Politica Gestão Cultural - FGV

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    1/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 1/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    RESUMOEste estudo lida com poltica cultural, administrao e financiamento das artes e dopatrimnio histrico. Passa em revista a experincia brasileira, a partir dabibliografia disponvel, e a contrasta com a de pases adiantados. Embora com focono presente, reconstitui seletivamente a histria dessa poltica pblica desde 1945,nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Frana, e aponta impasses que hoje elaenfrenta no contexto neoliberal e globalizado. Questes como formao dedirigentes culturais, patrocnio empresarial, incentivos fiscais, diplomacia cultural,

    descentralizao administrativa, tendncias do consumo cultural,"espetacularizao" de eventos e o papel das fundaes so localizadas nasdiscusses que ocorrem dentro e fora da academia, nos pases considerados.

    PALAVRAS-CHAVE

    Poltica Cultural: Brasil, Europa, Estados Unidos; Administrao Cultural: Brasil,

    Europa, Estados Unidos;Estado e Cultura; Patrocnio Cultural.

    ABSTRACT

    This text deals with cultural policy, arts and heritage management and funding. Itfocuses the Brazilian experience, comparing it with the First World one's, so far it'spossible based upon the available bibliography. Although focusing ongoing trends,

    selected aspects of the history of cultural policy in the USA, Britain and Francesince World War II are inserted to frame current controversies on the relationshipbetween government and the arts in the global and neoliberal environment. Issueslike cultural policimakers training, corporate arts sponsorship, fiscal incentives,cultural diplomacy, trends in arts audience behavior, localization versuscentralization, events "spectacularization" and the foundations' role are discussed, as

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    2/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 2/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    part of the current agenda both inside and outside academia in the aforementionedcountries.

    KEY WORDS

    Cultural Policy: Brazil, US and Europe; Cultural Management: Brazil, US andEurope; Government and Arts; Corporate Arts Sponsorship.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    3/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 3/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    SUMRIOI. Introduo ........................................................... ............................................. 4

    II. Anlises de polticas culturais no Brasil (1934-1998) ....................................... 7

    1. A gesto Capanema (1934-1945), no primeiro governo Vargas. ................. 7

    2. O regime de 1964: gestes Passarinho, N. Braga, E. Portella e R. Ludwig(1969-1985) ................................................ .............................................. 10

    3. Abertura poltica e redemocratizao................................. ....................... 19

    4. De Srgio Paulo Rouanet a Francisco Weffort (1992-1998)......... ............. 29

    5. Poltica cultural em So Paulo, SP (de S. Magaldi a M. Chau,1976-1992) ......................................................... ...................................... 40

    6. Estudos comparativos feitos por brasileiros ou envolvendo o Brasil ......... 47

    7. Sumrio ................................................................ .................................... 50

    III. Agenda de poltica cultural em pases desenvolvidos............. ......................... 52

    1. Polticas culturais: perspectiva histrica e impasses atuais. ...................... 52

    2. EUA: traos histricos da relao entre artes, poltica e administrao.... 61

    3. EUA: panorama recente e questes atuais............................................... 67

    4. Privatizao no campo cultural europeu (anos 80 e 90). ........................... 88

    5. O surto do patrocnio corporativo s artes............................................ ..... 90

    6. Sumrio ................................................................ ................................... 94

    IV. Concluses ................................................................... .................................. 95

    V. Referncias .................................................................. ................................. 105

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    4/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 4/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    POLTICA E GESTO CULTURAL NOS USA EEUROPA

    Jos Carlos Durand*

    I. INTRODUO

    Este relatrio traz os resultados de uma pesquisa comparativa em poltica eadministrao cultural, tomando os casos do Brasil, de pases da Europa Ocidental edos Estados Unidos.

    Como se trata de uma rea de experincia administrativa parca e desigualmenteestudada (no caso brasileiro), procurou-se aproveitar ao mximo a bibliografiaencontrada. Ela consta de livros e relatrios levados pelo autor em seu ps-doutorado em Nova York, e foi completada por material descoberto in loco (alguns

    livros e mais o material disponvel na Internet, especialmente no site do minC). Aidia inicial era restringir o mbito dcada dos noventa, mas, como o tempo opermitiu, recuou-se at os anos 30, aos tempos de Gustavo Capanema e do EstadoNovo, sem contudo prejudicar a nfase na atualidade.

    O plano de comparao no foi construdo s pelo autor. Foram consultados doisttulos da bibliografia brasileira que j faziam cotejo com os Estados Unidos epases europeus em matria de poltica cultural, ou, mais especificamente, de meios

    de financiamento s artes e ao patrimnio histrico e artstico.

    Este relatrio como que atualiza a comparao, para isso trazendo a agenda dequestes que organiza hoje em dia o debate em torno do assunto no meio acadmico

    * Agradecimentos ao aluno que participou da pesquisa que originou o presente relatrio como auxiliar de pesquisas,Dorian Turner.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    5/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 5/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    norte-americano, alm de descrever algumas instituies indispensveis, como asfundaes privadas e o National Endowment for the Arts/NEA.

    Como essa agenda inclui questes gerais aos pases desenvolvidos, tambm se usamautores ingleses, franceses e de outras nacionalidades. Mas a grande parte dabibliografia, como se pode ver ao final, refere-se aos Estados Unidos. Vrios so osttulos americanos que adotam perspectiva histrica que abrange at as trs ltimasdcadas do sc. XIX; mas a maior parte focaliza mesmo o processo desencadeadoa partir dos anos sessenta, quando se configura em seus traos principais o sistemade fomento institucional que perdura at o momento.

    Alm da busca em bibliotecas (New York University, New York Public Library eFoundation Center), foram consultados vrios sites de organizaes independentes,com especial destaque para o do Center for Arts and Culture, em Washington, cujosdiretores, alis, publicaram este ano rica coletnea, aqui bastante utilizada: ThePolitics of Culture. Outras instituies visitadas: na cidade de Nova York: oResearch Center for Arts and Culture (Columbia University), o Center for the Study

    of Philanthropy (CUNY University), The Century Foundation; o Rockefeller Centerfor Media, Culture and History, da New York University. Atravs da Internet, emoutras cidades americanas, o Princeton University Center for Arts and CulturalPolicy Studies (Princeton, NJ), o National Endowment for the Arts, o American forthe Arts e a National Assembly of State Arts Agency (Washington, DC), e aAssociation for Cultural Economics (Akron, Ohio).

    O autor procurou imprimir uma viso poltico administrativa em um tema onde boaparte da bibliografia fica nos limites da anlise histrica e sociolgica. Se a intenofosse somente analtica, por outro lado, seria preciso aprofundar as razes da slidae substancial filantropia existente nos Estados Unidos, em sua dupla dimenso dedoaes em dinheiro e trabalho voluntrio. Seria tambm preciso encarar de frenteas inmeras anlises dos impactos do neoliberalismo e da globalizao sobre asalternativas que se abrem aos governos em matria de artes e patrimnio histrico e

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    6/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 6/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    artstico. Tudo isso acabou sendo levado em conta, de algum modo, no texto quesegue, mas no como questo central. A idia foi outra: selecionar o que apareciacomo situao problemtica capaz de ser enfrentada com instrumentos de poltica egesto cultural.

    Foi tambm fecunda para este relatrio a grande variao de assuntos e perspectivasnos seminrios semanais do "The Privatization of Culture Project for Research onCultural Policy". Este projeto uma iniciativa de professores da New YorkUniversity, da New School for Social Research e da City University of New York.George Ydice e Vera Zolberg tm sabido conduzir bem esses seminrios, dandoum bom espao a pesquisadores e gestores culturais da Amrica Latina. A presenaa esses seminrios, como parte dos encargos de uma bolsa ps-doutoral concedidaao autor pela Rockefeller Foundation, (primeiro semestre de 1999) permitiu no so preparo de um artigo mais focalizado (sobre a parceria pblico-privado atravsdas leis de incentivo fiscal, no Brasil dos anos noventa)1 como tambm o ajudou amanter a entender um pouco melhor algumas das polmicas atuais direta ouindiretamente relativas a polticas culturais.

    Como o autor pde, nesta estadia americana que ora finda, estar presente a algunseventos que renem o pblico interessado em poltica cultural, e constatar o que sediscute e o que se escreve, fica a certeza de ter travado contato com algunsinterlocutores centrais e com a mais atual bibliografia. Trs desses eventos servemde exemplo: o Cultural Policy Network Meeting, promovido pelo Center for Artsand Culture, em Washington, DC, (julho 1999); a reunio da STP&A/Social Theory,Politics and the Arts, o grupo de sociologia da cultura da American SociologicalAssociation, que, ao contrrio de outras sociedades de socilogos, est bem abertaaos que ensinam e praticam gesto cultural (Nashville, Tennessee, outubro 1999) epor fim a International Conference on Cultural Policy Research, promovida peloInternational Journal of Cultural Policy (Bergen, Noruega, novembro 1999).

    1 Texto no prelo pela University of Minnesota Press,sob o ttulo Public and Private Arts Funding in Brazil.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    7/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 7/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    O autor agradece ao Ncleo de Pesquisas e Publicaes da EAESP/FGV o apoiorecebido sob forma de bolsa de manuteno e do custeio da coleta do material paraeste trabalho.

    II. ANLISES DE POLTICAS CULTURAIS NO BRASIL(1934-1998)

    1. A GESTO CAPANEMA (1934-1945), NO PRIMEIROGOVERNO VARGAS

    Existem at hoje poucos estudos a respeito de administrao cultural no Brasil. Arigor, muito poucos foram, na era republicana, os perodos de governo quemereceram, nessa rea especfica, ateno de cronistas ou historiadores. O casomais conhecido o da gesto de Gustavo Capanema como Ministro da Educao eSade Pblica de Getlio Vargas, entre 1934 e 1945. Ele mereceu todo um livro(Schwartzman, Bomeny e Costa, 1984), alm das inmeras outras referncias quecontinua provocando em todos os que estudam a gnese da presena governamentalem artes e na conservao do patrimnio cultural no Brasil. E em particular entre osque estudam a histria do modernismo no campo artstico brasileiro.

    A construo de instituies novas em espaos onde o governo no estava presente,em termos de Educao e Cultura, foi a tnica maior da gesto Capanema. Eleconduziu uma grande reforma do ensino e criou a Universidade do Brasil, agindo

    profundamente na rea da educao, sob um clima de forte confronto ideolgicoentre catlicos, fascistas e socialistas, e da vigncia de severa censura (Goulart,1990).

