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PESTALOZZI E PAULO FREIRE: CAMINHOS QUE SE CRUZAM NA PRÁXIS EDUCATIVA POPULAR 1 RESUMO A relação entre a práxis de dois educadores distantes no tempo, mas próximos em princípios pedagógicos é a linha mestra deste trabalho. Johann Heinrich Pestalozzi, educador do século XIX é aqui apresentado não como autor engessado tal qual aparece em parte dos estudos de História da Educação, mas como educador preocupado com a educação do povo. Atuou diretamente com crianças e jovens do campo, crianças vítimas da guerra e da pobreza e desenvolveu uma proposta educacional pautada no aperfeiçoamento intelectual, físico, social e moral do indivíduo. Em Paulo Freire, educador atuante desde metade do século XX, também encontramos alguém dedicado à prática de uma educação popular, reconhecido mundialmente por seus livros e atuações pedagógicas. Apresentar os caminhos em que ambos se cruzam em suas práxis pedagógicas é o objetivo deste trabalho que tem como pano de fundo a discussão sobre as atuações de ambos educadores no campo da Educação Popular. Palavras-chave: Paulo Freire – Pestalozzi - Educação Popular ______________________________________________________________________ INTRODUÇÃO Pensar em educação significa nos remeter a algo intrínseco às relações humanas e sociais. Acrescentando o termo popular temos uma educação voltada para o povo, que atenda as suas necessidades e promova sua vocação ontológica de ser mais. Paulo Freire representou muito bem o papel de um educador defensor e disseminador de uma educação popular. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, o autor propõe um processo educativo destinado “aos esfarrapados do mundo”. O objetivo da educação é justamente buscar a constituição de uma sociedade mais justa e essa busca se dá na constante tentativa de libertação do oprimido e do opressor a partir da ação e reflexão dos seres engajados no mundo. Para Freire, a verdadeira educação não é a bancária que se vê comumente, em que os professores e escolas fazem terrorismo intelectual com os alunos. Educar é prática de liberdade, é buscar a autonomia do ser, é o desenvolvimento da criticidade e da reflexão do indivíduo, é nos tornarmos seres ativos no mundo. 1 Trabalho apresentado no 19º EPENN - Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste – realizado de 05 à 08 de julho em João Pessoa, PB.

Pestalozzi e Paulo freire: caminhos que se cruzam na práxis educativa popular

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A relação entre a práxis de dois educadores distantes no tempo, mas próximos em princípios pedagógicos é a linha mestra deste trabalho. Johann Heinrich Pestalozzi, educador do século XIX é aqui apresentado não como autor engessado tal qual aparece em parte dos estudos de História da Educação, mas como educador preocupado com a educação do povo. Atuou diretamente com crianças e jovens do campo, crianças vítimas da guerra e da pobreza e desenvolveu uma proposta educacional pautada no aperfeiçoamento intelectual, físico, social e moral do indivíduo. Em Paulo Freire, educador atuante desde metade do século XX, também encontramos alguém dedicado à prática de uma educação popular, reconhecido mundialmente por seus livros e atuações pedagógicas. Apresentar os caminhos em que ambos se cruzam em suas práxis pedagógicas é o objetivo deste trabalho que tem como pano de fundo a discussão sobre as atuações de ambos educadores no campo da Educação Popular.

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Page 1: Pestalozzi e Paulo freire: caminhos que se cruzam na práxis educativa popular

PESTALOZZI E PAULO FREIRE: CAMINHOS QUE SE CRUZAM NA

PRÁXIS EDUCATIVA POPULAR1

RESUMO

A relação entre a práxis de dois educadores distantes no tempo, mas próximos em princípios pedagógicos é a linha mestra deste trabalho. Johann Heinrich Pestalozzi, educador do século XIX é aqui apresentado não como autor engessado tal qual aparece em parte dos estudos de História da Educação, mas como educador preocupado com a educação do povo. Atuou diretamente com crianças e jovens do campo, crianças vítimas da guerra e da pobreza e desenvolveu uma proposta educacional pautada no aperfeiçoamento intelectual, físico, social e moral do indivíduo. Em Paulo Freire, educador atuante desde metade do século XX, também encontramos alguém dedicado à prática de uma educação popular, reconhecido mundialmente por seus livros e atuações pedagógicas. Apresentar os caminhos em que ambos se cruzam em suas práxis pedagógicas é o objetivo deste trabalho que tem como pano de fundo a discussão sobre as atuações de ambos educadores no campo da Educação Popular. Palavras-chave: Paulo Freire – Pestalozzi - Educação Popular ______________________________________________________________________

