferentes fases deste processo de preparação para uma ação externa e completamente inédita para eles, bem distante da realidade da Cidade Tiradentes. Voltei a registrar os vocacionados quando desenvolvemos ações culturais híbridas em conjunto com o teatro, em conjunto com a AO Lígia, e as duas turmas de dança do Céu Água Azul, minha e da AO Josefa. Em julho e agosto realizamos o I e o II Encontro de Improvisação destas 3 turmas do CEU, e portanto temos o resgistro do início deste outro momento criativo dos nossos encontros no Céu Água Azul. Temos também resgistros das apresentações das 2 turmas de dança e da turma de teatro na Abertura do Show de Talentos, em que mostramos o início da nossa composição/jogo. Agora voltarei a registrar os vocacionais nestes próximos encontros de outubro e novembro, quando realizaremos o III Encontro de Improvisação, tudo dando certo, na própria Bienal, já que viemos trabalhando o conceito de territórios. E também registrarei as apresentações que meus vocacionados farão no mês de novembro, nas mostras reginais dos 5 equipamentos que compõe a equipe Leste 3 (CEUs Água Azul, Azul da Cor do Mar, Inácio Monteiro, Jambeiro e Lajeado) intentando agora vislumbrar uma geografia corporal reconhecida e/ou conquistada por eles durante as atividades de 2010. MOVIMENTAÇÃO E (DES)CONSTRUÇÃO Como aproveitar a movimentação que os próprios vocacionados trazem em seus corpos e suas histórias e como desconstruí-las através da conscientização corporal, no micro e no macrocosmos, ou seja, no corpo, no organismo, na saúde daquele que dança, na percepção de seu próprio corpo/ser, espaço, no CEU, na comunidade onde ele dança.

Com um rolo de papel craft aberto por todo o chão do teatro me coloquei sobre o papel estendido e fiz uma ação, então declarei minha intenção para com aquela ação. Eles então munidos de canetas, desenharam sobre o papel o que havia ficado em contato do meu corpo com o papel, assim como da minha sombra no papel. Então todos escolheram uma ação e um intenção correspondente e se colocaram no papel e foram desenhados e mapeados pelo todo. Depois que todos haviam passado pelo processo, fechamos os olhos e caminhamos sobre o papel pensando e sentindo todas aquelas

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intenções e ações ali impressas em pedaços de nossos corpos desenhados. Foi então que uma das vocacionadas perguntou se era assim que se fazia obras contemporâneas de artes plásticas, “Daquelas que a gente não entende nada, né!”. Sim, a resposta foi justamente salientando que muitas obras de arte da contemporaneidade tinham seu foco no processo e não na finalidade da obra em si. Foi então que seguimos para uma roda de improvisação com algumas regras de composição. No final, pedi que cada um escrevesse naquele papel gigante uma síntese do que tinha ficado de tudo aquilo para cada um deles, então nós expusemos o cartaz do lado de fora do teatro. Mas a coordenação do esporte arrancou a tira de papel no dia seguinte de manhã cedo. De qualquer forma tudo aquilo já esta impresso em nós. Mesmo assim eu consegui reaver aquele nosso “palimpsexto” e confesso que ele parece mesmo uma obra de artes plásticas, como bem disse a vocacionada. Esta é a célula de nossa criação/performance que ainda está sempre em processo de desenvolvimento. Mas mesmo em processo, já apresentamos para o público esta performance/célula na abertura do Show de Talentos do Céu Água Azul em agosto. Neste mês de outubro conseguimos um ônibus que levou os vocacionados da cidade Tiradentes para assistirem o espetáculo de dança “Eu Rio”, na biblioteca Raul Bopp, no Parque da Aclimação, espetáculo este criado e interpretado por mim, e naquele sábado chuvoso de dia 2 de outubro, dançado quase que exclusivamente para eles. Foi emocionante dançar para os vocacionados, naquele momento selamos nossas relações de criatividade e o grupo se fortaleceu ainda mais. Depois disso, umas da vocacionadas, na verdade aquela que considero a monitora, Natali, nos contou que seu pai é tecelão e que vai conseguir com ele e a fábrica onde ele trabalha, os tecidos que faremos os figurinos da nossa performance/Jogo. Esta atitude emancipadora é totalmente coerente com a pesquisa que viemos desenvolvendo durante este ano, está ligada ao nosso lugar no espaço, como nós nos apropriamos do espaço e modificamos ele ou nos adaptamos a ele, como podemos nos esvaziar e preencher enquanto espaço para recebermos/sermos mais possibilidades, no micro e no macro-cosmos, dentro de casa, no CEU, na Cidade Tiradentes, na Zona Leste, em São Paulo, e também como suas histórias pessoais constríram seus espaços, como suas famílias chegaram até aqui e construíram suas vidas na Cidade Tiradentes. APRECIAÇÃO DE ESPETÁCULOS NO CENTRO DA CIDADE − Em Agosto, eu e a Josefa levamos todos nossos vocacionados para assitirem o

espetáculo "ONDE OS COMEÇOS?", com Wellington Duarte e Eliana Santana, na Sede Luz do Faroeste.

− Também em Agosto, levei meus vocacionados para assistirem a peça de dança

“DEVORAÇÃO”, com a Cia 8 Nova Dança, no Teatro de Dança. − − Em Setembro, fomos ao Teatro Imprensa assistir a peça de teatro “O POETA E AS

ANDORINHAS”, de Paulo Ribeiro. Havíamos sido convidados como um presente pela nossa apresentação no Sambódromo/Anhembi em Junho.

− Em Outubro, levei os vocacionados para conhecer o Parque da Aclimação e assistir

o espetáculo “EU RIO” na biblioteca Raul Bopp.

− Também em Outubro faremos nosso III Encontro de improvisação com as duas turmas de dança e a turma de teatro do CEU Àgua Azul na Bienal de São Paulo, e

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um pic-nic no Parque do Ibirapuera. DESLOCAMENTOS ENTRE OS CEUS DA EQUIPE LESTE 3 Em Novembro a equipe Leste 3 prepara as Mostras Regionais em cada um dos CEUs citados acima, e minha turma de dança do Água Azul se apresentará nos 5 equipamentos da Leste 3. Sinto que nossa equipe tem uma liga muito especial, forjada à escuta e generosidade no fogo da ânsia por realizar um trabalho que faça a diferença e sentido para cada vocacionado. Já sinto saudades mesmo sem ter chegado ao fim dos trabalhos, pois a tal da constelação ou rede que se forma entre nossas ações artístico-pedagógicas tocou fundo em mim. Como eu disse para minha equipe - talvez o melhor equipe do mundo, pelo suprassumo da sua capacidade de escuta – cada ação que realizada com amor no CEU Água Azul abriu uma janela em minha vida. E esta equipe me ensinou muito sobre ser equipe. Se eu pudesse eu a repetiria pelo menos por mais um ano, ipsis-literis conteúdo, forma e função! ANDREA SOARES CEU Inácio Monteiro

Dança Identidade

Como um pensamento ainda em composição (ou seria sempre em composição?), e um “nome” ainda por se aperfeiçoar, minha pesquisa para a dança vem se construindo ao longo dos últimos oito anos, graças à valiosa colaboração da experiência junto a projetos sociais diversos, dentre os quais está o Dança Vocacional. Em outras palavras, foram as demandas inerentes a este universo – busca da autonomia, emancipação, consciência cidadã, ampliação de horizontes estéticos, reestruturação da noção de coletividade, entre outros – que vieram alimentando, num intenso movimento de ida e volta de informações, o que poderia ser uma forma de pensar a dança expressiva, e na atualidade, a construção de possibilidades metodológicas para a efetivação deste pensamento.

Todo este percurso, em especial o que me levou ao trabalho como educadora social, foi inspirado e alimentado, desde sempre, pelo universo das culturas populares brasileiras. É neste regaço que o homem vive a arte como a vida mesma. É lá que as árduas e repetitivas atividades de sobrevivência do cotidiano das pessoas se entrelaçam com a arte, sem separações. Capinar o terreiro, cortar a cana, dirigir o caminhão é tão importante quanto bordar sua gola de maracatu ou tocar sua rabeca... Mas mais que isso, é neste universo também que se constitui o que me parece ser o ideal para a dança: a importância do ser enquanto indivíduo para a concretização do uníssono do coletivo.

Nas manifestações performáticas populares, os passos, gestos, a manipulação de elementos plásticos e os roteiros preestabelecidos ditam o “pulso” do coletivo, mas deixam um valioso espaço para o indivíduo se manifestar na sua singularidade, no seu “jeitinho” de dançar aquilo que todos dançam juntos. Esta reflexão inicial encontrou apoio no trabalho de Klaus Vianna, selando o que seria a base primordial desta pesquisa de linguagem. Para Klaus, é também o corpo de cada um o primeiro foco de pesquisa para a dança. É a partir desta individualidade e do autoconhecimento da mesma que a dança se constrói.

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Desta forma, a pesquisa empreendida pela “Dança Identidade” parte das estruturas do corpo, em especial o reconhecimento dos ossos e articulações e, dentro disso, suas possibilidades de movimento, para despertar em cada indivíduo a consciência sobre o mesmo, desestruturando padrões preexistentes e fixados, para ampliar este repertório. Neste trajeto, acrescentam-se informações sobre tônus muscular, relação com o espaço e com o outro, noções de oposição e resistência e de tempo/ ritmo.

Paralelamente, as danças populares tradicionais entrecruzam o processo, trazendo informações múltiplas que vão desde a ludicidade e interação grupal, até o repertório de movimentos e o uso de objetos ditados pelos passos pré-estabelecidos, e que são vivenciados a partir da consciência óssea buscada anteriormente. Estes passos ajudam na transposição dos padrões de movimentos pré-existentes e poderão ser usados em composições coreográficas fora dos padrões rítmicos e espaciais propostos pela dança de origem.

Há também um outro foco fundamental em trono das danças tradicionais brasileiras que é esta identidade cultural presente em nós e muitas vezes inconsciente. Um ponto que ainda merece uma pesquisa aprofundada, mas que aponta para o “inconsciente coletivo”, para as raízes étnicas que formaram o povo brasileiro e que residem em cada um de nós, mesmo sem um contato prévio muito explícito ou direto, e que surge a partir do movimento sempre que este trânsito por estas culturas vem sem o peso da ignorância, que muitas vezes traz o preconceito.

Quanto à composição coreográfica, vale salientar que todo o processo aqui descrito tem grande influência da improvisação, elemento essencial para a busca da consciência do movimento. E é a partir da improvisação também que a coreografia se constrói, gerando células que podem inspirar movimentos coletivos, organizados de forma fixa ou não.

Toda esta pesquisa, para longe de se isolar no universo da dança, acaba por reverberar na vida cotidiana. Pois é a partir da consciência de si, de seus limites e potenciais que cada pessoa pode investigar, individualmente, os caminhos para transpor barreiras ou aceitá-las, gerando um fortalecimento de auto-estima. Por outro lado, ao ver-se no mundo como alguém que faz parte de um coletivo e que o compõe com sua singularidade única, o indivíduo passa a se colocar socialmente de forma diferente: respeitando-se, respeitando e fazendo-se respeitar, consciente de seu papel no mundo. Claro que este é um processo que não se faz de imediato, mas que ao longo destes anos de experiência tem rendido muitas transformações marcantes, nos alunos e em mim!

A pesquisa no Dança Vocacional

Dentro do percurso com o Dança Vocacional este ano, no CEU Inácio Monteiro, esta pesquisa gerou percursos diferentes, em especial por conta das demandas trazidas pelos vocacionados (3 vertentes diferentes em 2 turmas, que agora viraram 2 vertentes em 2 turmas). Com uma parte destes vocacionados, o trajeto de investigação das estruturas do movimento gerou exercícios cênicos de tanta expressividade, que culminaram por construir o tema da improvisação: coluna – eixo – auto-conhecimento – relação com o mundo, com o outro. Em função deste indicativo, somado à inspiração vinda pela Crônica “O centro do Mundo é aonde vão os seus pés. O resto é periférico”,

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de Micheliny Verunschk encontrado na revista Continuum, do Itaú Cultural foi proposta a mandala como fonte de inspiração para esta relação “eu e o mundo”, “centro e periferia”. A partir deste pressuposto, foi encaminhada a pesquisa entre forma e conteúdo, delineando possibilidades de deixar latente na relação com espaço, as questões ligadas ao indivíduo, que também é conjunto.

Com o coletivo maior, o das senhoras, o trajeto surgiu concretamente a partir de um demanda externa ao Vocacional e foi a partir dela que a turma se fixou. Neste caminho, primeiro veio a coreografia, depois a investigação, que agora está em pleno curso. O indicativo para a criação de percurso atual surgiu primeiro de um desejo coletivo de “dançar forró” e de uma apreciação, após a primeira apresentação pública da turma, onde se refletiu sobre diferença entre dançar no baile e no palco. Entre os vários aspectos presentes, surgiu o tema da solidão, de ir ao baile sem o “broto”, o par para dançar, e o desejo de poder dançar um forró. Mais a frente, a partir da ação cultural de visitar o “Bailão Vocacional”, no CEU Jambeiro, esta lacuna ficou mais latente, reforçando a proposta que foi aceita por todos com grande euforia.

Neste grupo, a construção desta identidade corporal é uma grande missão, paralela a noção de coletivo e parceria que precisa se estabelecer. Há aí corpos esquecidos e enrijecidos pela vida e a escuta dos desejos das vocacionados é fundamental para despertar a autonomia para o movimento, que certamente se apresentará na vida cotidiana também. O caminho partiu então do forró, passando pela construção do “broto” de pano – a partir de mutirões organizados em forma de ação cultural – para chegar numa composição coreográfica bem simples, mas – espero – regada de consciência e autonomia. Neste grupo, a prática de registro é um grande desafio, em especial pelo analfabetismo, e pela própria efemeridade que parece haver em todas as atividades cotidianas das vocacionados. Recentemente, por ocasião da Ação Processos, o acesso aos lápis coloridos deram à luz um primeiro registro, que parece ser o caminho mais indicado para os protocolos: as artes visuais. Vale salientar que, apesar deste dificuldade com os registros concretos, esta turma sempre responde bem aos momentos de apreciação, o que demonstra uma disponibilidade para o exercício da reflexão.

O terceiro grupo, que agora vai agregar também o pessoal da mandala, passou pela investigação sobre as estruturas do corpo quando a turma ainda tinha apenas 3 vocacionados. Hoje são 10, que não vivenciaram isto e que entraram bem no momento voltado a composição de uma coreografia para participar de um evento extra vocacional (demanda trazida pelos vocacionados, que se inseriu de certa forma como uma ação cultural, pois os tornou mais presentes no equipamento com o qual se relacionam), mas que já teve este foco da criação coletiva, a partir de células trazidas pelos próprio integrantes da turma e organizadas a partir de minha orientação.

Neste momento este coletivo está mergulhando numa segunda etapa de investigação, sugerida a partir de informações colhidas durante apreciações ou outras conversas de teor sócio-filosófico que surgiram no começo de um dos encontros e instalou-se espalhando idéias por toda a sala! O caminho será o mesmo, resgate da consciência dos movimentos, construção coreográfica coletiva a partir do já vivenciado e de algumas danças populares que começaram a experimentar agora, com o intuito de refletir sobre “destino”: até onde somos responsáveis pelo nosso caminho? Tema que surgiu com muito fervor nesta conversa.

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Todas estas rotas de investigação no CEU Inácio Monteiro, de alguma forma, comungam com a “Dança Identidade”, em especial no que diz respeito à conquista desta autonomia corporal, nesta apropriação sobre o dançar e sobre o pensar sobre esta dança. Esta é uma premissa fundamental no percurso de aula e criação e que tem feito diferença no equipamento, que pela primeira vez registra um contingente relativamente alto de vocacionados, em continuidade ao longo do ano.

Dentro da perspectiva do Programa Vocacional para 2010, apenas um item dos procedimentos não foi possível contemplar: o espaço não convencional. Mas isto de alguma forma foi uma escolha, feita em função do próprio histórico do Dança Vocacional no Equipamento. Tendo para trabalhar uma ótima sala, um teatro disponível inclusive para ensaios, e um público que está começando a se formar enquanto apreciador e praticante da dança dentro da perspectiva de criação contemporânea, achei que seria interessante usufruir destas beneficies, para que, num próximo processo possam desapegar destes princípios não pela necessidade gerada por uma falha ou ausência, mas sim por uma opção estética que virão a descobrir como opção.

SMILE Azul da Cor do Mar DESCONSTRUIR CONSTRUINDO

Através da minha vivência com as Danças Urbanas, pude conhecer os estilos de dança que constituem este universo urbano. As danças Funk, Locking, Popping, Boogaloo, Breaking, Brooklyn Rock, Wacking/Punking, Hip Hop, Free Style, House Dance e Krumping, foram concebidas em ambientes e épocas diferentes, o que, conseqüentemente nos revela a singularidade da história de cada estilo de Dança Urbana. No Brasil, este movimento urbano teve início em meados das décadas de 70 e 80 através de videoclipes e filmes que mostravam alguns movimentos de diferentes danças, porém, as histórias e a nomenclatura de movimentos e de cada estilo só começaram a ser conhecidas a partir de 1996, quando se apresentou no Brasil um espetáculo de Danças Urbanas chamado “Ghetto Original”. Até este momento, o que se conhecia eram alguns nomes que a mídia divulgava de uma maneira equivocada. As conseqüências deste ato reverberam até os dias atuais pois foram construídos ao longo do tempo estereótipos no que diz respeito às Danças Urbanas e é neste pré-conceito sobre as Danças Urbanas que minha pesquisa começa a atuar.

Desconstruir Construindo, num primeiro momento, é explorado no âmbito intelectual reconhecendo qual a imagem e conceito que as pessoas possuem sobre Danças Urbanas (Street Dance/Dança de Rua). A partir deste diagnóstico, se inicia um trabalho educativo, onde a visão estereotipada adquirida através da mídia é desconstruída para então construirmos juntos um novo olhar livre de pré-conceitos, sob um caráter pesquisador, buscando conhecer as origens destas danças que são antropofágicas por natureza. Num segundo momento, a experimentação é realizada através do corpo, com o aprendizado da movimentação que é peculiar de cada estilo, conhecendo cada técnica aplicada e logicamente a nomenclatura das mesmas. Após esta etapa e com certo domínio de alguns movimentos, passamos a experimentar a desconstrução dos mesmos, procurando visualizar possibilidades de variação,

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respondendo a algumas perguntas: Como posso modificar? Quais as semelhanças? Para onde posso ir? Onde os movimentos se encontram? Estas perguntas servem apenas para dar um norte ao início da pesquisa de cada dançarino, porém, várias outras perguntas podem ser feitas, procurando aguçar a curiosidade com o intuito de construir uma nova movimentação.

Desta maneira se dá a pesquisa, desconstruindo pensamentos e movimentos, para a construção de uma nova concepção em Danças Urbanas, respeitando as origens das mesmas. Pois, não desejo com isso criar uma “nova dança”, mas, tornar visível as possibilidades de construção dentro de um mesmo estilo.

Esta pesquisa se relaciona com o Programa Vocacional, levando em consideração o material norteador discutido neste ano.

Ao recepcionar os vocacionados no início do programa, nos deparamos com diferentes realidades, e até com a incerteza em relação a aplicação ou não da pesquisa do Artista-Orientador. Cada vocacionado nos procura a fim de solucionar especificidades, nos apresentando suas idéias sobre o que é dança, sua própria dança, e buscando soluções para o seu “universo”. Embora eu não tenha conseguido desenvolver totalmente minha pesquisa, a missão no equipamento foi reunir estes variados corpos e desejos, buscando fazer com que estes diferentes “universos” conversassem entre si, desconstruindo visões particulares, para a construção de um coletivo consciente de sua realidade, respeitando a singularidade de cada artista vocacionado.

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EQUIPE SUL 1 MIRIAM DASCAL A partir da leitura das fundamentações tratei de identificar o que de comum se estabeleceu na equipe SUL1 quanto a compreensão forma e conteúdo do programa e como cada Ao esta se articulando na busca de uma metodologia própria em relação a linguagem / estilo de dança e o projeto vocacional; que processos e ações escolheu para contemplar os temas que nortearam o programa na trajetória que descreve até o presente momento. Sabendo que essas trajetórias se caracterizam pelas singularidades dos equipamentos, Aos, vocacionados e etc e pela complexa gama que caracteriza o programa , pude constatar nas fundamentações diferentes fatores que qualificam estas trajetórias: o Tempo de experiência dos Aos no vocacional , a relação que estabeleceram com os princípios e procedimentos do programa da dança vocacional, a motivação do próprio Ao em relação ao Programa e as demandas do programa, a dedicação a pesquisa junto aos vocacionados, o estabelecimento de "contato"e "relações" junto aos equipamentos e vocacionados, e porque não, identificar a condução do meu próprio trabalho junto a essa equipe. Nestas fundamentações transparece , por vezes claras e outras menos , as escolhas, os desejos, as dificuldades , os percursos e ações que cada Ao está encontrando neste processo de ensino-aprendizagem junto ao programa. Nota-se nestes depoimentos reflexões bastante consistentes que demonstram a importância da prática na compreensão dos princípios do programa.Traço alguns deles seguindo o próprio o texto dos Aos: "me vejo como agente incentivador e provocador em ambos(turma e grupo) e obviamente carrego meu conhecimento/experiência em dança, independente do estilo a ser estudado. Isso me próxima dessas pessoas,que buscam na dança possibilidades de ampliar suas expressões, suas relações, seus conhecimentos" "escutar as necessidades, as aspirações, e tentar criar caminhos e dar SENTIDO a algo que esteja latente" ( Liana Z.) Abaixo transcrevo alguns depoimentos significativos sobre o inicio do trabalho no equipamento, inquietações e desejos: Inicio pesquisa Ao/vocacionados "A chegada, este sim foi um momento de grande ansiedade, território novo, pessoas novas.Projeto? Três anos e ainda sim um friozinho na barriga, o que nos espera o que esperamos e o que esperam de nós.Estas perguntas voltam sempre que reiniciamos o projeto e percebemos que temos que superar e dar conta de nossas ansiedades, a dos coordenadores e dos vocacionados"(Fabio Farias) E outro mais onde o Ao procura fazer uma "pesquisa cartográfica "da região: "Começando desde um diagnostico no entorno do meu equipamento, colégios, faculdades, clinicas, praças, bares, cafés, etc... Quais os “interesses” daquela região, o que as pessoas julgam (ou não) interessante naquela região. Quais são as pessoas que habitam aquela região? Que tipo de interesse comum estabeleço entre elas e meu trabalho? Preciso buscar algo que seja interessante para poder causar interesse e assim “armar uma estratégia” para começar a fundamentar meu trabalho"(Frank Aguillar) -Nesses depoimentos transparece como os AOs não tão claramente expresso nas palavras, buscam relacionar o tema norteador (Patrimônio Material /Imaterial. Espaços convencionais , não convencionais, histórias pessoais ) com os desejos e experiências dos vocacionados , segue:

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"Alguns vocacionados chegam querendo ditar o tipo de dança e musica que querem ouvir, essas necessidades não são negadas, porque vem de encontro a realidade dos seus saberes que cada comunidade tem consigo, sua historia cultural, onde contribui para o seu crescimento e valorização. Partindo do mapeamento do equipamento do entorno, é dos diálogos para juntos encontrar experiências e saberes já incorporados. Para isso foi desenvolvido um conjunto de ações articuladas propostas pelo programa. Como acontece em todo processo de pesquisa com os O.As sempre ha o que melhorar e aprender com eles. Todos esses processos e ações nos levaram ao mestre Vitalino, a mulher rendeira, Cecília Meireles, Selma do Coco, a festa do divino, a Arte Naif. É a arte do povo, arte popular a realidade, buscando seu maior dom: A capacidade de expressão que retrata o dia-a-dia social com humor na busca de uma vida."(Rai Moura). " A principio trabalhamos exercícios de consciência corporal e investigação espacial, fora do espaço convencional (sala de ensaio e teatro). Já que muitos não conheciam o espaço, juntos fomos desvendando corporalmente aquele lugar. Pudemos ali começar a investigação sobre corpo, sobre o coletivo e sobre o que seria esse programa vocacional que ninguém ainda havia participado. Como era iniciar daquela forma uma aula de dança que para muitos senão todos não era o convencional. Os resultados obtidos desse primeiro encontro foram para alguns um choque, para outros poucos acostumados a trabalhar somente na pratica de técnicas foi momento de desconstrução. A provocação feita rendeu boas perguntas e apontou um norte para o nosso trabalho que era começar a responder todas essas questões durante o processo. Na semana seguinte, em nosso diário de bordo e nos protocolos muitas perguntas surgiram como: “Onde estão os meus apoios? Quem sou eu? Em que momento me encontro com meu corpo? Tenho um corpo? O espaço me equilibra? ... Entre outras. Logo começamos a trabalhar nessas perguntas e como cada um via aquele espaço, tanto fisicamente como visualmente falando. Lancei a pergunta :- “Qual espaço te agradou mais e qual espaço você não gostou”. A partir dessa pesquisa começamos a conhecer algumas relações comuns presentes nas turmas. A arvore apareceu muito nos protocolos como um local de fortaleza e fertilidade."(Frank Aguillar) "Patrimônio material e imaterial, surgiu não como uma demanda ou premissa a ser trabalhada, mas de forma natural, pois o que percebi que os vocacionados traziam suas memórias e histórias e a partir de vivências musicais e de vídeos começaram a relatar e trazer corporalmente estas memórias iniciamos uma pesquisa, relacionando as histórias dos vocacionados que já passaram dos trintas e os mais novos, tínhamos um material humano riquíssimo a ser desvendado. Surgiu nosso processo aliado às danças urbanas, os movimentos dos anos 80 e 90 e o presente, construindo este recorte de vários movimentos corporais."(Fabio Farias) Alguns depoimentos demonstram as dificuldades encontradas , como fazer, o que fazer, como posso contribuir neste grupo ? "Percebi, ao assistir os ensaios da turma, que eles necessitavam ganhar espaço em vários sentidos, tanto no que concerne ocupação de espaço cênico quanto em relação à ocupação do espaço oferecido pelo CEU e a conquista do mesmo feita com responsabilidade.Aqui tenho dois caminhos para a orientação os quais vou dividir em orientação para ganho do espaço e de espaço sendo que O espaço é cênico e De espaço será físico."(Fabiana Brito) E mais , o que é válido ?"o que querem estes jovens? o que é dança hoje? questões levantada pela AO a partir do contato com um grupo de danças urbanas. No seu depoimento ela tenta compreender e começa a resignificar para si mesma o conceito de

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dança e compreender quem são estes vocacionados, o que significa este tipo de dança para este grupo. " O esqueleto da dança parece ser o ensaio de coreografias mais uma linguagem espontânea e pessoal mais códigos dos grupos sociais, ou seja forma de se vestir, de andar e falar.A aparente falta de profundidade discute questões essenciais e que lhes são caras, sugere outra coisa, outros olhares. A aparente falta de profundidade revela o muito que querem dizer e efetivamente dizem com seus movimentos e sua dança frenética."(Liliana Oliven) "Eles vão chegando aos poucos. Abertos às novas possibilidades, movimentos, influências, músicas e questões. Será? Brincadeiras, agaros, beijos, abraços, encaixes, ocupação de espaços. Muita musicalidade, eles tem a dança na ponta da língua, na ponta dos dedos. O espelho é obsessão, é o parceiro/público e reflexo. Aperfeiçoar, corrigir, estabelecer vínculos. Ah!!! Esses hormônio em ebulição. Descobertas, novos momentos. Antes falávamos em “dançar a vida”. É mais do que dançar a vida é realmente incorporar os movimentos do cotidiano e compor a dança. Há uma rejeição ao institucional. Um mostra, outros copiam, arrumam, mostram, constroem, copiam, resignificam. Há uma rejeição ao institucional. Trata-se de um sistema vivo / interativo com o meio ambiente. No espelho se vêem, se corrigem"(Liliana Oliven) Alguns depoimentos de Aos "mais antigos", em contrapartida , percebe-se uma sabedoria do affaire, mas que absolutamente não se fecha nos caminhos já percorridos, continuam em pesquisa, os desafios continuam, saboreiam as descobertas, acredito que são os ganhadores do programa, se posso assim me referir: "Um dos pontos que tornam o Programa Vocacional diferenciado é sem dúvidas o fato de sermos instigados e termos a possibilidade de realizar ações culturais. Ações que nos tiram do lugar comum, possibilitando a nós Artistas Orientadores e, sobretudo os Vocacionados , a busca por diferentes olhares, fazendo com que os corpos estejam abertos, disponíveis e conscientes para conjugar verbos como sentir, olhar, escutar, perceber, trocar ou simplesmente dançar. Classifico as ações em “programadas” que consiste em pré determiná-las juntamente com as turmas, ou “surpresas” quando por motivos de força maior precisamos nos articular em desenvolver algo não previsto."(Junior Gonçalves) E como artista -orientadora e coordenadora de equipe me pergunto: será o tempo de percurso no programa que desperta esta sensibilidade tão presente, ou não ? o quanto os benefícios das "boas parcerias nos equipamentos "contribuem e promovem um trabalho de qualidade ? o perfil do programa é de uma contínua construção e transformação, qual o perfil adequado de um Ao para participar deste programa ?e mais, como preparar este corpo sensível -inteligível- dançante de um artista em continua atualização, permeável as realidades do público vocacionado, e das demandas do programa ? Termino esta breve reflexão apenas com o seguinte: foi para mim de grande comoção e satisfação poder observar o nível de reflexão analítica e sintética deste grupo, percebo neles o esforço, a motivação no programa, a transparência nas colocações, apesar das diferenças e singularidades entre nós, e o engajamento com o programa vocacional; estas fundamentações dos Aos equipe Sul1 refletem para mim os caminhos de aprendizagem e de emancipação que tanto valorizamos no Programa Vocacional.. "Nesse sentido, vejo como emancipador tudo aquilo que estimula a apropriação de vontades, a descoberta de caminhos, o olhar para si compartilhado com o outro. Para além das palavras, então, vejo que isso pode se dar tanto em encontros semanais quanto em ações mais específicas. Ter uma turma que trabalha sem o arte-educador pode

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significar uma atitude emancipadora. Mas, ao mesmo tempo, uma turma absolutamente necessitada de orientação e, dentro desse trabalho, disponível para experimentar, perceber, discutir, pode estar tão emancipada quanto, ou mais - por estar aprendendo junto, na prática, a escolher artisticamente o que quer naquele momento. Sinto que emancipar não é “deixar sozinho”. Percebo isso também na minha prática artística. Poder aprender com o outro é tão importante quanto achar seus próprios caminhos. E achar esses caminhos pode levar tempo - escolher procurá-los pode ser um exercício de autonomia maior ainda." (Cris Ávila) Liana Zakia Martins Federici Ceu Casa Blanca CONSTELAR…reflexão sobre prática artístico pedagógica em dança. Acredito ser de grande importância a constatação, ainda que um pouco tardia, do que venho encontrando como possibilidades artísticas e de potencial para constelar dentro do equipamento Casa Blanca. É claramente um equipamento no qual a dança ocupa muitos espaços, mas a grande questão é que a maioria das práticas é vinculada às atividades da equipe de esportes e não da cultura, no local. Além disso, há alguns grupos que habitam o local para desenvolverem seus trabalhos, nas modalidades de jazz contemporâneo, danças urbanas e danças de salão. Caminhando do presente para o passado próximo, percebi que articular essas pessoas e, portanto seus conhecimentos e trabalhos poderia ser algo a enriquecer o projeto dança vocacional e também fortalecer o espaço do próprio CEU. Contando com isso, propus como ação processo um encontro dos artistas de dança que lá trabalham e foi uma experiência interessante e reveladora. As pessoas que estavam presentes, em sua maioria, são orientadas e “coreografadas” pela Janaína, profissional do esporte, e ela concentra em suas mãos, a maior parte da produção artística que pode-se encontrar por lá. Isso me leva a uma reflexão e percepção de que devo buscar proximidade com ela e com toda sua rede, para ampliar e divulgar o vocacional, e que esses encontros poderiam gerar mais constelações e outros caminhos para concepções artísticas no equipamento. Ainda falando de “esportes”, esta mesma equipe é que organiza o festival de dança do CEU, que contou com a apresentação de aproximadamente 120 coreografias no final de semana dos dia 17 e 18 de setembro. No mesmo, fui convidada e aceitei fazer parte do corpo de jurados, como forma de aproximação e de participação na avaliação dos trabalhos apresentados e mais do que isso na minha atualização e conhecimento do que é produzido e pensado como dança na região do CEU Casa Blanca. Tenho trabalhado com duas situações bem distintas no equipamento: Turma de danças urbanas, às quintas feiras, que já existia, tendo como responsável Diego, o qual além de trabalhar as danças com os jovens, coreografa para o grupo, aprofundando suas pesquisas como criador, mas que a meu ver, ainda está em um começo, já que não é um grupo e sim uma turma formada por todos que se interessam pelo estilo, que é amplo. Turma de dança aos sábados, iniciada com o programa vocacional, na qual desenvolvo práticas voltadas à dança contemporânea e à composição, buscando a expressão dos corpos dos vocacionados, e não a imposição de um estilo coreográfico. Apesar de esses encontros terem suas particularidades, me vejo como agente incentivador e provocador em ambos, e obviamente, carrego meu

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conhecimento/experiência em dança, independente do estilo a ser estudado. Isso me aproxima dessas pessoas, que buscam na dança possibilidades de ampliar suas expressões, suas relações, seus conhecimentos. Vejo me de alguma forma um ser recém chegado a um universo já existente, e minha atenção fica na escuta. Escutar as necessidades, as aspirações, e tentar criar caminhos e dar SENTIDO a algo que esteja latente. Como pesquisadora, tenho focado justamente no que se refere a adaptação em espaços diversos, a fim de buscar expressões e possibilidades artísticas de acordo. O espaço a que me refiro não carrega necessariamente a categoria de não convencional, pelo fato de que são tão distintos nas suas características funcionais e estruturais, que me encontro em zona de conquista, e de descoberta do que seria convencional, para mim e para as pessoas que nele trabalham. Em uma pesquisa que tenho feito de site specific, no Centro Cultural São Paulo, o não convencional vem como desafio de diálogo com a realidade do lugar e para tal tenho usado estratégias de percepções pessoais que posteriormente são compartilhadas. O estímulo físico, do espaço arquitetônico é ponto inicial, os estímulos que vem das relações existentes no mesmo, considerando as pessoas com e neste espaço, e os impulsos como “reação” das percepções individuais, pra criações corporais e também de vídeos retratos. A pesquisa toda, quando levada ao espaço específico não busca uma lógica mas sim conexões que possibilitem sentidos ao público. Costumo dizer que é uma sensação de me tornar parte de um todo, como obra artística, levando a compor algo maior, por meio de minhas percepções recorrentes. Essa pesquisa tão presente nas minhas vivências atuais tem sido levada para minha pesquisa nas turmas do vocacional, principalmente na turma de quinta feira, pois é um caminho que cria possibilidades para que eles revejam suas relações dentro dos encontros. Considerando que a turma já existia antes do vocacional, e que aos poucos consegui uma aproximação e abertura, me sinto na responsabilidade de acrescentar aos jovens não apenas técnica e movimentos dançantes, mas sim, uma noção mais refinada de coletivo, de sensibilização em relação aos seus corpos e dos colegas. Isso não existia no trabalho deles, que era muito mais de reprodução de coreografias e passos de danças. O caminho, que venho encontrando nesse trabalho, é mais do sensível, da percepção, da escuta, e das reações corporais que diversos estímulos podem gerar. Ainda nos encontramos em um início de caminhada. Pensar em um produto tem sido bem complicado. Desde agosto, quando iniciei o trabalho com eles, já vejo bastante conquista, mas continuo gostando de propor desafios a eles, que lhes façam querer ir além do que fazem, incluindo ir além das fronteiras físicas do próprio CEU, das zonas de conforto…com muito esforço e tempo, acredito que há muitos frutos a serem colhidos. A questão do protocolo, por exemplo, está sendo aos poucos incorporada por eles. Isso se dá pelo fato de estarem despertando agora para um universo de reflexão crítica do que fazem e pensam a partir disso, assim como a apreciação. Como a reprodução era antes o foco principal, e a reflexão não era proposta, ao descobrirem que tem vozes próprias, e espaço para se colocarem, estão percebendo a importância de manter a mente e pensamento conectados à prática de pesquisa corporal. Há, é claro, um tempo necessário para que conquistem confiança nesse fazer, já que são muitos e adolescentes! Com turma de sábado o processo tem sido mais longo, mas ao mesmo tempo, a flutuação, a evasão e as faltas não colaboram para uma continuidade. Com quatro artistas vocacionados, que tem estado mais presentes ultimamente, tenho desenvolvido um trabalho de pesquisa de suas próprias possibilidades, seguindo um pouco uma linha de pesquisa que também é muito presente na minha vida como artista/bailarina. O corpo como um todo e a dissociação das partes para exploração de movimentos improvisados,

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a pesquisa das possibilidades de movimentos articulares, as dinâmicas, as relações espaciais, e a criação de sentidos a partir de composições coreográficas, usando ferramentas de criação individual e em grupo. Nesse sentido, há espaço para que se coloquem e tragam suas particularidades. Por exemplo, há um vocacionado muito envolvido com poesia, outra com o violino e a música, outra com as questões da saúde e educação. Os sentidos passam pelas diferentes experiências e filtros, enriquecendo a turma com olhares diversos. Identifico em ambas as turmas, um desejo pela expressão artística, que é justamente o que os tem conectado ao programa vocacional, via Liana. Mas em ambas ainda percebo bastante fragilidade em relação a atravessar fronteiras e buscar mais longe outras referências, outras oportunidades, e experiências. Sinto que ainda precisam ser conduzidos, exceto alguns poucos, é claro. A emancipação no sentido da criação de espaços em que os indivíduos possam se afirmar coletivamente, associada à apropriação dos meios e modos de produção, tem seu caminho a ser percorrido. Acho que para que isso ocorra é preciso que as bases estejam mais fortalecidas. Base, que chamo de consciência do que buscam e desejam e quais as possiblidades de realização. Para tal, procuro deixar claro o caminho que escolho nas orientações, não desvendando previamente onde quero chegar, mesmo porque nãos seria possível, mas mostrando e trazendo à tona os caminhos e o que cada escolha pode nos acrescentar. Tem sido uma jornada e tanto. O tempo que tenho no programa, me traz uma compreensão diferente de quem está há anos, mas me sinto autônoma, principalmente nos momentos em que estou com os vocacionados. Isso tem sido, com certeza, a maior riqueza, ainda bem. Uma grande fragilidade que constato no meu grande “céu” são as trocas de experiências artístico pedagógicas entre os artistas orientadores da minha equipe. Isso poderia ser muito interessante, já que todos são pesquisadores e artistas e acho que poderíamos acrescentar muito uns aos outros… Enfim, as falas desta última reunião geral, do dia 4 de outubro, foram importantes e confortantes de certo modo. Ouvir sobre a necessidade de assumirmos as contradições do mundo em que estamos inseridos, não como sujeitos acomodados, mas sim, conscientes, me ajuda a compreender a minha função dentro dos processos que proponho, e me valoriza nas relações que, naturalmente ou forçosamente acredito necessárias, no dia a dia de trabalho, no programa vocacional. Cristina Ávila Caminho do Mar Dossiê - Trabalho desenvolvido de abril a setembro/2010 BREVE HISTÓRICO DO EQUIPAMENTO Quando cheguei ao equipamento, havia um histórico de trabalho desenvolvido no ano passado, em dança, com a A.O. Ana Sharp (uma turma, em sua maioria, de melhor idade, e outra com perfil adolescente/jovem). Além disso, sabia também que havia um

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grupo de teatro e dança de rua (Cia. As Margaridas) que havia sido orientado, em 2009, pelo A.O. Jonas Golfeto, do Núcleo de Direção. Dessa forma, desde o início tentei contactar esses vocacionados. Das duas turmas de dança, alguns retornaram. Já a Cia. As Margaridas estava com trabalho suspenso, por conta de empregos e faculdades dos integrantes. O CEU Caminho do Mar é um equipamento com o qual é possível estabelecer diversas parcerias. São 3 coordenadores de cultura, dois dos quais (Rodolfo e Maria Claudia) propositivos e próximos do trabalho. Junto a isso, desde a retomada do projeto nesse ano, meu diálogo com os dois A.O.’s de teatro (Edu Silva e Jucca Rodrigues) foi bastante tranqüilo. Com isso, na medida do possível, estamos buscando fazer um trabalho integrado em diferentes esferas. Outra característica desse equipamento, visível já desde o ano passado, é que é comum que os mesmos vocacionados transitem pelas turmas de dança e teatro - o que nos estimulou, também, a buscar algumas articulações entre as turmas. TURMA I . SÁBADOS O trabalho com esta turma foi de reconstrução de demanda para que, a partir daí, se pudesse encontrar um fio de pesquisa. No início das atividades, os vocacionados eram bastante oscilantes. Mesmo os do ano passado foram voltando bem aos poucos, e alguns deixaram a turma. A turma foi se formando com essa característica irregular: pessoas que precisam abandonar, outros que saíram e voltaram depois de três meses, outros que trabalham quinzenalmente aos sábados (e portanto têm freqüência alternada), além, é claro, daqueles que escolhem não participar mais. Nesse primeiro período as atividades eram bastante diversas a cada encontro, uma vez que a continuidade ainda não era possível. Nosso espaço de trabalho era o refeitório. No 1º semestre era um pouco mais tranqüilo trabalhar nesse espaço, apesar do chão frio, porque fazia calor na maior parte dos dias. No entanto, alguns meses depois o tempo começou a esfriar e tornou-se inviável trabalhar ali. Passamos, então, a utilizar uma sala do mezanino, acima da quadra de esportes. Nesse novo espaço há placas de E.V.A. para o chão, o que resolve o frio. Mas há, em contrapartida, um barulho bastante forte, por conta dos jogos e demais atividades da quadra e BEC. Ainda em junho, houve a festa junina no CEU. Conversei com a turma a respeito da possibilidade de fazermos alguma participação. Já havia surgido, da parte de alguns vocacionados, a vontade de experimentar ações em espaços não convencionais. Então, propusemos uma intervenção unindo dois jogos que havíamos feito nos encontros. Foi uma experiência interessante, principalmente, por colocar os vocacionados em contato direto e imprevisível com o público. ...pesquisas encaminhadas... Enfim, com a mudança de espaço, e já entrando no segundo semestre, passamos a investigar algumas possibilidades de exploração do mezanino (terraço, escadas, vão). Nesse período, começamos a conversar sobre o que interessaria a essa turma (a essa altura, formada por vocacionados que variavam de 14 a 64 anos). A idéia de explorar outros espaços já estava presente e, junto a isso, fomos chegando em algo em torno de “como os espaços por onde passo, e onde vivo, interferem no meu corpo – e vice-versa?”. A partir do momento em que este fio nos pareceu comum, passamos a experimentar o corpo por essa perspectiva. A primeira proposta foi moldar um corpo no outro,

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estudando formas possíveis de realizar esses encontros. Em seguida, passamos a moldar o corpo do colega em diversos espaços do CEU. Ainda havia a idéia de irmos para a rua, mas com vários integrantes menores de idade, e a proximidade com a avenida, preferi que não. Passamos, então, a dividir o encontro entre protocolo // aula - preparação corporal // criação. Nesse processo, diversas células cênicas foram criadas pelo espaço. Estamos explorando a idéia do espaço que molda o corpo, e o corpo que compõe, também, o espaço. Junto a isso, fiz à turma uma pergunta para ser respondida individualmente, de forma cênica: que história da sua vida ficou, de alguma maneira, marcada no seu corpo? As respostas cênicas poderiam ser feitas como solos ou com a colaboração de um ou mais colegas. A partir daí, com resultados absolutamente múltiplos, estamos pensando como articular tanto estas cenas quanto os experimentos que já estávamos fazendo pelo espaço. Junto a isso, cabe ressaltar que parte dessa turma parece ter uma tendência para a performance, embora não tenha consciência disso (assunto que temos conversado com recorrência). Uma das vocacionadas, Sabrina, de 17 anos, tem uma relação absolutamente forte com a palavra. Escreve textos profundos e expressa-se muito por meio deles. Sua cena individual, mais uma vez, trazia um texto que ela produziu na hora, e era praticamente só lido. Estimulei-a, então, a levar essa relação com a palavra para o corpo. Escrever no próprio corpo, escrever no espaço, estudar o movimento da escrita. E, na semana seguinte, quando cheguei ao CEU, a sala que usamos estava fechada e, na porta, papéis com uma série de indicações para o público: que horas entrar, onde sentar, entre outras. O que se passou foi um protocolo performático com uns 20 minutos de duração, onde ela utilizou tintas, roupas, textos, movimento, espaço. Pintou o próprio corpo, pintou pedaços de tecido, entre várias outras ações. A discussão que se seguiu, com a turma, foi bastante produtiva para a continuidade de nossos experimentos – principalmente sobre possibilidades de formatos cênicos. Ainda a esse respeito, cabe ressaltar que os protocolos dessa turma são bastante potentes. Têm-se revelado poéticos e reflexivos além de, às vezes, espontâneos (uma vez que temos um caderno, mas há encontros em que mais vocacionados trazem protocolos mesmo sem terem levado o caderno naquela semana). A partir dessa experiência, propus à turma que montássemos um blog que servisse para compartilharmos esse material. Me propus a abrir o blog e, depois, eles tomariam conta de postar o que quisessem com relação às pesquisas. O blog (www.vocacionalcaminhodomar.blogspot.com) acabou disponível para todas as turmas do Vocacional desse CEU, mas tem sido pouco atualizado, tanto pela falta de acesso constante dos vocacionados à internet, quanto porque talvez não fosse uma ferramenta com a qual se identificaram o suficiente. Estamos nesse momento do trabalho. As cenas individuais revelam universos muito variados de cada um deles: como revelar-se ao mundo / perceber no corpo que se está crescendo / sensação de sempre ter sido visto, na família, “pelas costas” / viver entre dois universos (um real e outro fantasioso) / a cicatriz no corpo, por um tiro levado com um ano de idade / a pressão sentida pela escola e pela família / a vontade não realizada de ser contorcionista (e que a levou a fazer em casa, desde a infância, alongamentos que se refletem até hoje em seu corpo). A idéia é aprofundar e relacionar cada célula, de forma que uma interfira na outra e no espaço. Ainda com relação a essa turma, há dois vocacionados (Sabrina e Anderson) que tem, paralelamente, vontade de desenvolver um trabalho deles. Junto a isso, já apontaram para a turma que pretendem continuar trabalhando no início do ano que vem, e convidaram quem mais quiser participar.

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TURMA II . TERÇAS-FEIRAS No início do projeto neste ano, as inscrições para a turma de terça-feira estavam direcionadas para Melhor Idade, por conta da demanda que havia surgido nesse horário no ano passado. Pedi à coordenação do CEU, então, que abrisse esse horário para todos os interessados. Ao longo dos primeiros meses de trabalho, a maioria era, de fato, da chamada melhor idade, mas havia outros participantes mais jovens. Com essa turma, comecei trabalhando jogos de integração e atividades de reconhecimento do próprio corpo. Mais uma vez, no início, tive dificuldades com o espaço: ficávamos no refeitório, onde era complicado levar boa parte da turma para o chão. O teatro estava com o Jucca (teatro), no mesmo horário. Aproximadamente um mês depois, então, o Jucca e eu fizemos um acordo de revezamento semanal, entre teatro e refeitório. Mas a temperatura começou a cair e também passei a usar a sala do mezanino, embora houvesse o mesmo barulho da quadra. Com relação à freqüência, a turma passou por diferentes fases. Alguns se mantiveram por bastante tempo, outros foram bem flutuantes, e demorou para que a turma de configurasse com uma “cara”. Além disso, me deparei com questões minhas em relação à idade da maior parte delas: como lidar com limites de alguns e expectativas de outros - e limites, muitas vezes, desconhecidos por mim? Como equilibrar encontros em que as atividades pareciam envolver todas de maneira intensa mas, na semana seguinte, haver grande número de ausências? O trabalho corporal com essa turma trazia, na maior parte das vezes, ao final do encontro, menções à própria relação com o corpo: excesso de peso, vida que não permitia que fizessem coisas que gostariam, sensação de estarem se libertando etc. Com isso, numa conversa informal com uma das minhas colegas de equipe, Liana, ela me sugeriu que eu trabalhasse com essa turma a idéia de auto-imagem. Com este disparo, passei a propor atividades com espelhos imaginários, e a partir de então partimos para uma pesquisa em torno do feminino e dos inúmeros papéis da mulher. A pesquisa estava nesse ponto quando, em conversas com o Jucca, percebemos que tínhamos um público comum em vários aspectos: idade, interesses, flutuação, personalidades. Além disso, já haviam acontecido dois “Encontrões” e estávamos afinando possibilidades de trabalho em conjunto. Por essas, e demais questões que já foram explicitadas em nossa justificativa, propusemos uma turma piloto interlinguagens (dança e teatro), fundindo assim ambas as pesquisas. O desenvolvimento desse trabalho até então foi entregue em relatório que segue novamente em anexo, ao final deste dossiê. CIA. AS MARGARIDAS Como foi dito no início, um dos grupos que ocupava o CEU no ano passado, a Cia. As Margaridas, (com quatro integrantes, três mulheres e um homem: Marcela, Bruna, Sol e Antônio) havia parado o trabalho. No entanto o grupo, que transita entre teatro, dança e música, resolveu no final de julho retomar as atividades. Vieram conversar comigo, e eu disse a eles que não teria mais como orientá-los continuamente, mas poderíamos combinar encontros mensais. A partir de agosto, então, As Margaridas voltaram a solicitar o espaço do CEU aos sábados pela manhã. Pude estar com eles em um dos primeiros reencontros, em agosto, e posteriormente, em mais um sábado, em setembro.

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Embora não considere que seja o melhor formato de orientação, acredito que esteja sendo válido para o trabalho. A idéia do grupo é retomar uma criação que já estavam fazendo em torno de alguns arquétipos femininos (o que deu origem, no ano passado, ao espetáculo O Ciclo), mas revendo os próprios arquétipos e a estrutura do espetáculo como um todo, retomando também características de experimentos anteriores do grupo, do início de 2009. Eles têm um trabalho bem forte com música e danças populares, cantam e tocam instrumentos, e essa mistura talvez seja a área de maior domínio comum do grupo. Meu primeiro encontro com eles foi no sentido de ouvir suas idéias e ver um pouco como costumam trabalhar, e que materiais cênicos ainda estavam nos corpos. Havia uma quantidade grande de idéias, vontades e referências, e o grupo estava em busca de um ponto de partida definido para reiniciar o trabalho. Conversamos sobre isso e sugeri que, por meio do trabalho corporal que já tinham com as personagens, eles buscassem improvisar e reencontrar o que de fato interessava desenvolver. Além disso, percebi o grupo num momento diferente de “maturidades individuais”, na forma de relacionar com menos “sofrimento” suas vidas pessoais com as criações. Ficamos em contato “virtual” e, no mês seguinte, estive de novo com eles. Ouvindo sua conversa, apontei que, quando se referiam aos mais diversos aspectos do trabalho, sempre aparecia a idéia de “gerar” no vocabulário deles. Pensar na criação por aí poderia ser um caminho frutífero. Além disso, por conta do estímulo de uma outra atriz/musicista que convive com eles, tinham levado para este encontro algumas saias. Havia surgido uma discussão sobre a relação do corpo da mulher com o uso da saia, a relação entre liberdade/ aprisionamento. Neste dia, Bruna ia coordenar uma prática de movimentação a partir de alguns estímulos sensíveis. Me associei a ela e passei a propor, em seguida, uma experimentação com as saias - até para que ela pudesse participar também. Dessas duas atividades, o grupo chegou em improvisos realmente muito interessantes. Conversando ao final, sugeri alguns trilhos que poderiam seguir nas próximas semanas: investir na força imensa que tem a música deles (talvez com caráter também narrativo), experimentar alguns improvisos direcionados para as personagens, exploração de movimentações, enfim. Na semana seguinte, soube que eles escolheram alguns desses caminhos e se organizaram em um ensaio bastante produtivo. Vejo esse como um processo possível nesse momento, com um grupo que já é emancipado em suas vontades mas que precisa de provocações práticas para a realização delas. Assim, com relação a esse grupo o que sinto é que são potencialidades individuais muito fortes, inclusive porque todos já trabalham com arte em diferentes contextos (Brincante, Doutores da Alegria, Artes do Corpo, dança, teatro, etc). Em conjunto, há também uma cumplicidade grande e muitas vontades comuns. Onde percebo que a orientação posso ser necessária é, justamente, na escolha de focos e procedimentos para desenvolver essa criação - ou seja, o “como fazer e por onde fazer” -, principalmente pelo fato de o grupo viver um momento de retomada e transição de escolhas estéticas. SER PLATÉIA Desde o início do projeto, nesse ano, procurei indicar algumas possibilidades de espetáculos para assistirmos. Segue uma relação de “por onde passamos” - o convite foi feito, sempre, para ambas as turmas. Em grande parte, os convites foram feitos para espetáculos no Centro Cultural Diadema, uma vez que é bastante próximo do CEU - e, acredito, seja importante aproximá-los também dessa cidade, que tem um histórico e produção importantes na dança. Cabe ressaltar que o número de vocacionados presentes

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variou entre 2 e 20, ou seja, às vezes a presença é pequena. Mas acredito que isso seja natural, num processo de construção: - “O Beijo” (Cia. Nova Dança 4 / Centro Cultural São Paulo); - “Embodied Voodoo Game” (Grupo Cena 11 / Centro Cultural São Paulo); - “Deadly” (Cia. Circo Mínimo / Centro Cultural Diadema); - “La Vie em Rose???” (Companhia de Danças de Diadema / Centro Cultural Diadema); - “Arena” (grupo Danceato / ensaio geral no Centro Cultural Diadema e, posteriormente, espetáculo na Galeria Olido); - “Meio em Jogo” (Companhia de Danças de Diadema / SESC Santana - para este espetáculo, conseguimos um ônibus com o CEU, de forma que foi possível levar maior número de vocacionados de ambas as turmas); - “Sala de Espera” (Companhia de Danças de Diadema / Centro Cultural Diadema); - “Crendices... Quem disse?” (Companhia de Danças de Diadema / Centro Cultural Diadema); - faço parte da iN SAiO Cia. de Arte que vem realizando, mensalmente, alguns work in progress. Em dois deles, tive também a presença de vocacionados da turma de terça-feira. Dentro dessa prática, o que considero bastante importante é perceber que alguns vocacionados têm ido constantemente a espetáculos de dança e teatro. Às vezes, enviam mensagens contando que assistiram a alguma coisa, ou convidam a turma no dia do encontro para irem ao teatro naquela noite. Buscam também referências em vídeos pela internet. Para estes vocacionados, isso tem reverberado numa busca de identificação por determinados trabalhos, estimulando aos poucos o senso crítico e suas escolhas, bem como uma curiosidade que considero fundamental na sensibilização artística e de olhar para o mundo. ENCONTRÃO No início do projeto, em abril, conversando com os A.O.’s Jucca e Edu, e com o coordenador de cultura Rodolfo, surgiu a idéia de fazermos um encontro mensal que reunisse todos os vocacionados. O apelido dados naquele dia acabou ficando: “Encontrão”. A idéia era compartilhar práticas e discussões que pudessem interessar tanto aos vocacionados de dança quanto de teatro - e agregar, nesse dia, quem mais quisesse participar, mesmo que não fosse integrante das turmas. Até hoje, então, pudemos realizar 3 encontrões: em junho, julho e agosto, sempre no último domingo do mês, à tarde. O de setembro foi suspenso por cair no mesmo final de semana de Ações Processos, o que sobrecarregaria a todos. Como já foi dito no início desse dossiê, temos em geral muitos vocacionados em comum – ou seja, muitas vezes, são os mesmos que estão presentes no Encontrão. Nas três “edições”, procuramos não planejar muita coisa, e sim partir das pessoas presentes e de como sentiríamos o dia. Com isso, percebemos que o Encontrão mais interessante foi o último: perguntamos se havia algo que eles gostariam de compartilhar com os demais, e o resultado foi que toda a tarde foi sendo organizada pelos vocacionados, do aquecimento até a realização de uma cena para apreciação coletiva. No entanto, por mais que essa tarde tenha sido especial nesse sentido, sinto que ainda é muito incipiente a possibilidade de articulação desses vocacionados: talvez ainda necessitem muito do estímulo dos A.O.’s para se reunirem, embora comecem a escolher

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o que acham interessante e percebam as relações possíveis entre diferentes procedimentos e resultados cênicos. É, sem dúvida, mais um espaço de encontro - potencializado pela presença de 3 A.O.’s diferentes, e a referência de todas as suas turmas. PRÁTICAS EMANCIPADORAS / CONSTELAR No quinto ano em que atuo como artista-orientadora no Pro(jeto)grama Vocacional, procuro olhar “para trás” para refletir o que seriam, de fato, práticas emancipadoras. Por um lado, admito que talvez não conheça uma definição precisa - possivelmente, também, porque de fato ela não exista. São diferentes possibilidades de construção que, em alguma medida, micro ou macro, reverberam nas individualidades e nos coletivos, onde me incluo também. Formação de platéia, olhar artístico sensibilizado, olhar cuidadoso e afinado para o mundo, qualidade(s) de pequenos a grandes experimentos estéticos, propriedade em algumas escolhas, são alguns elementos que, acredito, possam se inserir nesse conceito - e que percebo nas relações com pessoas que encontrei ao longo desses tempos. Nesse sentido, vejo como emancipador tudo aquilo que estimula a apropriação de vontades, a descoberta de caminhos, o olhar para si compartilhado com o outro. Para além das palavras, então, vejo que isso pode se dar tanto em encontros semanais quanto em ações mais específicas. Ter uma turma que trabalha sem o arte-educador pode significar uma atitude emancipadora. Mas, ao mesmo tempo, uma turma absolutamente necessitada de orientação e, dentro desse trabalho, disponível para experimentar, perceber, discutir, pode estar tão emancipada quanto, ou mais - por estar aprendendo junto, na prática, a escolher artisticamente o que quer naquele momento. Sinto que emancipar não é “deixar sozinho”. Percebo isso também na minha prática artística. Poder aprender com o outro é tão importante quanto achar seus próprios caminhos. E achar esses caminhos pode levar tempo - escolher procurá-los pode ser um exercício de autonomia maior ainda. Busco uma espécie de “proximidade distanciada” com os vocacionados. Acredito no afeto como parte dessa relação, sem entrar, no entanto, em relações pessoais. Mas nesse convívio (e também porque, muitas vezes, a própria pesquisa artística toca em territórios sensíveis e guardados, ainda mais quando se trata do corpo), acabo conhecendo algumas características individuais fortes. Isso não significa, jamais, transformar os encontros em terapias de grupo. Mas, pelo contrário: buscar reverter algumas dessas questões em arte, jogar outros olhares e expressões sobre elas. E, assim, perceber as mais diversas reações: de explosões artísticas a explosões pessoais, de mergulhos a desistências. Mas como lidar com isso equilibrando minha responsabilidade em manter ou desagregar, já que ouvir coletivos tão diversos nos traz, às vezes, a necessidade de escolha? Ao longo dos textos acima, busquei falar de algumas ações que considero que constelem com o material do Programa, mas elenco aqui, em tópicos: - ENCONTRÃO (não tem formato pré-estabelecido e, na última “edição”, começou a ser guiado pelos vocacionados, por suas vontades, mas embasadas em vivências contextualizadas anteriormente nos encontros semanais ou outras experiências); - PROTOCOLOS (cênicos, poéticos, imagéticos. Houve protocolo que interviu no espaço. Há textos que reverberam reflexões sobre todo o processo. Há imagens que condensam claramente algumas idéias);

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- IDAS A ESPETÁCULOS (talvez essa seja uma das ações mais recorrentes com as turmas. De qualquer forma, o que se vivencia como platéia pode ser sempre relacionado com as práticas nos encontros (seja por semelhanças ou diferenças), além de aproximar os vocacionados de um pouco da produção artística atual: linhas estéticas, discursos, idéias, além de observações como presença, estado em cena, relação entre palco e platéia e uma infinidade de outros elementos); - ESPAÇOS NÃO CONVENCIONAIS (ainda que por contingência - por conta dos espaços destinados aos encontros -, uma das turmas está desenvolvendo todo o trabalho a partir, também, da exploração do espaço. O que considero mais desafiador é que, havendo a possibilidade de apresentá-lo em outro local, o trabalho terá que ser reorganizado de acordo com a nova estrutura); - TRABALHO SEMANAL - pequenas doses diárias... (talvez seja redundante dizer, uma vez que todo esse processo só se dá por meio de uma construção. Ainda que haja saltos em determinados momentos, acredito que isso aconteça por conta de uma somatória de processos experimentados e assimilados aos poucos. De qualquer forma, quando um indivíduo, turma ou grupo passa a desenvolver artisticamente uma idéia (seja por intuição, consciência, elaboração, sensação ou uma combinação de tudo isso...), vejo que está naquele momento colocando em prática sua autonomia naquele espaço. Explorar os recursos do próprio corpo, escolher compartilhar imagens com a turma de que faz parte e, aos poucos, descobrir materiais artísticos que dêem conta de suas expressões. Ouvir o outro e ser ouvido, e também ter momentos de “aula” (uma vez que recursos e procedimentos que podem ser ensinados também são libertadores). Provocar e poetizar um pouco o universo ao redor e as questões de cada coletivo é um trabalho contínuo, e às vezes maior do que grandes ações. AVESSO (inspirada pelo termo usado pela coordenadora Zina Filler, no dia em que estive na reunião de coordenação Norte /Sul, aproveito o espaço para escrever sobre os avessos....) __________________________________ Nada do que está relatado acima é uma conquista solidificada. O que se apresentou aí foi um panorama de meses de trabalho, mas há inúmeras dúvidas e tropeços entre uma semana e outra. Questões que penso que podemos refletir sobre: - flutuação: percebo que esse é um fenômeno comum em muitos equipamentos. Como podemos discutir meios para que as demandas se firmem? Algumas necessidades dos vocacionados estão além de nós (todo ano, perco boa parte das turmas pela necessidade de arrumar emprego), mas o que mais os “leva embora”?; - ainda sobre demanda: até quando divulgar? Sinto que é preciso, sim, fazer difusão e investir ao máximo na comunidade da região. Mas em determinado período do trabalho, mesmo com uma diminuição das turmas, tenho dúvidas sobre a divulgação continuar, uma vez que o trabalho já está em andamento. Isso é diferente de casos em que aparecem interessados no meio do caminho e, naturalmente, “mergulham” no processo em andamento. Mas provocar uma interferência de muitas pessoas novas na turma no final do processo, acho que é uma questão a se pensar; - no CEU Caminho do Mar sinto que o espaço destinado às atividades ainda poderia ser revisto. Sei que especialmente nos CEU’s novos a estrutura do espaço não colabora, mas acho bem complicado fazermos aula em piso gelado (refeitório, principalmente no inverno), bem como trabalhar com barulho contínuo da quadra de esportes (próxima ao mezanino). Se o único local com piso de madeira, e mais silencioso (teatro) não

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comporta todas as atividades, que outras estratégias podemos pensar para resolver essa questão? (pergunto isso a mim, também); - pedagogicamente, as questões são muitas. Há dias em que as propostas não acontecem. Há dias em que questões pessoais entre os vocacionados tomam uma dimensão tão grande que, sem resolvê-las primeiro, não é possível continuar. Há momentos em que parece que os procedimentos não se articulam. Há vezes em que a observação e intuição funcionam muito, mas outras em que se confundem. Há turmas em que a mistura de idades é só mais um dado, mas há outras em que isso se torna realmente um desafio físico, artístico, criativo - ou quase um problema, uma vez que podemos estimular esse encontro de muitas maneiras, mas não podemos controlar os olhares prévios de quem chega para uma turma. Há os enganos: jogar uma escolha para a turma quando ainda não é o momento, ou apontar caminhos quando eles próprios poderiam fazer isso. Enfim, a pluralidade das turmas nos faz não ter (ainda bem) um caminho exato para seguir, e por isso o diálogo contínuo com outros A.O.’s (quando isso se torna possível) pode se tornar um bom apoio, em via de mão dupla, para as especificidades de cada período, de cada necessidade. Cristina Ávila, 07 de outubro de 2010 Obs.: segue abaixo o relatório a respeito do trabalho com a turma interlinguagens. INTERLINGUAGENS ARTISTAS-ORIENTADORES: Cristina Ávila (Dança) e Jucca Rodrigues (Teatro) RELATO DO PRIMEIRO MÊS DE EXPERIÊNCIA Conforme enviado em justificativa anterior, está sendo proposta no CEU Caminho do Mar uma turma de trabalho interlinguagens, com dança e teatro. Fechamos o primeiro mês de trabalho, e o que segue é um breve relato sensível e reflexivo das ações desenvolvidas nesta etapa. RECONHECERMO-NOS... (03 de agosto) As turmas de dança e teatro se encontraram pela primeira vez. No palco do teatro, nos apresentamos e conversamos um pouco sobre a proposta dessa experiência. Uma das primeiras colocações foi que nenhuma das pesquisas que vinham já acontecendo seria abandonada: estamos propondo um espaço de compartilhamento e novos olhares para as experiências anteriores, e como podemos descobrir fusões e enriquecimentos a partir do olhar da dança e do teatro. Realizamos um aquecimento corporal com foco na percepção da coluna vertebral, expandindo em seguida para uma movimentação que levava ao reconhecimento e ocupação do espaço. Em seguida, foi proposto um jogo (o guerreiro e o dragão), que articulou e integrou toda a turma. Conforme combinado desde a semana anterior, cada turma apresentou à outra um exercício cênico em torno daquilo que estava pesquisando: a turma de teatro rodeava algumas histórias pessoais a partir do disparo: Histórias que eu me lembro e Histórias que não me lembro. As narrativas aconteciam durante a travessia por uma linha desenhada com fita crepe na rampa da platéia. A turma de dança rodeava o feminino, a partir de uma pesquisa gestual que começava a traçar desenhos corporais no espaço.

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Após as apresentações, fizemos uma apreciação que partiu das impressões sensíveis de uma turma com relação à outra: o que viram, como perceberam, quais as surpresas, sensações, imagens. Foi um momento de aproximação pela prática. PRIMEIRAS INTERFERÊNCIAS (10 de agosto) A partir do que pudemos perceber na apreciação do encontro anterior, pensamos em algumas possibilidades iniciais de aproximação entre os dois universos, com base na idéia de reflexos. Como um trabalho poderia refletir no outro? De qualquer maneira, no início desse encontro um dos vocacionados levou um protocolo a respeito de seu olhar para a cena apresentada de dança. Tratava-se de um texto que trazia um encadeamento de relações com o corpo (órgãos, pele, circulação, respiração), além da presença intensa da mulher. A partir daí, foi proposto um aquecimento corporal com base no desenvolvimento, no espaço, de desenhos corporais em linhas retas (trajetos) e linhas curvas (pontos fixos onde o corpo desenvolve movimentações circulares). Em seguida, divididos em duplas, foi proposto o jogo do espelho, buscando olhar, percepção, cumplicidade e retomada das qualidades de movimento experimentadas anteriormente. Ainda em torno do refletir e do espelho, retomamos as cenas anteriores, das histórias contadas durante o trajeto por uma linha no chão, e pedimos que outras duas pessoas, no corredor paralelo a esse, se movimentassem de acordo com o que ouviam, durante a narrativa, buscando acompanhar o trajeto no mesmo tempo, no espaço. Algumas possibilidades foram exploradas nessa transposição da narrativa verbal para o corpo: - se movimentar de acordo com os significados das histórias; - se movimentar de acordo com as sensações das histórias; - se movimentar de acordo com a sonoridade das histórias. Essa percepção foi levantada na apreciação e, a partir dela, elaboramos os caminhos do encontro seguinte. PERCEPÇÕES E QUALIDADES DE MOVIMENTO (17 de agosto) Esse encontro teve início com a leitura de dois protocolos: um deles, de uma vocacionada que havia chegado pela primeira vez na semana anterior. Ela trouxe um texto intuitivamente dividido em 3 partes, com um grande espaço em branco entre cada um. Nesse contexto, apresentava sua visão do encontro anterior, em estágios diferentes. Na releitura do protocolo, relacionamos as pausas a algumas percepções do exercício dos reflexos, quando a pausa também direcionava o movimento ou o não-movimento. Paralelamente, um outro protocolo nos trouxe uma questão que sempre nos acompanha e permanece permeando o trabalho: como colocar as sensações em prática? Como materializar? Para a prática desse dia, então, começamos com um aquecimento individual, onde foram exploradas as articulações e experimentação de equilíbrio com diferentes apoios. Em seguida, foi proposto o exercício do platô, onde a turma deve se distribuir pelo espaço, sempre com a idéia de que estão sobre uma base fixa apenas por um eixo central, e é preciso equilibrar o espaço. O objetivo era afinar a escuta e percepção entre eles, e ao longo dessa atividade, novos elementos foram inseridos: trabalhamos com ritmos musicais, níveis do espaço e texturas que interferiam nas qualidades de movimento: água, gelo, fogo e outros materiais traziam aos corpos necessidades diferentes para resolução do equilíbrio no espaço. A partir do platô, então, propusemos que eles permanecessem no jogo em grupos menores, mas ao mesmo tempo começassem a narrar uma história coletiva. O que se deu, obviamente, foi diferente entre um grupo e outro. Mas em alguns casos, a escuta e

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o risco com a abstração e o universo quase surreal foi um ganho certo para esse dia, ao mesmo tempo em que a atenção para o espaço manteve os corpos bastante presentes durante a maior parte do tempo - trazendo uma maior disponibilidade física e vocal. CORPOS E SONORIDADES (24 de agosto) Três protocolos, nesse dia. Um deles, remetendo a um encontro de três semanas atrás. Um registro de atividades reflexivo e propositivo. Outro trazia a história que já vinha sendo narrada no trajeto, mas com um final que se confundia com a história coletiva criada na semana anterior. O outro vinha como imagem em tecido. Tinta pintada com as mãos, impressões e cores fortes. A apreciação foi longa. Buscamos pontos em comum, trajetórias possíveis entre os protocolos, formas de criar associações. De certa forma os três protocolos nos apresentaram um breve histórico do nosso trabalho e dos desafios. O primeiro protocolo partia da palavra sobre uma folha de papel pautado dentro de uma narrativa linear. No meio esta mesma palavra já se desenhava fora das linearidades temporais e espacias da folha de papel. No tecido a palavra e a imagem estavam fundidas em um coisa só: letras ao lado de mão impressas, não se sabia se a imagem era palavra ou se a palavra era corpo, ou, ou, ou... Em seguida, demos sequência ao trabalho da semana anterior. A idéia mais forte era, de fato, buscar com a turma uma movimentação que pudesse vir a partir das narrativas, bem como o contrário, também: narrativas surgidas a partir de movimentações. Seguiram-se diversos procedimentos: sonoridades em roda estimulando movimentos, palavras ditas de maneiras diferentes, muitas passagens por dentro da roda buscando experimentar o corpo, movimentos aleatórios dando origem a palavras e imagens de quem via de fora. Neste dia, tivemos a vista de ambos os coordenadores (Filipe Brancalião e Miriam Dascal). Durante a atividade, pudemos perceber que, de fato, a turma traz certa dificuldade de abstração - fator que pode, também, ser devido à forma de encaminhamento de algumas atividades. Foi um encontro com muitas tentativas e algumas conquistas, mas onde pudemos também identificar uma série de dificuldades. CAMINHOS APONTADOS (31 de agosto) Quando realizamos o primeiro encontro inter-linguagens, a turma já apresentava uma certa heterogeneidade mas com clara predominância de mulheres da terceira idade. Desde o início das atividades o caráter heterogêneo só vem se acentuando cada vez mais. Há duas garotas na faixa de 16 anos, um rapaz na faixa dos 20 anos. Mulheres dos 40 até onde a vista alcança e o sr. João com seus 64 anos. Esta heterogeneidade, que a princípio foi motivo de atenção, tem se revelado neste caso um elemento provocador dentro do processo. Os vocacionados lidam com estas diferenças com muita tranqüilidade e já perceberam a riqueza deste convívio. Do ponto de vista da orientação, algumas das senhoras presentes algumas vezes constroem sentidos inusitados a partir das instruções apresentadas. Este é um fator absolutamente incontrolável da nossa parte, restando-nos muitas vezes estabelecer o dialogo a partir do inusitado. Outras vezes eles parecem ausentes, sobretudo quando as apreciações começam a percorrer territórios mais distantes, eles demonstram cansaço e relativo desinteresse. Entretanto são capazes de rompantes de criação a qualquer momento sem aviso prévio. Há um cuidado da parte da orientação em contemplar alguns desejos de verticalizar a apreciação do processo, que tem revelado protocolos muito potentes, com a necessidade de outros de trabalhos práticos. Nesse sentido, podemos construir dois diagnósticos contrastantes, mas complementares: de um lado indivíduos interessados em uma prática intensa não necessariamente acompanhada de uma reflexão critica, por outro lado o interesse em

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verticalizar a construção e discussão de pensamentos e idéias que carecem ainda de uma certa concretude. Curiosamente, ao contrário do que se poderia imaginar, é mais comum o desejo da prática concreta entre a terceira idade e o desejo da reflexão critica entre a garotada, mas há honrosas exceções que confirmam a regra. A Olímpia é, talvez, a nossa vocacionada que melhor transita entre essas duas vertentes. O processo desenvolvido até então tem revelado um material muito rico e potente. Já no primeiro encontro, quando se apresentou um pouco do trabalho desenvolvido até então, havia uma tensão positiva gerada a partir do encontro destes materiais. O que percebemos é um potencial da turma para a criação destes materiais poéticos. Esta potência gera um desafio: como criar procedimentos que possam dar conta de toda esta profusão de idéias e, ao mesmo tempo, dar continuidade às pesquisas originais das turmas? Neste sentido, podemos definir a turma como uma turma de adolescentes, ao menos em espírito: querem abraçar o mundo de uma vez. A dupla de orientadores quer ainda dizer que tem sido um prazer insuspeito este pás-de-deux pedagógico. Primeiramente pela possibilidade de discutir procedimentos em tempo real, discutir dúvidas e questões no momento em que elas se apresentam. O trabalho do AO muitas vezes é muito solitário e esta possibilidade de diálogo tem sido transformadora em nossas experiências. Lembramos que estas conversas são realizadas de forma aberta e transparente: a turma é sempre a primeira a saber quando não sabemos o que fazer ou quando discordamos. Além disso, este encontro da palavra com o corpo, da dança com a dramaturgia dentro de um ambiente artístico-pedagógico testa também os limites artificialmente impostos, muitas vezes ilusórios, por nossas práticas artísticas. É um encontro positivamente tenso na proposição, relativamente tranqüilo na condução e, do ponto de vista dos nossos umbigos, extremamente prazeroso. E o prazer é muitas vezes nosso mais fiel conselheiro. Cristina Ávila Jucca Rodrigues JUNIOR GONÇALVES CEU ALVARENGA

FUNDAMENTAÇÃO DO PERCURSO ARTISTICO-PEDAGÓGICO

Bom, meu percurso do Dança Vocacional no CEU Alvarenga vêm desde 2008. É fato que o equipamento é fértil para o desenvolvimento do trabalho, contamos com fatores que acredito serem fundamentais para isto, como a parceria efetiva estabelecida com os coordenadores de cultura e por a comunidade estar até certo ponto, se apropriando deste espaço. Minhas turmas sempre foram aos sábados, é um facilitador para a questão da demanda, pois é um “dia bom”. Quando cheguei ao CEU em 2008, o horário da manhã já havia sido direcionado (pelo próprio equipamento) para atender a melhor idade, porém não é uma regra, o que permite pessoas mais novas participarem também. E a turma da tarde para atender outros públicos, orientar grupos, etc.