    Em relao rea cultural, a gesto Capanema tambm teve uma forte dimensoregulatria e de construo institucional. Em sua gesto foram criadas leis em

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    8/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 8/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    matria de cinema e de rdio educativo, de educao musical, de recuperao dofolclore e de apoio msica erudita. O Servio de Patrimnio Histrico e ArtsticoNacional foi criado por ele, com a ajuda de Mrio de Andrade. O Instituto Nacionaldo Livro, o Instituto Nacional de Cinema e o Servio Nacional de Teatro, tambm,entre outros.

    A edificao da nova sede do Ministrio, na cidade do Rio de Janeiro - projeto cujaedificao ocupa quase todo seu mandato - acabou marcando no apenas umatransio fundamental no campo da arquitetura (com a introduo do modernismo),como propiciou encomendas a um grupo de arquitetos, paisagistas, pintores eescultores, ento em incio de carreira. (Durand, 1991). Em uma conjuntura deelevada intolerncia ideolgica, que se agua com a decretao do Estado Novo, em1937, e a Segunda Guerra Mundial, logo a seguir, a postura tolerante de Capanemaganhava especial importncia e apreo por parte daqueles a quem contemplava comencomendas, e deixava trabalhar vontade. Conforme dizem Schwartzman, Bomenye Costa, "Era sem dvida no envolvimento dos modernistas com o folclore, asartes, e particularmente com a poesia e as artes plsticas, que residia o ponto de

    contato entre eles e o ministrio. Para o ministro, importavam os valores estticos ea proximidade com a cultura; para os intelectuais, o Ministrio da Educao abria apossibilidade de um espao para o desenvolvimento de seu trabalho, a partir do qualsupunham que poderia ser contrabandeado, por assim dizer, o contedorevolucionrio mais amplo que acreditavam que suas obras poderiam trazer" (p.81).

    A construo de instituies pblicas onde antes nada havia, e mais o apoio quelaparticular fantasia dos artistas (tendo em vista a funo que esta acabou cumprindo

    no campo erudito brasileiro, por fora da consagrao posterior de vrios dos entojovens artistas) so o melhor meio de se medir o mrito da gesto Capanema, narea propriamente cultural. Essa ressalva necessria para assinalar que no hregistro, para a poca, da montagem de um sistema de apoio financeiro a artistas,em escala mais ampla. Entre outras circunstncias que aliviavam a situao est a

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    9/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 9/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    circunstncia de os mercados culturais estavam relativamente prsperos (Miceli,1979), minorando a to tradicional dependncia dos artistas em relao ao mecenatogovernamental, como se via, por exemplo, ao tempo do Segundo Reinado.

    Capanema foi quase sempre mediado por seu chefe de gabinete, Carlos Drummondde Andrade, em suas relaes com artistas. No se esquea tambm que o fococentral do ministrio era a educao, seguida da sade pblica, mbitos que nocabe aqui tratar. Note-se tambm que, como um todo, o primeiro governo Vargas foio que modificaes mais profundas introduziu na administrao pblica federal, emtodo o sculo XX. Ou seja, Capanema podia contar com um respaldo considervel,no s em termos da fora poltica de um regime forte, capaz de afrontar aburocracia, mas tambm com os efeitos difusos de um clima marcadamentereformista e inovador em quase todas as esferas da vida coletiva. Nesse sentido, acriao de instituies, na rea cultural, pode ser vista como a recuperao de umforte atraso determinado pelo conservantismo e pela inrcia dos governos daRepblica Velha.

    Se se quiser introduzir aqui uma primeira comparao entre Brasil e EstadosUnidos, ser obrigatrio lembrar que na mesma poca, nos Estados Unidos - pasque sempre viu o governo federal como uma ameaa, mais do que uma proteo sliberdades e ao progresso - um programa emergencial do governo federal americano(Public Works of Arts Project/PWAP), beneficiou com subsdios e encomendas deordem variada nada menos do que quarenta mil artistas, abrandando os efeitos dodesemprego e da depresso econmica desencadeada com a crise de 1929.(Kammen, 1996; Jeffri, 1997). Lembre-se tambm que na mesma poca, e sob acobertura institucional e financeira de grandes fundaes americanas, tomavaimpulso a formao de uma camada de administradores culturais (curadores demuseus, dirigentes de orquestras sinfnicas, diretores de bibliotecas pblicas, etc)que ajudar em muito o desenvolvimento das artes. (DiMaggio, 2000)

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    10/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 10/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    2. O REGIME DE 1964: GESTES PASSARINHO, N.BRAGA, E. PORTELLA E R. LUDWIG (1969-1985)

    H muito pouca informao sobre a gesto cultural no Brasil entre o fim da gestoCapanema, 1945, e o perodo militar iniciado em 1964. certo que a vertente"conservacionista" instaurada em 1937 teve sucesso em dar continuidade aoprograma de proteo ao patrimnio histrico, alargando o rol dos bens tombados.Nesta rea os arquitetos brasileiros asseguraram predominncia at 1979; foi sento que, sob liderana de Alosio Magalhes, se comeou a atacar, como

    reducionista, a tica de s se dar proteo aos monumentos de "pedra e cal". OMinistrio da Educao e Sade Pblica foi desmembrado em 1953, com a criaodo Ministrio da Sade; educao e cultura continuam juntas no que passou achamar-se Ministrio da Educao e Cultura/MEC.

    Tanto em S.Paulo como no Rio de Janeiro, o segundo aps-guerra foi prspero deiniciativas culturais privadas de vulto, a exemplo do industrial Francisco MatarazzoSobrinho (Cia. Cinematogrfica Vera Cruz, Teatro Brasileiro de Comdia, Museu de

    Arte Contempornea de SP, Bienal Internacional de Artes Plsticas); do jornalistaAssis Chateaubriand (Museu de Arte de S.Paulo) e da famlia proprietria doCorreio da Manh, que criou o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. (Durand,1989). Esse perodo tambm foi de muito avano nas indstrias culturais, emparticular rdio, televiso, jornais e revistas.

    Em seguida, mereceram estudo as gestes sucessivas dos ministros JarbasPassarinho e Ney Braga no Ministrio da Educao e Cultura, respectivamente,de Emlio Medici (1969-1973) e Ernesto Geisel (1974-1978). (Miceli, S. 1984). Um

    seminrio sob o ttulo "Estado e Cultura no Brasil", patrocinado pela FundaoNacional das Artes/Funarte, e realizado pelo Instituto de Estudos Sociais, Polticose Econmicos de S.Paulo/IDESP, posteriormente editado em livro (Miceli, S.,1984), traz muita anlise til, em particular um ensaio do prprio editor, intitulado

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    11/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 11/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    "O processo de 'construo institucional' na rea cultural federal (anos 70)", no qualso apresentados os resultados de uma pesquisa feita sobre o perodo.

    A pesquisa dirigida por Miceli focalizou as esferas de mando do Ministrio daEducao e Cultura/MEC, em particular aquelas que se ocupavam das artes e dopatrimnio histrico e artstico. Atravs de entrevistas e de anlise documental, apesquisa mostra que muita mudana doutrinria e programtica vinha ocorrendodentro da burocracia cultural federal durante o regime militar, embora o que maistenha marcado a poca na memria de artistas e intelectuais tenha sido oautoritarismo, a represso e a censura.

    Mostra a pesquisa que o perodo foi prspero em termos no s de construoinstitucional, com a criao, fuso e separao de entidades na rea cultural doMEC, como tambm em termos de um "vultoso acrscimo" nos recursos financeirosdisponveis. O estudo infelizmente no quantifica esse aumento, talvez porque,como sinal da poca autoritria, no se cobrava publicamente informaes do tipo.Miceli lembra, a propsito, os ganhos oramentrios "considerveis" obtidos pelo

    MEC na gesto Ney Braga, comparando-os com as resistncias e dificuldades queum outro ministro, Eduardo Portella, enfrentaria, pouco tempo depois, por parte dasautoridades econmicas do governo. A explicao est, segundo o autor, em umfator poltico favorvel que foi "o sopro da 'abertura' na rea cultural oficial". Ouseja, que a tentativa de apaziguamento de relaes entre o governo e as camadasintelectuais e artsticas, comandada por Geisel, passava pela necessidade de ampliaros recursos disposio da cultura. E, de colocar na direo do ministrio um"nome forte" (Ney Braga), cujo crculo de amizade e influncia dentro da burocraciafederal, poca em que foi ministro, se medido pela magnitude de receita pblicacontrolada por seus amigos e aliados nos mais diversos postos do governo federal,representava "praticamente a metade do oramento da Unio" (p.64).

    O poder de mobilizao de recursos de Ney Braga, excepcionalmente grande quandocomparado com o de outros ministros da educao, precisa ser ponderado pelo

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    12/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 12/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    cuidado em agir com estratgia, repensando meios e fins da gesto cultural pblicade cultura, em termos de planejamento. Ou seja, aproveitando-se da existncia deum grupo j formado no ministrio para elaborar um Plano Nacional de Cultura,deu-lhe fora, objetivando-se um iderio que tentava conciliar as representaes queos idelogos do regime, atravs da doutrina da "Segurana Nacional", faziam danacionalidade brasileira, de suas elites e de seu povo, com a misso que o regimeautoritrio se atribua na preservao e fortalecimento de valores "nacionais". Nocabe aqui uma anlise mais detida dos contedos concretos desse esforo deconciliao ideolgica; antes, cabe ressaltar que ele estimulou algo muito raro emtermos de gesto das artes e do patrimnio no Brasil: uma viso articulada deprincpios, objetivos e meios que, no seu conjunto, era passvel de ser chamada de"poltica", no sentido de "policy". Apesar de seu ineditismo e importncia, APoltica Nacional de Cultura no faz parte nem das publicaes do seminrio doIDESP nem de um opsculo, anteriormente publicado, em que esse documento apenas comentado (e muito elogiado) por Manuel Digues Jr., membro doConselho Federal de Cultura, na poca. (Digues Jr, 1977)

    Buscando a origem desse documento, diz Miceli que o governo Castello Branco(sendo Moniz de Arago o ministro da Educao e Cultura) havia constitudo umConselho Federal de Cultura, em 1966, e solicitado dele um documento para nortearsua ao na rea cultural. Como a gesto Passarinho concentrou-se na reaeducacional, na qual realizou imensa ampliao de escolas superiores e matrculasuniversitrias, a implantao das diretrizes do documento ficou para o sucessor dePassarinho, Ney Braga, em uma presidncia (Geisel) comprometida com a idia deredemocratizao "lenta e gradual". Referindo-se a esse plano, que de fato s seriaimplantado anos depois, diz Miceli:

    "A gesto Ney Braga tambm se singularizou por haver ultimado e ampliado oprimeiro plano oficial abrangente em condies de nortear a presenagovernamental na rea cultural, a chamada Poltica Nacional de Cultura. Aimportncia poltico-institucional desse 'iderio de uma conduta', consistiu

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    13/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 13/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    sobretudo no fato de haver logrado inserir o domnio da cultura entre as metas dapoltica de desenvolvimento social do governo Geisel. Foi a nica vez na histriarepublicana que o governo formalizou um conjunto de diretrizes para orientar suasatividades na rea cultural, prevendo ainda modalidades de colaborao entre osrgos federais e de outros ministrios (...), com secretarias estaduais e municipaisde cultura, universidades, fundaes culturais e instituies privadas". (p.57).