INTRODUÇÃO

Pensar em educação significa nos remeter a algo intrínseco às relações humanas

e sociais. Acrescentando o termo popular temos uma educação voltada para o povo, que

atenda as suas necessidades e promova sua vocação ontológica de ser mais.

Paulo Freire representou muito bem o papel de um educador defensor e

disseminador de uma educação popular. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, o autor

propõe um processo educativo destinado “aos esfarrapados do mundo”. O objetivo da

educação é justamente buscar a constituição de uma sociedade mais justa e essa busca

se dá na constante tentativa de libertação do oprimido e do opressor a partir da ação e

reflexão dos seres engajados no mundo.

Para Freire, a verdadeira educação não é a bancária que se vê comumente, em

que os professores e escolas fazem terrorismo intelectual com os alunos. Educar é

prática de liberdade, é buscar a autonomia do ser, é o desenvolvimento da criticidade e

da reflexão do indivíduo, é nos tornarmos seres ativos no mundo.

1 Trabalho apresentado no 19º EPENN - Encontro de Pesquisa Educacional do Norte e Nordeste

– realizado de 05 à 08 de julho em João Pessoa, PB.

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O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. (FREIRE, 1996, p. 76-77)

Esses princípios foram fortemente utilizados por Paulo Freire, mas seus sinais já

podiam ser encontrados nos princípios de outro educador - Johann Heinrich Pestalozzi -

suíço do século XIX que dedicou sua vida à educação das crianças pobres, sendo

considerado o Pai da escola popular. Desenvolveu princípios de sua proposta

educacional teorizando a partir de sua prática e trazendo inúmeras inovações no

contexto educacional Europeu.

A educação brasileira também foi de certa forma, inspirada pelas práticas

pestalozzianas através de um movimento que chegou ao Brasil não apenas para

combater a perspectiva da educação tradicional, mas para renovar a educação e as

escolas brasileiras: a Escola Nova.

O pensamento escolanovista causou diversas influências na educação brasileira

dentre elas citamos a obrigatoriedade do Estado oferecer escola laica, única, obrigatória

e gratuita para todos; a formação superior dos professores como condição necessária a

qualificação profissional e resolução dos problemas educacionais vigentes; a

preocupação com o método de ensino partindo do concreto para o abstrato, do simples

para o geral, do conhecido para o desconhecido; a busca por clareza dos objetivos da

educação e da função social da escola como essenciais para reforma no ensino. Estas e

outras considerações refletem as idéias do Movimento Escola Nova no Brasil que por

sua vez foi influenciado pela práxis de Pestalozzi.

Desde a adolescência Pestalozzi manifestava seu interesse em ajudar os homens

do campo, ou seja, os menos favorecidos pela sociedade. Vivenciou muitas experiências

pedagógicas como em uma fazenda em Neuhof, e em Stans quando cuidou sozinho de

80 crianças órfãs vítimas da guerra e da miséria.

Confiante nas faculdades da natureza humana, que Deus colocou também nas crianças mais pobres e mais desprezadas, eu não tinha apenas aprendido em experiências anteriores que essa natureza desdobra as mais formosas potencialidades e capacidades em meio ao lodo da rudeza, do embrutecimento e da ruína, mas via, nas minhas próprias crianças, irromper essa força viva, mesmo em meio a toda a sua brutalidade. (PESTALOZZI in INCONTRI, 1997, p. 90)

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Contudo, foi no Instituto de Yverdon, em 1804, no cantão de Vaud, na Suíça que

Pestalozzi chegou à culminância de sua experiência enquanto educador. Um dos sonhos

de Pestalozzi foi ter uma escola para os pobres, para aqueles a quem era negada a

educação por falta de recursos e oportunidades, por isso, quis que o Instituto de

Yverdon fosse uma escola para todos, onde os mais ricos pagavam para que os mais

pobres pudessem estudar. Lá estudavam crianças e jovens de toda a parte da Europa:

França, Inglaterra, Itália, Alemanha e Rússia. Além disso, chegavam professores de toda

a parte que se ofereciam para ajudar e aprender ao lado do mestre Pestalozzi.

