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Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP José Milton Pinheiro de Souza O PCB e a ruptura da tradição: dos impasses das formulações do exílio ao exílio da política no Brasil (1971-1991) Doutorado em Ciências Sociais São Paulo 2014

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Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP

José Milton Pinheiro de Souza

O PCB e a ruptura da tradição: dos impasses das for mulações do exílio ao exílio da política no Brasil (1971-1991)

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo

2014

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais

José Milton Pinheiro de Souza

O PCB e a ruptura da tradição: dos impasses das for mulações do exílio ao exílio da política no Brasil (1971-1991)

Doutorado em Ciências Sociais

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais sob orientação do professor Dr. Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida.

São Paulo

2014

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Banca Examinadora:

Titulares:

_____________________________________ Antonio Rago Filho

______________________________________

Jason T. Borba

______________________________________ Lincoln Secco

_______________________________________

Lúcio Flávio R. de Almeida (Orientador)

________________________________________ Luiz Bernardo Pericás

Suplentes:

_______________________________________ Marcos Del Roio

________________________________________

João Machado Borges Neto

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A intelligentsia russa cedo me inculcara que o próprio sentido da vida consiste em participar conscientemente da realização da história. Quanto mais penso

nisso, mais me parece profundamente verdadeiro. Isso significa pronunciar-se ativamente contra tudo que diminui os homens e participar de todas as lutas

que tendem a libertá-los e engrandecê-los. Que essa participação seja inevitavelmente manchada de erros não minimiza o imperativo categórico; pior

erro é viver para si, segundo tradições totalmente manchadas de desumanidade. Essa convicção me deu, como a um certo número de outros, um destino bastante excepcional; mas estávamos, estamos bem na linha do desenvolvimento histórico, agora se vê que, por toda uma época, milhões de

destinos vão seguir os caminhos que fomos os primeiros a trilhar. Na Europa, na Ásia, na América, gerações inteiras se desenraizam, engajam-se

profundamente nas lutas coletivas, aprendem a violência e o grande risco, experimentam cativeiros, constatam que o egoísmo do “cada um por si” está

caduco, que o enriquecimento pessoal não é a finalidade da vida, que os conservadorismos de ontem só levam às catástrofes, sentem a necessidade de

uma nova tomada de consciência para a reorganização do mundo.

Victor Serge

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A história, cujo objetivo precípuo é observar as mudanças que afetam a sociedade, e que tem por missão propor explicações para elas, não escapa ela

própria à mudança. Existe portanto uma história da história que carrega o rastro das transformações da sociedade e reflete as grandes oscilações do

movimento das ideias.

René Rémond

Page 6: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

O concreto é concreto porque é síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o

processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida também da

intuição e da representação.

Karl Marx

Page 7: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

Escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever

a história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico.

Antonio Gramsci

Page 8: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

Dedicatória

Para os camaradas do Partido Comunista Brasileiro (PCB),

assassinados pela ditadura burgo-militar de 1964, cujos corpos se encontram,

até hoje, desaparecidos: Nestor Veras, Jayme Miranda, David Capistrano da

Costa, Célio Guedes, José Roman, Élson Costa, José Montenegro de Lima,

Hiram de Lima Pereira, Itaír José Veloso, Luiz Ignácio Maranhão Filho, Walter

de Souza Ribeiro, Orlando Bonfim Júnior e João Massena Melo. Sua luta

continuará presente em nossas mãos.

Para Sofia Manzano, minha mulher e camarada, pelo amor e o carinho

da nossa convivência. Mas também por fazer parte dessa trajetória, com sua

constante ajuda no desenvolvimento da pesquisa e na construção da tese.

Nossas reflexões foram fundamentais.

Page 9: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

Agradecimentos

A pesquisa científica e a construção de uma tese percorrem caminhos

nem sempre trilhados pelo autor. Nesse percurso, sempre contamos com um

conjunto de anônimos que nos fazem avançar no sentido de desvendar a

verdade, neste caso, política e histórica.