    Entre as inovaes introduzidas na rea cultural do MEC nas gestes JarbasPassarinho e Ney Braga constam programas como o Programa de AoCultural/PAC e o Programa de Reconstruo de Cidades Histricas; a criao daFundao Nacional de Arte/Funarte e do Conselho Nacional de Direito Autoral. Asanlises registram que alguns desses programas, como, por exemplo, o PAC, foiuma maneira de introduzir um corpo novo em uma estrutura antiga, na medida emque "grupos" ou "foras-tarefas", livremente contratadas no mercado, assumiamfunes que at ento ou no eram realizadas ou cabiam aos funcionrios de carreirado MEC.

    Para organizar a exposio, Miceli introduz uma cronologia (p.58), abrangendo asprincipais iniciativas desde o incio da gesto Jarbas Passarinho, em 1969, at oincio da gesto Rubem Ludwig, em 1980.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    14/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 14/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Poltica Cultural Oficial Cronologia Anos 70

    1969 Inicio da gesto Jarbas Passarinho - MEC - Criao da Empresa Brasileira de Filmes.

    1970 Transformao da Dir.do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional em Instituto (IPHAN) -MEC

    1972 Criao do Depto. de Assuntos Culturais - DAC - MEC

    1973 Lanamento do Programa de Reconstruo de Cidades Histricas-PCH/Seplan

    Lanamento do Programa de Ao Cultural/PAC- MEC

    Criao do Conselho Nacional de Direito Autoral/CNDA - MEC

    1974 Incio da gesto Ney Braga/Euro Brando - MEC

    1975 Lanamento da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro/CDFB - DAC/MEC

    Criao do Centro Nacional de Referncia Cultural/CNRC-MIC/Gov.D.Federal

    Criao da Fundao Nacional de Arte/Funarte - MEC

    Aprovao da Poltica Nacional de Cultura/PNC - MEC

    Extino do Inst. Nacional de Cinema/INC e ampliao das atribuies da Embrafilme.

    I Encontro Nacional de Dirigentes de Museus.

    1976 Criao do Conselho Nacional de Cinema/Concine -MEC

    Aprovao do Regimento Interno do IPHAN - MEC

    I Encontro de Secretrios Estaduais de Cultura- Braslia

    1978 Criao da Secretaria de Assuntos Culturais/SEAC - MEC

    1979 Incio da gesto Eduardo Portella

    Transferncia do PCH para o IPHAN - MEC

    Criao da Secretaria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional/SPHAN - MEC

    Criao da Fundao Nacional Pr-Memria (Pr-Memria) MEC

    Transformao do Inst. Joaquim Nabuco de C. Sociais em Fundao - Recife/PE - MEC

    I Seminrio Nacional de Artes Cnicas

    I Encontro Nacional dos Artistas Plsticos Profissionais

    1980 Incio da Gesto Rubem Ludwig - MEC

    Fonte: Miceli, S. (org.) Estado e Cultura no Brasil

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    15/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 15/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    No mesmo seminrio "Estado e Cultura", Mrio Brockmann Machado, dirigentecultural do MEC na gesto Ludwig, e ex-diretor da Funarte, levanta a necessidadede se construir uma agenda para debates polticos e para pesquisa acadmica sobrepolticas culturais. Quanto aos debates polticos, argumenta que assuntos culturaisno constavam, at aquele momento (setembro 1982), da agenda daredemocratizao. A nica exceo era a questo da censura, cuja existncia, alis,nada tinha a ver com as instncias culturais; quanto s pesquisas acadmicas,reclamou Machado que no Brasil at aquele momento, a nica poltica pblicaempiricamente estudada era a econmica, e ainda assim porque os economistas ofaziam, porque os cientistas sociais no tinham o hbito de estudar polticaspblicas, mesmo as polticas sociais. (p.8)

    Segundo Machado no se podia falar de "poltica cultural" no sentido mais precisoque esse binmio estava a indicar: comando centralizado, metas definidas e aferiode resultados. (p.9) Segundo ele, essa situao de "permanncia no limbo" dagesto cultural pblica, tinha a ver com algo mais profundo:

    "...o fato de inexistirem diretrizes claras sobre os limites da interveno do Estadona rea cultural, o fato de inexistir uma ideologia, democraticamente aceitvel, quepossa legitimar e orientar essas aes, o que provoca, em muitos casos, ou umconfronto aberto de posies radicalmente antagnicas levando paralisia decisria,ou uma certa tendncia a evitar projetos mais ousados e a privilegiar um grandenmero de pequenas aes, que se no ajudam muito o desenvolvimento cultural,tambm no prejudicam demais...". (p.9)

    Essas caractersticas, segundo Machado, explicariam enfim por que o trabalho defomento governamental s artes seria basicamente: a) clientelstico, ou, melhordizendo, obediente a uma orientao de pluralismo clientelstico, dirigindo a aopara demandas das clientelas de artistas, agentes e produtores culturais,organizaes profissionais, associaes de bairro, etc; b) assistencial, (ou"previdencirio") contemplando gneros culturais incapazes de se sustentar atravs

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    16/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 16/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    do mercado, como a msica de concerto, o canto coral, o teatro dramtico, a pera,a dana.

    Machado encerrou sua comunicao propondo uma agenda de dezesseis pontoscontendo questes tanto para o debate poltico como para futuras pesquisasacadmicas. Vale a pena reproduzi-los aqui para dar uma idia do que acabouvirando realidade e daquilo que continuou na mesma.

    1. Vantagens e desvantagens de uma eventual criao do Ministrio da Cultura.

    2. Melhor forma de participao/representao dos setores interessados no processodecisrio de polticas culturais e de avaliao de seus resultados.

    3. Como reforar o oramento pblico da rea, e como encaminhar a questo dorelacionamento das agncias de fomento com as empresas pblicas e privadasque desejam promover-se na rea.

    4. Interao desejvel entre agncias de fomento e associaes de artistas, nosentido de fortalecer as reivindicaes deles e a preservao dos direitosautorais.

    5. Melhoria da distribuio geogrfica do fomento, reduzindo-se a presso dademanda originada no eixo Rio-So Paulo.

    6. Melhoria da destinao scio-econmica dos recursos de fomento, reduzindo-seo peso dos projetos caros de arte erudita e contemplando-se projetos paraperiferias urbanas e zona rural, sem contudo impor "pacotes pr-fabricados" aelas.

    7. Simplificao de controles financeiros de grupos e instituies populares comdificuldade de prestar contas atravs de relatrios contbeis complicados.

    8. Deciso se s agncias pblicas cabia apoiar somente projetos isolados ou, ao

    contrrio, a programao toda de certas instituies, garantindo suacontinuidade.

    9. O que melhor para os rgos pblicos da rea: constituir centros culturais fixosou, ao contrrio, financiar projetos "l onde o povo est". Ou: esperar o povo ira eles, ou, ao contrrio, ir ao povo?

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    17/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 17/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    10. As agncias devem financiar s projetos de terceiros ou devem ter projetosprprios? Como engajar nessas agncias pessoas efetivamente comprometidascom a ao cultural se elas no possurem projetos prprios?

    11. Como mudar o perfil da clientela, refreando o financiamento de outros rgos degoverno (federais, estaduais e municipais, incluindo universidades), embenefcio de instituies privadas da sociedade civil?

    12. Como dividir trabalho com a indstria cultural. Ou, apoiar iniciativas deentidades com fins lucrativos ou no? entrar em competio com elas ou no e,caso sim, em que reas?

    13. Como reorientar parte do gasto em eventos culturais para cobertura de condiesmateriais permanentes para a atividade cultural? Ou, como evitar o eventual, oefmero, o vistoso mas inconseqente, o projeto que no deixa razes? Fronteirascom o turismo e o show-business.

    14. Em folclore deve-se apenas apoiar a museografia ou tambm financiar gruposativos?

    15. Diviso do trabalho entre agncias culturais e relaes exteriores: qual o melhorrelacionamento entre rgos de fomento e o Itamaraty?

    16. Como avaliar polticas culturais; como medir custos diretos e indiretos e

    resultados diretos e indiretos, materiais e simblicos, da poltica cultural?

    Roberto Parreira, na ocasio Presidente da Embrafilme, tambm falou no mesmo

    seminrio, referindo-se ao modo como o plano concebido pelo Conselho Federal deCultura/CFC teve curso no interior do ministrio.

    Segundo Parreira, o CFC "botou o carro adiante dos bois" ao formular um PlanoNacional de Cultura. A ordem correta seria a seguinte: poltica, plano, programa,

    projetos (p.234). "Poltica so as grandes linhas; plano representa um conjunto deaes. Foi, contudo, atribudo a um rgo consultivo 'de pensamento' um plano-tarefa que, na verdade, demonstrava que no se pensava ainda uma poltica decultura. (...) Por isso, esse primeiro plano caiu no vazio." (p.234) Segundo Parreirafoi s em 1972 que apareceu um plano setorial de educao e cultura ao nvel doMEC que atribua prioridade cultura dentro da ao do Governo. Era um plano de

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    18/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 18/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    emergncia, que Passarinho resolveu pr em marcha quando percebeu que s haviaatacado a educao. Continua Parreira: foi um "programa com gerncia e quadrosprprios, contratos por tempo limitado, com agilidade e flexibilidade na execuode seus projetos. E surgiram as verbas: pela primeira vez, o Ministrio da Educaoe Cultura tinha uma dotao oramentria digna ao apoio cultura". (Parreiratambm no apresenta nmeros acerca desse aumento de verbas).

    "Sabia-se que o PAC deveria ocupar um vazio; como no houve uma base prvia deestudo, o programa seguia uma trajetria paralela a toda a estrutura do MEC. Haviaa rea do livro; a do patrimnio; a do teatro; a da msica, correndo, repito,paralelamente com rgos especficos j constitudos: a diferena que o PAC tinharecursos, os rgos no (grifos meus)."