Observando a trajetória e os princípios do educador Pestalozzi no século XIX e

os de Paulo Freire já no século XX nos questionamos: Até que ponto há relação entre os

objetivos pedagógicos desses dois educadores? É possível encontrar pontos

convergentes entre ambos educadores no que se refere a uma proposta de educação

popular? Qual a atualidade do pensamento de ambos?

Desta forma, o objetivo central a que nos propomos neste trabalho é observar e

comparar dois pontos distantes no tempo, porém próximos em termos de práxis

pedagógicas. Pestalozzi está no início de um caminho que mais tarde também seria

percorrido por Paulo Freire. Aquele está inserido no contexto iluminista, o qual suas

propostas influenciaram diretamente o movimento escolanovista, ou seja, uma tendência

pedagógica liberal e este pode ser considerado herdeiro dessa tendência pedagógica,

mas que está inserido numa tendência progressista. Contudo, o desafio pretendido é

apresentar o elo entre suas proposta, especialmente na busca por uma educação popular.

PESTALOZZI E PAULO FREIRE: CAMINHOS DE DESCOBERTA

No final do século XIX e começo do século XX iniciou-se um grande

movimento para reorganização da escola em que educadores como Pestalozzi foram

grandes inspiradores. As escolas com perspectivas inovadoras se multiplicaram pelo

mundo, todas elas assumindo tendências renovadoras. Com o mesmo objetivo, no

Brasil, no período republicano, o educador Caetano de Campos se refere a Pestalozzi

como modelo de mudanças educacionais brasileiras e incentivava a adoção do método

Pestalozziano a exemplo de países como Suíça, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos,

assim ele dizia:

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Os da nossa geração tiveram a felicidade de vir depois de Pestalozzi. O que fez este sublime reformador do ensino, ajudado pelo mesmo vigoroso espírito, pela mesma luminosa clarividência, é obra tão grandiosa, que para dar-lhe a medida basta dizer que todas as nações cultas deixaram-se seduzir por ele. (BIGHETO, 2006, p. 138)

O enaltecimento da obra de Pestalozzi e o desejo em firmá-la no Brasil revela

não apenas interesses pedagógicos - sociais, mas indica a confiança que a proposta

pestalozziana inspirava aos educadores, fruto da relevância de seu trabalho reconhecido

mundialmente.

Contudo, apesar de tantas citações os educadores brasileiros tinham (e têm) um

conhecimento muito restrito sobre a figura de Pestalozzi. Em seu livro Pestalozzi,

Educação e Ética, Dora Incontri esclarece que as influências deste educador no Brasil

ocorrem de forma indireta, posto que nenhum de seus textos foram traduzidos de forma

integral para o português, nenhum de seus discípulos diretos veio ao Brasil, nenhum

intelectual ou escola brasileira se inspirou nas suas idéias com profundo conhecimento

de sua proposta. Sobre a relevância do pensamento pestalozziano e seu pouco

conhecimento no Brasil, Bigheto acrescenta:

A proposta educacional de Pestalozzi serviu de inspiração para escolas das mais diferentes tendências: escolas libertárias (Tolstoi e Proudhon); socialistas (Owen) e até as de tendências comunistas (Makarenko). (...) Aliás, as abordagens a respeito de Pestalozzi são inúmeras. Há análises marxistas, idealistas, até psicanalíticas. Como demonstra Incontri, Pestalozzi é um universo, com mais de 12 mil títulos de estudos, teses e ensaios sobre sua filosofia, sobre sua prática e influência. (BIGHETO, 2006, p. 137)

No Brasil a Escola Nova buscou soluções de uma educação para o povo,

especialmente em meio às defesas da escola pública com a ação dos reformadores como

Anísio Teixeiras e Fernando Azevedo, dentre outros. Da mesma forma, Paulo Freire

defendia a proposta de uma educação construída com o povo, mas que se somava ao

esforço de superação da sociedade capitalista. Em Freire, a educação só pode ser

adjetivada de popular, se tiver compromissos éticos, políticos e culturais vinculados à

transformação da sociedade.