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Um breve histórico das turmas: 2008 Turma da manhã: sempre teve muita gente, logo, muita flutuação. É um “dia bom”, mas nem todos conseguiam se organizar com o horário, pois tinham compromissos domésticos, familiares e tudo mais, e alguns viam simplesmente como uma atividade sadia, mas, que não era uma prioridade. Difusão, difusão, difusão, ação, ação, ação, várias conquistas numa batalha diária para sensibilizá-los e fazer com que enxergassem o programa como algo muito maior do que apenas mais uma atividade executada no equipamento, e sim, um lugar de descobertas, troca, criação, e que poderia mudar a visão de ser e estar no mundo. Turma da tarde: Idem. O ano terminou com poucos vocacionados, mas com uma semente plantada. 2009 Turma da manhã: o programa começou mais tarde, por serem muito ativos, boa parte da turma já havia se comprometido com outras atividades. Alguns continuaram, acredito que foram os que realmente abraçaram a filosofia do programa. Ao longo do ano muita flutuação, mas terminamos com uma turma bacana, participativa e disponível para o experimentar. O processo que desenvolvemos em torno das memórias resultou num vídeo e na mostra final, que foi um divisor de águas em suas “carreiras”, foi muito gostoso e extremamente rico, fazendo com que o Vocacional ganhasse um papel de verdade em suas vidas. Turma da tarde: Apenas um vocacionado do ano anterior apareceu. Foram chegando os novos que se revezavam na flutuação. Três num sábado, cinco no outro, dois no próximo, dez, doze, cinco. Difusão, difusão, difusão, ação, ação, ação. Uma pequena turma se formou. Esses poucos trouxeram mais alguns. E uma turma muito heterogênea se formou nos últimos três meses do programa, dando outra cara pra coisa. Extremamente disponíveis, sensíveis, engajados, se jogavam de cabeça em toda e qualquer proposta. Fizeram um vídeodança a partir das intervenções urbanas que fizemos. 2010 Turma da manhã: quase todos os vocacionados de 2009 continuam este ano. Por já terem outra visão do que é o programa e o fazer artístico em si, vêm servindo como “cabos eleitorais” do vocacional no CEU Alvarenga. Existe a flutuação, mas vejo uma consolidação gradativa da turma visto que os novos vão sendo contaminados pelos antigos. Não posso deixar de citar a Husako (relações públicas), o Severino e a Isabel, que estão há mais tempo e ajudam muito no andamento das ações. Atualmente são 15 vocacionados “fixos” e uns cinco que aparecem de vez em quando. A maioria está acima dos 60 anos e todos sem exceção trazem para os encontros muitas histórias, as quais estão desenhadas como tatuagens em seus corpos e suas memórias, isto é muito forte na turma, tornando-se assim um dos focos do nosso processo. Relatos, objetos, músicas são trazidos para o encontro, transformam-se em movimento e material para a reflexão. Hoje resumo a turma da seguinte forma: corpos dançantes, cidadãos dançantes, capazes cada vez mais de se expressar.

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Turma da tarde: boa parte dos vocacionados não continuou este ano, uma pena, pois era uma turma ótima. Mas a semente plantada está germinando. Outros se agregaram. Estão descobrindo seus corpos, seu movimento, suas possibilidades. Tento potencializar as facilidades e usar suas dificuldades para transpor barreiras. Estão num processo de reconhecimento e entendimento de milhares de coisas. Hoje tenho a possibilidade de introduzir algo mais técnico e conceitual. Estão sintonizados e envolvidos, tanto que surgiu o desejo de configurarem-se como um grupo, e já tem nome “RAICAI”. Vejo muita vontade, e há a possibilidade sim do grupo se fortalecer e se emancipar, mas a conquista de território no equipamento é gradativa e o grupo ainda é muito frágil.

Falei acima das turmas especificamente, mas quero ressaltar a importância do Artista Orientador como um “viajante” e “diplomata”... na criação e solidificação das parcerias desde o segurança que abre as portas do equipamento para a nós, às moças da limpeza, o pessoal do esporte, coordenadores, gestão e principalmente a comunidade, e o quanto é relevante fazer com que os vocacionados se vejam desta forma também, para que possam conquistar a confiança e o seu espaço dentro do equipamento.

CONSTELAR DE AÇÕES 2010 Um dos pontos que tornam o Programa Vocacional diferenciado é sem dúvidas o fato de sermos instigados e termos a possibilidade de realizar ações culturais. Ações que nos tiram do lugar comum, possibilitando a nós Artistas Orientadores e, sobretudo os Vocacionados , a busca por diferentes olhares, fazendo com que os corpos estejam abertos, disponíveis e conscientes para conjugar verbos como sentir, olhar, escutar, perceber, trocar ou simplesmente dançar. Classifico as ações em “programadas” que consiste em pré determiná-las juntamente com as turmas, ou “surpresas” quando por motivos de força maior precisamos nos articular em desenvolver algo não previsto. Após uma experiência bem sucedida ano passado, quando fomos até o Parque do Ibirapuera, compartilhamos então esta ação com os vocacionados recém chegados, despertou-se o desejo nos “novos” e também nos “antigos” de fazer algo novamente neste sentido. Nos encontramos então pela manhã, ponto de partida: CEU Alvarenga. Éramos uns 25, tinha gente desconhecida, que convidados por vocacionados sentiram-se tocados para estar neste encontro. No intuito de aproximar as turmas e principalmente sairmos do espaço convencional, lancei a ideia de dançar, de se manifestar artisticamente longe de um teatro ou da sala de dança. E foi o que aconteceu. Dançamos no ponto de ônibus, mais tarde, dançamos no próprio ônibus, depois ao descermos, sobre o viaduto da 23 de maio, pelas ruas do parque, entre as árvores, e assim foi. Observamos as pessoas, e deixamos que fossemos observados. Muitas barreiras foram quebradas neste momento. As turmas ganharam novos participantes que acharam bacana a ideia que em principio parecia um pouco “maluca” mas que de certa forma cativaram-se pela proposta. Visitamos também o Monumento às Bandeiras, e refizemos o caminho traçado pela nossa Travessia. Muitos nunca tinham ido ao parque ou chegado perto do monumento, o que gerou a apreciação em torno do tema norteador da nossa equipe “Patrimônio material e imaterial”. Temos participado dos Saraus do CEU Alvarenga. Em um deles preparamos algo de acordo com o tema proposto, uma homenagem a Vinicius de Moraes e Badem Powel. Usamos como referência nosso tema norteador, visto que se tratava de grandes nomes da nossa música. Em outro sarau, sentiram a vontade de fazer uma intervenção que não

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havia sido previamente programada. A participação nos saraus têm gerado bons frutos, mesmo que participem indiretamente, ou através de um poema, ou apenas assistindo. Fomos também ao Museu da Língua Portuguesa. Tinha gente que nunca havia ido a um museu... resumo a visita em “encantadora”. Esta ação foi feita com uma das turmas apenas, que têm uma forte ligação com a poesia, três das vocacionadas escrevem poemas. Optamos por um número menor para potencializar a visita, e estamos programando esta mesma ação com a outra turma. Temos um diário de bordo. Havia proposto anteriormente com outras turmas, mas não tinha funcionado, porém desta vez, sim. Se empolgaram em tornar consciente a documentação do percurso de cada um e do coletivo no programa. Protocolos ora amparados por reflexão, ora acontecem de forma inconsciente ainda, diria até instintivamente, porém sempre sinceros. Nos dias em que o CEU está fechado (literalmente), na busca de não perdermos nossos encontros, adotamos uma prática que vêm sendo recebida de braços abertos, até mesmo por ser uma sugestão dos próprios vocacionados...uma espécie de Caravana às casas. Já foram três visitas. Na casa da Husako, da Jacyra e da Lourdeka. Nestes casos, garagens, terrenos nos fundos das casas, sala de estar, sacada e tudo mais tornam-se ambientes férteis para o encontro, sem falar na movimentação gerada na vizinhança ao verem uma dúzia de senhoras e senhores dançando na sacada do vizinho. Vejo um estreitamento da relação entre eles, pois aproximam-se dá história dos outros, logo, o encontro na sala de dança, ou no palco para uma mostra ,fica evidente a sintonia entre eles. Sem falar que os momentos de confraternização regados à cafézinhos e lanches, são sempre muito ricos, pois são tantas histórias, tantas coisas vividas, desenhadas como tatuagens em suas células, em seus rostos e corpos, que emergem no meio de uma conversa e outra, resgatando assim a memória de cada individuo, e que usamos na pesquisa de ambas as turmas. As ações “surpresas” aconteceram em dois momentos neste ano. Uma na festa junina, onde boa parte dos vocacionados estava trabalhando, e fomos convidados pelo núcleo de esporte para participar de uma quadrilha que tinha por objetivo agregar o público, improvisada, onde dávamos as coordenadas no microfone. Este dia serviu para fazer um corpo a corpo com a comunidade e divulgar assim o programa. Outra ação surpresa aconteceu no Aniversário do CEU. O equipamento estava com uma série de atividades programadas e todos os espaços ocupados. Ocorreu uma falha na comunicação. Assistimos então a um espetáculo de dança desenvolvido por um grupo do Capão Redondo, fizemos a apreciação do que vimos e sentimos e no tempo restante conversamos e refletimos sobre o processo dos encontros, das ações, das mostras... “Algumas pessoas nos roubam... Mas outras me devolvem! E cada um de vocês (dança vocacional) me devolve com jeitos e personalidades singulares o amor pela descoberta. Como o alimento devolve ao corpo os nutrientes perdidos, a presença dos que gostamos nos devolve a nós mesmos.” Meire 07/10

Vocacionada “RAICAI”

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Liliana Elisabete Olivan CEU Meninos Como ensinar Danças Urbanas? ou O que querem esses jovens? ou O que é dança hoje Meu pai, dançarino disputadíssimo nos bailes da terceira idade, diz que não existe professor de dança porque ninguém ensina ninguém a dançar, todos podem dançar. Lógico, o universo do meu pai é o da Dança de Salão. Mas parece que o mesmo pensam os meninos das Danças Urbanas. Eles querem ensaiar uma coreografia e mostrar para o público. E por que não? As Danças Urbanas é esse tipo de dança das festas, dos bailes e existe há muito tempo: samba, maxixe, tango, lambada, samba rock, street dance, racking, locking, breaking, hip hop dance, house dance, hall etc. Para III Kosby3 “(...) É impossível ensinar Hip Hop (...) O que é possível é se familiarizar com as técnicas e danças sociais.” O que parece indispensável é a liberdade de expressão que foi e é o alicerce do desenvolvimento dessa linguagem. O esqueleto da dança parece ser o ensaio de coreografias mais uma linguagem espontânea e pessoal mais códigos dos grupos sociais, ou seja forma de se vestir, de andar e falar. A aparente falta de profundidade discute questões essenciais e que lhes são caras, sugere outra coisa, outros olhares. A aparente falta de profundidade revela o muito que querem dizer e efetivamente dizem com seus movimentos e sua dança frenética. Eles vão chegando aos poucos. Abertos às novas possibilidades, movimentos, influências, músicas e questões. Será? Brincadeiras, agarros, beijos, abraços, encaixes, ocupação de espaços. Muita musicalidade, eles tem a dança na ponta da língua, na ponta dos dedos. O espelho é obsessão, é o parceiro/público e reflexo. Aperfeiçoar, corrigir, estabelecer vínculos. Ah!!! Esses hormônio em ebulição. Descobertas, novos momentos. Antes falávamos em “dançar a vida”. É mais do que dançar a vida é realmente incorporar os movimentos do cotidiano e compor a dança. Há uma rejeição ao institucional. Um mostra, outros copiam, arrumam, mostram, constróem, copiam, ressignificam. Há uma rejeição ao institucional. Trata-se de um sistema vivo / interativo com o meio ambiente. No espelho se vêem, se corrigem e se admiram. É uma busca sem trégua De repente alguém deita no chão e diz: “não consigo fazer”, porque o movimento natural dele é bem mais lento. E para pegar esse movimento precisa fazer/praticar todos os dias, com um treinamento mais técnico, menos espaço para o pessoal. Força, Intenções, fluência, peso, abre, fecha, espaço, tempo, cima, baixo, chão, arrasta, abre o peito. Essa manifestação cultural dançante, funciona numa dinâmica de diálogo com referências corporais múltiplas. É uma forma fragmentada e pouco estruturada. Nos trás um corpo múltiplo com possibilidades mil.

3 Ainda não sei quem é, vou pesquisar.

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Vou a alguns espetáculos de dança “contemporânea”. Praticamente sem público, As danças urbanas tem público na periferia. E quem são esses garotos(as) dançantes? Geralmente os maiores de 18 anos trabalham e estudam e ensaiam nos finais de semana. Aqui também tem espaço para a solidão. Me sinto, às vezes, privilegiada por participar de alguma forma desse universo, em outros momentos sou uma intrusa A tão proclamada bissexualidade presente na concepção de um mundo global em construção e transformação. Naturalmente tem uma proposta corporal, ainda que esta não esteja catalogada, escrita, teorizada ,as está clara, evidente no corpo. Dança = Cultura Para nós, professores de dança, Aparentemente só tem forma, uma forma bidimensional. Nos perguntamos aflitos: Cadê o conteúdo? Sinceramente, acho que Laban adoraria ver essa garotada dançando. .É Michael Jackson, Lady Gaga, Byoncé.. É o que há por trás de viver em um mundo sem muitas ideologias, já berrava Cazuza “Ideologia, eu quero uma para viver”. A energia desses jovens assusta mas concentra. Pelo menos é o que eu mais tenho gostado de ver. . Às vezes vou ver alguns espetáculos de dança “experimental”. Tem coisa que nem acredito que estão fazendo até hoje. Clássico + Moderno + folclore + capoeira + butô + forró + street. + Livre + “o que mais chegar” Frágil limite , experimental. Dançar é mais do que Lady Gaga, mais do que podemos oferecer para sua experiência múltiplas. Sem preconceito, existe essa possibilidade na questão humana. O que importa é a intenção/coração. Acho que isso foi sempre o que importou. Procurar a magia guardada em cada um. A coreografia da busca como transformá-los em super bailarinos. Se junta se separa e procura e se encontra. . Lógico essa idade não quer fazer aula com a mãe. Dificuldade em lidar com o mais velho. Como fazer a aula com a mãe. Eles sabem mais da dança do que eu. Formar um professor como? Ampla prática de danças urbanas em suas diferentes ramificações. Construção em Rede

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Fase de transição – não funciona o que funcionava e ainda não funciona o que vai funcionar. . Pessoas que estão muito aquém de compreender o significado de suas danças. O corpo na dança contemporânea é construido na maioria das vezes a partir de técnicas somáticas que trazem o trabalho da conscientização do corpo e do momento como a técnica Alexander, Feldenfrais, Eutonia, Klaus Viana etc Danças urbanas como forma de reação aos conflitos sociais e a violência sofrida pelas classes menos favorecidas da sociedade. As danças urbanas começaram a se difundir mais aceleradamente em razão dos avanços dos meios de comunicação. A internet propicia a divulgação em ampla escala do trabalho de artistas já renomados e populariza o de anônimos que pretendem experimentar o sucesso daqueles. Isso porque com apenas uma câmera é possível transformar qualquer ambiente em palco e qualquer internauta em público. As danças urbanas tornaram-se atrativas, conquistaram novos adeptos Alguns novos adeptos vêm de outras modalidades de dança e precisam desconstruir seus corpos para incorporar novas influências. Embora tenham assumido um caráter comercial, seu caráter cultural e artístico continua sendo sua principal característica, responsável por lhe conferir uma faceta espontânea e libertadora. PRAZER DE DANÇAR. O número de praticantes das danças urbanas como um todo cresce intensamente. Sem seguir padrões pré-estabelecidos propomos investigar a sua origem sua história, seus estilos. Fábio Farias CEU Parque Bristol Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição De qualquer semelhança no fundo.”. Fernando Pessoa Fundamentar a trajetória desse processo que esta sendo uma jornada prazerosa e renovadora dentro do Céu Parque Bristol é talvez buscar entender e ou compreender o papel de Artista Orientador como um diplomata, ou melhor, um criador de pontes, não só na parte estrutural (Engenheiro), mais sim a mão de obra a construção, a mão na massa. E perceber que sozinho isto é impossível e a estrutura que compõem esta complexidade de relações e o que faz o programa chegar e estabelecer contato com os coordenadores e administrativo dos equipamentos.

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O vocacionado e a razão da construção e vem ajudar a construí-la e deixar como legado para os próximos que virão. A chegada, este sim foi um momento de grande ansiedade, território novo pessoas novas. Projeto? Três anos e ainda sim um friozinho na barriga, o que nos espera o que esperamos e o que esperam de nos? Estas perguntas voltam sempre que reiniciamos o projeto e percebemos que temos que superar e dar conta de nossas ansiedades, a dos coordenadores e dos vocacionados. Minha chegada ao Céu Parque bristol esta empreguinada de se nãos, afinal tem sempre o coordenador e os vocacionados, que gostaria de receber o mesmo AO do ano anterior, fique a deriva, mas encarar esse desafio já é premissa de nossos procedimentos. Primeiro contato com equipamento, não só a parte estrutural e sim humana. Busquei estabelecer uma parceria colaborativa e informativa, tudo que fizermos nos encontros e ou fora do equipamento serão relatados, comunicado e convidados a participar de todas as atividades, mostrando que não há uma linha divisória e sim uma ponte que nos a próxima, os vocacionados e os encontros dentro do equipamento. Estabelecer a relação com os vocacionados, esta sim foi uma tarefa difícil, afinal esperavam o mês AO do ano anterior, o processo estabelecido as especificidade, danças urbanas. Como se aproximar, sem perder o que foi construído no ano anterior? Esta foi à questão que pairou nos encontro iniciais. Passei alguns encontros buscando a trilha que fora construída no ano anterior e me aproximando dos vocacionados de forma gradativa, mas não lenta e sim estabelecendo um dialogo franco e aberto. O ponto inicial de nosso dialogo se deu a partir de uma mostra de danças, realizada no equipamento, com vários grupos convidados e conhecidos pelo público, a partir daí surgiu à vontade de criar um espaço de trocas e realizações, o que veio antes foram tentativas de procedimentos que buscava o contato com as ansiedades e desejos. Tentei vários estímulos, mas após esta mostra o que realmente necessitávamos era reconhecer nosso espaço dentro do equipamento e as relações que criamos o tema escolhido pala equipe, Patrimônio material e imaterial, surgiu não como uma demanda ou premissa a ser trabalhada, mas de forma natural, pois o que percebi que os vocacionados traziam suas memórias e histórias e a partir de vivências musicais e de vídeos começaram a relatar e trazer corporalmente estas memórias iniciamos uma pesquisa, relacionando as histórias dos vocaionados que já passaram dos trintas e os mais novos, tínhamos um material humano riquíssimo a ser desvendado. Surgiu nosso processo aliado às danças urbanas, os movimentos dos anos 80 e 90 e o presente, construindo este recorte de vários movimentos corporais. O segundo momento desta jornada se deu no primeiro sarau, intitulado “Bahia de todos os santos.”. Realizamos um encontro com os vocacionados de teatro e apresentamos o titulo afim de que este mote dessa vazão para uma possível pesquisa. Apresente ao vocacionados de dança a possibilidade de trabalharmos com as dança de algum Orixá, de imediato toparam a idéia, propus trabalhamos com o Orixá Obaluê, Orixá das pestes, doenças e também da cura, a proposta foi estabelecer história cotidianos e pessoais, afinal toda história deste Orixá, esta relacionada com o seu dia-dia e esta sendo essa a nossa pesquisa para realizarmos o estudo de movimentos cotidianos que se estruturam na movimentação, aliada a uma base, que vai se compondo com esta movimentação.

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Este processo esta fundamentado na memória e historias dos vocacionados, este processo será e esta sendo o mote para mostra, ligados ao figurino à ambientação do espaço, espaço este que compõem o equipamento em sua estrutura física, internos (Palco) e externo (Parede lateral do Teatro, e entrada do Prédio da Admistração). Memorial corporal, social, relacional, experiências que compõem a criação coletiva e faz (traz) um passeio pela interrelação dos vocacionados com sua história e as dos outros. Em um processo de criação que se configura como uma contação de historias corporais. Nossa pretensão e ocupar os espaços do equipamento e imprimir nossas histórias, passado e presente, interligados com nossas vivências e encontros no equipamento ao longo deste ano. Frank Roberto Aguillar Teatro João Caetano ..“ Interesse. Interessar. Eu devo causar interesse. Devo interessar o outro. Não posso interessar outra pessoa a não ser que eu mesmo esteja interessado. Necessitamos de um interesse comum. Para compartilharmos um interesse comum, precisamos intercambiar elementos de interesse numa maneira que seja interessante...” “...para nós dois...” “ Para todos nós...” “No ritmo apropriado.” “Ritmo?” “Sim, como fazendo amor. Se um estiver rápido demais e o outro devagar demais, não é interessante...” ... O que era realmente interessante?” (Texto: Como diz a Lenda de Peter Brook, Livro: O Ponto de mudança) Este trecho do texto de Peter Brook define um pouco do que o Programa Vocacional é pra mim e a ponte que estabeleço com relação ao material norteador para que de fato na pratica ele se concretize. Acredito muito na essência desse material que tem sido o foco do meu trabalho como artista pesquisador. Começando desde um diagnostico no entorno do meu equipamento, colégios, faculdades, clinicas, praças, bares, cafés, etc... Quais os “interesses” daquela região, o que as pessoas julgam (ou não) interessante naquela região. Quais são as pessoas que habitam aquela região? Que tipo de interesse comum estabeleço entre elas e meu trabalho? Preciso buscar algo que seja interessante para poder causar interesse e assim “armar uma estratégia” para começar a fundamentar meu trabalho. Conhecendo um pouco o entorno, fui atrás de conhecer lugares com maior concentração de gente como a faculdade Unifesp, fazendo uma panfletagem, pude perceber que muitos ali não sabiam que havia um teatro tão próximo que nunca tinham ouvido falar que ofereciam aulas gratuitas de dança e teatro. O pouco tempo que passava por ali toda quarta-feira antes das minhas aulas, puderam trazer alguns alunos para conhecer e se utilizarem daquele espaço. O que foi muito rico pois construímos uma turma bem heterogênea. Todos sem uma pratica efetiva em dança ou qualquer atividade artística. Visto isso, percebi que o publico do entorno era de “passagem”, passavam algumas horas no entorno, mas não eram emancipados ali. Fazendo com que as turmas não

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fossem constantes, a cada encontro, muita gente nova aparecia, uns voltavam outros simplesmente passavam e voltavam depois de um tempo para continuar a fazer aula. Visto isso, senti necessidade de procurar a população daquele lugar, fizemos uma panfletagem nos prédios do entorno e conversando com o Sr. Antonio que tem um barzinho na esquina quase em frente a faculdade, pude perceber que alguns moradores apenas vinham as suas casas para descansar, que muitos não trabalhavam por ali. Comecei a fazer um trabalho então de divulgação com as pessoas que já freqüentavam o teatro aos finais de semana. Para minha surpresa muitas vinham de longe assistir aos espetáculos. O Processo Começamos o processo com muitas inquietações, um grupo bem heterogêneo artisticamente, mas com muita vontade e força pra se jogar nas aulas. A principio trabalhamos exercícios de consciência corporal e investigação espacial, fora do espaço convencional (sala de ensaio e teatro). Já que muitos não conheciam o espaço, juntos fomos desvendando corporalmente aquele lugar. Sempre pensando nas sensações e motivações que o espaço pudesse causar. Nosso primeiro encontro foi no jardim dos fundos do teatro onde ostenta ali uma belíssima árvore plantada desde a sua fundação do teatro. Partimos daí para toda estrutura externa do teatro relacionando sempre, Corpo – espaço e sensações. Pudemos ali começar a investigação sobre corpo, sobre o coletivo e sobre o que seria esse programa vocacional que ninguém ainda havia participado. Como era iniciar daquela forma uma aula de dança que para muitos senão todos não era o convencional. Os resultados obtidos desse primeiro encontro foram para alguns um choque, para outros poucos acostumados a trabalhar somente na pratica de técnicas foi momento de desconstrução. A provocação feita rendeu boas perguntas e apontou um norte para o nosso trabalho que era começar a responder todas essas questões durante o processo. Na semana seguinte, em nosso diário de bordo e nos protocolos muitas perguntas surgiram como: “Onde estão os meus apoios? Quem sou eu? Em que momento me encontro com meu corpo? Tenho um corpo? O espaço me equilibra? ... Entre outras. Logo começamos a trabalhar nessas perguntas e como cada um via aquele espaço, tanto fisicamente como visualmente falando. Lancei a pergunta :- “Qual espaço te agradou mais e qual espaço você não gostou”. A partir dessa pesquisa começamos a conhecer algumas relações comuns presentes nas turmas. A arvore apareceu muito nos protocolos como um local de fortaleza e fertilidade. Outro ponto foi a falta de um aparelho de som no equipamento. Trabalhamos dois meses sem a presença de um som que pudesse nortear alguns exercícios. Inicialmente achávamos um problema, e muitas necessitavam da musica para se movimentar. Partimos então para um trabalho de escuta do corpo e sons produzidos por ele, sons que podíamos criar junto do corpo e do espaço. Foi um trabalho riquíssimo que gerou grande sensibilidade nas turmas. Começamos então a relacionar esses espaços internos com os espaços externos ao teatro. Fizemos uma travessia partindo da estação Santa Cruz do Metrô, descendo pela rua Borges Lagoa até chegar ao Teatro. Nessa travessia pudemos conhecer outras possibilidades de movimentos e sensações. Muitas inquietações surgiram, medos, vergonha, destreza, relação. Foi um outro olhar de busca que reverberou diretamente em nossa pesquisa como turma. Chegamos até a porta do teatro e naquele dia não entramos, fizemos essa pratica de nos colocarmos dentro dessa metrópole e de que forma esse “patrimônio” podemos levar conosco para habitar aquele teatro. Foi aí que começamos essa relação entre espaço convencional e não convencional, corpo x espaço.

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Constatei que ficou muito forte nesse trabalho de busca com as turmas a relação de ser e estar com o outro, aos poucos propus um trabalho de historias pessoais. Onde cada um trazia um pouco do que achava ser o seu patrimônio. De forma concreta, pedi que trouxessem objetos que pudessem estar contidos de historias que os tivessem marcado de alguma forma. Que através desses objetos pudéssemos conhecer um ao outro. Antes dessa pratica, fiz uma cópia do texto do Livro “O Ponto de Mudança de Peter Brook, o trecho Como diz a lenda” e pedi para que lêssemos todos juntos e que começássemos a pensar em um interesse comum que não fosse somente a dança, mas o que juntos começaríamos a trabalhar dentro de um trabalho artístico. O que realmente elas tinham vontade de dizer com aquele trabalho. A partir daí começamos a discutir os interesses, a relacionar, a discordar. Em determinado momento apareceu em uma das turma (turma da tarde) a necessidade de um trabalho autobiográfico, por ser uma turma onde todos vem de lugares diferentes, todos atualmente morando em São Paulo, mas a maioria nasceu em outros estados. Em contrapartida o grupo da noite chegou a conclusão que gostariam de discutir sobre tempo e metrópole. Eu estou contido nessa metrópole, cada qual com seus interesses e vivendo num ritmo diferente. Em particular comecei a trabalhar e a provocar cada turma trazendo textos, vídeos, musicas que tinham haver com os assuntos em questão. Cada qual ficou encarregado de pesquisar sobre o tema e apresentar células de momentos cotidianos que, na sua visão, estavam inseridos naquele assunto. Como o corpo responde ou se porta em relação a essa metrópole? Em que tempo isso esta inserido? Em que momento da vida isso acontece? Que historias estão envolvidas nessa metrópole? Que corpo é esse que responde a cada momento as provocações desses espaços? Quem sou eu no meu disso tudo? Que momentos eu compartilho com essas pessoas? Que patrimônio eu tenho? Sou esse patrimônio? Onde identifico o patrimônio material e imaterial? Onde estão os meu apoios? Essas perguntas norteiam nossa pesquisa até o presente momento. Fazendo um paralelo entre as turmas, vimos que os trabalhos foram tomando formas parecidas, que um pensamento podia conversar numa boa com o outro. Percebemos que um trabalho podia potencializar o outro, intercambiando os interesses promovendo um encontro das células cênicas produzidas nos encontros. As duas turmas tiveram a vontade de apresentá-las ao publico. Conversamos muito sobre como fazermos para que aquilo virasse cena e fosse para fora, que pudéssemos abrir o processo podendo potencializa-lo com essa apresentação. Para que não tivesse cara de um trabalho já acabado, que ainda está em processo. As turmas trabalharam juntas por 2 semanas e conseguiram trocar interesses e discutir muito sobre o processo. Vejo que a troca e esse momento foi importantíssimo para os vocacionados. Nesses momentos de intercambias os processos e os interesses surgiu um interesse comum de se fortalecerem como grupo. Vejo e percebo que estão criando uma idéia forte que isso aconteça. Com essa sede de se tornarem grupo, a todo momento eu era questionado sobre como funcionava o trabalho de grupo, que gostariam de compartilhar com outros grupos essa vontade. De poderem conhecer turmas que, assim como eles tiveram essa primeira idéia de fortalecerem. Respondendo a essas questões sugeri trazer os grupos onde faço uma orientação pedagógica para que eles pudessem tirar duvidas e que os grupos pudessem falar um pouco das suas praticas e depois em um segundo momento que cada qual se apresentassem com eles. Achei pertinente promover essa pratica em nossa Ação Processo. Esse intercambio de linguagens e formas de criação, e como para cada grupo o processo criativo acontece, de que forma esses grupos trabalham. O resultado desse dia de trabalho e vivencia foi surpreendente para os vocacionados que voltaram na semana seguinte com sede de trabalharem juntos e emanciparem aquele lugar. Percebendo a necessidade de mais encontros durante a semana em outros horários

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e como vão fazer para se encontrarem na pausa do projeto. Isso apareceu nas conversas, protocolos e em pequenos relatos que pedi que fizessem para firmarmos aquele momento. Apesar de ser muito criticado pela coordenação de Ação do Programa Vocacional, sobre o “equivocado” formato desse dia, vejo que falta um pouco de discernimento, mapeamento e solidariedade com relação as turmas. Preconceito é uma forma de desinteresse. É importante cuidar para que os interesses não se tornem individuais e sim coletivos. Acho que estar envolvido é partilhar e com-partilhar dos mesmos interesses, participando ativamente das turmas, do processo e do programa, sabendo exatamente a hora de soltar as mãos e deixa-los caminharem sozinhos. Conhecer os interesses no pouco, no pequeno, no simples é algo que pode construir alicerces fortes, potentes e duradouros. Continuando esse trabalho de pesquisa e alimentando as turmas, é hora de pensar na questão que os próprios vocacionados já colocaram, sustentabilidade da turma e do programa nesse equipamento. Pensando na mostra final, que ela possa ser não só uma mostra e sim o resultado dos primeiros passos que as turmas vão dar “sozinhas”. Que possa ser uma pratica de emancipação. Que não seja somente apresentação de trabalhos e sim uma proposta de se emancipar. Ray Maria Moura Teatro Paulo Eiró PREÂMBULO Quando olhamos para a realidade brasileira, percebemos que as comunidades e o programa vocacional juntamente com todos que fazem acontecer, avançamos muito. Ainda falta mais, os objetivos estão presentes nas ações propostas. É fundamental colocar nas nossas reflexões e consolidarmos uma cultura de respeito e valorização é preciso acima de tudo transformar da voz, porque o programa vocacional com suas linguagens tem papel importante junto as políticas, publicas. Temos sim muitas conquistas. Encontro com os Vocacionados Alguns vocacionados chegam querendo ditar o tipo de dança e musica que querem ouvir, essas necessidades não são negadas, porque vem de encontro a realidade dos seus saberes que cada comunidade tem consigo, sua historia cultural, onde contribui para o seu crescimento e valorização. Partindo do mapeamento do equipamento do entorno, é dos diálogos para juntos encontrar experiências e saberes já incorporados. Para isso foi desenvolvido um conjunto de ações articuladas propostas pelo programa. Como acontece em todo processo de pesquisa com os O.As sempre a o que melhorar e aprender com eles. Todos esses processos e ações nos levaram ao mestre Vitalino, a mulher rendeira, Cecília Meireles, Selma do Coco, a festa do divino, a Arte Naif. É a arte do povo, arte popular a realidade, buscando seu maior dom: A capacidade de expressão que retrata o dia-a-dia social com humor na busca de uma vida.

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Encontramos no som as lembranças do mar, o quebrar das ondas, o marinheiro o barco, a mulher rendeira, as fitas, os cantos, o simbolismo da fé, da abnegação, da confiança, a força do encantamento do compartilhar. Aprendendo a sonhar com a certeza de que sempre é possível compartilhar. Agosto: Fomos procurados pela maestra Silvia que nos propôs parceria em um dos seus projetos: Tema: as quatro fantasias Foi realizado dois encontros sem os O.As para o reconhecimento das musicas. Outubro e Novembro: As vivencias vão acontecer juntamente com os vocacionados, orquestra, coral 60 vozes. A mostra vai acontecer ou dia 21/11 ou 05/12/2010 esses dias podem ter alterações. Outubro e Novembro: Estamos dando continuidade na pesquisa do mestre Vitalino com a escultura, Os retirantes, Mulher rendeira e Valsas Brasileiras. Processos e vivencias realizados em nossos encontros com os Vocacionados

O corpo, enquanto experiência O que o corpo faz quando realiza os procedimentos

Movimentos naturais ou principio básico da dança: Vivências corporais que levaram estes corpos a movimentar com autonomia, onde temos: peso – segurança motricidade – observação – hábitos pastorais – reações – compensações musculares; consciência dos limites – levantar – transportar arremessar – Nos nossos encontros não ficamos presos a uma forma, mas a uma criação de valorização que cada O.A trás para as vivencias. Ficamos sempre atentos as necessidades e limites desses corpos, onde temos varias idades, presentes.

Outro momento dos encontros: Protocolo – É o momento de contar uma historia sem usar palavra. Protocolos apresentados: Renata, Elizabete, Fabiana, Telma, Novaes Suellem, Maria Pessoa

Deuses Africanos Mulher Rendeira Porque Cala? (Bienal) Grita Mulher O Barco Mulher se ajundando

Como registro temos um caderno de bordo, onde o mesmo circula entre os O.As – Esta proposta do caderno surgiu nas reuniões Artística pedagógica, onde foi incorporado nos nossos encontro com os vocacionados. - Difusão: efetuada toda semana no entorno. Motivos: evasão das turmas, aproximar a comunidade do equipamento e o conhecimento do programa.

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Ações/Processo mostra do dia 19/09 – Sua realização se deu pela colaboração de todos os envolvidos em geral. 1º Momento (fora do teatro) conduzido pelos vocacionados. Dança circular = indígena + cantos – percussão feita pelos O.As (Formação3 roda). Apreciação (foi filmado e fotografado) – Conduzida pela Miriam Dascal em forma de repente, contamos com a participação do público presente. Foi um momento poético. Construímos 3 rodas e no final cantamos a bandeira do divino. “Os nossos olhares tem que ir alem do intelecto como cidadãos e artistas” Muito Obrigada - Beijos e Abraços - Ray Fabiana Bueno de Castro CEU Alvarenga O Grupo Trabalho orientando uma turma de adolescentes com idade entre 14 e 19 anos, os quais fazem parte de um grupo chamado JOAC-HORUS. Este grupo realiza experimentações utilizando as linguagens da dança e do teatro para sua expressão. O grupo já existe há quatro anos e se desenvolveu a partir de reuniões que faziam para jogar RPG. O universo em que estão inseridos é o dos contos fantásticos, dos animes japoneses e um pouco de humor negro. Nossas reuniões acontecem no domingo e eventualmente aos sábados, quando o grupo usa o espaço oferecido pelo CEU para as montagens de seus espetáculos. O grupo conta com 12 participantes ao todo e em média 7 deles participam da orientação no domingo, com algumas flutuações. O Começo Começamos nossos encontros no início de Maio e logo participamos do Sarau realizado pelo CEU Alvarenga, que tratava justamente do universo do qual o grupo se apropriou para suas montagens cênicas. O Sarau foi inspirado no contexto da mini-série hoje é dia de Maria, ou seja, um ambiente de lirismo fantástico do qual o grupo já tinha alguma familiaridade. Esse evento foi muito válido para a minha aproximação e a minha tomada de consciência em relação ao trabalho realizado pela turma, participei de toda concepção e ensaios olhando e dando pequenas opiniões. Neste momento me coloquei como observadora para saber qual era o terreno que estava começando a explorar. O público aprovou a participação do grupo no Sarau, que foi extremamente significativa dada a confluência dos meios utilizados para o fim proposto: o lirismo fantástico. Neste momento eu vi o grupo apropriado de suas escolhas e muito satisfeitos de poderem mostrar, sem amarras e sem censuras um trabalho por vezes difícil de assimilar, por conter cenas de simulação de morte e assassinatos sádicos cometidos por fadas e seres do imaginário desse tipo de conto. Começamos então os encontros e minha orientação começou a se delinear a partir desse primeiro trabalho.

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A Orientação Nossos encontros, como já mencionei, são aos domingos e eventualmente aos sábados que é o dia em que o grupo está completo. Tenho 5 vocacionados assíduos e 2 que oscilam entre os domingos e nossos encontros têm sido muito proveitosos quando o assunto são as ferramentas necessárias para a expressão em dança. Percebi, ao assistir os ensaios da turma, que eles necessitavam ganhar espaço em vários sentidos, tanto no que concerne ocupação de espaço cênico quanto em relação à ocupação do espaço oferecido pelo CEU e a conquista do mesmo feita com responsabilidade. Aqui tenho dois caminhos para a orientação os quais vou dividir em orientação para ganho do espaço e de espaço sendo que O espaço é cênico e De espaço será físico. O Espaço O grupo necessita muito deste tipo de consciência, como ocupo o espaço de representação, o espaço cênico? O que escolho mostrar? Quem é meu público alvo? Essas foram as perguntas que comecei por fazer. As respostas me mostraram que eles realmente não sabiam como trabalhavam isso, as coisas pra eles sempre foram meio intuitivas e cheias de alguns vícios que aos poucos vou apontando e tentando fazer com que eles procurem elaborar melhor suas justificativas e escolhas para montagem e “mostragem” ao público. Trabalhamos bastante com a consciência do corpo no espaço, como dividimos os espaços com os demais companheiros de maneira a preencher cenicamente estes espaços. A composição coreográfica e o jogo cênico são as bases fundamentais para este trabalho. A partir de seqüências coreográficas, vamos desfazendo e refazendo sempre com o intuito de mostrar para um público. Qual o lado que o público ficará? Qual parte do meu corpo estou mostrando? Que lugar dO espaço quero evidenciar? Quantas pessoas estão em cena e qual é o jogo entre elas? Dessa maneira vou, aos poucos, mostrando a eles a importância das escolhas que fazemos quando queremos apresentar um trabalho. Eles têm se mostrado entusiasmados e já consigo perceber a utilização destes exercícios dentro dos trabalhos que eles vêm montando. Neste momento eles resgatam uma montagem do Drácula, que já tinham feito, a qual apresentaram uma célula na mostra processos e assumem que o trabalho com o vocacional tem colaborado para o entendimento do desenvolvimento dessa remontagem. De Espaço Em relação ao uso do espaço cedido pelo equipamento eu vejo que eles cometem alguns equívocos em relação ao tratamento dirigido aos funcionários, vi algumas hostilidades que fazem com que a confiança depositada neles, pela gestão de cultura, seja ainda um pouco frágil. Neste sentido procuro sempre estar ao lado quando vão pedir as chaves e assim vamos desfazendo esse equívocos próprios da adolescência. Estamos batalhando por uma data para que eles fiquem em “Cartaz” com O Grupo. Acredito que assim eles ganharão confiança neles mesmos e conquistarão um espaço que sei que almejam. Esse é meu “empurrão” para que a emancipação do grupo se dê de maneira construída e consciente.

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EQUIPE NORTE - COORDENAÇÃO ZINA FILLER CONSTELANDO ou EM BUSCA DE SENTIDOS DANÇANTES “Esforçamo-nos por fazer com que se realize tudo aquilo que imaginamos levar à alegria; esforçamo-nos, por outro lado,por afastar ou destruir tudo aquilo que a isso se opõe, ou seja, tudo aquilo que imaginamos levar à tristeza” (Ética –Parte III - A Origem e a Natureza dos Afetos-Proposição 28) Baruch de SPINOZA A partir do texto do material norteador redigido em 2010 ficou claro que, para além dos princípios e procedimentos já estabelecidos durante estes quase 10 anos de existência, a interface entre ética e poética é a base fundamental de ação para todos os participantes do programa Vocacional. É este entrelaçar que norteia o objetivo maior – a Emancipação,ou seja a “realização de um processo artístico de criação em que TODOS (grifo meu) tenham participação ativa e consciente em todas as práticas,conceitos e escolhas relacionadas ao discurso poético produzido coletivamente”. Italo Calvino no seu livro ‘Seis propostas para o próximo milênio’ parece dialogar diretamente com esta proposta do programa. Estas conferências produzidas em 1985, a pedido da Universidade de Harvard , nunca foram feitas porque o autor faleceu um pouco antes. Mais que uma proposta poética, com ênfase na literatura, elas são um legado ético para qualquer artista do século XXI: não uma ética na sua concepção moral , mas uma ética-poética , por assim dizer. Proponho, então, tecer relações entre os 6 temas propostos pelo autor, a minha compreensão da dança no programa e minha atuação como coordenadora da Dança-região Norte. 1) LEVEZA Calvino compreende este atributo de três maneiras: como despojamento, sutileza e imagens figurativas onde esta característica apareceria. Me chamou muita atenção este ser o primeiro tema a ser tratado,mas percebi que esta característica é a condição básica para que um grupo de pessoas possam se relacionar e produzir ,com prazer,juntas. A “busca de leveza como reação ao peso de viver (...) ,então cada vez que o reino humano me pareceu condenado ao peso busquei mudar de ponto de observação,para uma outra ótica,outra lógica.4”.Aqui, encontrei um precioso conselho. Sabemos que tantas incertezas, tantas diferenças, tantas informações, tantos desejos surgem nos encontros (sejam as reuniões artístico-pedagógicas, sejam as de coordenação, sejam as gerais) que se não forem ouvidos com leveza, uma massa densa, confusa e pesada criar-se-á sem nenhuma possibilidade de escuta e ação transformadora. 2) RAPIDEZ Não é da velocidade física tão presente no nosso viver contemporâneo que se trata ,mas da velocidade mental; “a rapidez de estilo e de pensamento quer dizer antes de

4 CALVINO,Ítalo ; Seis propostas para o próximo milênio ;ed Cia das Letras;2005,pg.19

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mais nada agilidade,mobilidade,desenvoltura; qualidades essas que combinam “a saltar de um assunto para outro para reencontrá-lo ao fim de inumeráveis circunlóquios” 5Não se deve,então confundir rapidez com superficialidade. Por isso o autor nos lembra que o foco é fundamental. Nas reuniões, onde o tempo sempre nos parece escasso, agilidade e foco são fundamentais para sabermos onde estamos , para onde navegamos, como o faremos. Em dança falaríamos da mesma maneira desta prontidão e agilidade do corpo ,mas que só se torna uma qualidade quando existe o seu oposto:uma parada,um silencio, um foco .Se não a rapidez se confunde com um descontrole motor ou exibicionismo pirotécnico. Novamente o autor fala de uma atitude que possibilite a criação, a não rigidez e cristalização de princípios ,de atitudes que podem mudar quando a realidade assim o pede. Desta forma muitas vezes tive que mudar meu olhar sobre uma ação ou fala para que o verdadeiro diálogo se estabelecesse. 3) EXATIDÃO O tema , para o autor, também possui 3 sentidos: projeto de obra bem definido, evocação de imagens nítidas , linguagem que seja o mais preciso em sua capacidade de traduzir as nuances do pensamento e da imaginação. Neste sentido, introduzi na equipe um procedimento de criação de suas ‘letras básicas dançantes’, ou seja , o BE/A/BA ,a base da sua gramática poética dançante. O objetivo foi criar com exatidão o máximo de significado na sua menor partícula expressiva; ou seja, a apropriação de suas ‘letras’ fundamentais para uma flexibilização de diálogo com todos os corpos,de qualquer idade, com qualquer história corporal .Nesta explicitação dos respectivos alfabetos, todos nós , na equipe ,aprendemos e nos enriquecemos. Como diz Calvino: “uma frágil passarela sobre o abismo”.6 E de qual abismo me refiro? O da incomunicabilidade, da frustração, do desencontro entre os desejos e a realidade que possam surgir entre Artistas-orientadores e seus vocacionados . 4) VISIBILIDADE Nesta incrível conferência , o autor faz uma ponte entre o mundo das fantasias, imagens e sonhos , e a possibilidade de torná-los visíveis. Sabendo que vivemos inundados de imagens pré-fabricadas, neste excesso imagético contemporâneo, ele paradoxalmente vai propor uma pedagogia da imaginação: uma prática que nos ajude a preservar esta capacidade profundamente humana de sonhar e imaginar ,dando ferramentas para “controlar a própria visão interior sem sufocá-la permitindo que as imagens se cristalizem numa forma bem definida, memorável, auto-suficiente” 7. Procurei então, estimular sempre a própria subjetividade de cada integrante da equipe através de discussões,estímulos visuais,práticas corporais para que outras formas surgissem nos seus encontros com os vocacionados criando novos sentidos para todos os envolvidos.

5 op.cit.;pg 59 6 op cit ;pg 90 7 op cit ;pg 108

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5) MULTIPLICIDADE No final da última conferência Calvino pergunta: “quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações ,de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia,uma biblioteca,um inventário de objetos, uma amostragem de estilos ,onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.”8 Pensando em dar forma a este tema introduzi o ‘Quebra-Cabeça Vocacional’ para a equipe e para o primeiro Vocacional em Rede com os coordenadores dos equipamentos. Neste procedimento seus 12 elementos foram nomeados e estruturados por cada participante ampliando as 5000 maneiras de resolução. Ficou visível que cada pessoa estrutura seu desafio- seu quebra-cabeça , seu encontro com os vocacionados ou seu protocolo de fundamentação - de acordo com sua experiência, sensibilidade,momento de vida e compreensão do Programa. Não há nunca duas maneiras iguais;nunca uma só maneira correta de construir; e é desta multiplicidade e movimento de reordenação que o Vocacional cresce e se enriquece. 6)CONSISTÊNCIA A sexta conferência jamais foi escrita, mas apenas nomeada. Tenho então espaço para imaginar seus significados e desdobramentos junto à minha experiência como coordenadora. Antes, algumas definições dadas no dicionário por Houaiss : 1- caráter; 2- característica de um corpo encarado do ponto de vista da homogeniedade, coerência, firmeza, resistência,densidade,viscosidade etc dos seus elementos constituintes; 3- (fig) estado ou caráter do que é coerente, do que tem solidez, estabilidade, credibilidade; 4- persistência Como ser então uma coordenadora com CONSISTÊNCIA? Primeiramente, a constatação do meu estado de ‘estrangeira’ na coordenação, na equipe, na região. A equipe já trabalhava junta desde o ano passado, eu ocupo pela primeira vez esta função e junto a isto a região norte da cidade me era totalmente desconhecida. Enfim uma estrangeira por completa. A psicanalista Julia Kristeva em seu livro ‘Estrangeiro para nós mesmos’ amplia o sentido do estrangeiro como alguém que descobre suas incoerências, seus abismos, enfim suas ‘estranhezas’. Neste sentido, todos somos estrangeiros. Então, nada mais coerente do que explicitar e trabalhar com este meu ‘ser estrangeiro’. E como tal, às vezes erramos - no sentido da perambulação e do erro. Mas, como viajantes curiosos que somos, aprendemos e nos encantamos com os sentidos e elos afetivos criados nesta ‘viagem’, re-significando as paisagens e encontros vividos por nós. Dentro desta perspectiva escolhi junto com a equipe realizar ações que potencializassem e reverberassem alguns momentos do ano. Foi assim que escolhemos realizar como um coletivo, uma ação que reunisse todos integrantes da dança na região norte, a ação ‘Turista Aprendiz – Navegantes Sem Mar.’ dividida em 2 atos: o primeiro no

8 op cit ; pg 138

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Ibirapuera, no Museu Afro conectando com a Travessia realizada em junho por todos os participantes da dança , e o segundo no centro da cidade conectando com a reunião dos coordenadores de dança no Pátio do Colégio em julho. Com estes deslocamentos geográficos para os vocacionados e artistas-orientadores, busquei uma “poética de encontro onde o espaço externo se (con)fundisse com a imensidão do espaço íntimo numa verdadeira dialética do exterior e do interior.”9 A pergunta inicial ainda ecoa : sou uma coordenadora consistente? A resposta só virá com os desdobramentos e as constelações construídas por cada artista-orientador e coordenador com quem compartilhei. Retomo agora a epígrafe de Spinoza , este filósofo-artesão que excomungado por sua comunidade escolheu viver na Holanda do séc.XVII como polidor de lentes . Sua Ética, escrita de forma exata como uma demonstração matemática, é baseada na alegria, “sentimos alegria quando um corpo se encontra com o nosso e com ele se compõe, quando uma idéia se encontra com a nossa alma e com ela se compõe”10 ou seja, a percepção de uma maior potência de ação e compreensão ,de si e do mundo. Ele é o primeiro filósofo, também a demonstrar que entre corpo e alma não existem hierarquias de poder, que a escravidão pode ter causas externas ou internas e que a bondade tem a ver com dinamismo, com a potência e a composição de potências: “O ‘bom’ existe quando um corpo compõe diretamente a sua relação com o nosso e com toda ou uma parte de sua potência,aumenta a nossa.”11 E é desta ética da alegria, do encontro e da potência de agir que minha ação e olhar estão impregnados. ZINA FILLER ,outubro de 2010

9 MACHADO,Cristiane Marques; Poética do lugar em O Turista Aprendiz de Mario de Andrade, Angústia de Graciliano Ramos,Tristes Trópicos de Claude Levi-Strauss, tese pós-graduação; Universidade de Porto Alegre

10 DELEUZE,Gilles;Espinosa- Filosofia prática; ed.Escuta; 2002; pg.25 11 op.cit;pg.28

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Adriana Guidotte Centro Cultural da Juventude Danço a vida Na dança podem-se expressar tantos sentimentos, estados de ânimo e nuances que não cabem em palavras. Não se trata de arte, mas sim da vida. De encontrar uma linguagem para a vida, uma expressão dos sentimentos e sentidos que talvez possam virar arte. Sem recorrer a nenhuma tradição, nenhuma experiência, nenhuma forma já estabelecida. Um corpo diante da vida e das próprias sensações, conhecendo seus limites e trabalhando para superá-los. Assim inicio meu trabalho com uma preocupação maior: encontrar um jeito novo, palavras novas, outros argumentos, provocar reflexões, instigar, despertar interesses... Um desafio. Como entrar nesse espaço? Como me aproximar? Aproximá-los? Criar elos? Romper barreiras espaciais e mentais também? Tanto minhas quanto deles... Desvendar o universo poético de cada um através da exploração dos sentidos, do despertar do corpo, do resgate da capacidade de se relacionar, da não aniquilação de repertórios de interesse, da consciência do lugar que ocupa, integrando assim os 3 elementos: indivíduo/arte/espaço. FORMA E CONTEÚDO. UM CONCEITO EXISTE SEM O OUTRO? O CONTEÚDO ESTÁ NA ARTE DE QUEM PRODUZ OU NOS OLHOS DE QUEM CONTEMPLA? CONTEÚDO – Aproximação: a essência da relação que se constrói e da ação que se pretende. Proponho uma viagem até o sentido primário das diversas emoções que guarda um corpo vivo, ativo, importante, transformador e pronto pra ser transformado. Trabalhamos o corpo desde o físico, palpável, real (percorremos todas as partes do esqueleto humano) até o emocional. Ampliamos nossa visão do corpo, dele no espaço que ocupa, do lugar que impõe posturas e da ocupação desse corpo no lugar que o acolhe. O toque, a percepção do espaço, das pessoas, as sensações do corpo, o “espreguiçar” da mente, o próprio conhecimento e o reconhecimento do outro permeiam todos os momentos do processo infinito da aproximação. Assim desenvolvo minha pesquisa. Trabalho em sala de aula a confiança mútua, partindo de grande exatidão e honestidade, além de coragem também. Mostro meu lado pessoal, algo daquilo que todas as pessoas são. Estimulo esta busca, esta verdade, e tento fazer com que se traduza em movimentos Danço minha vida e estimulo que dancem a deles. Assim nos relacionamos... Nos conhecemos... Aos poucos vou introduzindo os princípios básicos da dança contemporânea, como rolamentos, quedas, suspensões, deslocamentos, ritmo, peso, giros, etc, aliados a exercícios de alongamento para que se conscientizem da importância da preservação do corpo e seus cuidados com ele. Começo a introduzir seqüências de exercícios mais elaboradas, onde tudo que já foi experimentado pode ser incorporado durante a execução.

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Já o processo criativo é sempre estimulado, desde o começo, com exercícios de improvisação e sua relação direta com o espaço. Objetos de cena, alterações no espaço através de luz... Como isso altera ou não a qualidade do movimento proposto? Com música? Sem? Composição inspirada em poesia, em pessoas, quadros? Quais as fontes de inspiração do artista? Proponho o desenvolvimento de experimentações corporais através das sensações provocadas pelas relações vividas no cotidiano de cada um, entre eles, com o espaço que compartilham. ESPAÇOS NÃO-CONVENCIONAIS E AÇÃO CULTURAL – Ação: ligada ao prazer de agirmos juntos na construção de uma autonomia artística. Por ser uma característica forte da minha pesquisa a experimentação de composições improvisadas, espaços não convencionais são muito utilizados por nós durante as aulas. Já improvisamos nas escadas do CCJ, terraço ao ar livre e calçada da frente do portão. Além disso, e já dentro da ação cultural, exploramos juntos a Semana da Dança do Centro Cultural São Paulo, num sentido mais amplo, não só de espectador dos espetáculos como principalmente visitante explorador do Centro Cultural. Além disso, juntos com a Coordenadora de Equipe Zina Filler, eu e os outros Aos da equipe Norte, Luciano Amorim, Angélica Rovida, Morgana Souza e Fabiana Villas Boas organizamos uma rica ação cultural em conjunto, utilizando espaços não convencionais, explicitada a seguir: TERRA À VISTA: TURISTA APRENDIZ Visita ao Museu Afro – Brasil situado no Parque do Ibirapuera. Data: 07 de Agosto de 2010 Transporte gratuito com partida prevista para as 13h30m. SÃO PAULO - NAVEGANTES SEM MAR: Um olhar do turista aprendiz. Somos estrangeiros ou não? Dia 02 de Outubro de 2010 Este encontro especial no centro tem como objetivo ampliar o repertório do VOCACIONADO PESQUISADOR e EQUIPE DE DANÇA REGIÃO NORTE passando por diferentes olhares entre os pontos visitados. Terraço do primeiro arranha-céu de São Paulo: Edifício Martinelli (olhar do alto, quase o céu). Olhando para baixo (chão do banco de São Paulo - atual secretaria do turismo) Onde tudo começou – Pátio do Colégio. (aterrissando) APRECIAÇÃO E PROTOCOLOS Durante o processo criativo, a apreciação é proposta por mim em todos os momentos, durante as 3h que passamos juntos. Contemplar, refletir, apontar, dirigir, recuar, elogiar, criticar, aconselhar, etc, são verbos sempre conjugados durante as atividades cotidianas, por mim e por eles também.

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Os protocolos acontecem de maneira natural e conforme o interesse despertado. Em nenhum momento peço que me escrevam algo referente a alguma atividade feita em aula, mas sempre estimulo a pesquisa, ora dando referências de texto, de artista, de lugares. Propus que criássemos um e-mail coletivo pra que nele circulasse os recados, as impressões, dúvidas, e principalmente pra que fosse um lugar de reverberações, de troca de saberes, onde aquilo que trabalhamos em aula possa transitar livremente por nós a qualquer hora. Coloco abaixo alguns dos protocolos virtuais que circulam entre todos: “ Sobre o invisível: “... onde as palavras já não bastam, o homem apela para a dança. O que é essa febre, capaz de apoderar-se de uma criatura e de agitá-la até o frenesi, senão a manifestação, muitas vezes explosiva, do Instinto de Vida, que só aspira rejeitar toda a dualidade do temporal para reencontrar, de um salto, a unidade primeira, em que corpos e almas, criador e criação, visível e invisível se encontram e se soldam, fora do tempo, num só êxtase. A dança clama pela identificação com o imperecível; celebra-o.” (fragmento retirado do verbete DANÇA, do "Dicionário de símbolos", de jean Chevalier) (...) " O invisível pode aparecer nos objetos mais banais. A garrafa de plástico ou o pedaço de pano que mencionei antes podem transformar-se e impregnar-se do invisível, desde que o ator esteja em estado de receptividade e seu talento seja igualmente apurado. Um grande dançarino indiano pode tornar sagrado o mais profano os objetos. O sagrado é uma transformação qualitativa do que originalmente não era sagrado. O teatro baseia-se em relações entre seres humanos que, por serem humanos, não são sagrados por definição. A vida de um ser humano é o visível através do qual o invisível pode aparecer. (Do Livro "A porta aberta", do Peter Brook) AV Karla Passos, também integrante do Grupo Corpo em Rito.” “Mais uma coisa: Como estávamos conversando no domingo sobre a influência do som no corpo segue logo mais abaixo uns textos sobre estudos do som e da música, pra quem se interessar. "...Se considerarmos as características físicas do som, vamos constatar que a percepção de todo o som se dá não apenas por um pedaço pequeno de pele chamado tímpano, mas por toda a pele, e que portanto a audição é uma operação corporal (...) Som é vibração. e vibração opera sobre a pele. Podemos dizer, portanto, que toda voz e todo som é um tipo de massagem, uma estimulação tátil, uma massagem sutil. (...)

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..." e a pergunta, se nós não estaremos nos tornando surdos nesta civilização da visualidade, se nós não estamos nos coagindo ou se estamos sendo coagidos a esquecer que ouvimos em função de que somos obrigados a ver, a enxergar o tempo todo..." ( Norval Baitello Junior) "... A partir desta íntima relação que a música tem com a essência verdadeira de todas as coisas, pode-se também explicar por que, quando soa uma música adequada a alguma cena, ação, evento, circunstância, esta nos parece abrir seu sentido mais secreto e se introduz como o mais correto e mais claro dos comentários: do mesmo modo que, para aquele que se abandona inteiramente ao impacto de uma sinfonia, é como se ele visse passar diante de si todos os possíveis eventos da vida e do mundo: contudo, quando presta atenção, não pode indicar nenhuma semelhança entre aquele jogo sonoro e as coisas que pairavam diante dele. Pois a música, como foi dito, difere de todas as outras artes por não ser cópia do fenômeno ou, mais corretamente, da objetividade adequada da vontade, mas cópia imediata da própria vontade e, portanto apresenta, para tudo o que é físico no mundo, o correlato metafísico, para todo fenômeno a coisa em si. Poder-se-ia, portanto, denominar o mundo tanto música corporificada quanto vontade corporificada: a partir disto, pode-se explicar por que a música logo faz aparecer toda pintura, e, aliás, toda cena da vida efetiva e do mundo, em significação mais elevada;..." (texto de Friedrich Nietzsche, filósofo alemão séc XIX, presente no livro "O nascimento da tragédia no espírito da música", aforismo 16. O texto tbm pode ser encontrado na edição dos Pensadores da Abril Cultural) bejos queridos até mais karlinha” AV SIRLENE SANTOS, também integrante do Grupo Corpo em Rito “Oi galera! Olá Dri tdo bem com vc? Não pude ir no treino nesse domingo, problemas familiares... Olha só vi esse poema e lembrei daquela aula das conchinhas... bjão! A simplicidade do amor Uma história simples Que um senhor me contava Em uma fazenda distante Paciente eu escutava Me dizia que falta Amar hoje em dia Que sem amor A vida fica vazia

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Parti em busca de meu destino Seguindo a rua de terra batida Querendo encontrar o mar Para refletir minha vida Dentro do meu peito Só lembrava da ingratidão Daquele sujeito Que andava com os pés no chão Mesmo na secura da fazenda Amoroso ele vivia A comida era crua Mas ele não desistia Via a beleza em uma ave Gostava de sentir a brisa bater Plantava um vaso de flor Só para ver a flor florescer Cheguei ao mar para refletir E com a precisão de um olhar te encontrei Lembrei do tempo de adoração Tempo que te amei Perdíamos dias vidrados Observando o mar Você ilimitada Sonhava em voar Mas a vida não é simples Temos que lutar Muitas conchas estão na areia Mas sonham em voltar para o mar! Luiz Gustavo Palhares da Silva” “ei pessoal, primeiro e importante, logo abaixo e-mail da Dri (pediu pra eu encaminhar) Sobre a atividade que faremos no final da aula do próximo domingo (que está citada abaixo tbm), o que tinha sido falado é pra que ficasse livre se quisermos levar coisas pra complementar a construção com a argila. agora sobre algumas datas mencionadas no último domingo: -18 de novembro (quinta feira, á noite, não sei exatamente o horário), no ccj - Mostra LOCAL do Vocacional (isso significa que não só do vocacional dança do ccj nos apresentaremos ao público e nossos convidados) -21 de novembro (domingo, à tarde, tbm não sei o horário), no ccj - Mostra vocacional (neste dia se apresentarão turmas do vocacional dança da região norte, inclusive nós)

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-nos dias 3 e 31 de outubro o ccj não abrirá por conta das eleições, estamos pensando uma alternativa (outro espaço) para que a gente possa fazer aula. (se alguém tiver sugestão) -no dia 13 de setembro (segunda feira, das 10hs as 13hs), na galeria olido, vai rolar uma reunião com toda a equipe do projeto vocacional, a dri convidou caso alguém tenha interesse de participar, só assistindo, ou até mesmo em um determinado momento falando um pouco sobre a experiência de participar das aulas, enfim essa história é cumprida pra quem não estava, depois podemos falar pessoalmente... bejos amigos karlinha” “Oiii Povoooo !!! Oiii Driiiii ,Nossa Prof Linda!!! Estivemos ausente no FDS , pois trabalhamos em um evento Sab até de madrugada e Domingo não conseguimos acordar ( eu e edu), mas Domingão estamos de volta. Ainda a tempo de levar textos, ou , video para colaborar em nossa ''montagem''??Beijosssss Aline Baia” FORMA – Escuta: o momento em que todos os quereres se descortinam e surgem como expressão de um todo. A turma da quinta-feira trouxe como possibilidade de tema a crítica social. Segundo eles, questões como machismo, padrões de estética, hipocrisia, homofobia, alienação, incomodam, precisam ser abordadas e transformadas. A Av Ana Carolina pesquisou um vídeo na internet que fala sobre os humanos de forma comparativa aos macacos, trazendo uma crítica bem-humorada sobre a humanidade, sobre aquilo em que nos transformamos. Isso trouxe uma reflexão ao grupo, será que trabalhos com temas de denúncia social precisam ser densos, será que a crítica se faz somente apontando os erros, somente mostrando o injusto, o cruel? Então chegamos à pergunta do que seria o ideal? Existe o lugar ideal, a relação ideal? Aproveitei e fiz um link com o material da Bienal que traz a pergunta Como construir uma cidade? Então, a pesquisa começa a se desenvolver por este caminho, como seriam as leis ideais, os sinais, os símbolos, os espaços públicos, a saúde pública, etc... Abaixo vai o link do vídeo: “Dri, recebi esse video http://www.youtube.com/watch?v=FZzcDru52oM&feature=related e lembrei da nossa conversa de quinta, acho legal enviar para todos se você puder enviar, não sei como manda..rs. bjos. Av Ana Carolina” A Turma do domingo trouxe algumas possibilidades de temas a serem desenvolvidos na composição do trabalho final, que conversam entre si e talvez possam ajudar dramaturgicamente no processo. -Como possibilidade de referência escrita, a AV Tatiana trouxe a poesia de Drumond de Andrade intitulada “Eu Etiqueta”.

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- Como possibilidade de referência estética, a AV Karla trouxe o artista Pablo Picasso, onde aponta o interesse pelas imagens retorcidas e desconstruídas. - Foi colocada por mim, a possibilidade do grupo trabalhar com identidade, autobiografia, auto-retrato (qual a imagem que guardo de mim mesmo?) - A AV Ana achou interessante transitarmos entre o concreto e o abstrato e como isso se aplicaria nas propostas acima. Ainda em fase de pesquisa, começamos a mergulhar nas propostas através da imagem concreta, onde os AVs esculpiram suas imagens em argila, com os olhos vendados. As esculturas podem entrar no trabalho como objetos de cena, ou também podemos organizar uma exposição, ou nada disso, caso eles não queiram expor suas imagens. Ou seja, processo em andamento. Abaixo, a poesia de Drumond: EU ETIQUETA Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório Um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida, Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos Que nunca experimentei Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade. Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente, Meu copo, minha xícara, Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo. Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens, Letras falantes, Gritos visuais, Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, permeância, Indispensabilidade, E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada. Estou, estou na moda. É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade, Trocá-la por mil, açambarcando Todas as marcas registradas, Todos os logotipos do mercado. Com que inocência demito-me de ser Eu que antes era e me sabia

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Tão diverso de outros, tão mim mesmo, Ser pensante sentinte e solitário Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio Ora vulgar ora bizarro. Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer principalmente.) E nisto me comparo, tiro glória De minha anulação. Não sou - vê lá - anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago Para anunciar, para vender Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta Global no corpo que desiste De ser veste e sandália de uma essência Tão viva, independente, Que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora Meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo dos outros Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. (Carlos Drummond de Andrade) AÇÃO INTERLINGUAGENS 31/07/2010 – CCJ Ação pensada em conjunto pelos AOS Adriana Guidotte (Dança) e Walmir Pavam (Teatro). A AO Claudia Polastre (Música) não pode participar, mas convidou seus AVs e explicou a eles a importância de um momento como este. Participaram AVs do teatro, da dança e música, totalizando 45 presenças. Segue a dinâmica abaixo:

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AQUECIMENTOS 1-Ciranda e movimentos individuais- Aquecimento sensorial, partindo para reconhecimento do espaço. 2- Som ou fala estimula movimento- Em duplas, um faz o som ou fala, o outro reage com o corpo. Podem explorar os elementos do espaço, parede, cadeira, degraus, etc. Podem começar com a fala, como voz de comando de ações e sensações comuns, ex: anda, direita, senta, frio, paixão, baixo, solidão etc... 3- Pergunta e resposta- Movimento estimula uma reação como movimento, som ou fala JOGOS Grupos com vocacionados das 3 linguagens misturados. Cada grupo trabalha com um estímulo proposto, para que depois possam apreciar e apontar as diferenças entre as diversas composições. 1- A partir de imagem, dançar sem música 2- A partir de um poema, criar uma foto e dançar com música. (talvez só a foto) 3- A partir de uma dança, criar um texto em escrita automática 4- A partir de uma dança, criar uma cena (a partir de uma música, criar uma dança) 5- A partir de uma cena, criar uma dança 6- A partir de uma cena, criar uma música INTERAÇÕES Os 6 grupos se condensam em 2 apenas, e juntos tentam buscar uma dramaturgia para as cenas construídas no exercício anterior e assim, mesclando os vários elementos de cada, compor uma nova criação. APRECIAÇÃO Sentados todos em roda, propomos uma reflexão sobre os desafios, as dificuldades e descobertas de transitar em outra linguagem, mesmo sem o total entendimento desta, e também sobre a importância dos elementos que norteiam cada uma destas linguagens para a formação de um artista que busca ferramentas para seu corpo, seu saber. AUTONOMIA E EMANCIPAÇÃO “Para Kant, ser livre é ser autônomo, isto, é dar a si mesmo as regras a serem seguidas racionalmente. Todos entendem, mas nenhum homem sabe explicar. Uma das obras realizadas por Kant é a Crítica da Razão Pura. Nesta, o estudo do fato da razão torna-se pertinente, pois discorre sobre a liberdade nesse contexto. O fato da razão citado por Kant é a consciência do indivíduo sobre as leis morais vigentes (REALE, 1990, p. 914). Mas esse fato da razão só pode ser admitido com a existência da liberdade, esta liberdade só é admitida com uma intuição intelectual, ou seja, conhecimento. Kant explica aqui que ter consciência das leis morais vigentes não é

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apenas por vias de intuição, ou conhecimento, puro nem intuitivo, essa consciência, ou fato da razão depende da intuição intelectual, para que se possa ver a liberdade como positiva. Kant chama esse aspecto positivo de autonomia. A liberdade que o homem deve aproveitar, em Kant, diz respeito à vontade. Essa vontade não deve ser bloqueada por nenhum tipo de heteronomia. O livre arbítrio deve ser utilizado de forma pura para que não dependa de nada com relação à lei. Portanto a pessoa dotada de liberdade, ou seja, sem intervenções de outrem, pode fazer uso desta, porém o fará com maior clareza se seu conhecimento e consciência de sua liberdade existir.”, trecho tirado do texto “Liberdade”, Wikipédia. Como me sinto ainda engatinhando com relação à esse tema, e como é difícel desenvolver a verdadeira autonomia em mim... Imagine então em jovens, que ainda estão mergulhados no processo do auto-conhecimento, de amadurecimento de conceitos, idéias, atitudes... Sinto que esta busca pela autonomia é infinita e caminha lentamente com nosso trabalho pessoal do aprimoramento, conhecimento e pesquisa. Assim, trabalho com eles estimulando-os sempre à leitura, a pesquisa e a prática também, ao treino do corpo e da mente. Sempre coloco a importância e o prazer de sermos um grupo de estudo, de pessoas em buscas pessoais, íntimas, e ao mesmo tempo buscas que dizem respeito à humanidade. Acredito ser este um dos caminhos que leva à autonomia, talvez o único que eu trilhe junto com eles... Trabalho a consciência do corpo, do ser, do estar, do fazer, pertencer. Trabalho diariamente em mim e estimulo que façam o mesmo com eles. AUTO-APRECIAÇÃO Enfim, sempre me sinto desafiada nos momentos de relação com os vocacionados. Qual caminho seguir? Qual a expectativa deles com relação ao Projeto, com relação a mim? E a minha? Com relação à nova coordenação – será que vou me afinar com a Zina, e com a equipe? Pra isso, faço sempre o exercício diário da escuta, do desapego. Sempre procuro o caminho da volta, busco esvaziar, escutar e aprender com o outro. O outro, alguém como eu. O outro que me segue, me ensina, desafia, emociona... Morgana Sousa CEU Jaçanã “Protocolo de Fundamentação” Estamos trabalhando com diferentes possibilidades de formas de movimentos variadas, do que é e do que não é subjetivo e com algumas das danças urbanas. O foco acabou se concentrando no que os vocacionados gostariam de dizer sobre o olhar que eles tem de si mesmos, sobre o outro e sobre o todo. Numa das aulas com os vocacionados, pedi para que eles levassem dois ou mais objetos para fazermos exercícios de improvisação com os mesmos, utilizando ao máximo todas as possibilidades de movimentos com as articulações, tronco e membros, em diferentes

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planos e tempos. Uma das vocacionadas, Dona Cida, que tem 55 anos, levou como objeto uma bucha de tomar banho de patinho amarelo. Sua improvisação foi simplesmente linda, poética, todos ficaram emocionados durante a apreciação, ao vê-la no meio do circulo dançando seu banho de maneira intensa e prazerosa. E ao final ela disse a todos sorrindo: “Foi o melhor banho da minha vida!”. Fiquei muito feliz por presenciar este momento dela e dos outros que vieram a improvisar depois com: alicate, bíblia, celular, flor, lenço, não importava o objeto, mas seu uso poético e artístico, embutido do sentimento particular de cada um com o mesmo. O tema do conteúdo que estamos trabalhando para a mostra local e regional foi escolhido por eles, “Olhares”. Como artista orientadora tenho a missão de orientar e instigá-los no sentido de que esta idéia fique o mais clara possível, além de dar elementos para que eles exercitem seu lado criativo, descubram diferentes possibilidades e aprofundem sua pesquisa. Usando como recurso didático e pedagógico, durante as aulas, passei a fazer fotos e filmes dos exercícios propostos. Num determinado dia levei os vocacionados para a sala de vídeo da biblioteca para que eles pudessem se ver e ver os outros em vídeo. Muitos ficaram surpresos porque não imaginavam como os outros o viam, e não se percebiam e/ou imaginavam de tal maneira na execução de tais movimentos. Sendo assim, chegaram à uma conclusão sobre o que eles tem para ser visto, o que ainda teriam que construir e o que já esta sendo construído. Concluindo estamos trabalhando com o foco em construir sentidos que sejam de verdade, onde eles se sintam inteiros. Dando um passo a cada vez. Ocupamos alguns espaços não convencionais como hall, quadras e ruas vizinhas ao CEU, além de outros como o Parque do Ibirapuera durante a ação “Turista aprendiz” e o Pátio do Colégio durante a ação cultural “SP: Navegante sem mar”. Num dia de Domingo, silencioso e num equipamento basicamente vazio, busquei uma forma diferente para estimular os vocacionados a descobertas internas e externas. Como? Sempre ouvíamos o galo cantar durante a aula pela manhã, bom, pelo menos eu sempre o ouvia. Meus vocacionados, até então não haviam percebido seu canto. Então perguntei a eles: Vocês estão ouvindo o galo cantar? Como vocês acham que é este galo? Quais as cores de suas penas? O que vocês acham de conhecer o galo? Vamos? Todos toparam. Saímos do equipamento e então fomos desbravar pequeninas vielas para encontrá-lo. Conhecemos a dona do galo, sua casa e óbviamente o galo, que era lindo, com suas penas pretas e alaranjadas, sua crista vermelha e seu temperamento forte, pois sua dona dissera que ele não gostava muito de mulheres. Enfim, foi uma ótima experiência que mudou nosso dia de aula e levou os vocacionados a perceberem melhor o mundo que os cerca. Fazer uso desses espaços não convencionais amplia a visão de pertencimento do lugar, como também os leva a uma observação e compreensão mais detalhada do mundo a sua volta. Nossas ações culturais foram todas muito enriquecedoras. Visitamos o Museu do Jaçanã, assistimos o espetáculo de dança “Antes de Desistir” com Key & Zetta na Galeria Olido, fomos ao Sarau Cultural do CEU Jaçanã, ao Museu Afro no Parque Ibirapuera (Terra à vista: Turista aprendiz) e visitamos o centro de São Paulo (Edifício Martinelli, C.C.B.B., Pátio do Colégio e exposições na Galeria Olido). Todos os lugares que visitamos ampliaram a visão do vocacionado sobre sua cidade, sobre a arte, sobre si mesmos, além de fortalecer o vínculo entre vocacionados e artista orientador. Durante nossa ação cultural da equipe de dança da região norte “São Paulo: Navegantes sem mar”, um dos meus vocacionados, Juninho, que tem 14 anos, ao andar pelas ruas do Centro (R: Barão de Itapetininga no sentido da Av. Ipiranga) observou uma arte plástica na parede de um dos edifícios e disse a seguinte frase: Que legal! Que

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bom que tem isso aqui na cidade! É isso que dá vida e beleza ao Centro! Imagine se não houvesse a arte? Mais uma vez fiquei bem feliz por perceber que sua visão vem se ampliando aos poucos. Que como semente, começa a brotar. Nossas apreciações e protocolos são realizados de maneira orgânica, pois em basicamente todos os encontros estes aspectos estão inseridos. Através do fazer, do observar o outro e de se observar, os vocacionados ganham mais elementos para serem trabalhados dentro de suas construções e percebem o que ainda tem de ser construído e melhorado. O protocolo é realizado verbalmente, às vezes através de textos, frases ou palavras, ora através de movimentos corporais ou desenhos. Esta também é uma ferramenta essencial para o amadurecimento artístico e para a compreensão do todo dentro e fora do equipamento. Minha pesquisa como artista-orientadora parte do desejo de descobrir quem são meus vocacionados, como e aonde vivem, o que pensam, como a arte esta ou não inserida em suas vidas, quais valores ela pode agregar, o que ela os fez perceber ou descobrir até então, e como todas essas questões dialogam e o que reverberam dentro de mim como cidadã e artista. Por exemplo, quando nossa coordenadora de equipe Zina propôs que apresentássemos um B. A .BÁ com duas letras de nosso alfabeto dançante pessoal, como um exercício de síntese e linguagem do corpo. A princípio eu logo me coloquei a compartilhar as tais letras com a equipe, mas durante o exercício, percebi que tudo o que eu estava dizendo e/ou demonstrando com o corpo eram palavras e não letras, e portanto, muito complexas para o momento. No mesmo dia decidi ficar com o nosso caderno de protocolos da equipe, pois eu queria relatar o que havia sentido. Percebi que eu nunca tinha feito este exercício de parar para pensar e sintetizar o que eu trabalho essencialmente com e através da dança. Tive que rever meus pensamentos e conhecimentos. E descobri que muitas vezes o menos é mais, muito mais! Depois descobri que estava grávida e tive de aprender uma outra maneira de dar aula, de dar ferramentas para que os vocacionados trabalhassem. E passei a colocar em prática tudo que venho aprendendo como artista e em equipe, durante estes três anos de atuação no programa vocacional. Vejo com grande satisfação apesar da desistência de muitos vocacionados que não se permitiram experimentar e fazer uso do tempo para conhecer-se e conhecer os objetivos do programa vocacional, que tudo faz sentido pra mim e para os que permaneceram, pois aos poucos estamos construindo um novo olhar sobre a arte e passamos a nos apropriar de um outro que esta em constante mutação, que vê o mundo, a cidade, o bairro, a vida e a si mesmos de diferentes maneiras, num eterno aprender. Vejo que somos pequenos pontos de luz dentro desta imensa constelação. “Germinações” Durante a apresentação da Cia. De dança Ícaro com o espetáculo “Fascinação” baseado nas músicas de Elis Regina, um dos meus vocacionados, Lee Anderson de 15 anos me perguntou: Qual a diferença entre um dançarino e um artista? Todo dançarino não é um artista? E eu o respondi: Nem todo dançarino é um artista. Mas todo aquele que através da dança se expressa e transmite algum tipo de mensagem de reflexão, protesto ou qualquer outro tipo de sentimento, esse sim é um artista ainda que não saiba.