    " pois com Ney Braga que surge uma poltica. Antes houve planos. Os objetivosagora so claros: a cultura se liga identidade nacional e preservao de valores.As razes culturais so vistas como questo de 'segurana nacional', no sentido emque essa controvertida expresso significa 'preservao da nacionalidade'. Idia de

    animao cultural abrindo espao em nvel do municpio; injetava recursoslocalmente, estimulava os germes culturais nas mais diferentes regies e situaesdo Brasil". (p. 236)

    No mesmo seminrio do IDESP/Funarte, Jos Mindlin, ex-secretrio de Cultura,Cincia e Tecnologia do Estado de S.Paulo no governo Paulo Egydio Martins,comentou sua gesto. Entre os dados que ele ento forneceu, h trs que selecionocomo significativos, para informar anlise mais adiante: primeiro, sua constataodo "excessivo poder que detinha o titular da Secretaria de Cultura para aceitar ourecusar solicitaes" (p.220); segundo: um marco administrativo anacrnico, talcomo ele relata a respeito dos passos de um projeto cultural dentro da Secretaria:"Entre a proposta de um evento qualquer, sua realizao e o encerramento doprocesso havia 56 etapas burocrticas, passando o processo vrias vezes pelas mosdo secretrio. claro que, em muitos casos, quando a deciso era tomada, a

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    19/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 19/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    oportunidade j havia passado. Consegui reduzir essas etapas para 12". (p.219) Oterceiro a idia que chegou a alentar de criao de uma 'FAPESP para a cultura',como forma de garantir um fluxo contnuo e seguro de verbas, protegido por umadeterminao constitucional, e por uma destinao decidida por requisitos tcnicos,por colegiados autnomos de influncia poltica.

    3. ABERTURA POLTICA E REDEMOCRATIZAO

    Uma dissertao acadmica (Poerner, 1997) cobre a poltica federal de culturadurante os anos oitenta, no Brasil. O autor procura em todo o texto encontrarcontinuidades no processo que analisa, e no disfara enorme admirao por JosAparecido de Oliveira, secretrio de cultura do Estado de Minas Gerais no governode Tancredo Neves. Poerner descreve, com toda a mincia que os dados permitem,os arranjos polticos de Aparecido para assumir o Ministrio da Cultura na medidaem que crescia a candidatura de Tancredo Neves presidncia da repblica. Aestratgia de Aparecido foi montar uma base de apoio junto a secretrios estaduais e

    dirigentes federais de cultura, de modo a projetar-se como possvel primeiroocupante do futuro Ministrio da Cultura, cuja criao precisava ser justificada.Poerner menciona que ao longo dos anos oitenta foram-se multiplicando assecretarias estaduais de cultura2 .

    "O professor e escritor Eduardo Portella no era general nem ex-governadorfavorvel ao golpe de 64, como Ney Braga, de modo que teve de enfrentar maioresresistncias (inclusive, da chamada "comunidade de informaes"), como primeiro

    ministro da Educao e Cultura do governo Joo Figueiredo. A abertura poltica,afinal, era 'lenta e gradual', e Portella talvez estivesse pensando nisso ao declararque no era ministro; apenas estava ministro. No esteve muito tempo, mas, antes depassar o cargo, em 1980, ao seu sucessor, general Rubem Ludwig, coube-lhe

    2 As primeiras surgiram nos anos setenta: S.Paulo e Paran. Os conselhos estaduais de cultura tambm comearam aproliferar (Poerner, 1997:35).

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    20/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 20/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    presidir, no ano anterior, o desdobramento do IPHAN em Secretaria do PatrimnioHistrico e Artstico Nacional (SPHAN) e Fundao Nacional Pr-Memria (Pr-Memria). (...) Essa estrutura oficial da cultura, recebida por Ludwig, atravessaria,praticamente intacta, o governo Figueiredo e, com ele, a primeira metade dos anos80. Quanto idia de uma poltica nacional de cultura, apesar da evoluoregistrada nas gestes Passarinho e Braga, assim como da crescente autonomia darea cultural do MEC, no foi emperrada somente pela descoordenao entre aSEAC e os institutos e fundaes setoriais. Esbarrou tambm na desconfiana edesinteresse de expoentes culturais, os artistas e intelectuais escaldados por longoperodo de represso e censura, que tinham sobejos motivos para rejeitar umapoltica germinada sob os desvos da doutrina de segurana nacional do regimemilitar". (p.41)

    Os "Fruns Nacionais de Secretrios da Cultura" multiplicaram-se entre 1982 e1988, 21 ao todo. Antes desse perodo, apenas em 1977 havia ocorrido um, quandoo governo federal resolveu difundir a Poltica Nacional de Cultura e se preocupavacom a regionalizao cultural do pas (Digues Jr.1977: 50). O primeiro da nova

    srie teve representao de treze estados, o segundo, de dezenove. Poernercuidadosamente anota a agenda de cada encontro. Por eles se notam preocupaesnovas, como a necessidade de cursos para treinamento de administradores culturais,maiores verbas para a cultura e introduo de incentivos fiscais para que pessoas eempresas destinassem recursos de imposto de renda para atividades artsticas. Outroelemento novo, caracterstico da mobilizao social em torno da Constituinte, foi aemergncia de reivindicaes culturais das etnias negra e indgena, de ter seusmarcos de referncia protegidos como patrimnio histrico e artstico. Otombamento da Serra da Barriga, em Unio dos Palmares, Alagoas, resultou dedemanda da etnia negra, assim como se criou a Fundao Palmares, posteriormente.O centenrio da Abolio e a promulgao de nova Constituio, ambos em 1988,ajudaram nessas reivindicaes.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    21/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 21/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    A idia de criao do Ministrio da Cultura surgiu no terceiro encontro, no qual seprops, para ele, "...uma estrutura leve, com atividades descentralizadas e osconselhos - Federal de Cultura, Nacional de Direitos Autorais/CNDA, Nacional deCinema/Concine e Consultivo do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional -reestruturados com a participao dos Estados e do Frum. Nessas reunies tambmse comentaram resultados da primeira lei de incentivos fiscais cultura - Lei 7.505,de 1986. No ano seguinte, o valor mobilizado por ela "j era quase igual aooramento do MinC. Foi nessa poca que o MinC encomendou um primeiro estudoeconmico do setor cultural. Realizou tambm um 'Censo Cultural' (p.87). Essecenso procurou inventariar a oferta cultural atravs da consulta a 52.149instituies, entre canais de TV, emissoras de rdio, publicaes peridicas, editorasde livros, arquivos, museus, cinemas, espaos cnicos e bibliotecas pblicas".3

    Poerner inicia seu captulo final "O governo contra a cultura"(ou seja, o desmontepraticado por Fernando Collor, a partir de 1990), mencionando que o MinC, em suacurta vida, conseguiu criar um rgo para a vertente afro-brasileira (FundaoPalmares), tornar a Funarte mais permevel s iniciativas locais e fazer com que a

    cultura passasse a ser encarada tambm como atividade econmica. "O MinC era omais enxuto dos ministrios brasileiros: tinha somente 609 funcionrios naadministrao direta; e consumia apenas 0,05% (cinco por mil) do oramento totalda Unio, o equivalente a 24 milhes de dlares". (p. 99).

    O texto de Isaura Botelho (tambm uma tese universitria, ora no prelo) maissensivel do que o de Poerner s sutilezas polticas que precederam e acompanharamas transformaes da rea cultural federal do incio da "abertura" poltica at odesmonte ordenado por Fernando Collor, em maro de 1990. Ademais, a anlisedela traduz uma viso de dentro, ou seja, do interior de uma agncia federal de

    3 Atravs de um convnio com o MinC, o Centro de Estudos da Cultura e do Consumo, da FGV/SP, fez a anlise epreparao editorial do material resultante desse recenseamento, em 1995. Infelizmente, a despeito do elevadoempenho de alguns tcnicos, deficincias oramentrias e administrativas prejudicaram as etapas posteriores coleta de dados, tal como se constatou aps a abertura da base de dados entregue pelo Ministrio. Praticamente, sas informaes relativas s bibliotecas pblicas puderam ser aproveitadas, e esto hoje disponveis no site do MinC.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    22/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 22/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    cultura que cumpriu uma trajetria, reconstituda a posteriori, a partir de umaperspectiva enriquecida pelo conhecimento das polticas culturais de outros pases (especialmente Frana e Estados Unidos), que a autora pde conhecer de perto.

    Ao contrrio de Poerner, para quem a etapa de redemocratizao se caracterizoupor um progresso linear, at seu desmantelamento abrupto, Isaura Botelho mostraque a transformao da rea cultural do MEC em Ministrio da Cultura, em 1986,foi prematura e nefasta. Na verdade, o que Collor fez, em maro de 1990, foi apenasjogar a ltima "p de cal" em instituies que j estavam irremediavelmentedebilitadas, e foi exatamente por isso que as reaes em sua defesa foraminsuficientes. Reconstituindo a histria da Fundao Nacional de Artes/Funarte,Isaura Botelho mostra como a inteno da "disteno" poltica lanada por Geiselfacilitou o aporte de novos recursos oramentrios atravs do Programa de AoCultural/PAC, lanado na gesto Ney Braga. isso que se conclui da leitura p.58,no qual ela se apoia em depoimento do diretor da Funarte poca, Roberto Parreira:

    "Tendo de priorizar a promoo de eventos para evitar as rotas de coliso com os

    outros rgos do MEC, o PAC acabou por transformar o ministrio 'num poderoso e'moderno' empresrio de espetculos, abrindo novas frentes de trabalho no mercadocultural". Segundo Roberto Parreira, o PAC era 'um grande happening cultural',onde o evento se bastava: no era gerador de nada. A abertura de mercado detrabalho, principalmente para o msico erudito, era fundamental, mas consideradoapenas enquanto tal: ... '....era mercado de trabalho, sem qualquer compromisso coma conseqncia daquele trabalho...era uma questo de sobrevivncia para o artista".

    O sucesso da Funarte (a qual seria o brao executivo do PAC, cobrindo artesplsticas, msica e folclore), tal como minuciosamente descrito no texto, apoiava-se na qualidade da equipe de tcnicos, recrutados na rea de artes e cincias sociais,segundo o seguinte critrio:

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    23/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 23/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    "O perfil exigido era uma ligao mais do que tcnica, um empenho afetivo com oproduto cultural. Esse grupo teve ao quase annima, mas profundamenteirreverente em suas relaes com o Estado." (p.63). E tambm, claro, de umaliderana igualmente jovem, que alm de contar com a confiana do ministro NeyBraga, tambm poderia ter acesso direto ao presidente da Repblica, atravs da filhado presidente, sua amiga Amlia Lucy Geisel. Houve ao menos um contato direto,no qual Parreira ouviu do presidente suas expectativas sobre o rgo.