Para meus pais, Raimunda e Manoel, que com a simplicidade da cultura

operária despertaram em mim o prazer e a determinação pelo estudo.

Para o professor Lúcio Flávio, orientador do trabalho que, com seu rigor

acadêmico e sua generosidade contribuíram com a minha pesquisa e a

confecção da tese.

Para a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) que possibilitou, com a

minha liberação, as condições para que pudesse realizar minha pesquisa,

contanto inclusive com bolsa. Também para os colegas do DEDC II que

aprovaram em plenária departamental o meu afastamento para a qualificação.

Para meus filhos, Ana Carolina, Paulo Daniel, Mariana e Milton

Salustiano que sempre respeitaram a minha ausência em virtude de meus

compromissos políticos e acadêmicos.

Para os colegas e amigos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB),

Aldrin Castellucci, Elisa Lemos, César Leiro, Paulo Santos Silva, Iacy Maia

Mata e Robério Souza pelo constante debate no sentido de desvendar os

impasses da vida acadêmica e da participação docente.

Para os amigos Angélica Lovatto, Paulo Barsotti, Luiz Bernardo Pericás,

Graziela Forte, Marcos Del Roio, Lincoln Secco e Luiz Eduardo Motta pela

nossa constante presença nas mesas em que a conversa rende as mais

profundas reflexões e ao intenso prazer do convício pessoal, em especial, na

noite paulistana.

Para os camaradas e amigos Edmilson Costa, Cesar Mangolin e Antonio

Carlos Mazzeo, pela relação pessoal de intenso debate, militância política e

camaradagem.

Para meu enteado Yuri Manzano, parceiro de viagens e de longas

conversas sobre temas exóticos.

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Para os colegas do Programa de pós-graduação em Ciências Sociais da

PUC-SP, Vanderlei Nery e Débora Lessa, pela companhia e pelo debate que

tivemos.

Para Kátia, funcionária do programa de pós-graduação da PUC, pela

gentileza e desprendimento na resolução de nossos constantes problemas.

Para os colegas e companheiros do NEILS, pelo constante debate que

tem sido realizado em virtude da ampla e plural produção científica que o grupo

de pesquisa desenvolve.

Para Fábio Margherito, que deu uma imensa contribuição ao transcrever

as diversas entrevistas da minha pesquisa.

Para os amigos do Buteco de Milium, no bairro do Tororó, em Salvador,

onde me encontro com algumas particularidades da cultura baiana.

Para o amigo Claudimar, do Espaço Cultural Latinoamericano (ECLA)

pela solidariedade e pela constante divagação sobre o mundo e sobre o prazer

da noite.

Para os velhos camaradas Hermine, Ernesto e Geraldo Martins pelo

compromisso constante com a luta e pela rotineira solidariedade.

Para os intelectuais e dirigentes políticos Zuleide Faria de Mello, José

Salles, Anita Leocádia Prestes, Marly Vianna, Marco Antônio Tavares Coelho e

Milton Temer, que me receberam e me atenderam com extrema generosidade

nos vários encontros quando os entrevistei.

Para o professor Antonio Rago Filho, pelas contribuições que deu no meu

exame de qualificação.

Para os colegas e amigos da editoria do blog Marxismo21, Danilo

Martuscelli e Luciano Martorano pelo plural e constante debate.