Paulo Freire defendeu a educação com o homem, denunciando a então vigente

educação para o homem, ou conta ele. Defendeu a substituição da aula expositiva pela

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discussão. Demonstrou preocupação com metodologias e, principalmente, com o lugar

social, político, educacional e de autoridade a ser assumido pelo educador e educando.

(FREIRE; BETO, 1985, p.11)

Da mesma forma, Pestalozzi foi um dos grandes educadores que não apenas

idealizou, mas concretizou uma pedagogia diferenciada, com o objetivo de desenvolver

o que há de melhor no ser humano, com foco no educando, objetivando desenvolver

suas capacidades físicas, intelectuais e morais.

QUANDO OS CAMINHOS SE CRUZAM

Fazendo uma relação direta entre a obra de Paulo Freire, especificamente

Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Esperança e Pedagogia da Autonomia e os

princípios pestalozzianos analisados a partir da obra de Dora Incontri, Pestalozzi –

Educação e Ética e a obra de Pestalozzi em espanhol Como enseña Gertrudis a sus

hijos, buscaremos o entrelace dos caminhos de ambos autores estudados.

Ensinar é instigar a produção de conhecimento

Paulo Freire defendia a idéia de que o educando é o foco do processo de ensino e

aprendizagem. Freire afirmava que o educador precisa “saber que ensinar não é

transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a

sua construção”. (1996, p.47)

Freire lutava contra a educação bancária, vigente desde as mais remotas práticas

pedagógicas e que ainda hoje vigoram. É uma afirmação simples, mas que requer uma

total mudança de postura do educador e da escola e ainda uma mudança no foco do

processo pedagógico que sai do professor e passa ao aluno, visto que, educar significa

estimular a produção de conhecimento do educando.

Pestalozzi adotava o mesmo princípio dizendo que “a atividade é uma lei da

meninice. Acostumais os meninos a fazer – educai a mão; [...] Começai pelos sentidos e

nunca ensineis um menino o que pode descobrir por si.” (Apud, INCONTRI, 1997,

p.130)

Ele adotava uma educação ativa, em que os educandos participavam ativamente

do processo de aprendizagem através de atividades práticas. O foco de sua atuação

pedagógica também é o educando e não o educador. Jullien descreve suas impressões ao

visitar a obra pedagógica mais frutífera de Pestalozzi, o Instituto de Yverdon.

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O processo geral dos estudos compreende um grande número de assuntos; mas sua própria variedade serve para dar certo descanso agradável ao espírito e deixa às crianças a liberdade de escolher o que tem mais analogia com suas disposições naturais. (...) Seu princípio é acompanhar a criança, deixando-a agir e se manifestar tal qual ela é, para melhor conhecer suas inclinações. (in INCONTRI, Op. Cit,, p. 173)

O ensino parte da percepção da realidade

Como destacamos anteriormente, Pestalozzi não praticava o ensino passivo, ele

estimulava a aprendizagem a partir da investigação do educando dentro de sua

realidade. Incontri destaca que na prática pestalozziana:

Parte-se de intuições, percepções, observações diretas da realidade [...] e pela posse da linguagem, conquista-se o poder de análise, detalhamento, classificação, organização e drenagem das percepções; finalmente, o pensamento avança para a síntese, para a extensão dos conceitos. (INCONTRI, Op. Cit,, pp. 143-144)

Ou seja, percebemos que de forma alguma o educador apresenta um conteúdo

pronto, ele instiga o educando que através de ações e exercício do raciocínio lógico vai

construindo seu conhecimento. Pestalozzi afirmava: “Procedei do conhecido para o

desconhecido; do particular para o geral; do concreto para o abstrato; do mais simples

para o mais complicado.” (Apud, INCONTRI, Op. Cit,, p.130)