    Na mesma conjuntura, tomava corpo com novos financiamentos a Embrafilme, daqual esperava o governo cumprisse o papel-chave de, alm de distribuir filmesbrasileiros no exterior, cuidar de promov-los "atravs da participao em festivaise mostras internacionais"... (p.70).

    Para Isaura Botelho, a tnica nacionalista (implcita na Poltica Nacional de Culturae em toda a prtica cultural federal dessa poca) se baseia numa dicotomia segundoa qual, enquanto se internacionalizavam os setores estratgicos da economia e daindstria cultural, "...o discurso nacionalista servia bem s reas secundrias, at

    ento marginalizadas do processo". (p 70).

    interessante notar que a descrio feita por Parreira do "empirismo dos primeirosanos" inclui uma referncia segundo a qual a Funarte comeou a fomentaratividades culturais (animao cultural) em nvel municipal, no a partir de umdiagnstico prvio, ou de algum princpio mais claramente justificvel; antes, onico dado que se considerou foi "...que se tinha de comear por algum lugar, e aanimao cultural, no caso, seria o financiamento (tambm genrico) de atividadesculturais propostas pelos municpios. (...) A Funarte estava ali para dizer sim.(p.73) interessante observar que instituies pblicas (secretarias estaduais emunicipais de cultura, instituies culturais por elas mantidas ou as reas de arte dasuniversidades pblicas) passam a representar a maior parte das demandas definanciamento. (p.122).

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    24/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 24/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    "Absorvendo demandas partidas de todo o pas, ainda que meio desordenadamente(p. 71) a Funarte foi destilando uma experincia de ao apoiada em duas atividadesbsicas: de execuo e de financiamento de projetos. Em contato com demandas detodo o pas, os tcnicos da Funarte am acumulando uma experincia rara - qual seja- a de estar a par do que acontecia nas artes e nas instituies culturais pelo pasafora. Uma rea de recebimento e triagem de pedidos, composta por 'generalistas',permitia captar e responder a essa demanda de modo integrado. Assim, ia-seconstituindo "um processo de construo institucional, de constituio de umaexperincia coletiva de trabalho em que o desejo de construo de um modelo deservio pblico para a rea cultural estava mais ou menos presente no corpofuncional em seu conjunto. Havia a conscincia de que se tinha de construir umaprtica o mais distante possvel do clientelismo, onde a resposta 'demanda debalco' o forte".(p. 82, grifo meu)

    Isaura Botelho comenta o comprometimento do ministro Eduardo Portella com umaviso de "vis antropolgico" que colocava em destaque, como manifestaoartstica, as expresses de cultura popular "espontnea", definindo-se por uma

    posio perante a qual a atuao da Funarte parecia "elitista". Um dos respaldosdessa tomada de posio, segundo a autora, eram as recomendaes da Unesco paraa gesto cultural em pases em desenvolvimento. Somente que tais recomendaesforam acatadas sem o devido cuidado de considerar que elas haviam sidoconstrudas para uma realidade diversa e mais atrasada do que a brasileira. Ou seja,as propostas da Unesco buscavam na verdade oferecer uma alternativa para pasesrecm-sados do colonialismo, como muitas naes africanas. Pases "recm-libertosda situao colonizada, tendo, portanto, uma situao objetiva de carncia derecursos materiais e humanos, alm de uma falta de instituies nacionais quepudessem dar conta das necessidades trazidas com a independncia". (p.88).

    Situando mais exatamente ainda as origens da ligao que a Unesco desde ento fazentre cultura e desenvolvimento, o embaixador Edgard Telles Ribeiro (Ribeiro,1989) lembra que entre elas estavam fracassos em muitas tentativas de cooperao

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    25/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 25/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    internacional que no levaram em conta a cultura dos pases beneficiados. Segundoele "as ilustraes mais significativas da pesquisa da Unesco4 foram colhidas nomeio rural. Naquele cenrio, os projetos de cooperao tcnica - transplantados doslaboratrios do primeiro mundo sem maiores atenes para as particularidadesculturais de seu porto de destino - no deixavam qualquer marca na memria dospases beneficiados. To logo terminavam os aportes financeiros, cessava aexperincia.(...) Privadas da capacidade de determinar suas prprias prioridades, equase sempre impedidas de prosseguirem com suas prprias tradies, aspopulaes objeto dessas formas de cooperao eram vtimas da distncia quesepara o estudo das carncias objetivas de determinada regio (que podem ser, defato, resolvidas com assistncia internacional) do estudo das carncias subjetivasdas populaes (que precisam ser levadas em conta como base de planejamento(Ribeiro: 1989, 78/9) pela tecnologia colocada sua disposio.

    Transpostas ao Brasil e acatadas sem mais cuidado, as teses da Unesco acabarampor fundamentar uma viso folclorizante e populista, que dava prioridade quaseexclusiva s manifestaes culturais das populaes carentes. (Botelho,p.187). O

    dado irnico, completa Isaura Botelho, "... este do retorno de um iderio (deglorificao do povo e da cultura popular) produzido pela esquerda reprimida em1964, agora como discurso oficial de um setor do governo ainda administrado pelosmilitares". (p.90).

    Ela destaca bastante o trabalho de Alosio Magalhes em modernizar a rea depatrimnio histrico, dando-lhe novos significados, inclusive "compatibilizando-a"com a ideologia da segurana nacional5. Ademais, o trabalho poltico de AlosioMagalhes, alm de se traduzir em oportuna criao de smbolos e slogans, foi o de

    4 Ribeiro esclarece no texto tratar-se de um estudo de Juan Carlos Langlois, "La dimension culturelle dans lesprojets de dveloppement", includo em Le Financement de la Vie Culturelle, publicado pela Unesco em 1980.5 Isaura Botelho comenta com bom humor a habilidade de Alosio Magalhes em forjar conceitos como os demetadesenvolvimento e paradesenvolvimento, como "componentes indissolveis do avano nacional". O primeiro

    justificaria a ao centralizadora e vertical (autoritarismo) pela necessidade de se criar infra-estrutura; o segundo,num plano horizontal, teria uma funo corretora do primeiro, identificando as necessidades ligadas acomportamentos e hbitos, usos e costumes das comunidades (e a entrava o povo e a ao do ministrio). (p.109).

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    26/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 26/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    criar instituies dentro da secretaria que ele dirigia "...Alosio Magalhes passou afragmentar instituies, criar institutos, (pois dessa forma) conseguiria umadensamento poltico do setor - inclusive pela existncia de um maior nmero dedirigentes nos novos rgos, o que levaria criao futura de um ministrio,segundo a opinio de Mrio Brockmann Machado, que havia sucedido a RobertoParreira na direo da Funarte. (p. 124, grifo meu).

    No que se refere criao do Ministrio da Cultura, Isaura Botelho localiza vriosproblemas de origem, vrias circunstncias de desprestgio. Desprestgio por tercinco ministros nos quatro primeiros anos de sua fundao. Por ver quem maisbatalhou politicamente pela sua criao (Jos Aparecido de Oliveira) abandon-lotrs meses depois, por um cargo mais importante, o de governador do DistritoFederal; por sofrer mais desgaste perante a opinio pblica e as instituiesvinculadas, enfrentando sucessivas recusas na procura de um nome para substitu-lo.(p. 248).

    Segundo Isaura Botelho, Celso Furtado foi o ministro que realmente cuidou de

    ordenar institucionalmente o ministrio. Ele seria, na verdade, algum que temia ofantasma do poder burocrtico que, aliado ao poder corporativo de sua clientelamais prxima, poderia dominar o prprio Estado e a sociedade. (p.252). Ela acreditaque Furtado, depois de ter vivido 20 anos fora do Brasil, tinha preconceitos muitofortes com relao a instituies criadas no regime militar. Via-as como "entulhoautoritrio", antes mesmo de conhec-las. (p. 254). Para ela, a criao de secretariaspor Furtado, deveriam a rigor ser instncias articuladoras do espao poltico, naassessoria do ministro, ao invs de se comportar como reas-fim do ministrio, comoramento prprio e concorrente com as instituies, como acabou acontecendo.(p.258).

    Ela diz que medida em que a redemocratizao avanava, a rea cultural foiperdendo seu carter de prioridade circunstancial (grifo meu), sofrendo perdacrescente de verbas. (p.287). A "brecha" foi se estreitando, as verbas caindo, o

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    27/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 27/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    diferencial de salrio que os funcionrios da Funarte ganhavam, em relao aoconjunto do funcionalismo, foi diminuindo at desaparecer.

    A "Lei Sarney" por sua vez implantada; ela cria a figura do intermedirio, e asinstituies culturais pblicas comeam a se habilitar tambm a seus recursos,atravs de "associaes de amigos". Reforma Tributria veio alterar a relao entreas esferas da administrao pblica, na medida em que proibia convnios entre ogoverno federal e outros escales. (p. 263). Cria-se um convnio nico com estados,controlado diretamente de Braslia; faz-se o repasse automtico de verbas, semanlises detalhadas, e o atendimento s universidades transferido para o MEC.(p.269). Tudo isso vai ajudando a estreitar o espao de trabalho da Funarte.

    Sobre diversificao de fontes "...a diversificao das fontes de financiamento se fazmesmo necessria, tal como se reconhece na maior parte dos pases, por fora dacrise econmica mundial, at mesmo naqueles onde existe uma larga tradio depresena do poder pblico no financiamento da cultura, como o caso da Frana. Adiversificao aumenta o campo de manobra dos profissionais da rea, que passam a

    ter um leque de interlocutores maior, aumentando as possibilidades de aceitao deseus projetos, j que temos a uma conseqente 'ampliao do gosto' e umalegitimao da diversidade da criao (idias e valores), o que garante a pluralidadeindispensvel ao desenvolvimento da produo artstica, sempre dificultada quandoh excessiva tutela governamental". (p.303)

    A criao do Ministrio "...aconteceu um pouco revelia da Secretaria da Culturado MEC. (Ela) assistiu a isso tudo um pouco sobressaltada. (p.245)

    "Dentro desse novo desenho institucional se fazia necessrio repensar o papel dosrgos de cultura vinculados s diversas esferas da administrao pblica(municipal, estadual e federal), o que no foi feito. Tambm com relao aosprprios rgos vinculados ao ministrio no chegou a haver nenhuma discusso edeterminao clara de competncias entre eles, o que acirrou a disputa interna por

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    28/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 28/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    poder. Se anteriormente, com uma secretaria da cultura pequena - porm forte -,estava claramente determinado que esta agia atravs de suas instituies, a criaode uma grande estrutura superposta a elas requeria, obrigatoriamente, umaredefinio desses papis. Principalmente se se considerar que na poca da criaodo ministrio da cultura, os rgos a ele vinculados eram os detentores do maiorvolume de informaes e conhecimento especializado sobre suas respectivas reas esobre sua situao nos diversos estados. No caso de alguns deles, esta informaoera mais significativa do que aquela acumulada nos prprios organismos estaduaisque, ou eram recm-criados ou tinham tido, at ento, uma poltica que seconcentrava nas capitais, desconhecendo o interior de seus respectivos estados."(p.246, grifos meus).