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Luciano Amorim CEU Paz O equipamento CEU Paz fica situado às margens da Serra da Cantareira no bairro do Jardim Paraná na região norte de São Paulo. O local é constituído em sua maioria por pessoas que imigraram principalmente das regiões Norte e Nordeste do país. Os nossos encontros desenvolvem-se na sala multiuso do equipamento aos domingos divididos em duas turmas que acontecem das 10h às 13h e das 14h às 17h. Instigando esse diálogo o artista orientador Luciano Amorim vem oferecendo seus conhecimentos em cultura brasileira sobre caminhos das danças populares que estimulam os diálogos e possibilidades artísticas. Estes encontros com os vocacionados têm como base as relações de trocas e reflexões sobre um conhecimento construtivo e artístico. Nesta pedagogia, todos em iguais condições têm o direito em oferecer seu olhar ou outras possibilidades para construção coletiva valorizando as experiências e vivências de todos. Temos como caminho o repertório encontrado nesta conversação: Caboclinhos, Frevo, Maracatu Nação, Maracatu Rural, Boi, Cavalo Marinho, Xaxado, Forró, Quadrilha Junina, Dança Africana, Dança Afro brasileira para Orixás, Capoeira, Ciranda, Dança do Coco, Samba de roda, Teatro popular, Batuques, artesanato e confecção de figurinos a partir da customização e reaproveitamento de roupas cotidianas. Todas as danças citadas são estruturas onde cada uma tem sua própria letra, alfabeto, linguagem e movimento, que através das contextualizações históricas oferecidas fortalecem o processo multicultural educativo e criativo. Eu acredito e sigo este caminho, pois não me considero apenas um dançarino, nem também o soberano do saber, aprendi com os mestres da cultura popular principalmente de Pernambuco a ser um “Brincante” que é aquele que, cercado por diversas linguagens artísticas cresce exercitando múltiplos olhares sobre o mesmo brinquedo (dança, teatro, música, artes-plásticas, poesia) chegando a São Paulo, venho me enriquecendo com os contatos que tive com diferentes periferias da cidade e aprendendo ou ministrando aulas no espaço chamado Brincante do multi-artista Antonio Nóbrega onde compartilho da sua pesquisa na descoberta de um corpo brasileiro de dança. Por outro lado o Programa Vocacional tem me oferecido desafios que sempre exercitam, estimulam e transformam meus conhecimentos. Nestes desafios o número pequeno de vocacionados do próprio equipamento, a grande quantidade de crianças que não se enquadram no programa, e a falta de uma estrutura maior de visibilidade do mesmo impedem o crescimento do potencial no local. Trata-se também da falta de cidadania, pois onde as necessidades mínimas de saúde, moradias, transporte e etc., ainda andam capengas; como trazer estas pessoas para freqüentar o CEU? Antes de existir no local, aquele espaço era um campo de futebol e mesmo assim ainda são poucos os freqüentadores nos finais de semana. Na iniciativa de virar este jogo estamos dando cada vez mais voz para a comunidade e oferecendo arte transformadora que acrescenta e desperta interesse na busca pelo conhecimento nestes quase dois anos. Compartilhando a certeza de que é possível fazer um trabalho de qualidade utilizando políticas públicas e interesse dos envolvidos em contribuir para o crescimento e emancipação das pessoas e do bairro. Neste processo procuro abarcar informações das histórias das pessoas, das memórias antecedentes e decorrentes à chegada ao Jardim Paraná, dos personagens emblemáticos que contam os moradores. Porém o trabalho desenvolvido não se trata apenas de memórias, mas de sonhos e realidade em uma linha tênue chamada de esperança que move a todos em todos os dias.

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A.O pesquisador As tradições populares brasileiras têm sido minha inspiração para dialogar com os desejos dos vocacionados. Em tais tradições os repertórios de cada dança são abundantes em formas e conteúdos. Encorajando os vocacionados a serem também pesquisadores de sua própria história, e da sua própria pesquisa artística. As Ações do Vocacional Dança vêm oferecendo aos vocacionados outros olhares sobre a cidade, seu bairro e sobre eles mesmos. No Ibirapuera, a Ação Cultural “Terra á vista: Turista aprendiz” no dia 07 de Agosto em uma visita ao Museu Afro Brasil foi exaltada a importância do negro na formação do nosso país bem como nas artes. Em alguns casos era a primeira visita ao museu e ao parque embora residam há muito tempo ou nascidos na cidade. O desejo de voltar tocou a todos, porém sabíamos que só aquele momento não era o bastante para aproveitar tudo, e saímos com a certeza de que outras visitas pudessem acontecer outras vezes. Na Ação Cultural “São Paulo: Navegante sem mar” que fizemos no dia 02 de Outubro em um passeio por patrimônios históricos da cidade começando pelo Martinelli o primeiro arranha céu da América Latina, pudemos enxergar a cidade vista do alto com suas capelas, igrejas, mesquitas, e seu mar de prédios, moradias verticais. E só nos resta subir para enxergar suas belezas e seus contrastes gritantes! São Paulo se infla cada vez mais e as soluções imobiliárias para pobres são os CDHU e outros cubículos chamados pela moda de “compactos”. A disputa por um lugar na cidade se torna cada vez mais acirrada e morar no centro é um privilégio de poucos enquanto a grande população pagadora da gorda fatia dos impostos espreme-se em casebres na periferia. Talvez este olhar de cima para baixo pareça arrogante, porém enxergar diferentes realidades nos faz ter consciência de nossos direitos enquanto cidadãos observando a desigualdade não só de moradia, mas de oportunidade também. Logo depois visitamos o Centro Cultural Banco do Brasil e o Pátio do Colégio, onde toda a cidade começou. Finalizando, propus uma dança dos Cabocolinhos que também receberam influência dos Jesuítas na sua formação e a A.O. Angélica Rovida trouxe movimentos com os véus multicoloridos representado assim a diversidade da formação da cidade e do país. No mês de Agosto aconteceu o A.O visita inter-linguagens e inter-regiões quando fui á Biblioteca Cassiano Ricardo do A.O de música Lindbergh. Chegando lá encontrei uma turma mista para fazer aula de Caboclinhos dialogando com música e movimento rítmico corporal da dança. O ritmo foi escolhido pela semelhança da flauta. O A.O Lindbergh trabalhando com flauta doce e o Caboclinho com uma flauta de metal chamada de “Gaita” pelos participantes da dança. Como de costume no meu trabalho, embasamento teórico e prática da dança, experimentação do solfejar do ritmo enquanto se toca um par de “Xere”(grande chocalho). Em outro momento os vocacionados dançavam marcando nos estalidos das preacas(arco e flecha) os ritmos: Perré, Baiano ou Guerra. As Ações internas: A sala multiuso tem sido nosso grande laboratório, onde discutimos temas, experiências, aprendizados, comparando e contrastando o que podemos oferecer de melhor para nossos trabalhos e aprendendo a vencer dificuldades.

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No desejo de vencer os desafios criamos a metodologia infalível do plano “a”, plano “b” se caso o primeiro falhar, plano “c” se o anterior falhar e plano “d” para o que nos resta. As ações externas, se muito longe do equipamento se tornam inviáveis por questões financeiras ou de tempo para todos. Por isso se “Maomé não vai à montanha a montanha vai à Maomé” ocupando os espaços não convencionais com nossa arte. Um dos palcos dos nossos encontros foi o quintal da casa da vocacionada Luzinete, quando o CEU estava fechado para dedetização. Estas ações nos arredores do CEU Paz instigaram os vocacionados a pesquisar em outros trabalhos a descoberta de sua pesquisa aliada ao material já desenvolvido nos encontros. Ações externas: Preparação e apresentação da Quadrilha junina e encenação do casamento matuto na festa junina do CEU. Confecção de personagem em papel machê – Cabeção. Inspirado nos “Caiporas” personagens do Bumba-meu-boi de Pernambuco. Exercícios e construções de cenas – Por iniciativa dos vocacionados “Gota d’água” Vídeos de danças brasileiras ou assuntos potentes para os encontros. O feminino da dança- A.O Adriana Alencar – Aula de dança Maracatu Nação e Percussão de Maracatu – A.O Luciano Amorim. Preparação e remontagem da coreografia da “Dança da boneca” (Vocacional 2009) inspirada nos artistas populares para dançar Forró apresentada no “Sarau do CEU Paz” organizado pela A.O de Teatro Mariana. Mostra Vocacional 2010 Tradições populares em versos e prosas dançantes As histórias contidas nesta construção para a Mostra Vocacional 2010 querem causar a discussão de assuntos colocados em cena cuja inspiração veio da própria vida na comunidade ou mesmo na própria cidade onde se misturam alegria e sofrimento, orgulho e comodismo. Protocolos/ Apreciação Em todos os nossos encontros são gerados protocolos diferentes, sejam eles escritos, orais, fotográficos e vídeograficos. Nesta edição 2010 do programa temos filmado muito nossos processos, que nos serve sempre como uma revisitação. Sustentabilidade Desde que o programa se iniciou oficialmente nesta edição 2010, quando tive o primeiro contato com meu equipamento já era sabido da sustentabilidade. A continuação se deu através do material criado neste momento de ausência do projeto e sustentabilidade por parte das pessoas. Foi esse material que me instigou em discussões sobre criação, repertório e pesquisa. Observei que no trabalho a mim apresentado foram acrescidas cenas do mesmo tema numa espécie de continuação. Surpreso e maravilhado pelo processo ter andado sem mim fomos trabalhar outras possibilidades e outros focos juntamente com as provocações e motivações do Programa vocacional 2010. Foi difícil sair do tema já construído por que ele estabelecia-se como porto seguro, e não é fácil sair de uma área de conforto. Trabalhamos na desconstrução do que havíamos construído para criar um novo tão intenso quanto o primeiro, tão excitante, provocativo, como nenhum outro e mergulhamos nesta epopéia.

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Aprendemos a lição e registramos boa parte dos nossos processos inclusive idéias boas que ficaram no caminho que podem ser revisitadas a qualquer momento. Para edição 2011 já estamos pensando em rede por lugares onde os vocacionados caminhem sobre suas próprias orientações. No vocacional em rede iremos conversar com os coordenadores de culturas dos equipamentos trocando sugestões para atividades no próprio equipamento. Minha sugestão além de garantir um espaço de ensaios aos vocacionados, é a divulgação do programa antes das sessões de cinema, por meio de vídeos curtos e carro de som que por um período antes do início do Programa, anuncie a abertura de inscrições. Angélica Rovida CEU Jardim Paulistano AO- pesquisador- “A dança é a linguagem escondida da alma” Martha Graham Então, como proporcionar às pessoas a descoberta e expressão desta linguagem?

O CEU jardim Paulistano é relativamente novo (tem dois anos) e este é meu segundo ano no equipamento. Como a cada ano a realidade se transforma (acredito ter proporcionado isto aos vocacionados, no ano passado, reverberado mudanças, atitudes) reiniciei meu olhar de detetive. Quem seriam os vocacionados? Alguns retornaram e houve um período de flutuação que, no segundo mês do Programa, deu lugar à formação de um público novo. Contingente que cresceu, consideravelmente, em relação ao ano passado (de sete participantes para vinte).

Minha preocupação inicial foi conhecer melhor a comunidade para trazer vocacionados ao equipamento. Para tal, inicialmente, me utilizei do que meu trabalho tinha de mais lúdico, colorido e “excêntrico”, no sentido de atrair a atenção, despertar interesse e formar turmas. Meu segundo movimento foi responder algumas questões fundamentais para aproximar minha pesquisa dos vocacionados, incentivando-os a entrar em contato com suas potencialidades artísticas, através da dança.

Para construir sentido à minha pesquisa e instigar os vocacionados a acharem a própria voz/identidade, tomei como base, para construção do meu percurso, um roteiro de questionamentos, constelando vários itens para reflexão:

• O que os vocacionados compreendiam como dança? • Quem e o que se dança na Vila Brasilândia, em São Paulo, nas “baladas”, nos

bailes da terceira idade, promovidos pelo equipamento? • Dança da academia e “dança da vida” (repertório corporal do cotidiano) • Ballet clássico estigma de maior grandeza: é a única dança? • Dança e estereótipos (imagem do corpo ideal, o real e o que vende a mídia) • “Muito além do jardim” ou do sofá em frente a tv:diferentes técnicas,

modalidades de dança, além do rebolation e dança dos famosos (sem deixar de considerá-las como manifestação de “dança”).

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• Dança e saúde. • Dança como lazer e/ou profissão. • Dança como arte transformadora, política.

Deste modo, estimulando a observação, valorizando e criando espaço para as experiências trazidas do cotidiano, da memória dos vocacionados, venho promovendo a criação de um fazer artístico que contempla a reflexão e emancipação. Em relação a este aspecto, vale citar um fato ocorrido como parte da ação cultural.

Por ocasião do aniversário do CEU, fomos convidados a apresentar a Xerazade Paulistana, no dia 17/9. Houve bastante envolvimento e movimentação dos vocacionados, no sentido de realizar a apresentação do processo que ainda estava em início. Contudo, a programação do evento não favorecia nossa participação, já que algumas bandas se apresentaram anteriormente e o público agitado (a maior parte em pé nas cadeiras) constituíam um ambiente desfavorável para apresentação de um trabalho intimista e delicado.

Enquanto AOs ficamos preocupados em expor os vocacionados e, ao mesmo tempo, quebrar o encanto do momento, comprometer a experiência que poderia ter um resultado traumatizante. Era uma questão de respeito ao nosso trabalho e ao deles: poupá-los do risco de uma rejeição, do avexamento, pois temíamos a vaia.

Pensamos em cancelar nossa participação, mas achamos que esta decisão deveria ser tomada por todos. Conversamos com as turmas que decidiram se apresentar, mesmo correndo o risco da não aprovação do público. Considero tal fato como resultado dos nossos diálogos, uma mudança de olhar e atitude nos participantes, uma emancipação nas opiniões e ações, proporcionada pelo programa Vocacional. Observei também que esta voz denotava a presença uma identidade da turma que, na sua maioria, não temia os riscos da frustração na exposição do fazer artístico. Outros exemplos dentro deste contexto: Por ocasião da ação que promovi: o encontro na Mostra Egípcia de Cinema, realizada na Galeria Olido. Vocacionadas que não estiveram na Mostra, posteriormente à apreciação, feita no encontro seguinte, tomaram por iniciativa própria freqüentar o restante da Mostra, acompanhando assim o processo da turma.

Acredito que estas atitudes, se constituíram também em função das reflexões que propus às turmas, como resultado dos nossos encontros. Observo isto porque busco, constantemente, nos momentos de prática, o questionamento, a reflexão que transcende a prática da dança e se transpõe à vida.

A apreciação, que acontece durante ou ao final dos encontros, me serve de instrumento para estimular a criação de um senso crítico, a formação de um repertório corporal e verbal/ pensante. Pretendo oportunizar a construção de uma identidade que considere e valorize as diferentes possibilidades que cada vocacionado traz, em potencial, como “um ser artístico”. A propósito, como foi comentado em reuniões do Programa Vocacional, sobre o que considera Beuys, em seu conceito de arte ampliada: "Toda a gente é um artista". Forma e conteúdo-

O trabalho que venho desenvolvendo no Programa Vocaional, tem como base a pesquisa que realizo há mais de dez anos : o Ventre –repente.

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A essência deste estudo é estabelecer diálogos entre as culturas: árabe, hebraica, africana (egípcia) e brasileira (nordestina). Com enfoque nas danças árabes tradicionais, incluindo dança do ventre clássica, o trabalho desenvolve a percepção corporal, coordenação motora e, principalmente, a capacidade de improvisação, dentro da técnica do gestual característico. Inseridas em contexto cultural a abordagem das referidas danças é realizada a partir de relações de semelhanças e diferenças, expandindo a linguagem quanto ao gestual, ritmo e expressão:

O repente brasileiro, e os solos de derbacke (percussão árabe). Dança do Khalige (dança do Golfo Pérsico) e o baião de Luiz Gonzaga. As danças circulares do Oriente Médio, as rodas hebraicas, a tradicional dança

dãbcke do Líbano e Síria e as rodas brasileiras. Instrumentos musicais brasileiros de origem árabe. Colonização brasileira e raízes mouras, fatos históricos. Literatura oriental e brasileira: o cordel, estórias e “causos” de origem árabe.

Sherazade e as “Mil e Uma Noites”. No que se refere a sua proposta de improvisação o Ventre-repente pretende

promulgar o processo de criação individual, mas que só faz sentido em suas relações e trocas com o coletivo. Por exemplo, rodas de dança árabe e hebraica, em analogia com a ciranda brasileiras. Também nas performances dos solos de percussão, no qual corpo deve ser um espelho dos ritmos. Mas, para tal processo ocorrer, é preciso a interação com a percussão. Momento oportuno para o aprendizado dos ritmos e a colaboração entre os vocacionados que dividem a tarefa de tocar os ritmos comigo. No ensejo deste exercício trago à margem a reflexão do contraponto: técnica x improviso, a técnica na improvisação e vice-versa. Destaco a importância de saber que: aprender técnicas de dança, auxilia, otimiza a fluência ao se expressar. Facilita a elaboração de repertório, conferindo maior liberdade no processo de improvisação, criação. A partir desta prática, entre outras, que considero de caráter emancipatório, pretendo sugerir aos vocacionados que a arte, a criatividade são adjetivos inerentes ao ser humano e não é só privilégio de artistas (que são também mortais) Não somente estar associada aos momentos de dança, mas também às diversas situações da vida.

Quanto à metodologia, o embasamento teórico e filosófico utilizado abrange conceitos de Transdisciplinaridade (Edgard Morin), a teoria Histórico-cultural sobre educação de Vygotsky, a Psicogênese de Wallon, os estudos do historiador e sociólogo Gilberto Freyre, do folclorista Câmara Cascudo e as pesquisas musicais de Mário de Andrade.

Em relação ao processo ensino-aprendizagem a metodologia prática compreendeu, em síntese: Técnicas de dança oriental (danças hebraicas, árabes clássicas e populares) danças populares brasileiras. Educação somática e técnicas corporais (Yoga Pré-clássico, Técnica Terese Bertherat), Eurritmia (Dalcroze). Coreografia, improvisações e criações coreográficas. História da dança, conceitos sobre história e geografia dos países de cultura árabe e do Brasil. Noções sobre música, literatura ocidental e oriental.

Minha proposta considera o processo de criação entre os vocacionados como resultado de um trabalho bastante intenso de sensibilização, bem como a investigação técnica em dança. Como AO em permanente troca com os artistas-vocacionados, venho sendo nutrida de diversos sabores e cores, em espiral ad infinitum.

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E desta espiral da transformação da forma e conteúdo nasceu Xerazade Paulistana...

Xerazade Paulistana surgiu como resultado dos diálogos estabelecidos entre os encontros de dança e teatro, iniciado no CEU Jd Paulistano, em 2009. Neste ano o equipamento conta com a presença de mais um AO de música. Dispostos no mesmo horário o fato que parecia ser uma “contradição”, pois dividiam a presença dos participantes, se transformou em encontros entre as linguagens, fortalecendo a parceria. Diálogos que se coadunam, enriquecendo as possibilidades de saberes e trocas entre os artistas-vocacionados e artistas-orientadores.

Fruto das pesquisas que já vinham sendo realizadas com cada AO e respectivas turmas, Xerazade Paulistana traz, como sua primeira história, um delicado relato de uma vivência no sertão nordestino. A dramaturgia, que surgiu por último em todo o processo, apresenta como fio condutor o estímulo à lembrança, para que as histórias (nossas histórias) não caiam no esquecimento. Visando dar luz a essas histórias da comunidade do Jd. Paulistano, esse exercício cênico utiliza-se da sinestesia para comunicar. Sugere à platéia a participação, através da questão que permeia a apresentação: QUAL É A SUA HISTÓRIA? Uma composição feita a partir do processo realizado com os vocacionados de música, teatro e dança, narra a experiência de um dos autores (José Peri) que é, contada para o público através do corpo e da voz, da voz e do som, do corpo e do ritmo, do som e da voz... Não dá para dissociar, é através dos vocacionados se apropriando de suas habilidades artísticas.

Protocolos e Espaços não convencionais

Em relação aos protocolos, são produzidos em forma escrita, em diálogos e, muitas vezes em criação corporal (improvisações, seqüências coreográficas, construídas em duplas ou em grupos). Na construção de cenas (dramatizadas, registradas em fotos) que retratam o que ficou como mais importante daquele encontro.

Atividades em espaços não convencionais, como por exemplo: o passeio sensorial.

Esta proposta consiste em caminhar observando o entorno do equipamento, sensibilizando visão, olfato, tato. É digno de nota perceber como este tipo de atividade pode revelar a riqueza da oportunidade. Momento fértil para proporcionar aos vocacionados a arte do encontro consigo, com as pessoas e com o entorno. Ampliar a visão sobre o cotidiano, a partir da reflexão sobre a realidade e a possibilidade de considerá-la sob um outro prisma, a de um olhar poético.

Alguns registros do protocolo realizado, sobre a atividade relatada acima: “...imaginar o que as pessoas que estavam pelo equipamento pensavam ao nos ver por ali” (Suzana) “...o que mais me chamou atenção foi o verde ao redor, não tinha percebido a quantidade antes”(Liliamar). “... o que eu mais via era o verde, além das nuvens que se moviam num ritmo. Também aqui e ao redor, ouvia as pessoas falando, se comunicando...” (Rosineia) “...pessoas ao redor, cada uma com sua sintonia” (Marli) “...sensação diferente, senti ar mais puro, natureza e a cidade” (Jaqueline)

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“...Céu azul, sensação de alegria que me fez lembrar meus parentes ausentes, minha infância, cidade do interior”( D. Maria).

Os encontros são, geralmente, realizados no refeitório. Porém, durante o período de 3 horas com cada turma, tenho desenvolvido várias atividades, nas demais áreas externas: em frente a EMEF e EMEI, no estacionamento, no beck- frente às quadras, nos jardins- laterais do prédio da gestão. Utilizo, com freqüência, a biblioteca, incentivando os vocacionados à consulta de livros e a apropriação do espaço.

Outras atividades realizadas em espaços não convencionais com a equipe Zona Norte, parte do roteiro “Turista Aprendiz” como: a visita ao museu Afro - Parque do Ibirapuera, onde foi desenvolvida a roda de apreciação e atividade corporal. Visitas a pontos de referência histórica, no centro de São Paulo, seguidas de vivências (dança do caboclinho e dança com véus) experimentadas por vocacionados, AOs e população que circulava o Pátio do Colégio.

Adepta da idéia que o olhar do espectador transforma e contribuí ao ato criador, mantenho o processo de pesquisa em aberto, sempre em andamento. É também, no Programa Vocacional, a partir da observação como AO/ aprendiz, da troca com os vocacionados, que minha pesquisa vem se enriquecendo.

Adriana Alencar Biblioteca Afonso Schmidt O trabalho que está sendo desenvolvido na Biblioteca Afonso Schmidt é resultado de pesquisa de três vertentes: artística, educacional e acadêmica. Como artista, ainda em Recife, ingressei no teatro e me formei atriz. Fiz parte da Compassos Cia de Dança, a mesma pela qual passaram Jorge Garcia e Henrique Lima, artistas de referência na cena de dança paulistana. Em São Paulo, fiz parte do Brasílica, sob direção de Ângelo Madureira e Ana Catarina Vieira e ainda de um grupo de 12 mulheres, o Jambo batuques e danças, atuando como dançarina, percussionista e coreógrafa. Como educadora, participei dos projetos públicos mais evidentes da cidade, como a EMIA nos CEUS, Projeto Arquimedes, Prefeitura de Guarulhos e como oficineira da presente Secretaria Municipal de Cultura. Atuo também na ONG Ação Comunitária. Na Academia, fiz vários cursos de extensão, e ainda Pós-graduação em Cultura Pernambucana e ainda como aluna especial no Programa de pós-graduação da USP, em Antropologia Urbana (mestrado). Minha pesquisa na Dança Brasileira, começou pela necessidade que eu tinha de saber o contexto de cada dança, e não só a movimentação. A dança e seu contexto social, para que ela surgiu. Primeiramente essas danças que hoje têm todo um cuidado artístico, servia puramente para entretenimento social, nas ocasiões de festas e comemorações. Procuro constelar todos esses saberes e levo isso à biblioteca, para que os vocacionados, além de movimentos, descubram um Brasil dentro de cada um. A cultura popular é algo

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que está intrínseco em cada um de nós, bem mais enraizado do que achamos. É algo simples como nosso jeito de fazer café. Dialogando com essa simplicidade, procuramos ver essa cidade de outra ótica, ou de várias outras. Como metrópole, São Paulo traduz uma multiplicidade não só em manifestações artísticas como também nas referências simbólicas de uma população constituída com forte influência de migrantes e imigrantes de vários países e de várias regiões do Brasil principalmente do Nordeste. A beleza e a disciplina como forma e conteúdo. A beleza tomando um sentido de discussão da Estética, que estuda a natureza do belo e os fundamentos da arte. Segundo Ariano Suassuna, não o belo bonito, mas a beleza que existe nas outras formas da beleza como o grotesco ou o bizarro. E a disciplina e a organização necessárias, por exemplo, a uma construção de um triângulo eqüilátero, parece fácil, mas não é. São necessários cálculos e pensamentos para executá-lo. Todo esse conhecimento em relação à Cultura Brasileira foi em sua maioria extraído do contato com os Mestres da cultura popular e os brincantes, nas pesquisas de campo. A Universidade serve como instrumento de organização de saberes. Assumi a Biblioteca em um momento de mudança também de Coordenação da mesma. Foi em um momento delicado, pois a outra AO precisou sair e trabalhava com uma linguagem bem diferente da minha. Alguns vocacionados acharam que não haveria mais projeto e pararam de ir, problema eliminado com um simples telefonema. Ao voltarem, ficava aquela dúvida, será que vão achar uma quebra muito grande? A substituição é um processo bem delicado. Porém, fui muito bem recebida. A faixa etária predominante é entre 50 e 60 anos. No mês de agosto, tivemos dois encontros, devido à Ação Cultural e à dedetização. Então, teremos dois meses para o nosso resultado, pois a Mostra local é dia 06 de novembro. A turma que era regularmente de seis freqüentadores foi aumentando e saltou para 14. Decidimos trabalhar o tema da Memória. Desde uma memória pessoal, que diz respeito à infância, até uma memória coletiva, uma memória de DNA, de nossos ancestrais que formaram nossa nação. Enquanto AO pesquisador, a pesquisa é aplicada instigando-os a se encontrarem como esse individual ao mesmo tempo grupal. Esse coletivo foi priorizado no conteúdo dos nossos encontros. De jogos teatrais a danças em que se executam movimentos em grupo. A união, a integração da turma. Um caderno de memórias foi proposto no primeiro encontro, como protocolo e como registro das apreciações e um voluntário o leva para casa e faz a memória do encontro que aconteceu naquele dia. Esta é lida no começo de cada novo encontro. Além de palavras, já teve desenhos, dobraduras de papel, fotos, letra de música. A Biblioteca por si, já é um espaço não convencional. É sisuda, fechada, pouco convidativa, pouco freqüentada. Os encontros acontecem no terceiro andar, e os vocacionados sobem com esforço. Não dispõe de som, colchonetes, TV. Estando em um espaço público, provoco reflexões quanto ao ser cidadão, quanto aos direitos e o que o espaço público em São Paulo e de um modo geral no Brasil tem a oferecer e a cumprir com o compromisso social no tocante à importância de descentralizar os mecanismos de produção e preservação cultural reconhecendo e ampliando os conhecimentos e os direitos culturais do cidadão.

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O que vamos dizer: Preencher o vazio. O silêncio. Esvaziar o cheio. Sons. Ligar os espaços, os tempos. Permitir pontes, elos, janelas, portas, sentidos, lembranças. A dança brasileira faz a costura, neste curto espaço de tempo, de uma longa jornada de memórias da vida. O elemento do bambolê é o símbolo que une e se transforma todo o tempo. Equipe Sul 3 Coordenação de equipe: Tutti Madazzio ATO DE CONSTELAR Adriana Cognolato Adriana Gerizani Thiago Negraxa Cristano Bacelar Leandro Berton Deca Madureira Ato de constelar – fundamentação dos processos Eu estou aqui. Sou coordenadora de um processo iniciado... deixei processos iniciados como AO. No período compreendido entre os meses de abril a julho de 2010, estive como AO, dando “seqüência” a um olhar estabelecido no ano de 2009, meu primeiro ano. Haviam muitas constatações das experiências do ano anterior que serviram de referencial para iniciar um trabalho. Porém, pelas novas experiências, novas constatações ocorreram. Num processo objetivo de trabalho, o CEU Anhanguera era um deserto e desenvolvi muitas “Ações Culturais” para promover o espaço, dinamizar aqueles espaços, preencher os espaços com as forças de dança emergentes daquele lugar. Com a

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chegada do Material Norteador e sua dinâmica flexível, as próprias necessidades geradas no equipamento com as turmas e grupos pediam tal flexibilidade. O AO Visita demorava-se para se instalar. Percebia a necessidade de que essa ação realmente se somasse aos processos que se instalavam nos pequenos grupos que iam se formando, muito vagarosamente. O AO Visita não aconteceu, durante o tempo em que eu estive por lá, porém, nos movimentos de Ação Cultural, como o CineDança – instalado nos últimos sábados do mês; o evento Hip Hop em Ação – que teve as participações do Ponto de Cultura de Perus “Quilombaque” e da Equipe Sul 3, através da presença do AO Thiago Negraxa, aconteceram de forma intensa. A relação que eu, como AO, estabelecia com o núcleo cultural, seus três coordenadores, assim como os núcleos de educação e esporte, também iam se formando e se fortalecendo numa perspectiva de parceria. Esse processo detonou, de certa maneira, minha nova relação com o Programa Vocacional como Coordenadora Artístico-Pedagógica. Esse trabalho, iniciado como AO, impulsionou essa nova fase que era implementar junto à equipe um olhar abrangente sobre o processo que vinha sendo construído, cada AO com seu equipamento. Do campo meramente burocrático ao processo criativo. Foi nesse o lugar que encontrei meu novo campo de trabalho. Reinventar a Mesa – um procedimento que usei com a equipe para que a mesa fosse um lugar de criação, de produção de novas idéias, e não um lugar de se passar datas e compromissos, apenas. (ref. “A Mesa Verde” - Kurt Joss). Um segundo passo foi estimular um AO Visita onde as trocas façam sentido aos processos, assim como as Ações Culturais; criar escuta com a equipe e saber estimular novos lugares para o pensamento; refletir sobre textos propostos pela Coordenação de Ação, que possibilitam um aumento das proposições com seus vocacionados. Para poderem construir o Ato de Constelar, Nomear os procedimentos realizados com os vocacionados, através da troca desses procedimentos. Autonomia e Emancipação. O que para os vocacionados significam “ferramentas”, “apropriação dos meios de produção”? Seriam os conceitos/movimentos concernentes a cada linguagem artística, que possibilite, de modo livre, criar e liberar sua produção artística. Emancipar sua criação (verdadeira emancipação). Quais são, para os AOs “ferramentas” e “apropriações de modos de produção”? Os preceitos do Material do Eixo Norteador – AO Visita, Ação Cultural, entre outras ações. O domínio dessas “ferramentas” possibilita um caminho para liberar e emancipar os vocacionados. Isso também me faz pensar quais as “ferramentas” para emancipar os AOs? Me parece que a reflexão é nossa melhor ferramenta. É o que leva o AO refletir sobre seu processo com os vocacionados, que irão refletir sobre seus processos nas linguagens artísticas. Estamos transvalorando, alterando valores nos equipamentos comunidades, num processo de educação profunda. Reflexão sobre reflexão. Estamos alicerçando através da formação/constituição de uma rede de pensamento. Isto está sendo refletido junto aos equipamentos num “aquecimento” pré-Vocacional em Rede. Identificar a verdadeira

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questão que possa alimentar e provocar reflexões maiores sobre sustentabilidade. É aqui que estou. A fundamentação que procurei desenvolver com a equipe, foi no sentido de trazer o entendimento que tudo o que já havia sido realizado, o que se apontava na mostra “Ação Processo”, o que está se realizando e o que está por vir, integram o “Ato de Constelar”. Para elucidar, procurei usar a imagem da transparência, que passa por cima das reflexões dos AOs , criando relações, intersecções, cruzamentos, justaposições e, em certa medida, tridimensionalidades, volumes, sentido. O material colhido se encontra em sequência e ainda precisa de mais reflexão e aprofundamento. 08/10/2010 00h06min Adriana Cognolato CEU Parelheiros data: 08/10/2010 Minha constelação no vocacional este ano, iniciou no CEU Cidade Dutra com vocacionados de 12 a 19 anos e agora esta no CEU Parelheiros com pessoas deficientes, e as ditas normais. Embora as turmas sejam muito diferentes entre elas e mesmo dentro delas haja muita diferença (idade, propósito, corpos, etc.), eu parti e ainda estou neste caminho da pesquisa e descoberta, que foi provocada com a pergunta: “Qual é a dança do seu corpo?” Essa provocação é feita para que eles reflitam sobre qual a maneira mais prazerosa de dançar e como cada corpo pode fazer isso e levar essa experiência para o seu dia-a-dia. Nos encontros pensamos e vivenciamos todas as propostas que levem a reconhecer o corpo como possibilidade e não limitação. Nas mostras e visita ao Centro Cultural São Paulo, vieram em discussão à função da dança para aquela região (Parelheiros). Essas ações levaram a uma relação das possibilidades culturais na região e a formação de um grupo de dança entre as vocacionadas (Wendy, Danilela e Railane). Nas turmas do CEU Cidade Dutra o período mais constelado foram às divulgações, que ocorrem no teatro no intervalo dos eventos da EMEF, isso causou grande interesse nos demais e a procura pelos encontros aumentou muito. No entanto, os encontros foram interrompidos até que se chegasse o projeto PIA, no equipamento. Esses foram produtivos e atrativos, porque utilizei as próprias coreografias que eles elaboraram para fazer a propagando das aulas, em forma de mostras. No CEU Parelheiros o ato de constelar teve inicio na gestão, que acolhe, acredita e encoraja para que nos sintamos motivados. Depois o cortejo, Ação cultural (ocupação de espaço e divulgação), em parceria com o A.O. de teatro (Marcelo Correia) e todos os

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vocacionados (teatro e dança), realizamos uma ação cortejo que nomeamos Memória Histórica de Parelheiros. Pedimos para os vocacionados pensarem nos pontos de referências de Parelheiros (a pracinha de encontro no final de semana, a sorveteria, lugares que todos conhecem etc...). Fizemos uma seleção de três lugares, na qual os vocacionados ficaram responsáveis em pesquisar a história e o que faz daquele determinado local um ponto de referência. Uma semana antes fizemos uma integração um workshop de sonorização e preparação corporal para o trajeto de um ponto a outro. Instrumentos produzidos por todos, utilizando frascos recicláveis em geral com pedra, areia, galhos, arroz. No dia do cortejo passamos começamos no CEU Parelheiros, fomos para o terminal parelheiros, depois para o cemitério e terminamos na praça da igreja. Na praça fizemos uma improvisação e a apreciação. Esses pontos pelos quais passamos suscitaram as histórias que os próprios vocacionados levantaram e contaram. Esta ação fomentou o projeto de elaboração de um livro, sobre a memória cultural de Parelheiros. A idéia partiu dos próprios vocacionados e nos A.O.s fomos lapidando e formatamos o projeto, que foi encaminhado a direção do Vocacional e a gestão do CEU. Esse projeto esta em desenvolvimento e vem envolvendo coordenadores do CEU, AOs do dança e teatro vocacional e os próprios vocacionados. Também tivemos uma parceria muito produtiva no CEU Movimentos, um Festival de dança, com turmas e grupos do vocacional, bem como os da comunidade, que servirão como coletas de dados para o livro, que está programado para ser finalizado em março de 2011, somando-se à sustentabilidade do programa nesse período. E assim, como toda ação é fértil em Parelheiros os encontros não podem ser diferentes. Em cada turma tenho descoberta inusitada e surpreendente. Tenho um vocacionado poeta, que esta coreografando suas poesias, uma professora de dança da comunidade que traz para os encontros suas conquistas e frustrações como docente da comunidade local. Essa vocacionada trabalha com crianças muito pobres e utiliza a dança como veículo de auto-estima e novas perspectivas. Ela mesma se formou neste lugar onde trabalha e hoje se sustenta como professora de dança. Ela já trouxe seus alunos para participar de um encontro no vocacional. Também tem uma enfermeira que comparece aos encontros a cada quinze dias, por que é sua folga do hospital. No entanto, todos eles estão constelando nos encontros e, o mais importante, estão constelando na vida. Pois eles vêm me contar como se utilizaram do que fizemos ou falamos no encontro em uma situação cotidiana. Sendo assim, eu utilizo essa situação para despertar neles a vontade de continuar a se encontrar e manter a proposta dos encontros após o término do programa vocacional neste ano. A cada a dia vejo as sementes despontarem nesse solo fértil, caminhando para a autonomia e emancipação das turmas.

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AO Adriana Gerizani CEU Navegantes 07/10/2010 “conectar e relacionar a dança aos vocacionados e os vocacionados ao mundo em que vivem para vim, é uma necessidade e uma responsabilidade compartilhadas entre a arte, a cultura, o ensino e a sociedade.” Início das atividades- Sensibilizações, reconhecer das articulações, sentir o corpo no espaço, despertar o corpo de dentro para fora, reorganização da postura, alongamento, preparar o corpo para o movimento, perceber o espaço, perceber-se no espaço, observar o outro, trocar com o outro, investigar, explorar e ampliar as possibilidades do corpo. Chegada do material norteador- História presente - História <=> eu... Minhas memórias, meus gostos, minhas preferências, meu repertório de movimentos, minha dança, a dança dos meus pais, meu cotidiano, meu corpo presente... Presente <=> LUGAR Minha casa - como meu corpo fica em diferentes cômodos da casa? Minha rua, meu bairro, minha comunidade... O que vejo? O que gosto e o que não gosto no meu bairro? Que lugar apresentaria a um amigo distante? Qual a história do meu bairro? Por que vim morar aqui? Como observo as pessoas? O que observo nas pessoas? O que vejo da minha janela? Corpos que dançam são os mesmos que permitem, acessam e constroem os constantes fluxos de diálogo a respeito de si mesmos com/no mundo. Corpos que dançam são os mesmos corpos que atravessam ruas, passam fome, apaixonam-se, envelhecem. Portanto, os saberes da dança a serem trabalhados estão necessariamente atrelados aos cotidianos sociais dos vocacionados, pois estão também atrelados a suas corporalidades. O outro- Como me relaciono com o tempo, o espaço e a sociedade? O que vejo de semelhante no outro? O que vejo de diferente? Como me comporto no espaço do outro? Como compartilho o tempo e o espaço com o outro? “A história é o encontro marcado entre as gerações procedentes e a nossa.” (Walter Benjamin)

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COMO TODO ESSE CONTEÚDO REVERBERA NO MEU CORPO??? Com base em todas essas indagações e reflexões, fizemos varias vivências para observar e sentir o corpo e seus movimentos estimulados a sentir o corpo e suas emoções a partir da observação de diferentes janelas do bairro. Paisagens, pessoas, casas, muros, paredes, bares, sujeira, a represa, o CEU, etc, foram depoimentos registrados sobre essas observações, que serviram de estímulos para a criação das seqüências de movimentos. Na primeira instância, individualmente para depois compartilhar/mostrar/expor. No segundo momento foram feitas pequenas junções e intercessões para fundir as histórias individuais com o todo, o que culminou numa movimentação comum e homogênea. Dos depoimentos colhidos (a partir da pergunta: O que você vê da sua janela?), foram escolhidos 4 que serão o ponto inicial para o desenrolar das dança criadas. São eles: parede / muro feira / o CEU decorado com as bandeirinhas da festa junina casas bahia crianças / parque / represa / pessoas... Depoimentos do grupo 1 – Culminou numa movimentação direta, estacada e com marcação rítmica bem acentuada, usando tempo e contratempo. Depoimentos do grupo 2 – Culminou numa dança típica da festa junina e das manifestações e feiras divertidas do nordeste, o que é uma característica forte e presente na comunidade: O Forró. Depoimentos do grupo 3 – Culminou numa história bem interessante presente na comunidade, que é a presença constante de bboys treinando em frente às Casas Bahia do bairro após o fechamento da loja. A maioria desses garotos e rapazes está hoje dentro do CEU participando das atividades do projeto Dança Vocacional. Depoimentos do grupo 4 – Vários depoimentos de paisagens alegres e prazerosas vistas das janelas culminaram numa movimentação que partiu de brincadeiras. Este é o processo desenvolvido no CEU Navegantes em 2010. Acredito que o ato de constelar se dará com a conexão de todas as turmas e grupos, a partir de um fio condutor inspirado no tema norteador. HISTÓRIA NO TEMPO PRESENTE – “Sou do tempo em que havia distinção ortográfica para contar histórias: estória e história. a primeira, com “e”, dizia respeito ás histórias inventadas, fictícias, imaginárias. A segunda, com “h”, às histórias reais. A distinção ortográfica desapareceu em alguma longínqua reforma da língua; também os conceitos de história, tempo histórico, vivências históricas foram reelaborados. Tudo se tornou história. Hoje, uma das principais questões abordadas por pesquisadores e professores, por historiadores e contadores de história é se, realmente, existem histórias reais e histórias fictícias. Sabemos que ao contarmos qualquer uma das histórias, recriamos os tempos e os espaços, tornamos as histórias presentes.” (Isabel Marques)

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Thiago Arruda Leite CEU 3- Lagos Sul 3 Outubro de 2010 Ações de Prospecção: As ações de prospecção me levaram a refletir sobre os princípios artísticos e procedimentos do programa vocacional, especificamente como é difícil a apropriação do espaço público pela comunidade do entorno deste CEU e a descoberta de alguns modos de produção artística da comunidade por alguns agentes criadores, que neste caso são os são os b.boys, e como esta relação esta se construído. O vocacional no Céu 3 lagos no inicio deste ano foi um trabalho na prospecção de pessoas que pudessem integrar o programa por conta de uma rotatividade e descompromisso de uma pequena turma que existia no primeiro semestre, algumas ações foram desenvolvidas para fomentar essas turmas. A primeira destas ações foi buscar a parceria com o equipamento para divulgação das aulas, uma tentativa muito frustrante, pois, o equipamento jogou a responsabilidade para um suposto líder comunitário que traria muita gente, o que nunca aconteceu, nem ele veio às aulas, a segunda tentativa foi um festival que eu participei como jurado e fiz uma intervenção dançando e aproveitei para divulgar dias e horários dos encontros, também sem efeito e a turma estava diminuindo, participamos da festa junina fazendo uma apresentação com a pequena turma e promovendo as aulas, mas não surtiu efeito, então no encontro seguinte com a rotativa turma saímos para eles me apresentar a região, fui a pontos estratégicos, cabeleireiros, mercados, padarias, para deixar um flyer do programa, também sem resultados. Então me reuni com a gestão novamente e pedi que eles fizessem contato com as escolas do entorno para que eu pudesse divulgar o vocacional dança, fui a três escolas próximas e em todas as salas da 7º, 8º e 1º anos, e esta ação foi fundamental no processo, porque ninguém apareceu então eu me dei conta de que a comunidade do entorno não se apropriava do equipamento, foi quando eu decidi ligar para a lista de inscritos, que no encontro seguinte tivemos retorno 12 vocacionados apareceram, se eu soubesse que esse telefonema não havia sido feito, teria feito na primeira tentativa. A partir daí a coisa funcionou o CEU promoveu um evento onde alguns b.boys da comunidade apareceram, e junto com a gestão fomos promovendo o vocacional e no outro encontro estávamos com 20 vocacionados, turma que esta se desenvolvendo atualmente. Procedimento desenvolvido com a turma: Na aplicação deste procedimento estou totalmente influência pelas pesquisas e estudos que estou vivenciando na faculdade e com a Cia de dança que formei agora, isto é o A.O. pesquisador, não tenho como separar o que vivo na faculdade, a Cia e o vocacional eles se misturam e se esclarecem . Também, estamos trabalhando bem forte a questão da apreciação e como ela pode fortalecer nossa pesquisa. Devido a uma grande distinção da qualidade corporal dos vocacionados, diferentes interesses com a dança, uns querendo dançar melhor break, outros hiphop dance, alguns apenas querendo aprender a dançar, outros sem saber o que querem dançar, com um procedimento chamado“Caminhada” foi possível integrar estes interesses. Durante as atividades trabalhadas nos encontros, foi possível detectar que os vocacionados têm a intenção de executar as danças que surgiam, com uma excelente

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qualidade, porém não se atentavam para como o movimento estava sendo executado de maneira que impossibilitava esta qualidade. Então como um exercício de percepção do centro e extremidade do corpo, como o corpo se articula por inteiro para uma movimentação básica em nossa existência, quais as diferenças no corpo para os diferentes tipos de caminhada, e como sair de uma movimentação que é esdrúxula e sem intenção para algo que realmente mostra um propósito (sentido), foram feitos vários tipos de caminhadas e combinada uma ação pontual para este procedimento perceber as diferenças de qualidade dos trabalhos, o que faz eles acharem que um trabalho é ruim ou bom em uma apresentação? E com isto estamos nos desenvolvendo. Cristiano Bacelar CEU Cid Dutra 07/10/2010 Entro no Céu Cidade Dutra para substituir uma Artista Orientadora chamada Ana Paula, faço uma passagem teoricamente tranqüila, mas sinto que algumas estrelas não vão mais continuar a brilhar neste céu. Volto nos outros dias para trabalhar e constato que apenas duas estrelas voltam a brilhar neste céu tão lindo que é o Cidade Dutra. Busco no silêncio no vazio da sala de aula, respostas para minhas perguntas, mas só encontro perguntas dentro de minha cabeça... que bom! É preciso muita paciência, respiração, calma, tranqüilidade, espaço vazio, coração tranqüilo, olhar calmo, UM CORPO ZERADO. Para começar ou melhor dizendo; CONTINUAR essa jornada dentro do Cidade Dultra. “não precisa responder de pronto e imediato o que sua alma senti, respira, respira, deixa as palavras entrarem dentro do seu corpo e se vc quiser, repito, se vc quiser...responda! Para isso tudo, sorria!” Aos poucos vou entendendo como funciona esse projeto... E necessário tempo, para cuidar de uma flor... DANÇA + TEATRO + AIKIDO é igual ????? Dessa mistura que vem as possíveis respostas para um diálogo com os Vocacionados!!!!! Minha pesquisa é baseada, nesta mistura de linguagens. Que o tempo seja generoso com minhas perguntas e as respostas sejam sempre intermináveis como o tempo! terça-feira, 5 de outubro de 2010.

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Marcelinho Back Spin CEU V. Rubi 07/10/2010 No encontro com os artistas vocacionados, encontramos quatro grupos, que partilham das atividades do programa vocacional, esses grupos têm em seus corpos vários estilos de danças urbanas, Breaking, Free Style Dance, Wacking, House, Popping , sendo este ultimo,uma proposta minha com relação à ampliação de seus repertórios, devido à facilidade que esses corpos apresentam com relação às danças urbanas, esses grupos, sito: Ritmo 3AG, Raízes, Vivendo Arte e Glamour, este ultimo formado este ano a partir do trabalho com turma. Todos esses grupos têm um nome e um agrupamento com os mesmos objetivos, mas com relação a organização ainda estão em um processo lento. Então, comecei com um trabalho no sentido desses grupos descobrirem que danças são essas, realizei trabalhos teóricos que iniciaram no começo do projeto e se estendem até agora. O trabalho consiste em pesquisar a história dessas danças, com referências bibliográficas, vídeo documentário, filmes e vídeo clips. Além dessas atividades ao longo do nosso percurso, como Ação Cultural, procurei levá-los a encontros que são referências dessas danças, para somatizar aquilo que vínhamos estudando, Casa do Hip Hop, Galeria Olido, parceria com o Projeto Aldeia (AO Patrícia Zuppi). Eles assistiram a espetáculos, vivenciaram esses encontros com outros dançarinos, depois de cada encontro, refletíamos (Apreciação Artística trabalhada em todo o percurso) o que eles encontraram, o que aprenderam e todas essas referências foram somando no processo artístico criado por eles. A ação AO Visita também tem grande importância nesse processo. Quando organizamos essas trocas, trouxe a AO Adriana Cognolato, para realizar e fortalecer uma parte do processo que chamamos de “CORPO movimento e estático: formação fisiológica”, onde estudamos a formação do corpo, osso, músculo e a pele, de dentro para fora, sendo que o movimento é a organização de todo este sistema, onde temos uma consciência do movimento de dentro para fora e de fora para dentro. Percebo que isso apontou novos rumos a esses corpos, que no primeiro momento somente se preocupavam com o movimento, com o passo e isso hoje faz toda uma diferença em suas criações artísticas e nesse processo que estão desenvolvendo. O grupo Vivendo Arte tem uma característica diferente de todos os grupos, por se tratar de um grupo de teatro, que vem em busca, da expressão corporal através das danças urbanas. Esse grupo começou a participar somente no segundo semestre, mais está em processo de descobrimento das danças urbanas, principalmente das danças sociais (original Funk). Outro grupo formado a partir da proposta da integração entre diferentes linguagens temos o grupo Raízes, que mistura danças urbanas com danças brasileiras, isso se tornou possível, a partir das discussões sobre as origens das danças urbanas, que pelo que estudamos tem origem em varias danças brasileiras. Na ação AO Visita do Deca Madureira, pudemos nos aproximar mais, da cultura das danças brasileiras e vivenciar o Frevo, Maracatu,Guerreiro entre outras formas da cultura brasileira. Temos uma diversidade de corpos nesse grupo e, a partir da Mostra Ação Processo, iniciamos um processo de unir essas manifestações urbanas ( dança brasileira e dança de rua). A Apreciação da Ação Processo Regional, mostrou vários caminhos para os vocacionados. Eles perceberam a importância da diversidade de manifestações de variadas danças que foram apresentadas e se colocam hoje numa posição de estudo desses corpos diferentes e se ligaram que não podem ter qualquer tipo de pré- conceito com qualquer

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manifestação cultural e sim aprender sempre com essas diferenças enriquecendo sua cultura e saber. Enfim, todos os procedimentos levados até eles, desde a reunião geral, artístico pedagógico e o processo junto aos vocacionados somam para uma busca constante do aprimoramento artístico e pedagógico do ser.Todos fazemos parte um contesto maior e que estamos entre ligados uns aos outros e que todas as iniciativas nos deixam alertas para uma continuidade e sobre tudo continuar fomentando a pesquisa nos vocacionados para que eles sejam questionadores de suas formas artísticas. Portanto, o Artista Orientador e o Artista Vocacionado chegam à reflexão que como diz o texto que nos foi entregue “O artista dedica-se à construção de um objeto que, para ser entregue ao público, precisa ter feições que lhe agradem, mas que se revela sempre incompleto. O objeto “acabado” pertence, portanto a um processo inacabado”. Leandro Berton CEU Parelheiros A estratégia que encontrei para descobrir qual seria a minha pesquisa junto aos meus vocacionados (turma e grupo (Magic Street Dance)), se deu, obviamente, pelos interesses que encontrei na região de Parelheiros, e pelos meus interesses atuais enquanto artista, residente numa cidade como São Paulo. Esses interesses, partem, ou seja, surgem como uma contaminação das pessoas com quem eles se relacionam, das comidas que comem, das músicas que ouvem, dos filmes que assistem, das roupas que vestem, e de todas as coisas que os ocupam. Perguntamos uns aos outros: “Quais são nossos interesses?” Desta mesma maneira, faço o possível, para mais do que colaborar com dança e a arte em geral com meus vocacionados, mostrar que podemos fazer dança e pensar dança por um viés que retrata/critica/relaciona e transforma a vida das pessoas dentro do contexto artístico atual de cada vocacionado. Orientação do Grupo Magic Street Dance O Grupo Magic Street Dance, da região de Parelheiros, existe a três anos e foi orientado pelo Vocacional Dança o ano passado pela A.O Thaís Ponzoni. Este ano, quando os conheci, percebi uma forte capacidade de se organizarem em relação a ensaios, criação de coreografias e responsabilidade como um todo. Após assistir vídeos e vê-los pessoalmente dançando, fiquei muito instigado em perguntar em que eles pensavam no momento que dançavam e criavam suas coreografias. Eles me responderam: “pensamos em criar histórias e falar sobre alguma coisa...” Como procedimento e estratégia de investigar, descobrir, apreciar e protocolar de maneira performativa, conduzi junto aos vocacionados algumas ações culturais, dentre elas uma, que acredito ser a mais significativa até então. Juntos, demos o nome de “Tarefa das Múltiplas Funções ou Como descobrir o que somos e o que queremos nesse momento”. * Este experimento possibilita elaborar e protocolar de maneira performativa, como está se dando o processo de trabalho, devolvido a partir de uma visão dos próprios vocacionados. Esse experimento estabelece condições que no seu decorrer, necessita de várias responsabilidades condicionadas ao mesmo tempo: escrever no papel Kraft partindo de

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uma palavra central (Magic Street Dance) ou outra palavra chave, fazendo uma ligação com o que os outros estão escrevendo, ou seja, uma espécie de organograma, todas as idéias, gírias, vontades, desejos, conquistas e pensamentos em geral, que estejam dentro do universo de cada um no presente momento. Um exercício de atenção multifocada, que visa filmar com uma câmera de mão todo o acontecimento performático, passando de um para o outro sem uma comunicação verbal, usando os objetos escolhidos para compor a arte do Kraft, trocar de música quando necessário, dançar e ler poemas e o que possivelmente for necessário. Todas essas funções passa pela mão de todos, criando-se então responsabilidades que variam de acordo com cada momento e a necessidade de cada ação. Percebemos que o desdobramento dessa ação, se deu em ver e rever os interesses de cada um, e como dentro de um grupo conseguimos trabalhar em torno de um interesse que se torna comum para a criação de um determinado trabalho. Mais info: http://www.youtube.com/watch?v=agnes2SLhy0 DVD em anexo Deca Madureira CEU Vila Rubi Data: 07/10/2010 Fundamentação Forma e Conteúdo Divisão em duas etapas: 1. Unidade de grupo: exercícios e dinâmicas com o objetivo de entrosamento do grupo. Estas dinâmicas denomino de rituais, que são: Ritual da presença - chegada no local, cumprimentos e saudações; Caminhada da vitalidade: em caminhada ou corrida, leve a moderada, prática de alguns princípios básicos, como correr, pular, girar; Sintonia, conexão e propósito: exercícios de contato físico, visual e sensorial, concentração, memorização, contato-improvisação; Alonga a mente: jogos de memória, jogo da vítima, de coordenação, percussão corporal, vivência e experimentação de personagens, arquétipos e figuras. 2. Unidade de qualidade: procedimentos que visam a qualidade cognitiva de médio e alto impacto. Momento no qual A.O. e vocacionados propõem movimentos (existentes ou criados) com o objetivo de atingir qualidade de movimento sem especificar técnicas, qualidade do dançar, ritmo, andamento, e práticas físicas para tal. Alongamento - procedimentos de preparação corporal; Gesto e movimento - investigação das possibilidades e limites do corpo; torções, níveis, direções, de modo a alcançar o movimento natural do indivíduo; exercícios de sequência e coreografias - objetivo de fluidez e conjunto do grupo; Treinamento de temas - criações individuais ou em pequenos grupos de cenas/sequências ou coreografias a partir dos temas propostos; Apreciação e protocolo (concílio) - A.O. e vocacionados expõem suas observações sobre o encontro, vivências e resultados do dia.

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Ação Cultural Através da interação da programação do CEU Vila Rubi, em horários extras dos encontros, ofereço aos vocacionados meios para apreciação, compreensão e produção de arte e cultura, através de espetáculos, shows, eventos, encontros e discussões. orientação de inscrição de projetos em editais realização de eventos dentro do CEU com a participação dos vocacionados (Festa das Tradições Populares) produção de espetáculo ('Baile do Menino Deus') com divisão de funções entre os vocacionados (figurinista, coordenador de ensaios, assistente de produção, registro de encntros e ensaios, maquiagem, etc) visita a eventos: Batalha da Vila, Ilú Obá de Min participação dos vocacionados nos ensaios e pesquisas do Trivolim Workshop de Ciclo Junino para a equipe Sul 3 e turma da Adriana Gerizani. orientação para a turma do Marcelinho sobre Frevo. A.O. Pesquisa Frevo - Como aconteceu? Resposta: ao chegar ao CEU Vila Rubi, após a fase de implantação e constatação do forte movimento de Hip Hop, propus a associação das danças urbanas com o frevo, que apesar de não ser citada dessa forma, é uma dança urbana, no contexto de que foi criada na cidade de Recife, capital de Pernambuco, através do enfrentamento entre grupos, bandas marciais. O Frevo era uma BATALHA. Paralelamente, a vocacionada Marli Duarte também fez o pedido especial pra que fossem desenvolvidas vivências e orientações sobre Frevo. Conjuntamente com Marcelinho, A.O. de danças urbanas, comecei a desenvolver pesquisas da mistura de Hip Hop e Frevo, inicialmente, e agora com outras danças brasileiras, como o guerreiro alagoano e afoxé. Espaços Não-Convencionais espaço foyer sala de judô (no início, quando o dança não tinha sala) ginásio área externa Apreciação e Protocolo A apreciaçao já faz parte do planejamento dos encontros, que é a contextualização dos olhares sobre os temas, atividades, espetáculos, eventos, etc, por cada vocacionado. Além disso, ainda na apreciação, periódicamente os vocacionados se dividem entre cena e platéia, enquanto um grupo mostra sua criação, o outro exercita a apreciação. Como forma de protocolo, utilizo registros fotográficos e de vídeo.

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Equipe leste 1 Coordenação: CLAUDIA PALMA São oito equipamentos portanto oito artistas orientadores vindo da pura diversidade ou “diver-cidade”cada um com sua pesquisa seu ponto de vista e de experiências diversas, são elas : dança contemporânea,dança afro,danças circulares,orientais,folclórica,danças urbanas,e por aí vai... O contorno da “diver-cidade”,O encontro com a cidade. Minha pesquisa esta e faz parte desse encontro! Pesquisa: Corpo em Movimento Corpoação, corporarte, corpo-pensamento. “ENTRE - CORPO” Uma das palavras que permeou minha trajetória neste primeiro ano de vocacional foi agregar. Agregar me remete a juntar, unir, reunir, associar, congregar, estar entre, estar ali,lá, em qualquer lugar,possibilidades...! Mas, para se estar, precisa da ação, atitude, do fazer, do Corpo no e em Movimento. Nesta parte da pesquisa encontro o pensamento de Deleuze e Guattari, onde ele coloca a questão do Rizoma. O rizoma não começa e nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, espaço entre, no intermezzo. O riacho sem inicio nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio, ou seja, no encontro das águas sua força se da no centro, na união e não nas bordas. Adoro esse “ESTAR-ENTRE” porque me remete a palavra e o significado do ENCONTRO, onde possibilidades podem acontecer. O encontro do aqui e agora “estado presente”,o projeto para mim é este lugar, a oportunidade dos encontros dos pensamentos das reflexões das pesquisas artísticas e pedagógicas. Não pertencer a nada mas estar presente...é simplesmente estar e não precisar ser! Nesta maneira de pensar - pesquisar, de estar e não precisar ser, me coloca num lugar muito interessante, fui uma intérprete da dança bastante atuante onde o foco era na minha pessoa, hoje me sinto num lugar bastante diferente onde o foco agora é o outro. E esse outro é o encontro, a minha pesquisa a partir e a “mercê” deste encontro. Este encontro é entre o meu corpo o do outro, outros e ainda o espaço que os insere, onde o que permeia são varias opiniões, diferenças ,convergências e divergências. Mas que me faz refletir sobre a flexibilidade corporal indispensável para a construção de um corpo, uma coluna vertebral-centro eixo. Uma das estratégia que organizei para meus encontros com os Artistas Orientadores foi o que denominei “encontro dos corpos” neste procedimento procurei conhecer corpo-pensamento de cada um e a partir daí propor reflexões pertinentes as pesquisas artístico – pedagógico de cada um. Uma das coisas que me faz refletir sobre o projeto em relação a minha pesquisa é que precisa de fato ter um eixo centro – corpo para sua atuação ser bem sucedida, é quase como um polvo, os tentáculos se movimentam porque seu centro-corpo é flexível. Gosto de pensar como polvo que pode determinar seu caminhar por varias direções , mas quando escolhe uma, seu corpo todo acompanha, mudanças claras , objetivas e diretas. Esse corpo polvo pode ser o vocacional que pode estar com todos seus tentáculos voltados para um objetivo maior...! Cada um de nós pode ser uma perna, pensando e fazendo diferente mas, com o mesmo objetivo... O programa.

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Isso não tira a idéia de quanto somos diferentes e precisamos ser, mas me faz pensar que não construímos nada sozinhos...Tanto no mar como no céu – ou seja no ato navegart (continentes) e no constelar. Fazendo ainda uma ligação direta com a dança, gosto Tb de pensar que a mesma ocorre entre um movimento e o outro, que esta ligação que tem tempo, espaço, ritmo, pulsação e etc. faz o movimento ter todo um sentido principalmente quando é criado a partir de uma pesquisa ,somando a dramaturgia que provavelmente poetizara a construção desse pensamento. Aí então, temos corpo pensamento juntos. Não posso acreditar no projeto sem poesia... Sem arte...! Pode parecer um principio meio “bobo”, mas, tem feito todo um sentido na minha dança, no meu corpo. Por este motivo volto ao inicio, dizendo que os conceitos e pensamentos não podem se fechar em si e sim estarem flexíveis, abertos para os ENCONTROS. No ato constelar vejo a importância de ter um foco como pesquisa, pois quando conhecemos algo mesmo que minúsculo que pode ser visto através de uma lupa... É esse olhar que fará toda diferença de sua grandiosidade e principalmente a profundidade desse pequeno, ou seja, como ver uma pequena coisa e ampliá-la através de uma lupa e torná-la grande e fonte de conhecimento do mundo! Mas aí me vem uma pergunta: O que seria interessante da minha pesquisa para o outro? O que conseguiria reverberar da minha pesquisa no outro? Não tenho encontrado muitas respostas, mas sim muitas questões. O projeto esta sempre me questionando, isso pode ser a tão falada autonomia, me coloca na instabilidade da vida me proporcionando reflexões o tempo todo,procurar respostas... talvez , não acha-las seja a chave! Inquietação. Quando falo do “espaço- entre” pesquisa iniciada desde o ano passado e concretizada em alguns espetáculos de dança, quero retratar o “espaço- entre” também como pele, o que temos por dentro dessa pele e o espaço que a insere,pele dentro-pele fora. A casa, o habitat é, também pele e como tal representa a organização entre o limite fora – dentro, público-privado, trânsito–pausa, divisão–aproximação, solidão-convívio, texturas,cores,frio,quente entre outros.Na vida casa- habitat-pele - corpo os limites são sempre alterados pelas memórias, historias de cada um, marcas pelas quais seus espaços internos e externos foram ocupados, ligação que faço com historia presente dado pela Nirvana Marinho que fez todo um sentido nessa trajetória, “se sabemos quem somos sabemos o que fazemos”. O corpo sempre será o primeiro a receber todos os impactos da vida, só por essa frase já me da concretude do quanto esse corpo - casa é o que de mais temos de preciosidade da vida, a nós mesmos. Porem esses espaços levam tempo para se ajustarem, se assentarem e perceberem quem somos... Aí me relaciono com o tempo, fator determinante para entender e concretizar tudo. Por esse motivo reforço sempre aos A.Os a importância do conhecimento do corpo, e de afirmar sempre que o corpo dança!!! O corpo é ação é movimento! Corpo história. Eu mesma após tanto tempo de carreira parei nesse projeto para saber de fato quem eu era, o que havia traçado... Mesmo sabendo dessa trajetória ainda me pergunto... A que vim fazer? Percebo que tanto a mim como os artistas orientadores o projeto nos deixa sempre no questionamento... Qual de fato é a minha arte? Como posso fazê-la, pedagogicamente, artisticamente?

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Por mais que tenhamos experiência o bastante o projeto nos tira dela! Temos que re-significar tudo o tempo todo... Pensar nos procedimentos, procedimentos e procedimentos (forma e conteúdo). Como coordenadora perto dos AOS também encontro lugares tão vazios e cheios de não lugares como um Tiquatira, onde nossa prova como artista nos coloca o tempo todo em cheque-mate, quem sou? Como estou fazendo? Posso fazer?Como ser artista num lugar tão sem lugares...? Através da incerteza você pode conhecer o seu próprio fazer? A Arte pode mudar? Essa eu respondo... Se não puder acreditar nisso não acredito em mais nada! “A dança é o que ela vai se tornando a partir de cada uma de nossas invenções, eu invento o lugar a partir da minha ação” Thereza Rocha. O grande tema mesmo desse projeto que me impulsiona como pesquisadora e como artista é o corpo, corpo como pensamento, como arte. O corpo como cidade, refletir o corpo é interferir diretamente no espaço problemático dessa cidade... Cidade de memórias sofridas pelo então corpo, que por muitas vezes nos deixa grandes cicatrizes, mas o que de fato me alimenta é a poética dessa cicatriz. Bom, não sei o quanto relacionei ao material norteador, mas esta tudo implícito tudo parece ser a mesma coisa de formas diferentes de serem ditas, esta tudo nesse “espaço entre”, interligado,espaço alternativo,procedimentos,protocolo,ação cultural... Nossa... Que pratica é essa da escrita tão difícil de dizer...Encontrar palavras para falar do que se pensa do que se pesquisa, ufah! não é fácil. Mas dançar também não é. TÃO POUCO CONHECER ESSE CORPO. O que me sustenta? O corpo! O que sustenta o projeto? O encontro! Questões surgem: Como construir alguma base a um só tempo flexível, para dar sustentação e origem sem cercear? Como fazer do projeto (programa) um vinculo libertador? O braço que suspende o corpo é apenas um obstáculo para o braço que pretende avançar? Como abrigar memória e estar presente? Como encontrar o novo, como permitir-se, ser vulnerável na cidade- corpo? Como aproximar o corpo que dança do projeto? Como ser artista? Alguém ensina? Quem ??????????????????????? O tempo do projeto é suficiente para emancipar dar autonomia para alguém? Levamos tanto tempo para entrar em contato com essa tal da “autonomia” a tal “emancipação” tão difícil de ser conquistada !!!! QUE TEMPO É ESSE!!! -----------------------------

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Fernando Machado Ceu Aricanduva Introdução Vou iniciar este texto falando de um lugar muito discreto e ao mesmo tempo importante para o desenvolvimento das atividades do vocacional; a conquista da disponibilidade, da curiosidade e o desejo de dançar dos vocacionados. No primeiro encontro do ano foi discutido em conjunto o caminho das atividades da dança contemporânea e suas necessidades de como: usar roupas adequadas para a pratica corporal, ficar descalço ou de meias, chegar no horário e ai por diante... A surpresa foi que apenas um único vocacionado não tirou os sapatos e assim permaneceu em abril, maio, junho, julho - mês de festa no ceu Aricanduva e a 1º apresentação da turma em publico , e então o mesmo vocacionado disse : “professor eu ainda não estou pronto para me apresentar...” e eu disse ok, você é quem decide mas pode participa como auxiliar técnico. Agosto, setembro - aniversario do CEU – ação processo-, o mesmo vocacionado ” prof. vou participar apenas como técnico… tudo bem? Sim ,você agora será o vídeo-maker. Encontro seguinte, em sala ,todos pesquisando suas propostas dentro da ideia central , e o que me espanta , ELE ESTÁ DE MEIA, tirou o sapato . Uma sensação incrível me tomou por dentro, o que foi decisivo para a conquista desta liberdade neste vocacionado, tudo o que tinha sido feito ou algo em especial, então fica a questão em aberto: A Arte transforma o ser, ou apenas o liberta de si mesmo? Pesquisa “Um Ponto Fixo em Movimento” - A coluna como eixo de exploração do espaço interno e externo. Premissas- consciência das possibilidades da coluna; reverberações corporais a partir da coluna como eixo ; pontos de encontro – espaço , tempo, corpo todo , partes do corpo contexto; desejos; Ar-ticulações; Em 2009 dando continuidade a minhas pesquisas corporais, concentrei minhas ideias na questão sobre a reverberação da coluna nos movimentos de dança , esta proposta foi apoiado pelo Programa de Fomento a Dança 6º edição e que, neste momento eu estava trabalhando com bailarinos profissionais da Cia StacattoSp e a problematização era: como construir um corpo livre e consciente das suas funções básicas como, esticar , dobrar e torcer, que pudesse ocupar espaços sem vícios técnicos ou uma codificação estética mas, apenas como um corpo que transpirasse a proposta coreográfica construindo uma narrativa do corpo. Já dentro do Programa Vocacional 2010 na proposta de “artista pesquisador” me deparei com a oportunidade de colocar esses conceitos estudados e ideias na pratica e assim criar uma pedagógica própria na formação de um corpo expressivo na dança contemporânea.