Em Paulo Freire observamos prática semelhante. Ele atuava diretamente na

alfabetização de jovens e adultos na cidade e no campo, estava em constante contato

com os movimentos sociais e com os educadores que atuavam em diferentes espaços

educativos, escolares e não-escolares. Para que essa atuação se configurasse como

práxis emancipatória era necessário partir do conhecimento que seus educandos já

tinham do mundo. Freire defendia que essa prática deveria ser constante em todo espaço

educacional, pois o educando possui conhecimentos do mundo e é desses

conhecimentos que se deve partir o processo pedagógico. Em seu livro Pedagogia da

Esperança o autor relata uma experiência que teve com agricultores em que fez um jogo

de perguntas e respostas para constatar quem sabia mais. Quando Paulo Freire fez

perguntas referentes à realidade acadêmica os agricultores não souberam responder; em

contrapartida, Freire também não conseguiu responder acertadamente as questões

formuladas pelos agricultores, provando assim, que conhecimento todos nós temos,

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porém, sabemos mais que uns ou outros nesta ou naquela área, mas não como um todo.

Não há saber absoluto, assim como não há ignorância absoluta. Os saberes devem se

relacionar dialogicamente. Conhecer o ponto de partida de cada educando é condição

para o diálogo e para a aquisição de novos conhecimentos. O processo ensino

aprendizagem deve ser informado pelos conhecimentos prévios e deve se firmar no

respeito e reconhecimento da legitimidade dos mesmos.

Educação como meio de transformação do mundo

Este é um dos objetivos principais de Freire, pois para ele educar é contribuir na

transformação da sociedade e o papel do educando é se tornar um ser atuante, capaz de

intervir conscientemente no mundo. Para Freire “a capacidade de aprender é não apenas

para nos adaptar, mas, sobretudo para transformar a realidade, para nela intervir,

recriando-a.” (1996, p. 68)

Freire afirmava que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de

intervenção no mundo.” (1996, p. 98) E essa intervenção é papel tanto do educando

quanto do educador consciente de seu papel em atuar de toda forma que possa contribuir

para a construção de uma sociedade melhor.

Desta forma, para realizar tal afirmação Freire possuía a certeza de que tal

mudança é possível e por isso ele destaca:

É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil mas é possível, que vamos programar nossa ação político-pedagógica, não importa se o projeto com o qual nos comprometemos é de alfabetização de adultos ou de crianças, se de ação sanitária, se de evangelização, se de formação de mão-de-obra técnica. (FREIRE, 1996, p. 79)

Em relação a Pestalozzi, ele também trabalhava a partir da realidade e do

contexto de seus educandos, desta forma seu objetivo era formar o educando capaz de

dar continuidade autonomamente no seu processo de aprendizagem. Pestalozzi

pretendia formar cidadãos e homens de bem, educando a partir da realidade para a vida,

afirmando que “cada lição deve ter um fito, quer imediato, quer remoto.” (Apud,

INCONTRI, 1997, p.130)

No Instituto de Yverdon, disciplinas como geografia, biologia ou física, não se

consignavam às paredes de uma sala. Elaboravam cartas e mapas geográficos após a

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observação da natureza, ou punham em prática o que aprendiam, no cultivo de produtos

hortícolas que consumiam no próprio Instituto.

Além de se preocupar com a atuação das aprendizagens escolares, Pestalozzi se

preocupava com a atuação de princípios morais.