    O cap. V "A Funarte e a Nova Repblica" destinado a mostrar a articulaopoltica de que iria resultar o Ministrio da Cultura. O primeiro Frum Nacional deSecretrios Estaduais de Cultura foi em novembro de 1983 e reuniu somente oscinco estados "de oposio ao governo federal - SP, PR, MS, RJ, MG, sob lideranade Jos Aparecido de Oliveira, secretrio da cultura de MG.

    A dinmica do frum "se constitua em torno de grupos de trabalho formados porassessores e tcnicos das respectivas secretarias para a discusso de temas comopreservao do patrimnio, poltica cultural e administrao, fontes de captao derecursos, democratizao da cultura e sobre a legislao especfica do setor, tendoem vista a necessidade de sua atualizao".

    A partir de 1981, consolidando seu trabalho como financiadora de projetos externos,a Funarte comea a privilegiar "projetos integrados", ou seja, projetos que aomesmo tempo envolvessem produo, circulao e fruio cultural. Ela comea asuscitar esprito de planejamento nas instituies. Comea ajudar na formulao deplanos, nos quais os projetos estariam inseridos. Surge da uma noo maisconsistente de prioridades (por regies e reas artsitcas) e de potenciais deparcerias de que poderia se aproveitar a prpria Funarte.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    29/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 29/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    "Nessa leitura de todas as solicitaes que entravam (na Funarte, em prazosdeterminados, via assessoria tcnica) voc ficava sabendo no s do piano quealgum estava necessitando, como tambm do treinamento do administrador culturallocal." (depoimento de Edma Falcao, p.168). Fazia-se um inventrio de carnciase se construam linhas de investimento.

    Os fruns de cultura comeam a exigir repasse automtico de verbas. "O repasseautomtico de verbas foi uma das principais reivindicaes do Frum de Secretriosde Estado da Cultura, criado em 1982". (p.171)

    4. DE SRGIO PAULO ROUANET A FRANCISCOWEFFORT (1992-1998)

    Com a substituio de Ipojuca Pontes por Srgio Paulo Rouanet, tem incio umatentativa de recuperao da credibilidade de Fernando Collor de Mello junto scamadas intelectual e artstica. O novo secretrio de cultura, embaixador de carreira,

    deixou sua gesto conhecida pela elaborao de uma nova lei de incentivos fiscais cultura (lei 8.313/1992), para ocupar o lugar da anterior, revogada em maro de1990.

    Embora o trabalho de regulamentao que tenha feito essa nova lei efetivamenteoperacional e atrativa tenha ficado para a gesto seguinte, do tributaristaNascimento e Silva, o restabelecimento de um instrumento de incentivo fiscal eraalgo esperado pelas clientelas de artistas e produtores culturais.

    Na dcada de 90 a grande tnica da administrao cultural no Brasil, ao menos oassunto que ocupa a maior parte do noticirio relativo gesto cultural, a questoda parceria pblico-privado, que o governo federal vem buscando propor como amelhor maneira de envolver empresas e pessoas fsicas no financiamento aatividades culturais. Neste sentido, o que se discute e se publica na imprensa a

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    30/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 30/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    respeito de poltica cultural, quase s sobre esse assunto. Como diz IsauraBotelho, "a prtica vem demonstrando que parte importante do cotidiano doministrio se alimenta da administrao das exigncias burocrticas das leis debenefcios fiscais e dos recursos que advm do Fundo Nacional de Cultura,(composto de porcentagem de loterias e de fundos regionais)".

    Embora o esforo no sentido de tornar as leis atuantes e eficientes seja vlido, namedida em que significa diversificao de fontes de apoio, aumentando aspossibilidades de viabilizao de projetos que correspondam a uma pauta criativamais diversificada, dois riscos precisam ser considerados: o primeiro est emimaginar que os financiamentos atravs de incentivos fiscais possam substituir oapoio direto a projetos (a fundo perdido); o segundo o de permitir que a celebraodessa nova "parceria" ajude na dissimulao de uma interveno casustica dogoverno federal no plano da cultura.

    Segundo Isaura Botelho "...a rea de cultura requer a presena do setorgovernamental atravs de uma poltica criteriosa que se veja refletida no sistema de

    instituies que compem o ministrio. O apoio financeiro por parte do poderpblico (...) reveste-se de um carter, por assim dizer, pedaggico, com relao aosdemais segmentos da sociedade. Alm de dar suporte a atividades de mdio e longoprazos que, por suas caractersticas, no do retorno de imagem, a esferagovernamental a nica que pode encarar o setor de maneira global, contribuindopara a existncia de aes coordenadas que ataquem as inmeras carnciasexistentes. Desta forma sua presena no s estimula a prpria produo artstica ecultural, como tambm a valoriza perante aqueles que prioritariamente investem emarte por razes de imagem e no por seu valor intrnseco". (p. 304).

    Em fins de 1998, quando se colocou a possibilidade de reeleio do presidenteFernando Henrique Cardoso, e, por conseguinte, a de reconduo do ministroFrancisco Weffort, o Ministrio da Cultura editou uma coleo de textos - Um olhar

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    31/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 31/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    sobre a cultura brasileira, organizada pelo prprio ministro e pelo diretor daFunarte, Mrcio Souza.

    Os textos reunidos no volume, escritos na quase totalidade por altos dirigentes doministrio, alm do objetivo bvio de mostrar o que fora feito nos quatro anos dagesto que, em princpio, estaria acabando, tem duas virtudes que merecemdestaque: a primeira o fato de reunir em um s volume uma paisagem das maisvariadas reas da cultura brasileira, abordadas de perspectiva crtica, e na maioriadas vezes referida ao da administrao federal; a segunda a de no esconderalgumas das grandes carncias ou atrasos do pas em matria de artes e patrimnioartstico e histrico. Entre essas carncias ou problemas eu destaco trs: o dficit deleitura; a degradao fsica e subutilizao do patrimnio histrico; o encarecimentoda temporada de pera. A razo que elas, a meu ver, abrem questes centrais degesto cultural.

    A insuficincia ou dficit de leitura entre brasileiros. Ela aparece mensurada atravsdo ndice de 2,4 livros produzidos por habitante/ano, enquanto na Frana 7 e nos

    Estados Unidos, 11. Retirando-se do total produzido os livros didticos, em geral deleitura obrigatria e distribuio gratuita, o dficit se mostra ainda pior: 0,8 livrosper capita/ano, estimado para o ano corrente de 2000. (p.42/3).

    Entre as causas mltiplas, mas bem conhecidas, do problema, esto a escassez decanais de distribuio (26 mil bancas de jornais e menos de mil livrarias, "a maioriaem dificuldades"). As tiragens insuficientes (3.000 exemplares no Brasil, contra30.000 em pases adiantados, encarecendo o preo final). "O livro livrementecomprado pelos cidados um mercado que no se desenvolve", diz o texto,salientando o conhecido estrangulamento dos canais de distribuio, alm do custofinal, que deixa o preo mdio final do livro equivalente a um dcimo do salriomnimo.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    32/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 32/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    As compras de livros por parte de bibliotecas pblicas so quase nulas". Essasbibliotecas so 3.896, na grande maioria municipais, das quais 356 (ou 9,1%)possuem computador e 2.500 (64%) no possuem sequer uma copiadora, segundopesquisa recente feita pelo minC. As estimativas de um nmero razovel para oBrasil so da ordem de 10 a 15 mil bibliotecas pblicas, para atingir um nvel comoo da Espanha ou da Itlia. (p.43).

    A anlise do setor editorial encaminha-se para justificar o Programa "Umabiblioteca em cada municpio", no qual o minC repassa a prefeituras ou estados umaverba de at 40 mil reais, destinados compra de 2000 volumes para iniciar umacervo, podendo parte da verba cobrir itens como estantes, mobilirio e afins. Aconstruo do prdio, o telefone, o salrio da bibliotecria, so por conta daprefeitura ou estado.

    Quanto ao desgaste fsico do patrimnio histrico e artstico, a estatstica alarmante: "Segundo dados do IPHAN, cerca de 50% dos imveis histricos sobtutela federal encontram-se degradados e 25% esto exigindo alguma obra de

    recuperao". Logo a seguir acrescenta-se que aproximadamente dois teros dessesimveis encontram-se abandonados ou subutilizados". Estimativa de custo de umbilho de dlares para recuperao e 50 milhes anuais para manuteno. (p.147).

    O terceiro aspecto, o encarecimento do custo de uma temporada de pera, aparecedentro de um discurso que lastima o declnio dessas apresentaes no Brasil, quandocomparado com a situao prevalecente at os anos sessenta. Naquela poca "...osteatros municipais do Rio de Janeiro e So Paulo apresentavam regularmentetemporadas com quatro a cinco produes. A qualidade das produes variava deano para ano, mas o pblico era fiel. O custo das temporadas era absorvido em partepelos poderes municipais e estaduais, mas os empresrios investiam nas produes,especialmente nas co-produes ou nas importaes de cenrios, figurinos, cantoreslricos e maestros. O custo dessas temporadas era realista, e a soma da bilheteria e aajuda oficial amortizava os investimentos. Na dcada de 1970, essa economia

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    33/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 33/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    modesta e rotineira varrida de cena. A pera, no Brasil, passa a ser superproduo,a exigir investimentos de mais de 3 milhes de dlares em cada montagem, um saltoinflacionrio brutal para os antigos 100 mil dlares por montagem das temporadasdo passado. Com essa inflao de custos o pblico fiel desse gnero se viu alijadodos teatros municipais pelos ingressos dispendiosos". (pp.212/ 214).