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Me apossando de um termo de Jacques Lecoq - “um ponto fixo em movimento”, parti em busca de um lugar que pudesse ao mesmo tempo proporcionar um novo saber corporal para os vocacionados e também provocar o que mais me intriga na dança, o desejo de dançar, de mover o corpo de uma forma consciente e poética dentro das possibilidades de cada um. Provocando a paixão pela Dança e ao mesmo tempo o saber critico das possibilidades e questionamentos do homem contemporâneo. Para tanto mergulhei em mim mesmo primeiramente , para saber o que me move neste mundo , o que me transforma em artista dançante e faz com que eu continue a cada dia buscar novos saberes e novos questionamentos. O protocolo – Foi e está sendo um instrumento de reverberação das questões poéticas e corporais (espaço, tempo, ações corporais, intensões) nesta trajetória. Ele tonou-se um lugar nos encontros onde podemos refletir sobre o que o corpo esta dizendo e para onde ele esta sendo direcionado. BAMBU - A coluna foi apelidada de bambu, eixo do corpo por onde toda energia dos movimentos transitam, uma base firme que demora mais do que tudo para se formar (base da dança) gomos (flexibilidade) que vão sendo construídos a cada encontro e que vibram, oscilam, flutuam, curvam-se mas nunca se partem, e em conjunto torna se mais resistente (força do grupo/individuo) . Ar-ticulação- Espaço interno, introdução da cinesiologia, como cada parte pode se mover isoladamente e como juntar possibilidades, construindo um jogo de saberes e de ocupação das parte do corpo no espaço-tempo, criando dinâmicas que constroem signos corporais. Esses signos corporais levaram a pesquisa mais uma vez de encontro com o teatro e seus saberes corporais, Grotowski (…) o dançarino cósmico que, dançando” gera tudo o que é e tudo o que é destruirá”; aquele que “dança a totalidade”(...) pg 38. o olhar do pesquisador- O material norteador abre o portão e o artista vislumbra um mar de possibilidades corporais que estão surgindo nesta trajetória, corpos sem/poucas referencias da dança contemporânea atual, tornando se a referencia a partir do conhecimento adquirido, falas, ações , desejos , DANÇA PURA, tudo isso reverberando nos corpos e mentes dos vocacionado e na minha também. Técnicas de dança contemporânea foram estabelecidas, organização do corpo , equilíbrio , sensibilidade, atitude; O corpo ocupa seu espaço e transita pelo espaço do outro, o apoio, o centro , a periferia, todos esses termos estão sendo utilizados nos encontros , sempre abrigando vários significados, seja de ações corporais ou sociais, o empoderamento e a autonomia do seu corpo e dos movimentos, das suas ideias e sensações , transformando o individuo através da arte. Não coloco aqui os procedimentos mas eles estão sendo anotados e catalogados, construindo uma possibilidade de lugar especial na construção de uma pedagogia do movimento.

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Ela dança na lua com seus nove pontos a graça é toda sua em um cubo ela está e sempre lá dentro pra lá , e pra cá esta sempre no centro dança graciosamente a bela menina a lua ela sente e a todos fascina poema extraído dos protocolos dos vocacionado do CEU Aricanduva referencias bibliográficas: 1- Forsythe, William Improvisation Technologies – A Tool for the Analytical Dance Eyes; 2 - Rengel, Lenira Dicionario Laban / Lenira Rengel – São Paulo : Annablume, 2003 3- O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowiski 1959-1969 / textos e materiais de Jerzy GGrotowiski e Ludwik Flaszen com um escrito de Eugenio Barba; curadoria de Ludwki Flaszen e Carla Pollastrelli com a colaboração de Renata Molinari ; tradução para o português Berenice Raulino - -São Paulo : Perspectiva : SESC ; Pontedera IT : Fondazione Pontedera Teatro , 2007 4- Lecoq , Jacques O corpo poético: uma pedagogia da criação teatral/ Jacques lecoq; com a colaboração de Jean-Gabriel e de Jean – Claude Lallias; tradução de Marcelo Gomes – São Paulo : editora Senac SP : edições SESC SP, 2010 FERNANDO MACHADO [email protected] --------------------------------------

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Thais Ponzoni Ceu Vila Curuçá [email protected] wwwartelaban.blogspot.com youtube: THAIS BAIÃO DESTEMPERADO AO PESQUISA A pesquisa que venho traçando há mais de quatro anos, como artista-pesquisadora e investigadora, se dá na relação das danças brasileiras, especificamente, coco, cacuriá e samba, com e no corpo da dança contemporânea brasileira. Investigo a integração corpo, mente e cérebro baseado em duas pesquisas básicas e eternas para meu desenvolvimento como artista provocadora de um potencial de apropriação política através da consciência do corpo. Debruço-me sobre uma estética residente nas fontes de Klauss Vianna, Rudolf Laban e Antônio Nóbrega. Na minha orientação artística dentro do Vocacional apóio na visão de um corpo em movimento integrado com o todo e/ou parte de suas partes, integrado com a sua memória, ou seja, com o seu referencial, seus códigos próprios, ou como diria Michel Foucault, um corpo arquivo, integrado com suas partes e com o mundo a sua volta. Essa investigação das partes surge ao longo do processo, dependendo da necessidade do momento de cada turma. Entre as Investigações das partes, estão: pés, coluna, projeção do movimento, apoios, caminho interno do movimento, olhar, espacialidade, deslocamento, ritmo, dinâmicas, peso, tempo, fluência, vetores, brincadeiras, processos lúdicos e referenciais próximos da realidade em que estou inserida. Parto da minha prática como artista dos caminhos do corpo consciente e lúdico na DANÇA. Traço meu trabalho, como artista-orientadora, através de uma prática corporal, baseada no movimento consciente de Klauss e das oito dinâmicas e Catis espaciais de Rudolf Laban; (ver em: wwwartelaban.blogspot.com). Tal prática quando exercida e fundida ao ser brincante, surgem qualidades estéticas na dança, resultantes de processos lúdicos e fundamentais, que habitam em vivências sobre os ritmos e movimentos brasileiros, atuantes e resistentes na cultura do nosso país. PROCESSO TURMAS: São orientadas três turmas de dança no equipamento da zona leste, Ceu Vila Curuçá. São elas: Cacuriá (sábado); Dança do Ventre (terça); Copor-memória (terça) e o Grupo de Street. Além, dos B.boys “independentes” que nos visitam eventualmente, com característica rotativa. Turma 1 – Cacuriá - Passamos dias de uma ação repetitiva e particular traçando um percurso tendo o corpo como instrumento de percepção do tempo e do espaço. Gestos repetitivos, já moldados pela memória do corpo. Gestos mecânicos e condicionados pela necessidade da ação cotidiana: varrer e brincar. 8 Questões que surgiram: 1 - Como habitar os espaços? 2 - Como construir possibilidades criativas para o movimento do varrer?

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3 - Como construir possibilidades de movimentos a partir de um gesto condicionado pela memória do corpo? 4 - Como eu brinco com meu corpo? 5 - Como posso varrer de diferentes modos? 6 - Que local do CEU podemos varrer coletivamente? 7 - Como habitar os espaços? 8 - Como construir uma ação política e artística através do Cacuriá? Ação, que surgiu a partir das funcionárias da limpeza – varrer – Do gesto cotidiano à cena – Com isso fizemos o Cacuriá Varre Sinhá, tendo como referencial grupos populares como o Pé no Terreiro, aqui de São Paulo, com raízes maranhenses. Nas experiências com os vocacionados, na dança do Cacuriá e na dança contemporânea, amplio campos de presença, transportando-as para seqüências de movimentos livres e controlados. A turma de Cacuriá, formada por funcionárias da limpeza e também, por outros que vão chegando e vão saindo, é uma turma rotativa, mas apresenta característica permanente, pois começou em maio e permanece. Essa turma abraça, a quem chega de repente, e a quem já está algum tempo nessa prática, nessa pesquisa do trazer para a cena o gesto cotidiano de varrer. Com os pés de índios e os quadris de negros, pisamos no terreiro. Quando digo terreiro, me refiro ao termo quintal, ou seja, um lugar onde ritmos e movimentos brasileiros são dançados e cantados. Um lugar onde se possa brincar de, entrar e sair do centro de uma roda. Maria Adeláide, vocacionada representante da turma do cacuriá, contribuiu com sua habilidade das artes plásticas e, confeccionou algumas saias de chita, vassouras de garrafa pet, as colchas de retalhos e resgatou suas cantigas esquecidas. Turma 2 - A Memória do Corpo nas brincadeiras Brincante é o modo como os artistas populares se autodenominam. O artista popular nunca se nomeia ‘dançarino ou ator’, ele se diz ‘brincante’; ao realizar um espetáculo, não diz que vai ‘fazer um show’, diz que vai ‘brincar’. Essa visão lúdica do fazer artístico estabelece fronteiras tão distantes da nossa realidade contemporânea que se faz necessário o estudo para compreender a profundidade dessa denominação. Fonte: Instituto Brincante Procedimento para pesquisa: Corpo, memória, brincadeiras de rua Referência: Vídeo sobre danças e brincadeiras “Teatro Brincante”, 2004. Traçando relações do ser brincante. Aquecimento e concentração: Em roda, um no centro, receber o peso do outro - dinâmicas do movimento - espacialidade - preencher o cubo - em grupo criar própria seq de mov. - caminhada Cláudia - escuta e integração - caderno, registro, poesia 1-Escolher tema / escolher quatro movimentos / criar a seq. em conjunto 2- Variar dinâmicas na seq. 3-Memória do corpo através de brincadeiras:

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- pular corda - amarelinha - pula sela - elástico - jogar bola (dribles, quedas) - estrela -espelho em dupla - siga o mestre Propostas que surgiram no corpo/memória dos vocacionados: – pião, bambolê, pipa, giz, elástico, amarelinha, corda, bolas, boneca de pano, estrelinha, pega-pega, esconde-esconde, cambalhota. FORMA E CONTEÚDO Forma – processo lúdico, brincadeiras Conteúdo – dinâmicas e catis Laban Procedimento 1: Cada um propõe uma brincadeira/memória, através de gestos, através do corpo. Todos repetem a brincadeira do outro. O grupo escolhe 4 brincadeiras que gostaram e repetem novamente juntos as 4 brincadeiras. Procedimento 2: Cada um faz um movimento/Laban de: dobrar, atirar, saltar (serão três rodadas) O grupo escolhe um dobrar, um atirar e dois saltar. Procedimento 3: o grupo intercala: 1. Atirar 2. Brincadeira 3. Dobrar 4. Brincadeira 5. Saltar 6. Brincadeira 7. Saltar 8. Brincadeira Turma 3 – Dança do Ventre Esta turma surgiu como estratégia minha para não perder vocacionados, pois quando entrei para este equipamento, fui deixada por antigos vocacionados que não se interessaram pela minha orientação, por motivos variados, como: forte laço afetivo com o AO antigo, dependência da linguagem dele e falta de interesse num comportamento mais autônomo. Então, quando trouxe uma “dança” mais “popular” no sentido de “ser” expositiva e televisiva, consegui atrair vocacionadas. Fiz isso no início da re-implantação como estratégia de formação de novas turmas, e até hoje chegam pessoas procurando esta dança. Por isso, esta turma contém um caráter de investigação do feminino, da popularidade e apresenta-se rotativa, porém sempre aberta a novos. A coluna, as articulações e os olhares são temas corporais trabalhados com a turma de Dança do Ventre. Atualmente, são cinco vocacionadas freqüentes nesta turma: Gabriela Ferreira, Carolina Arruda, Rosane Araújo, Lígia Rodrigues e July Cristina.

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Grupo – New Start Dance – Formado por uma turma que nasceu este ano com a Dança Vocacional. Integrantes: Rômulo, Lisley, Ligia, Daniel e Gisele. Além, da linguagem própria desse grupo, street dance, eles também freqüentam a pesquisa do Corpo-Memória e brincadeiras. Alguns desses vocacionados formaram solos independentes, que oriento. PROTOCOLO Construímos dois tipos de registros e impressões do processo de trabalho 1 – o caderno dança vocacional 2 – as colchas de retalho de “sentimentos bordados” O caderno é o meio que podemos deixar nossos registros, contatos, imagens, colagens, poesias, impressões da dança, do artista-orientador, do processo e até da vida particular de cada um. Utilizamos o caderno da seguinte forma: cada semana uma pessoa fica com ele, leva para casa e fica com ele na casa por uma ou duas semanas. Quando o caderno retorna nós vemos quem gostaria de ficar com ele, simplesmente, para levar ele consigo, para escrever, desenhar, rabiscar ou ler e reler os registros das turmas. É um único caderno para todas turmas. O tecido é o material que registra o movimento do quadril, através das saias. A saia de chita e a saia da dança do ventre. As saias coloridas que se movem e nos faz mover-se. As vocacionadas foram comprar tecidos juntas. Maria Adeláide fez sua própria saia e a saia de sua filha. No final elas pretendem fazer uma colcha de retalhos. Existe uma história e um afeto por trás destes tecidos. Isso para mim, é um registro e uma forma de protocolo. AÇÃO CULTURAL Maio Sarau Cultural – Intervenção com “Quebra-Cabeça” no primeiro Sarau Cultural na biblioteca do Ceu. Sarau CC Itaim Paulista – Dança vocacional participou do Sarau do Itaim com o solo “Empinando pipa” de Rômulo, vocacionado. Junho Ação Cultural no CCSP – Bboys no corredor do CCSP. Improvisamos Dinâmicas Laban com dança de rua. No dia 03 de julho o CEU Vila Curuçá fechou suas portas devido à necessidade de dedetizar o local. Dênis, Edimilson, Rômulo, Daniel e eu abrimos as portas de um novo lugar: o CCSP – Centro Cultural São Paulo. Um lugar de pátio, corredores e biblioteca onde BBoys paulistanos ensaiam com seus grupos. Artistas do corpo vindo de diferentes lugares. Assim, nós da Dança Vocacional chegamos de São Miguel Paulista para fazer uma composição nos corredores deste maravilhoso centro cultural, região que representa um ponto cultural importante na nossa cidade pela qualidade de seus trabalhos artísticos e pelo encontro de bboys. Em roda, construímos movimentos de dinâmicas do Laban, como: subir, dobrar, saltar, girar e esticar, depois repetimos várias vezes a seqüência individual que cada um criou e nos relacionamos com o espaço e com a platéia presente, que surgiu na hora. Interação e descobertas.

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Vocacional Apresenta – Bboys do vocacional dançam com Família Justa Causa no palco do Toda Terça tem Teatro. Sarau Cultural – Improvisação com poesia. Corpo e história: Espaço de leitura onde caminham histórias diversas em prosa e poesia. Eles contam a história dos livros, de suas vidas e memória. Eis que surgem corpos dançantes no meio na biblioteca. Trazendo códigos urbanos e sociais em seus movimentos. Traçando a trajetória da história em nosso próprio corpo. AO Visita – O AO Fernando, de Teatro, pegou minhas turmas, e eu peguei as dele. Muito interessante. Foi dali que uma vocacionada veio fazer dança vocacional. Julho Sarau Cultural Mário Quintana – improvisação corpo e poesia. Agosto Festival de Dança Ceu Cantos do Amanhecer – Grupo Street Dance Ação Processos - com Teatro Vocacional - A presença da Cláudia, na Ação Mostra de Processos, foi fundamental para alimentar e nutrir não só esta turma, mas a mim. Dando alavancas, através de propostas práticas, com intuito de estimular a sustentabilidade, a emancipação e o compromisso dos vocacionados e de mim, para a Arte. Sarau Cultura Popular – Ciranda, roda, cacuriá. Sanfona, violão, corpos que dançam. Algo intimista... Assim, que lembra família... Algo que lembra a rua dentro de casa, as outras casas, salas, quartos dentro do equipamento. O Sarau vem de um silêncio concentrado pelo fato de ser realizado dentro de uma biblioteca. Parece que nossos estados de escuta ficam aguçados pelo simples fato de estar num espaço de leitura. Isto indica um lado muito interessante para trocas artísticas. Setembro Visita na Reunião Artístico-pedagógica do dia 16/09 – A visita de Fábio Villardi trouxe importantes reflexões sobre como pensar e refletir sobre a ação de nós, artistas-orientadores, diante do eixo norteador do programa do projeto e fazendo uma retrospectiva de nossas açães ao longo deste ano de 2010. Fábio, trouxe uma reflexão sobre o “Ato de constelar” de Walter Benjamim. Pensar em como as visões foram mudando no mundo, assim como a visão de que a Terra era o centro do universo, e esse conceito foi mudado. Os conceitos, as teorias se modificam. O que há é uma transformação. A vida está em movimento constante, está entre as coisas, como o Rizoma, está entre, não tem começo, nem meio, nem fim. Pensando nisto fiz uma escada das ações culturais que desenvolvi ao lado dos meus vocacionados neste ano. Encontro de Amizades Ceu Pq São Carlos – Turma Cacuriá Outubro Vocacional Apresenta: Mostra Local dia 19 ás 20h – Teatro Luiz Gonzaga

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CORPOS EM EXPRESSÃO: MOSTRA LOCAL Dança Vocacional compartilha processo de linguagens diversas da dança, como: street dance, dança do ventre, danças brasileiras e contemporânea. 1- Varrer: o gesto cotidiano na cena – turma de Cacuriá 2- Corpo em Expressão – turma “memória das brincadeiras” 3- Feminino na Dança – turma de dança do ventre 4- New Start Dance – grupo de street dance Novembro Mostra Regional Ceu Três Pontes – dia 13 ás 14h Sarau Cultural – último sábado do mês ás 15h CONCLUSÃO: Como eu brinco com meu corpo? A apropriação da consciência do corpo também é uma atitude política, porque aprendemos a exercer o movimento do nosso corpo, num tempo e espaço, com AUTONOMIA. E acredito, que através do prazer, do lúdico essa apropriação acontece. Cada vocacionado tem seu próprio PROCESSO de EMANCIPAÇÃO e o artista-orientador abre caminhos para que isso aconteça. Como? Trabalhar os apoios dos pés no chão (como investigou Klauss Vianna) é, para mim, um exemplo de uma atitude política na vida. SUSTENTAR seu corpo e equilíbrio no espaço e mover-se através dele e com ele é uma grande vitória. Nós, artistas-orientadores, não obrigamos o vocacionado a ser livre, emancipado e autônomo, mas temos função de, através de caminhos pedagógicos, despertar, estimular o corpo para se chegar ao reconhecimento, no tempo e no espaço, deste corpo no mundo. ------------------------------------------ Isabel Monteiro Céu Três Pontes Caro leitor, superiores, coordenador, artista, pesquisador, (…) No texto que lerão abaixo, focalizei meu trabalho com uma turma, que é a mais assídua apesar de pequena. Como tantos dos meus colegas, houve e ainda há períodos de flutuações, evasões, etc. Tive dificuldade em formar turma no período da noite. Por fim, há mais ou menos um mês, consegui trazer para o projeto, através de divulgação na escola estadual mais próxima do CEU, um grupo de adolescentes que criam danças baseadas em passos dos anos 60, e também um grupo de mulheres vindas de uma Igreja Evangélica da região. Não vejo sentido em descrever um processo artístico nem em teorizá-lo; sinto necessidade de dialogar, preciso de interlocução. Percebo essa mesma necessidade dentro do contexto da dança contemporânea paulistana atualmente. Escrevo esse texto, portanto, quase em forma de carta. Gostaria que ele tocasse em quem lê, gostaria de ouvir: tenho vontade de trocar. Esse é um bom gancho para iniciar meu relato sobre a minha, sempre em construção, pesquisa pessoal: eu me interesso pelas pessoas. Talvez seja uma inspiração ou homenagem à grande Pina Bausch que dizia: “Eu não investigo como as pessoas se

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movem, mas o que as move”12 (p.27); talvez seja o seguimento de um ensinamento de Júlia Ziviani aprendido nas aulas de dança e educação somática: “para ser professor é preciso gostar de gente”. Ou, quem sabe, seja um a reprodução de um método intuitivo utilizado por Key Sawao e Ricardo Iazzetta (repassado, talvez, pelo mestre japonês de butô Takao Kusuno), nos seus processos de criação onde conviver na proximidade parece também fazer parte do processo de criação. São todas ainda hipóteses; no fim das contas é bem provável que seja um clichê pós-moderno. O fato é que, neste ano, não consegui fazer diferente. Interessei-me genuinamente por pessoas. “Gente lavando roupa, amassando pão Gente pobre arrancando a vida com a mão No coração da mata, gente quer prosseguir Quer durar, quer crescer, gente quer luzir (…) Gente, espelho da vida, doce mistério” Caetano Veloso A turma em questão é basicamente formada por 05 pessoas : Diane, Bruno, Paulo, Dayane e Pietra. Quase todos eles fazem parte das outras linguagens do Programa Vocacional (Teatro e Música) oferecidas no CEU. Comecemos pelo começo: Cheguei atrasada ao Vocacional. Cai de trem no CEU Três Pontes, num percurso que demorou uma hora e meia, já no final de junho, no meio de um processo iniciado pela Artista-Orientadora Renata Fernandes, que se retirava do projeto para dar a luz. Da sua saída restou uma turma, e eles trabalhavam a cidade, leram “As Cidades Invisíveis” de Ítalo Calvino, criaram e recriaram suas próprias cidade-teia, cidade copos, cidade água, lama, cidade Jardim Romano. Já no primeiro encontro os vocacionados me contaram tudo o que puderam: o bairro havia passado por uma enxente que durou quase 3 meses, várias casas foram algadas, o CEU foi invadido, famílias perderam tudo, algumas se mudaram de lá, houve televisão, jornalistas, o prefeito, políticos, videos no youtube, um alvoroço só. Agora tinha uma obra enorme, ali atrás do CEU para conter as águas da chuva que vêm de do rio, braço do Tietê. Mas eles estavam cansados da cidade. Agora, disseram, queriam trabalhar outras coisas... Quis saber mais, o que os movia, quais eram os desejos, que vontades? Disseram que queriam se retratar; queriam falar de si próprios. Diane, artista-vocacionada, resumiu dizendo: “Eu já tenho um nome para o nosso próximo espetáculo: Eu moro na dança!” Bingo!, pensei; eles querem falar de gente, e eles moram na dança. Eu moro na dança Essa frase-título rendeu algumas reflexões ali mesmo (e muitas outras depois). O argumento era o seguinte: a dança está potencialmente em todos os lugares, até nos gestos cotidianos de varrer, lavar, etc. A dança está em casa e é lá que, muitas vezes nos sentimos à vontade para dançar mais intimamente. Daí vieram as nossas investigações sobre o espaço da casa e se ele poderia ser utilizado e vivênciado como inspiração. Tínhamos uma dúvida lançada por Paulo, artista vocacionado:

12 Fábio Cypriano. Pina Bausch. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

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“Queria que todo mundo dançasse no mesmo lugar que eu danço pra ver se se sentia que nem eu me sinto nesse lugar, nesse habitat, prá ter uma idéia se é a mesma coisa do que eu sinto, do jeito de dançar...”13. Sugeri que visitássemos suas casas, ou lugares onde eles se sentissem “em casa”. Fizemos quatro visitas14, e nelas reconhecemos primeiramente o ambiente da casa: cheiros, temperatura, textura, cor e outras particularidades. Depois, propusemos pequenos jogos de improvisação. Sob o prisma de um pensamento artístico de produto não é possível dizer que houve grandes realizações concretas das experimentações nesses espaços não-convencioanais. As experiências não viraram cena logo de cara. Sentiu-se uma frustração geral; a dança dentro de casa é à vontade e espontânea quando se está sozinho. Não foi preciso responder a hipótese de Paulo: cada um se sentiu diferente na presença dos outros e diferente uns dos outros No entanto, mesmo que não soubesse a princípio, essas vivências se mostraram importantes para que eles criassem vínculos entre si. Agora todos sabem onde e como é a casa do outro, e eu, fortuitamente, pude testemunhar essa descoberta acompanhada com uma gentil acolhida de suas famílias, ao brinde simples de uma refrescante Coca-Cola. A gente está trabalhando a gente Além da busca temática, ou em sintonia com ela, quis trabalhar o corpo em maior profundidade. O corpo precisa ser potente para se tornar capaz de comunicar, é preciso acordá-lo, conhecê-lo, dominar os pequenos gestos. Nesse sentido, lanço mão de minha bagagem técnica de dança, desde o balé clássico, até a educação somática dos tempos de Unicamp e das aulas com Maristela Estrela (bailarina da Cia Nova Dança 8). Além disso, me amparo e compartilho com as ferramentas de leitura e decodificação do movimento sistematizado por Laban, aprendidos durante os processos de criação e de formação da Companhia Perdida, dirigida por Juliana Moraes, da qual faço parte. Essa turma tem facilidade e desejo pela improvisação, mas senti que era necessário afinar a escuta; torná-los conscientes dos seus próprios corpos, do espaço e das relações criadas entre eles, com o espaço e com a música. Tento sempre trabalhar camadas mais profundas, tanto da escuta do movimento quanto da música, aprofundar os ouvidos para perceber ritmo, textura, melodia. Acredito que assim, analogamente, possam também se perceberem com mais profundidade, atentando-se para as diferentes densidades, ritmos, pesos e sensações corporais. Para desenvolver a criação em sintonia com a improvisação recorro a jogos e procedimentos vivenciadas por mim em outros processos artísticos, como dos trabalhos de faculdade, do período de trabalho com a Key Zetta e Cia, Companhia Perdida, do Pojeto Vocacional de 2009 e dos alimentos compartilhados nas reuniões artístico-pedagógicas. O que faz mais sentido é guardado, quase como num banco de dados, a serem organizados posteriormente na criação das apresentações. Durante esse processo, participamos de duas mostras; -Mostra Processos no CEU Tiquatira, que tinha como foco a casa, onde foram feitas instalações e visitações aos espaços-casas recriados nos espaços do CEU. Criamos uma cidade-teia, feita de barbantes, e lá foram dançados dois jogos. -Mostra Processo no CEU 3 pontes, onde apresentamos os mesmos jogos em deslocamento do Beque para o palco.

13 Depoimento colhido em vídeo durante um encontro antes das visitas. 14 As visitas foram documentadas em vídeo.

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Depois desse período com foco no corpo, tendo ele trabalhado, construíumos uma nova moradia. Chegamos a uma nova conclusão: se eu moro na dança, eu moro no meu corpo. Meu corpo é minha casa. E então, como é a minha casa? “Eu moro numa casa de um metro e sessenta e dois Com 55 quilos de feijão e arroz Uma casa de pele negra e telhado pichaim Essa é a minha casa, ou melhor, Eu sou assim”15 Diane criou essa música, cantada em forma de rap, após um encontro no percurso do CEU para a estação de trem. Ela finalizou os detalhes no encontro seguinte, em que Paulo também criou um texto descrevendo sua casa-corpo: “Eu moro em uma casa de 46kg e um metro e sessenta e sete, agora as paredes são meu corpo a tinta minha pele e minha carne órgãos são os móveis o tapede meu cabelo cortinas minhas roupas (...)” Abrimos então duas possibilidades de leitura para eu moro na dança -uma casa em sua estrutura física e concreta. Os objetos da casa e suas relações com o corpo; as ações cotidianas (varrer, limpar, esfregar) como potencialidades da dança. -uma casa metáfora; o corpo com suas estruturas físicas e subjetivas. Estamos em fase de organização e exploração desses universos. Depois de um grande período trabalhando com improvisação, propus a utlização da coreografia para a criação na intenção de clarear e precisar as aões, além de desafiá-los a memorizar pequenas sequências coreográficas. Eles criam as ações-danças que são então aprendidas pela turma e intenção executadas em uníssono. No meio disso tudo, nas conversas depois dos encontros, nas caminhadas até a estação de trem, percebia que, principalmente Diane e Bruno, tinham bastante consciência e angústia em relação às suas condições sociais, culturais e econômicas. Vez ou outra comentam questões raciais, falam sobre os desalojamento (desfavelamentos) que sofreram muitas famílias após as enxentes no Jardim Romano, sobre o afastamento daquele bairro em relação ao centro. Foi então que Diane chegou empolgada com o livro de Drummond debaixo do braço. Queria ler um poema: “Me tiraram do meu morro me tiraram do meu cômodo me tiraram do meu ar me botaram neste quarto multiplicado por mil quartos de casas iguais. Me fizeram tudo isso para o meu bem. E meu bem ficou lá no chão queimado onde eu tinha o sentimento

15 Rap criado pela artista-vocacionada Diane de Jesus.

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de viver como queria no lugar onde queria não onde querem que eu viva aporrinhado devendo prestação mais prestação da casa que não comprei mas compraram para mim. Me firmo, triste e chateado, Desfavelado.”16 -Você poderia ler de novo, Diane?, perguntei. -(...) Desfavelado. Achei que tinha a ver com eu moro na dança. Ia ser legal ler esse poema no nosso espetáculo final, ela disse. Partindo da simplicidade de um título como Eu moro na dança, começamos a tocar em questões mais amplas e políticas, das relações estabelecidas com seus bens, com os que não tem bens, com o entorno muito próximo à eles. Se esses temas são recorrentes nas suas falas, acreditei que deveriam ser trabalhados nos nossos encontros tanto na fala e como na forma artística/poética. Nesse sentido, praticamos reflexões sobre o que está sendo elaborado, como elaborar, em que ambiente, com quais referências, figurinos, que tipo de corpo, que textura de dança para dizer o que. Indagações, suscitar sempre muitas indagações; é importante salientar esse método dentro do processo. Ao reconhecer a capacidade dos vocacionados de fazer relações que vão do micro “eu” para o macro “meu bairro, a cidade, etc”, em refletirem sobre a forma das apresentações, sobre seus conteúdos, percebo que há uma base crítica e de reflexão em construção, e concluo que há um processo emancipatório sendo desenvolvido. No campo mais íntimo e pessoal, também há maior autonomia e liberdade em seus corpos. Já se reconhecem, entendem os caminhos do movimento, do sentido do aquecimento; já tem mais intimidade consigo e com os outros. O trabalho está sendo realizado nos encontros, que são poucos, e uma simples mostra não será capaz de traduzir todo o conteúdo e questionamentos produzidos. No entanto, vivencio com eles um processo criativo nas suas diferentes camadas, o que nos possibilita vislumbrar uma pesquisa em arte. Com-viver Amilcar, coordenador pedagógico do Música Vocacional, disse na ultima Reunião Geral: “Preocupar-se menos em ensinar e mais em conviver”. A frase reverberou em mim. O convívio, as transformações e aprendizados derivados do encontro, nos retro-alimenta. Eu tenho certeza de que aprendo muito com os vocacionados, colocando constantemente minhas idéias e pré conceito em cheque. Ida à espetáculos, caminhadas até a estação de trem, carteirinha da biblioteca, e-mail, inscrição para vestibulinho da Etec, papos aparentemente despretensiosos, sessões de vídeos de dança são algumas das ações que acontecem, por vezes intuitivamente e ocasionalmente, mas que delimitam e dão sentido ao projeto, ao lugar público e à cidadania. Reconhecer-se como ser ativo no mundo, em convívio com outros enriquece a alma, dá sentido à vida. Digo por mim, arista-orientadora em transformação e construção eterna. --------------------------------

16 Drummond, Carlos. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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Isabela Santana CÉU TIQUATIRA Parar, fechar os olhos e ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto.(Ensaio sobre a Cegueira – José Saramago) PESQUISA NO “JARDIM SECRETO” DO TIQUATIRA O olhar de Drauzio Varella para as periferias; o visionarismo de José Saramago; a sensibilidade imagética de Ítalo Calvino; os sistemas e a astronomia de Jorge Albuquerque Vieira; a pedagogia de Paulo Freire; a corporeidade brasileira de Hélio Oiticica; a liberdade artística e comportamental dos Dzi Croquettes; … todos esses artistas e autores também guiam direta e indiretamente a pesquisa. Mais foram Lygia Clark, Klauss Vianna e Helena Bastos que mais nortearam a pesquisa. É possível fazer um paralelo entre a obra infantil “O Jardim Secreto” (Frances Hodgson Burnett) e o processo artístico- pedagógico no Tiquatira. Na obra, a descoberta de um jardim secreto fechado há dez anos despertou o interesse de duas crianças, marcadas pela apatia e pela tragédia: a menina é orfã e seu primo é doente fatal. As visitas ao jardim achado pela garota libertou as crianças e mostrou como pequenas atitudes como um sorriso e pensamentos positivos podem mudar a vida das pessoas. O menino se curou da doença e ela se transformou uma menina mais humorada e curiosa. A maioria dos freqüentadores do CEU Tiquatira são crianças e adolescentes que na maioria das vezes sofrem dessa apatia e também têm a vida marcada por tragédias. O desafio de manter a freqüência dos encontros é grande, portanto parti para a descoberta do “jardim secreto” do Tiquatira através da escuta dos desejos dos vocacionados. De abril até agosto o quadro de freqüência foi muito turbulento. Formaram-se e desapareceram turmas e grupos. Dentro das sala de dança aglomeravam- se interessados rapidamente e mais rápido eles desapareciam. O vocacional movimentou o espaço, causando muito interesse imediato da comunidade. O Programa Vocacional desse ano começou no mês de abril, na mesma semana que aconteceu a ocupação policial para desocupar a região da comunidade favelada. A noção de contorno e imagem corporal de Lygia Clark: A Estruturação do Self (1976) é a última obra da artista brasileira: investiga e questiona a apreensão do mundo através da sensação, ativando a potencialidade de camadas mais sensíveis do corpo. A obra de inscreve na figura do espectador e prioriza um campo de forças e não de formas, propondo o redesenho dos nossos contornos e imagens corporais. Pouco a pouco essa pesquisa foi se aproximando das nossas práticas, encontrando pontos nos quais esses conceitos pudessem ser apreciados. Essa foi uma maneira de explorar discussões sobre o corpo que dança não só como forma, mas também como campo de forças. Tudo isso sobre um pano de fundo maior que é o tecido da realidade no qual os vocacionados se inserem e o pedaço de realidade contemporâneo. Nesse sentido uma das obras que compõe essa última fase mais radical de Lygia Clark foi investigada em meio ao processo de criação desenvolvido no segundo semestre de 2010. A prática experimental do “Túnel” consiste em atravessar um grande tubo de tecido flexível, propondo ativar a percepção corporal através do contato dele com a pele, potencializando sensações corporais, imagéticas e sentido a relação com o mundo de maneira diferente. O rigor técnico da consciência corporal de Klauss Vianna; as cadeias musculares e a coordenação motora de Madame Béziers:

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Dentro da minha formação em dança, existem dois métodos os quais aplico em aula, por acreditar que são boas ferramentas de investigação corporal dentro do Programa Vocacional. O rigor técnico da consciência corporal de Klauss Vianna é um deles, pois enfoca a expressividade corporal com sua infinita variedade de movimentos, ampliando a percepção dos movimentos através de um trabalho técnico bem específico no sistema músculo- esquelético, nas articulações, buscando o equilíbrio da força muscular através também de improvisações. O método de Madame Bêziers aliado a dança, muito difundido no Brasil por integrantes da Cia. 8 Nova Dança, aborda o estudo da organização motora através da exploração do movimento aliada também a improvisação e a sequências coreográficas. Relação entre desenho, espaço, arquitetura e dança: Durante o período de maior evasão de vocacionados devida a desocupação, comecei uma pesquisa com um dos participantes, Robson, entre desenho e dança. Ele era o único aluno regular e desenhista auto- didata. Nos debruçamos sobre o livro “Desenhos da Dança”, que analisa discursos e processos de dança através de desenhos. São relatos de diversos artistas que utilizaram o suporte do desenho durante o processo de criação de suas obras. Utilizamos os registros do espetáculo “O Cérebro da Bruxa” (1991) de Helena Bastos como referência. Ela desenvolveu um mapa coreográfico do seu solo, utilizando símbolos que representavam sua movimentação e deslocamento no palco. A partir disso o vocacionado Robson começou a desenvolver percursos pelo CEU, utilizando o desenho para representar seus rastros pelo espaço e registrá-los em papel. Então partimos para a planta baixa do CEU Tiquatira e a criação de percursos pela arquitetura desse espaço. Esses percursos traduzidos em desenho foram explorados em diferentes espaços do equipamento, trabalhando com diferentes tamanhos de espaço, qualidades de movimento e ritmo. Mais prá frente, outros vocacionados entraram no Programa e começaram também a desenvolver essa pesquisa, ampliando-a para a observação do entorno do equipamento, indo além dos contornos do CEU, chegando na paisagem assustadora da desocupação e suas relações com a cidade. “A realidade é aquilo que insiste” (Umberto Eco) Bibliografia: Maré, Vida na Favela – Daruzio Varella, Ivaldo Bertazza, Paola Berenstein Jacques. Ed. Casa da Palavra. O Mundo de Lygia Clark – Realização: Associação Cultural “O Mundo de Lygia Clark” Desenhos da Dança – Curadoria: Cássia Navas e Christine Greiner. Ed. Marca D’Água. As cidades invisíveis – Ítalo Calvino. Ed. Companhia das Letras. O Dragão Pousou no Espaço: arte contemporânea, sofrimento psíquico e o objeto relacional de Lygia Clark – Lula Wanderley. Ed. Roxo Teoria do Conhecimento – Jorge Albuquerque Vieira. Ed. Anablume. Pedagogia da Autonomia, saberes necessários à prática educativa – Paulo Freire. Ed. Paz e Terra. Klauss Vianna, Estudos para uma Dramaturgia Corporal – Neide Neves. Cortez Editora. Performance como Linguagem – Renato Cohen. Ed. Perspectiva. site: www.projetoimanencias.worldpress.com ----------------------------------------------

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ENOQUE SANTOS CEU SÃO CARLOS Foco: Espaço interno e externo na dança Comecei a minha pesquisa pensando como vou fomentar este vocacionados, e como relacionar o eixo norteador ao meu procedimento com os vocacionados. Com as reuniões artístico pedagógico e as visitas dos coordenadores esclareceram as minhas duvidas. A partir do contato com os vocacionados e ouvir deles a dificuldade em entender a danças. Pensei posso propor ação cultural que possam fazer com que eles entendam a dança dentro do programa vocacional e em outro espaço não convencional e trabalhar os eixos norteadores. Usando esses tópicos: 1. Intervenções artísticas em espaços públicos da cidade (espetáculos). 2. Vivências culturais junto aos vocacionados. 3. A realização de atividades com características de evento cultural amplo, lúdico e comunitário no equipamento. 4. A participação propositiva nos encontros. A valorização de práticas culturais diversas no estímulo individual e Coletivo à conquista da autonomia. Objetivos: Fomentar e divulgar a atuação de protagonistas e promover o encontro entre práticas culturais diversas, colaborando para a instauração de diálogos e trocas através da dança. E perceber o seu espaço interno e externo nos nossos encontros transformando estas ações em movimentos. Justificativa: É nesse contexto que se instaura a Pesquisa. Propõe o ver a si em comunidade, ver o outro e ser visto na comunidade. Através de um espaço físico e de uma proposta de vivencia, procura estimular o diálogo, a formação de uma rede de interações e a articulação de dinâmicas entre os equipamentos públicos e os vocacionados. - O estímulo à livre apropriação sobre o fazer artístico e cultural . A promoção de vivencias que potencializem a expressão e a comunicação nas esferas individual e coletiva do programa Vocacional. ----------------------------------------------- Ana Guasque Ceu Parque Veredas Foco de Pesquisa A nível pessoal O que me move hoje, como artista é a qualidade de presença, criando consciência do ‘estar presente’ através do conhecimento da estrutura, através do movimento e, respaldado por este conhecimento, superar os limites do corpo, jogando com a força gravitacional, em relação com o espaço e em relação com os outros corpos. Este é o foco que me orienta como artista, na vida, e que constantemente é avaliado, reavaliado, revisitado, retestado, deixado de lado, novamente abraçado de modo distinto, pois, se é arte, ou caminho de arte, é preciso que seja poroso e maleável, além de estar sempre pronto para ser totalmente descartado.

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Quando iniciei no projeto, neste ano de 2010, estava em um momento de revisitação artística, preparada para mexer em tudo o que estivesse rígido demais, embora minha experiência no equipamento tenha sido bastante peculiar, e bastante nova, este foco continuou a permear o fazer, o agir, o relacionar-se, se desdobrando em outros focos, mais imediatos, de acordo com a exigência das situações. Relato um pouco a experiência do ano e estes desdobramentos. Os desdobramentos no equipamento No início do projeto, quando demos início as atividades do Programa Vocacional, tive a nítida sensação de estar entrando em uma terra desconhecida, até um pouco árida. Pensei – que engraçado, trabalho neste projeto desde 2007, quando o dança vocacional foi implantado! E parece que estou aqui pela primeira vez. O ano passou, estamos nos encaminhando para a finalização de mais um processo, cheio de conquistas, algumas frustações, algumas alegrias, alguns passos dados a frente neste caminho, mas ainda a mesma sensação – de uma caminhada, em uma terra árida, que pede cuidado, que pede manejo, sementes, água. Terra que grita ‘nutra-me!’. Iniciei este trabalho, como se diz na minha terra, ‘na maciota’, em um momento em que estava ( e estou ainda) me revisitando como artista, movendo e revendo tudo o que está, de alguma forma enrigecido. Me propûs um desafio, fazer diferente de tudo o que eu já tinha feito. Me propûs realmente o novo, escolhendo sair um pouco do âmbito do meu umbigo. Naquele momento foi uma escolha importante. Para minha surpresa, me deparei com sentimento descomunal de incapacidade pedagógica – detalhe, dou aula desde os 17 anos. Era a primeira vez que estava sentindo algo como aquilo. Pergunta vai, pergunta vem, é arte? É educação? É dança? Sou pedagoga (não tenho formação como pedagoga), pensei, bom sou artista, artista do corpo, artista da comunicação, se me propûs a fazer diferente, então decidi – estarei preparada para o que for necessário. Este se tornou o meu foco principal, as vezes esmorecendo no meio do caminho e precisando ser relembrado (escrever este texto me ajuda a relembra-lo, por exemplo). E conclui – tem que ser bom, deverá ser agradável. Este foi o segundo foco. Tivemos os wokshops de capacitação, o dia da ação cultural – rede, comunicação, expansão do olhar. …Um passeio pelo Ceu, desta vez um pouco mais ousado, com mais movimento, dançado, envolvido, mexido, a luz do dia. Um passo para fora, vislumbre da comunidade, um passo para dentro, olhares curiosos das crianças em plena aula de educação física… (extraído do relatório da capacitação) Opa! Uma vela interna se ascendeu, e a constatação – o projeto é mais amplo que a sala de aula. É óbvio? Pois, para mim foi a grande percepção. Lembro que quando assinei contrato, ainda com o Expedito, fui orientada que iria para um equipamento onde as relações eram um pouco hostis em relação ao projeto. De fato, no início, sim.

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Comecei a frequentar o equipamento. Me percebi, muitas vezes, como uma aranha, tecendo teias, atenta as oportunidades, exercitando a presença – que a camada racional de minha mente repartiu da seguinte forma: Presença – estando no momento presente, lidando com as situações que se apresentam e pinçando as oportunidades de criação de elos. Presença – como representante do Programa vocacional – a percepção da ‘camisa vestida’. Qualquer deslocamento, qualquer palavra, qualquer gesto, qualquer ação feita pela AO no interior do equipamento e nas relações diversas, seja com o coordenador de cultura, seja com o guarda, ou com as crianças da Emei, é o Programa Vocacional, representado por esta AO que veste esta camisa neste momento. Terceiro foco – as teias de relacionamentos. Expandi de fato meu olhar para o interior do equipamento. Neste lugar, neste contexto, o olhar fugiu um pouco de dentro da sala de aula, e, pela primeira vez, pude vivenciar, me deslumbrar, decepcionar, e constantemente me reencantar com as artes da comunicação e dos relacionamentos. Em sala de aula, me deparei com um público flutuante, inconstante. Da lista dos inscritos, uma parte ínfima se dignou a ir conhecer e experimentar a aula. Mas tivemos alguns momentos brilhantes com tuma cheia, de idosas a adolescentes, que em seguida, como uma onda, se foram. Esta flutuação me colocou na situação de não fechar a turma. Ainda hoje está aberto a todos os que queiram entrar e conhecer. Alguns vem, ficam 15min, dizem que adoraram, mas vieram para pegar o filho e não podem permanecer. Destes, alguns retornam na aula seguinte. Alguns reclamam do horario, outros do tempo de aula, outros não compreendem. Me deparei com algo que não conhecia, uma certa dificuldade de elaboração, não por carência de conteúdo, mas pela situação em si. Ali, no nível micro – contexto sala de aula, sem saber quem encontraria, com que possibilidades físicas, com que capacidades, tornou-se realmente complicado elaborar um programa continuado de aula. Eu podia me entregar ao desespero, me sentindo a pessoa mais incompetente do mundo, ou lidar com a situação de modo criativo, optei pela segunda possibilidade. Então, me vi, diante do meu quarto foco de pesquisa, que se apresentava aos meus olhos sem que eu o tivesse buscado – elaborar um método de aula que tivesse início, meio e fim em si mesma, de modo que fosse novidade para quem está chegando, sim, mas também para quem já estava acompanhando os encontros. Expandindo um pouco além da sala de aula, tive a oportunidade de ter contato com alguns grupos de dança que frequentam o CEU. Colocá-los de encontro com o Programa Vocacional, no contexto deste equipamento, significa mexer em um padrão de pensamento enrigecido da própria coordenação de cultura. O equipamento é rico em presença de grupos, alguns um pouco mais maduros, outros totalmente iniciantes, mas existe um movimento forte de dança no CEU (vinde Ceu da Alegria, evento bimestral do Ceu Parque Veredas para confirmar). Existe um padrão de pensamento entre os grupos, fomentado pelo equipamento, muito voltado para a competição e para os eventos. Acredito que, mesmo que pouco, frente as nossas expectativas, conseguimos mobilizar estes grupos de um modo um pouco diferente, trazendo algumas reflexões, quanto ao fazer e o pensar. Para muitos, foi como jogar sementes em terra árida e infrutífera, para outros, talvez dali brotem algumas belas

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árvores, se regadas com cuidado. Quando está próximo de evento no Ceu, alguns aparecem em aula, vem falar comigo, mostrar o que estão fazendo. E o mesmo quando são convidados a participar das ações do vocacional. Mas um trabalho continuado, um vínculo verdadeiro, ainda não conquistamos. É quase como se não compreendessem praticamente o que é a presença do Programa dentro do equipamento. Mas, temos, como ponto positivo, mesmo que com laços extremamente frágeis, sem compromisso de presença, a aproximação destes grupos. Um trabalho que deverá prosseguir, com muita atenção e delicadeza, com o próximo AO, que por ali for ancorar seu barco. Quanto a não compreensão do programa dentro do equipamento e desdobrando dentro do Foco Presença, constato que ainda, esta não compreensão é geral e, agora, escrevendo sobre isto, questiono – há algo fora do lugar, como que o Programa Vocacional existe há anos e ainda há incompreensões quanto ao que é o Vocacional? De fato, é um projeto em constante reflexão e reelaboração, inclusive acho que esta é sua característica principal e se chegar a engessar em um modo-fórmula, ele perderá sua essência primordial, que é artística e esta elaboração, reelaboração, reflexão e constante busca de entendimento de si mesmo, é a própria arte e é o próprio artista. Nossa presença, de artistas, dentro do equipamento, propõe, com metologia e as vezes de modo não tão nítido, uma postura de reavaliação, de balanço, de questionamentos, de recriação, de resignificação, e também de criação. Propõe o movimento de padrões estagnados, por isso as vezes há choque entre a coordenação e o AO. Porque este lugar de balanço, apesar de não nos ser confortável, nos é, em alguma medida (do tanto que possa ser) conhecido, encontramos identificação com ele, transitamos por este lugar, por isso somos artistas, estamos com os pés calejados de andar nesta terra. Ocupamos um lugar distinto da Ong que vai fazer atividade de teatro ou de música, e também não é o mesmo espaço das aulas de ginástica, nem tampouco das atividades de artesanato ou mesmo do projeto Guri. E encontrar o espaço do vocacional dentro do equipamento é um desafio, acho que é um foco de pesquisa coletivo do Programa. Aproveito este link para desdobrar o foco teias de relacionamentos e comentar – fui a eventos do ceu, dancei, falei sobre o projeto para as platéias lotadas, organizei ações culturais, mostras, jam de dança, com os grupos, dentro do equipamento, apresentamos processo de turma, fui a reuniões abertas a comunidade, visitei Emef, Emei, joguei capoeira com o pessoal do esporte, pulei na cama elástica com as crianças, conversei com as mães que aparecem pelo equipamento, dancei junto com o grupo de dança da terceira idade de danças Circulares, visitei artesanato, tomei trocentos cafezinhos, ouvi piada, contei piada, levei minha palhaça – Srta Mironguela - para passear pelo equipamento e brinquei e contei histórias para as crianças, sempre pronta a participar dos eventos que a gestão me convidava. Fiz a abertura do recreio nas férias. Tomei chá com os técnicos. Troquei participação em ação conjunta com a Ong que ministra aulas de música. E mais tantas outras coisas que tinham como intuito principal Presentificar o programa Vocacional dentro do equipamento, e na semana passada, ouço de uma mãe (que estava passando pela porta, convidei a entrar, fazer a aula, foi e gostou), ouço que o Programa não foi divulgado, porque ela não sabia. Perguntei se costumava frequentar o ceu, disse que muito pouco, agora mais porque o filho foi para a escola.

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Bom, o trabalho continua. Havia demanda no interior do equipamento, talvez um foco interessante para o próximo ano seja expandir para um pouco além das paredes do equipamento. Não muito além, porque a AO deste ano ainda não conseguiu realizar tudo o que pode ser realizado com o que está no interior do equipamento. Se em algum lugar há uma ponta de frustação, por saber e conhecer todo o conteúdo que tenho para trocar e não ter encontrado uma terra tão fértil para lançar as sementes, por outro lado uma tranquilidade em perceber que o que esta terra estava precisando e conforme foi se abrindo para receber, eu fui dando. Talvez realmente, neste momento, esta terra estivesse precisando mais de água para se nutrir, do que sementes para brotar. Mas, também em terra árida nascem plantas belíssimas, resistentes ao calor intenso e, se o movimento de dança que existe neste equipamento é tão intenso nas ocasiões dos eventos, significa que a fertilidade está toda ali, só é preciso aprender a plantar a semente e dar os nutrientes corretos, de acordo com esta terra, de modo a fazê-la brotar e florescer. Aponto então meu quinto foco – como agir e propôr de acordo com as necessidades deste lugar e destas pessoas? Como meu foco e o trabalho no equipamento se relaciona com o eixo norteador? Estamos falando de presença, conhecimento da própria estrutura corporal, do próprio eixo. Estamos falando de jogo do peso do corpo com o peso da gravidade, estamos falando de relações de movimentos entre corpos e no espaço, estamos falando de autonomia a partir do conhecimento de si. Estamos falando de emancipação. Adquirir ferramentas para dar voz ao corpo e permitir a voz do corpo, para questionar, reavaliar as formas existentes, abrindo-se para a criação e vivência de uma nova forma, plena do conteúdo, neste caso, da presença, da arte. A relação com o material norteador se dá, tanto a nível de trabalho em aula com os vocacionados, como a nível do que move a própria artista orientadora, servindo de base, de norte – norteador, para as ações, aulas, atividades e contato com a coordenação. Como formiguinhas, seguimos caminhando. ---------------------------------------------

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RENATA CASEMIRO ZANINI FERRITE MONOGRAFIA POCKET POETICA DANÇA VOCACIONAL 2010. INTRODUÇÃO: “O campo escuro e com neve parecia estar cheio de fantasmas. De fato, havia fantasmas lá” EIKÔ HOSOE Não tenho como falar deste ano sem antes, dar uma previa revisitada nos anos anteriores em que estive no projeto e hoje programa vocacional. No ano de 2007 fui contratada pela Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo para ser integrante da equipe de dança do PROJETO VOCACIONAL como artista orientadora, era um projeto piloto para a ampliação de linguagens artísticas, o projeto já existia com a linguagem de teatro. Muitas reuniões, muitos debates, muitos textos, discussões, mapeamentos, procedimentos, ações, curiosidades, o que era e o que não era o projeto vocacional, diálogos com coordenadores (e muitas vezes entre nós estavam Expedito Araujo e Iraciti Cardoso, privilegio de fazermos parte do projeto piloto) com outros artistas orientadores de teatro de dança, com outros artistas, com gestores, funcionários do equipamento, com a comunidade, com os vocacionados (Ah! Este nome qual o significado o poder e coerência de seu uso?! Sim deste micro um nome, podemos estender e entender um pouco as complexidades e singularidades que permeiam este projeto, pensamos, discutimos, refletimos e até hoje achamos vários sentidos e significados para este termo “vocacionado” que com certeza significa outra coisa que aluno, mas é que nessas pesquisas de sentido e resignificações de um nome não existente anteriormente, criado juntamente com o projeto já nos da uma pista sobre o que é este projeto/ programa: MUDANÇA/PESQUISA DE SENTIDOS/RESIGNIFICAÇÕES/CRIAÇÃO/POETICA/ARTE/POLITICA/CORAGEM PARA ABARCAR O DESCONHECIDO E O SABER E O NÃO SABER....). Em 2007 trabalhei na Casa de Cultura Raul Seixas, zona leste. Neste ano tivemos três meses de projeto, com foco em mapeamento cultural, detecção de grupos de dança, formação de turmas e diálogos com gestores. Em 2007 tive apenas turmas duas e foquei na escuta do que os vocacionados queriam como comunicação e técnica da linguagem dança, princípios da dança, consciência corporal, formas, espaço, tempo, comunicação cênica e seus elementos. As turmas eram de pessoas não artistas, de pessoas aposentadas, de estudantes universitários e de profissionais formadas na área da contabilidade. A gestora dava grande apoio ao projeto. “Não se trata de destacar, elevar, separar em alto e baixo, superior e inferior. Mas de relacionar forças, potencializá-las, ampliar suas ressonâncias, realçando ao mesmo tempo o individuo e o coletivo, o humano e o não humano, não para colocá-los acima da vida, mas dentro dela, de tal modo que ao admirar um gesto humano seja possível tornar admirável também os gestos que o cercam no presente e aqueles que o sucederam no passado.” “A primeira vista nem sempre é a primeira a ver”

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“O corpo não cessa de ser redescoberto, ao mesmo tempo em que nunca é totalmente revelado” DENISE BERNUZZI DE SANT”ANNA Em 2008 fui para o Teatro Arthur Azevedo, também na zona leste e agora leste I, pois o projeto foi ampliado. Turmas novamente, bem distintas uma de adolescentes que queriam muita técnica, gostavam de apresentar no teatro, no vocacional apresenta, na rua, no saguão... E outra turma de senhoras bem ativas da terceira idade, que tinham outra necessidade de pesquisa, do resgate sensorial, das memórias de infância, dos jogos e da relação com a mudança da cidade e do comportamento e educação e valores das pessoas das épocas em que eram crianças, adolescentes e hoje adultas. A maioria era aposentada do banco, mas também tinha professoras e uma estava aposentada pelo banco e dava aulas no estado. Muitas discussões... A pratica era completamente diferente, pois as vontades e questões eram diferentes, mas com a criação, havia um ponto que se fazia relação, que era lidar com o imprevisível, com os desvios e acionarmos o Plano B, da tomada de decisão. As duas turmas formavam então o espetáculo DESVIO PLANO B? Onde também as duas turmas interagiam e usavam o standing, qualquer um poderia substituir o outro em cena. Quando não dava para ir todos para a apresentação e o local era diferente como eles se reorganizavam? Quais experiências eu deveria propor para que fortalecesse essas trocas e tomadas de decisões? Um ponto importante também era a comunicação, o que eles estavam comunicando e o que isso reverberava no entendimento e sensações da platéia? Ainda o que a dança havia mudado em cada um? Então dialogávamos com a platéia, mas também fazíamos ações interativas de escrita com esta. E literalmente dávamos o sangue na dança, pois havia muitas farpas na madeira do palco e saiamos de lá com a roupa e às vezes o corpo com farpas. E a relação com o coordenador do espaço também posso dizer tinha suas farpas. “Perceber o ser humano como uma interrogação: tal atitude fecunda um interesse fortíssimo pelo outro” “Quando se quer ter companheiros é preciso aprender a transformar inimigos e obstáculos em mestres” “ O que pode uma lata de palmito, uma calça Levis ou um Big Mac?” DENISE BERNUZZI DE SANT”ANNA Em 2009 vou para a Biblioteca Paulo Setubal, também zona leste I, um espaço cercado por livros, revistas e em reforma! Os vocacionados também faziam teatro, tinham outro amadurecimento. Estávamos em dois dias diferentes, sábado a tarde após o teatro e quinta-feira a tarde. Dialoguei com a dança/consciência corporal e comunicação, na turma de sábado após um procedimento de desenhos dos corpos, cada parte, órgão no chão começamos a fazer performances de invasões no corpo do outro e a brincar com o imaginário real através de cartas desses corpos e trocas aleatórias da representação das cartas. Um tema muito forte que surgiu deste procedimento foi a paixão, outro, queda e depois surgiu cegueira, então todo o processo foi em cima deste tema que era muito recorrente a paixão e suas relações. Então a dança se voltava para o sensorial, para as quedas, oposições, tensões... Já na turma de quinta-feira trabalhávamos com a dança e a poesia, forma e poesia, a pesquisa era das formas do corpo, do corpo poético, das

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variadas estruturas de poemas e das infinitas possibilidaes de estruturas na dança e dos espaços internos e externos, pois a cada dia estávamos em um lugar diferente por conta da reforma, diante disso resolvemos usar a força do clown, em assumir o problema, dizendo SIM! Sempre, Sempre! Temos um problema que bom! Isso gerou uma força de visão e adaptação a favor da dança, da cena, da coragem e do inesperado. Então fui fazer um curso no Dança em Foco e voltei mostrando algumas novidades e falando a respeito de vídeo dança, ora, um vocacionado Giuliano Nonato falou: “Vamos fazer vídeo dança” e todos adoraram a idéia, da pesquisa de forma-dança-poema foi um salto bem apropriado. Pesquisas e mais pesquisas, numa biblioteca muito fácil! Livros de Propaganda e Marketing, Livros de Arte, Propaganda Subliminar e Multimídia, Revistas de Comunicação, Imagens Textos de Vídeo Dança Vídeos de Vídeo Dança, Filmes (Cabinete Dr. Caligari, Nós que aqui estamos por vós esperamos, Um pouco mais um pouco menos, Janela da Alma...) Depois disso prática, com dois temas focos no inicio FORMAS E PERCURSSOS, e depois desdobramentos individuais. Neste ano tive o maior prazer na descoberta, em criar algo totalmente novo junto com os vocacionados, a cada dia nós estávamos em algum lugar diferente e isso só nos ajudou, dissemos sempre sim e esta postura foi fundamental para nossa criação. E tivemos tempo/espaço para as fundamentações e criações de vídeo dança e também para analisar o que muda, a seleção do olhar, o tempo do corpo, o espaço, a idéia, edição, a trilha sonora, tudo é bem diferente do que uma apresentação ao vivo, mas ao mesmo tempo é dança e que dança é essa? Mudou muito a minha vida artística toda essa experiência. E foi um enorme prazer estar em meio ao caos da reforma. A ótima relação com a coordenadora e demais funcionários também contribui para nossa arte, sempre solícitos e, além disso, guardavam material para que pudéssemos usar na produção de vídeo dança, além de ser nossa primeira platéia. “Compreendemos que todos os processos de criação representam, na origem, tentativas de estruturação, de experimentação e controle, processos produtivos onde o homem se descobre, onde ele próprio se articula à medida que passa a se identificar com a matéria. São tranferencias simbólicas do homem à materialidade das coisas e que novamente são transferidas para si. Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a dominado-a também o homem vem a se ordenar interiormente e a dominar-se. Vem a conhecer-se um pouco melhor e a ampliar sua consciência nesse processo dinâmico em que recria suas potencialidades essenciais.” FAYGA OSTROWER Em 2010 vou para o Teatro Zanoni Ferrite, novamente zona leste I, que está dentro da Biblioteca Paulo Setubal, ainda passando por reformas ficamos nas dependências da biblioteca até o meio do ano, mas a grande mudança mesmo veio da grade de horários passei para um horário domingo de manhã e um para quarta –feira fim de tarde/começo de noite.... Tudo mudou... Pude perceber as diferenças de flutuações (mudanças) de espaço são diferentes das flutuações de vocacionados/publico... E ai tudo muda, um novo jeito de reorganizar, de descobertas, de pesquisa e de batalhas. Com a flutuação de pessoas na turma de domingo, a reinicialização era constante, me obrigava a dar um enfoque novo a cada tema de inicialização, pois dois vocacionados não faltavam nunca e um era um vocacionado do ano anterior e a outra é uma atriz profissional, mas todo o mais mudava, para não ficar cansativo para eles e entediante também mudava sempre o

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enfoque, mas acontece que até eu mesma comecei a me entediar, apesar de ser bacana e de ter oportunidade de coisas novas surgirem criativamente, pois sentia que tínhamos que fazer algo, ir para cena, deslanchar. Então propus algo novo para os dois vocacionados “fieis”, algo que eu mesma não tinha experimentado como metodologia, para assim valorizar essas duas pessoas artisticamente e combinamos que tudo seguiria de acordo com o aval deles. A proposta? Bem simples, nada de novo Performance e Happening.... Mas com uma metodologia até não usada por mim e que foi uma super descoberta para criação, analise, interação, pesquisa e emancipação. Levamos essa idéia para a turma de terça-feira (conseguimos alteração de horário da turma de domingo para a terça-feira a tarde). Continuamos com esta pesquisa de performance e também de parcerias. Na turma de quarta-feira a noite também tivemos flutuações, mas em menor grau e a pesquisa foi para um lado mais convencional em relação a turma de terça, com técnica Bartenieff, Klauss Vianna e Danças Circulares, criação e improvisação em dança, além do uso de protocolos e criações em duos e pesquisa da comunicação em dança e ironia. Também é importante para essa turma a parceria. E a relação com a coordenação tem sido ótima, de parceria, podemos usar o espaço, outros espaços fora do nosso horário e temos também incentivo para cenário, já que eles nos doam material promocional (banner) usados em divulgação. Ainda mantemos parceria com a Biblioteca, pois quando vamso apresentar ou “invadir” algum local com a performance, podemos deixar nossas coisas nos armários da Biblioteca. E sempre temos conversas de corredores e os funcionários perguntam sobre nosso trabalho e o que faremos no dia. 2010: DANÇA VOCACIONAL TEATRO ZANONI FERRITE: PRINCIPIOS ARTÍSTICOS PEDAGÓGICOS, PROCEDIMENTOS E CONSTELAÇÕES. “O que fazem ou significam as obras de artes em relação a nós?” “O que induz um artista a compor seu trabalho, o que faz parte deste, o que o artista quer dizer (se quer dizer algo) com ele?” “É o problema que orienta a abordagem.” Suzane K. Langer “Dançar deveria dar a você a possibilidade de lidar conscientemente com a séria realidade da vida em si mesma” Kazuo Ono “Conquistadores podem ter privado suas vitimas da sua linguagem, arte, religião, reis, arquitetura; mas a dança sempre fértil, escapou do controle dos conquistadores.” T. Hijikata PRINCIPIOS ARTISTICOS PEDAGÓGICOS DA ARTISTA ORIENTADORA OU DE MAIS UMA ARTISTA ATUANDO COM PEDAGOGIA NO MUNDO “Quando uma técnica artística não tem um sentido utilitário, se não me amadurece nem me faz crescer, se não me livra de todos os falsos conceitos que me são jogados desde a

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infância, se não me facilita meu caminho em direção ao autoconhecimento, então não faço arte, mas apenas um arremedo de arte. Não sou um bailarino, mas um mímico, o pior gênero de mímico. KALUSS VIANNA “Pegue um animal da floresta e coloque entre quatro paredes: em três meses estará gordo, flácido, perdendo pêlos e doente. O mesmo acontece conosco se perdemos nossos sentidos amortecidos, ignorando o mundo que nos cerca.” KLAUSS VIANNA Sou artista, uma dançarina contemporânea e de improvisação, contato-improvisação, com abertura para dialogar com outras linguagens artísticas e com as pessoas. Meu foco em dança sempre foi o da comunicação, o que quero dizer, comunicar? Por isso sempre fui dependente do outro (outro espaço, outro coisa, outro pessoa), das reverberações, das relações. O que me chama mais a atenção? Técnicas e artes que favorecem o conhecimento corporal, que unificam mente-corpo-espirito, que organizam, que dão possibilidades de pesquisa sensorial, criação, reflexão e comunicação: Seiti-ho, Contato-Improvisação, Dança-Teatro, Técnica klauss Vianna, Aikido, Tai Chi, Dança Contemporânea., Bartenieff, Suzuki e Clown e Vídeo Dança. E também técnicas ou artes que possam compor com o que eu quero comunicar ou que me fazem refletir: artes visuais, jogos, cenário, figurino, musica, arquitetura, história, filosofia, antropologia. E tanto a arte me alimenta pedagogicamente, quanto a pedagogia que tenho a possibilidade de exercer, me traz surpresas que me alimentam artisticamente e politicamente. Chamo a pedagogia que acesso, que proporciono e dialogo, de Pedagogia do Estranhamento, ou do Choque quando quero ser mais enfática. Basicamente é tirar a acomodação da visão e do sentir, proporcionando algo que incomode ou que seja estranho, para a percepção. O termo estranhamento é um termo desdobrado da pedagogia do “choque”, onde a idéia era ser tão estranho que causasse um choque, para que após isso a atenção voltasse redobrada para a analise, sensação ou ação, mas essa pedagogia se fazia mais necessária quando dava aulas no Ensino Superior, onde o adormecimento por incrível que pareça julgo ser maior. E a pedagogia do estranhamento é mais dentro da medida. A capacidade de acomodação é muito grande do ser humano, então se vemos um filme, ou um espetáculo de dança, que tudo é muito igual, sem grandes surpresas, tudo meio previsível, nos acomodamos e penso que nosso senso crítico também, então se no meio disso tudo aparece algo completamente diferente, estranho, que quebre o esperado voltamos a apreciar com atenção novamente. Então a surpresa é um fator relevante na minha pedagogia e na minha arte também. Essa busca pelo desconhecido, inesperado e imprevisível é que me move enquanto artista e criadora e enquanto educadora é a relação com o desconhecido, a descoberta da outro, da poética do outro e como há o dialogo do respeito das diversas manifestações e oportunidades. Tenho uma teoria (um achismo próprio) que se cada um não tiver uma surpresa por dia este dia não foi vivido e se você é um educador você deve ter no mínimo três surpresas senão tem que rever sua pedagogia. Penso que um bom termômetro da boa pedagogia é a surpresa que vem do outro, que vem da através do pedagogo apenas motivar o processo e estar a tento a escuta. Sinceramente eu não vejo muito separação entre ser artista e enquanto artista pedagoga, acho que não deveria ter essa separação em qualquer pedagogia ou educação, penso que até as disciplinas mais exatas como matemática e física podem ser artísticas, depende da pedagogia aplicada. De um modo geral a cada encontro ou então aula, já que me refiro as minhas experiências pedagógicas, trabalho com técnicas que favorecem a percepção, consciência de relação e reorganização corporal, depois abro espaço para criação e

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subversão desta criação, apresentações e apreciação das apresentações. Trabalho também com missões (trabalhos em aulas ou trabalho de casa) que são propostas de pesquisa e desenvolvimento ou solução/criação de algo e com isso a ESCUTA. Essa escuta direciona o próximo momento. Ainda acredito piamente que as ferramentas já estão com as pessoas, eu não dou ferramenta para ninguém o que no Maximo faço é poder propiciar um ambiente em que a pessoa possa usar e descobrir novos usos, novas utilidades e composições, ou seja cada um já tem o material, o potencial para dançar, só precisa descobrir, confiar, talvez eu só favoreça essa experimentação, essa possibilidade de experiência para conscientização, mas já esta lá, me interessa o que é diferente o movimento diferente, me interessa a criação e não a reprodução. E por que me interessa? Ora porque adoro me surprender! “Uma barreira artificial é estabelecida quando as técnicas estão separadas da experiência direta. Ninguém separa o arremesso de uma bola do jogo em si.” “Em qualquer forma de arte procuramos a experiência de ir além do conhecido. Muitos de nós ouvimos os movimentos do novo que está para nascer, mas é o artista que deve executar o parto da nova realidade que nós (platéia) impacientemente esperamos. É a visão desta realidade que nos inspira e regenera. O papel do artista é dar visão.” VIOLA SPOLIN PRINCIPIOS ARTISTICOS PEDAGOGICOS E PROCEDIMENTOS DO PROGRAMA VOCACIONAL COM OS DA ARTISTA ORIENTADORA EM 2010: CONSTELAÇÕES – SUSTENTABILIDADE - EMANCIPAÇÃO “Não se deve esquecer uma coisa. Na entrada deste século estamos sem um líder político no mundo. Arte também precisa da política, precisa observar a vida e a evolução do homem. Senão, o que faz? Destinar-se ao comércio? Repetir formas? O que significa isso? Nada.” “Eu estou vendo a juventude muito sensibilizada. Minha exposição sempre está cheia. Isso é muito positivo. Precisamos dar mais consciência. Porque você vê, aqui no Brasil, inundações cada vez piores. Ninguém pergunta por que isso está acontecendo no Brasil. Ignorando, vamos continuar destruindo. Um país tão grande, tão rico... e uma miséria que dá para chorar. Não é justo.” Você vê milhares de pássaros fugindo de queimadas, riquezas enormes queimadas. Como somos tão passivos? Frans Krajcberg Acredito que sustentabilidade é algo que vem antes, são procedimentos, organizações e reflexões (antes durante depois) que devem ocorrer para que algo seja auto-sustentável, acredito em estratégias, políticas, estratégias operacionais e pós estratégias como dados, analise de dados e reflexão, abertura para transformações. Dentro do Programa Vocacional, penso que sustentabilidade é algo que venha antes, e esse antes é o sentimento, a paixão pela arte, a inquietude, a vontade de comuniccar algo de outra

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forma. Então como fomentar essa paixão? Como manter a chama acessa? Como ter a chama acessa e a coragem para fazer? Como ter a coragem para fazer e expor para além de quatro paredes? Como ter a coragem para dialogar com a linguagem/o artista e o publico? Como ter sucesso em comunicação com a pesquisa? Acho importantíssimo que nos meios de produção além de podermos exercitar a técnica, podermos escolher a melhor técnica adequada para aquela produção, que seja dada atenção ao que o outro quer comunicar e como fazer onde fazer e para quem fazer, o que nos direciona nos meios de produção? Ainda como produzir meios de produção diferentes do já estabelecidos? E quais seriam os procedimentos envolvidos para que a sustentabilidade aconteça sem mim, sem você? E claro que também é importante o olhar, porque se eu olhar tudo igual ou que tudo está muito bom, me acomodo e acho que está tudo maravilhoso, então acho que temos que trabalhar também com perguntas. Será? Por que? Como? Existe outro modo de se fazer de pensar? O quanto penso e reproduzo conceitos já previamente existentes sem questionar? Será que existe apenas uma solução para vários problemas e será que esta é a melhor solução? E será que tudo não é relativo? Penso que devemos fomentar a validação, criação e respeito pelo diferente, porque senão estaremos condenados aos limites das já esperadas soluções, afundando em círculos e temo não ser em espiral... Com o corpo e dança podemos propro exercícios de criação e alteiridade, a troca de papeis dentro da dança e também entre expectador e artista é fundamental. Penso também que através do modo de produção em encontros podemos explorar tanto as tecnicas quanto a criação e apreciação também, mas sempre com pesquisas de outras culturas, de outras comunicações, de outras formas se ser, o dialogo é fundamental, a discussão, a informação de outras culturas, do que esta acontecendo com você ao seu redor, isso alimenta a sua pesquisa, a sua dança, a sua vida, as suas relações, favorece você não ser mesma pessoa que era a cinco minutos atrás. Penso que a AÇÃO CULTURAL é de suma importância neste projeto (que não é um projeto somente de técnicas), pois através de questionamentos, podemos pesquisar e mesmo não tendo nenhuma pesquisa inicial podemos então ter algo, algo que nos interesse e provoque, algo que temos por que dançar e comunicar, algo que nos mantenha em interesse, em criar, em buscar soluções e não comprar pronto, ou engolir pronto. Então inseparavelmente vem a pesquisa, a pesquisa, a seleção de material, a seleção de propostas e junto sempre com a escuta, nem tudo sei, por isso tenho que estar atenta para proporcionar experiências e trocas, onde podemos aprender, construir, compreender, analisar, questionar ir a favor e ir contra, em fazer, isso faz parte e dialoga com todo o mais, EU PESQUISADORA tenho como parte da pesquisa a PESQUISA DO OUTRO. No processo em si já esta a forma e o conteúdo, pois é através da construção e pesquisa que isso é validado e também percebido. PROCEDIMENTOS “Quando a platéia está inquieta, desinteressada, os jogadores são responsáveis por isso.” “A essência da improvisação é transformação.” “Os atores no teatro improvisacional, como dançarinos, músicos ou atletas, necessitam de treinamento constante para se manterem alerta e ageis e para encontrarem material novo.” VIOLA SPOLIN

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TURMA TERÇA-FEIRA: Metodologia: Performance e Happening. Cada pessoa do grupo pode e deve pelo menos uma vez, ser o PROPONENTE, CRIADOR DIRETOR, COREOGRAFO E FIGURINISTA. Podendo também pedir auxilio a quem ele achar necessário, ou seja pode pedir conselhos e formar assistentes. O restante do grupo será CRIADOR-INTERPRETE-PERFORMER e terá com missão fazer da melhor maneira possivel a missão dada pelo PROPONENTE, mesmo que não seja do seu agrado e mesmo que ache ruim, terá que dizer sim e fazer da melhor forma possível. Preparação Corporal: Jogos, coreografias ou improvisações que gerem qualidades de movimentação e SUZUKI. Basicamente temos no máximo dois encontros para cada proposta e sempre usamos o palco ou sala interna do teatro e depois o proponente escolhe um local não convencional para fazermos nossa apresentação. O proponente escolha e monta a estrutura da performance e decide se terá ou não interação com o público. Toda performance é filmada, depois assistida e analisada, respondemos questionários individuais com as perguntas: Qual estrutura compõe o experimento? Você enxerga alguma? Há dança ou interligação com a dança na experimentação? Há inicio, meio e fim? Como você enxerga essa linha? Tem dramaturgia ou suporte para o experimento? Quais alterações você faria se fosse o diretor/criador? Olhando os corpos e a disposição no espaço o que você modificaria? Você escolheria outro espaço ou outro figurino? Onde e por que? O que funcionou? O que não funcionou? Esse experimento se encaixa melhor em espaço convencional (palco) ou não convencional? Depois trocamos as infromações de respostas e decidimos se vamos repitir ou não, se outra pessoa irá dirigir ou não e em qual espaço iremos realizá-la. Nesta metodologia todos são iguais, então todo mundo pode ser o proponente e performer, inclusive eu, neste momento não sou a artista orientadora, ou sou performer ou proponente, mas está sempre aberto para último caso eu ser consultada ou propor um Será? Como? A idéia da performance surgiu da inquietação de sempre estarmos em reinicialização, pela flutuação constante de pessoas, veio para pratircarmos em pratica e nos mover a apresentação e diálogos. Uma das vantagens é da coragem e concentração que temos desenvolvido em nos expor, nosso produto corresponde ao processo e tomadas de decisões, avaliações do espaço, do outro, da técnica e do que mais seja envolvido na dança cênica, dessas possibilidades. Também vem validar a idéia a criação, o ponto de vista, o insuspeito que permeia cada um e como colocar em prática, ás vezes um insucesso não vem da idéia, mas da operalização, ou de outra ordem e não precisamos desistir da idéia, mas mudar a forma, ou então sim precisamos de outra idéia? E no atual momento estamos em maior numero de pessoas, e nossa pesquisa anda com performance, mas também com temas norteadores: O diferente. O defeituoso. Política e relações. O que tem por trás das coisas? O olhar que olha o diferente.