Page 11: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

Resumo

O objetivo central desta tese é contribuir para desvendar os caminhos que

levaram à crise política e orgânica do PCB no final dos anos 1980. Para tanto,

buscou-se investigar, tendo como balizas temporais o período de 1971 a 1991,

como o PCB, na procura da democracia formal, rompeu com a sua tradição

histórica de luta e subalternizou a classe operária no seu amplo conjunto de

interpretação teórico-político. Nossa hipótese é que as formulações políticas

desenvolvidas pelo núcleo dirigente estagnado (CC), que se encontrava

majoritariamente exilado em virtude da ditadura burgo-militar, levaram ao exílio

da política na conjuntura brasileira na longa transição democrática. Este

partido, operador político que se formou para defender o programa político-

social do proletariado, sucumbiu à legalidade da ordem burguesa em virtude

das suas formulações e da prática política subalterna desenvolvida pela sua

direção no período estudado. O seu arcabouço analítico foi herdeiro da

Declaração de março de 1958 e contribuiu para derrotar o partido durante o

processo de transição política da ditadura burgo-militar para a democracia

formal (burguesa).

Palavras-chave: PCB, história política, transição democrática, crise, operador

político.

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Abstract

The main objective of this thesis in to unraveling the pathways that led to the

great political and organizational crisis of PCB in the late 1980s. To this end, we

sought investigate, with the focus on the period 1971-1991, as the PCB, in the

search for space of formal democracy, broke with its historic tradition of struggle

and submitted the working class in its wide range of theoretical and political

interpretation. Our raised hypothesis is that policy formulations developed by

leading core stagnant (CC), which was mostly exiled on account of bourgeois-

military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long

democratic transition.

This party, political operator built for defends the political and social program of

the proletariat, succumbed to the legality of the bourgeois order by virtue of their

formulations and subaltern political practice developed by his direction during

the studied period. Its analytical framework was inherited from of March

Declaration (1958) and helped to defeat the party during the political process of

transition from the bourgeois-military dictatorship to the formal (bourgeois)

democracy.

Keywords: PCB, political history, democratic transition, crisis, political operator.

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Lista de siglas e abreviações

ABC paulista – As cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São

Caetano, no Estado de São Paulo, que concentram o complexo metalúrgico e

automotivo.

ABI – Associação Brasileira de Imprensa

AI-1 – Ato Institucional Nº 1

AI-2 – Ato Institucional Nº 2

AI-5 – Ato Institucional Nº 5

ALN – Ação Libertadora Nacional

ANC – Assembléia Nacional Constituinte

ASMOB – Archivio Storico Del Movimento Operaio Brasiliano

AMORJ – Arquivo de Movimento Operário do Rio de Janeiro

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

BTD – Balanço do Trabalho de Direção

CC – Comitê Central

CE – Comissão Executiva

CEDEM – Centro de Documentação e Memória

CEI – Comunidade dos Estados Independentes

CIA-PE – Companhia da Polícia do Exército

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores

CGT – Central Geral dos Trabalhadores

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CME – Capitalismo Monopolista de Estado

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CONCLAT – Congresso das Classes Trabalhadoras

CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CR – Comitê Regional

CUT – Central Única dos Trabalhadores

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DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de

Operações de Defesa Interna

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social

ESG – Escola Superior de Guerra

FDR – Fundação Dinarco Reis

FFAA – Forças Armadas

FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FIESP – Federação das Indústria do Estado de São Paulo

FMI – Fundo Monetário Internacional

IAP – Instituto Astrogildo Pereira

IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IC – Internacional Comunista

ICP – Instituto Caio Prado Jr.

ICS – Instituto de Ciências Sociais

IEVE – Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado

IGP – Índice Geral de Preços

IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais

IPMs – Inquéritos Policial Militar

JK – Juscelino Kubitschek

MCI – Movimento Comunista Internacional

MDB – Movimento Democrático Brasileiro

MPC – Modo de Produção Capitalista

MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de outubro

NEP – Nova Política Econômica

OAB – Ordem dos Advogados do Brasil

PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo

PCs – Partidos Comunistas

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PCBR – Partido Comunista Brasileiro Revolucionário

PCE – Partido Comunista Espanhol

PCF – Partido Comunista Francês

PCI – Partido Comunista Italiano

PCUS – Partido Comunista da União Soviética

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PDS – Partido Democrático Social