    Pela sua caracterstica nica de ser uma publicao abrangente e capaz de fazer obalano, quando menos dar uma idia geral da situao de cada gnero artstico noBrasil, contrastando seu estado atual com o desejvel, e propondo quaisinstrumentos de poltica cultural poderiam reduzir tanta distncia, seria de esperarque o livro de Weffort e Souza fosse objeto de muita ateno e debate nos meiosartsticos e acadmicos6. Alm dos estudos e observaes de tendnciasquantitativas proporcionados pela existncia de leis de incentivo fiscal cultura(que compem, alis, os dois ltimos captulos do livro de Weffort e Souza, cabemencionar o estudo que o minC encomendou Fundao Joo Pinheiro, de BeloHorizonte, e que se encontra disponvel no seu site.

    A Fundao Joo Pinheiro, de Belo Horizonte, j tinha uma experincia prvia deum primeiro e preliminar estudo de economia da cultura, divulgado em uma pocaem que muito pouca gente, inclusive e sobretudo economistas, se interessaria peloassunto. O segundo estudo - Pesquisa de Economia da Cultura - traz dados maissistemticos; acompanha as tendncias do dispndio governamental no perodo1986 a 1995. Quanto aos gastos federais, mostra como os gastos declinam noperodo de Collor para depois se recuperar. E que os dispndios estaduais emunicipais (considerados apenas os 27 municpios que so capitais de estados) tmuma tendncia inversa, como que "substituindo o governo federal" quando os gastosdestes declinam. De todo o modo, a constatao de que os gastos governamentais

    6 Lamentavelmente, porm, a nica repercusso do livro at esta data (maio de 2000) parece ser a acusao, pelaimprensa, de ele ter tido um custo de produo editorial abusivo. Sem dvida, a opo editorial por um formatoartstico transformou o resultado final em algo mais para ser visto do que lido, como o so os livros de arte de modogeral.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    34/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 34/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    em cultura so de 5 reais per capita/ano, pouco encorajadora. Considerando-se quesomente um tero dos municpios/capitais-estaduais gastam quase 90% do total,tem-se uma idia clara da enorme concentrao que isso significa. No que se referes leis de incentivo, a pesquisa mostra que as duas leis federais juntas financiammais de quatro quintos de todos os projetos culturais, cabendo o restante a 12 leisestaduais e 17 municipais.

    O estudo em questo foi bastante divulgado pelo minC, em uma poca em que osseminrios e as publicaes interessadas em marketing cultural se expandiamrapidamente. Os dois pontos em que se insistiu muito na divulgao foram:primeiro, o poder de criao de empregos na rea cultural, que seria 16 vezessuperior ao investimento na indstria de transformao, para a mesma massa deinvestimento. Em uma poca de retrao da capacidade de gerao de emprego naeconomia brasileira em seu todo, a notcia ganhou particular interesse; segundo, osucesso das leis de incentivo fiscal cultura em sua capacidade de atrair um nmerocrescente de empresas.

    preciso frisar que o estudo da Fundao Joo Pinheiro foi divulgado apenas emuma verso que sintetiza os principais resultados, no tendo havido, ao que se saiba,uma exposio e discusso mais aprofundada de sua metodologia. De todo o modo,ele rene as estatsticas de dispndio pblico que at ento eram fragmentrias,assim como pela primeira vez dimensiona o setor cultural como parte da economiabrasileira. Ou seja, um setor que ocupa 510 mil pessoas (trs quartos das quais narea privada dos mercados culturais) e que representa 1% do produto interno bruto:6,5 bilhes de reais. O estudo mostra que sade no ocupa mais de 2,2% e educao3,1% da fora de trabalho, o que salienta, por aproximao e diferena, aimportncia econmica da cultura. Um outro estudo encomendado pelo minCanalisou a estrutura econmica da indstria de cinema no Brasil e sua insero nomercado udiovisual internacional.7

    7 Ver, no site do minC, A Economia do Cinema no Brasil, clicando-se em Economia da Cultura.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    35/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 35/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Durante os anos noventa tambm ocorreram outras iniciativas de quantificao narea cultural brasileira, indispensveis para uma viso mais orgnica do setor. Solevantamentos, mapeamentos e cadastros executados por rgos pblicos, poruniversidades, por organizaes no governamentais ou mesmo por pesquisadoresautnomos. So trabalhos puramente documentais, que no rendem na mdia, masque so indispensveis, sobretudo porque juntam muita informao e comprovam aexistncia, no pas, de uma rede cada vez mais densa de artistas, produtoresculturais, grupos, instituies, equipamentos, fontes de recurso, etc. Uma viso novae mais otimista da vida cultural brasileira se torna assim possvel, na medida emque essa massa documental tenha condies de atualizao e disponibilizao,ajudando a desacreditar a postura ctica que se alimenta da desinformao, mas queinsiste em acreditar que o campo cultural brasileiro continua sendo um abismalvazio. Servem aqui de exemplos iniciativas como os censos culturais j realizadospara os Estados de So Paulo (pela Secretaria Estadual de Cultura de SP, quetambm organizou o Mapa Cultural Paulista), de Minas Gerais e Bahia (realizadospelo escritrio Informaes Culturais, de So Paulo). Tais censos inventariaramtodos os espaos e equipamentos culturais disponveis. Outro exemplo o "captulo

    Brasil" que o Centro de Estudos da Cultura e do Consumo, da EAESP/FGV,organizou para a Organizao dos Estados Iberoamericanos, com sede em Madri,juntando e organizando informaes sobre instncias governamentais, nogovernamentais e privadas com ao na rea cultural, associaes de artistas etcnicos, de arrecadao de direitos autorais, cadastros de artistas das mais variadasespecialidades. O minC organizou um Censo de Oferta Cultural, em 1988, do qualuma parte est disponvel em seu site. Ele organiza tambm um Cadastro de EventosCulturais, por municpio, e disponibiliza em seu site o Sistema Aberto de Cultura eInformao/SACI, que um conglomerado dos mais diversos acervos. O enormeavano da informtica na ltima dcada tem ajudado muito nesse esforo, cujoresultado se ver melhor quando emergir - espera-se - uma demanda(governamental, associativa, empresarial e acadmica) por estudos e servios queexijam uma viso mais completa, precisa e orgnica da rea.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    36/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 36/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Por fora dos interesses que se organizaram em torno das leis de incentivo fiscal, desua operacionalidade e de seu interesse na estratgia empresarial, os anos noventatambm foram prdigos em debates que reuniram artistas, produtores culturais,tcnicos do setor pblico e gerentes de marketing. Embora oportuna, atransformao desses debates em livros (Mendona, Marcos, 1994; Mendes deAlmeida, C., Informaes Culturais, 1998) no chegou a suprir a falta de estudosmais sistemticos, inclusive de um bom manual de marketing, que, alis, s pode serconstrudo em cima do conhecimento da estrutura e do volume de cada um dosmercados culturais, o que supe, por sua vez, uma quantidade e diversidade deinformaes que ou no existem no Brasil, ou so de domnio privado dasorganizaes que os produzem ou os compram (Colbert, 1997).

    O Primeiro Frum de Integrao Cultural "Arte sem Fronteiras" aconteceu emnovembro de 1998, em S. Paulo, e reuniu dirigentes e tcnicos de inmerasagncias, alm dos adidos culturais dos pases da regio. Teve patrocnio do Sesc eda Unesco e seu temrio girou basicamente em torno das condies e possibilidadesde integrao cultural no continente, como condio de reforo de identidades

    culturais e de consolidao democrtica. Entre as propostas desse evento destacou-se a necessidade e a urgncia de circulao de mais e melhores informaes sobre avida cultural e sobre os seus suportes econmicos, legais, polticos eadministrativos, em cada pas do continente.

    Um tema final, em conexo com as mudanas mais recentes no cenrio das polticasculturais (inclusive presente no Frum acima citado) e exacerbado pelaglobalizao, o da relao entre poltica cultural e diplomacia.

    Apesar de o Brasil ter uma diplomacia muito prestigiada internacionalmente, osdiplomatas brasileiros muito pouco avanaram em uma reflexo sobre a dimensocultural nas relaes internacionais. Existe apenas uma monografia publicada pordiplomata brasileiro sobre o assunto (Ribeiro, 1989). Segundo o autor, buscandouma delimitao inicial, o universo da diplomacia cultural recobre as seguintes

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    37/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 37/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    atividades: intercmbio de pessoas; promoo da arte e dos artistas; ensino delngua, como veculo de valores; distribuio integrada de material de divulgao;apoio a projetos de cooperao intelectual; apoio a projetos de cooperao tcnica;integrao e mutualidade na programao (p.21).

    uma obra felizmente rica em material para situar os principais momentos deintegrao da cultura nas relaes internacionais dos pases mais poderosos nosculo XX. Ela serve de base principal aos comentrios que seguem.

    Considerem-se de incio os pases europeus que se projetaram internacionalmente apartir dos sculos XVIII e XIX como metrpoles coloniais. Eles construram, desdeo incio do sc. XX, (mas com forte avano imediatamente antes e durante asegunda guerra mundial) redes institucionais para difuso e imposio de seuidioma e de sua tradio artstica, como o caso da Frana8, da Inglaterra9, daAlemanha10, concentrando recursos segundo prioridades ditadas por suas diretrizesde poltica externa (Ribeiro, 1989; Ministre des Affaires Etrangres (Frana), 1984e 1995).

    8 Em final dos anos oitenta a Frana administrava uma rede com mais de 100 liceus, 250 centros ou institutosculturais e 1.200 filiais da Aliana Francesa, com aproximadamente 500.000 estudantes matriculados. A partir dadescolonizao, o francs passou a ser o trao comum de mais de 140 milhes de pessoas em 32 pasesindependentes. O Ministre des Affaires Etrangres, atravs da Direo Geral para as Relaes Culturais,Cientficas e Tcnicas, hoje coordena a poltica cultural externa da Frana, orquestrando a repercusso no exteriordas atividades da Radio France Internationale, Instituto Nacional do Audiovisual, entre outros. (Ribeiro, 1989,pp.54 e 55).9 O British Council comeou a atuar culturalmente em 1934. Suas atividades vo "desde o ensino da lngua e aformao de professores de ingls, ao intercmbio acadmico e profissional no campo da cincia, das artes e da

    tecnologia. A entidade organiza, alm disso, concertos, exposies de artes plsticas, feiras de livros e mostrasteatrais. A BBC e o Central Office of Information tambm fazem parte do sistema de informao. O Foreign Officeacompanha a programao da BBC.(Ribeiro, 1989, p.60)10 A partir dos anos sessenta a Repblica Federal da Alemanha incluiu cultura em sua estratgia internacional,visando remover o estigma deixado pelo nazismo e recuperar seu prestgio. Ribeiro enumera o enorme avanoconseguido atravs do trabalho de vrios organismos federais de informao e cultura que atuam na reainternacional. Por exemplo, o Instituto Goethe, com aproximadamente 170 centros de estudo espalhados porsessenta e cinco pases. A Direo de Relaes Culturais do Ministrio dos Negcios Estrangeiros tem acoordenao do sistema.