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Para talvez tornar mais claro a fundamentação prática coloco abaixo o histórico da performance, que nós todos nos responsabilizamos por pesquisar algo que contextualizasse performance e happening. HISTÓRICO DA PERFORMANCE A performance pode ser entendida como uma atuação artística em que se usa o corpo como força motriz e é ao mesmo tempo seu sujeito. A performance no campo das artes plásticas toma corpo e se define como tal na década de 1970, mas futuristas, dadaístas e surrealistas no início do século XX faziam performances. Importava sim diminuir a distância entre a vida e a arte, e não é raro o uso de técnicas do teatro, de mímica, dança, música e outras tantas. Talvez as ações dos dadaístas e futuristas tenham aberto uma porta que ainda estava encostada. Muito embora procurassem chamar a atenção para o que acontecia ‘em cena’, fato é que questões foram formuladas. John Cage em 1952, se propôs a fundir cinco artes em Untlied Event: o teatro, a poesia, pintura, dança e música. Foi a década de grandes aberturas. Pollock propunha a Action painting e em Berlim Oriental, Bertold Brecht fundara o Berliner Ensemble.A ordem era reexaminar os objetivos de todas as artes num momento de pós-guerra. Pollock, embora um pintor, transformou o ato de pintar no tema e o artista num ator. Esse movimento, dentro de uma única técnica, a pintura, amplia a noção de performance e vai ao mesmo tempo alinhavando-a. O Grupo Gutai de Osaka surgiu a partir de 1955. Atsuko Tanaka apresenta ações corporais vestido de fios conectados à lâmpadas fluorescentes, Murakami atravessa várias folhas de papel e Kasuo Shiraga (ilustração 6), talvez um dos mais interessantes, fazia pantomimas com barro, numa tentativa de a ele retornar e nele se configurar. O nome dado a estas ações foi live art e principalmente envolvia a participação do público. Mas live também estava relacionada à noção de vida, do dia-a-dia, do cotidiano. Mas, Kaprow afirmou que este aspecto da vida é que estava faltando ao environment de alguns artistas: Em determinado momento começaram os meus problemas com o espaço das galerias. Pensei quanto seria melhor poder sair delas e flutuar e que o environment continuasse durante o resto dos meus dias. Tentei destruir a noção de espaço limitado com mais sons do que nunca, tocados continuamente. Mas isto não foi uma solução, apenas aumentou o desacordo entre minha obra e o espaço. Ao mesmo tempo percebi que cada visitante do environment fazia parte dele. Eu, na verdade, não tinha pensado nisso antes. Dei-lhes oportunidade, então, tais como: mover coisas, apertar botões. Progressivamente, durante 1957 e 1958, isso me sugeriu a necessidade de dar mais responsabilidade ao espectador e continuei a oferecer-lhes cada vez mais, até chegar ao happening. . Extraído do Artigo PERFORMANCE: CAMINHOS PERCORRIDOS de Cristina Pape Polêm!ca ISSN 1676-0727 volume 8 (4) outuro/dezembro 2009 – Hibridos Revista Eletrônica TURMA DE QUARTA-FEIRA Inicialmente nessa turma, trabalhei com os princípios da dança e processo lúdico: Presença, articulações, peso, apoios, resistência, oposições, espaço, exploração do movimento, jogos e composição coreográfica. Também através dos jogos trabalhamos a imaginação e alteração de coreografias e composições. Depois trabalhamos com

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danças circulares sagradas também. Desde o inicio foi usamos o protocolo como desdobramento, apesar de agora ele ter se transformado em pesquisas de lições de casa , ou seja de missões para composição de duos ou solos. A apreciação sempre foi uma constante, posias apreciamos o que fazemos e também o que assistimos. Atualmente estamos trabalhando com Bartenieff e Improvisação. Esta turma decidiu em ultima conversa trabalhar com o irônico e com a improvisação, e para a improvisação o aquecimento escolhido foi da técnica de dança para preparar melhor o corpo e para improvisação e do ironico jogos de Clown. Também temos como missões escolher alguma dança assistida no youtube que nos chame mais a atenção e justificar porque, este é um procedimento que deve ocorrer entre os encontros para levar a pesquisa para o encontro e trocarmos conhecimento e informação. Estamos trabalhando também com o olhar e onde, onde é melhor eu apresentar? Como direcionar o olhar do outro? E como olhar diferente? E como respeitar o diferente? Mas não nos acomodarmos? APRECIAÇÃO NAS DUAS TURMAS “A avaliação quando se limita a um preconceito pessoal não leva a parte alguma.” VIOLA SPOLIN Temos nos assistidos e assistidos a outros espetáculos de dança e teatro no Vocacional Apresenta e também num encontro comum, quando alguma Cia de dança vai apresentar a nosso convite, também vamos a outros eventos de arte como o Dança em Foco e a Bienal de Artes, este nem sempre todos juntos e nem todos, mas trazemos a tona as percepções de quem foi. Também assistimos o filme Não Matarás, o homem e os animais nos bastidores da ciência, para a percepção do que está por trás das coisas. E apreciamos sempre, ás vezes com propostas, ás vezes com perguntas, ás vezes espontaneamente, ás vezes com o bambu da fala ( onde somente quem está com o bambu pode falar). ------------------------------------------------- IVO ALCÂNTARA Céu Quinta do Sol TEMPO Quando pequeno, sonhava com um mundo cheio de planetas coloridos, onde os traços e linhas se misturavam a lugares jamais explorados... Sonhava em ser astronauta... E estes sonhos me motivaram a me aproximar dos lápis, canetas, gizes e papel e ser capaz de reproduzir através das imagens todos aqueles lugares onde quis estar. O tempo passou... E eu sabia que não seria possível me tornar um astronauta de verdade (não pelos meios convencionais), mas tinha a certeza de que a qualquer momento, poderia recorrer à minha imaginação. A outra certeza era a de que tinha a necessidade de me expressar... e que aos poucos fui despertando o meu lado “artista” .

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Veio um tempo de inquietação, procurava algo que despertasse mais do que o meu lado artístico e me completasse de verdade... Lembro-me como se fosse ontem do dia em que fui tocado pela “dança”... Foi em 1993, no bairro do Jardim Brasil (periferia Zona Norte de São Paulo), em frente da casa na qual acabara de me mudar, não sabia que era organizada uma “quermesse” de rua, onde ao som dos toca-discos de um Dj, pessoas se movimentavam de uma maneira contagiante. Foi paixão à primeira vista. Naquele momento tive a certeza de que aquilo fazia parte de mim (pois voltei a visualizar traços e linhas coloridas como nos sonhos de criança), só não sabia como me apropriar daquilo, mas me aproximei daquelas pessoas e me vi participando destas manifestações. Alguns anos se passaram e percebi que continuava com inquietações... Não aquelas de infância, mas eu precisava de respostas. Envolvido por essa atmosfera urbana, me deparei com várias influências e precisava descobrir o ponto em comum entre as diferentes maneiras de dançar o que eu conhecia (até então) como “Dança de Rua”. Comecei uma longa caminhada de pesquisa e aperfeiçoamento, aprofundando-me neste universo, e assim, traçando um novo tempo, onde a dança já não estava só no corpo. Sentindo a necessidade de dividir minhas descobertas com outros jovens, ocupei o salão paroquial em um bairro vizinho, e neste trabalho com a comunidade, percebi que precisava encontrar maneiras diferentes de fazer os alunos entenderem alguns conceitos, então através de artifícios que desenvolvi, tornava-os mais próximos da dança e ampliava a compreensão de alguns fundamentos e princípios básicos. Isso me deu um novo gás, e segui minha pesquisa agora, não só como artista, mas também como orientador e educador. Sensações... descobertas... vivências... Dancei em diversos grupos, conheci várias técnicas, desenvolvi o meu próprio coletivo de dança e estudo, com isso viajei para outros lugares e isso me fortaleceu. Trabalhei como professor em academias e escolas, mas percebi que aquelas aulas se tornavam superficiais, e eu buscava um envolvimento maior. Só em 2007, me inscrevi para o Projeto Vocacional, pois ao ler o edital me identifiquei com a proposta. Desde que a dança entrou na minha vida, se tornou parte de mim, pois dançando, não me sinto apenas um executor, e sim, me sinto fazendo uma troca com as outras pessoas, e um sentimento de alegria toma conta. Acredito que a dança traga esta boa sensação para as outras pessoas também, e isto é o mais importante, por isso penso que ela deve ser espalhada e dividida com qualquer pessoa, basta ela apresentar interesse, independente de idade ou conhecimento artístico. Tendo a oportunidade de participar do projeto, consegui aplicar aqueles meus métodos com os vocacionados, seja qual fosse a experiência de cada um, com ajuda deles e dos meus colegas de equipe consegui aperfeiçoar esses processos e ter novas idéias. Conheci artistas que contribuíram com a minha bagagem, trazendo as suas inquietações, experiências, técnicas e maneiras de dialogar com as diferentes vertentes artísticas. A cada vez me sentia instigado em aprender, descobrir... dividir. Durante estes anos de projeto vários temas foram discutidos e trabalhados como eixos-norteadores, várias realidades. Como trabalhar neste projeto, tendo uma formação não acadêmica? O cotidiano está muito relacionado e presente no contexto das danças urbanas e percebi que este seria o fio condutor de minha pesquisa, associando a realidade daquelas

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pessoas com os processos criativos para transformar em dança, somados a todo o meu acúmulo de aprendizado dentro do projeto. Em 2007 e 2008 eu era artista-orientador na Casa de Cultura do M’Boi Mirim e nosso foco eram os princípios básicos da dança (velocidade, peso, fluência, entre outros) e trabalhamos isso tudo no contexto cotidiano-dança. Dentre estes processos destaco um que apresentamos em nossa mostra de 2008, o “Ônibus em movimento”, processo este que ilustrava o trajeto de um ônibus na cidade de São Paulo e em cada parada que ele fazia os passageiros (vocacionados) eram contagiados pela “linguagem-movimentação” do passageiro que embarcava. Uma experiência única e surpreendente, pois cada vocacionado pôde contribuir com a sua história e degustar da história do colega. Já em 2009 meu trabalho se desenvolveu no CEU Quinta do Sol, e lá baseado no tema “São Paulo – metrópole da diferença, da memória e da integração” destaco o processo desenvolvido pelo grupo de vocacionados “Soul Old School Breakers” batizado de “a Fila”, processo este que trouxe como reflexão um exercício comum no dia-a-dia dos paulistanos (fila no correio, mercado, banco, etc), transformando essa cansativa rotina em um trabalho estético-coreográfico prazeroso. Sem dúvida um procedimento que me acompanha sempre é o que chamo de “Relógio Imaginário”. Neste procedimento o indivíduo utiliza o corpo como ponteiros, e relaciona as horas com as direções no espaço. Além de ser uma atividade lúdica, podemos associar o relógio como um objeto presente em nosso dia-a-dia e trazer como reflexão vários temas relacionados ao tempo-espaço em que estamos vivendo. No projeto Vocacional descobri uma grande semelhança com o método que Rudolf Laban havia desenvolvido muitos anos antes. Com isso percebo que independente da formação (linguagem) do artista o projeto proporciona esse intercâmbio de informações e contribui na formação dos participantes, mostrando a semelhança entre os gêneros de dança. Dos eixos norteadores, sustentabilidade sempre foi um tema bastante discutido em nossas reuniões e vou usar alguns exemplos dessa minha trajetória “AO Vocacional” para ilustrar o que penso. Diego Henrique, foi meu vocacionado no ano de 2007 e 2008 na Casa de Cultura do M’Boi Mirim. Desde nosso primeiro contato, detectei em sua fala que ele era um agente cultural para os jovens da comunidade onde ele reside (jardim São Luis – Zona Sul). Uma pessoa com muita vontade de expandir seus conhecimentos e que fazia parte de um grupo de danças urbanas no qual aplicava as suas pesquisas. Além da minha orientação, ele buscava em outros equipamentos a orientação de outros AOs com formação em diferentes linguagens, como por exemplo, Enoque Santos, Débora Marçal, Isabel Monteiro. Hoje, ele trabalha como Arte-educador no CEU Casa Blanca e continua buscando aperfeiçoamento dentro do programa Dança Vocacional. Mantém o seu grupo e linha de pesquisa. Já o grupo Four Funk’s, surgiu em 2009, no CEU Quinta do Sol durante a orientação do projeto e seguiram ocupando o mesmo para os seus estudos no período em que o projeto não estava no equipamento (dezembro a março), e neste ano está desenvolvendo um processo na mesma linha de pensamento do ano passado, que é “Composição” para ser apresentado na ação-processo e mostra regional dos equipamentos (equipe leste). Grupo este que é formado por 4 meninas que buscavam a emancipação dentro do projeto.

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Todos esses que citei acima, são parceiros em um projeto que desenvolvemos no CEU Quinta do Sol, chamado “Identidade Hip Hop”. Reunindo artistas estudantes e profissionais em um intercâmbio de experiências, com o intuito de instrução para aqueles que estão iniciando e aperfeiçoamento para aqueles que já atuam na área, discutindo assuntos relevantes a este meio artístico. O evento prevê o mapeamento de grupos que tiveram a influência de projetos públicos na sua trajetória, além do incentivo à formação de público para esta categoria. Sempre com uma mesa de bate-papo, onde os temas de discussão são relacionados a políticas públicas. Com certeza ainda tenho grandes dúvidas de como trabalhar a sustentabilidade do projeto no equipamento, apesar de discutir com os vocacionados este tema, mas tenho certeza que as discussões no próximo vocacional em rede que faremos, onde teremos a presença dos coordenadores, artistas-orientadores e vocacionados, irão ser produtivas no sentido de acharmos respostas. O último tópico e sugestão que gostaria de dividir com os colegas, é sobre a capacitação dos artistas profissionais do projeto. É de grande valia a capacitação que nos é oferecida no início do projeto, por exemplo, a que tivemos com Ana Terra, Maria Lúcia Pupo, Isabel Marques. Em particular, este tipo de iniciativa colaborou muito para o formato do meu trabalho, fazendo com que eu na minha formação de danças urbanas traçasse uma ponte com a dança contemporânea. Tendo em vista que os CEUs recebem (praticamente em sua maioria) uma comunidade que vivencia e se comunica através da dança urbana, gostaria de sugerir que no próximo ano pudéssemos ter um núcleo que oferecesse auxílio (capacitação) aos AOs e equipamentos que trabalhem com esta linguagem. Esta idéia surgiu durante esses meus quatro anos de Dança Vocacional (apoiada por outros colegas, como, Tiago Arruda, Evandro “Smile”, TJ, Morgana Sousa, Marcelinho Back Spin, Eduardo Sô), onde por inúmeras vezes, fui convidado por colegas do projeto a participar de mostras encontros e palestras, para auxiliá-los na comunicação entre AO e vocacionado. O intuito não é a de separar a dança urbana do projeto, e sim, trabalhá-la cada vez mais de uma forma reflexiva, a fim de ampliar a qualidade estética e cênica deste seguimento. Penso que com o projeto por vezes me vejo como aquele “Astronauta” que gostaria de ter sido na infância. Explorando lugares desconhecidos, resgatando valores, descobrindo novas linguagens e sensações, oferecendo aos vocacionados possibilidades através da minha orientação somadas a essa tripulação que é a equipe de artistas do programa Vocacional, sinto-me honrado de fazer parte disso, de construir a história da dança paulistana. Estamos juntos nesta viajem!!!

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Prefeitura de São Paulo

Secretaria Municipal de Cultura - Departamento de Expansão Cultural

Programa Vocacional - Dança Vocacional

p T totens m rEinventadas percepção v M s v i P intercontingências i v O d a m TESSITURAS invisíveis l e S d A o dançam muros n P a Insistência e g e t A s S s f magia n o Ç i í ó r s cOrpo n c r i c história b r l u a i a n s l s e i i cultura d urbanos a d e

Regiões Centro – Oeste – Noroeste

São Paulo – 2010

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sUMÁRIO

tESSITURAS eSPAÇO tEMPORAIS

04

mEMÓRIAS, vIVIDAS & rEINVENTADAS

12

iNSISTÊNCIA dIFÍCIL

21

a iDIOSSINCRACIA aPLICADA À dANÇA

46

uM dESDOBRAMENTO iDIOSSINCRÁTICO

56

tÚNEL dO tEMPO

59

iNTERCONTINGÊNCIAS

71

dANÇA, pOESIA, mAGIA, cULTURA

85

tEMPO & lUGAR: mUROS iNVISÍVEIS 93

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cORPO + sENSIBILIDADE/pERCEPÇÃO = mOVIMENTO

97

tOTENS uRBANOS

105

oLHANDO eSTRELAS...

115

tESSITURAS eSPAÇO tEMPORAIS

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coordenar oito Artistas Orientadores em oito equipamentos de três regiões

diferentes da cidade de São Paulo, eis o desafio que me foi lançado pelo Programa

Vocacional em 2010.

Meu olhar, quase etnográfico, ajudou-me a interpretar tantas nuanças para

leituras no fluxo do comportamento, no sentido de ação social, quando e onde as formas

culturais se articulam, ao conhecer Artistas Orientadores, Coordenadores de Ação dos

Equipamentos e Comunidades, cada qual com desejos, histórias e pensamentos sobre

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arte e cultura.

Desejo do programa “bombar”, desejos de dançar como se vê no Faustão,

desejos de dar o melhor de si, desejos de agregar a comunidade, desejo de fazer com

que a população do entorno aproprie-se do CEU, desejo de melhorar as articulações do

corpo, desejo de um lugar pra conversar com as amigas durante a aula de dança, desejo

de ter vocacionados, desejo de tirá-los do lugar comum, imagético, televisivo. Além

destes desejos, há o desejo do Vocacional: “A emancipação por meio de uma prática

artístico-pedagógica”17, através de seus princípios artísticos-pedagógicos e

procedimentos.

Os princípios artísticos-pedagógicos do programa geraram a imagem de um

corpo:

17 DEL MANTO, Ivan. Material Norteador. Programa Vocacional 2010. São Paulo: PMSP/SMC/DEC, 2010, p. 01

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Onde a Ação Cultural instala-se nos membros inferiores, locomotores, movendo os

Artistas Orientadores em suas ações e estratégias, seja em relação aos encontros com os

vocacionados dentro e fora do equipamento, seja em ações de prospecção, negociação

com o equipamento etc.

A Pesquisa torna-se a coluna vertebral, eixo sustentador do corpo vocacional, ao

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detectar os desejos de pesquisa dos coletivos e incorporar, ou mais possivelmente,

hibridar, no sentido cancliniano, os desejos de pesquisa dos coletivos com os do

orientador, gerando reflexão, críticas e produtos culturais. Forma e Conteúdo, ligados

aos membros superiores, por expressarem comumente os sentimentos, pensamentos,

externalizando, dando visibilidade aquilo que não é dizível, visível. Este corpo esta

impregnado de política.

Os procedimentos que dão vida a este corpo: ocupação/criação de espaço,

protocolo e apreciação, geraram questões bem delicadas em nossas discussões:

- é possível pensar num encontro artístico-pedagógico em dança sem a apreciação?

Nos encontros a “apreciação” não é um momento posterior a prática, mas é propulsora

para procedimentos mais sofisticados do/no corpo. Se um artista vocacionado não

refletir sobre seu corpo, movimento, percepções do corpo no espaço/tempo, as

possibilidades de criação em dança ficam comprometidas, independente do tipo de

dança proposto, seja pelos Artistas Orientadores, seja pelos Artistas Vocacionados,

desta forma a apreciação dialoga com o encontro em tempo integral.

- ocupação/criação de espaço

Pareceu-nos a priore como uma estratégia “tapa buraco” mediante a falta de recursos

físicos em alguns equipamentos para abrigar o Programa (falta de espaço apropriado,

piso frio, falta de equipamento de som etc.). Também surgem outras questões: para o

cidadão que nunca pisou num palco, não é este seu espaço não convencional? Há

necessidade dessa ocupação dar-se somente sob forma estética?

- protocolos

Tomaram várias formas na equipe: post it colo - onde os vocacionados grudam suas

impressões, videocolos – gravações resultantes de solos ou duos criados a partir do

conteúdo do encontro; corpo visível/invisível – onde as vocacionadas escrevem de um

lado aquilo que querem compartilhar e no outro, impressões mais íntimas; estatutos de

grupo; conversas gravadas etc. Nem sempre há a possibilidade do uso do discurso

redigido pelo vocacionado, em pleno século XXI há índice de analfabetismo entre o

público que freqüenta o programa – entretanto, cabe salientar que não ser alfabetizado

não é sinônimo de falta de conhecimento e articulação política. O protocolo é aplicado

conforme a necessidade dos vocacionados exporem ou compartilharem suas reflexões

sobre os encontros, e como mote propulsor para a continuidade dos processos criativos

desenvolvidos pelos Artistas Orientadores junto aos Artistas Vocacionados.

A primeira estratégia para conhecer mais de perto os Artistas que compõem

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a equipe, foi participar de um Show de Calouros no CEU Parque Anhanguera, em abril

passado, quando a equipe apresentou-se em uma improvisação cênica, dentro do show.

Além de observar seus pensamentos-dançantes, a ação possibilitou um primeiro

entrosamento deste coletivo.

Interessou-me também o olhar destes artistas sobre os equipamentos que

ocupavam, após o primeiro mês. A partir de um procedimento proposto pelo nosso

Coordenador de Ação, Robson Lourenço, pedi para que cada AO desenhasse as

impressões sobre seus equipamentos, formando, numa grande folha de papel Kraft, um

grande continente de forças e vetores simbólicos. Também nosso

dossiprotocolagerelatoprosapoético descreveu nossa chegada e impressões:

Abril foi um mês de pura chegada, avaliação, colocar os termômetros no equipamento, na comunidade e ir adequando o programa à realidade do local. As necessidades existem; a necessidade do projeto, a ser criada.... Esmiuçada, entrelaçada, desenvolvida. Ações, implantações, oferecimentos... Escuta... Muita escuta. É necessária - no Parque Anhanguera.

Tutti Madazzio (CEU Parque Anhanguera)

Constato que o equipamento fica esvaziado no período noturno. A população vizinha desconhece o programa e que o passado do Vocacional não atendeu expectativas, sendo que, o público que ele atingira é relutante para o retorno. No mais, existe a possibilidade, a duras penas, de parceria com a coordenação do CEU o que pode possibilitar um avivamento necessário do projeto dentro daquele equipamento. Atualmente 08 pessoas são atendidas diretamente.

Renato Fagundes (CEU Pêra Marmelo)

O CEU Perus se caracteriza por seu grande fluxo de pessoas. A comunidade usufrui do espaço e das atividades desenvolvidas. No entanto, existe uma grande dificuldade de retenção destas pessoas no Programa Vocacional Dança. Acredito que isto ocorra por fatores diversos: existe um grande número de atividades acontecendo ao mesmo tempo, dificuldade das pessoas de realizar atividades de longa duração, horários das aulas e o próprio entendimento que elas não têm do projeto.

Robson Ferraz (CEU Perus)

O início da pesquisa na Olido está baseado no texto: "Bonecas que a tradição constrói com retalhos. Atravessam o tempo de todas as idades, espelham o tempo de todas as culturas. Sempre com a cara de seu povo.", - retirado da exposição "Puras

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Misturas". Neste mês trabalhamos os pés que, associados ao texto / tema, gerou a pergunta: De que terra você vem?

Tatiana Guimarães (Galeria Olido)

O CEU Jaguaré tem apenas cinco meses de funcionamento, e ainda passa por uma fase de ajustes. A comunidade freqüenta as atividades culturais no equipamento durante a semana e a primeira proposta foi trazer as pessoas para ocupar os finais de semana também. Em abril levantei as possibilidades de parcerias com os projetos sociais que acontecem no equipamento e divulguei o programa no entorno.

Duda Moreno (CEU Jaguaré)

Nas primeiras semanas tivemos em média 10 vocacionados por turma, sendo que aproximadamente 25 % deste público, corresponde a pessoas que já participaram do programa (aqui e em outros equipamentos); o que foi legal pois conseguimos instaurar um clima de trabalho (dança) e harmonizar as curiosidades e expectativas quanto a definições sobre o vocacional de maneira agradável, sem afobar a compreensão intelectual antes da experiência com a própria dança. Nas semanas seguintes pude comparecer a alguns eventos da Biblioteca e convidar pessoalmente os frequentadores, assim pude conhecer melhor quais são as pessoas que passam por lá. Esta ação conjunto as ligações que fiz para as pessoas que se inscreveram e ainda não haviam comparecido teve um resultado bacana. Terminamos o mês com um total de 10 pessoas inscritas na turma de 6ª. feira e 17 na de 2ª. feira. Pelo que senti das turmas, manteve-se uma média de 10 pessoas presentes. Além desse aspecto, pude perceber que a minha idéia inicial de trabalhar com a dança a partir de um aprofundamento da experiência de estar em movimento foi bem recebida pelas pessoas. Pude também conhecer melhor as direções possíveis para uma proposta cênica criativa, percebendo e me questionando sobre o quê é importante na vida destas pessoas e o que poderia criar uma cumplicidade e intimidade entre eles (incluindo-me também).

Andréia Yonashiro (Biblioteca Alceu Amoroso Lima)

No primeiro encontro com as turmas, encontrei algumas inscrições e apenas uma presença, portanto a Ação de Difusão foi o grande enfoque de abril, com resultados positivos, no último encontro do mês havia 10 vocacionados.

Odair Prado (CEU Vila Atlântica)

Ancorar em terras desconhecidas, descobrir caminhos, ouvir os sons e ruídos. Traçar trajetórias... Alguns aventureiros têm a sorte de ouvir: “De que terra você vem?”. “Danceland” gritam os viajores. “Onde ficam estas terras?”, indagam os nativos.

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“Nos seus corpos” respondem os viageiros. Silêncio. Corpos curiosos começam a desenhar-se nos caminhos, os viajantes travam os primeiros contatos...

Yaskara Manzini (Guardiã da Bússola)

As reuniões artístico-pedagógicas são o ponto de convergência deste

coletivo, quando ações, críticas, angústias, experiências, alegrias, leituras, acertos e

desacertos provocam reflexões sobre variados aspectos do programa, realidades locais e

o vivido.

Dentro das reuniões um dos aspectos que emergiu no coletivo, foi um tipo

de olhar para o mundo muito particular, um olhar complexo, ligado ao paradigma da

complexidade, do qual Edgar Morin, sociólogo frances, é um dos pensadores mais

conhecidos.

Morin propõe uma reforma do pensamento, pois a fragmentação,

separabilidade e compartimentação das disciplinas do conhecimento humano tornaram-

nas inadequadas frente aos problemas transversais, polidisciplinares, globais e

planetários que a humanidade enfrenta. A fragmentação dos saberes não comporta

“aquilo que é tecido junto”, ou seja, os componentes que constituem um todo (social-

econômico-político-cultural-artístico-simbólico-mitológico-psicológico-afetivo-etc.).

Este coletivo entende que “a emancipação por meio de uma prática

artístico-pedagógica” deve considerar os vocacionados como seres humanos

complexos. De acordo com Morin18 (2003: 40):

O ser humano nos é revelado em sua complexidade: ser, ao mesmo tempo, totalmente biológico e totalmente cultural. O cérebro, por meio do qual pensamos, a boca, pela qual falamos, a mão, com a qual escrevemos, são órgãos totalmente biológicos e, ao mesmo tempo, totalmente culturais. O que há de mais biológico – o sexo, o nascimento, a morte – é, também, o que há de mais impregnado de cultura. Nossas atividades biológicas mais elementares – comer, beber, defecar – estão estreitamente ligadas a normas, proibições, valores, símbolos, mitos, ritos, ou seja, ao que há de mais especificamente cultural; nossas atividades mais culturais – falar, cantar, dançar, amar,

18 MORIN, Edgar. A Cabeça Bem Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

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meditar – põem em movimento nossos corpos, nossos órgãos; portanto, o cérebro.

Além disto, há de se considerar o contexto onde vivem e como vivem os

vocacionados, suas histórias e as várias tramas que o levaram ao programa.

A partir do segundo mês lancei para o coletivo a questão: “o que quero

resolver esteticamente junto com/a partir dos vocacionados?”. Desta maneira iniciavam-

se os projetos de pesquisa, redigidos de maneira formal, como exercício para lidar com

outro tipo de criação: a escrita19. A redação de textos, projetos leva o pesquisador a

perceber nuanças, lacunas e zonas nevoentas dentro do tema (objeto) investigado.

Em Memórias vividas e reinventadas, Tatiana Guimarães propõe a partir da

questão “De que terra você vem?”, levantada pelos vocacionados em ação cultural -

visita à exposição Finas Misturas – o resgate e a reinvenção da memória individual e

coletiva nas turmas e grupo vocacionados.

Questões relativas à dança no sentido de presença e co-presença ao vivo e

dança mediada pelo vídeo, fazem-se presentes no projeto proposto por Andréia

Yonashiro, com sua “Insistência Difícil”.

“A Idiossincrasia aplicada à dança”, mote da pesquisa de Priscila Lima,

busca trazer à tona percepções do corpo e formas de movimentação criando um espaço

de reflexão, crítica e apropriação do movimento pelos coletivos do CEU Butantã. Esta

idiossincrasia gera um desdobramento, o projeto de pesquisa do grupo Linguagens de

Dança, ligado as questões do corpo e da comunicação.

Após “Um rolê pela quebrada”, ação prospectiva de Duda Moreno, com o

Grupo The Cats, visitando os vários lugares – e suas memórias – que abrigaram os

ensaios do grupo, nesses 10 anos de existência, todos envolvidos deram-se conta da

necessidade de apropriar-se da história do estilo que dança que professam daí a

necessidade de adentrar num “Túnel do Tempo”.

Robson Ferraz faz uso de uma “ferramenta de pensamento”, a

Intercontingência, para propor ações e reflexões aos vocacionados enquanto seres

atuantes no mundo, que também são influenciados por ele. Tal ferramenta faz emergir

outras formas de ocupar o espaço público para os vocacionados

A “Dança, poesia, magia e cultura”, proposta por Renato Fagundes, faz 19 Não devemos esquecer que os Artistas Orientadores do Programa, também desenvolvem trabalhos profissionais como Bailarinos, Coreógrafos e Criadores fora do Programa. O exercício da redação de um projeto, também faz parte da apropriação dos meios de produção em arte, pelos AOs, para concorrer a Editais Públicos (Fomento, ProAC, Klaus Vianna), Bolsas de Estudos, Residências Artísticas etc.

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incursões sobre a memória e as marcas culturais deixadas nos corpos das vocacionadas.

Utiliza de procedimentos da arte da performance para diminuir as barreiras entre

performer e público, convidando todos a um “ritual artístico” com cores, odores,

sabores.

Odair Prado propõe o estudo de um geógrafo chinês para derrubar os Muros

Invisíveis, que dificultam a apropriação do equipamento pela comunidade do entorno.

“Corpo + sensibilidade/percepção = movimento”, tem como mote a

experiência, como aquilo que passa pelo indivíduo. A experiência de perceber,

apropriar-se e improvisar sobre e com o próprio corpo, que Cindy Quaglio, propõe na

pesquisa com três grupos heterogêneos de vocacionados.

Totens Urbanos propõe um re-observar a cidade, seus lugares simbólicos,

lugares de poder, para agregar percepções, experiências em artistas orientadores e

artistas vocacionados.

Yaskara Manzini

Galeria Olido

Região Central

mEMóRIAS,

vIVIDAS & rEINVENTADAS

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Tatiana Guimarães

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“Brancura que fica sempre na memória como

uma toalha sobre a mesa…”

Ralph Barnard (Artista Vocacionado do grupo In Corpo Ar)

RESUMO

O trabalho de 2010 na Galeria Olido tem como tema central a memória

individual e coletiva enquanto construtoras em contínuo movimento daquilo que somos

e viremos a ser, em constante devir. Trabalhamos na criação de um resultado cênico

pautados em princípios artístico-pedagógicos que seja um protocolo vivo, tanto das

experiências passadas,- vivenciadas como lembranças -, quanto dos fatos atuais, nos

questionando sempre como o trabalho exercido no Programa Vocacional pode compôr,

refazer e redefinir nosso ser e nosso próprio entendimento de memória e de nós mesmos

a cada encontro.

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Palavras-chave: Memória. Devir. Artístico-pedagógico.

OBJETIVO

O objetivo desta pesquisa artístico-pedagógica é valorizar as raízes

individuais e coletivas do vocacionado, contudo, sabendo que estas são um ponto de

partida e de retorno constante, mas não uma realidade estagnada.

O lugar de onde vieram – frase que até este momento vem sendo

trabalhada em sala -, não aborda um lugar no aspecto concreto da palavra, ao contrário,

entende este espaço da memória como um estado que se corporifica na percepção

presente e atua no ser a cada instante. Busca-se a tomada de consciência de que sempre

há possibilidade de mudanças, de linhas de fuga, que podem nos levar a outros estados

de ser, novas crenças e novos saberes, condição central a um estado potencialmente

criativo.

Desta maneira, partimos para um conhecimento da estrutura óssea,

reorganizando-a e fazendo um paralelo destas organizações com as raízes individuais e

coletivas do vocacionado. Pernas são relacionadas ao lugar de onde vieram; na bacia

trabalharemos o sentido da maternidade, a idéia do útero vinculado a casa, no sentido

mais amplo da palavra; na coluna, trabalharemos a memória paterna, englobando seu

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sentido de construção, autonomia, o corte com os laços maternos em rumo à vida; nas

escápulas e braços, será inserida a idéia do vôo, da possibilidade de recriarmos nossa

experiência diante das nossas memórias e através delas; por fim, com o crânio, -

imaginando que estaremos em vias de finalização do processo criativo, será trabalhada a

idéia de como podemos nos utilizar da mente racional para recriar nosso universo

individual, criativo e artístico.

Todas essas relações são imaginadas livremente, sem nenhuma referência

filosófica que as paute. Surgiram de uma escolha artística minha, artista-orientadora do

Programa, e servirão como um fio-condutor tênue para nossa pesquisa.

O objetivo maior é a criação de uma performance cênica interdisciplinar, na

qual nos utilizaremos de princípios das linguagens do teatro, produção de textos, das

artes-visuais e do cinema, sem perder a relação do corpo e da dança com estes suportes

e, principalmente, seu caráter pedagógico.

De que terra eu vim?

“Vim de uma terra movediça, que faz com

que meus pés não se movimentem por

vontade própria.

Eu puxo e ela me puxa de volta. Tenho

movimentos, mas eles são limitados pela

terra de onde eu vim.

Não sei bem se é assim, às vezes penso que o

que me limita na verdade é o medo de me

libertar…

Pra onde irei depois de livre?

Por isso é mais seguro pertencer à terra de

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onde eu vim, um lugar conhecido. Mas sei que

nem sempre o caminho mais seguro é o

melhor.

Quero um caminho meu.

Quero convencer a terra de onde eu vim a me

deixar partir…”

Angela Yatsugali

Artista Vocacionada (turma de quarta-feira)

JUSTIFICATIVA

Afirma-se que o tempo é irreversível. É uma afirmação bastante verdadeira no sentido de que , como se costuma dizer, ‘o passado não volta jamais’. Mas o que será, exatamente, esse ‘passado’? Aquilo que já passou? E o que essa coisa ‘passada’ significa para uma pessoa quando, para cada um de nós, o passado é portador de tudo que é constante na realidade do presente, de cada momento do presente?

Andrei Tarkovski (2002:65)

A idéia de que o passado condiciona o presente a cada momento, explorada

intensamente na obra e no pensamento do grande cineasta russo, do século 20, Andrei

Tarkovski, nos é muito importante quando nos perguntamos: porque trabalhar a

memória do vocacionado?

Acredito que se a memória nos condiciona a cada instante, ela é assim um

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157

forte e potente testemunho acerca da minha experiência como ser humano no mundo e

um discurso bruto, em primeiríssima pessoa, daquilo que eu gostaria de falar e

transformar nele.

Quando se fala em memória surge de imediato o receio de que o processo se

torne uma aula inócua de história, uma terapia, ou pior, algo como: vivi tais

experiências por isso sou e crio assim. Portanto, há a preocupação de entendê-la através

da idéia bergsoniana de que esta, só podendo ser alcançada no presente, é de imediato

transformada pelo mesmo.

...toda imagem-lembrança capaz de interpretar nossa percepção atual insinua-se nela, a ponto de não podermos mais discernir o que é percepção e o que é lembrança. [...] ...o passado tende a reconquistar sua influência perdida ao se atualizar

Bérgson (2006:117)

Desta forma, passado e presente se reconstroem continuamente e, uma vez

que haja um direcionamento para tanto, se amplia e multiplica de maneira muito

individual e singular a potência de ação do ser.

Através deste processo busca-se, na orientação artístico-pedagógica da Galeria

Olido, uma relação íntima e viva entre passado e presente, de maneira que em constante

devir estes criem uma rede maior de possibilidades de ser e de criar para o vocacionado.

MÉTODO

Acerca da relação inicial com os artistas-vocacionados, gostaria de citar as

palavras do filósofo Gilles Deleuze (1997:43):

Não sabemos nada de um corpo enquanto não sabemos o que pode ele, isto é, quais são seus afectos, como eles podem ou não compor-se com outros afectos, com os afectos de um outro corpo, seja para destruí-lo ou ser destruído por ele, seja para trocar com esse corpo ações e paixões, seja para compor com

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ele um corpo mais potente. Deleuze

Desta maneira, no início do processo, minhas intervenções vieram mais no

sentido de provocar do que especificamente de introduzir uma prática.

Com as turmas, comecei com um trabalho inspirado na pesquisa de

reorganização corporal ascendente de Luciana Carvalho (pés, pernas, bacia etc.). Esta

reorganização é e será invariavelmente desenvolvida nas etapas de sensibilização,

inserção à linguagem da dança contemporânea e jogos improvisacionais, misturadas às

provocações advindas do tema-norteador e relacionadas da maneira em que estão descritas

no Objetivo deste projeto de pesquisa.

Uma vez que os integrantes do grupo In-Corpo-Ar já passaram por esta

reorganização, avanço com eles para provocações que requerem uma maior maturidade

artística. Baseada no trabalho de Body Mind Centering, experienciado por mim quando

sob direção de Cristiane Paoli Quito, somado a um trabalho acerca das memórias de

infância, o qual também experienciei, sob direção do ator e diretor João Miguel. Estas

provocações também serão mescladas continuamente ao tema-norteador e terão uma

aplicação conjunta às três etapas descritas acima (sensibilização, técnicas da dança

contemporânea e jogos improvisacionais).

Acredito que o conhecimento destes corpos, - tanto por mim artista-

orientadora, quanto pelos próprios artistas-vocacionados, naturalmente darão novos

desdobramentos e com eles novas perspectivas para o avanço da pesquisa.

O protocolo terá atividade diária e contínua e está livremente inspirado na

pesquisa acadêmica de Antônio Januzelli para desenvolvimento de processos de criação.

Todas as referências para pesquisa estarão constantemente citadas, mas serão utilizadas de

maneira livre e a serem adequadas às necessidades, características e desdobramentos das

turmas, do grupo e do processo.

Alguns aspectos práticos são parte integrante de questões que são essenciais

na minha maneira de ver a dança. Acredito de maneira profunda na necessidade de um

corpo relaxado e em estado de atenção plena e suave, para um bom desempenho tanto em

execução como em criação nesta linguagem. Para tanto, em sala nos utilizaremos

recorrentemente de técnicas de toques corporais e respirações no início de nossos

encontros, a fim não só de sensibilizar, mas também de esvaziar as tensões corporais e

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emocionais, sendo o contato com o corpo do outro um detector importante da

sensibilidade e escuta à qual nos direcionaremos.

Também serão utilizados exercícios de Técnica de Chão (Workfloor), valorizados na

minha compreensão artístico-pedagógica, a fim de um pensamento contemporâneo do

corpo na arte, buscando um movimento com a menor utilização da estrutura muscular

possível, otimizando assim a potência corporal e sua saúde articular.

Gostaria de ressaltar que haverá uma constante repetição dos procedimentos, necessária

ao aprendizado de qualquer técnica corporal; além do trabalho de reprodução de

movimento, uma vez que, no meu entender, a liberdade apenas se dá realmente quando

posso escolher se quero reproduzir o movimento de um coreógrafo ou professor, ou se

quero improvisar e criar meus próprios movimentos. Para ser livre é preciso poder

escolher.

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

BERGSON, Henri. Matéria e Memória, ensaio sobre a relação do corpo com o

espírito. São Paulo: Martins Fontes, 2006

DELEUZE, Gilles. Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia, vol.4. São Paulo: Editora

34 LTDA, 1997.

TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o Tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2002

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Biblioteca Alceu Amoroso Lima

Região Oeste

iNSISTÊNCIA dIFÍCIL

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161

Andreia Yonashiro

A IDÉIA

Este projeto tem como objetivo a criação de pequenas danças através de

uma estratégia que coloca lado a lado duas instâncias do movimento humano: (1) a

dança presenciada por um observador ao vivo e (2) a dança observada através da

imagem. Esta escolha tem em sua natureza pensamentos que surgiram a partir da

seguinte afirmação de Yvonne Rainer, publicada no programa de sua dança The Mind is

a Muscle:

Esta “Declaração” não é uma apologia. É o reflexo de um estado de espírito que reage com horror e descrença ao ver um vietnamita morto na TV – o horror não à visão da morte, mas ao fato de que a TV pode ser desligada da mesma maneira que fazemos no fim de um filme Western ruim. Meu corpo continua sendo a perpetuação da realidade.

“Insistência” seria a substantivação da ação contínua de ligar e desligar a

televisão, mas que também pode ser sentida na interrupção aparentemente eterna do

aparecimento e desaparecimento de propagandas comerciais dentro do fluxo contínuo

da condição de estar vivendo numa metrópole. Evitando um julgamento de valor,

observamos como a idéia de interrupções insistentes já foi incorporada, como se fizesse

parte dos sentidos de percepção humana do mundo ao redor, e, portanto, criamos uma

estratégia para uma criação estética que incorpora nos procedimentos coreográficos esta

idéia. Um fator muito determinante para a eficiência dessa “insistência” como um

mecanismo dentro da cultura é a presença da tecnologia como mediador da experiência

corporal.

Durante a concepção deste projeto minha memória fez parte do momento da

tomada de decisão sobre quais direções seguir quando lembrei de dois acontecimentos

que me emocionaram. Um deles foi o dia de formatura de minha irmã, quando todos

estavam arrumados e vestidos para festa e no meio de um salão, já depois de toda

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cerimônia e comes e bebes, ilhada numa mesa num mar de pessoas desconhecidas, meu

pai, minha mão e eu nos levantamos para tirar uma foto. No instante que o flash

embranqueceu minha visão, fui tomada por um sentimento indescritível de tristeza,

alegria, satisfação, tudo misturado. De consciência da finitude: em um segundo, aquele

flash interrompeu tudo para me lembrar de que todos nós morreríamos, assim como a

festa acabaria, nunca mais viveremos aquele momento. O excesso de maquiagem, as

formas e cores que as roupas de festa criam ofuscavam, e, assim, por causa do flash,

uma lágrima que não consegui conter, iluminou-se.

Numa outra ocasião, conversei com uma garoto de sete anos que estava

sentado em um computador. Ele começou a me mostrar que estava pesquisando no

Google sobre dinossauros. Assim que ele abriu uma foto, que tinha na legenda a

informação de que se tratava de pegadas de dinossauros, começou a passar o cursor do

mouse sobre os buracos das pegadas numa velocidade precisa que me fez observar que

ele sentia em sua própria pele aquilo que acontecia na tela do computador. Isso me

emocionou profundamente.

Diante destes testemunhos do poder que a incorporação tecnológica descrita

anteriormente pode ter, pude refletir sobre os sentidos das palavras de Yvonne Rainer,

levando-nos a questionar o quanto a insistência das pessoas em fotografar, seja por

celular ou por câmera (infinitas fotografias, impossíveis de todas serem revistas no

futuro), registrar suas ações mais banais na internet, e assim por diante, quase como se

estas ações que envolvem a tecnologia passassem a ser definitivas como sentimento e

consciência de uma condição existencial. E assim, a proposta de uma estratégia que

conjuga a idéia de: “meu corpo continua sendo a perpetuação da realidade” e duas

instâncias do movimento humano: (1) a dança presenciada por um observador ao vivo e

(2) a dança observada através da imagem, talvez possa atingir uma dimensão estética

através da criação de pequenas danças. Ou seja, como a interrupção-insistência pode ser

incorporada como idéia na concepção coreográfica.

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TÉCNICAS-TECNOLOGIAS

Os homens normais não sabem que tudo é possível

David Rousset

Cada vez menos o mero reflexo da realidade revela qualquer coisa sobre a realidade. Uma fotografia sobre os trabalhos de Krupp ou a A.E.G. nos diz quase nada sobre estas instituições. A realidade de fato já se transformou em funcionalidade. A retificação das relações humanas – a fábrica – significa que elas não são mais explícitas. Portanto, algo deve ser construído, alguma coisa artificial, uma pose.

Bertold Brecht

A idéia da dança ser uma maneira de revelar como “o corpo pode continuar

sendo a perpetuidade da realidade” encontra um contexto histórico no qual as técnicas

tradicionais de dança têm um trânsito difícil de ser identificado nos diversos fluxos de

criações artísticas da contemporaneidade. O que pude perceber é como temos um certo

pré-conceito em lidar com movimentos que são referências à estilos e gêneros

específicos de dança. Como por exemplo, quando alguém estende a “ponta dos pés”

facilmente pensamos no Balé. Ou quando alguém mexe o quadril pensamos em samba.

Por mais que isso seja um fato, não podemos ignorar também que quando excluímos das

possibilidades um certo movimento por causa de uma critica ideológica ou estética (a

um sistema de idéias e contextualização histórica), deixamos de ter uma liberdade do

ponto de vista cinesiológico do movimento. Ou seja, a articulação do pé tal como

acontece na dança clássica ou a articulação da coluna na dança moderna (a contração,

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por exemplo), estão relacionadas a possibilidades de movimentos que simplesmente

deixam de existir.

No processo de composição coreográfica tais limitações que podem ter

origens conceituais passam a amputar o corpo. Por este motivo, achamos que é mais

coerente aplicar um estudo sistematizado do movimento usando como princípio a

cinesiologia do que eleger técnicas específicas de dança de maneira isolada. Devido a

minha formação e participação dentro da pesquisa intitulada Elementaridades,

concebida e desenvolvida pelos professores Joana Lopes e Adolfo Maia Jr., no Grupo

Interdisciplinar de Teatro e Dança (GITD) e Núcleo Interdisciplinar de Comunicação

Sonora (NICS), ambos na Universidade Estadual de Campinas, no caso deste projeto

escolhemos aplicar as ferramentas criadas em Elementaridades para propiciar o estudo

do movimento como pressuposto para composição coreográfica.

Em Elementaridades o movimento é estudado e criado a partir de limitações

que evidenciam as possibilidades cinesiológicas do corpo humano em conflito com a

força gravitacional e campos de forças que possam surgir a partir do diálogo com outros

movimentos (de objetos ou pessoas) e limitações físicas (como o chão, a parede ou

outros obstáculos). Do ponto de vista da orientação de tal estudo, define-se uma

pedagogia a partir da transferência simbólica de modelos da Física (Modelo Padrão da

Matéria) e da Matemática (Topologia). A passagem entre estudo e composição

coreográfica não é definida pelas propostas pedagógicas, mas previstas como uma

lacuna que só pode ser preenchida pela sensibilidade artística de cada pessoa.

Estes procedimentos parecem ser suficientes para gerar espaço de trabalho

físico através de encontros coletivos. Mas, como complementação desse processo,

propomos uma reflexão contínua e sistematizada sobre as idéias que podemos ter sobre

a dança. Uma vez que, cada vez mais, fica claro que quando propomos “a dança” para

que alguém simplesmente comece a se mover, não se trata de “qualquer” dança, mas de

uma idéia muito precisa, resultado das experiências pessoais do indivíduo assim como

das heranças históricas e culturais.

Além disso, este exercício reflexivo sistematizado torna visível as idéias

presentes em concepções coreográficas de danças que estão distantes de nós,

temporalmente e geograficamente. Apesar de sofrermos influências destes artistas de

outros lugares e de outros tempos, muitas vezes vemos estas “heranças” como

fantasmas que assombram de vez em quando. Por isso, como uma maneira de

sistematizar o exercício reflexivo (apreciação) propomos a experiência de assistir

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diversos vídeos históricos de registros de danças, assim como de filmes que

incorporaram a dança como fundamento estético na modernidade e os “vídeo-danças”

mais contemporâneos, comparada a leitura dos trechos de obras de autores variados.

Para tornar concreta esta reflexão propomos a utilização de um blog criado

no endereço: http://insistenciadificil.wordpress.com, no qual podemos encontrar os

vídeos postados do YouTube com algumas das danças assistidas e os trechos dos textos

com o espaço para o comentário dos leitores, dando uma maior flexibilidade e

autonomia quanto a utilização desta ferramenta de sistematização.

Descrição de parte do material de apoio pedagógico:

Videográfico:

- PERFORMANCE NO AEROPORTO:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=RGZUHLDUULK

- ISADORA DUNCAN:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=68MBHX32XSE&FEATURE=RELATED

- LOIE FULLER:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=FIRNFRDXJLK&FEATURE=RELATED

- MARY WIGMAN: HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=TP-

Z07YC5OQ&FEATURE=RELATED

- PINA BAUSCH – SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=KXVUVQUMVGA&FEATURE=RELATED

- MAURICE BEJART – SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=VNT0MVJOS08&FEATURE=RELATED

- NIJINSKI – SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=MK64STI4MKC&FEATURE=RELATED

- XAVIER LE ROY – SAGRAÇÃO DA PRIMAVERA:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=8XTLZAN13SA

- MERCE CUNNINGHAM – BEACH BIRDS:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=RA2T_IMXQVM

- MERCE CUNNINGHAM – OCEAN:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=1ABJDHNV5TM

- YVONNE RAINNER – TRIO A:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=IKAJ6QFLZNU

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- TRISHA BROWN – ACCUMULATION:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=86I6ICDKH3M&FEATURE=RELATED

- TRISHA BROWN – WATERMOTION:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=PZ7QXYQOSEQ&FEATURE=RELATED

- KAZUO OHNO – DEAD SEA:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=ZUJHQLB0HXY

- BOLSHOI – SPARTACUS: HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=SJVE_YP4GSQ

- RUTH ST. DENIS – INDIAN NOCHE:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=J8XVHX1FKSY

- MARTHA GRAHAM – LAMENTATION:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=XGF3XGBKYKO

- WILLIAN FORSYTHE – SOLO:

HTTP://WWW.YOUTUBE.COM/WATCH?V=HDTU7JF_EWY

Textual:

(Trechos do texto de Celso Lafer “Da dignidade da tradição: sobre Hannah Arendt”,

publicado na edição em português de Between Past and Future de Hannah Arendt,

1972, 2a edição, editora Perspectiva)

A lacuna entre o passado e o futuro: a diluição da tradição

“Between Past and Future“, cuja última edição, re-vista e ampliada é de 1968, começa

por examinar a lacuna entre o passado e o futuro – a crise profunda do mundo

contemporâneo – e que se traduz no campo intelectual, pelo esfalecimento da tradição.

Evidentemente, Hannah Arendt adquiriu consciência desta lacuna com a irrupção do

surto totalitário cujas raízes e características examinou em The Origin of

Totalitarianism (1951). “Os homens normais não sabem que tudo é possível“, observa

David Rousset em frase que serviu de epítafe a este livro, e que talvez sintetize uma de

suas conclusões. De fato, o fenômeno totalitário revelou que não existem limites às

deformações da natureza humana e que a organização burocrática de massas, baseadas

no terror e na ideologia, criou novas formas de governo e dominação, cuja perversidade

nem sequer tem grandeza, conforme nos aponta Hannah Arendt ao examinar a

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banalidade do mal no relato que fez do processo Eichmann (Eichmann in Jerusalem – A

report on the Banality of Evil, 1963).

Diante deste fenômeno, os padrões morais e as categorias políticas que compunham a

continuidade histórica da tradição ocidental se tornaram inadequados não só para

fornecerem regras para a ação (…) ou para entenderem a realidade histórica e os

aconteceimentos que criaram o mundo moderno (…), mas, também, para inserirem as

perguntas relevantes ao quadro de referências da perplexidade contemporânea. Em

outras palavras, o esfalecimento da tradição implicou na perda de sabedoria, isto é, para

falar com Karl W. Deutsh, na dificuldade de discernir, num contexto, as classes de

perguntas a serem feitas.

Marx, Kierkegaard e Nietzsche anteciparam no campo do pensamento, este esgarçameto

da tradição, tendo Hegel como ponto de partida. De fato, Hegel foi o primeiro que se

afastou de todos os sistemas de autoridade, pois, ao vislumbrar o desdobrar completo

da História Mundial numa unidade dialética, minou a autoridade de todas as

tradições, sustentando a sua posição apenas no fio da própria continuidade

histórica.

De mais a mais, a história da Filosofia Ocidental que se tinha contituído no conflito

bipolar entre o mundo das aparências e o mundo das idéias verdadeiras, perdeu parte do

seu significado quando Hegel procurou demonstrar a identidade ontológica da idéia e da

matéria em movimento dialético – o real é racional e o racional é real - desgastando,

consequentemente, o sentido clássico da aporia imanência versus transcedência.

Marx, Kierkegaard e Nietzsche, diante deste impasse, preocuparam-se novamente com a

qualidade do humano e perceberam pontos básicos do conflito entre a

contemporaneidade e a tradição.

Kierkegaard salienta o aspecto concreto do homem como sofredor, em contraste com

o conceito tradicional do homem como ser racional.

Desta maneira, subverte a relação tradicional entre fé e razão, pois a sua dúvida não se

resolve pelo cogito cartesiano mas, sim, pelo salto racionalmente absurdo da dúvida

para fé.

É curioso observar que esta perda do senso comum, que traz a falta de confiança no que

nos circunda, foi realçada pelos resultados da ciência contemporânea.

De fato, a perspectiva da ciência, como observa Hannah Arendt, parte da rejeição do

senso comum e da linguagem comum para poder descobrir o que se esconde atrás dos

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fenômenos naturais. O progresso da Ciência implicou numa linguagem científica

cuja formalização crescente esvaziou o sentido de nossa percepção concreta e,

ademais, não só converteu, através da mediação da técnica, o nosso ambiente em

objetos criados pelo homem, como também conseguiu modificar, por meio da ação

humana, o desencadeamento dos próprios processos da natureza, como o evidencia

a fissão do átomo.

Destarte, diluiu-se a tradicional distinção entre natureza e cultura, e o homem,

quando se confronta com a “realidade objetiva”, não encontra mais a natureza,

mas se desencontra consigo mesmo, isto é, com objetos que criou e processos que

desencadeou, que funcionam, mas que não entende por que não é capaz de explicá-los

em linguagem comum.

Nietzsche também se opôs ao conceito tradicional do homem como ser racional,

insistindo na produtividade da vida e na vontade de poder do homem. Entretanto, o

sensualismo da vida só faz sentido no quadro de referência da subversão ao supra-

sensual e ao transcendente. Daí o niilismo, pois a posição de Nietzsche esbarra na

incompatibilidade entre a contestação a valores transcendentais (elaborados pela

tradição e classicamente usados para medir a ação humana) e a sociedade moderna que

dissolveu estes padrões, transformando-os em valores “funcionais”, isto é, em entidades

de troca.

Estes aspectos da sociedade moderna, que Hannah Arendt examinu longamente em The

Human Condition (1958), encontram particular aplicação no exame que ela faz da

cultura de massa.

De fato, se no século XX o filistinismo da classe média em ascensão fez da cultura um

instrumento de mobilidade social – uma mercadoria social – iniciando a

desvalorização de valores, a sociedade de massas contemporânea levou este processo

adiante ao consumir cultura na forma de diversão.

A diversão, que é o que se consome nas horas livres entre o trabalho e o descanso, esta

ligada ao processo biológico vital, e, como processo biológico, o seu metabolismo

consiste na alimentação de coisas.

O risco deste processo reside no fato que a indústria de diversão está confrontada com

apetites imensos e os processos vitais da sociedade de massas poderão vir a consumir

todos os objetos culturais, deglutindo-os e destruindo-os.

A sociedade de massas, que se orientou para uma atitude de consumo, dificilmente

modificará esta tendência devoradora, e o ócio e a cultura animi de que falava Cícero,

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169

que recompunham na tradição ocidental o balancez entre diversão e cultura, não

constituem uma resposta adequada para a perplexidade de um niilismo que, em vez de

enfrentar os valores vigorosos criados pela cultura, se esvai no contato indigno com a

diversão.

Marx, numa outra perspectiva, asseverou igualmente a incompatibilidade entre o

pensamento clássico e as condições políticas da modernidade trazidos pela Revolução

Francesa e pela Revolução Industrial. A análise de Marx explodiu a tradição através da

radicalidade de alguns de seus conceitos básicos, a saber:

(i) o trabalho cria o homem, o que equivale a dizer que o homem cria a si mesmo pelo

trabalho, e que, portanto, a sua diferença específica é ser animal laborans e não animal

rationale. Não é preciso salientar que esta posição implica num ataque a Deus, como

criador do homem, numa reavaliação do trabalho que até então fora uma atividade

desprezada em termos da problemática filosófica-política e numa afronta à tradicional

dignidade da razão;

(ii) a violência é a parteira da História, o que significa uma contestação à faculdade

específica do homem, segundo os gregos, que seria a de conduzir os negócios da pólis

através da capacidade dos homens livres de se persuadirem pela palavra. A violência, no

contexto clássico, seria uma ultima ratio, aplicável apenas na relação entre os bárbaros e

com os escravos forçados a trabalharem – e por isso que sua atividade não era digna,

pois não implicava no uso dialógico da palavra;

(iii) a atualização da Filosofia na Política, que implica no fim de um ciclo de

pensamento, iniciado quando um filósofo – Platão – se afastou da Política para retornar

a ela impondo seus padrões, e encerrando quando um filósofo – Marx – se afastou da

Filosofia para realizá-la na Política. Este salto de Marx, da filosofia para a política,

trouxe, consoante Hannah Arendt, profundas modificações ao conceito de História,

que merecem ser sucintamente resenhadas para uma devida avaliação da ruptura

entre modernidade e tradição.

De acordo com os gregos, a circularidade da vida biológica conferia à natureza o seu

caráter de imortalidade, em contraste com a mortalidade concreta dos homens.

Entretanto, o tempo retilíneo de uma vida individual, onde o presente não repete o

passado e cada instante é único e diferente pode albergar feitos e acontecimentos que,

pela sua singularidade, merecem ser conservados. A função da História seria registrar

estes feitos e acontecimentos garantindo desta maneira, a imortalidade do homem na

terra.

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Esta visão da História foi modificada quando Vico enfrentou o problema da distinção

entre processos naturais e processos históricos. De acordo com Vico, a natureza é feita

por Deus, e só Ele pode compreender seus processos. Entretanto, a Hitória é feita pelo

homen, que pode, consequentemente, entender os processos que desencadeou. Em

outras palavras, e para usar a formulação de Ortega: a História é o sistema das

experiências humanas.

Entretanto, para Vico e para Hegel, a importância da História é teórica. É uma visão a

posteriori dos acontecimentos, na qual o historiador, porque observou a totalidade do

processo, pode abarcar seu sentido. Nas palavras de Hegel: “A coruja de Minerva voa só

no cair da tarde, quando uma forma de vida já envelheceu”.

Marx, ao propor a atualização da Filosofia na Política, politizou e industrializou o

conceito da História, subvertendo o seu significado teórico. De fato, a Filosofia Política

de Marx se baseava não numa análise da ação mas na preocupação hegeliana com a

História, só que a História deixou de ser uma compreensão do passado para ser uma

projeção do futuro. Em outras palavras, a História passou a ser um modelo cuja

contemplação fornece regras para a ação. A finalidade da História é a atualização da

idéia de liberdade.

PENSAMENTOS

A localização deste projeto no Programa Vocacional tenta aproveitar a

estrutura institucional para a criação artística. Como maneira de mantermos este

processo coerente tanto com as premissas do programa como da proposta estética,

julgamos fundamental que exista algum nível de tomada de consciência das ações e

resultados presentes ao longo do trabalho.

Como estratégia para atingir este objetivo é que utilizaremos a comparação

entre (1) a dança com a presença do observador ao vivo e (2) a dança através da

imagem. Em termos objetivos, isso quer dizer que utilizaremos o vídeo como

ferramenta de avaliação e de composição, o estudo do movimento passa pelo estudo

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videográfico de registro de movimento e assim, resultará na criação de pequenas danças

que terão duas versões: uma ao vivo, com a presença corporal de dançarino e

observador, e outra através da composição videográfica.

Para sistematizar este processo, usaremos o blog como ferramenta ao

postarmos os estudos com o vídeo como registro para que possa ser estudado por todos

em comparação com a leitura de trechos selecionados de textos. Esta estratégia tem o

objetivo de permitir o processo de conscientização das aproximações entre a

experiência pessoal e as premissas do Programa Vocacional.

Tentando manter uma linha de coerência, escolhemos o seguinte trecho do

texto de Celso Lafer “Da dignidade da tradição: sobre Hannah Arendt”, publicado na

edição em português de Between Past and Future de Hannah Arendt, 1972, 2a edição,

editora Perspectiva)

O Espaço da Palavra e da Ação

Es quimera pensar en una sociedad que reconcilie al poema y al acto, que sea palabra viva y palabra vivida, creación de la comunidad y comunidad creadora? Octavio Paz (Los signos en rotación)

A liberdade, no campo da Política, é um problema central, para não dizer um axioma,

a partir do qual agimos. Entretanto, no campo do pensamento o pressuposto a partir

do qual raciocinamos é exatamente oposto: nada vem do nada. De fato, num exame

teórico sobre uma determinada ação, ela parece normalmente resultar, conjunta ou

separadamente, ou da casualidade da motivação íntima de seus protagonistas ou do

princípio geral de causalidade que regula o mundo externo dentro do qual se inserem

estes protagonistas.

Esta dicotomia, diz Hannah Arendt, é aparente e só surge quando se identifica política

e pensamento, obscurecendo-se desta maneira o fenômeno da liberdade. O campo do

pensamento é do diálogo do eu consigo mesmo, que provoca as grandes perguntas

metafísicas e onde o livre arbítrio se insere como centro da razão prática de Kant. O

campo da Política é o do diálogo no plural que surge no espaço da palavra e da ação

– o mundo público – cuja existência permite o aparecimento da liberdade.

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De fato, a consciência da presença ou da ausência de liberdade ocorre na interação

com os outros e não no diálogo metafísico d eu consigo mesmo. Por isso, para Hannah

Arendt, a chamada liberdade interior é derivativa, pois pressupõe, ou uma retração

forçada de um mundo públicoencolhido onde a liberdade é negada ou de uma retração

deliberada da Vida Activa para reclusão, sem dúvida digna, da Vida Contemplativa.

Política e liberdade, portanto, são coincidentes, porém só se articulam quando existe

mundo público.

A ação, apesar de requerer vontade e intelecto, a eles não se reduz. Resulta de outros

princípios, muito bem percebidos por Maquiavel na virtú, com a qual o homem

responde às oportunidades que o mundo lhe oferece na forma de fortuna. Seu sentido é

dado pela palavra virtuosidade, que liga a política às performing-arts, na medida em

que entreabre as conexões entre as ações e as virtuoses, cuja realização se dá durante

e na execução de sua arte.

Isto não quer dizer que a Política seja arte no sentido convencional da arte criativa – o

estado como uma obra-prima coletiva – pois tradicionalmente as artes criativas, ao

contrário da Política, levam à obra, assinalada por uma existência independente. De

fato, ainda que modernamente a linhagem de Mallarmé busque substituir a obra

acabada pela obra aberta, onde, para lembrar Octavio Paz e Harldo de Campos, os

signos em rotação se situam no horizonte do provável, esta existência independente

implica na concentração maior dos momentos de liberdade no próprio processo de

criação. Depois do lance de dados, o autor se vê limitado pela própria obra de quem se

torna filho e espelho, como aponta Valèry e que serve para ilustrar como a obra,

mesmo aberta, esconde em parte a visibilidade dos momentos de liberdade de seu

criador e limita o número de possibilidades de liberdade do leitor.

A Política se situa num outro campo e, consequentemente, não conduz nem a

fabricação da obra, nem as limitações ou à durabilidade dela decorrentes. É por isso

que as instituições políticas não têm existência independente. Estão sujeitas e

dependem de outros e sucessivos atos para subsistirem, pois o Estado não é um

produto do pensamento mas sim da ação. Ação que exige a vida pública, para que a

possível coincidência entre palavra viva e palavra vivida possa surgir e assegurar a

sobrevivência das instituições através da criatividade.

Se a Política é um produto da ação, o que significa agir? Agir deriva dos verbos

latinos agere - pôr em movimento, fazer avançar – e gerere – trazer, criar – cujo

sentido, para esta análise, pode ser captado pelo seu particípio passado gestum, de

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173

onde se origina gesta. O sentido original de agere exprime atividade no seu exercício

contínuo, em contraste com facere que exprime atividade executada num de terminado

instante.

Estas denotações distintas enfatizam as diferenças acima mencionadas entre a

criatividade da obra de arte e a criatividade da ação política – esta última assinalada

pelo exercício contínuo da liberdade política, que faz avançar e viver as instituições.

COROGRAFIA-VÍDEO

Para sustentar as lacunas entre a composição coreográfica e videográfica,

sistematizaremos nossas ações a partir da reflexão sobre a obra pontos fundamentais no

trabalho do artista canadense Stan Douglas, de condições presentes nos trabalhos de

Yvonne Rainer, Merce Cunnigham e de um ponto levantado por Walter Benjamim

sobre a origem do drama. Transcrevemos alguns trechos textuais que servirão de ponto

de partida:

A mente é um músculo (1)20

As escolhas no meu trabalho estão predicadas ao meus próprios e peculiares recursos –

obssessão da imaginação, talvez – e também um argumento contínuo de amor e

desprezo à dança. Se minha raiva ao empoberecimento de idéias, narcisismo e

exibição sexual disfarçada da maioria das danças pode ser considerada moral

puritana, é também verdade que eu amo o corpo – seu peso, massa, sua fisicalidade.

De maneira geral, minha preocupação é revelar “pessoas” quando engajadas em

diferentes atividades – sozinhas, com o outro, com objetos – e de “pesar” as

qualidades do corpo humano em relação as qualidades dos objetos, longe da super

estilização do dançarino. De um lado, interação e cooperação, do outro,

20 Tradução livre de Andreia Yonashiro de “Statement”, públicado originalmente no programa do

trabalho de “The mind is a muscle” (A mente é um músculo) de Yvonne Rainer.

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substancialidade e inércia. A invenção do movimento, “dançar” num senso estrito, é um

dos diversos fatores do trabalho.

Apesar das preocupações formais variarem em cada seção de A MENTE É UM

MÚSCULO, podemos fazer uma afirmação genérica. Normalmente estou envolvida

com mudanças assim que elas criam conflitos com uma ou mais constantes: detalhes

executados num contexto de energia contínua (TRio A, Mat); frases e cominações em

uníssono (Trio B); interatividade e movimentos mutuamente dependentes realizados

num padrão do chão (Trio A); mudar padrões de chão e configurações desenvolvidas

por um grupo em movimento ou por uma unidade singular (Filme, cavalos); mudanças

na configuração de grupo entorno de uma área constante de foco (Act); e justaposições

mais óbvias que envolve separações no espaço e no tempo.

A condição para a criação das minhas coisas é baseada na continuidade de meu interesse

e energia. Assim como questões ideológicas não não pertencem a natureza do trabalho,

nem o teor de condições políticas e sociais tem participação em sua execução. O

mundo desintegra-se ao meu redor. Minha conexão com o mundo em crise

permanece tênue e remota. Posso pre-ver um tempo quando esta distância deve deixar

de existir, apesar de não saber quando ou como esta relação mudará, ou quais

circunstâncias me incitará para uma ação diferente. Talvez nada do tipo de

“recrutamento feminino militar” afetará minha função (o fato da disciplina física do

dançarino tornará-o a primeira vítmia); ou um pedido mundial para acabar com as

funções individuais, incluindo o término do genocídio. Esta “afirmação” não é uma

apologia. É o reflexo de um estado de espírito que reage com horror e descrença ao ver

um vietnamita morto na TV – o horror não à visão da morte, mas ao fato de que a TV

pode ser desligada da mesma maneira que fazemos no fim de um filme Western ruim.

Meu corpo continua sendo a perpetuação da realidade.

A mente é um músculo (2)21

Sally Banes, autora de “O corpo da democracia: o Judson Dance Theater 1962-1964″

escrveu que a nova linguagem formulada na Judson representava uma “asserção da

primacia do corpo, do corpo como lugar vital da experiência, pensamento, memória, 21 Tradução livre de Andreia Yonashiro de trechos do livro “The Mind is a Muscle”, de Yvonne Rainer e

Catherine Wood, Editora Afterall, 2007.

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175

compreensão e um sentimento de fascínio. No espírito democrático do trabalho havia

um desafio alegredas regras coreográficas e sociais: uma recusa a captular os requisitos

da “comunicação” e do “significado”.

(…)

A questão da mente-corpo como é formulada no trabalho de Rainer nos anos 60

encontra seu eixo de formação aqui: as palavras saltam para o frente e arrastam para trás

contra a imediaticidade da presença física ao vivo, situando o performer num contexto

social mais amplo e autobiográfico, mais do que a moldura parentética da “dança”

permitiria normalmente.

“A linguagem de dança de Rainer foi apresentada não somente dentro do “conceitual”

mas também, dentro da moldura física e temporal do teatro. Carrie Lambert-Betty

discute a maneira que o tempo é tratado em seus trabalhos, mais como um “container”

do que como medida. Ela evoca a idéia de um tempo da tarefa etnográfica – por

exemplo, ao invé de utilizar uma duração medida para estruturar as atividades, as

atividades e tarefas são usadas para medir o tempo. (…) Proponho que o modo de

resistência no trabalho de Rainer pode ser definido tanto em estruturas temporais como

espaciais – a uma hora e quarenta e cinco minutos e a arquitetura do teatro –

considerados como “containers” nos quais ela elabora e manipula a partir de

expectativas convencionais.

(…)

Para Bourriard: Eu poderia existir no espaço que me define? era uma questão central

colocada às artes nos anos 90. trabalho de Rainer coloca uma questão um pouco mais

complicada: não somente “posso existir?” dentro do trabalho, mas como o trabalho

transforma a mera existência em algo diferente? (…) Trio A persiste como uma

instância rara de celebração desafiadora e estética plantada no mundo, florecendo num

estado perpétuo de luta entre transitoriedade e intransitoriedade, entre materialidade e

idéia.