PDT – Partido Democrático Trabalhista

PFL – Partido da Frente Liberal

PNDs – Planos Nacionais de Desenvolvimento

PP – Partido Popular

PSD – Partido Social Democrático

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SNI – Serviço Nacional de Informação

UDN – União Democrática Nacional

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNE – União Nacional dos Estudantes

UNESP – Universidade do Estado de São Paulo

UNICAMP – Universidade de Campinas

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

VO – Voz Operária

VU – Voz da Unidade

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Sumário

Introdução ........................................ ........................................................... 18

1. Antecedentes dos impasses políticos e orgânicos: do VI Congresso do

PCB à articulação do núcleo dirigente no exílio. .. .................................... 31

1.1 As tensões da política brasileira: o golpe de 1 964 e o PCB ............... 32

1.2 A linha política definida no VI congresso .... ........................................ 48

1.3 VI Congresso do PCB: as contradições políticas e o distanciamento

da perspectiva socialista ......................... ................................................ 54

1.4 A visão estratégica e a ditadura da tática no PCB ............................... 58

1.5 A análise sobre o partido e o golpe nas resolu ções do VI Congresso

.................................................................................................................... 66

1.6 As rupturas políticas e orgânicas no caminho d o enfrentamento

armado com a ditadura ............................. ............................................... 67

1.7 O cenário político brasileiro no pós-golpe ... ........................................ 73

1.8 A repressão decide liquidar o PCB ............ ............................................ 82

1.9 A chegada dos dirigentes no exílio ........... ............................................ 90

1.10 A articulação de uma rotina de comando fora do Brasil e as

primeiras decisões partidárias .................... ........................................... 92

1.11 O papel da chamada “assessoria do CC” no exíl io ....................... 95

2. As formulações do PCB no exílio ................ ............................................ 98

2.1 O debate sobre o Brasil no núcleo dirigente ... ................................... 100

2.2 As resoluções políticas e os encaminhamentos pa ra as frentes de

massas ............................................ .............................................................. 103

2.3 O começo da cisão no núcleo dirigente ......... ..................................... 135

2.4 A política do PCB em disputa .................. ............................................. 139

Page 17: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

2.5 Noções da teoria marxista sobre partido e as co ntradições da prática

comunista ......................................... ............................................................ 141

3. O exílio das formulações do PCB na cena política dos anos 1980 ..... 146

3.1 Novo ciclo de lutas operárias e a posição do pa rtido ........................ 149

3.2 O debate de Prestes com o CC .................. ........................................... 154

3.3 O afastamento do partido do centro político da luta de classes...... 163

3.4 O PCB e os impasses da frente democrática ..... ................................ 167

3.5 A política de alianças eleitorais do partido .. ...................................... 169

3.6 A campanha das “diretas já” e o posicionamento do PCB .............. 172

3.7 Uma leitura da transição democrática: a formula ção do núcleo

dirigente ......................................... .............................................................. 178

3.8 A consolidação de uma linha reformista que para lisou o partido ... 180

4. A consolidação da ruptura da tradição – o PCB de sfigurado ............. 186

4.1 O VII congresso – o que fazer? ................ ............................................ 187

4.2 Ditadura e transição: os erros da linha polític a se aprofundaram no VII

Congresso ......................................... ........................................................... 189

4.3 A nova realidade brasileira e a problemática da s teses do PCB ...... 198

4.4 O VIII congresso: um partido para a legalidade burguesa ................ 207

4.5 A continuação da longa crise econômica e social ............................. 211

4.6 A crise do PCB ao final dos anos 1980 ......... ....................................... 215

4.7 Uma candidatura “redentora” para o PCB: Roberto Freire ............... 219

4.8 Aspectos da crise do “Socialismo” na URSS e no Leste Europeu ... 223

4.9 Convocado o IX Congresso do PCB: confrontos pre vistos para os

debates ........................................... .............................................................. 230

5. Considerações finais ........................... ................................................... 232

6. Referências bibliográficas ..................... ................................................ 234

Page 18: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

18

Introdução

Quem desconhece o passado, condena-se a repetí-lo.