Devemos nos convencer de que o objetivo final da educação não é o de aperfeiçoar as noções escolares, mas sim o de preparar para a vida; não de dar o hábito da obediência cega e da diligência comandada, mas de preparar para oagir autônomo. (PESTALOZZI in INCONTRI, 1997, p.96)

Educação para o ser ético e moral

Nas obras de Freire constatamos o quão valoroso é a ética e a moral para o autor

dentro do processo educativo. Educar também é se preocupar com a formação do ser

ético e moral e, além disso, se preocupar com a coerência da ação do educador dentro e

fora de sala. Não basta ter um discurso convincente se as atitudes do educador são

contraditórias. Para Freire, educar é não apenas observar o progresso no outro, mas em

si mesmo. Vejamos a passagem a seguir:

Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. (FREIRE, 1996, p. 33)

A preocupação com a formação moral, que não corresponde a moralismo,

mas ao desenvolvimento de uma dimensão fundamental do humano, é mais uma

semelhança que encontramos entre esse autor e Pestalozzi. Como já foi afirmado,

Pestalozzi destacou como principal desafio da educação o despertar do ser moral para

que ele empreenda sua autoconstrução, sendo assim, para que esse despertar possa

ocorrer, o educador enfatizou a vivência do amor no processo pedagógico e esse amor

ele chamou de “força elementar da moralidade”.

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Assim, deixar o educando seguir autonomamente e realizar ações com as

próprias mãos e a partir de seus interesses é para Pestalozzi não apenas um ato

pedagógico, mas um ato de amor. Esse amor é o tempero fundamental do método

pestalozziano. O ambiente de convívio do Instituto de Yverdon, por exemplo, era de

paz, de união e de amor. Não existia uma figura autoritária que mandasse nas atividades

e nos métodos, existiam instrutores, preceptores que auxiliavam e orientavam uns aos

outros embasados na figura amável do diretor e educador Pestalozzi.

CONCLUSÃO

A partir das reflexões e comparações aqui lançadas concluímos acerca da

aproximação de princípios e propostas de ambos educadores aqui analisados além da

comunhão de objetivos educacionais.

Ambos trabalharam na educação do povo, no desenvolvimento do ser autônomo,

se preocuparam com questões políticas, sociais, culturais, físicas e morais que envolvem

o processo pedagógico. Em um contexto histórico constatamos inclusive o início das

idéias escolanovistas em Pestalozzi e a herança delas em Paulo Freire. É perceptível

também no primeiro o esforço no trabalho de uma educação popular, bem como

percebemos a efetivação dessa proposta no segundo.

Portanto, concluímos que em ambos os autores trabalhar com base numa

educação popular significa adotar princípios de liberdade, justiça, igualdade e

felicidade. Significa a formação de seres éticos e morais, conscientes da sua

possibilidade de atuação e transformação do mundo e esses princípios continuam atuais,

demonstrando o quanto podemos sentir ainda os reflexos das idéias de ambos

educadores, posto que, suas práxis não se estagnaram no tempo, continuam dentro das

preocupações de nossa educação atual.

O resgate de valores essenciais a condição humana que vai além de perspectivas

materiais permeiam toda a práxis dos autores aqui destacados. A contemplação do ser

em seus múltiplos aspectos ampliando o olhar que o educador tem do educando para

além do ensino intelectual, passando por dimensões afetivas, valores éticos e morais

retratam a contribuição de Pestalozzi e Paulo Freire para a construção de uma dimensão

espiritual da educação.

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A distância entre ambos está apenas relacionada à condição temporal, mas na

condição de educadores preocupados com a formação pedagógica, cultural, social e

(porque não) espiritual do povo estão intimamente ligados.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIGHETO, Alessandro César. Eurípedes Barsanulfo, um educador de vanguarda na

Primeira República. 1. Ed. Bragança Paulista, SP: Editora Comenius, 2006. 256p.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa.

São Paulo: Paz & Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

FREIRE, Paulo; FREIRE, Ana Maria Araujo. Pedagogia da esperança: um reencontro

com a pedagogia do oprimido. 13.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.

_______.; Frei Beto. Essa Escola Chamada Vida. Depoimentos ao repórter Ricardo

Kotscho. São Paulo: Ed. Ática, 1985

INCONTRI, Dora. Pestalozzi: Educação e Ética. São Paulo: Editora Scipione, 1997.

PESTALOZZI, Juan Enrique. Como Gertrudis enseña a sus hijos. Tradução Luis

Fernandes G. Mexico: [s.n], 1959. 299p. Ensayos Pedagogicos.