Chance and Circumstance22

Assim como (Antonin) Artaud, (John) Cage estava interessado no deslocamento da

sensibilidade através da justaposição de elementos heterogêneos, que coloca a ordem 22 Tradução livre de Andreia Yonashiro de trechos do livro “Chance and Circumstance” de Carolyn

Brown sobre sua experiência de vida (trabalho) ao lado de Merce Cunningham e John Cage).

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esperada de cabeça para baixo. Estas atividades separalad e não-relacionadas eram

estruturadas em parênteses temporais, determinados pelo uso de operações de sorte por

Cage, e de colagens de eventos apresentados de maneira inusitada, e na área

performática organizada por Cage; apesar da idéia ter sua origem com Artaud: “no

teatro da crueldade o espectador está no centro e o espetáculo o circula.”

(…)

Cage nunca seguiu uma vida meditativa centrada em exercícios de respiração-

consciência, escolhendo a utilizar procedimentos mecânicos de sorte que exigiam

infinitas horas de trabalho disciplinado, repetitivo e doloroso como uma tentativa de

excluir seu ego e suas preferências assim como qualquer vestígio de gosto musical em

sua música.

(…)

Quando questionado se “Suite ao acaso” era uma dança abstrata Merce dizia que não via

como seres humanos podiam ser abstratos (…) o significado da dança existe na

atividade da dança. Um tronco significa mais que um salto. Dança é expressão da vida,

se isso não é válido, a própria vida não é válida.

Dança pós coreografia23

“Aquilo foi uma revelação para mim, que o comportamento espontâneo podia tornar-se

parte da performance. E foi a primeira vez que eu rí em uma performance”. Esta

revelação fez com que Rainer pensasse que talvez a coreografia poderia ser criada de

uma maneira completamente diferente: de maneira coletiva e impulsiva.

Monodramas24

“Monodramas – 10 vídeos para televisão” é o título de um trabalho do artista canadense

Stan Douglas. Aparecendo durante as pausas para comerciais, cada vídeo é um curto

segmento que confundem elementos dramáticos e comerciais para confundir a

expectativa do público.

23 Tradução livre de Andreia Yonashiro de trechos do artigo “Dance after choreography”, publicado em “Everywhere and all at once: an anthology of writings on Performa 07″. 24 Tradução livre de Andreia Yonashiro de trechos do texto de Philip Monk extraídos do livro “Stan Douglas”, editado por Friedrich Christian Flick Collection, 2006

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A qual mídia ou tradição localizamos-o (Stan Douglas) uma vez que ele torna-se

ausente nos intervalos entre as mídias; quando sua arte alegoriza a obsolência e o

fracasso: a obsolência de dominar tecnologias e os fracassos das utopias modernistas? A

qual progresso podemos afiliá-lo quando fracasso e obsolência reaparecem como

visitações spectrais, quando tradição se parece mais com uma transmissão inconsciente,

quando a cronologia dá lugar à arqueologia, mas também ao retorno imaterial do

reprimido?

(…)

Começamos no in media res - no meio das coisas. Mas e se o meio não é o direito à

herança cultural, especialmente para aqueles de nós na remota América do Norte que

chegou historicamente atrasado? A recepção no nosso caso somente repete a distância

da periferia e o comercio tradicional das metrópolis de arte. Com qual voz poderia um

artista articular seu lugar na história da arte nesta posição de recepção tardia?

(…)

Overture é uma onomatopeia, uma confluência do tempo mecânico, que procede através

da repetiçao, e do tempo humano, que é conhecido pela memória. A consciência já está

acostumada com a repetição desde o início.

(…)

Já estávamos sonhando acordando induzidos pela passagem ao espaço e tempo

cinemático? Esta edição obscura expõe a mentira de uma consciência individualizada

passando serenamente e seguramente do dormir ao acordar, como se simplesmente

transitasse da escuridão do túnel à luz clara da identidade percebida.

(…)

A nostalgia modernista é uma maneira de esquecer o que foi marcado pelas repetidas

batidas da repressão.

(…)

Como ele pode manipular seus códigos para significar, invés de repetir seu dilema de

recepção e de performance fracassada nos mecanismos primitivos de engenhocas com

Deux Devises cujas aproximações vacilantes das conquistas industriais do filme

sugerem que as divisões sejam transmitidas mesmo quando juntamos imagem e som?

(…)

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A ausência é mais do que a conveniência da amnésia ou a exclusão de representações

dominantes. Nós sabemos que em Hollywood somos implicados ao nos identificarmos

com um protagonista numa sucessão de tomadas? O filtro desajeitado de uma

technologia obsoleta não pode dar vida a experiência vivida. A ausência de perspectiva

e tomadas em ângulos reversos pode tornar o filme real para nós? Douglas sugere que:

“quando formas de comunicação tornam-se obsoletas elas se tornam index de uma

compreensão de um mundo perdido. (…) A tecnologia inclui um objeto no seu ponto de

vista como objeto às técnicas e representações, que são constitutivas da identidade.

Dentro deste regime, ver e ser são uma só coisa com a tecnologia.

(…)

As máquinas só funcionam porque elas quebram, manter sua performance é uma ilusão

de funcionalidade.

(…)

Um terror sublime testa o indivíduo; fracasso leva a loucura.

(…)

Cada vez menos o mero reflexo da realidade revela qualquer coisa sobre a realidade.

Uma fotografia sobre os trabalhos de Krupp ou a A.E.G. nos diz quase nada sobre estas

instituições. A realidade de fato já se transformou em funcionalidade. A reitificação das

relações humanas – a fábrica – significa que elas não são mais explícitas. Portanto, algo

deve ser construído, alguma coisa artificial, uma pose.

(Bertold Brecht)

(…)

A contradição é construída como ironia.

(…)

A “moldura” estética através da qual vemos o que está sendo obscurecido na imagem

permanece inconsciente. Podemos dizer: “olha, aqui estão os petroglifos nativos”. Mas

não podemos apontar e dizer: aqui está a moldura através da qual estamos olhando.

Mesmo antes de reconhecer a cena, vemos através da moldura invisível do olhar. A

imagem habita a moldura mas sua divisão dentro-fora infiltra seu interior e passa a

habitar a própria imagem.

(…)

A relação do passado no presente é a persistência de gêneros sobrecarregados do

passado no presente. (…) A tarefa do artista não é apropriar-se de um gênero ou estética

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179

meramente por associação histórica. Não visível de imediato, a estética de um gênero

revela e oculta o que está na imagem.

(…)

Elipses de suspensão

Num momento pós-colonial, Douglas declara a “ausência” como um tema constante,

esperamos que ele conteste na sua arte para adquirir uma identidade que estaria

desaparecida. Quando Douglas apresenta a ausência em seu trabalho, ela encontra-se

invisível. Como que um tema pode não aparecer? Esta recusa da ausência procede

contrariamente através de sua presença. Ele delega sua ausência à maquina. A máquina

calcula as ausências e as circula através de repetições e suspensões de maneira a colocar

em movimento aquilo que é e aquilo que não é. A ausência é funcional.

A origem do drama trágico alemão 25

Tragédia e o drama barroco são radicalmente distintos, em fundamentos metafísicos e

gênero de execução. A tragédia é baseada no mito. Ela atua em torno o rito de um

sacrifício heróico. Na realização deste designo sacrificial-transcedente, a tragédia

garante ao herói uma condição de estar eticamente em vantagem em relação aos deuses,

o seu sofrimento e tolerância do bem e do mal, de fortuna e desolamento, o projetou

numa categoria além ao essencialmente inocente, apesar de deuses materialmente

onipotentes (a luta de artemis do hyppolytus moribundo, a miopia de dionysus

ecxedendo a cegueira de pentheus). Estas realizações compelem o herói trágico ao

silêncio e aqui Benjamim é muito influenciado pelo conceito de condição meta-etica do

homem trágico de Rosenzweig.

O drama barroco, ao contrário, não está enraizado no mito mas na história.

Historicidade, com toda implicação de texturas politico-social e referência, gera tanto

conteúdo como estilo. Sentindo-se sugado na direção do abismo da condenação, uma

condenação registrada profundamente num sentido carnal, o dramaturgo barroco,

alegorista, historiógrafo e as personagens que ele anima, se grudam fervorosamente ao

mundo. O drama é anti-transcedental; ele celebra a imanência da existência mesmo

onde esta existência é vivida em tormento. É enfaticamente mundana, ligada a terra,

25 Tradução livre de Andreia Yonashiro de trechos do livro: “A origem do drama trágico alemão” de Walter Benjamim”, Verso, Nova York, 2009.

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corpórea. Não é o herói trágico que ocupa o centro do palco, mas um rosto tipo Janus

composto do tirano e do mártir, o Soberano que encarna o mistério da vontade absoluta

e de suas vítimas (muitas vezes ele próprio). O sangue real roxo e vermelho se misturam

na mesma veia.

CRONOGRAMA

abril maio junho julho Estudo Do movimento

- área de base x linha gravitacional - relações rítmicas, ritmos binários, trinários, ausência e presença de harmonia e melodia

- equilíbrio estável x equilíbrio instável - translação - rotação

- impulso = massa x velocidade - peso = massa x força gravitacional - princípios da educação somática aplicados no confronto com a gravidade

- vetores de movimento anti-gravitácional x deslocamento do eixo - movimento sem deslocamento do eixo

cinesiologia

- deslocamento do eixo a partir da movimentação da articulação da região cervical - movimento sem deslocamento do eixo (enfase na musculatura relacionada ao diafragma)

- deslocamento do eixo a partir da movimentação da articulação da região dos cotovelos -movimento sem deslocamento do eixo

- diferenças na utilização de cadeias musculares através de vetores antigravitacionais

- diferenças na utilização de cadeias musculares através de vetores antigravitacionais relacionadas ao deslocamento do eixo

composição

noção de tempo e espaço a partir da relação entre quem dança e observador

noção de simultaneidade espacial

noção de simultaneidade temporal

noção de técnica relacionada a necessidade de repetição - criação de danças individuais

contextualização estética

apresentação do programa vocacional (sentido de participação: artista-orientador x vocacionado - a dança

contato com criadores de outras épocas e geografias através do registro vídeográfico - SEM A INFLUÊNCIA

origem do teatro: necessidade de representação na tragédia - dança de Kazuo Ohno, Pina Bausch e Nijinsky

-documentário: um século de dança, diferentes técnicas de composição relacionados ao contexto histórico - Café Muller de Pina Bausch

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através de imagens fotográficas, o sentimento de dança que sobrevive através da fotografia

DO DISCURSO

linguagem videográfica

- registros videograficos de encontros de trabalho

estudo da obra de stan douglas

agosto setembro outubro novembro Estudo Do movimento

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

cinesiologia

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

aprofundamento de todos trabalhos anteriores através de sua conscientização enquanto técnica para composição

composição

criação de danças individuais

criação de composição coletiva a partir de danças individuais

repetição x técnica = ensaio - outros elementos de composição (figurino, som e luz)

apresentação e avaliação

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Contextual lização estética

- 2a. Parte do documentário um século de dança -produção cinematografica que incorpora a dança - video-dança -ida ao teatro, produção contemporânea paulista

produção de artístas multimídia --ida ao teatro, produção contemporânea paulista

exposição de Joseph Beyues e Bienal de Arte --ida ao teatro, produção contemporânea paulista

avaliação dos trabalhos de companheiros do programa vocacional

linguagem videográfica

definições de locações - criação de roteiros - definição de figurino

-definições de materias e roteiro de filmagem - filmagem - edição - distribuição

CONSIDERAÇÕES PEDAGÓGICAS

A complexidade inicial dos diversos pontos de vistas sobre a mesma coisa é

uma estratégia pedagógica para permitir que ao longo do processo sejam eleitas

preferências a partir do diálogo conjunto. Um dos maiores desafios (conscientes),

porém, é a incorporação da leitura de pensamentos de críticos e filósofos como parte

essencial do procedimento com a dança. Existe um receio quanto a este aspecto, mas

que sua eficiência parece-nos depender de uma adequação do discurso de apresentação

dos conteúdos e pensamentos, assim como uma constante consideração de como as

palavras podem estar evidentes nas ações ao longo dos trabalhos.

Do ponto de vista metodológico, nos inspiramos na proposta pedagógica

que Emile Jacques Dalcroze conceitua e identifica, na qual é essencial manter o foco na

sensibilidade artística através da disciplina técnica e vice-versa.

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183

REFERêNCIAS BIBLIOGRáFICAS

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Brito de Almeida; traduzido por Julia Elisabeth Levy, São Paulo: Paz e Terra, 2002.

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BENJAMIM, Walter. The origin of german tragic drama, Verso, Nova York, 2009.

BROWN, Carolyn. Chance and Circumstance – twenty years with Cage and

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CASINI-ROPA, Eugenia. La danza e l’agitprop – I teatri non-teatrali nella cultura

tedesca Del primo novecento, Bologna, Il Mulino, 1988.

FRANCO, Susanne and NORDERA, Marina (org.). Dance discourses – keywords in

dance research, Nova York, Routledge, 2007.

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Page 184: pesquisa 2010 - dança constelar

184

MEYER-HERMANN, Eva, PERCHUK, Andrew, ROSENTHAL; Stephanie (org.).

Allan Kaprow – Art as Life, Thames and Hudson, Londres, 2008.

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OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação, 6a Ed. – Petrópolis, Vozes,

1987.

RASCH, Philip J. Cinesiologia e anatomia aplicada, 7a Ed., Rio de Janeiro,

Guanabara, 2008.

WOOD, Catherine. Yvonne Rainer’s The mind is a muscle, Editora Afterall, 2007.

CEU Butantã

Região Oeste

a iDIOSSINCRASIA aPLICADA À dANÇA

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185

Priscila Lima

1. RESUMO

O objetivo é ampliar o conhecimento e a prática da Dança na identidade local. Esse

trabalho pesquisa a Dança como instrumento que colabora com a descoberta da

percepção sensorial e corporal do indivíduo. Passando por um processo de

aprendizagem que favorece as condições para se relacionar com o outro e com o meio

onde vive.

Palavras- chaves: Dança, Idiossincrasia

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2. JUSTIFICATIVA

Devido a Dança estar ligada as referências da mídia, pretende-se criar um espaço

de diálogo, utilizando a percepção do corpo e suas formas de movimentação, para que

existam trocas de conhecimento e experiências que possam ser compartilhadas e vividas

por todos.

3. INTRODUÇÃO

O Brasil é conhecido por seu povo dançante. Pela grande espontaneidade

corporal de suas manifestações populares que em maioria relaciona uma dança a uma

música e região. Visto dessa maneira, poderia afirmar que todos conhecem muito bem

as diversas danças e que ela está inserida nas diversas classes sociais para ambos os

sexos, mas não é bem assim, por todos acharem que já sabem dançar essa área durante

anos foi impossibilitada de ser pesquisada com profundidade, deixando espaço para

criarem-se certos preconceitos que existem até hoje.

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Os relacionados ao sexo, muitos dizem que dança é só para mulheres, mas

muitas manifestações são em maioria e ou com participação masculinas, tais como a

capoeira, carnaval, danças de salão, dança de rua, danças populares entre outras.

Também relacionados às religiões, difundem idéias de que o corpo está relacionado ao

pecado, tem receio de utilizar o corpo como expressão e ainda à falta de conhecimento

dos trabalhos de artistas que pesquisam danças “diferentes” das populares para a

sociedade, tais como a dança contemporânea, moderna, etc., são vistas como estranhas.

(MARQUES, 1997).

O processo de aprendizagem da Dança deve estabelecer condições para os

indivíduos se relacionarem uns com os outros e com o meio onde vivem, a fim de se

assumirem, utilizando aqui o ser como social, pensante, com repertório corporal,

comunicador, transformador, criador, crítico e com autonomia em realizar suas

escolhas. (FREIRE, 1996; LABAN, 1990).

Entre as possibilidades de praticar a Dança, estão os projetos e ações sociais

voltadas às pessoas com dificuldade ao acesso as diferentes atividades, entre elas as

artísticas. É preciso trocar conhecimentos, dessa forma propõe-se uma autonomia para

que a partir de todos os conteúdos trabalhados o indivíduo possa estabelecer escolhas e

se aceitar respeitando as possibilidades de seu corpo. Devemos estar em movimento e a

dança como linguagem corporal, amplia a participação na comunidade já que ela

propicia o encontro da relação corporal com a sua existência. (SILVA, 2009; LABAN,

1990).

Todos possuem a capacidade de desenvolver o sentido do movimento, então se

deve trabalhar com o esforço físico, o espaço ocupado, qualidades de movimento,

liberdade de movimentação para a descoberta de sua identidade e ainda conhecimento

anatômico para a ampliação de escolhas de movimentos, contando que para esse

trabalho é necessário deixar-se transparecer as sensações que o corpo vai percebendo de

dentro para fora e de fora para dentro. (LABAN, 1990)

A fim de desenvolver o trabalho de dança, aplicam-se exercícios com forma e

conteúdos básicos e universais de movimentação, no qual ocorre a iniciação da

expressão artística por meio da criatividade e que esta esteja adequada à possibilidade

de ampliação de vocabulário corporal, permitindo um aprofundamento na linguagem da

Dança. Além do esforço físico específico para a movimentação de qualquer estilo,

trabalha-se a relação do mundo exterior com os impulsos internos espontâneos que

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invadem o corpo todo e faz acontecer à dança (LABAN, 1990). A seguinte citação

reforça essa idéia:

A descoberta do eu interno, de um ser único, individual e criativo, é indispensável ao exercício da dança, se quisermos que ela se torne uma forma de expressão da comunidade humana. Vianna

(2005:111/12)

Com a prática o indivíduo adquire domínio das qualidades de movimentação,

entre elas, intensidade, ritmo, tensão, peso, tempo, espaço e fluxo, tornando natural com

a repetição, porém a repetição mecânica dos gestos não importa, mas sim a

compreensão do valor, dos sentimentos, das emoções, do prazer, dos desejos, da

insegurança a serem superadas pela segurança. Essas importantes colocações devem ser

orientadas para que o indivíduo tenha a consciência e possa expor sua identidade, por

isso é preciso descobrir facilidades e dificuldades ao utilizar esses conteúdos de forma

que essa compreensão possa estimular o potencial do indivíduo. (LABAN, 1990;

FREIRE, 1996; KLAUSS, 2005)

4. IDIOSSINCRASIA NA DANÇA

O homem é uno em sua expressão: não é o espírito que se inquieta nem o corpo que se contrai – é a pessoa inteira que se exprime. Vianna (2005:.150)

Page 189: pesquisa 2010 - dança constelar

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Pensando em desenvolver essa pesquisa lembrei-me da palavra

“Idiossincrasia” ensinada por uma mestra na Universidade, e percebi de que o meu

trabalho é livremente inspirado em sua definição, o instrumento é a dança, mas a

sensação, observação, maneira de ser, ver o mundo e sua reação aos procedimentos é

peculiaridade do indivíduo e que dialogamos na sala de aula.

O olhar de orientação: propõe, indica, explica, estimula, a partir da

observação ativa dos vocacionados, mas a Dança acontece a partir da percepção

sensorial e corporal do indivíduo, o que proponho é que cada um entre em contato com

seu corpo e através de conteúdos alcance uma forma única de se movimentar e se

expressar livremente.

A escolha é trabalhar com elementos anteriores a dança no início do

encontro: reestruturação corporal, alongamento, esqueleto, massagem, sensação

corporal, para que depois a dança seja natural e o corpo esteja preparado para essa

prática, já que muitos só lembram-se de ter um corpo quando sentem dores. O objetivo é

que possam aceitar seu próprio corpo em qualquer aula corporal, baile ou técnica

específica de dança que participarem.

Em outro momento do encontro estimulo as trocas de experiências entre os

indivíduos, proponho procedimentos de movimentação, observação e criação em

coletivo que também ajuda os inibidos e possibilita o diálogo, de forma que cada um

possa se expressar a partir dessa vivência.

5. MÉTODOS

5.1 Amostras: Público do Bairro do Butantã, com idade a partir de 14 anos.

5.2 Procedimentos:

• Maio e Junho: (forma e conteúdos básicos e universais da dança)

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Respiração, articulações, alongamento, espelho, níveis, trajetos (reto e sinuoso), foco do

olhar, qualidade de movimento (reto e sinuoso), ritmo, esqueleto do pé, apoios,

equilíbrio, desequilíbrio, confiança, observação, relação com o espaço e com o outro,

trabalho em dupla, criação coletiva.

• Julho e Agosto: (forma e conteúdos básicos e universais da dança)

Respiração, articulações, alongamento, espelho, níveis, trajetos, foco do olhar,

qualidade de movimento, ritmo, esqueleto, apoios, equilíbrio, desequilíbrio, confiança,

observação, relação com o espaço e com o outro, trabalho em dupla, criação individual

e coletiva, intensidade, fluxo, seqüência de movimentos-coreografia.

• Setembro e Outubro:

Respiração, articulações, alongamento, espelho, níveis, trajetos, foco do olhar,

qualidade de movimento, ritmo, esqueleto, apoios, equilíbrio, desequilíbrio, confiança,

observação, relação com o espaço e com o outro, trabalho em dupla, criação individual

e coletiva, intensidade, fluxo, sentidos, seqüência de movimentos-coreografia, repetição,

memória.

-Mostra de vídeos de espetáculos de dança- história da dança - apreciação

• Novembro:

-Ensaios para a Mostra final do vocacional- tema norteador Sua dança e Diversidade

-Avaliação do processo

- Sustentabilidade: Estabelecer a continuidade das pesquisas da turma e grupo, junto ao

equipamento.

5.2.1 Ações

• Maio e Junho: Difusão do projeto no equipamento e aos seus arredores com

entrega de filipetas, ligações para os inscritos, apresentação na Festa Junina

(artista-orientadora), reuniões com coordenação e gestão, divulgação nos

eventos de encerramento das coordenações de Educação e Esporte. Cultural-

orientação de grupo “Linguagens de dança”.

• Julho e Agosto: Difusão do projeto com parceria das Coordenações de Educação

e Esporte, divulgação e entregas de filipetas no Baile da Feliz Idade, na Casa de

Cultura. Cultural - orientação de grupo “Linguagens de dança”, apresentação no

encerramento das aulas de Dança Coordenação de Cultura (artista-orientadora e

Page 191: pesquisa 2010 - dança constelar

191

grupo), assistir apresentações de dança, Vocacional em Rede, JAM Hip Hop, 1º

Dança Vocacional Convida.

• Setembro e Outubro: Cultural - orientação de grupo “Linguagens de dança”,

2ªMostra de dança no CEU PQ. Anhanguera, Aniversário do CEU Butantã,

Assistir apresentações de dança, Mostra Processo Vocacional, Festival de dança

da Coordenação de Educação, Totens urbanos centro-oeste, Sarau Vocacional

Apresenta. Difusão do projeto.

• Novembro: Cultural- orientação de grupo “Linguagens de dança”, Assistir

apresentações de dança, Mostra Final Vocacional. Difusão do projeto.

6. DISCUSSÃO

6.1 Ações

Com o objetivo de ampliar o conhecimento e a prática da dança, além de propor

diálogos entre os diferentes estilos, as ações se concentraram em potencializar o Projeto

Dança Vocacional no CEU Butantã, a partir dos desejos da Coordenação, dos Artistas-

vocacionados e das possibilidades da orientação.

No início a entrega das filipetas foi imprescindível para que aguçasse a

curiosidade das pessoas, já que ninguém tinha ouvido falar nesse projeto. Essas

caminhadas também possibilitaram conhecer o entorno desse equipamento e perceber

nitidamente a diferença social das pessoas que moram por ali e foi mais um desafio

encontrar uma maneira de informá-los sobre o Projeto Dança Vocacional.

Durante o processo a grande flutuação de artistas- vocacionados caracterizou os

encontros, a partir do desejo de uma vocacionada houve a criação de um Grupo de

dança, que colaborou para potencializar o projeto dando início a uma pesquisa em

dança, a partir de seus desejos e realizaram apresentações nos eventos do CEU.

A JAM de Hip Hop com projeção de vídeos foi uma sugestão do Coordenador

de ação para incentivarmos os BBoys a se organizarem como grupo, pois usam o espaço

apenas para treino, foi uma possibilidade de torná-los mais visíveis no CEU e de fato

estimulou alguns a procurar lugares para apresentações, assim como freqüentar

encontros de Hip Hop pela cidade. Houve uma troca importante com os vocacionados,

pois todos se reuniram e dialogaram cada um com sua dança.

Page 192: pesquisa 2010 - dança constelar

192

O 1º Dança Vocacional Convida teve o objetivo de dialogar sobre as diferentes

danças após suas apresentações, além de reunir a comunidade do Bairro para apreciar as

diferentes manifestações na Linguagem da Dança, incentivando a prática e a formação

de público. Essa ação foi um procedimento artístico-pedagógico que auxiliou para

aprofundar a pesquisa nos encontros que se direcionava para a sua dança e a diversidade

entre o vocacionados.

Foi uma ação que contribuiu para surgir a vontade de incluírem experiências

corporais na sua dança, tais como a dança do ventre, jazz, ballet, capoeira, samba entre

outras movimentações que foram apresentadas nessa mostra e que fazem parte da

memória corporal de cada um.

As apresentações nos eventos do CEU contribuíram não só na difusão do

projeto, como também na experiência dos vocacionados, pois apresentaram o processo

em diferentes fases.

Assistir espetáculos para ampliação de conhecimento específico de dança e

realizar uma ligação com os procedimentos que ocorrem nos encontros, de forma que se

instiguem e possam realizar suas criações artísticas. Essa ação resultou na observação

dos conteúdos do espetáculo que são experimentados nos encontros, havendo a

percepção de que todos esses conteúdos podem resultar numa pesquisa cênica.

No Marco Zero a ação Totens Urbanos foi mais uma maneira de ampliar o

repertório corporal e a maneira de entender a dança, que essa possibilita apropriação de

espaços alternativos, públicos, não só o palco. Também foi um momento de troca com

outros vocacionados e ainda uma proposta de ocupação comum e artística dependendo

do momento. Essa ação resultou na vontade de trabalharem com objetos cênicos, que

foram escolhidos a partir da reflexão sobre a dança de cada um, todos escolheram algo

que representasse essa dança.

6.2 Material Norteador

A Pesquisa foi construída a partir dos vocacionados, de acordo com suas

vontades e desejos, aos poucos construímos o que era esse encontro e foi então que a

Improvisação em Dança proporcionou um olhar para si, movimentando a auto-estima

dos vocacionados, que voltavam cada dia, mais entusiasmados com o jeito de dançar

que não engessa e que não tem preconceitos, uma dança que todos podem compartilhar,

já que ela parte da sua idiossincrasia.

Page 193: pesquisa 2010 - dança constelar

193

O olhar de orientação: propõe, indica, explica, estimula, a partir da

observação ativa e questionamentos aos vocacionados, mas a Dança acontece a partir da

percepção sensorial e corporal do indivíduo, a proposta é que cada um entre em contato

com seu corpo e através de conteúdos alcance uma forma única de se movimentar e se

expressar livremente. Isso só é alcançado quando o orientador se coloca como

participante ativo do processo e não o único detentor do saber.

Os protocolos utilizados nessa pesquisa foram os “vídeocolos”, o registro

das cenas criadas pelo coletivo, que vivenciaram momentos individuais, duplas e em

grupos, tornando um material de pesquisa, que sugere a apreciação e questionamentos

sobre as diversas experiências vividas, para que o processo possa ser contemplado na

criação para a Mostra Final.

São diversos os estímulos para que os vocacionados sejam protagonistas de

suas vidas, assim como de suas pesquisas artísticas, mas nesse equipamento apenas o

grupo segue engatinhando para esse caminho, a turma demorou em ser um coletivo e

por isso o processo pede mais tempo. A maioria das desistências foi em relação à

segurança, devido o horário do encontro terminar às 22h, por motivos de trabalhos,

estudos e outros que não voltaram mais.

Mas isso não significa que o coletivo não esteja engajado e apropriado dos

meios de produção, todos tem a participação consciente dos conteúdos, inquietações,

referências artísticas e pedagógicas, pesquisa teórica que representa a prática. Essa

reflexão está contida nas apreciações que acontecem em todos os encontros.

Dessa forma está em foco, a emancipação que deve ser alcançada pela

convivência, aprender - ensinar, com o coletivo e espaço para manifestarem a sua dança.

Porém deve ser levado em conta o momento do coletivo no processo, para que seja uma

escolha natural de seguir outros caminhos com suas experiências.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 194: pesquisa 2010 - dança constelar

194

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa – São

Paulo: Paz e Terra, 1996

LABAN, R.; Dança Educativa Moderna (tradução Maria da Conceição Parayba

Campos) São Paulo: Ícone, 1990.

MARQUES, Isabel A. Dançando na escola. MOTRIZ - Volume 3, Número 1,

Junho/1997

SILVA, Thaís G.R. Dança: Políticas de cultura para potencializar a vida. V ENECULT

- Encontro de Estudos Multidisciplinares e Cultura .27 a 29 de maio de 2009.

Faculdade de Comunicação/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

VIANNA, Klauss; CARVALHO, Marco Antônio de. A dança.- 3. ed.- São Paulo:

Summus, 2005

Page 195: pesquisa 2010 - dança constelar

195

CEU Butantã

Região Oeste

uM Desdobramento Idiossincrático:

gRUPO lINGUAGENS dE dANÇA

Artista Vocacionada Patrícia Souza

Page 196: pesquisa 2010 - dança constelar

196

Projeto de pesquisa em dança Grupo Linguagens de Dança

Dançar é viver todas as possibilidades até que não possa mais encontrá-las, deixar de procurá-las será um erro para toda a vida. E levar da vida a falta de ousadia é dizer que a vida não teve grandes desafios.”

Patrícia Souza

Sinopse

A linguagem não é estática e sim mutante. O corpo assim como objeto intrínseco da

linguagem também se re-significa. São mutantes as relações entre corpo, linguagem

e movimento. A linguagem, o movimento, o signo coexistem. No espaço, no ar, no

concreto, no real, no irreal e no simbólico etc. A linguagem antevê a humanidade.

Com o corpo e suas linguagens concebemos, percebemos e habitamos no

mundo, ou em um determinado espaço.

O corpo é mediador da comunicação, o corpo está repleto de várias linguagens

em pleno funcionamento. Desta maneira o corpo está em constante comunicação. É por

meio das linguagens com diálogo nas abordagens da Educação Somática e

improvisações é que fazemos o uso do nosso corpo para essa pesquisa e vivencias. Este

trabalho propõe a apresentação de coreografias compostas por improvisações, sensações

e impressões partindo das experiências vividas através da dança pelo grupo. O grupo

apropriado da linguagem semiótica se relaciona e apresenta sua maneira de ver o mundo

e as coisas que a fazem sentir o mundo com felicidade sem amarras ou nada que se faça

parar.

Histórico: O grupo nasceu em fevereiro do ano de 2010, tínhamos muitas idéias e vivencias de

algumas oficinas em dança contemporânea que fizemos e queríamos trazer isso para um

trabalho em grupo. Tínhamos a dupla, mas não o espaço para fazer nossas pesquisas,

Page 197: pesquisa 2010 - dança constelar

197

ensaios e nem orientador. Em maio deste ano conhecemos a Priscila que já era

orientadora da Dança Vocacional do CEU Butantã do grupo de sextas-feiras. Foi assim

que contei do meu trabalho e unimos ao grupo de Ação do Vocacional. E desde maio

temos feito nossas pesquisas e ensaios no Estúdio 3 do Céu Butantã. O grupo tem

crescido fortemente em suas pesquisas e vivencias corporais, com a orientação da

Priscila, arista orientadora da Dança Vocacional.

Objetivo: Criar uma linguagem própria apresentada através da dança, como intervenção no espaço, no corpo e nos objetos que se fazem compor pelo real e único sentido de existirem a Vida. Objetivo específico: Associar a dança como linguagem e forma de comunicar-se com o todo. Relacionar a linguagem da semiótica ao estudo dos movimentos corporais focados a dança contemporânea Bibliografia: CAMPELO, Cleide Riva. Cal (e) idos Corpos, São Paulo, Annablume, 1996. CAMPELO, Cleide Riva; FORTIN, Sylvie; MARTINS, Suzana; PRÓCHNO, Caio C.S.C.; Vieira, Jorge A.; WOODRUF, Dianne. “Estudos do Corpo”. Cadernos do GIPE-CIT N. 2, UFB, Salvador, 1999 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, 13ª edição em 1994.

Page 198: pesquisa 2010 - dança constelar

198

CEU Jaguaré

Região Noroeste

tÚNEL dO tEMPO:

a importância da teoria na prática das Danças

Urbanas

Douglas Clemente de Souza

Page 199: pesquisa 2010 - dança constelar

199

(Duda Moreno)

Resumo

O trabalho a ser desenvolvido no CEU Jaguaré dentro Programa Dança

Vocacional 2010, tem como objetivo orientar o grupo The Cats Street Style na

investigação da teoria e da prática dentro do contexto histórico das danças urbanas com

ênfase no breaking, locking, popping e hip hop dance ou hip hop free style. Desta forma

transitaremos entre passado e presente da cultura Hip Hop construindo novas

possibilidades de criar e recriar os movimentos contidos nas danças urbanas.

Palavras -chave : Teoria, Prática, Danças Urbanas, Criação, Recriação.

Page 200: pesquisa 2010 - dança constelar

200

INTRODUÇÃO

Este trabalho é destinado ao Programa Dança Vocacional que propõe o

diálogo entre Artistas Orientadores e Artistas Vocacionados oriundos das várias

comunidades da cidade de São Paulo. O trabalho ocorrerá com os moradores do bairro

Jaguaré que se apropriam dos espaços do Centro Educacional Unificado Jaguaré ou

simplesmente CEU Jaguaré.

A proposta a ser desenvolvida nesse percurso é a orientação de grupo, uma

das práticas que rege o Programa Vocacional. Esta orientação será desenvolvida com o

grupo The Cats Street Style que direciona sua pesquisa dentro do universo das danças

urbanas, visando o desenvolvimento do grupo enquanto pesquisadores de sua própria

linguagem, novas formas de posicionamento coreográfico e pesquisas musicais, a fim

de que os integrantes tornem-se intérpretes-criadores preenchidos de conteúdo teórico e

prático. Portanto, o presente trabalho tem como objetivo orientar os integrantes do

grupo The Cats através da investigação teórica e prática, mergulhando no conteúdo

histórico das danças urbanas focando o breaking, o locking, o popping e o hip hop

dance, por um trânsito que liga dois pólos: passado e presente. Esta prática dançante foi

difundida pelo mundo inteiro, mas apesar de toda exposição através dos veículos de

mídia boa parte dos praticantes desconhecem sua origem.

A partir da ponte entre passado e presente será possível estimular a

consciência de que o que é vivenciado nos dias de hoje é resultado da evolução

constante de um seguimento histórico que já tem mais de trinta anos de existência. Essa

evolução constante permite experimentar outras possibilidades de movimentações,

assim como as várias propostas existentes na dança contemporânea, na dança afro e as

técnicas acrobáticas, uma vez que o hip hop dance foi criado a partir de uma mistura de

vários estilos de dança.

O grupo The Cats Street Style desenvolve as suas pesquisas a mais de dez

anos dentro das danças urbanas passando pelo Breaking, o Locking, o Popping e

atualmente está focado no Hip Hop dance ou Hip Hop Free Style como é mais

conhecido popularmente.

Page 201: pesquisa 2010 - dança constelar

201

A VELHA ESCOLA DAS DANÇAS URBANAS

De acordo com Ejara (2004), as danças urbanas referem-se a grandes

variedades de estilos/modalidades de dança relacionados a música e a cultura hip hop,

como: locking, popping, break e hip hop dance que foram desenvolvidos nas décadas de

60,70 e 80.

O locking, originalmente conhecido de campbellocking foi criado em Los Angeles por

Don Campbell a partir do passo funky chicken originado do funk no final da década de

60, e foi introduzido nos Estados Unidos da América por seu grupo “The Lockers”. O

locking possui movimentos similares ao popping e por isso é muitas vezes confundido

com este, mas são dois estilos de dança diferentes com suas próprias histórias e

conjuntos de movimentos. O locking baseia-se em movimentos rápidos e distintos de

braço e mão combinado com movimentos mais relaxados de quadris e pernas.

Locking foi originalmente dançado na batida do funk tradicional, assim

como som de James Brown. O funk é comum ainda para os dançarinos de locking, e até

hoje é usado em muitas competições.

Os movimentos são geralmente amplos e exagerados e frequentemente

rítmico e muito bem sincronizados com a música. Locking é uma atuação muito voltada

para o espectáculo, sempre interagindo com a platéia, alguns movimentos são bastante

cômicos por natureza e também é caracterizado pelas constantes paradas na ação e

rápido reinício do movimento na mesma velocidade de antes.

Um locker é um dançarino de locking. Lockers normalmente usam um estilo

de roupa característico, assim como roupas coloridas com listas e suspensórios.

O popping foi criado por Sam Solomon conhecido como Boogaloo Sam,

nascido em uma pequena cidade da Califórnia, Fresno. O dançarino possuía, no início

dos anos 70, seu grupo de Locking, quando em meados de 75 passou a criar seu estilo

próprio, e seu grupo, antes chamado de Electronic Boogaloo Lockers, tornou-se Electric

Boogaloos. O popping é baseado na técnica de rápida contração e relaxamento dos

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202

músculos para causar um empurrão no corpo do dançarino, sincronizado com o tempo e

as batidas da música.

Dentre vários movimentos que compõe este estilo temos dois movimentos

fundamentais, deslizar e flutuar que são movimentos feitos com a parte inferior do

corpo, ou seja, com pernas e pés, dando a impressão que o dançarino está deslizando

sobre o gelo. Em oposição a esses dois movimentos, há o tutting em que é utilizada a

parte superior do corpo (braços, mãos e punhos) formando ângulos retos de 90°,

lembrando os personagens da arte do Antigo Egito, por isso o nome Tut em referência

ao rei Tut.

O Break foi criado no Bronx em Nova Iorque, os primeiros B. Boys/

B.Grils (abreviação de Break Boys- pessoas que praticam o break) surgiram nas Block

Parties

(festas de quarteirão) com o DJ Kool Herc um jamaico-americano e seus dançarinos os

Nigga Twinz. Os movimentos intricados, acrobáticos dos b.boys começaram a buscar

fãs e seguidores nas ruas trazendo junto o Graffiti (expressão artístico- visual) e o Rap

(trilha sonora), sua explosão ao grande público passou a acontecer a partir de 1974, mas

foi na década de 80 que o break alcançou um reconhecimento mundial com a exposição

de filmes como Style Wars, Wild Style, Beat Street, Break Dance entre outros.

No princípio, a motivação do Break era defender e fortalecer a cultura Hip

Hop, mas com o tempo as lendárias batalhas ou “rachas” (competições) evoluíram para

um estágio de desenvolvimento de conceitos diversos como, por exemplo, a

compreensão dos difíceis passos da dança e o lugar que a mesma ocupava na sociedade.

No Brasil o Break surgiu em 1982 na movimentada Rua 24 de Maio, no

coração de São Paulo, mas foi a estação São Bento que tornou-se o templo dos B. Boys.

O Break brasileiro cresceu em 1993 com a 1° mostra nacional de Hip Hop que

movimentou grande público ao espaço cultural metrô São Bento. Em 1999 aconteceu o

primeiro campeonato brasileiro de Break e em 2000 o campeonato contou com a

participação de mais de 30 crews (turmas de dançarinos) de todo país.

O break inclui quatro movimentos fundamentais:

Top rock – passos realizados em pé

Down rock (também conhecido como “footwork”, ou “floorwork”) é realizado no chão.

Page 203: pesquisa 2010 - dança constelar

203

Freezes, onde se faz poses elegantes com as mãos.

Power Moves, os mais difíceis, com movimentos acrobáticos.

O hip hop dance foi criado na década de 80 e um dos seus maiores

colaboradores foi o coreógrafo Buddha Stretch que juntou vários estilos das danças

urbanas em suas experiências coreográficas. Stretch utiliza em suas criações toda

influência que tivera nos estilos citados acima como também em outros que

antecederam a década de 70, por exemplo, o Funk, o Jazz e o Soul. Em 1992 Stretch

funda o grupo Elite Force Crew, que colaborou com a passagem entre a velha e a nova

escola das danças urbanas.

Elite Force Crew revolucionou o cenário das danças urbanas quando

quebrou as barreiras que limitava o diálogo entre os vários estilos, pois na velha escola

era considerado uma falta de respeito a prática de todos os estilos ao mesmo tempo.

Artistas como Michael Jackson, Mariah Carey, Will Smith entre outros, utilizaram o

novo estilo em seus trabalhos de vídeos clipes.

Foi através do hip hop dance que esse paradigma se modificou e hoje é

possível criar e recriar movimentos sem perder a essência do passado das danças

urbanas.

É importante lembrar que para reinventar é necessário não somente ter como

código corporal a prática, mas investigar o teórico tanto do que já é executado como

também de novas linguagens. Desta maneira, é possível que o artista – indivíduo não se

estagne e busque aprimorar seus conhecimentos sem deixar de lado suas raízes.

Fazer do intelecto um componente instrumental significa que o intelecto seria uma forma, um recurso, no processo de criar e teorizar as experiências, sem permitir que domine o indivíduo.

Inaicyra Santos (2002: 26)

Na maioria das vezes, os integrantes de grupos de danças urbanas limitam-se apenas

a reproduzir os movimentos apresentados e não se permitem ter o preenchimento teórico, o que

Page 204: pesquisa 2010 - dança constelar

204

diferencia os integrantes do grupo The Cats Street Style que estão empenhados em transpor essa

realidade que tem sido imposta há muitos anos.

É necessário que o intérprete-criador compreenda o que ele quer transmitir com sua

criação, dessa forma, Siqueira (2006), sugere que ao pensarmos a dança como um código é

possível entender o que queremos transmitir em cena ao espectador, código este que muitas

vezes é não-verbal, porém é composto de teoria, gestos, cenário, iluminação, posição cênica e

coreografia.

Passaremos então, a criar com mais propriedade e domínio os elementos contidos no

assunto a ser evidenciado ao público. Dentro de um processo criativo é necessário pensar na

construção e expressão de um movimento traçando um trajeto de investigação profunda em

busca de movimentos que transmitam a linguagem desejada, diz Santos (2002:26):

Torna-se imprescindível, pois, irmos mais a fundo nas buscas de informações e de nós mesmos, ir além dos espaços corriqueiros, imutáveis, desgastados, permitindo o surgimento do “novo”.

Sendo assim, os movimentos construídos e apresentados posteriormente ao

público refletem um contexto histórico/ cultural. A comunicação entre intérprete e

espectador pode suscitar uma reflexão crítica, que por sua vez poderá ser proponente de

uma nova pesquisa.

O ENCONTRO

The Cats é formado por um grupo de adolescentes e jovens, liderado por

Willian Ângelo de Jesus, mais conhecido como Zumbi, 26 anos. Todos moradores do

Jaguaré, um bairro da zona noroeste de São Paulo.

O grupo já participou de alguns concursos para novos talentos como o programa

Raul Gil, Eliana e outros de mídia específica da dança urbana. Agora, além de marcar

presença em eventos e concursos, os integrantes do grupo visam o desenvolvimento artístico,

teórico e crítico, a fim de tornar-se um grupo “antropofágico”, consumidor de informações

Page 205: pesquisa 2010 - dança constelar

205

gestuais e teóricas que serão digeridas e assimiladas ao contexto vivido por eles, dando

um colorido ainda mais rico para o hip hop free style.

Nosso encontro deu-se por intermédio do Programa Dança Vocacional, no

qual atuo na qualidade de Artista Orientador, desenvolvendo meus encontros no CEU

Jaguaré, onde o grupo ensaia atualmente.

A abertura do diálogo com os Cats foi propiciado devido minha experiência

como b.boy (dançarino da dança breaking), pois venho de uma formação parecida com

a dos integrantes do grupo. Uma parte de minha formação artística deu-se a partir da

participação em oficinas e cursos oferecidos por Organizações não Governamentais

atuantes na zona leste de São Paulo.

Iniciei minha carreira no universo das danças urbanas dentro do estilo

breaking, e da mesma forma que pensam alguns dançarinos, não pesquisava o conteúdo

histórico contido na dança que realizava, era um mero reprodutor de passos.

Estudando em uma destas ONGs tive contato com o coreógrafo e terapeuta

corporal Ivaldo Bertazzo com quem trabalhei durante seis anos. Neste período me tornei

um intérprete – criador, passando por diferentes seguimentos artísticos, como as danças

clássicas da Índia, dança e canto da tribo Zulu, Clown, o universo da dança

contemporânea e a arte circense (acrobacias). Dessa trajetória nasceram dois livros:

Espaço e corpo - guia de reeducação do movimento - 2004 e Tenso Equilíbrio na Dança

da Sociedade - 2005 que contam sobre o processo artístico – pedagógico do projeto

“Dança Comunidade” ao qual fiz parte desde seu início em 2003. O primeiro foi

desenvolvido durante a montagem do espetáculo Samwaad Rua do Encontro que fora

realizado em grande parte do estado de São Paulo e outras capitais do Brasil tendo o seu

ápice no Festival D’ Ild France em setembro de 2005 compondo o ano do Brasil na

França e no Holland Dance Festival em novembro do mesmo ano na Holanda. O

segundo livro foi escrito durante o processo de montagem do espetáculo Milágrimas

que foi sucedido por Mar de Gente, dando início a Cia Teatro e Dança Ivaldo Bertazzo

Anatomia do Desejo e Noé Noé Deu a Louca no Convés nos quais participei como

intérprete – criador.

Tomo como referência de Santos (2002) quando ilustra uma passagem em

seu livro:

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206

Quando imitamos outra pessoa, estamos fazendo com o nosso

corpo uma ação que imita aquilo que o corpo da outra pessoa

fez. Podemos traduzir esta dificuldade, assim, imitamos gestos,

exercícios, expressões ou atitudes de outra pessoa, nós fazemos

estes gestos como se estivéssemos vestidos com a roupa do

outro. È claro que sempre haverá um puxãozinho forçado aqui,

um apertãozinho lá, um desvio de movimento em alguma

articulação do corpo, pois a roupa não assenta em nós com

perfeição, não está na nossa medida.

Nos dias de hoje não sou apenas um mero reprodutor de passos, de mente

vazia, sem embasamento nas propostas que realizo. Procuro utilizar minha própria

experiência de vida para propor aos Cats que se apropriem da teoria o quanto antes para

que sejam artistas capazes de construírem encenações carregadas de valores e também

para que repassem o contexto apreendido, mantendo viva a prática da “contação de

história” que é uma forma milenar de ensinamento.

METODOLOGIA

A pesquisa ocorrerá através da leitura de artigos que contém a história do

hip hop e das danças urbanas, assim como DVDs e aulas. Utilizando de um dos

princípios artístico – pedagógico que consta no material norteador do Programa

Vocacional 2010: Ação Cultural, irei programar no CEU Jaguaré a ação cultural

“Contando História Vocacional” que consiste em encontros de praticantes teoricamente

capacitados e que trazem em seu corpo os códigos do estilo que mencionar, propondo a

integração da teoria e prática das danças urbanas. Esta vivência será aberta para todas as

pessoas que utilizam o equipamento. Também iremos a campo para buscar a

informação nas propostas cênicas de danças urbanas em espetáculos, eventos e

encontros (externos) de grandes nomes da dança urbana como, por exemplo, a equipe

Page 207: pesquisa 2010 - dança constelar

207

Back Spin Crew um dos grupos mais antigos de São Paulo com 25 anos de existência e

ainda atuante no meio nacional e internacional da dança.

Como o interesse também visa a experimentação de novas linguagens irei

propor uma pesquisa na movimentação contemporânea: preparação para a gestualidade

através de aquecimentos dançantes que em seu contexto já traz alguma movimentação

expressiva, o fluxo do movimento, rolamentos, apoios e contato - improvisação, e

utilizarei a ferramenta “AO visita”que possibilitará a troca de informações com Artistas

que desenvolvem a sua pesquisa dentro da dança contemporânea.

Devido a constatação de que vários movimentos do hip Hop Dance lembram

a movimentação contida na dança afro, vivenciaremos um encontro com a coreógrafa

YasKara Manzini que desenvolve sua pesquisa dentro da cultura afro-brasileira.

Em suas coreografias o grupo The Cats coloca várias acrobacias que

realizadas sem o treinamento necessário pode causar várias lesões, pensando nisso, vou

propor também um seguimento técnico que me foi e é passado no Circo pelo acrobata

Marcelo Celestino de Lima. Concluindo assim, o trânsito entre o passado e presente das

danças urbanas e o diálogo entre as diferentes linguagens.

O resultado deste percurso será a apresentação de uma proposta cênica que

evidenciará a nossa pesquisa, finalizando este período de troca, de aprendizado, de

reconhecimento e confiança que se estabeleceu desde o primeiro dia entre o Artista

Orientador e os Artistas Vocacionados.

CONCLUSÃO

Neste momento tomo a liberdade de citar um comentário de um dos

integrantes do Grupo The Cats, Alan Ferreira da Silva “Eu danço hip hop, mas eu gosto

muito de dança de salão e também do contemporâneo”.

Esse relato foi colocado em nosso primeiro dia de trabalho e serviu de base

para o planejamento dos nossos encontros futuros. A princípio a vontade dos integrantes

era pesquisar propostas entre linguagens da dança, porém no decorrer dos encontros

ficou claro que o aprofundamento histórico que o grupo tinha dentro do estilo que eles

dançavam era muito raso, a maioria dos integrantes não sabia como, quando e onde foi

criado o Hip Hop Free Style que é dançado com tanta maestria.

Page 208: pesquisa 2010 - dança constelar

208

Os jovens reconheceram que realmente existe esta lacuna no trabalho do

grupo e pretendem cuidar desta deficiência, uma vez que o foco principal do grupo é o

profissionalismo. Por isso, acredito que o aprofundamento histórico irá ajudar o grupo

na obtenção da teoria e de signos que faltavam, assim, os espaços serão preenchidos de

significados, deixando de lado o caráter de reprodução vazia do gesto, colocando o

grupo em um lugar diferenciado. O lugar da sabedoria, da propriedade e da crítica

fundamentada e segura.

Sendo assim, tenho espaço para propor o trabalho que evidencio aqui neste

projeto de pesquisa e sei que a experimentação deste material na prática nos trará várias

descobertas.

Concluo que da mesma maneira que o Buddha Stretch se apropriou de toda

teoria e prática das danças urbanas para criar o hip hop Dance quebrando o paradigma

entre a velha e nova escola, os integrantes do grupo The Cats Street Style ao se

apropriarem das linguagens mencionadas até o momento, poderão dar um passo além

dos objetivos fixados pelo Hip Hop Dance evoluindo em sua criação e recriação.

Page 209: pesquisa 2010 - dança constelar

209

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

EJARA, Frank. A História da Dança de Rua Clássica. 3º Encontro de Hip Hop do

Colégio Fênix, 2004. Cópia Mimeografada

SANTOS, Inaicyra Falcão dos. Corpo e Ancestralidade: uma proposta pluricultural de

dança-arte-educação. Salvador: Edufba, 2002.

SIQUEIRA, D.C.O. Corpo, Comunicação e Cultura: a dança contemporânea em

cena. Campinas -SP: Autores Associados, 2006.

REFERÊNCIAS VIDEOGRÁFICAS

DISCÍPULOS DO RITMO. Hot Moves: O universo das danças urbanas. “A Dança

Breaking” . Documentário. DVD. São Paulo, Produção Discípulos do Ritmo, 2008.

EJARA, Frank. Discípulos do Ritmo: Espetáculos São Paulo SP, Produção Frank

Ejara/ Ritmo produções 2005

SITES

ELITE FORCE CREW. History of Hiphop Dance. www.eliteforcecrew.com –

Acesso: 04/08/2010

THE ELECTRIC BOOGALOOS. Electric Boogaloos Group History.

Page 210: pesquisa 2010 - dança constelar

210

www.electricboogaloos.com/history.html – Acesso: 04/08/2010

THE LOCKERS. History. www.thelockersdance.com – Acesso: 04/08/2010

CEU Perus

Região Noroeste

iNTERcONTIGÊNCIAS

Page 211: pesquisa 2010 - dança constelar

211

Robson Ferraz

Page 212: pesquisa 2010 - dança constelar

212

”Você não entra duas vezes no mesmo rio,

pois águas frescas estão constantemente

fluindo em você”.

Heráclito de

Éfeso

INTRODUÇÃO

O referido projeto propõe-se a evidenciar as idéias, os conceitos, e os

métodos de construção empírica da pesquisa do artista orientador em suas vivências e

ações artístico-pedagógicas com as turmas e grupos no equipamento CEU Perus. A

razão maior da escrita deste projeto está na necessidade de se evidenciar aos

orientadores do programa vocacional (coordenação geral, coordenadores pedagógicos,

artístico-pedagógicos, coordenadores de cultura do equipamento, coordenadores de ação

e demais profissionais envolvidos) a construção do planejamento artístico-pedagógico

que já vem sendo desenvolvido e o que será aplicado ao longo do ano de 2010,

conforme será melhor exemplificado ao longo do projeto.

As proposições e pensamentos norteadores para orientação de turmas e

grupos são abordados a partir da perspectiva sócio-cultural e do pensamento complexo,

pautada em autores como BECKER (2007) e NICOLESCO (1999). Nessa perspectiva,

as questões relativas ao corpo na contemporaneidade são evidenciadas a partir das

proposições levantadas por SANT’ANNA (2001), atreladas ao pensamento sobre dança

em KATZ (2005) e GREINER (2005).

Adota-se como método para a aplicação deste planejamento a ferramenta

de pensamento Intercontingências (no sentido de Becker, 2007), por se acreditar em

Page 213: pesquisa 2010 - dança constelar

213

sua pertinência e relevância como mecanismo de aproximação entre todos os envolvidos

no Programa Vocacional. Toma-se por evidência para a aplicabilidade desta ferramenta,

as observações, análises e discussões aferidas a partir das reuniões gerais e artístico-

pedagógicas em comunhão com as vivências e ações culturais com as turmas e grupos

de vocacionados realizadas no equipamento de atuação do artista orientador.

Nas relações diretas com as turmas e grupos de vocacionados, utiliza-se

de vivências e procedimentos que possam evidenciar o reconhecimento a respeito do

corpo e as formas de comportamento e postura que lhes são, direta ou indiretamente

atribuídos, no momento em que ele dança. Para tanto, as observações empíricas do

artista orientador são pautadas nas considerações teórico-práticas de autores como

BARTENIEFF (1989) e LABAN (1978). Busca-se, nesse processo, evidenciar a

importância da relação entre artista orientador e artista vocacionado no processo de

construção e reflexão do espaço coletivo de pesquisa em dança. Nesse sentido, a

principal referência adotada é FREIRE (1996) e SANTAELLA (2001), cujas idéias

fundamentam essa relação.

Esse projeto pretende, enfim, elucidar a ideia de que propostas em arte-

educação como o Programa Vocacional, são fundamentais para que o vocacionado

descubra sua corporeidade, sua dança e, por conseqüência, perceba-se como parte

integrante de uma cultura corporal, passível de transformações através de suas atitudes.

Um ser no mundo que atua e é influenciado por ele.

Page 214: pesquisa 2010 - dança constelar

214

JUSTIFICATIVA

As inquietações que motivaram as escolhas referencias deste

planejamento, tem origem em observações e reflexões diárias conseqüentes dos

encontros práticos e ações culturais com as turmas e grupos de artistas vocacionados no

CEU Perus, associados às reuniões gerais e de equipe.

Nessa perspectiva, entende-se que as escolhas apresentadas estão

fundamentadas na idéia de processo como um encontro contínuo preocupado com o

“para onde ir” e “quais as maneiras adequadas para chegar lá”, tendo em vista a situação

presente e possibilidades futuras. Ou seja, para garantir que o desenvolvimento dos

envolvidos atenda tanto as necessidades do programa, quanto da sociedade e dos seus

indivíduos.

Mediante tal fato, o planejamento pedagógico adotado se impõe, aqui,

como a organização de ações onde se evidencie os procedimentos e processos de

abordagem do artista orientador com as turmas e grupos de vocacionados, tendo em

vista a relação de complexidade entre os diversos níveis do contexto do programa, do

fenômeno dança e os entendimentos dos mesmos.

Assim, por maior complexidade que envolva a ação do artista orientador

no equipamento, é indispensável o entendimento que a interação artista

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215

orientador/artista vocacionado é o suporte estrutural do planejamento artístico-

pedagógico, cuja dinâmica concretizará as relações artísticas e educativas no

equipamento de atuação.

OBJETIVOS

GERAL

Estabelecer as condições necessárias para a fruição, realização e

entendimento do programa Dança Vocacional no equipamento CEU Perus.

ESPECÍFICOS

1. Estruturar turmas e grupos de artistas vocacionados, mediando

processos de conhecimento em dança, tendo em vista a aquisição de conteúdos

significativos;

Page 216: pesquisa 2010 - dança constelar

216

2. Desenvolver ações culturais que possibilitem a troca de experiências e

informações visando o fortalecimento de ações da comunidade;

3. Criar condições para o desenvolvimento da capacidade de reflexão

sobre as atividades realizadas pelo programa Dança Vocacional.

.

PLANO DE TRABALHO & CRONOGRAMA PARA EXECUÇÃO

1º Procedimento: Anatomia dos Desejos

Tempo de duração: Abril e Maio

Ferramenta de pensamento a ser utilizada nessa etapa:

INTERCONTINGÊNCIAS (Howard S. Becker) – Ações interligadas

dependentes e independentes umas das outras. Fuga dos contrastes => determinismo vs.

liberdade.

Intercontingências é uma ferramenta de pensamento proposta pelo

sociólogo Howard S. Becker. É uma ferramenta de pensamento e não um conceito

propriamente dito. Ele lança a idéia de intercontingências em seu livro Segredos e

Truques da Pesquisa. Para Becker, quem trabalha com o humano, sofre muito ainda

com as polaridades das metodologias clássicas de pesquisa, visto que os objetos de

análise e experimentação estão no âmbito do conhecimento imaterial.

Page 217: pesquisa 2010 - dança constelar

217

Para ele, é mais válido pensar em ferramentas de pensamento que possam

ajudar os pesquisadores a lidar com o “elemento” humano. Ele diz que uma ação

incontingente é aquela que leva em conta todos os envolvidos na ação premeditada.

Ações:

*Reconhecimento do equipamento CEU Perus e seu entorno;

*Reconhecimento dos envolvidos na Equipe Centro-oeste (Coordenadores e Artistas

Orientadores);

*Reconhecimento das turmas de Artistas Vocacionados;

*Reconhecimento dos Coordenadores e Artistas Orientadores de outras linguagens (do

mesmo equipamento e da equipe vocacional);

*Realização de ações artístico-pedagógicas com as turmas de Artistas Vocacionados em

sala de aula e fora dela buscando a aproximação e a construção do espaço coletivo.

2º Procedimento: Vozes Dissonantes

Tempo de duração: Junho e Julho

Ferramenta de pensamento a ser usada nesta etapa:

Material Norteador do Programa Vocacional 2010 – nesta fase será

necessário empreender procedimentos artístico-pedagógicos que promovam uma

unidade entre os princípios (ação cultural, AO pesquisador, forma e conteúdo) e

procedimentos (ocupação/criação de espaços, protocolo, apreciação) norteadores do

programa vocacional junto ao equipamento e as turmas de Artistas Vocacionados.

Page 218: pesquisa 2010 - dança constelar

218

Ações:

*Gerar procedimentos que possam promover o comprometimento dos Artistas

Vocacionados com o Programa Vocacional;

*Promover um aprofundamento do conhecimento dos Artistas Vocacionados e

equipamento em relação aos princípios e procedimentos do programa Vocacional;

*Realizar parcerias entre os projetos dança, teatro, música, vocacional apresenta,

equipamento e turmas de Artistas Vocacionados no equipamento CEU Perus (ou em

outros equipamentos);

*Buscar respostas para a questão colocada pela coordenadora da equipe centro-oeste (O

que você quer resolver esteticamente?) a partir da realidade das turmas e grupos

atendidas pelo Programa Dança Vocacional no equipamento CEU Perus;

*Promover Ações Culturais que dêem visibilidade ao programa Dança Vocacional

dentro da comunidade de Perus;

*Realizar ações artístico-pedagógicas com as turmas e grupos atendidos para promover

a reflexão e a ocupação do espaço público;

3º Procedimento: O que queremos resolver esteticamente

Tempo de duração: Agosto, Setembro e Outubro

Ferramenta de pensamento a ser usada nesta etapa:

... de nada adianta fazer uma revolução dos padrões estéticos sem com ela, junto dela, não fossem produzidas metamorfoses capazes de transformar os sentidos da estética. Questionar os sentidos da estética pode despertar a chance de modificá-los e, ao menos de criar um espaço para a tomada de fôlego em meio à corrida rumo àquelas sucessivas trocas de ideal estético que em

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219

nada modificam o dever do corpo individual de precisar se adequar constantemente ao ideal geral, seja para imitá-lo perseguindo seus rastros, seja para substituí-lo. Poder-se-ia perguntar se a estética não oferece outras possibilidades, além da eterna corrida rumo à substituição de um padrão por outro. Sant´Anna (2001: 109).

Ações:

*Resolver questões estéticas relacionadas ao discurso, à imagem e ao padrão da dança

encontrados no Equipamento e nos Artistas Vocacionados;

*Aprofundar as vivências com os Artistas Vocacionados por meio das ferramentas: AO

Visita e Ação Processos;

*Criação de materialidades;

4º Procedimento: Um novo começo?

Tempo de duração: Novembro

Ferramenta de pensamento a ser usada nesta etapa:

Transdisciplinariedade (Basarab Nicolescu) – A

Transdisciplinariedade tem como princípios básicos: a complexidade, os diferentes

níveis de realidade e uma lógica não clássica que leva em conta a contradição e a

inclusão do terceiro termo de uma proposição.

A transdisciplinariedade é uma nova abordagem científica, cultural,

espiritual e social, cujas proposições remontam aos pensadores Edgar Morin e Basarab

Nicolescu. Ela, com o prefixo trans indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo

entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu

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220

objetivo é a compreensão do mundo presente, para a qual um dos imperativos é a

unidade do conhecimento.

Ações:

* Realização da Ação Mostra;

* Realização de discussões e preparação da sustentabilidade das turmas e grupos;

* Avaliação dos Resultados atingidos;

MATERIAL & MÉTODOS

A metodologia de trabalho empregada é a pesquisa de campo, buscando

relacionar teoria e prática no intuito de solucionar os problemas levantados na

investigação. Trabalha-se principalmente mediante observação, registro (protocolo) e

reflexão acerca do nosso público alvo (turmas e grupos de Artistas Vocacionados).

O material de estudo consiste em referências teóricas que apóiam as

proposições acerca da corporeidade dos indivíduos, unidas aos registros e reflexões

desenvolvidos sobre a postura, o comportamento e a expressão corporal dos Artistas

Vocacionados diante das vivências no programa Dança Vocacional. O espaço utilizado

é o próprio ambiente do equipamento, tanto dentro como fora da “sala de aula”.

Page 221: pesquisa 2010 - dança constelar

221

FORMA DE ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os dados necessários à construção da pesquisa são coletados

principalmente por dois meios: observação do fenômeno abordado, da qual resultam

registros escritos (protocolos); e análise de conteúdo das fontes teóricas adotadas.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, consequentemente a análise

também é qualitativa, no sentido de se compreender a forma pela qual a corporeidade

dos sujeitos se expressa mediante as vivências em Dança. Para tanto, procede-se a

interpretação das informações extraídas da prática de forma dialética com as

proposições levantadas teoricamente.

Assim, é realizada a identificação de informações recorrentes nos

registros feitos mediante as observações. Considerando alguns pontos fundamentais

dentro desses registros – questões referentes à postura, amplitude ou restrição de

movimentos ao falar e caminhar, expressão facial e corporal, expressão visual

demonstrada nos desenhos e produções plásticas, contato físico e social com outros

indivíduos, etc.

Page 222: pesquisa 2010 - dança constelar

222

Concomitantemente, executa-se a análise comparativa das observações

vividas com o conteúdo teórico adotado, tendo em vista a fundamentação da prática e a

compreensão do fenômeno estudado. Outro recurso de coleta e análise utilizado é a

consideração dos relatos dos próprios sujeitos a respeito das formas como expressam o

corpo nas aulas de Dança.

Por fim, entendemos ser imprescindível aprimorar o olhar e a percepção

diante da experiência vivida. O caráter qualitativo do estudo, porém, reforça a

necessidade de mantermos bases teóricas sólidas, para que a investigação não seja

conduzida a um viés estritamente subjetivo, algo que não traria contribuições

significativas tanto no Programa Vocacional como no meio social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Araújo, Expedito (organização). Núcleo Vocacional: Criação e Trajetória. São Paulo:

SMC, 2008.

Bartenieff, Irmigard; Lewis, Doris. Body Movement: Coping with the environment.

Langhorne: Gordon & Breach Publishers, 1980.

Becker, Howard S. Segredos e Truques da Pesquisa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,

2007.

Fernandes, Ciane. O Corpo em Movimento: O sistema Laban/Bartenieff na formação e

pesquisa em artes cênicas. São Paulo: Annablume, 2002.

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São

Paulo, Paz e Terra, 1996.

Greiner, Chistine (organização). Corpo. São Paulo: Itaú Cultural, 2005.

Page 223: pesquisa 2010 - dança constelar

223

Katz, Helena Tânia. Um, Dois, Três. A Dança é o Pensamento do Corpo. Belo

Horizonte: Helena Katz, 2005. 1 ed.

Laban, Rudolf. Domínio do Movimento. São Paulo: Summus, 1978.

Mattar, Denise (organização). O Lúdico na Arte. São Paulo: Itaú Cultural, 2005.

Nicolescu, Basarab. O Manifesto da Transdiciplinariedade. São Paulo: TRIOM,

1999.

Reis, Ana Carla Fonseca e Marco, Kátia (organização). Economia da Cultura: Idéias e

Vivências. Rio de Janeiro: Publit, 2009.

Rilke, Rainer Maria. Cartas a um Jovem Poeta. Porto Alegre: L&PM, 2007.

Romano, Lúcia. O Teatro do Corpo Manifesto: Teatro Físico. São Paulo: Perspectiva:

Fapesp, 2005.

Sant´Anna, Denise Bernuzzi de. Corpos de Passagem: Ensaios Sobre a Subjetividade

Contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.

Santaella, Lúcia. Comunicação e Pesquisa. São Paulo: Hacker Editores, 2001.

Zamboni, Sílvio. A Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas, SP:

Autores Associados, 2001.

Page 224: pesquisa 2010 - dança constelar

224

CEU Pêra Marmelo

Região Noroeste

Page 225: pesquisa 2010 - dança constelar

225

dANÇA, pOESIA, mAGIA, cULTURA

Renato Fagundes

APRESENTAÇÃO

Este projeto busca uma congruência com as prerrogativas do Programa

Vocacional implantado em 2001 pelo então Secretário da Cultura Celso Frateschi.

Sob a idéia de experimentação e difusão cultural a partir da dança, no meu caso,

empreendo uma pesquisa que se relacione com o material norteador desse programa

mais a realidade atendida.

Orientando turmas constituídas por pessoas com mais de 55 anos, na sua

maioria, desde o ano passado, atuando atualmente no CEU Pera-Marmelo, região

noroeste da cidade de São Paulo, me deparo com uma realidade “sui generis”:

variedade, variabilidade e exceções.

Então, o que se pretende é, além de tudo, fazer. Fazer dança, poesia, magia,

cultura. Para isso me utilizo de várias referências que a princípio nem uma ou outra tem

Page 226: pesquisa 2010 - dança constelar

226

relações imediatas, mas como minha formação até então e minha experiência como

artista também estão no plano da diversidade, pois me formei em escola técnica de

teatro, fiz parte de um grupo de dança que pretendia a multidisciplinaridade e

atualmente sou graduando em dança, me permito a aproximar as idéias sobre

complexidade, teatro total e educação somática.

Edgar Morin (1921), Antonin Artaud (1896) e Thomas Hanna (1928) são as

pessoas que respectivamente se lançaram na investigação da complexidade, do teatro

total e da educação somática. A princípio todos esses estão ligados pela

multidisciplinaridade. É a partir deles que quero juntamente com os vocacionados do

CEU Pera-Marmelo exercer minha sensibilidade e orientá-los para que exerçam também

as vossas sensibilidades.

OBJETIVO GERAL

Fazer com que os artistas-vocacionados a partir de sua visão de mundo e de

suas experiências individuais e coletivas (os saberes) criem uma poética que consiga

diálogo com seu entorno.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Sensibilização do corpo a partir dos próprios saberes.

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227

Utilização dos sentidos especiais (paladar, olfato, visão) e dos somato-

viscerais26* (tato, equilíbrio e propiocepção) para revisitar os valores individuais, recriá-

los a partir da experiência estética.

Criação da poética a partir do prosaico.

Aproximar diversas áreas do conhecimento aos conhecimentos de Corpo e

Dança.

Elaborar uma dramaturgia a partir de todos os elementos trazidos pelos

vocacionados.

JUSTIFICATIVA

A partir das abordagens sobre complexidade feitas por Edgard Morin(1921),

sociólogo e educador francês, que insere o homem numa teia de produção de

conhecimentos e saberes que estão interligados por uma transversalidade que não os

une, mas faz com que em algum momento eles dialoguem, o presente projeto tem a

finalidade de agregar ao fazer da dança uma série de informações, saberes e

conhecimentos que são pertinentes às vidas daqueles que estarão envolvidos no decorrer

26 A pele registra pressão, toque, vibração, temperatura e dor (sensações táteis superficiais). A sensibilidade superficial, juntamente com as sensações profundas (propriocepção - receptores nos músculos, juntas e ligamentos - e sensações viscerais) e a sensibilidade à dor constituem as sensações somatoviscerais.

Page 228: pesquisa 2010 - dança constelar

228

do ano de 2010 com o Programa Vocacional Dança desenvolvido no CEU Pêra-

Marmelo.

Quando me deparo com um indivíduo que vem procurar o Dança

Vocacional na tentativa de melhorar seu corpo, seu estado físico ou sua performance

social, porque na maioria das vezes eles querem aprender dança de salão para freqüentar

o baile da terceira idade e poderem dançar com mais desenvoltura digo sempre que a

trajetória será muito longa, mas que invariavelmente ele sairá com um corpo e uma

mentalidade diferenciada.

Como os objetivos principais do programa não são ensinar passos de dança,

mas dar ao individuo a possibilidade de experimentar, descobrir e refletir sobre sua

capacidade criativa e seu estar no mundo, posso começar fazendo simples perguntas que

detonarão uma série apontamentos sobre o corpo e sobre a vida.

Sabendo que um determinado aspecto da vida não é descolado de outro, os

costumes do presente estão invariavelmente ligados a um fato histórico de abrangência

global ou regional.

Uma vez que esta pesquisa já foi iniciada, posso garantir alguns resultados.

A primeira pergunta feita foi “Qual a receita de bolo que é mais significativa para

você”? A resposta: “a receita de um bolo de milho que minha tia-avó, escrava liberta,

moradora do sul de minas ensinou para minha mãe.” Resposta da artista vocacionada

Ana Lúcia de Castro, 38 anos.

É preciso dizer que o significado de um bolo implica a história do Brasil, a

condição social do negro, o costume que atravessa gerações, o prazer de comer o bolo, a

necessidade de comer para manter o corpo em atividade, pois não é possível dançar bem

se não há energia química suficiente para manter o corpo em alerta.

Existe complexidade, de fato, quando os componentes que constituem um todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) são inseparáveis e existe um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre as partes e o todo, o todo e as partes. MORIN ( 2010:14)

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229

Ao lado da dança existe uma nova área de conhecimento, a Educação

Somática, que acordo com as proposições de Edgar Morin (1921) está na linha dos

conhecimentos interdisciplinares. O termo Educação Somática foi cunhado por Thomas

Hanna (1928) em 1976 e agrega em si diversas áreas do conhecimento tais como: as

artes cênicas, educação física, fisioterapia, psicologia e práticas corporais difundidas no

oriente e outras elaboradas no ocidente.

A educação somática tanto quanto a Teoria da Complexidade pensa o ser

humano como um ser inserido em uma totalidade eco-bio-psico-sócio-poética. Thomas

Hanna (1928), filósofo americano, redefine a palavra grega “soma” como a experiência

da integração mente/corpo. A educação somática serve ao fazer da dança tanto para

questões profiláticas como para questões da percepção do corpo no espaço, do gesto

expressivo e da percepção da constituição do corpo como somatória de experiências que

foram inseridas culturalmente.

Em prática a educação somática usa vários tipos de material para

sensibilizar o corpo do dançarino, do ator, do intérprete.

O uso de objetos como bolas, bastões e tecidos se apresenta como recurso utilizado em diferentes experiências de educação somática, com objetivos variados e complementares. A presença do objeto introduz “o outro” na esfera gestual. Soter (1999: 145)

Em geral a sensibilização se dá pela pele, através do contato com o material

escolhido para ser utilizado em aula. A sensibilização aguça a percepção de textura da

própria pele, do volume do corpo, do peso. Essas informações quando processadas no

corpo do indivíduo são de extrema importância para construção do corpo cênico.

A grande prática do Programa Vocacional é a cena para ser apresentada para

que o outro veja, essa afinal é a premissa do teatro. Então a dança no Vocacional é

teatral.

A dança cênica no ocidente sofreu inúmeras influências para chegar aonde chegou. Um

dos teóricos que influenciou a dança cênica contemporânea foi o francês Antonin

Artaud (1896-1948). Logo no começo da década de 70 do século passado Maurice

Bejart (1927-2007), bailarino e coreógrafo francês, funda na Bélgica a Escola Mudra.