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    38/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 38/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    O uso da cultura como dimenso da poltica internacional, no caso dos EstadosUnidos, tambm teve a ver com a Segunda Guerra Mundial, com a criao de umaDiviso de Relaes Culturais no Departamento de Estado. "Tambm em funo dasegunda grande guerra, a Amrica Latina viria a ser o primeiro continente a receberinstitutos culturais norte-americanos. A exemplo do ocorrido com os centrosingleses, franceses e italianos, esses institutos, que haviam originalmente surgido deforma mais ou menos espontnea graas ao esforo das comunidades de americanosresidentes na Amrica Latina, logo passaram a receber apoio financeiro e logsticodo governo norte-americano. Em 1946 j havia 27 desses institutos culturais emtodo o mundo, a maior parte deles na Amrica Latina". (Ribeiro, 1989, p.62; vertambm Moura, 1984).

    Em 1953 o governo norte-americano cria a USIA/United States InformationAgency, e com ela inicia-se o declnio da influncia do Departamento de Estado emmatria de planejamento e controle das atividades culturais e de informao norte-americanas no exterior. Mas, de modo geral, segundo Ribeiro, seja pela conjunturada guerra, seja depois pelo confronto ideolgico com a Unio Sovitica, as

    atividades culturais da poltica externa americana nunca perderam completamentealgum carter de propaganda.

    Ribeiro sustenta que o Brasil precisa desenvolver a uma ao diplomtica maisconsistente e desejvel em matria de cultura; uma ao planejada e devidamentefundamentada no princpio de mutualidade, ou de igualdade reconhecida entreparceiros, e sobretudo fundada em uma viso de longo prazo (visto que a ansiedadepor efeitos mais rpidos denuncia uma inteno propagandstica, reduzindo suaprpria eficcia). (p.71).

    Por outro lado, as programaes culturais a serem feitas com o apoio da diplomaciadeveriam ouvir "as reais necessidades dos pases de destino", ou seja "os artistas eintelectuais do pas-alvo das programaes deveriam ser consultados". (p.91)

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    39/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 39/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Ribeiro se mostra entusiasmado com o acordo ento recente entre Itamaraty, minCe MEC, e tambm com a recente criao do minC abrindo a possibilidade de,internamente, o governo federal comear a agir com estratgia. Tambm acreditavana possibilidade de criao de uma linha de incentivos fiscais para alimentar umFundo para a Promoo da Cultura no Exterior.11 Quanto ao passada, lembra opapel importante da diplomacia brasileira em articular a divulgao e acomercializao do cinema brasileiro no exterior, em convnio com a Embrafilme,assim como uma srie de outras iniciativas de apresentao da arte brasileira emoutros pases das quais teria resultado um efeito positivo de alavancagem.

    Apesar desses fatos encorajadores, o diplomata previu em seu livro um cenrio"lento e sinuoso" para a diplomacia cultural brasileira. Enfatizou que s com umaao menos casustica e passiva12 o Brasil conseguiria edificar uma diplomaciacultural compatvel com "a parcela de influncia que lhe cabe no cenriointernacional". (p.101). Certamente, a sinuosidade e a lentido foram sua maneirade imaginar o quanto se teria de caminhar at comear a reverter uma situaooramentria muitssimo desfavorvel, como a descrita nesta comparao:

    "...a faixa mdia das despesas de alguns pases desenvolvidos com projetos dedifuso cultural e assistncia tcnica, no perodo 1986/7, teria sidoaproximadamente a seguinte: Frana, 1,2 bilho de dlares; RFA, 996 milhes;Japo (...) 510 milhes; e Gr-Bretanha, 370 milhes. O Brasil, em comparao, nogastaria, de momento, mais do que 1 (um) milho de dlares com projetos nessasreas". (p.71).

    11 No se encontrou em outras fontes nada relativamente a esse fundo.12 Passiva no sentido de apenas acatar o que solicitado que se difunda no exterior, aquilo que provm de clientelasestabelecidas, sem uma discusso estratgica. Mantida em seu nvel casustico e passivo, a ao cultural dadiplomacia no passaria de "uma pequena ferramenta de trabalho" que, por ser pequena, acaba ficando em ltimolugar na definio de prioridades e de alocao de verbas. Segundo ele, a poltica federal de cultura no exterior prisioneira de uma "viso de trincheira", caracterizada por expectativas imediatistas, com resultados quase semprenegativos para a realizao de programas. So aes reativas a convites recebidos de fora, com mero sentido deoportunidade. ( p.35).

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    40/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 40/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Infelizmente, a previso pessimista do embaixador confirmou-se, e o caminho "lentoe sinuoso" acabou terminando em recuo, com o fechamento, durante os anosnoventa, por razes de dinheiro, de vrios Centros de Estudos Brasileiros mantidospelo Ministrio das Relaes Exteriores, segundo comentrios que ouvi dediplomatas.

    5. POLTICA CULTURAL EM SO PAULO, SP (DE S.

    MAGALDI A M. CHAU, 1976-1992)O Partido dos Trabalhadores/PT - nascido da luta sindical dos operrios da regiodo ABC Paulista, no incio dos anos oitenta - chegou a incluir a poltica culturalcomo objeto de reflexo e de programa. Em um opsculo (78 p.) datado de 1985(Poltica Cultural, por Marilena Chau, Antonio Cndido, Llia Abramo e EdlcioMostao, Porto Alegre, Mercado Aberto, 2a. ed.) encontra-se uma tentativa de fixara posio do partido a respeito. Os autores reconhecem que seu texto "...alm de ternascido de pessoas com histria prpria e com preconceitos prprios sobre a

    cultura", o texto que produziram em comum tambm reflete idias contidas emdocumentos chegados executiva nacional do partido O uso intensivo de Marxcomo fonte de referncia para a compreenso das relaes entre Estado, classesocial e cultura, leva os autores, desde o primeiro pargrafo, a mostrar o prisma queadotam e a nfima autonomia que reservam produo simblica em relao lutasocial e poltica:

    ( preciso levar em conta...) "...o papel da cultura seja como fator de discriminao

    scio-poltica, seja como instrumento de dominao ideolgica, seja como forma deresistncia das classes dominadas, seja, enfim, como forma de criao compotencial de emancipao e de libertao histrica". (p.5)

    No o caso aqui de buscar uma sntese do documento, mas apenas assinalar queele deixa muito pouco espao para a anlise das polticas culturais at ento

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    41/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 41/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    praticadas no Brasil, uma vez que a tnica maior, para no dizer obsesso, a deapontar os interesses econmicos inscritos na lgica da indstria cultural, e osinteresses ideolgicos de classe subjacentes maioria das iniciativas tomadas emeducao e cultura, especialmente pelo regime militar, quela altura o grandeadversrio a enterrar. S para ilustrar o exguo espao de autonomia da cultura navida social e da gesto cultural em relao ao conjunto de um governo, o texto emquesto, referindo-se a um documento do MEC, onde se fala de desenvolvimentocultural, comenta o seguinte: "... dito que o Estado ter interesse na conservaodo patrimnio histrico (o projeto da Memria Nacional de Aloisio Magalhes) ecom 'a dimenso cultural entendida como manifestao popular e erudita, masvoltada prioritariamente para a criatividade popular, valorizando a comunidade e aregio'. Irritados com esta meno ao popular, rebatem os tericos do PT: "[paraeles]...chegou a vez de controlar, portanto, a cultura popular". (p.43).

    Tal posicionamento implica tambm tratar com desprezo a competncia presumidados que tomaram decises nessa rea, uma vez que, para os tericos do PT, talpresuno de competncia seria, na melhor das hipteses, limitada pela diviso entre

    trabalho intelectual e manual, portanto parcial e incompleta. Implica tambmimaginar que nada de autntico possa ser feito para promoo da cultura popularfora do mbito de um partido com base nas classes populares.

    Mas importante notar que os autores registram o lugar menor que as bases de seupartido devotavam s artes. Um dos quatro pontos comuns que eles dizem terdetectado na documentao recebida das bases e da cpula do partido para aelaborao do documento seria o seguinte "...considerando a crise econmica epoltica do pas e o papel central na transformao histrica desempenhado pelosmovimentos das oposies sindicais, parece haver, por parte da Executiva Nacional,pouco interesse e pouco empenho por uma poltica cultural, considerada, ao queparece, uma espcie de luxo, de suprfluo ou de sobremesa das coisas 'srias', isto, a economia e a poltica". (p.16, grifo meu)

  • 7/31/2019 Politica Gesto Cultural - FGV

    42/112

    EAESP/FGV/NPP - NCLEODE PESQUISAS EPUBLICAES 42/112

    RE L A T R I O D E PE S Q U I S A N 13 /2000

    Trs anos depois dessa publicao, o Partido dos Trabalhadores venceu a eleiopara a Prefeitura Municipal de So Paulo, com a candidatura de Lusa Erundina. Oprimeiro dos autores do livro, Marilena Chau, foi nomeada Secretria da Cultura.Alguns anos depois de finalizado seu mandato, publicou-se um caderno destinado aregistrar os resultados da gesto (Faria, H. e Souza, V. , 1992)

    As razes para incorporar este novo texto anlise so vrias: primeira, o fato deum partido poltico ter despendido energia para pensar poltica cultural, fato inditono Brasil e raro no mundo13. Segunda, as dimenses da Secretaria Municipal deCultura de S.Paulo/SMCSP, que foi o "laboratrio" da concepo petista de gestocultural, so enormes, em termos de oramento, pessoal e instalaes14. Terceira: operfil de pblico no municpio de S.Paulo muito diferenciado, posto que na cidadevivem desde segmentos ricos e cosmopolitas, at os mais populares e de origemrural recente, inclusive alguns remanescentes de indos guarans. Quarta: o Partidodos Trabalhadores est empenhado em acumular experincia poltico-administrativa,louvvel empenho do qual, alis, resulta o prprio texto de Faria e Souza. Quinta: onvel municipal est ganhando relevncia no conjunto da administrao pblica, e,

    em particular, no que se refere s polticas sociais.

    13 Val