Page 230: pesquisa 2010 - dança constelar

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Bejart estava intimamente influenciado pelas idéias de Artaud que dizia que

o teatro era arte do gesto e que o ator deveria a partir de seus gestos revelar o que havia

de mais recôndito nas palavras. A palavra não deveria ser o alicerce para a cena, mas a

tessitura do conjunto palavra-gesto-figurino-cenário e música é que deveria dar a

realidade necessária para o teatro.

A dança cênica por sua vez queria o mesmo grau de envolvimento dos

elementos cênicos para construção de uma nova dança. Aqui me coloco como filho

último de Bejart na medida em que trabalhei com Célia Gouvea, bailarina e coreógrafa

paulista, que fez parte da primeira turma do Mudra na Bélgica.

Mudra que significa gesto em Sânscrito era a possibilidade de novos gestos

dancísticos e a possibilidade de se ter intérpretes polivalentes, que dominassem

movimento e voz. Nesse sentido Célia Gouvêa vai à busca de uma arte cênica

multidisciplinar.

Trabalhando com ela nos anos de 2006 e 2007, tal experiência repercute no

meu fazer pedagógico e artístico e vai de encontro com as abordagens do pensador

francês Edgar Morin que pretende uma reforma do pensamento científico que separa a

atividade intelectual em categorias disciplinares. Morin quer afinal um entendimento

global e não separado assim como Artaud e mais próximo Célia Gouvêa querem uma

cena que congregue vários elementos juntos e sem hierarquias.

Ao meu projeto Antonin Artaud colabora ainda mais quando propõe que:

“... as imagens da poesia no teatro são uma força espiritual que começa sua trajetória

no sensível e dispensa a realidade”. (1999. P.11)

... no teatro oriental não existe linguagem da palavra, mas uma linguagem de gestos, atitudes, signos que, do ponto de vista do pensamento em ação, têm tanto valor expansivo e revelador quanto a outra. No Oriente coloca-se essa linguagem de signos acima da outra, atribui-se a essa linguagem de signos poderes mágicos imediatos. Convida-se essa linguagem a dirigir-se não apenas ao espírito, mas também aos sentidos, e a atingir, através dos sentidos, regiões ainda mais ricas e fecundas da sensibilidade em pleno movimento. (1999. p. 60).

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Os sentidos dos quais ele fala assume aqui o conhecimento que a fisiologia

proporciona quando separa os sentidos humanos em: visão, paladar, tato, olfato,

audição, propiocepção e equilíbrio.

Sendo assim, nas cenas que os vocacionados do CEU Pêra-Marmelo

apresentarão têm-se a expectativa que muitos desses sentidos estarão postos à prova

para construção de novos significas e conseqüentemente de novas idéias sobre o mundo.

METODOLOGIA

A cada dois meses será apresentado ao público um recorte das vivências e

das perguntas que serão feitas aos vocacionados, sendo que:

• A primeira pergunta foi: Qual a receita de bolo que tem

um grande significado para você?

• A segunda: Qual é o cheiro que te leva e para onde te

leva?

Tais perguntas serão colocadas em forma de apresentação se aproximando

muito da linguagem da “performance”, mas em consonância com todo o argumento do

projeto que pensa a cena utilizando vários recursos e diferentes campos do

conhecimento.

Como a linguagem da perfomance favorece a multidisciplinaridade e o

descompromisso formal, no sentido mais vulgar da palavra, as apresentações serão

performáticas. Vide: Ligia Clark, Hélio Oiticia e Renato Cohen.

Ao todo serão 04 apresentações, sendo que as duas últimas seguem o

seguinte padrão:

• Em outubro a proposição da apresentação partirá dos

próprios vocacionados. O tema será definido por eles e terá uma

consonância com a idéia básica dos sentidos.

• Em meados de Novembro será feita a mostra final como

resultado e colagem de todas as apresentações feita no decorrer

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do ano, com os devidos ajustes e desenhos coreográficos que

serão elaborados durante as vivências.

Cada tema, elaborado por mim ou pelos vocacionados, será trabalhado por

dois meses antes de ser apresentado ao público e com isso pretende-se a reflexão sobre a

idéia de corpo, de dança, de arte e cidadania.

Ao mesmo tempo a pergunta temática proporcionará o material para

sensibilização corporal, fazendo com que a dança praticada alcance um lugar de

espontaneidade e emoção. O material não será pré-estabelecido nesse momento, pois a

pesquisa se dá no conjunto das forças criativas dos vocacionados, minhas e de

convidados que possam contribuir para o processo.

Como a pesquisa já foi iniciada, quero relatar que o material da primeira

pergunta que ficou para sensibilizar os corpos foi o fubá para preparo de bolos. Sua

textura meio arenosa sensibiliza mãos e pés que darão mote para a dança.

O fubá, material seco, também agrega os elementos da segunda pergunta-

exposição, “O cheiro que me leva”: cravo, erva-doce, canela em pó, noz-moscada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Tradução de Teixeira Coelho. 2º Edição.

São Paulo: Martins Fontes, 1999.

COSTANZO, Linda. Fisiologia. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004

HANNA, T. What is Somatics? Somatics, 1986.

MORIN, Edgar. A Cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.

Tradução Eloá Jacobino. 17ª edição – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010

PASI, Mario. A Dança e o Bailado. Guia histórico das origens a Béjart. Tradução:

Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Caminho, 1991.

SOTER, S. (Orgs). A educação somática e o ensino da dança. Lições de Dança 1. Rio

de Janeiro: UniverCidade Editora, 1999.

Page 233: pesquisa 2010 - dança constelar

233

CEU Vila Atlântica

Região Noroeste

tEMPO & lUGAR: mUROS iNVISÍVEIS

Page 234: pesquisa 2010 - dança constelar

234

Odair Prado No CEU Vila Atlântica são 15 vocacionados de dança, ainda um pouco

flutuantes, que freqüentam as duas turmas.

Estávamos buscando caminhos para o nosso projeto de pesquisa, quando há menos

de um mês, recebemos a visita do Coordenador Robson Lourenço. Durante o encontro

ele sugeriu que explorássemos a pista de skate e as casas próximas do CEU. Essa

vivência foi muito rica em possibilidades. Ficamos todos muito empolgados e nos

encontros seguintes amadurecemos a idéia e criamos outras possibilidades.

Durante essa fase conheci o texto Espaço e Lugar ( que envio abaixo), do geógrafo YI -

FU TUAN (abaixo também bibliografia): "O lugar é a segurança e o espaço é a

liberdade, estamos ligados ao primeiro e desejamos o segundo"......

Nos caminhos que vínhamos pesquisando, nas sugestões do Robson e no

texto Espaço e Lugar encontramos um caminho. Queremos penetrar no espaço e através

da nossa ação transforma-lo em lugar. Fazendo de conta que não existem barreiras, e

com licença poética, celebrar o espaço sem fronteiras.

Como a maioria dos vocacionados dançam Hip Hop, estamos trabalhando

essa linguagem desde o inicio do ano, e é com o Hip Hop que eles querem continuar

pesquisando. Estamos experimentando vários espaços externos como a pista de Skate.

Vamos para fora do CEU também, como nas lajes das casas que estão bem próximas

dos muros do CEU.

Para romper artisticamente com os muros do CEU, alguns vocacionados

grafiteiros vão pintar a fachada das casas no muro do lado de dentro do Vila Atlântica.

Para que todos possam imaginar como seria se os muros não existissem. Esse grafite

terá início no dia 04 de setembro em uma ação que chamamos de pré mostra, já

agendada por nós, onde faremos primeiro um cortejo entrevistando os moradores mais

próximos. Nosso objetivo nessa ação do dia 04 é saber porque esse morador frequenta

ou não o CEU e como ele gostaria que fosse a fachada da sua casa, é essa fachada ideal

que os vocacionados vão grafitar no muro, registrando poeticamente alguns desejos da

comunidade e simbolicamente rompendo os muros num convite aos moradores do

entorno. Durante a mostra do dia 18 de setembro eles concluirão o grafite.

Esse caminho é muito recente e com certeza temos muito a descobrir.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

“ESPAÇO E LUGAR” - Yi-Fu Tuan “O lugar é a segurança e o espaço é a liberdade; estamos ligados ao primeiro e desejamos o segundo.” “... se pensarmos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que localização se transforme em lugar.” “O espaço e seus tributos são experienciados diretamente no ato de locomover-se. Uma pessoa imóvel terá dificuldade em dominar até as idéias elementares de espaço abstrato, porque tais idéias se desenvolvem com o movimento – com a experiência direta do espaço através do movimento.” “... o lugar é um arquivo de lembranças afetivas e realizações esplêndidas que inspiram o presente; o lugar é permanente e por isso mesmo tranqüiliza o homem...” “No lar, os móveis como uma escrivaninha, uma poltrona, a pia da cozinha e a cadeira de balanço na varanda são pontos ao longo de um complexo caminho de movimento que é seguido dia após dia. Estes pontos são lugares, centros para organizar mundos. Como um resultado do uso habitual, o próprio caminho adquire uma densidade de significado e uma estabilidade que são traços característicos de lugar.” “O que começa com o espaço indefinido transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor”, “à medida que adquire definição e significado” (...) “A partir da segurança e estabilidade do lugar estamos cientes da amplitude, da liberdade e da ameaça do espaço, e vice-versa.” “A dependência visual do homem para organizar o espaço não tem igual. Os outros sentidos ampliam e enriquecem o espaço visual. (...) Assim, o som aumenta a nossa consciência, incluindo áreas que estão atrás de nossa cabeça e não podem ser vistas. (...) o som dramatiza a experiência espacial.” “Tocar e manipular coisas com sua mão produz um mundo de objetos (para as crianças). O lugar é uma classe especial de objeto. É uma concreção de valor (...) é um objeto no qual se pode morar. O espaço(...) é dado pela capacidade de mover-se. Os movimentos são freqüentemente dirigidos para, ou repelidos por objetos e lugares. Por isso o espaço pode ser experimentado de várias maneiras: – localização relativa de objetos ou lugares,

– as distâncias e extensões que separam ou ligam os lugares, – área definida por rede de lugares.”

“O espaço fechado e humanizado é lugar. Comparado com o espaço, o lugar é um centro calmo de valores estabelecidos. Os seres humanos necessitam de espaço e de lugar. As vidas humanas são um movimento dialético entre refúgio e aventura, dependência e liberdade.”

Yi-Fu Tuan

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Ir para: navegação, pesquisa Yi-Fu Tuan, nascido em 5 de Dezembro de 1930), é um geógrafo sino-americano.

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Tuan nasceu em Tianjin, China. Filho de um diplomata de classe média, teve acesso a uma boa educação. Cursou a educação básica em escolas chinesas, filipinas e australianas. Embora iniciou os estudos de nível superior na University College, em Londres, sua graduação em Geografia foi obtida na Universidade de Oxford. Os graus de bacharel e de mestre foram obtidos em 1951 e 1955, respectivamente. A continuidade de seus estudos deu-se na California, na Universidade da California, Berkeley, onde recebeu, em 1957, o título de doutor.

Índice

[esconder] • 1 Trajetória Profissional • 2 Bibliografia selecionada • 3 Referências • 4 Ligações externas

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[editar] Trajetória Profissional

Antes mesmo de concluir seu doutoramento, Tuan iniciou sua carreira como professor universitário na Universidade de Indiana, lecionando de 1956 a 1958. Nos seis anos seguintes, assumiu a cátedra de Geografia da Universidade do Novo México, onde trabalhou até 1966. De Novo México, Tuan primeiro mudou-se para o Canadá. Entre 1966-68 foi docente na Universidade de Toronto. Transferiu-se para a Universidade de Minnesota em 1968. Foi nessa universidade que desenvolveu, com mais propriedade, seus trabalhos, sistematizando e organizando uma geografia humanística. Enfoca cuidadosamente uma geografia humana voltada para "as glórias e misérias da existência humana". Assim, em 1974, esse autor publicou um dos livro mais importantes para a expansão da geografia humanista, intitulado Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Um objetivo central dessa obra é estudar os sentimentos de apego das pessoas ao ambiente natural ou construído, pois “topus” é uma palavra grega que significa “lugar”, enquanto “filo” significa amor, amizade, afinidade. Esse autor se propôs a encontrar os elementos universais das percepções e valores sobre o ambiente por vários caminhos, como identificar as respostas psicológicas comuns a todas as pessoas (derivadas da evolução biológica e da estrutura básica do cérebro) e depois mostrar que os mesmos tipos de respostas se manifestam na cultura dos povos[1]. Vê-se isso quando ele afirma que “a mente humana parece estar adaptada para organizar os fenômenos [...] em pares de opostos” e, mais adiante, comenta que todas as culturas pensam os fenômenos por oposições binárias entre macho e fêmea, terra e céu, montanha e mar, etc[2]. Depois de catorze anos trabalhando na Universidade de Minnesota, tranferiu-se para a Universidade de Wisconsin, em Madison. Em 1998, nessa mesma universidade, Tuan se aposentou, embora continue, ainda hoje, como professor emérito.

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CEU Parque Anhanguera

Região Noroeste

cORPO + sENSIBILIDADE/pERCEPÇÃO =

mOVIMENTO

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Cindy Quaglio A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempois que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demora- se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar- se tempo e espaço Jorge Larrosa Bondía (2002: 24)

Diante do desafio de escrever sobre a pesquisa que vem norteando o meu

trabalho junto aos vocacionados, que tem apenas dois meses, questionei-me: o que em

comum vem permeando o meu trabalho uma vez que tenho três turmas bastante

distintas que demandam encaminhamentos igualmente distintos?

Percebi então que o campo comum de investigação é a improvisação que se

apresenta de diversas formas, ora como modo de criação e estruturação cênica, ora

como resíduo de uma exploração perceptiva do embate entre corpo e espaço numa

dialética em que é a partir do contato com o espaço “externo” que conhecemos os

limites do corpo, sua estrutura, peso, volume, etc, e é a partir de uma percepção sensível

do corpo e seu espaço”interno” que somos convidados a explorar o espaço “externo”.

É importante esclarecer aqui, que em minha experiência artística a

improvisação esta ligada ao princípio de receptividade, tal como definido por Hiroyuki

Noguchi em Filosofia do Kata27.

27 Hiroyuki Noguchi em Filosofia do kata, declara: “Ao realizar o kata, o artista japonês espera a chegada da força, procurando obter a experiência do corpo, movendo-se espontaneamente sem o envolvimento da vontade do artista. Os costureiros dizem que “a agulha se move”. Eles não dizem que movem a agulha. O calígrafo diz que “os pincéis correm”, enquanto que o carpinteiro afirma que “a plaina avança”. Essas expressões, nas quais a pessoa nunca é o sujeito, descrevem o trabalho feito direto de um tipo de força que não é a da vontade, nem a da tensão, e além disso transmite que o trabalho é feito espontaneamente, havendo improvisação até a chegada da força dentro de si mesmo. Este sentido de “receber” ou “convidar” é o senso básico japonês de improvisação. Improvisação para o japonês, não é baseado na vontade livre, em contraste com a concepção de improvisação nas artes modernas como na música de estilo livre. É a ocorrência de espontâneas ações inevitáveis que emergem aqui e agora. Por essa razão as artes de improvisação são chamadas “naturais” e

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(...) a experiência é “o que nos passa”, o sujeito da experiência seria algo como um território de passagem (...) ele se define não por sua atividade , mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata se, porem de uma passividade anterior à oposição ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponibilidade fundamental como uma abertura essencial. (...) O sujeito da experiência é um sujeito ex - posto (...) o importante não é nem a posição (...) nem a o posição , nem a imposição, nem a proposição, mas a exposição.

BONDÍA (2002: 24/25)

Vale também dizer que o principio de receptividade como fundamento para

improvisação tem norteado a maneira como conduzo os encontros, uma vez que mesmo

levando comigo um roteiro de proposições, para que algo realmente aconteça eu

também preciso estar exposta, esse roteiro tem de estar aberto a improvisação, “

atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo me nele a prova e buscando

nele uma oportunidade, uma ocasião” ( BONDÍA; 2002: 25). O que muitas vezes

significa cair em um lugar em que não sei para onde ir!, mas é a partir desse lugar, esse

espaço em branco, do esforço de não fugir dando respostas fáceis, uma vez que o

silêncio atualmente é assombroso, é a partir daí que vejo surgir os caminhos mais

interessantes.

Apresento como isso tem se dado em cada turma.

Impacto – Grupo de rapazes devotados ao Hip Hop, que oriento aos

sábados para o mundo japonês o “natural” ou “natureza” é traduzido literalmente por “ocorrer por si mesmo” (2007: 113). Também declara que o kata é: “ uma tentativa de negar todas as qualidades externas do corpo que refletem a intenção humana em excesso. Na tentativa de cancelar a atividade da vontade da mente, os antigos tinham descoberto este método de harmonizar o corpo interno, percebendo a sensação dos ossos e procurando a sensação de equilíbrio entre os joelhos dobrados, coluna, pelve, bacia, tornozelos e outras juntas. Adotando o kata, os japoneses antigos consideravam as qualidades dos ossos acima das qualidades da matéria. Fazendo isso eles buscavam anular a mente, chegando ao corpo que pertence à natureza (ao movimento natural) e não da vontade da pessoa, emergindo ‘como é’.” (2007:108)

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Grupo de três integrantes remanescentes de um processo iniciado por um membro da

comunidade que dava aulas, voluntariamente, de hip hop. No tempo em que esses

treinos aconteciam, havia varios de seus integrantes passaram pelo vocacional. Em 2010

resistiram esses três que estão se constituindo e fortalecendo enquanto grupo.

Por ser um grupo voltado às danças urbanas, sobretudo o break e o pooping,

linguagens que pouco conheço e venho me aproximando através deles, minha

abordagem, sobretudo num primeiro momento, foi a mais explicitamente receptiva,

quando menos minha pratica se caracteriza com “dar aula”. Muitas vezes a condução

dos procedimentos é por nós revezada, e outras tantas vezes aconteceram das praticas se

darem de maneira descentralizadas, característica dos treinos desses gêneros,

principalmente no primeiro mês quando minha atividade principal era a escuta.

A partir da 2ª. Mostra de Dança do CEU Parque Anhanguera, da qual eles participaram

em 12 de setembro, se instauraram algumas questões, que constituem nossa pesquisa

atual que deve se estender até final de novembro:

Como fazer a transposição cênica dessas danças? Necessidade que brota dos

próprios vocacionados, pois sei que as rodas de break já são um espaço de

consumação28 do mesmo, sem a necessidade de uma elaboração cênica para se

legitimar. Mas uma vez que existe esse desejo, precisamos encontrar caminhos para

estruturação cenicamente dessa dança, para passarmos de acrobacias fragmentadas a um

todo dotado de sentidos.

Embora a palavra coreografia tenha sido a primeira a emergir quando

tivemos o convite para apresentar, foi na improvisação que encontramos terreno

profícuo para essa elaboração. A improvisação sempre esteve presente entre eles, mas

de maneira mais solista, a moda das rodas de break, mas como trabalhar composição

entre os três, relativizando o solo no centro, como uma das múltiplas possibilidades?

É a partir dessas duas perguntas que estamos trabalhando, buscando

estabelecer uma consciência do espaço cênico e de como o criamos, afetamos e somos

afetados por ele.

Consciência de composição, propondo estruturas de improvisação que os

desafiem a compor não só solisticamente, mas estabelecendo diálogos entre eles, e aqui

o desafio maior é a relação em trio, o que deve ser trabalhado até final de novembro.

28 Termo empregado por John Dewey em “ A arte como experiência”

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Essas improvisações vêm gerando materiais, que em médio prazo pode ir

constituindo uma poética, uma dramaturgia. Por exemplo: ações que ultrapassam os

movimentos codificados do hip hop, embora estejam ligadas a ele; outras formas de

relação com a música, caminhando para uma independência da dança em relação a ela;

a presença do boné como máscara que ora esconde ora revela o rosto, conforme

movimento da cabeça; a apropriação pela dança de ações do cotidiano, é quando mais

coreografamos; e curiosamente vejo emergir um tempo dilatado, uma poética da

lentidão.

Turma de mulheres maduras - turma de mulheres entre 45 e 59 anos, cujo

encontro acontece as quartas feiras das 8:00 as 9:30 “e nem um minuto a mais!”

A tônica deste grupo é o “cuidar de si”.

O cuidar de si é uma atitude, para consigo, para com os outros, para com o mundo (...) é também uma certa forma de atenção, de olhar. Cuidar de si mesmo implica que se converta o olhar, que se o conduza do exterior para ... eu ia dizer “o interior”; deixemos de lado essa palavra ( que como sabemos coloca muitos problemas) e digamos apenas que é preciso converter o olhar do exterior dos outros, do mundo, etc. para “si mesmo” (...)Também designa sempre algumas ações, ações que são que são exercícios de si para consigo, ações pelas quais nos assumimos, nos modificamos, nos purificamos e nos transfiguramos. FOUCAULT (2006:14/15)

É nesse território, um tanto problemático que se instalam nossas práticas as

quartas feiras. Essas mulheres procuram as “aulas de dança” assim como fazem

caminhada, natação, yoga, ginástica... É por meio da proximidade da velhice e

recomendações médicas que elas chegam, abrem um tempo em seus dias repletos de

tarefas domésticas, para “devotarem-se a si mesmas”. Mas de que forma?

A devolutiva que elas trazem, a apreciação que fazem das praticas que

compõe nossos encontros, geralmente revela prazer, descompressão, falam em

“relaxamento”, “leveza”, tudo isso em oposição aos serviços domésticos _” Se estivesse

em casa estaria fazendo serviço!” ao que outra responde: _ “ E serviço nunca acaba...”

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Então a experiência que estamos tendo de dança, esta associada a esse

conjunto de praticas, exercícios em que elas são convidadas a “ocupar-se de si”, mas aí

surgem algumas contradições:

Primeiro em relação ao tempo, o “cuidar de si”, por motivos diversos, é um

privilégio de poucos, implica entre outras coisas em ócio, é necessário tempo livre para

dedicar se a si mesmo! Não é o caso dessas mulheres, que talvez por motivo de idade,

até tenham tido uma diminuição de tarefas, os filhos já estão crescidos, mas ainda assim

estão imersas em afazeres domésticos, agitadas, apressadas, o que ameaça a presença

constante, continuada delas nos encontros.

A segunda questão é com relação à natureza mesma desse conjunto de

praticas que estamos chamando de “cuidados de si”. Essa atividade implica uma

desestabilização, uma transformação no “ser mesmo do sujeito”, algo provavelmente

um tanto diferentes de outras atividades que elas vem praticando, nas quais o corpo é

tratado sob uma ótica mais mecanicista. Um corpo que trabalha, faz caminhada, esteira,

alongamento, e volta a trabalhar, sem que nada lhe aconteça, sem que nada lhe atravesse

mais profundamente. Já “nessa tal de dança vocacional”... é ai nesse dado

desestabilizador do processo vocacional que reside a força e a fragilidade da nossa

proposta.

É lidando com essas questões que estamos buscando um caminho que possa

fazer sentido e durar.

Como a improvisação vem sendo praticada aqui?

Como estímulo à exploração do movimento a partir de uma percepção

sensível do corpo e do espaço, ampliando as possibilidades conhecidas de uso do corpo.

Servimos-nos de procedimentos focados ora na relação entre corpos, ora na relação com

o chão, o ar, investigação de partes do corpo, diferentes qualidades de movimento,

diferentes níveis e assim por diante, nos quais a apreciação esta sempre presente.

O mergulho aqui se dá na fugacidade do instante, e não na continuidade.

Como nessa descontinuidade, desdobrar, aprofundar essa pesquisa, ainda é um campo

aberto de investigação.

Turma de garotas - aos sábados depois de orientar um grupo totalmente

masculino trabalho com uma turma totalmente feminina, formada por garotas entre 14 e

23 anos.

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O trabalho é bastante semelhante com o que vem sendo realizado com as

mulheres maduras, e a questão da descontinuidade se apresenta também, apesar de por

motivos diversos.

A linha de trabalho é basicamente a mesma, mas com elas incluo

treinamento de alguns rolamentos, aprofundo a questão da construção de apoios, para

subir, descer, rolar, e a conscientização da estrutura esquelética que nos suporta. Assim

elas são convidadas a se servir desses materiais nas suas improvisações, o que percebo

vem ajudando a estruturar seus movimentos.

PLANEJAMENTO

Outubro de 2010

Grupo Impacto

Continuidade da pesquisa cênica, da exploração das possibilidades de solos duos e trios,

fortalecendo a “conexão” entre eles.

Dia 22 participação no sarau organizado pelo Telecentro do CEU Parque Anhanguera

Dia 24 Ação Processo ”Totens urbanos”no Pico do Jaraguá

Dia 30 Cine dança

Dia 31 Primeiro encontro de danças urbanas no Céu Jaguaré, idealizado com a

finalidade de promover encontro entre os praticantes dessas danças de diferentes

equipamentos, para trocar experiências, trazer referências históricas do movimento hip

hop e dançar, fortalecendo dessa maneira estas manifestações.

Turma das mulheres maduras e garotas

Busca de um mote para onde nossas práticas possam convergir, pensando no que disso

que estamos experimentando queremos compartilhar nas mostras de novembro.

Dia 24 Ação processo ”Totens urbanos”no Pico do Jaraguá

Dia 30 Cine dança

Assistir algum espetáculo?

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Novembro de 2010

Grupo Impacto

Ensaios para as mostras

Dia 7 ida a Jam de danças urbanas na Galeria Olido

Dia 13 Mostra Vocacional: CEU Parque Anhanguera recebe

Dia 27 Mostra Vocacional CEU Vila Atlântica recebe

Fechamento do processo com apreciação e encaminhamentos de continuidade.

Turma das mulheres maduras e garotas

Ensaios para as mostras

Dia 13 Mostra Vocacional: CEU Parque Anhanguera recebe

Dia 27 Mostra Vocacional CEU Vila Atlântica recebe

Assistir algum espetáculo

Fechamento do processo com apreciação e encaminhamentos de continuidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OHNO, Maria Cecília. A Arte no Corpo. Dissertação de Mestrado em Artes.

Campinas: Universidade Estadual de Campinas/ Instituto de Artes, 2007.

BONDIÁ, Jorge Larrosa Bondía. Notas sobre a experiência e o saber da

experiência. Campinas: Revista Brasileira de Educação, 2002. Jan/Fev/Mar/Abr. No.

19. PP. 20-28

DEWEY, John. Arte como experiência. In Os Pensadores: DEWEY. São Paulo: Abril

Cultura, 1985.

FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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Regiões Centro, Oeste & Noroeste

tOTENS uRBANOS

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Yaskara Manzini

Uma proposta de encontros em espaços simbólicos

A investigação que veio a chamar-se Totens Urbanos tem sua origem em

inquietações vividas desde meu adentramento na cultura do carnaval, quando os ensaios

davam-se na rua, o grupo de dançarinos criava seu próprio espaço dentro do espaço

público. Este tipo de ensaio torna-se um “Acontecimento”, modificando o espaço

público, a rotina dos moradores da rua, e, ao mesmo tempo, faz com que o dançarino

estabeleça não somente a conexão com o grupo e partitura cênica, mas também dialogue

com possíveis acasos que ocorram no ato de ensaiar (batida policial, cães correndo,

carros que não diminuem velocidade etc.). Entretanto, este tipo de ensaio dava-se

somente dentro do âmbito da escola de samba para a preparação da comissão de frente.

Neste ano, ao tomar o primeiro contato com o material norteador, o

procedimento ocupação do espaço não convencional tocou-me, possivelmente por

pensar na questão do uso do espaço público desde o carnaval.

Um óvulo desta investigação, talvez mais sabidamente, destas proposições

de apropriação do espaço público, Totens Urbanos, deu-se na condução de um

procedimento para aquecimento da reunião dos coordenadores das regiões centro, oeste,

noroeste e leste29, a pedido de nosso coordenador de ação Robson Lourenço.

Afetada pelas proposições do material norteador, mas também pelos 29 Realizado em dez de maio de 2010.

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Estudos da Performance (Antropologia da Performance e Arte da Performance),

pensava nos trajetos e lugares que ocupamos quando nos deslocamos para a Secretaria

de Cultura. Quais relações travamos com o espaço do entorno da SMC, como o corpo

dialoga com estes espaços, que amplitude de movimento “o espaço público” nos

permite. É possível intervir em todo espaço público? Pensei um procedimento.

Meu primeiro passo era escolher um “lugar”. Eu tinha a certeza que nenhum

dos colegas de trabalho conhecia a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens

Pretos, localizada em frente à SMC. Apesar de visível em quase todas as janelas da

Secretaria que dão para a Avenida São João, aquele prédio meio cenoura/laranja, no

meio da praça apinhada de excluídos e transeuntes era um lugar conhecido

externamente, um lugar simbólico, um lugar com extrema força (há muitos “exvotos”

de graças atendidas). Como os corpos de meus colegas dançarinos responderiam a este

espaço sagrado, público, de reflexão, de diálogo com Deus? Encontrara o lugar.

No dia marcado, antes de sairmos, expliquei aos colegas as fases do nosso

procedimento, entretanto não revelei qual o lugar para onde nos deslocaríamos e que

eles reconheceriam em um sinal, (meu sino de meditação) que também não revelei qual

seria, a mudança de fase do procedimento:

a. deslocamento para o espaço

b. adentramento e reconhecimento do espaço

c. encontrar seu nicho

d. estabelecer um monólogo corporal

e. dispersão

Houve certo estranhamento, o encantamento de um lugar tão barroco, o

corpo que neste procedimento estava também num outro lugar, não o de pessoa

religiosa ou atéia, mas de um interventor cênico. O espaço da igreja constrangendo o

corpo. A experiência de intervir num espaço de uma maneira tão ínfima. Surgiu a

discussão sobre como o espaço é tratado nos procedimentos artísticos-pedagógicos.

Posteriormente, ao conduzir um procedimento artístico-pedagógico voltado

aos Artistas Orientadores, numa das reuniões gerais, além de trabalhar a questão do

espaço público, inquietavam-me as aproximações entre vida e arte, desta maneira

propus:

Procedimento: Alguma Coisa Acontece... Intervenções em espaços públicos (espaços não convencionais)

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Objetivos: -refletir sobre a observação destes espaços e o como intervir neles mudando suas configurações seja sob a perspectiva estética, seja sob a perspectiva sócio-cultural, promovendo uma leitura transversal do texto norteador do Programa Vocacional. Escolha do Lócus: - espaço público mais aberto e estendido: originalmente o espaço era a Praça da República. (O insight e a tomada do percurso nos levou ao coração de Sampa, cruzamento da São João com a Ipiranga.) - espaço público mais concentrado e institucional (igreja), originalmente era o Mosteiro de São Bento, a segunda opção Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos ou Igreja da Santa Ifigênia. Escolha de um “meio” facilitador para iniciar a intervenção: - objeto natural/simbólico: botão de rosa. - proposta não obrigatória: dar o objeto a alguém ou deixá-lo em algum lugar. Objetivo (não declarado): pensar em conteúdo/forma, o que é este objeto, o que ele diz pra mim e como vou abordar alguém para passá-lo adiante. Proposta para protocolo: escolha de um “souvenir” pego dentro do percurso ou espaço da intervenção. Roteiro para a intervenção:

1. construir um campo de imanência no grupo, através da harmonização do ritmo respiratório.

2. passar primeiros procedimentos para intervenção - “atuação” pública: pegar

objeto “mediador/facilitador”

3. saída do ponto de partida e distanciamento do mesmo: mudança da percepção visual e espacial, andar de costas para o ponto de partida, mudar direcionamento do corpo e vetor de deslocamento.

4. caminhada para primeiro ponto e intervenção: diálogo com espaço/ sinal de

finalização: apito de guarda. Reagregação do grupo.

5. caminhada para o segundo ponto, intervenção: monólogo com espaço/ sinal de

finalização: sino. Reagregação do grupo. 6. retorno ao ponto de partida: mudança da percepção visual e espacial, andar de

costas para a rua, mudar direcionamento do corpo e vetor de deslocamento ao adentrar na sala.

7. construção de protocolo coletivo e apreciação.

Tempo do procedimento: - fase 1 e 2: 10 a 15 minutos

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- fase 3,4, 5 e 6: 40 a 60 minutos - fase 7: de 30 a 40 minutos

A apreciação levantou questões de fundo social, mas também trouxe

à tona recordações, cruzamentos entre o material norteador, devires instalando-se. É

pertinente apresentar o protocolo da coordenadora de equipe Claudia Palma que

acompanhou a ação.

YASKARA : O CAMINHAR COM ARTE CLAUDIA PALMA: OBSERVADORA - A apresentação - O 1° encontro é com as rosas, seu perfume,sua cor ,textura, signos.É momento do presentear. - As mãos se unem, o pulso acelera ,a respiração se instaura e numa sintonia ela se acalma dando espaço para a harmonia. O grupo pulsa para uma andança. . Todos recebem uma rosa. O ritual se forma. O 2° encontro é do lado de fora, é o guiar...ser guiado. - O objetivo é sair e dar a rosa a alguém... - Escolher para quem você quer dar essa rosa... - Percorrer um caminho, chegar e reconhecer esse espaço, há diálogo com ele? - Convite a ação: -1° ação --Sair de costas com a rosa na mão. - O ritual se concretiza... há um estranhamento nas ruas. Quem são essas figuras?

- O caminho é entre o cinza, o barulho,vento, sol,buzinas,frio,tudo faz parte de um todo. - O olhar do observador muda...agora é a rua que nos olha.A lupa inverte. - ALGUMA COISA ACONTECE EM MEU CORAÇÃO.... IPIRANGA COM AV SÃO JOÃO...EM MEIO AO BARULHO UM CANTO.

- Chegada do cruzamento..EIS O SEU ESPAÇO.

- Tentativa de entrega das rosas...uns aceitam outros rejeitam,

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- para que uma rosa? - Rosa na boca, rosa na mão...o corpo no poste,performances....

- É o cinza com pontos avermelhados com listras brancas dos pedestres pelo cruzamento.Os olhares se cruzam. - 2° ação - No caminho o inusitado - encontro com os zes ninguém ! Um morador de rua fazendo aniversario, cantamos parabéns...recebe uma rosa da tuti e chora, ele queria mesmo era dinheiro mas a poesia se fez. - A entrada é (e) para o sagrado- Igreja Nossa Senhora Santa Efigênia - As vozes surgem das rezas é o terço a novena, crença. Crer? - O tempo é outro, é tempo do tempo.que tempo?

- O grupo se mistura,ajoelha,reza e observa...os santos, São Bras ,São Caetano,Santa Clara...mais flores,luzes,som,cheiro,frio...as cores do simples ao rebuscado.

- O Pai nosso ecoa... - O caminho é de volta para o lugar da partida, a entrada é de costas.vamos fechar nosso rito. Seguidos pela bussola... mas o caminho é da autonomia, a escolha é sua, voce decide para quem dar e como dar essa flor, você constrói esse( o seu) caminho! 3° ação - O momento é a apreciação é trazer para dentro o de fora, suas impressões, trazer lembranças desse caminhar...com arte. Trouxeram... Saco de lixo,incomodo,agressivo,quero dinheiro ñ essa flor, desapareço, estar num lugar e ñ estar,raça,chão,folha de arruda,olhar estrangeiro, pedrinhas,troca de uma rosa por outra...e..................

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SEM RESPOSTAS... APENAS QUESTOES... O QUE AGENTE PODE DAR? O QUANTO VC ACEITA OU RECEBE O QUE TE DOU? COMO OLHAR O ESPAÇO NO EQUIPAMENTO? TROCAS! O QUANTO EU PROVOCO? TEM CHEIRO, SABOR, É REAL, PALPAVEL? CLAUDIA PALMA

A experiência com os dois procedimentos levou-me a pensar em lugares de

convergência das regiões que coordeno. Neste momento a imagem do Totem, enquanto

um símbolo identitário de determinada região da cidade.

Pensando em maneiras não usuais de agregar os vocacionados das regiões

Centro e Oeste (três equipamentos), e região Noroeste (cinco equipamento) busquei

lugares de convergência dos vocacionados em relação a zonas da urbe. Entretanto, a

intenção não é somente agregar, mas proporcionar a troca de pensamentos e promover

dança, além disto, fortalecer os laços por vizinhança.

Assim propus Totens Urbanos: Marco Zero, para os Artistas Orientadores

das regiões centro e oeste, e juntamente construímos os procedimentos para a ação

processo, realizada em 19 de setembro passado. As vocacionadas do CEU Butantã

enviaram protocolos sobre a experiência, que compartilho:

Totens urbanos- Marco Zero Patricia Souza "Novas imagens de um centro tão sujo, triste e violento. Um olhar que me fez sentir dentro do centro. De certa forma me sentir parte dele no momento da interação com as esculturas que estavam na Praça da Sé. Vivências que me acrescentam, me possibilitam novas imagens, de modo que geram belíssimas memórias." Carla Andrea Krebs Algo aconteceu no meu coração Domingo: Fizemos uma atividade diferente ,fomos turistas paulistanos em pleno centro da cidade de São Paulo. Cada um buscou o seu passaporte ,e teve de

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tudo:Desenhos,rascunhos,pinturas que foram queimadas,pau,foto,música,idéias,memórias,preconceitos,pré-conceitos,risos,medo,aventura,beleza,natureza,mulher de vestido longo e preto. E dança ,por incrível que pareça tudo isso para dançarmos,e entendi que todos dançamos cada um do seu jeito e a todo momento,agora,nem mais perguntarei a ninguém:Você dança? Todos dançamos! Beatriz Ribeiro Marco zero, o marco das emoções, sensações e experiências o que vivemos foram momentos de pura arte nascendo de algo que não tem um valor artístico na dança, que seus valores estão apagados o que mais foi marcado lá foram obras concretas dançando paradas, quer dizer nos dançando com elas...

Stephanie Krebs "Dar ouvidos à preconceitos é renunciar à liberdade. " (Frei Anselmo) E como disse Frei Anselmo, meu preconceito com a Praça da Sé, com as pessoas de lá, não me deram a liberdade de conhecer antes o centro. No dia do encontro passei disso e alcancei uma liberdade de até poder deitar me na escadaria. A experiência foi inacreditável, inesperada e absolutamente válida! Estou pronta para a próxima e para com ela crescer

A próxima ação, Totens Urbanos: Iára-Guá, contemplará aproximadamente

cinqüenta artistas vocacionados, oriundos dos CEUs Jaguaré, Vila Atlântica, Parque

Anhanguera, Pêra Marmelo e Perus, que encontrar-se-ão dia 24 de outubro próximo,

para trocar histórias vividas ou contadas sobre o Pico do Jaraguá - gigante colossal, que

servirão de passaporte para um fortalecimento da identidade dos vocacionados da região

noroeste, quando procedimentos corporais serão trocados pelos mesmos.

Desta forma, Totens Urbanos não se configura como um projeto de

pesquisa, mas como uma proposição de performances, de experiência, de troca de

olhares sobre o mundo, de aproximações entre vida e arte.

Referências ou co-construtores da ação

BAUMAN, Zygmunt – Identidade. Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2005.

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BENJAMIN, Walter – Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 2010

______ - Comunidade. A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

CAILLOIS, Roger – Los juegos y los hombres. 2. Ed. La máscara y el vertigo.

México: Fondo Nacional de Cultura Econômica, 1994.

CANCLINI, Nestor Garcia – Culturas Híbridas. Estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo; EDUSP, 2006.

______ - As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

COHEN, Renato – Performance como linguagem. Criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989.

DEBORD, Gui – A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

FISCHER-LICHTE, Erika – The Transformative Power of Performance. A new

aesthetics. London & New York: Routledge, 2008.

GAGNEBIN, Jeanne Marie – História e narração em Walter Benjamin. São Paulo:

Perspectiva, 2009.

GEERTZ, Clifford – A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora, 1989.

MORIN, Edgar – A cabeça bem feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003

OTTE, Georg & VOLPE, Mirian Lídia – Um olhar constelar sobre Walter Benjamin.

Florianópolis: Fragmentos, número 18, p. 35/47. Jan - jun/ 2000

QUILICI, Cassiano Sydow. Antonin Artaud: teatro e ritual. São Paulo: Anna Blume;

FAPESP, 2004.

SCHECHNER, Richard & APPEL, Willa - By means of Performance. Intercultural

studies of theatre and ritual. Cambridge: Cambridge University Press, 1991.

SCHECHNER, Richard – Performance Theory. 2. Ed. New York and London:

Routledge, 2003.

_____ - Between Theater and Anthropology. Philadelphia: The University of

Pennsylvania Press, 1985.

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TURNER, Victor – The Anthropology of Performance. New York: PAJ Publications,

1988

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oLHANDO eSTRELAS...

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”O contrário de uma verdade não é o erro,

mas uma verdade ao contrário”

Blaise Pascal

CONSTELANDO COM O MATERIAL NORTEADOR

Programa Vocacional Dança – A.O. Tatiana Guimarães

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Galeria Olido

Algumas restrições acerca do Material Norteador do Programa Vocacional

em 2010 foram bastante apaziguadas pela “fala” do coordenador geral pedagógico na

reunião geral de 04/10, principalmente no que se refere aos vários momentos em que

explicitou o caráter contraditório da experiência à qual nos propomos trilhar durante o

nosso tempo de contrato na prática, na teoria e nos princípios inerentes ao Programa.

Uma pena que tão tardiamente, - no que se refere a este tempo de contrato -

eu tenha podido entrar em contato direto com o pensamento do Ivan Delmanto acerca

do Material Norteador, principalmente porque, relendo-o para este ato de “constelar” e

após tê-lo escutado, percebo que minhas restrições podem ser resumidas à uma: penso

que o Material Norteador, tal qual foi elaborado, não dá espaço às contradições próprias

da nossa prática e – até a reunião de ontem – me sugeriu uma posição por demais

dogmática da coordenação atual do Programa.

O primeiro ponto que me chama atenção é o da importância da “apropriação

dos meios de produção do discurso poético”, sem que se deixe explícita também a

necessidade de instrumentalização técnica na linguagem proposta. Se o discurso surge

de uma ferramenta - “os objetos e matérias-primas sobre os quais se trabalha” - e

imaginando que no caso específico do Dança Vocacional esta ferramenta é a dança, faz-

se necessário um domínio técnico, quanto mais aprofundado melhor, para que haja

emancipação do discurso. O que me leva à pergunta: temos interesse que este discurso

emancipado seja realmente ouvido ou apenas produzido?

Porque se sabemos que o meio onde as práticas artísticas são difundidas

seleciona-as a partir de sua qualidade não só de discurso, mas também técnica (se é que

é possível termos uma qualidade sem a outra) e se queremos mesmo que este discurso

seja ouvido, temos assim a necessidade coletiva – artistas-orientadores, diferentes

esferas do Programa e artistas-vocacionados – de torná-lo o mais potente possível,

inclusive tecnicamente. Desta maneira, em se tratando de contradições, acredito muito

em um processo artístico-pedagógico no qual o professor não seja o detentor do saber e

onde a experiência do aprendizado seja mútua, mas acredito também que esta lógica não

pode nos afastar da responsabilidade de prezar pela qualidade - também técnica – deste

processo. Penso que a produção do discurso, principalmente da emancipação do

discurso, só pode se dar junto com a evolução do domínio da linguagem e da sua

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técnica; quanto maior domínio tenho sobre aquilo que exerço, maior a possibilidade de

exercê-lo de maneira emancipada.

Há ainda outra posição que me parece mais complexa e contraditória do que

sua simplificação no Material Norteador: será que o modo pelo qual os princípios e

procedimentos são instaurados podem realmente INDEPENDER das especificidades

encontradas em cada linguagem artística inserida no Programa? Como entender o

pensamento artístico-pedagógico descolado não só da questão “quem aprende”, mas

também da questão “o que se aprende”? Porque não - enquanto Programa que tem como

expectativa também a produção de conhecimento - nos questionarmos quais as

especificidades necessárias a um protocolo em dança, a uma apreciação em música, para

música ou através da música? Como podemos nem ao menos nos questionar se a

relação entre forma e conteúdo é exatamente a mesma nas diferentes linguagens? Sobre

esta última questão, posso afirmar, por exemplo, que em dança e cinema (linguagem em

que sou academicamente formada) as relações entre forma e conteúdo tem

especificidades incríveis e dignas de serem reconhecidas, discutidas, pensadas. Porque

não nos colocarmos para debater e gerar conhecimento a partir destas diferenças?

No meu ponto de vista a própria força política de cada linguagem também é

exercida diferentemente e proponho aqui um parágrafo da “Microfísica do Poder” de

Foucault para apontar uma possibilidade de resistência que é inerente à dança:

O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera

simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa

no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no

corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O

corpo é uma realidade bio-política.

FOUCAULT (1979:

80)

Através do próprio corpo há possibilidade de ir-se contra “condições sociais

e culturais externas e impostas” que possam nos alijar de uma existência livre e

autônoma, antes mesmo da fala, da consciência ou da ideologia em seus sentidos mais

recorrentes. Caminho pelo qual a dança, quando consciente de seu potencial, pode

percorrer com muita facilidade. A meu ver, potencializar e fortalecer as especificidades

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de cada linguagem só nos traria uma produção de conhecimento mais completa e uma

abordagem mais consciente acerca da nossa função pública.

Por fim, penso que é simplificar demasiadamente a ação do artista-

orientador entendendo-o como um “tradutor” dos princípios do Programa. Quando

procuro a palavra tradutor no dicionário, segue o significado:

tradutor (ô)

(latim traductor, -oris, o que transfere)

adj. s. m.

Que ou aquele que traduz.

Vejo minha atividade mais instigadora e, portanto muito mais trabalhosa do

que simplesmente o ato de transferir ou traduzir princípios para uma realidade

específica. Tenho como dever ético, assimilar os princípios e entendê-los através da

linguagem em que trabalho; em relação à realidade do equipamento; em relação aos

vocacionados de cada turma ou grupo; me questionar acerca do momento em que um ou

outro princípio deve estar presente ou não; me questionar quando e o quanto meus

ideais estéticos devem aparecer neste processo; me perguntar a todo momento acerca

das minhas escolhas e do rumo da pesquisa artístico-pedagógica; potencializar uma

“fala” que venha daquele coletivo, mas que tenha qualidade técnica e estética; e fazer de

todos estes elementos, cada um deles de extrema complexidade, uma pesquisa o quanto

mais única – porque fonte de um conjunto de realidades únicas - eu puder. Parece-me

um papel diferente do de um tradutor. Afinal como podemos pensar em autonomia e

emancipação para o vocacionado se nos entendermos como tradutores de princípios

pré-estabelecidos e se não cogitarmos que autonomia e emancipação devam estar em

todas as instâncias do Programa?

Mais uma vez ressalto o quanto foi “elucidadora” a apresentação da

coordenação na reunião geral, na medida em que trouxe para a luz o caráter complexo e

contraditório da nossa atividade, o que a meu ver não estava presente no Material

Norteador; e de parte de toda minha responsabilidade ética e do meu compromisso com

o Programa Vocacional, espero ter podido contribuir para que nosso “constelar” seja

cada vez mais multiplicado pelos diferentes modos de se olhar o mesmo céu de estrelas.

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Referência bibliográfica:

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro. Edições Graal, 1979.

Crítica do material norteador

Artista-orientadora: Andreia Yonashiro

Equipamento: Biblioteca Alceu Amoroso Lima

Em geral, fiquei bem feliz a primeira vez que li o material norteador porque senti que se

trata do começo da criação de um material simples e objetivo, de uma maneira que

contribuiu para meu trabalho e em alguns pontos sintetizou algumas idéias que surgiram

como conclusão de meu trabalho no ano de 2008 na Galeria Olido.

a) SOBRE A EMANCIPAÇÃO POR MEIO DE UMA PRÁTICA ARTÍSTICO-PEDAGÓGICA –

APROPRIAÇÃO DOS MEIOS DE PRODUÇÃO

Acho muito importante esta colocação de maneira clara e objetiva tal como está escrito

no material e posso dizer que ela tem permanecido na minha reflexão cotidiana. Acho

que só teria como contribuição pessoal, compartilhar um detalhamento muito pessoal

sobre como leio uma dimensão da idéia exposta. Principalmente no que diz respeito a

“consciência em todas as práticas, conceitos, procedimentos e escolhas relacionadas

ao discurso poético produzido coletivamente” e a uma possível idéia de autonomia.

Acho de fato que a autonomia só acontece através da emancipação e que a emancipação

só acontece por causa da autonomia. Mas, os processos nem sempre têm dinâmicas

parecidas. Acho que a autonomia se dá, por exemplo, quando uma pessoa consegue “ver

as coisas com outros olhos”, ser transformada pelas coisas sem ter sua experiência

mediada por uma outra pessoa. Isso que me guia ao mostrar coisas para os

vocacionados, e me esforçar para achar as maneiras adequadas para não ser

“dogmática” ou “pregar” uma certa qualidade de “cultura”. Isso muitas vezes, só é

possível quando eles mesmos enfrentam a dificuldade de criar e se colocar

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coletivamente, mas o momento de reflexão e conscientização pode acontecer num

momento completamente inesperado, sozinhos, ao ver algo na televisão, por exemplo.

Por isso, acho bem importante a relação entre autonomia e emancipação e deixar claro

que as vezes esta emancipação no sentido de apropriar-se de fato dos meios de produção

(que são bem complexos) pode ser um processo que acontece gradativamente, e

depende de uma conscientização que me parece se dar no cruzamento da autonomia e

emancipação, mas que pode levar um mês, dois meses, um ano, dois anos. Ou seja, num

grupo com uma proposta mais direcionada, acho isso muito mais direto, mas nas

turmas, acho de fato, muito difícil achar um equilíbrio entre tantas pessoas com

participações ativas qualitativamente díspares, e orientar este processo de

“conscientização”.

Acho fundamental ter isso em mente (como meta), mas sem a expectativa de que os

resultados sejam imediatos, pois acredito que “forçar a barra”, pode destruir um

processo artístico incrível. Pois precisamos respeitar, entender e dialogar com as

transformações em cada pessoa. Acho isso fundamental para que o Programa

Vocacional garanta sua dimensão artística em meio a tantas demandas e imposições que

vêm de necessidades, limitações e desejos institucionais, econômicos ou políticos.

b) Sobre algumas palavras que me incomodam:

- “PESQUISA”

Acho que às vezes esta palavra sofre muitas distorções e confusões que confundem a

prática artística com a metodologia de pesquisa acadêmica. Nada que não possa ser

esclarecido sendo mais objetivo e direto. Na minha opinião, a prática reflexiva e critica

sempre fez parte da vida dos artistas. Por outro lado, a metodologia de pesquisa

acadêmica é uma das maneiras (e que são na verdade, várias metodologias possíveis)

que ajudam a evidenciar a reflexão, critica e produção de novas maneiras de criar.

Mas, novas maneiras de criações que respondem a uma necessidade artística pode ter

uma liberdade que não é coerente com algumas metodologias de pesquisa. Ou seja, a

dinâmica de pesquisa nem sempre contribui para uma dinâmica de criação artística, às

vezes sim, às vezes não. Às vezes o rigor metodológico força uma necessidade

intelectual, ou mesmo de erudição, que bloqueia o processo de produtividade criativa.

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Pessoalmente, não tenho problema com estas coisas, pois é da minha natureza lidar com

minha prática artística desta maneira, mas vejo alguns colegas sofrendo um pouco com

isso, o que deturpa o sentido e significado de “pesquisa” e não ajuda ninguém, mais

atrapalha. De uma maneira mais simples, acredito que se esta “proposta de pesquisa”

vem como um procedimento do Programa poderia ser explicado mais detalhadamente o

sentido simples de organizar o processo de reflexão, sem um imperativo de “erudição”

ou de ter como objetivo, criar um objeto específico, criar testes, hipóteses, provar tese,

como pano de fundo de uma dimensão conceitual. No final, às vezes, sinto que tentamos

entrar numa discussão filosófica, ou sociológica, ou antropológica, mas que não

chegamos a realizar de fato esta discussão por que não são criadas situações possíveis

disso acontecer. Acho que entendo e sinto na pele, minimamente, a natureza complexa

do programa, mas não vejo uma maneira (que não precisa ser “reducionista”, de reduzir

a um conceito que vai ser “salvador da pátria”) que não a de criar condição para que

conceitos sejam claramente compreendidos, um de cada vez, discutido e que a

permanência deles no nosso cotidiano seja por uma necessidade de continuidade de

diálogo (e não de consenso!).

Acho que se não nos focarmos num sentido como o tal, e entender as limitações

logísticas do Programa, não importa quais conceitos utilizamos ou “evocamos”, tudo vai

soar como “cabeção” e sem sentido. Mas sinto que precisamos sim, na verdade, por que

não?, dá ajuda de pensadores que dedicaram suas vidas a registrar e sistematizar uma

visão de mundo. Mas precisa fazer sentido, através do calor real do diálogo.

Em síntese, detalharia minha compreensão de pesquisa como a relação entre:

REFLEXÃO REGISTRADA (SISTEMATIZADA) – PLANEJAMENTO – MATERIALIDADE

+ usar “metodologia como uma pesquisa em constante reflexão” NÃO ENTENDO O QUE ISSO QUER DIZER.

c) ACHO BEM LEGAL DEFINIR UM ROTEIRO DE AÇÃO A PARTIR DO CRUZAMENTO

ENTRE PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS.

Porém, acho que na “apresentação”, no texto do material, poderia haver maior

esclarecimento para a leitura não tornar os “princípios” em objetos. Principio me parece,

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nesse caso, algo que pode ser identificado na ação, simplesmente. Mas senti no tom das

discussões eles serem encarados como “objetos a serem construídos”, ou definidos de

maneira completamente dogmática.

Tenho uma dificuldade particular com o procedimento do protocolo, principalmente por

ele envolver uma dinâmica coletiva que muitas vezes foge do meu controle de

compreensão (do ponto de vista de como propor coisas que não vão gerar expectativas e

sentimentos desproporcionais, e que acaba afastando as pessoas ao invés de aproximá-

las). Também não gosto muito da palavra protocolo, e tento encarar mais como uma

“coletânea de materialidades que precisa um dia encontrar um discurso”, principalmente

na dança, mediar a experiência entre movimento e palavra / essencialmente necessária.

São Paulo, 04 de outubro de 2010

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Considerações ao Material Norteador Priscila Lima – AO CEU Butantã

A Pesquisa foi construída a partir dos vocacionados, de acordo com

suas vontades e desejos, aos poucos construímos o que era esse encontro e

foi então que a Improvisação em Dança proporcionou um olhar para si,

movimentando a auto-estima dos vocacionados, que voltavam cada dia, mais

entusiasmados com o jeito de dançar que não engessa e que não tem

preconceitos, uma dança que todos podem compartilhar, já que ela parte da

sua idiossincrasia.

O olhar de orientação: propõe, indica, explica, estimula, a partir da

observação ativa e questionamentos aos vocacionados, mas a Dança acontece

a partir da percepção sensorial e corporal do indivíduo, a proposta é que cada

um entre em contato com seu corpo e através de conteúdos alcance uma

forma única de se movimentar e se expressar livremente. Isso só é alcançado

quando o orientador se coloca como participante ativo do processo e não o

único detentor do saber.

Os protocolos utilizados nessa pesquisa foram os “vídeocolos”, o

registro das cenas criadas pelo coletivo, que vivenciaram momentos

individuais, duplas e em grupos, tornando um material de pesquisa, que sugere

a apreciação e questionamentos sobre as diversas experiências vividas, para

que o processo possa ser contemplado na criação para a Mostra Final.

São diversos os estímulos para que os vocacionados sejam

protagonistas de suas vidas, assim como de suas pesquisas artísticas, mas

nesse equipamento apenas o grupo segue engatinhando para esse caminho, a

turma demorou em ser um coletivo e por isso o processo pede mais tempo. A

maioria das desistências foi em relação à segurança, devido o horário do

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encontro terminar às 22h, por motivos de trabalhos, estudos e outros que não

voltaram mais.

Mas isso não significa que o coletivo não esteja engajado e

apropriado dos meios de produção, todos tem a participação consciente dos

conteúdos, inquietações, referências artísticas e pedagógicas, pesquisa teórica

que representa a prática. Essa reflexão está contida nas apreciações que

acontecem em todos os encontros.

Dessa forma está em foco, a emancipação que deve ser alcançada pela

convivência, aprender - ensinar, com o coletivo e espaço para manifestarem a

sua dança. Porém deve ser levado em conta o momento do coletivo no

processo, para que seja uma escolha natural de seguir outros caminhos com

suas experiências.

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Artista-orientador: Duda Moreno - CEU Jaguaré

Crítica ao material norteador

No inicio do trabalho fiquei muito confuso, pois a exposição do eixo norteador na

formação não me foi muito clara. Minhas duvidas foram sendo esclarecidas em

conjunto com os meus companheiros de equipe no decorrer das reuniões artístico

pedagógicas, a partir daí me apropriei dos conteúdos e tive total condição para a

implementação dos procedimentos no equipamento. O que está escrito é de fácil

compreensão, porém no primeiro contato fiquei com uma sensação de que alguns

procedimentos como apreciação e protocolo eram objetivos a serem cumpridos e não

facilitadores que poderiam colaborar no desenvolvimento dos encontros.

Vários assuntos ali contidos fazem parte da nossa realidade nos equipamentos como

trabalhar em espaços não convencionais, eu, assim como tantos outros AOs, trabalho no

espaço redondo e em outras dependências do CEU Jaguaré, em nosso equipamento

espaço não convencional é o palco, por exemplo, então esse tema poderia ser

repensado para o próximo eixo.

O objetivo principal em minha crítica é propor a clareza na explicação do eixo norteador

para que não sejamos surpreendidos futuramente, uma das falas que me marcaram em

uma das reuniões gerais foi a seguinte: “Um dos pilares do programa é a contradição

que ele gera em si mesmo”. Esta contradição pode ser muito produtiva ou pode apenas

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atrapalhar quando ela vem carregada de informações que nos passa uma idéia, mas que

quer dizer outra.

Procurei desenvolver todos os meus encontros ou a grande maioria deles partindo do

eixo norteador. As propostas ali contidas me ajudaram muito, então peço clareza em

tudo o que for apresentado!

Cito abaixo alguns procedimentos que tem se destacado no processo vivenciado no

equipamento.

Autonomia A autonomia sempre esteve presente em nossos encontros, o que deixa as propostas

cênicas ainda mais ricas. Penso que a emancipação dos vocacionados se dá a partir da

preservação da autonomia que é enriquecida por novas experimentações e vontades.

Quando os vocacionados sentem uma segurança para expor suas próprias idéias, eles

próprios dão o tom dos encontros.

A auto-afirmação artística de pessoas que na maioria das turmas estão iniciando uma

pesquisa artística pode levar mais ou menos tempo, então se apressarmos o processo

podemos perder a confiança das pessoas. Em minhas práticas proponho algumas

movimentações simples, mas que atingem camadas profundas e sensíveis nos

vocacionados. Os resultados obtidos revelam a existência de certa apropriação dos

procedimentos e quando analiso as falas que surgem em nossas apreciações, noto que

estou me tornando apenas um facilitador e/ou organizador das propostas idealizadas

pelos próprios vocacionados. A turma esta indo além de esperado, acredito que os meios

de produção sugerem provável emancipação destes vocacionados.

AO em quanto pesquisador, AV em quanto pesquisador A pesquisa é diferenciada para cada turma e grupo, ela parte sempre da relação

estabelecida nos encontros e vai conduzindo-nos. Às vezes a pesquisa pode assumir um

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caráter mais acadêmico, porém isso traz uma organização dos pensamentos e evidência

todo o processo. Programei toda a minha pesquisa em torno das necessidades que me

foram apresentadas e cada passo dado me faz refletir afirmar ou modificar os objetivos

ali contidos. Com os vocacionados que estou orientando adotei o termo AV pesquisador

onde proponho que o material oriundo de nosso encontro seja relacionado com

acontecimentos de suas vidas e da sociedade em geral, a releitura e a tentativa de

associação de todos os momentos podem gerar novos significados para o material

cênico que estamos pesquisando ou não, o objetivo é que os A.Vs reflitam suas ações

enquanto cidadãos.

Contribuição ao Material Norteador

AO Robson Ferraz - Equipamento CEU Perus Sempre que se liga a arte, ao cotidiano de uma comunidade, nos aproximamos das relações entre estética e ideologia. Precisamos delas (e do que existe entre elas) para avaliar com maior clareza o que expressamos e promovemos com o Programa Vocacional. A necessidade ideológica dos princípios e procedimentos do material norteador não é somente uma imagem da ordem social onde a arte se inclui, mas uma presentificação desta. Isto é, o material norteador tanto se reflete como ganha forma através da estética resultante nos trabalhos com turmas e grupos de vocacionados. Por isso, se faz necessária a revisão constante e sistemática deste material. Ele exemplifica a ordem social existente ao mesmo tempo em que se constitui em divulgação de um modelo (social, educacional e artístico) a ser “reproduzido”. Com esse entendimento, as ações estéticas resultantes das orientações tornam-se a estruturação de uma forma de refletir sobre e dar forma ao tecido social. Vejo na abertura para uma contribuição ao material, uma ferramenta avaliativa necessária para ampliar o entendimento desse material em profundo diálogo com a prática. E, se assim for, o material norteador revisitado, se faz necessário por conta de uma situação de existência em um fluxo permanente de trocas. Ele troca, e nessa troca ele reconstrói a sua forma, mas também opera como uma espécie de propaganda dessa forma, disseminando, assim, as informações que o constituem. Servindo menos a idéia de um simples compêndio de procedimentos e processos a serem reproduzidos ad nauseam.

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Assim, este material não deve ser lido somente à luz das condições ideológicas sócio-educacionais de sua produção. Ele não pode se presentificar à realidade social de forma apenas estética, para deleite de seus pares, mas algo que aja na sociedade, modificando-se com o público que o dissemina. Nesse campo de percepções, surgidas na esteira dessas proposições, é importante destacar a emergência de novas ferramentas que possibilitem relacionar idéias e dados estatísticos que ajudem a desvendar esse território diferenciado. Fenômeno de uma área de cruzamento, o programa vocacional deve ser entendido como um alvo em movimento, reordenando e reclassificando os elementos indispensáveis ao fenômeno artístico, social e cultural. O questionamento que o programa carrega não é novo, mas indica uma tentativa de superar algumas definições apenas parcialmente suplantadas na arte contemporânea: o fazer artístico de forma não abstrata em profunda relação com a realidade cultural, educacional e social. Sua ênfase deveria recair, portanto, nas estratégias de comunicação que constrói entre as instâncias que recebem e abrigam o programa, sem economizar esforços para o resgate da vitalidade dessa relação. Ou seja, o programa não deve ser entendido nestas instâncias apenas como um “modo de se fazer arte”, mas de uma prática que amplia as relações estéticas e discursivas dentro da relação tensa entre programa/equipamento/vocacionados e sociedade. Algo que alcance um estatuto maior que a mera representação de uma realidade conhecida. A formulação precisa de um programa menos visionário, que possibilite o resgate da arte enquanto espaço do encontro (coletivo, artístico, estético, social), depende do ajuste do material norteador à medida humana. Esse tamanho pode ser garantido pelo estudo do lastro do que já foi alcançado, pelo que está em vias de ser construído e pelo planejamento estratégico que comporte conquistas futuras.

Relatório “doss(C)iético”: comparações entre o Material Norteador e a Pesquisa

“Dança, Poesia, Magia Cultura”.

1. Com relação aos princípios artístico-pedagógicos:

1.1 Ação cultural: as ações desenvolvidas no CEU Pera-Marmelo foram, desde o início da pesquisa, pensadas para “interferirem na maneira de se pensar os modos de produção artística”.

As vocacionadas foram convidadas a expor durante todo o ano a suas prosas. Tais prosas estão sendo colocadas em uma situação estética que convida o público a experimentar de outra forma a sensação que elas tiveram em determinado momento da vida e que ficou gravada em sua memória. A princípio são 04 exposições durante o ano de 2010. A exposição é aberta a comunidade, recebe título, roteiro e todo tratamento necessário para que a comunidade se sensibilize a partir das

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reflexões e experiências trocadas nos encontros de Dança Vocacional. Em consonância com a idéia de emancipação elaborada por Paulo Freire (1921 – 1997) e citada vagamente no material norteador, a emancipação necessita do coletivo. Nesse sentido os encontros de Dança Vocacional abrem suas portas para que outras pessoas que não podem participar dos encontros participem de outra maneira.

1.2 AO Pesquisador: A pesquisa empreendida com auxílio da coordenadora de equipe da região Noroeste parte de uma reflexão crítica a respeito de corpo sensível para a dança.

O que se tem na maioria das vezes é um público interessado na dança como atividade física. Abrir um campo para que se possa pensar sobre corpo e sensibilidade pode ser um primeiro passo para que a dança deixe de ser uma atividade meramente física. Baseado na idéia de que a palavra estética tem em sua sinônima sensibilidade a porta para o primeiro entendimento do fazer artístico, a proposta de se investigar as conversas que envolvem os sentidos dá a margem necessária para esse fazer e refletir sobre ele.

1.3 Forma e conteúdo: de imediato a proposta de pesquisa é investigar conteúdos e formas.

Os conteúdos da pesquisa são desde o mundo sensível, o que se fala sobre ele, a repercussão das sensações individuais até aquilo que é considerado costumes do passado. Talvez não haja na dança fórmulas ou movimentos que traduzam bem todas essas experiências ou sensações investigadas: cheiros, sabores, paisagens visuais, sonoras, mas há com certeza meios para que os corpos da comunidade em geral possam então experimentar todas as sensações que são discutidas nos encontros de dança. Não há como pensar dança sem pensar corpo. Não há como pensar corpo que dança sem pensar em um corpo sensível às diversas experiências que o viver proporciona. A forma pode ser desde aquilo que é formatado para o que o outro veja como aquilo que é formatado para que o outro participe junto com os propositores.

2. Procedimentos

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2.1 Ocupação/criação de espaço: Uma das idéias trazidas no material norteador com relação à ocupação de espaço diz respeito à ocupação de maneira artística e comum.

Vale repetir que o próprio projeto “Dança, Poesia, Magia, Cultura” dá margem para que o ser humano ocupe aquele espaço para uma simples prosa e que na medida em que existe a necessidade que mais pessoas tomem conta da mesma prosa abre-se para comunidade e convido aos demais a prosearem e quem sabe experimentarem as minhas sensações.

2.2 Protocolo: Sem querer tomar um caráter literal, os protocolos são feitos dentro da espontaneidade ou necessidade. Quando se precisa ordenar aquilo que foi dito no encontro e poderá ser usado em cena, ou quando há a necessidade de produzir textualmente as impressões e recordações a cerca do que está sendo discutido, vivenciado.

Não é possível nunca engessar nenhuma ferramenta, mesmo que no passado ela tenha sido super útil para uma ou outra produção. No caso da pesquisa feita no CEU Pêra Marmelo, histórias sobre receitas de bolo, receitas de bolo, amontoado de palavras sobre as memórias de um determinado odor, roteiro das exposições. Esses são os protocolos textuais, mas há também aqueles feitos com material inusitado como fubá. Assim como em algumas tribos americanas que usa areia como material de pintura, o fubá aqui nessa pesquisa artística serve para registrar um passo de dança, facilitar na demarcação espacial, etc.

2.3 Apreciação: É feita a todo o momento. Não se tem no vocacional, pelo menos não na equipe da qual faço parte, qualquer prática pedagógica em moldes tradicionalista em que o professor tem a voz única e exclusivamente para ele. Portanto a apreciação se dá a todo o momento. O vocacionado participa vividamente porque os projetos são pensados em atender suas necessidades e proporcionar seu desenvolvimento. Então, a apreciação não é prática para dar voz para o vocacionado, pois o projeto inteiro já requer tal coisa. Não há momentos isolados. Então, desde que a prática do orientador se valha de tal fator, que é dividir com o vocacionado a voz, o tempo, os saberes, o método de apreciação se dá indefinidamente e tão vivo quanto qualquer regra social ou procedimento didático.

São Paulo, 03 de outubro de 2010.

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272

Renato Fagundes Vasconcelos AO CEU Pêra Marmelo

CONSTELAR

PROCESSO ARTÍSTICO PEDAGÓGICO E MATERIAL NORTEADOR /

SUSTENTABILIDADE

Odair Prado

AO de dança do CEU Vila Atlântica

Busco aqui fazer paralelos entre o Material Norteador do Programa Vocacional 2010 e o

Processo Artístico Pedagógico com a turma de vocacionados do CEU Vila Atlântica:

PROJETO MUROS INVISÍVEIS - ESPAÇO E LUGAR

"A COMUNIDADE COMO AGENTE DE INCLUSÃO DA PRÓPRIA

COMUNIDADE"

Em vários experimentos durante o processo artístico pedagógico com as turmas do CEU

Vila Atlântica, nos deparamos com o tema INCLUSÃO. Incluir, incluir-se e ser

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273

incluido. Desejo a princípio inconsciente dos vocacionados que na maioria são rapazes

interessados na linguagem da dança proposta pelo movimento Hip Hop. Passamos

primeiro pela conscientização politica do cidadão que deseja ser incluido pelo Estado e

pela Comunidade. Depois, a necessidade de encontrar poesia para aqueles movimentos

tão precisos mas vazios de sentido. Comecei a propor estimulos poéticos, por exemplo:

dando continuidade a pesquisa que iniciei no CEU Água Azul em 2008, sobre "A

Poética de Espaço" de Gaston Bachelard, apresentei o texto do Geógrafo Yi Fu Tuan

"Espaço e Lugar"....."O lugar é a segurança, o espaço é a liberdade, estamos ligados ao

primeiro e desejamos o segundo" (segue texto abaixo).

O texto foi decisivo para encontrarmos um caminho poético: Como transformar,

através da dança, um espaço em lugar?

A turma encontrou o estímulo necessário para experimentar a poesia nos movimentos,

que até então eram apenas reproduções de sequências acrobáticas. A partir da proposta

de uma busca artística e poética por novos espaços, rompemos os limites da sala de

dança e ocupamos os espaços abertos do CEU, escolhendo a Pista de Skate como

cenário ativo e estimulador dos nossos procedimentos e pesquisas. Como transformar

aquele espaço da pista de Skate em lugar? O coletivo/turma, bastante estimulado com a

proposta, apropriou-se do processo e transformou a pista de skate em uma rua do centro

da cidade de São Paulo, criando poéticamente diversos personagens comuns a nossa

cidade, que contam suas histórias através da dança própria do Hip Hop. Outro estímulo

poético importante aconteceu quando um dos vocacionados trouxe um CD com

música clássica para dançarem. Eles descobriram que a poesia não tem limites, que a

dança, incluindo Hip Hop, pode sim ser dançada com música clássica ou com qualquer

outro estimulo, basta ter algo a dizer. Eles incluiram a proposta ao projeto: o clássico e

o popular em harmonia.

Logo, o espaço da Pista de Skate transformado em lugar ficou pequeno. O processo de

emancipação da turma pediu que os muros do CEU fossem derrubados artísticamente,

simbolizando a necessidade de inclusão e ampliação dos espaços internos e externos e

convidando toda a comunidade a compartilhar o mesmo lugar. Resolveram então

convidar alguns amigos grafiteiros e pediram para eles criarem nos muros que ficam

atrás da Pista de Skate, a fachada das casas que ficam logo atrás desse muro em uma rua

muito estreita, como se aquele muro não existisse e fosse possível o transito livre

através dele. A comunidade incluindo a comuniade. Criaram também outra ação muito

importante: entrevistaram os moradores dessas casas que serão representadas no

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274

trabalho dos grafiteiros e convidaram os moradores a participarem do projeto, todos

aceitaram prontamente, tanto que na casa que tem a laje que acaba quase dentro do

CEU, moram 02 irmãos que participaram do projeto Guri e formaram um quarteto de

cordas, eles se propuseram a participar da mostra tocando músicas propostas pelos

vocacionados em cima da laje enquanto a cena acontece na Pista de Skate. Na entrevista

os moradores contaram também como eles gostariam que fosse a fachada das sua casa,

é essa fachada dos sonhos que os grafiteiros tentarão reproduzir, incluindo e integrando

vários moradores do entorno no processo. Os vocacionados apropriaram-se dos meios

de produção e do discurso poético, e o coletivo conquistou mais emancipação. Não

consideramos nada como definitivo, eles já entenderam que o que mais interessa é o

processo continuo. Essa consciência foi surgindo durante nossos momentos de diálogo e

apreciação, uma constante em nossos encontros.

A forma que os vocacionados escolheram dá conta do conteúdo descoberto.

Com a conscientização das condições coletivas, conquistamos mais emancipação,

criando novos espaços e ocupando o espaço público.

Com a ação AO Compartilha encontramos afinidades de processo com as turmas de

teatro do CEU Vila Atlântica e iniciamos um frutífera parceria, criando o projeto

MUROS INVISÍVEIS, que acontecerá em vários dias do mês de novembro, com

atividades, procedimentos e apresentações com o mesmo tema. A parceria entre o

Vocacional dança e teatro no Vila Atlântica aconteceu também em 2009 e foi muito

positiva e harmoniosa.

Sobre a sustentabilidade proponho que em 2011, o Programa Vocacional reviva e

fortaleça a proposta de INCLUSÃO. Rompendo simbólica e artísticamente os muros

que separam CEU e Comunidade.

Quais os muros que nos separam da comunidade?

Proponho também que os processos de pesquisa dos AOs tenham continuidade no ano

seguinte. Se não for possível o mesmo AO no mesmo equipamento que haja diálogo

entre eles e a apresentação do AO que chega pelo AO que sai.

No mais, sou muito grato ao Programa por estimular o artista pesquisador em mim.

grato

OdairPrado

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275

Crítica ao material norteador Cindy Quaglio – AO do CEU Parque Anhanguera Quando nos foi solicitado esse exercício, ao qual me entrego agora, de dialogo critico com o material norteador, a primeira questão que me vem é em torno do conceito de emancipação. Paulo Freire, ligado a tradição de pensamento marxista, tinha na sua atuação de educador e teórico da educação, uma perspectiva bastante explicita de revolução social, quer dizer que o processo de conscientização dos educandos de sua ação no mundo, para ele, esta atrelado a possibilidade de uma transformação desse mundo, num âmbito das macro estruturas. Quando ele fala em emancipação , ele esta falando de luta de classes, de superação efetiva da condição de oprimido através da luta de classes. E para nós, como entendemos emancipação hoje, dentro do contexto do vocacional? O que entendemos por meios de produção do discurso poético? E sobre isso, também me questiono em que medida o vocabulário materialista dá conta das especificidades de nossa praticas, que lida com subjetividade, percepção... Considerando que não deve estar no nosso planejamento de trabalho, durante os 8 meses de contrato, no meu caso 4, realizar a revolução, como tenho trabalhado com meus vocacionados tendo no horizonte a perspectiva da emancipação? Entendendo que quando falamos de meios de produção aqui, tratasse num primeiro momento dos procedimentos do fazer artístico em dança, e digo primeiro momento, pois uma vez que se tem um grupo produzindo, surge outras questões de apropriação de recursos materiais que suportem a atividade do mesmo, mas vou me ater ao primeiro, que esta mais próximo da realidade dos meus vocacionados. Penso que essa apropriação dos meios de produção se dá numa tomada de consciência, na construção de uma compreensão do que se faz, do como se faz e por que se faz. É o fazer mesmo da dança, que implica um constante exercício de apreciação, quando vamos construindo um “olhar” sobre o que fazemos e nos tornando conscientes de como fazemos, construímos sentidos, e nesse processo, acredito e espero, podemos ser cada vez mais conscientes de nossas escolhas, com relação a forma e conteúdo, por exemplo. O protocolo é uma extensão da apreciação, um extrato extraído da mesma, processo de elaboração coletiva de sentidos, que se materializam servindo de memória. Vejo a ação cultural, como desdobramento desse processo, são momentos que ultrapassam os encontros cotidianos, mas que só tem sentido quando ancorados neles, numa relação de reciprocidade onde a proposta da ação surge numa relação de continuidade da pesquisa, e contribuindo para ela, ampliando suas dimensões. O Material é incompleto, como não poderia deixar de ser, como contemplar a complexidade do nosso fazer num pequeno texto? Mas cumpre a tarefa de apresentar a estrutura e conjunto de ferramentas que constituem o programa hoje. Sobre emancipação é preciso ter sempre em mente, que não é um lugar ao qual devemos chegar, tipo terra prometida, mas um caminho, ou uma trilha que vamos abrindo, abrindo espaços, construindo sentidos, tecendo relações...

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PROGRAMA VOCACIONAL

PROJETO DANÇA VOCACIONAL

CONSTELAÇÃO – EQUIPE LESTE II

Coordenação de Equipe Luis Ferron

Artistas Orientadores Alexandre Tripiciano

Michelle Mogami

Michele Farias

Miwa Hanayama

Monica Augusto

Pesquisa Pessoal

Constelação – Coordenação Equipe Dança– Leste II Luis Ferron

“POTÊNCIA E LATÊNCIA – latência em

potência”

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277

“Frente a diversidade, inevitável serão as tramas

da complexidade que as compreendem.

Frente a complexidade, nego as ausências

de forças em favor das potências ali instaladas.

A potência é a força presente em cada linha da trama.

A sua invisibilidade momentânea não significa ausência, ao contrário, sugere

um devir potência, a potência em estado vibrátil:

o estado de latência vibrando potência.”

(Ferron, 2010)

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278

Preâmbulo

A partir das experimentações vividas desde 2008 dentro do Projeto, atual

Programa Vocacional, estive e continuo com a oportunidade de refletir sobre o

meu fazer a partir da liberdade proporcionada por este no que se refere a:

experimentar, refletir, resignificar conhecimentos e requalificar as ações

práticas imersas no espaço do poético. No meu caso, esses conhecimentos só puderam adquirir novo corpo junto a

experiência dos parceiros coordenadores mas, e sobretudo, junto aos artistas

orientadores ao elevarem as poeiras que desvelam o ainda não visto no lócus

da ação e colocam a baila os desafios propulsores de novos saberes e

conseqüentemente: novos fazeres.

São esses Artistas Orientadores, com as suas questões oriundas das novas

situações – confronto com o novo sitio, que corroboram para descamar os

meus pragmatismos.

Estando atentos – potentes; dormentes – latentes, almejei e continuo

almejando pela utopia de parceria, ou consciência de grupo inserido neste

contexto, no desejo de realização mediante a soma das potências emergidas a

partir de cada singularidade presente nesta equipe. Talvez sejam parceiros por

afinidades ou pela simples circunstância do vinculo mas de qualquer forma, a

minha motivação deriva da utopia dessa possível parceria junto a esses

Artistas Orientadores obviamente conscientes ou em construção sobre a sua

posição, postura e ação Micro-Política. Pressuposto fundamental para a

atuação num Projeto Cultural Público como este.

Pois bem, são essas questões oriundas dessas pessoas envoltas com as suas

crises pragmáticas perante o lócus da atuação – um novo nicho cultural, que

dou inicio a construção de um pensamento que permita gerar ferramentas com

a ambição de promover a ampliação de referências (Evil, 2010) para cada qual

desse grupo poder prospectar novas possibilidades de atuação e alteração do

panorama artístico, educacional e cultural: espaços de potências e criação.

Este preâmbulo almeja sintetizar e ao mesmo tempo revelar genericamente o

olhar deste coordenador frente a equipe de 2010 a qual atravessa e é

atravessada por situações singulares a esse tipo de proposições, ora

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279

determinadas, ora sugeridas, pelo projeto Dança Vocacional ante as realidades

culturais encontradas na cidade de São Paulo.

Acredito que este preâmbulo seria o suficiente para justificar a pesquisa desse

coordenador de equipe e nesse sentido necessitaríamos de bons entendedores

para que isso ocorresse. Porém, os bons entendedores também, se vivos,

vivem a era contemporânea e portanto: contemporâneos personificados e

como tais: meias palavras também já não bastam.

Com isso, o jargão popular: para um bom entendedor meia palavra basta, não

condiz com o contexto da contemporaneidade que necessita cada vez mais

cruzar linhas de forças e ampliar as possibilidades de sentidos, nesse aspecto,

constelar é preciso.

Mediante este panorama, proponho um resumo cronológico no sentido de

partilhar parcialmente deste percurso, ainda em pesquisa empírica, como

coordenador frente as potências e latências encontradas nos vários sítios que

permeiam as esferas do Programa Vocacional.

A Pesquisa

Vários são os lugares que temos para olhar quando estamos tratando de uma

pesquisa como essa, porém, dois deles me chamaram a atenção ao longo

desses meses de 2010: os sitios de Latência e de Potência.

Essas duas qualidades mostravam-se presentes em todos os espaços nos

quais transitei, e continuo transitando, abarcando as demandas emergidas na

construção do projeto, especificamente na região Leste II. Esses dois estados,

na verdade são duas qualidades da potência. Uma, a latência, o estado da

potência em dormência, um estado ainda não potencializado, porém pulsando,

Page 280: pesquisa 2010 - dança constelar

280

vibrando. A outra, a potência, está no seu estado vivo, acordado, em estado

potencializado.

O que pretendo dizer é que se antes eu costumava nomear certas situações

encontradas nas esferas de atuação como pontos positivos ou negativos, fortes

ou fracos, atualmente procuro identificar situações em estado de latência ou

potência. Potência em estado de latência prestes a ganhar força e materializar-

se ou potência em estado potencializado, presente e atuante.

Essas duas qualidades, passaram a nortear o meu olhar no sentido de gerar

fissuras e talvez encontrar novos espaços para romper com as

convencionalidades culturais presentes nestes sítios de atuação do Projeto

Dança Vocacional.

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SITIO 01- MICRO E MACRO POLÍTICA

Entendo que refletir o nosso papel dentro do programa – projeto, seja o

primeiro dos espaços não convencionais que devemos olhar. Um sitio que

implica novas maneiras de assumirmos responsabilidades perante um contexto

cultural que se repete há tempos na nossa cidade, país e mundo. E se essa

repetição se dá há tempos, quais as convencionalidades criadas para dar

sentido e sustentação a esses hábitos e costumes? Neste contexto também

podemos perguntar: Quais das convencionalidades que nos apropriamos para

dar corpo e sentido para a própria existência?

Estamos atuando num dos mais sérios programas de políticas públicas

culturais, inserido numa das maiores metrópoles do mundo e, nesse sentido,

entendo como premissa a construção de uma percepção mais atualizada

abarcando as responsabilidades implícitas nesses dois espaços: o da Micro e o

da Macro Política.

Compreendermo-nos apenas como artistas, artistas orientadores e ou

coordenadores nos mantém no espaço das convencionalidades, um local em

estado de latência. Por outro lado quando acrescentamos a isso a consciência

do ser e estar político potencializamos o estado anterior e atingimos um novo

com maiores chances de construções e materializações, neste contexto: o

estado da potência potencializada.

Nesse primeiro sitio cabe a seguinte pergunta: O que pretendo quando procuro

um Projeto como este para atuar?

Devo adquirir a consciência dos vários estratos que fazem parte do mesmo no

sentido de potencializar o meu pensar e fazer. Devo compreender que assino

um contrato que carrega consigo muito mais do que a possibilidade de

trabalho, emprego. Junto a este, contrato, existem demandas que requerem a

reflexão continuada para a construção dos meus fazeres em tempo e espaço.

Talvez, essa seja a grande dificuldade de todos nós, pois, se por um lado esse

contrato atrela novas possibilidades, por outro, devemos aprender a detectar os

pragmatismos que carregamos no sentido de tornarmo-nos uma outra

possibilidade para a construção de outros panoramas culturais.

SITIO 02 – ARTISTA ORIENTADOR – Cultura e Historicidade

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Há muito se repetem as reflexões sobre educação no nosso país e mundo.

Discute-se conceitos, procedimentos e transversalidades sempre com um a

ampla distancia entre formação e emancipação e nesse contexto a esfera

atitudinal acaba por não ser alcançada com eficiência.

Ao invés de potencializar o homem para uma leitura ampla sobre ele e o

mundo, abarcando as múltiplas facetas deste, a educação tende a fragmentar

os conhecimentos a partir do todo e se esquece de torná-los um todo

novamente a partir das resignificações feitas por esse homen e as suas novas

competências adquiridas.

No mais, devemos atentar para o fato de que um tal conhecimento está a

mercê dessa ou daquela instituição que pretende discuti-lo, ganhando

características e texturas próprias ao discurso.

Pergunta: o que pensamos ao escutar os termos instituição de ensino, ensino e

educação?

Qualquer instituição de ensino é um sitio com propriedades políticas próprias e

procuram gerar conhecimentos a partir de pensamentos e crenças também

próprias. Neste mesmo sitio encontraremos duas personagens

importantíssimas para compor essa história: o educador e o educando. Por

mais que mudemos os termos para docente e discente, mediador e mediado,

professor e aluno e tantos outros, esses dois papéis no lócus das ações de

ensino e aprendizagem sempre existirão e atrelado a isso, os pensamentos e

crenças daqueles que estão a frente do aluno.

Baseando-me nesses pressupostos lanço uma nova questão: Se o educador

de hoje foi um educando de ontem, qual será a sua história, conteúdo e,

sobretudo, as crenças que permeiam esses conhecimentos? Como este

mesmo educador pretende potencializar um espaço de novos saberes?

Nesse sentido, a recepção dos novos saberes trazidos por estes novos artistas

orientadores da equipe leste II, foi primordial para uma primeira ação

diagnóstica no sentido de desvelar potências em latência e potências

potencializadas.

Ainda se tornam imperativas as questões abarcando olhares e atitudes

pragmáticos no pensar e fazer. São esses itens fundamentais que poderão

promover uma prática mais coerente envolvendo espaço e tempo.

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A partir desses primeiros contatos junto a essa nova equipe pude repensar

minha experiência adquirida desde 2008 no sentido de criar estratégias que

continuassem a promover as potencializações através da experimentação e

consciência de ação dentro do Projeto

SITIO 03 – O EQUIPAMENTO – PARCERIAS

A palavra parceria foi recorrente desde o ano de 2008 quando entrei para o

Programa. Confesso que questiono essa palavra e os seus possíveis

significados desde esse mesmo período buscando uma significação que

correspondam e faça sentido com as ações práticas.

Ao entender os aspectos culturais encontrados nos equipamentos ao longo

desses anos pude compreender que cada qual trazia consigo características

próprias no que se refere a: compreender, atuar e ser ou não parceiros dentro

dessa esfera de vertentes empregatícias do poder público.

Sabemos que tais interesses apresentam-se de maneiras bem distintas e, mais

uma vez, me coloco no exercício de tentar gerar novas fissuras tanto em

lugares porosos e disponíveis como também em lugares cristalizados e

ausentes, dormentes e ou latentes.

Detectar os interesses presentes nesses aguçaram o meu olhar e a partir de

então compreendi que os artistas orientadores deveriam estar atentos a essas

questões como premissa de trabalho.

Para tanto lanço a primeira questão norte – provocadora:

COMO ENTRAR EM LUGARES QUE JÁ EXISTEM? Essa questão implica dois olhares em especial:

• Corpo público – Gestão e demais setores do equipamento.

• Público para as ações artísticos-pedagógicas compartilhadas –

vocacionados e grupos.

INICIO DAS AÇÕES

A respeito do quesito Corpo Público foram criadas duas ações no momento

inicial:

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1.Micro Vocacional em Rede, onde estavam presentes Coordenador de

Equipe, Artista Orientador, Gestor, Núcleo de Ação Cultural e em alguns

equipamentos os Núcleos de Esporte e Educacional.

A idéia desse encontro foi ampliar os conhecimentos do quadro funcional do

equipamento sobre a proposta filosófica do Programa e ao mesmo tempo

obtermos informações que pudessem contribuir para a prática a partir da

realidade local. Ao mesmo tempo diagnosticar as ações que esse quadro

funcional havia e ou estava desenvolvendo em pró da ampliação de referências

culturais.

Por outro lado, foi uma oportunidade impar para o Artista Orientador ser

apresentado e ao mesmo tempo ser provocado a perceber os interesses

presentes em cada equipamento e com isso dedicar-se a refletir e agir em

função de uma parceria que realmente pudesse ser efetivada. A criação de

fissuras.

2. Mapeamento Físico e Funcional: Foi desenvolvida uma ferramenta, formato de arquivo, a qual teve como

finalidade mapear os seguintes apectos:

• quadro funcional por completo – desde os seguranças até a gestão;

• projetos gerais que já estavam em andamento e ou planejamento;

• projetos ou eventos relacionados a promoção do fazer dança

• espaços arquitetônicos e capacidade de atividades ali presentes;

Esta pesquisa buscou emergir um novo olhar do artista orientador para o que

poderíamos nomear de lugares que já existem, sejam eles físicos ou

subjetivos. Como podemos estabelecer um diálogo funcional com esses

lugares, quais parcerias são possíveis? Como aproveitar o que já existe no

sentido de potencializar potências presentes somadas as nossas possíveis

contribuições? Alias, com o que e como posso contribuir num lugar que já

existe?

No quesito abarcando o público para as ações artísticos-pedagógicas compartilhadas – vocacionados e grupos, a equipe trabalhou em duas

frentes distintas.

a. Atendimentos aos vocacionados – mediante as inscrições presentes.

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b. Mapeamento Artístico – Potências e Latências:

Esta outra ação teve como objetivo mapear os grupos e pessoas que

praticavam algum tipo de dança no equipamento no sentido de tentar

caracterizar um perfil ou perfis ali instalados e posteriormente traçar estratégias

que potencializassem a dança local.

A partir dessas ações em conjunto foi criada a primeira estratégia nomeada

como desfragmentação.

A desfragmentação assemelha-se a idéia dos softwares dos computadores que

buscam compactar os arquivos que ocupam espaço de maneira desordenada

despotencializando as ações do computador.

Ao contrário das ações dos anos anteriores, voltadas para fora, para o entorno,

a desfragmentação tem como objetivo potencializar a linguagem da dança

através do encontro e trocas de saberes daqueles que a estão praticando tão

próximos e ao mesmo tempo distantes uns dos outros -.a partir do existente no

equipamento.

Em realidade as outras ações não deixaram de existir mas o foco inicial

materializou-se na desfragmentação.

Esse pensamento gerou as seguintes ações:

VIRADANÇA – Nos CEUS: São Rafael, São Mateus, Sapopemba e Rosa da China. CONEXÃO LESTE II – no CEU Alto Alegre, Os grupos e vocacionados dos

outros equipamentos se uniram nesse evento, já que este equipamento não

continha grupos atuantes.

A partir destes eventos derivaram outros projetos como continuidade das

primeiras ações:

No CEU São Rafael: Omelete a Rafael, junto ao grupo Amazing Breack. Desenvolvimento de oficina

de composição a qual transpôs a Dança de Rua para a cena. Pesquisa em

continuidade.

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Talentos da Dança, evento criado pela iniciativa da coordenadora de cultura

Silene Massari após a mesma perceber a grande movimentação que estava se

desenrolando nos outros equipamentos da Região Leste II.

No CEU São Mateus:

Onibus Cultural – um ônibus levou vocacionados e grupos dos Equipamentos

da Leste II para assistirem e apreciarem dois espetáculos de dança num dos

eventos do Sesc Santana. A vivência não ocorreu só nas apresentações mas

no translado de ida e volta do evento mediante o encontro de tantos.

Dança com Canja – evento que aglutinou vários participantes – grupos,

vocacionados e moradores do entorno, no intuito de promover a vivência

artística através dos sentidos – audição, olfato, paladar, visão e tato.

No CEU Rosa da China:

Pipóca com Dança – Mostra de vídeos com teor pedagógico envolvendo

grupos, vocacionados e EMEF. Evento criado pelos artistas orientadores:

Alexandre Tripiciano, Michelle Farias e Michelle Mogami com o intuito provocar

e fortalecer a presença do projeto neste equipamento.

No CEU Alto Alegre:

Bailão Cultural – evento que ocorre mensalmente e atende as características

locais, demanda de apreciadores de dança de salão, com interferências

artísticas pedagógicas dirigidas pela artista orientadora local.

No CEU Sapopemba – o evento VIRADANÇA é instituído como oficial dentro

do projeto de cultura deste equipamento.

A construção dessas ações, além das intenções iniciais pretendidas, a

desfragmentação, foram extremamente importantes para o desenvolvimento de

percepções primordiais para a compreensão do artista orientador em relação

aos conceitos e fundamentos filosóficos do Programa e conseqüentemente

sobre o seu próprio fazer.

Page 287: pesquisa 2010 - dança constelar

287

Entendo que a pesquisa faz parte de cada fração de tempo inserido no

percurso do Projeto, a questão é entendermos qual o foco pertinente a cada

contexto.

Nas ações referidas acima o empenho dedicado a compreensão dos sitios e as

possibilidades encontradas em cada qual permitiu que nós, coordenador e

artistas orientadores, elevássemos o nível de compreensão abarcando o fazer

perante a complexidade de realidades apresentadas até então. Nesse sentido

nenhum de nós ficou imune a pesquisa.

Da mesma forma optei por ações culturais que pudessem ser compreendidas

na própria ação trazendo sentido para o artista orientador a partir de uma

relação entre o agir e o construir.

Em meios a essas tantas ações os artistas orientadores tiveram a oportunidade

de confrontar os seus conhecimentos e possíveis formas pragmáticas

pertinentes ao pensar e agir frente as realidades apresentadas.

Nessa instância pudemos refletir conteúdos e propostas didáticas nas relações

ocorridas nos encontros.

Durante esse processo reflexivo sobre conteúdos e o como fazemos surge um

novo foco de observação abarcando a forma que utilizamos para presentificar

os conteúdos propostos.

A partir disso uma nova questão surge como matriz para o aprofundamento dos

processos artísticos e pedagógicos:

COMO COMPREENDEMOS ARTE? QUE ARTE É ESSA QUE PROPOMOS E COMO PROPOMOS? Essa nova questão norteadora surge no sentido de aprofundarmos o olhar para

as questões pertinentes ao mediar conhecimentos, ampliar referências, no

lócus dos encontros com os artistas vocacionados e grupos existentes.

Para tanto os artistas orientadores iniciaram as suas visitas aos encontros dos

outros colegas no sentido de partilharem dos conhecimentos e maneiras de

atuação dos mesmos com o desejo de ampliarem as suas próprias referências

no que se refere as práticas artísticas e pedagógicas. Proposta que recorreu

em todas as outras ações apontadas anteriormente, ou seja, os artistas

orientadores em, sua maioria, estavam presentes em todos os eventos criados

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pelos colegas de equipe no sentido de colaborarem, defrontarem novas

possibilidades pedagógicas e fortalecerem o Projeto dentro daquele

equipamento.

Esse processo de avaliação e auto-avaliação tem sido, e continua sendo, uma

recorrência dentro das ações e convivência da equipe.

CONCLUINDO As escolhas de condução dessa coordenação de equipe foram pautadas pelos

questionamentos feitos desde 2008 no sentido de gerar possíveis fissuras que

pudessem alterar o panorama cultural que envolve o corpo gestor, artistas

vocacionados, artistas orientadores e o próprio coordenador de equipe.

Importante salientar que os pressupostos foram utilizados a partir do fazer com

a intenção de produzir sentido para esses artistas orientadores ao passo que

caminhavam entre as suas ações.

Desenvolver a capacidade de reconhecerem-se, identificar e nomear as suas

ações em coerência com a filosofia do Programa foi a meta dessa

coordenação.

Atualmente continuamos com as mesmas intenções utilizando uma

metodologia própria: a do Ir e Vir, onde nenhuma das questões anteriores

desaparecem, ao contrário, retornam a baila na construção de novos sentidos

gerados por novas óticas emergidas em tempo e espaço.

Enfim, o eterno processo.

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Alexandre Tripiciano

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Programa Dança Vocacional A.O. Alexandre Tripiciano

Equipamento: CEU São Mateus.

“Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”

( Paulo Leminski)

Pesquisa: Despertar os sentidos saboreando novas possibilidades. Objetivo: Proporcionar encontros artísticos que despertem os diferentes sentidos corporeos dos vocacionados, os levando a

materializar suas descobertas através das possibilidades corporais apresentadas durantes os encontros.

As aulas no Ceu São Mateus tiveram início na segunda quinzena de

abril. Neste momento inicial, o objetivo maior era conhecer os corpos ali

presentes, conhecer suas histórias e escutar suas expectativas e desejos. Esta

interação com o grupo foi primordial para elaborar uma estratégia de ação: criar

um ambiente prazeroso para o treinamento corporal e para a criação artística

que respeitasse as diferenças individuais e contemplasse o coletivo.

A heterogeneidade da turma (que continha desde senhoras idosas até

adolescentes, com ou sem experiencia em dança) foi decisivo na escolha e na

implementação dos diversos procedimentos utilizados no treinamento. Esse

teve como base principal o diálogo entre a Capoeira Angola e o Contato

Improvisação. Porém, ao longo da pesquisa, os diferentes repertórios dos

vocacionados foram agregando novos elementos aos processo desenvolvidos

nos encontros. Alguns desses foram: as danças urbanas, a gastronomia, a

educação etc. Devo dizer que essas enriqueceram positivamente as multiplas

possibilidades da Dança, tanto no treinamento corporal como na criação

artística .

Os encontros tem um carater dinâmico e espontâneo. Preocupei-me em

construir um ambiente criativo que incentivasse a busca de uma dança própria

de cada indindivíduo mas que, ao mesmo tempo, desvendasse as

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292

singularidades do grupo. Acredito que de tal forma pude ampliar as referencias

artísticas contemplando as diferentes demadas que o programa vocacional

abarca: bailarinos, capoeiristas, adolecentes, estudantes da comunidade,

pessoas de terceira idade. Respeitar os diferentes ritmos de aprendizado e

disponibilidade para a crianção parece-me ser a única forma de se pensar a

forma e o contuedo que um grupo tão heterogênio de pessoas propõem.

Alongamentos; jogos individuais e coletivos; atividades lúdicas e de

musicalidades foram utilizadas tanto para acordar o corpo como para aguçar a

perceção dos sentidos. Essa atitude visa desenvolver a conciência corporal.

Os jogos de improvisações abordavam tanto os conteúdos pertinentes a

dança (como espaço, tempo, peso, equilíbrio, deslocamentos, níveis, apoios,

rolamentos, toques, respiração, direções, foco, estruturas corporais ─

esqueleto,músculos, pele, orgãos ) como também temas sugeridos ou

emergidos da realidade dos vocacionados (por exemplo, tarefas domesticas,

gastronomia, copa do mundo etc.).

Ao longo do percusso foram utilizados como rescursos metodológicos

materiais videográficos, imagens e textos. Proporcionando, assim, uma maior

profundidade às apreciações e construção dos protocolos. Foi percebido que

os vocacionados passaram a achar muito interessante estes prodecimentos já

que solicitavam cada vez mais referências. A partir dos protocolos foi possivel

selecionar com mais detalhes e de maneira mais dirigida os materiais

videográficos pertinentes as ansiedades e curiosidades dos participantes.

Enquanto Artista-Orientador (A.O.) pesquisador, sempre senti uma

inquietação quanto as formas de comunicação que utilizamos para nos

expressarmos no dia a dia. As formas como o tempo e o espaço são geridos

em nossa sociedade os simetriza de uma forma regular e constante. No

entanto, a própria natureza não é regular e não está habitada por corpos

simétricos. A construção da cultura também se dá por assimetrias refletidas em

situações e movimentos contraditórios, que , de uma forma ou de outra ,estão

presentes na historicidade dos corpos.

A ação de criar uma dança nestes corpos históricos também acontece

dessa forma: entre contradições, assimetrias, descobertas e sistematizações

do novo. Entendo o corpo como uma história que contamina e é contaminado

simultaneamente pelo seu entorno. Ao fazer isso, estudamos suas

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293

possibilidades, criamos e desejamos estar em cena, deixando nossa assinatura

no espaço-tempo.

Minha busca está na possibilidade de diálogo entre as assimetrias. Dada

a presente situação, na comunicação entre o individual e o coletivo que propõe

reflexões sobre algumas temáticas como: grupo-indivíduo, semelhança-

diferença, conformidade-desacordo, tensão-relaxamento, impossibilidade-

possibilidade.

No decorrer dos encontros, os vocacionados apresentaram maior

disponibilidade e abertura para a criação artística. Foi notável como ela passou

a ser mais rica e profunda após a proposta de desenvolvermos o tema Cheiro

e Sabor. Entre bate-papos e trocas de receitas, foi criado um espaços de

interação do qual utilizamos para despertar os sentidos olfativos, degustativos,

sonoros e tácteis. Este tema disparou o interesse dos vocacionados em refletir

sobre a diferença entre os alimentos, a habilidade para combiná-los e criar uma

refeição. Dispertou o interesse também em questões de como alimentamos

nosso corpo, nossa mente e nosso espírito.

A busca do processo estabelecido foi primordialmente aguçar os

sentidos (realmente perceber as sensações) e traduzí-las em movimento,

transformando as descobertas em linguagem cênica.

O conceito de espaço não convencional foi trabalhado através da

realização de aulas na quadra poliesportiva, no espaço fama e nos jardins.

Realizamos intervenções performaticas utilizando projeções de imagens em

muros e na pista de skate para chamar a atenção da comunidade e divulgar o

programa. Os procedimentos apresentados envolviam a manipulação,

observação e degustação de alimentos, assim como a reflexão e pesquisa de

movimentos a partir das sensações e impressões que caracterizam o conceito

de espaço não convencional. Dessa forma ultrapassamos a simples

reprodução e avançamos para a criação das danças indiviuais-coletivas.

Os vocacionados passaram a pensar em seus movimentos e na

improvisação como novos conhecimentos que fazem sentido para a criação. A

idéia é que consigam pensar sobre suas próprias criações, em seus próprios

movimentos.

Para a Ação Cultural procurei tentar desperta a vontade de dançar nas

mais diversas pessoas. Desde o chef de cozinha ate os B. Boys. Posso dizer

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294

que foi furtuita minhas tentativas pois varios destes com os quais me encontrei

passaram a desejar outros treinamentos corporais mais aguças ou

demonstraram interesse em entender mais profundamente o intercambio entre

as linguagens artísticas.

Quanto ao tema de Autonomia, Emancipação e Sustentabilidade,

proponho que os vocacionados mobilize-se para tirar o DRT e apresentar um

projeto para o VAI. Alguns de meus alunos já estão escrevendo e criando

células coreográficas solicitadas para tal projetos. Acredito que esse seja o

caminho para uma profissionalização artística.

Michelle Farias de Lima

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Programa Dança Vocacional

A.O. Michelle Farias de Lima Equipamento: CEU Rosa da China

Pesquisa pessoal: Como levar as vontades dos vocacionados para a cena?

Inicialmente foi feita uma sondagem, sobre aquilo que os vocacionados

consideravam dança e sobre aquilo que gostaria de aprender. Surgiram muitas

coisas, principalmente a questão de aprender passos para montar uma

coreografia da igreja, ou somente dançar melhor na festa da igreja. Alguns

trouxeram uma modalidade de dança (não sei se posso chamar assim)

chamada “Jump Style”, pequena seqüência de movimentos onde ocorrem

vários saltos e mudanças de direções. Neste momento havia somente uma

turma.

Foi por esse caminho que segui, trouxe alguns procedimentos voltados

a o trabalho do membro inferior, para que pudessem tomar consciência das

partes do seu corpo. Também foram propostos alguns procedimentos de

exploração e criação de células de movimento. Desta forma chegamos a uma

pequena seqüência, que continha também movimentos propostos por mim, que

repetíamos e dentro dela colocamos o “Jump Style”, mas observo que eu não

consegui perfurar essa modalidade, mas inseri algumas consciências sobre

corpo e dança.

Estávamos também numa discussão nas reuniões sobre que arte é essa

que queremos ver? O que pode ir para a cena e o que é somente treinamento

corporal?

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Foi dessa forma que comecei a pensar em alguns procedimentos e ações culturais que possibilitasse uma nova visão de arte. Organizamos com

toda a equipe um passeio que levou todos os vocacionados para assistir três

espetáculos de dança no SESC Santana. Isso foi incrível, pois pudemos

conversar sobre qual dança queremos ver no palco e o que é dança para eles.

Realizamos uma apreciação e um protocolo com algumas imagens daquilo

que eles haviam visto e algumas palavras que faziam sentido para eles, onde

pudemos registrar as nossas questões e duvidas com relação a arte a dança.

Em seguida houve uma apresentação de comemoração do aniversario

do CEU. Na semana seguinte sentamos para fazer uma nova apreciação para

discutir como foi a apresentação e o que deveria ser modificado. Foi nesse

momento que eles me disseram que se sentiram muito desconfortáveis em

cena, não estavam seguros, não sabiam pra onde olhar e ficaram tão nervosos

que erraram uma parte a seqüência. A partir de desse trabalho com a turma foi

que pude organizar e pensar qual era aminha perquisa pessoal em relação a

essa turma, e a minha problemática a ser resolvida foi: Como levar as vontades dos vocacionados para a cena?

Foi nesse momento que organizei alguns procedimentos voltados ao

estado e a presença cênica, observação do espaço e dos colegas, e alguns

que trabalham a confiança do sujeito nele próprio e no grupo. Mas infelizmente

muito desistiram das aulas, por motivos pessoais e hoje possuo somente duas

alunas que estavam desde o começo. Dessa forma não consigo pensar ainda

em sustentabilidade do projeto, pois não obtive ainda nem uma

sustentabilidade da minha aula e a emancipação e autonomia ainda estão

bem distantes de acontecer na minha turma, ainda não observo uma forma de

fazer um link com o dia a dia deles, talvez com a forma de se posicionar na

sociedade, mas acredito que eles ainda não observam isso. Tentarei agora

olhar mais para essa questão.

Foi nesse período que consegui montar a segunda turma (em setembro),

esta turma é muito diferente as vocacionadas são muito maduras e

interessadas, estão disponíveis para receber novos repertórios de movimento e

misturá-los com aquilo que já tem como referencia de dança. Ao final de todas

as aulas sentamos e fazemos uma apreciação daquilo que fizemos e

aprendemos que algumas vezes culminou num protocolo.

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Nesta turma, a minha pesquisa ainda é a mesma, pois realmente quero

conseguir que a cena faça sentido para elas e que parta delas, mas ainda não

temos um tema definido, e sim uma vontade de falar da adolescência e das

dificuldades enfrentadas nessa época de tanta descoberta. Acredito que esta

temática de alguma forma já pressupõe uma sustentabilidae e autonomia das

próprias vocacionadas, pois possibilita que elas se olhem e se enxerguem

diferente na sociedade e se respeitem mais. Mas ainda estamos engatinhando,

estamos no quinto encontro, mas estamos caminhando direito.

Michelle Mogami

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Programa Dança Vocacional A.O. Michelle Mogami

Equipamento: CEU Sapopemba

“Quanto a nós, seres culturais e sociais, só podemos ser autônomos a partir de uma dependência original em relação à cultura, em relação a uma língua, em relação a um saber [...], quando se considera o fenômeno social, são as interações entre indivíduos que produzem a sociedade; mas a sociedade, com sua cultura, suas normas, retroage sobre os indivíduos humanos e os produz enquanto indivíduos sociais dotados de uma cultura.” (MORIN, 2003 p.119).

A.O Pesquisador no programa Vocacional,olhar reflexivo sobre a pratica.

Educar é uma atitude original do ser humano, um processo social para

sobreviver, conviver e conhecer. Este processo envolve tensões permanentes

entre o sujeito e a sua percepção do mundo, concordando com ASSMANN e

MO SUNG (2000, p. 246), “em outras palavras, no mesmo instante em que

percebemos o mundo, nós o estamos construindo”. Assim tem sido o caminho

de pesquisa do dança vocacional no Ceu Sapopemba, buscando ampliar as

referencias e percepções de como a Arte, especificamente a dança, tem tocado

e modificado os vocacionados e o artista-orientador. A reflexão que motiva a

pesquisa neste equipamento é justamente o quanto o artista orientador é

modificado pela ação e reação dos vocacionados e vice versa, este olhar

entende que arte e educação estão atrelados, caminhando juntos para elaborar

e re-elaborar estratégias artísticas e metodológicas significativas para, de fato,

orientar e ser orientado pelos vocacionados.

O objetivo da educação não formal, característica do programa

vocacional, é ensinar a pensar, construir conhecimento, transformar a realidade

através da interação entre os atores sociais e o meio, fornecendo

oportunidades de aprendizagens e intervenções do sujeito na sociedade, o que

pressupõe uma caminhada rumo a emancipação. Mas para que atinja esse

objetivo a educação deve voltar-se para formação integral do sujeito, para o

desenvolvimento da indigência, do pensamento, da consciência, do espírito,

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300

capacitando-o a viver numa sociedade pluralista e assimétrica em permanente

processo de transformação. Isso implica que além das dimensões cognitivas e

instrumentais, devem ser considerados também os aspectos relacionados com

o desenvolvimento da intuição, da imaginação, da sensibilidade, da

criatividade, da responsabilidade social, em harmonia com os aspectos éticos,

afetivos, físicos , artísticos e espirituais .

Partindo deste pensamento o artista orientador para cumprir sua função

num programa artístico pedagógico de caráter público como é o caso do

Vocacional ,deve manter-se em estado de porosidade o tempo todo,

absorvendo e observando as pequenas modificação tanto no equipamento em

relação ao programa , quanto no vocacionado em relação aos encontros e

ações propostas. O exercício da porosidade é diário e desafiador , pois faz

refletir sobre um longo processo de catequização, em que há uma lado que

detem o saber e o outro que o recebe de maneira passiva. Tanto na Arte como

na Educação o que foi chamado de “catequização” esteve presente, e arrisco

dizer que de uma certa maneira ainda está, onde o que importava era

transmitir informações/pensamentos e reforça-las através da

repetição/reprodução. A porosidade por sua característica de trocas pressupõe

um novo pensamento, uma nova maneira de desenvolver habilidades e

competências, um convite a ingressar no paradigma do século XXI que é o

aprender a aprender continuamente ( sustentabilidade), onde o que importa é o

sujeito descobrir e assumir sua participação no processo de aprendizagem,

contemplando tanto o saber ( conhecer e fazer ) como o conviver( consigo e

com o outro).

A educação que abarca a expressão e criação artística, como é o caso

do programa vocacional, busca a evolução do sujeito, partindo da experiência e

representação para a reflexão e conceitualização, trabalha para superar a idéia

da transmissão de informações fragmentadas, em que cada área do

conhecimento trilha um caminho solitário no processo educativo. Segue em

direção oposta a reprodução social sem reflexão, que mantem a inércia mental,

pouca consciência, falta de sensibilidade e aceitação do outro. Busca através

das ações culturais criar movimentos, reações, aprendizagens tanto no

equipamento e seu entorno quanto, e principalmente, no vocacionado.

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É este olhar e pensamento, que busca na expressão lúdica e criativa um

caminho para chegar ao sujeito, o que norteia as pesquisas artísicas-

pedagógicas em andamento com as turmas de vocacionados do CEU

Sapopemba.

Turma de quinta

Nome da pesquisa: Aqui entre nós Característica da Turma:

A turma de quinta-feira é composta em sua maioria por adolescentes

com idade entre 14 a 16 anos ( 6 alunos), alguns adultos com idade entre 20 a

30 anos ( 4 alunos) e uma senhora com idade de 50 anos, todos com nenhuma

ou pouca experiência em dança. A maioria dos adolescentes ingressou em

meados do mês de maio, já os adultos passaram a freqüentar em épocas

diversas ( agosto, setembro e outubro). Durante os meses de maio a setembro

houve grande flutuação entre os alunos, mas a média da turma sempre variou

entre 8 e 10 alunos , adolescentes e adultos. Ao longo do ano de 2010,

estima-se que passaram pela turma cerca de 20 indivíduos que não chegaram

a completar 2 meses de freqüência.

A flutuação entre os vocacionados é recorrente em ambas as turmas

que contam com participantes “turistas”: aparecem de vez enquando, passam

bom tempo sem comparecer, voltam e assim seguem no ciclo de ir e vir. Esta

situação se torna um problema quando existe uma proposta coreográfica em

andamento, pois nunca se sabe ao certo se os participantes vão continuar ou

não. Normalmente próximo às datas de apresentações alunos “turistas”

retornam com o desejo de participar da coreografia sem terem vivenciado o

processo e sua construção.

Forma e Conteúdo:

No início das atividades foi constatado que os adolescentes tinham

muitos problemas de relacionamento, grande dificuldade em expressar-se

verbalmente e os trabalhos em grupo eram um desafio. Os integrantes

chegaram a agredir-se verbalmente , excluíam determinadas pessoas nos

trabalhos em grupos, e tanto o andamento dos encontros como a criação

artística estavam sendo prejudicados.

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302

A forma encontrada para amenizar tal situação foi através de atividades

e jogos lúdicos. Estes podem ser considerados como uma das atividades mais

propícias para desenvolver o gosto pela liberdade de criação nos alunos, além

de proporcionar a eles um momento de “despreocupação infantil” típica de

quando realizamos atividades prazerosas. (Dinello, 2008). As atividades

lúdicas, jogos e as brincadeiras, proporcionaram um estado de prazer, que

realmente levou à descontração e desconstrução do clima de “guerra”. A partir

do lúdico, novos procedimentos para estimular a criatividade e a pesquisa das

possibilidades corporais surgiram , e após romper a barreira dos conflitos

pessoais, foi possível abordar novos conteúdos relacionados a dança cênica. A

estratégia de ação escolhida facilitou tanto a aprendizagem dos conteúdos

pertinentes a dança como também os referentes a convivência em grupo,pois

somente após despertar este estado de prazer, que diminuía as resistências

em relação ao trabalho criativo em grupo, foi possível sugerir procedimentos

para desenvolver habilidades corporais, os elementos da dança e por fim a

construção de uma célula coreográfica.

No treinamento corporal dessa turma busca-se o alinhamento

esquelético, despertando a consciência do corpo para mover-se com o mínimo

gasto de energia e evitando lesões. Noções básicas de cinesiologia são

abordados durante os exercícios para que os vocacionados saibam que os

movimentos do seu corpo possuem outras nomenclaturas como abdução,

rotação, flexão e extensão, etc. Os exercícios são desenvolvidos de acordo

com a necessidade do grupo e sempre buscando uma maneira lúdica de

executa-los, seja através de jogos , seja através de dinâmicas. Elementos

como espaço ( trajetórias, direções, níveis, desenho espacial, deslocamento,

foco), tempo ( velocidades, pausas, canonis ), qualidades do movimento (

fluidos, diretos, vibratórios), peso ( transferência de peso, quedas parciais,

utilização de contato físico para deslocar o peso), foram conteúdos

desenvolvidos neste grupo ao longo do período.

Apreciação :

No decorrer dos encontros os vocacionados puderam compreender

melhor o conceito de apreciação, “onde faz-se necessário retirar a posição fixa

de julgamento”( Material Norteador, 2010). Exercitar a reflexão a partir da

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303

prática colaborou muito para que os vocacionados percebessem as diferenças

individuais, aceitassem o outro como ele é, respeitassem as opiniões e pontos

de vistas , além de aguçarem suas percepções artísticas aumento seu

interesse nas demais linguagens artísticas e na própria dança.

Ao assistirem a um vídeo ou espetáculo de dança ( ou teatro)

articulavam suas impressões com os elementos ( específicos de dança e/ou de

convivência) abordados nos encontros, o que demonstra a maneira que as

aulas tem gerado um movimento de expansão no fazer, sentir e pensar do

vocacionado.

Protocolo:

Os protocolos foram essenciais para que os vocacionados e o artista

orientador percebessem sua trajetória no processo artístico e pedagógico.

Muitas vezes a representação material deste documento refletia em que

momento a turma estava e qual seria um possível caminho a seguir. Na

verdade os protocolos fortaleceram o conceito de construção poética-coletiva

onde cada membro participou e apontou para onde caminharmos. Ampliou

também o olhar poético e reflexivo da turma que passou a perceber que cada

encontro gerava novas possibilidades de movimento , de composição cênica,

de superação física e emocional.

Espaço não convencional:

A partir do tema : Aqui entre nós, quem é o eu dentro de nós?,

passamos a discutir e refletir sobre que espaço cada sujeito ocupa e como

ocupamos os espaços coletivos. Neste lugar de criação e composição

coreográfica os espaços não convencionais fizeram sentido tanto em relação

ao espaço público quanto em relação ao lugar que cada um ocupa neste

ambiente coletico/público. Questões como: o que é convencional?, que

comportamentos e atitudes são consideradas convencionais e não

convencionais, como buscar movimentos não convencionais, alimentaram os

encontros.

A experiência de fazer aula fora do teatro ou redondo e apresentar-se

nos ambientes abertos do CEU ( em frente a gestão ou BEC) também foram

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304

fundamentais para ampliar a reflexão sobre os espaços convencionais para

mostrar as produções artísticas, será que na atualidade há um local

específico?, de que maneira a apresentação no lugar dito não convencional

afetou o público e o artista?.

A.O Pesquisador nesta turma:

Nesta turma emergiu após um trabalho de expressão com giz de

cera,colagens, tinta, a discussão sobre relações humanas.Este tema instigou o

grupo que passou a refletir sobre como cada integrante, com suas

semelhanças e diferenças, interferia e era “interferido” no coletivo.

Este tema despertou o desejo de elaborar um trabalho coreográfico que

“fosse a nossa cara” como disse uma das vocacionadas. Questões como quem

eu sou no grupo, de que forma a individualidade interfere no coletivo, como as

interações entre os “eus” se modificam na teia de relações foram levantadas e

trabalhadas pelo grupo. Aceitar as diferenças individuais expressas através do

modo de mover-se, expressar-se, vestir-se, descobrindo o outro a partir de um

olhar de primeira vez, um olhar sem pré-conceitos, foi o desafio deste grupo.

Autonomia/Emancipação/Sustentabilidade:

Estes termos estão juntos,pois um leva ao outro: autonomia para

emancipação e finalmente para sustentabilidade. A partir do momento que o

vocacionado se percebe enquanto sujeito da ação, responsável por seu

processo de aprendizado e criação , ele passa a compreender que suas

escolhas e atitudes interferem no coletivo, modificam, por exemplo, tanto a

célula coreográfica como também o comportamento do outro ao expressar-se

verbalmente. O exercício da autonomia fica visível quando o vocacionado

passa a articular suas habilidades ( físicas , mentais e emocionais) para

resolver as problemáticas que surgem ao longo da construção coreográfica

e/ou da sua propria vida.

Ao modificar uma unidade, o contexto foi alterado, transformando a

coletividade. Quando o grupo passou a respeitar seus integrantes, a expressar

sua opiniões ( mesmo que contraditórias) e perceberam que poderiam ganhar

muito mais trabalhando juntos, estavam caminhando para um senso de

emancipação.

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A proposta sugerida é que os vocacionados continuem esta pesquisa

mantendo uma rotina de encontros para ensaios, e a partir deste novo

momento possam ou continuar e aprofundar o tema em questão ou a partir

destes novos encontros fazer emergir novos motivos para criação..

Turma de Sábado

Nome da pesquisa: Quem são essas mulheres? Caracteristica da Turma:

A turma de sábado é composta em sua maioria por mulheres com idade

entre 15 a 30 anos, sem experiência com dança ,algumas apenas estudantes e

outras mães de família. A flutuação e uma constante e estima-se que quase 30

pessoas já participaram pelo menos de 1 ou 2 aulas mas não chegaram a

freqüentar nem por um mês inteiro. Alguns retornavam para darem satisfações

dizendo que começaram a trabalhar ou iniciaram algum tipo de curso técnico.

A.O Pesquisador nesta pesquisa:

No início das atividades alguns rapazes faziam parte das aulas e

demonstravam grande interesse pelas danças urbanas, inclusive possuíam em

sua corporeidade traços deste estilo. No entanto, por volta de junho e julho,

apenas mulheres freqüentavam os encontros, trazendo suas realidades num

bate papo inicial: cuidados com as tarefas domesticas, filhos, conflitos de

adolescentes.As vocacionadas desejavam aprender dança de salão , como por

exemplo o forro, e sempre diziam que faltava homens e que a solução sria

dançar entre elas. Elas não iriam mais ficar esperando o ingresso de homens

para dançarem. Este gancho foi o que despertou nossa pesquisa sobre a

mulher, questionando sobre o gesto feminino, seus inúmeros papeis que se

transformam ( a mulher mãe, dona de casa, menina, trabalhadora, esposa,

namorada) A trajetória de cada uma dessas mulheres em busca de seus

sonhos também motivam nossas pesquisas, que busca transcrever

poeticamente as percepções e impressões do universo feminino.

Forma e Conteudo:

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As estratégias metodológicas foram escolhidas de acordo com os

anseios e andamento do grupo. No primeiro momento, que compreendeu o

mês de abril e meados de maio, o desejo era de receber os movimentos e

passos prontos para reproduzi-los. Algumas trouxeram as musicas baianas e

outras de hip hop, e depois de dançarem de acordo com os movimentos pré

estabelecidos, a questão provocadora lançada era sobre a possibilidade de

criarmos a partir do ritmo proposto. A turma demonstrou admiração e

empolgação quando percebia que a partir dos seus próprios movimentos

criavam uma “ nova dança” para a dança já conhecida. Ao compreenderem

seu potencial criativo, começaram a demonstrar mais interesse em pesquisar

no seu movimento novas possibilidades.

No treinamento corporal dessa turma também busca-se o alinhamento

esquelético, despertando a consciência do corpo para mover-se com o mínimo

gasto de energia e evitando lesões. Noções básicas de dança de salão foram

trabalhas principalmente o forro e suas características. Os exercícios para

desenvolver habilidades físicas e os elementos da dança são trabalhados

através de jogos e dinâmicas que buscam chegar a criação de células de

movimento

Apreciação :

No decorrer dos encontros as vocacionados puderam compreender

melhor o conceito de apreciação, “onde faz-se necessário retirar a posição fixa

de julgamento”( Material Norteador, 2010). Exercitar a reflexão a partir da

prática colaborou muito para que os vocacionados percebessem tanto seus

próprios movimentos como também a articulação dos mesmos com os

elementos da dança

Ao assistirem a vídeos( trazidos pelas vocacionadas) ou espetáculo de

dança passaram a refletir sobre os tipos de danças existentes, a gestualidade

dos corpos femininos e masculinos, jovens e velhos, o papel que a

personagem feminina exercia e como era traduzido na sua dança. O olhar

passou a ser mais criterioso em relação ao universo feminino.

Protocolo:

Os protocolos foram essenciais para que os vocacionados e o artista

orientador percebessem sua trajetória no processo artístico e pedagógico.

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Muitas vezes a representação material deste documento refletia em que

momento a turma estava e qual seria um possível caminho a seguir.

Espaço não convencional:

A partir do tema : Quem são essas mulhres?,passamos a discutir e

refletir sobre que espaço a mulher e em especial aquelas mulhres

vocacionadas ocupavam nas suas famílias, na escola, na relação entre amigas

e/ou marido. As mulheres na atualidade ocupam espaços ( ditos no passado)

não convencionais ( frentistas, motoristas de ônibus coletivo, cargos públicos,

chefe de familia), então passamos a discutir sobre os considerados

convencionais ( dona de casa, cozinheiras, ) para chegarmos seguinte questão:

o que convencional e não convencional? .

A experiência de fazer aula fora do redondo e apresentar-se nos

ambientes abertos do CEU ( em frente a gestão ou BEC) também foram

fundamentais para ampliar a reflexão sobre os espaços convencionais para

mostrar as produções artísticas, será que na atualidade há um local

específico?, de que maneira a apresentação no lugar dito não convencional

afetou o público e o artista?.

Autonomia/Emancipação

Como foi dito acima, estes termos estão juntos,pois um leva ao outro:

autonomia para emancipação e finalmente para sustentabilidade. A partir do

momento que as vocacionadas passam a perceber seu espaço e questionar

sobre suas ações e escolhas enquanto mulheres, elas passam a buscar e

exercitar a autonomia enquanto sujeito e emancipação no sentido coletivo.

Miwa Hanayama

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Programa Dança Vocacional A.O. Miwa Hanayama

Equipamento: CEU Alto Alegre

Interface com os pressupostos do Programa Vocacional

Pesquisa: “OUTRAR”

A minha pesquisa começou desde a chegada no equipamento, onde foi

constatado que não havia coordenador de cultura, muito menos inscritos para o

projeto. Acredito que não haviam inscritos por não ter ocorrido a divulgação

necessária.

Com a experiência do ano passado onde o projeto foi divulgado apenas

como “Dança Vocacional” e ninguém entendia o que era, arrisquei e acredito

também que ousei, fazendo cartazes com vários estilos de dança dizendo que

o projeto Dança Vocacional abarcava todas elas. Além dos cartazes, resolvi

montar um evento inaugural dos projetos de dança e teatro vocacional.

Obtivemos um grande resultado, pois a dança teve mais ou menos 80

inscrições em duas semanas.

Iniciamos os encontros abordando os elementos fundamentais da dança

em vários estilos, ou seja, a cada encontro analisávamos um estilo. Como a

maioria dos inscritos veio com a expectativa de Dança de Salão e alguns já

haviam dançado em algum momento da vida, resolvemos aprofundar nessa

direção.

À princípio pensei que era devido a influência da mídia. Porém,

analisando mais profundamente, fiquei sabendo que o bairro Alto Alegre tem

esse nome porque as pessoas subiam o morro para dançar forró. E com o

tempo isso foi se perdendo.

Resgatar essa tradição foi o ponto de partida.

Então, propus começarmos juntos uma pesquisa. Os vocacionados

trouxeram como protocolo, pesquisas sobre algumas danças, músicas,

objetos que marcaram de alguma forma a sua vida, desenhos, lembranças e

reflexões dos encontros.

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310

À medida que íamos aprofundando na nossa pesquisa corporal, detectei

uma deficiência na dança com o “outro“, pois cada um estava preocupado

apenas no seu próprio movimento, não se importando com o outro. Acabava,

então, na desarmonia dos dois.

Isso acabou resultando na seguinte reflexão (apreciação): antigamente

dançava-se muito em pares, em roda, e ao longo do tempo isso foi se

perdendo. Hoje em dia, na maioria das “baladas” as pessoas dançam sozinhas.

Será que foi fruto da tendência da sociedade em geral de individualizar-se,

onde a maioria das pessoas não conhecem nem os seus próprios vizinhos?

Diante disso, propus trabalharmos também com a técnica contato-

improvisação, pois iríamos exercitar a “escuta” do outro. Houve uma grande

melhora nesse sentido, pois as pessoas começaram a pensar mais em como

fazer com que o outro entenda o seu comando; como fazer para ficar mais

confortável para o outro; como ficar mais atento ao comando do outro, enfim

começaram a exercitar a alteridade.

A minha pesquisa chama-se “Outrar”, pois tive que me “outrar”

colocando-me no lugar dos vocacionados escutando as suas expectativas. Por

outro lado eles tiveram que se “outrarem” se colocando no lugar do outro para

dançar.

Ação Cultural A ação cultural está sendo realizada através de vídeos, distribuição de

agendas culturais da cidade, ida à espetáculos de dança, onde analisamos o

processo de criação do artista e depois repensamos a nossa própria criação.

Acredito que essa prática possa desencadear um processo de formação de

público.

Mensalmente participamos de um evento que o CEU Alto Alegre realiza

chamado “Café Cultural”, onde o objetivo básico é fomentar as produções

artísticas da comunidade e também gerar discussões a partir dessas

produções.

Um evento que realizamos também mensalmente é o Bailão Cultural,

onde o objetivo básico é resgatar a tradição do bairro e apresentar o projeto

para a comunidade.

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Forma e conteúdo

A forma é a dança de salão e o conteúdo é o exercício da alteridade, ou seja, a

capacidade de se colocar no lugar do outro.

Espaço não convencional

Logo no começo do projeto, tivemos a participação na Virada Cultural e

logo de cara propus começarmos na avenida e numa espécie de cortejo

entrarmos no CEU e lá convidar todos a dançar um forró. Porém, participaram

apenas 5 vocacionados. Nesse momento, a minha reflexão foi: será que não fui

precipitada demais propondo logo de cara um espaço não convencional?

Depois disso várias vocacionados não voltaram mais... Diante desse fato

resolvi entrar com a proposta de espaço não convencional de maneira mais

sutil.

Apreciação

Ao final de cada encontro fazemos uma reflexão sobre a prática

realizada e peço para que tragam algo relativo à reflexão no próximo encontro.

Protocolo

No começo dos encontros são apresentados os protocolos, onde posso

avaliar o resultado do último encontro.

Sustentabilidade

A Coordenadora de Cultura sugeriu que o projeto “Bailão Cultural” seja

um evento permanente do CEU, ou seja, para que não dependa apenas do

Vocacional para acontecer. Propus então para que os vocacionados pudessem

participar no processo de planejamento e elaboração dos bailões. Acredito que

isso possa gerar uma certa sustentabilidade até o ano que vem.

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Monica Augusto

Programa Dança Vocacional A.O. Monica Augusto Equipamento: CEU São Rafael

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AO provocadora num percurso de aprendizagem

“O princípio da veracidade esta no coração da experiência da emancipação.”

“... Conhece-te a ti mesmo não quer mais dizer, à maneira

platônica: saiba onde esta teu bem. Mas sim: volta a ti, ao que em ti não pode

enganar. Tua impotência não é mais do que preguiça em caminhar. Tua humildade

não é senão temor orgulhoso de tropeçar ante o olhar dos outros. Tropeçar não é

nada; O mal esta em divagar, sair de seu caminho, não mais prestar atenção ao que

se diz, esquecer-se do que se é. Segue portanto TEU caminho.”

( Rancière,O mestre Ignorante)

Trânsito: A escuta do sensível. Caminhos possíveis para agregar, potencializar e fortalecer

Pesquisa A pesquisa tem como foco: Jogos- com intuito de desenvolver a atenção, concentração e prontidão dos

vocacionados.

Este tipo de ferramenta é bastante utilizado, visto que uma forte problemática

encontrada nas aulas, e a dispersão. Jogos como por exemplo o do “bastão” (o

bastão é lançado de mão em mão, as escolhas são estabelecidas pelo foco no

olhar, e o objetivo é que o coletivo consiga constituir uma dinâmica sem quebra

de passagem do bastão um pros outros), são capazes de gerar um ambiente

mais integrado entre os participante, desenvolvendo atenção, foco e escuta no

coletivo. O corpo é despertado para um estado de presença e prontidão,

tornando o encontra mais produtivo e dinâmico.

Treinamento Em constante composição, integra em grande parte o conhecimento,

necessidades, e desejos dos próprios vocacionados em relação a preparação

dos corpos para dança. Praticas de aquecimento, alongamento e

condicionamento físico vem sendo revisitadas, a partir de abordagem somática,

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assim como a introdução de conteúdos pertinentes as corporiedades singulares

e coletivas.

Nesta etapa do trabalho, a preocupação é estabelecer uma prática dinâmica,

continua, sempre atenta para a relação com o espaço e tempo (dentro/ fora) e

suas possibilidades.

Este etapa do trabalho, é também um dos momentos onde a investigação de

possibilidades corporais é instigada, pois ao deparar com possibilidades e

limites do seu próprio corpo, o vocacionado, não só reconhece as tantas

“formas” do seu corpo, como descobre quantas possibilidades ainda não

exploradas é capaz de realizar. Além disso, é neste momento, que se depara

com a própria imagem corporal, ou ainda, que é provocado pela imagem

corporal do outro, que busca em si, o desafio, em busca de se superar seus

próprios padrões.

A parte de condicionamento físico, para que seja mais divertida e prazerosa,

muitas vezes também é atrelada a jogos.

As possibilidades do movimento_ Espaço e Tempo

Trabalhar as possibilidades e qualidades do movimento utilizando como

ferramenta: espaço e tempo. A partir destes elementos o vocacionado entra

em contato, e amplia seu olhar em relação aos caminhos do movimento, seus

trajetos e as possíveis formas de comunicação do corpo na dança. Percebe

que a utilização do espaço-tempo não é só ferramenta, mais um dos principais

instrumentos que constituem a linguagem da dança.

Juntamente aos elementos anteriores, vem sendo trabalhada a composição

cênica e coreográfica, através de ferramentas como: a escrita com o corpo.

Estudos de composição com corpo e objeto no espaço, com intuito de ampliar

o olhar para o macro também são ferramentas utilizadas para a construção de

um olhar sensível às possibilidade da dança cênica.

Turma Sábado

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A Turma de sábado é composta atualmente por vocacionados com idade entre

12 à 23 anos. A turma é constituida em sua maioria por integrantes do grupo

“Amazing Break”( antigo Power Street Break) que está freqüentando os

encontros desde junho, e que teve sua aproximação a partir da ação do

Viradança.

A chegada deste grupo que trabalha com danças urbanas, tem promovido tanto

pra mim, quanto a eles, um espaço poroso, onde a relações são construídas a

partir de uma escuta que dialogue com os desejos, necessidades e

potencialidades existente nos corpos.

Forma e Conteúdo: A construção dos encontros, num primeiro momento foi estabelecida a partir da

troca de procedimentos, onde eu, junto aos vocacionados partilhávamos

práticas e maneiras do fazer dança. A partir das diferentes maneiras de fazer,

percebemos quais os principais conteúdos a serem trabalhados e de que forma

iríamos aplica-los.

A partir da organização dos conteúdos presentes e latentes nestes corpos,

desenvolvi uma forma de trabalho que ampliasse e resignificasse o modos

operantes do fazer, através do sentir e refletir o corpo. A partir da historicidade

de cada individuo construir pontes entre a realidade e o fazer artístico.

As práticas corporais eram realizadas assim como por eles estabelecidas, mais

com um colorido, que incubia-lhe novas possibilidades. O aquecimento e

alongamento, por exemplo, que a priori eram a grande vilão da historia,

passaram a ser um momento mais dinâmico transformando-se em seqüências

coreográficas, onde a percepção e consciência do corpo se faziam presente.

Aparentemente a forma utilizada era a mesma trazida por eles (sempre com

intuito de mostrar-lhes o que eles já tinham), mas recheada com conteúdos que

fortalecessem suas competências e habilidades. Desta forma, a vontade,

ansiedade e desejo deles se ver fazendo, ou seja, dançando era suprida a

partir de um modo dinâmico no desenvolvimento da atividade.

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Apreciação:

A apreciação, além de fundamental para a construção, compreenção e

continuidade dos nossos encontros, tem sido instrumento de descoberta para

os vocacionados acerca da complexidade de suas experiências. É no exercicio

de olhar para si e para o outro, que a cada dia, traçam através da reflexão do

fazer, os caminhos por eles percorridos e se vêem capazes de estabelecer

pontes com sua historicidade. É também neste momento que passam e se

apropriar de suas trajetórias e a perceber sua identidade e poder de escolha.

Protocolo: Compreendo o protocolo como ferramenta fundamental para a coompreeção

consciente de uma trajetória. O que fica? O que fica no corpo como memória

subjetiva com necessidade de extrapolar em impressão materializada?

Registro. Passos na areia. Caminhos.

Instrumento fundamental para o desenvolvimento dos saberes. Mas confesso,

que esta ferramenta de trabalho, nas minhas turmas encontrou dificuldades

para se materializar de forma efetiva.

Encontrei bastante dificuldade em instaurar esta prática, principalmente quando

o material de registro era o papel. Escrever algo sobre num primeiro momento

parecia a eles tarefa escolar. Não gostavam, não queriam, não viam sentido ou

utilidade. Eu dizia que aquela era só uma forma, podia ser um objeto, uma

música, uma foto, enfim, mas estas”matérias” demoraram a chegar aos nossos

encontros.

Aos poucos eles começaram a chegar. Como uma necesidade do próprio

vocacionado que precisava registrar seu próprio percursso. Uma música. Uma

foto. Um filme. E até mesmo um texto. Uma peça de roupa. Mas no geral

memórias. Memórias contadas, faladas, e as vezes se resumiam a um gesto.

Neste percursso de protocolos, poetas, compositores, desenhistas, começaram

a aparecer, e perceber que tinham sim formas de registrar, imprimir o

pensamento volátil que paira na cabeça.

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Eu por outro lado, continuei a instigar, provocar a importância da materialização

do nosso percursso, afinal de contas esse encontro é a sua, a minha, a nossa

hístoria. Mas aceitei também o tempo necessário para o protocolo chegar.

A.O Pesquisador: Num primeiro momento o grande desafio foi estabelecer um ambiente de

trabalho dinâmica e atrativo. O grupo tinha como prática um ambiente de

trabalho bem disperso, sem concentração e coletividade. Costumavam treinar

na mesma sala, mas sempre na promoção de suas habilidades.O encontro

quando se dava era feito a partir da ideia de coreografia, onde ideias eram

alinhavadas buscando uma coerência estrutural.

A partir destas observações o primeiro passo para com este grupo que já tinha

a dança presente no corpo, era potencializar esta corporeidade, ampliando as

possibilidades do fazer, através da percepção de si, do outro e do todo.

Espaço não convencional: Olhar para o cotidiano e enxergar a mim e o outro a partir de novas

perspectivas e abrir espaço diante um ambiente hermético e padronizado.

No meu caso, principalmente trabalhando, com corpos que se utilizam do

espaço urbano e publico como sala de ensaio, meu desafio foi não só cativar o

espaço não convencional da sala restrita, sem nitidamente tantas texturas e

desafios como se coloca a cidade, atentar para as micro percepções existentes

nos espaços internos e externos do corpo. Assim como as possíveis poéticas

latentes, num espaço, que a priori, pode parecer vazio. O espaço da sala

multiuso, ao contrario do espaço das ruas, praças, quadras, onde geralmente

costumar treinar, propicia ao corpo, um recolhimento, que tem propiciado aos

vocacionados, a dimensão de quem são eles no espaço, e de como este pode

ser retrabalhado.

Ao voltar para rua, lugar convencional da pratica, passa este a ser também,

lugar novo, de cotidiano e práticas expandidas.

Autonomia /Emancipação/ Sustentabilidade:

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Ao se deparar com a historicidade presente em seu corpo, percebi, as

conexões e pontes que os vocacionados tem feito com sua realidades, dando

vasão e fortalecendo suas potencialidades e desenvolvendo diferentes

habilidades enquanto individuo.Como sujeitos históricos, passam a enxergar-se

como indivíduos capazes de agir e fazer escolhas.

As apresentações que estamos fazendo, trouxe um novo caráter a postura da

grande maioria, que se vê e sente inserida num contexto de mundo do qual

fazem parte, mas que é difícil olhar. A autonomia vai se desenhando a partir

das escolhas e decisões que a partir de agora se vêem mais claramente tendo

que tomar. A partir dos ensaios que precisam acontecer independente dos

encontros do vocacional. Das escolhas feitas acerca dos caminhos da

composição coreográfica e até mesmo no nos caminhos percorridos para se

chegar a um teatro desconhecido.

As redes de contato começam a se construir a partir do contato com novos

ambiente, pessoas, realidades. Um mosaico de informações atravessando as

ideias e os entendimentos de mundo, os coloca num lugar de questionamento

mil buscando estratégias para dialogar e estar no mundo. Como é a pergunta-

não só deles, mas minha também.

Possibiliades mil sendo cogitadas no momento. Cabeças que não param de se

perguntar. Emancipam- se na articulação de perceber que são eles mestre de

sua ação. Descobrindo a potencia do individuo de mudar, reorganizar, atuar em

si e nos outro, nos espaços. Turma quarta-feira

Os vocacionados que permeiam este encontro são em grande parte flutuante, e

já passaram por este encontros cerca de 25 pessoas, dentre as quais uma

media de 9 pessoas permaneceram em media 2 meses participando do

encontro, mas a media do encontro era quase sempre 4 pessoas. Atualmente

os encontros estão com 4 pessoas, sendo 1 que acompanha as atividades

desde o começo, e outras duas que freqüentam a um mês e meio.

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O publico destes encontros é basicamente mulheres, com idade entre 20 e 60

anos. Donas de casa, Mães, estudantes, uma vocacionada com síndrome de

Down. Todas com pouca ou nenhuma experiência em dança. A turma que ficou

mais tempo acompanhando os encontros já conhecia o vocacional, e tinha

passado pelo projeto no ano anterior. Grande parte das pessoas que deixaram

de participar vieram pessoalmente avisar. Problemas de saúde na grande parte

como e algumas arranjaram emprego no horário da aula.

Uma característica também são vocacionadas que vem uma vez por Mês, pó

trabalharem como domesticas, só aprecem na aula no dia da folga.

Forma e conteúdo:

Partindo sempre da experiência e desejo dos vocacionados. A forma aplicada

para o desenvolvimento da aula foi desenvolvida a apartir dos desejos e

necessidades colocados. A necessidade que trouxeram para os encontros era

que fosse um ambiente divertido, dinâmico, onde se possa dançar, relaxar,

extrapolar e se divertir. Falam bastante que este é o único espaço que tem pra

elas. Buscavam nas aulas de dança, estar em contato com seu corpo, praticar

uma atividade física, na sua maioria recomendada pelo médico. Muitas queixas

acerca de problemas de coluna e problemas emocionais também.

Dentro desta perspectiva e visto que estas mulheres não tinham conhecimento

em dança, o primeiro passo foi levantar um tema coletivo. Elas queriam

trabalhar o estilo do forro, e a partir dos passos do forro buscamos diferentes

maneiras de se utilizar destes passos, pensando como este podia ganhar o

espaço de formas diferentes. Partindo da percepção e consciência corporal, os

passos de forro foi a ferramenta através da qual elementos da dança foram

abordados.

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As vocacionadas que freqüentavam estes encontros eram muito disponíveis (

refiro-me a turma constituída, mesmo com aflutuação, no meses de maio a

julho.

Ainda nestes meses a turma estava configurando uma composição

coreográfica com música trazida por elas, e que tinha como tema levantado:

“mulheres que esperam o amor”. A partir da idéia da ausência de parceiros

homens para realizar a dança do forro com elas, iniciamos a construção de

uma composição coreográfica, trabalhamos a idéia de um corpo que espera

outro, e que deseja um outro para realizar sua dança.

A partir desta temática uma parte do encontro era destinada a troca de dialogo

onde falávamos sobre amor, desejos, sonhos e de como isto se realizava em

nosso cotidiano. Cada um partilhava suas memorias, experiências e

coletivamente criávamos formas possíveis para inserir estes conteúdos na

composição.

Apreciação

O momento da apreciação permeia sempre os encontros e é forte termômetro

para a reflexão de nossas atividades. Nesta turma como as mulheres são bem

falante, ele acontece de certa forma o tempo toda. Mas a estratégia para que

se fortaleça enquanto pensamento, e o momento onde de fato nos

concentramos nas percepções levantadas por todos e partilhamos estes

olhares.

Na turma que se configurou com a pesquisa do forro, era muito interessante

este momento, pois ela ficavam deslumbradas em observar que os conteúdos

discutidos acerca do amor e da espera, ganhava forma no corpo, sem que

precisássemos falar. Esta reflexão foi fundamental para que elas decidissem

que os conteúdos, que não precisavam necessáriamente falar ( proposta

levantada por elas, a cerca da composição coreográfica) para serem

compreendidas em sua corporeidade. Neste momento a observação acerca de

outros elementos possíveis da dança cênica, puderam ser pensados, como a

própria musica ( qual o conteúdo da musica), o figurino, elementos

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cenográficos, enfim, foi neste momento que aos poucos era possível adentrar

de forma fluida a conteúdos pertinentes ao espaço cênico.

Protocolo Assim como na turma de sábado, o protocolo é uma ferramenta que

construímos e compreendemos aos poucos, leva um tempo para se

materializa. Mas de certa forma com esta turma este exercicio é mais fácil,

visto que grande parte das vocacionadas são mais velhas.

Protocolos desenhos, músicas e bolos.

Espaço não convencional

Pensar o espaço não convencional no corpo destas mulheres, é admitir que o

encontro de dança, é o espaço onde elas se encontram consigo, com suas

subjetividades, desejos e criações, por vezes não escutadas num dia a dia que

se colocam somente em função do outro.

Abrir espaço para estar em contato com o eu-corpo e sujeito, e o espaço

precioso que foge ao cotidiano da realidade que vivem.

Autonomia e emancipação

Este ponto se dá nesta turma de forma sutil e em relação ao próprio contato

que estabelecem com seus corpo. Corpos tão esquecidos de si, na condição

que se colocam e subjugam no mundo. O dialogo entre estas mulheres, é

momento de partilha que as aguça a modificar alguma postura no dia a dia que

horas percebem que é fruto da escolha que fizeram pra si. As discussões a

respeito do papel da mulher e a cerca de seus desejos e subjetividades se

desdobrou em reflexões e ações que sutilmente modificam suas posturas no

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cotidiano e aos poucos as fazem enxergar que são sujeitos atuante e

transformadoras da realidade.

Aos poucos, no transito de pessoas que vão e vem, passam e ficam nestes

encontros, pude observar que o contato com o eu identidade e o outro, se dá

resignificando possibilidades na estima e atenção que estas mulheres

estabelecem consigo.

Ao pesquisador A pesquisa nesta turma tem como caráter fundamental estar aberta para as

escutas dos vocacionados presentes, sempre preocupada em propicia-lhes

motivos e elementos coerentes as suas realidades.

A turma de forró, tão falada, e que posso dizer, que foi a que consiguiu mais

fortemente se constituir, infelizmente se fragmentou dois meses e meio depois.

Quatro das vocacionadas que integravam esta composição, com a qual

desenvolvíamos uma criação, deixaram os encontros por motivos de saúde, e

uma arranjou emprego. Neste momento, meados de agosto, somente uma

vocacionada prossegui, e novas pessoas foram chegando. A retomada

necessitou ser reconfigurada, novos formas se fizeram presentes. O fim de

julho e inicio de setembro foi o mês onde as passagens se faziam mais

presentes, muita flutuação.

A Dilma, minha vocacionada que acompanha os encontros desde o inicio

desanimou um pouco, agora falta alguma vezes, mas ainda permanece firme e

forte. Nestes meses estiveram presentes também três vocacionados do grupo

de sábado, o que de certa forma deu um gás para a vocacionada que ficou, e

tornava o ambiente mais animado para aqueles que passavam.

A presença destes vocacionados despertava sempre, nos que ali estavam um

desejo para com as danças urbanas. E este espaço também foi aberto, para

que pudéssemos compreender que língua os jovens – como diziam a maioria

das mulheres(em grande parte com mais de 30 anos e mães) e partilhassem

momentos juntos. Este momento foi efêmero, a antes que pudéssemos

fortalecer uma diretriz, novamente a sala se esvaziou, somente dois

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vocacionados. A fiel escudeira Dilma e um vocacionado que também faz parte

da turma de sábado.

No fim de agosto uniram-se a estes dois vocacionados( Reginaldo e Dilma),

mais duas novas vocacionadas, uma de 27 anos e uma de 42 anos. Iniciando-

se assim por volta de três semanas uma nova configuração e composição

coreográfica onde a temática propostas nos levou novamente para a questão

do amor. Como agora tinha a presença do gênero masculino, a composição

baseou-se no encontro dos corpos. A forma encontrada foi o trabalho de peso,

contrapeso e resistência dos corpos ao encontrar-se. Os encontros estavam

bem dinâmicos em termos de disponibilidade e criação corporal de todos

presentes, mas no fim de setembro o Reginaldo arranjou emprego, o que

novamente brochou um pouco nossa composição. As vocacionadas gostavam

muito da presença dele na aula, pelo fato dele já ter um trabalho mais

desenvolvido em dança, era um figura que acabava puxando elas.

No presente momento estamos em três, mais com freqüência bem alternada. A

partir de um proposta com imagens, levantamos figuras femininas e estamos

descobrindo de que forma transpor para o corpo. A pesquisa desta turma no

momento, caminho com foco no desenvolvimento de habilidades corporais

através da dança, sempre fortalecendo a percepçãoe consciência corporal, e a

criação cênica tem como motivo corporal o equilíbrio e desiquilibrio.

Necessidade levantada pelas próprias vocacionadas, visto que uma deles tem

deficiência motora, e este é um grande desafio para seu corpo. As outras

vocacionadas também apontaram este elemento um desejo de possibilidade a

ser explorada.

Pois vêem no equilíbrio e desiquilibrio, uma subjetividade da mulher.

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