Goethe

As principais motivações que me levaram à desenvolver esta pesquisa

advém da minha relação longeva com as lutas operárias e populares e do meu

compromisso político-acadêmico na área de Ciência Política e História Política

da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Essa dupla interface, jornada de

mais de 30 anos de participação nas lutas sociais a partir da perspectiva de

uma esquerda revolucionária de matiz marxista e compromisso acadêmico-

científico em desvelar as questões que permeavam esse arcabouço histórico-

político despertaram o interesse em aprofundar os estudos para entender a

presença da esquerda comunista, em particular o papel do Partido Comunista

Brasileiro (PCB), em um período muito complexo da realidade política

brasileira.

Entretanto, entendo que a pesquisa científica transcende a primeira

questão aqui levantada. Sendo assim, procuro desenvolver uma postura de

pesquisa que me leve a uma aproximação do real, qualificando a pesquisa

científica como um instrumento de investigação pautado em duas questões: a

escolha, evidentemente que subjetiva por um tema a ser analisado, pesquisado

e, por outro lado, o esforço de se tentar aproximar ao máximo possível o objeto

de estudo da verdade histórica.

Trata-se aqui de uma pesquisa cujo objeto é o instrumental teórico-

político da ação do PCB entre os anos de 1971 e 1991 e a crise político-

orgânica que se abateu naquele período sobre o partido. A questão da

pesquisa é saber em que medida as formulações do PCB, construídas a partir

do exílio pelo núcleo dirigente, contribuíram para movimentar a ruptura da

tradição histórica de luta dos comunistas, gerando impasses para a prática

política no Brasil ao subalternizar os trabalhadores e os ideais do partido aos

interesses do processo de transição democrática, e contribuindo para o exílio

da política do PCB na realidade brasileira. Nas duas perspectivas, leva-se em

Page 19: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

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conta que o partido era a força hegemônica e mais forte dentro da esquerda

marxista brasileira.

Alguns partidos e movimentos de esquerda atuavam expressivamente no cenário político brasileiro no início dos anos 1960. Predominava o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que, embora ilegal, viveu seu apogeu naquele período (RIDENTI, 2010, p. 27).

Este objeto de estudo e as hipóteses levantadas não se originaram de

uma escolha voluntarista. Trata-se de estudar com o devido rigor, as

desventuras do Partido Comunista Brasileiro em um período decisivo para a

sua história política e para a reorientação da esquerda brasileira. Foi naquele

período que o PCB enfrentou as suas mais sérias crises do ponto de vista

teórico, político e orgânico. E, ao mesmo tempo, foi construída uma nova

hegemonia teórico-política dentro da esquerda que se pautava na luta pela

sociedade socialista.

Portanto, o objetivo central da pesquisa é investigar a presença do PCB

nesse período histórico do ponto de vista da sua dinâmica dentro do processo

político sob controle da ditadura militar e do desenvolvimento da transição para

a democracia formal. Isso em virtude do exame das formulações do partido e

das ações que ele desenvolveu no combate à ditadura.

O escopo da pesquisa, naturalmente se deteve nos pontos fulcrais que

orientavam os objetivos do partido e que se articularam nas formulações que

designavam a estratégia partidária, bem como na ação concreta desenvolvida

pela tática dos comunistas brasileiros. O desvelamento dessa ação teórico-

política passa pela análise das fontes primárias expostas nos documentos e

resoluções do PCB durante o período pesquisado, também, pelas relações

desenvolvidas a partir da prática política.

O PCB sempre foi pródigo em interpretações da realidade brasileira.

Não importando o acerto ou erro delas. Portanto, os documentos servem como

instrumentos que foram definidores para a ação que o partido desenvolveu no

contexto do enfrentamento com a ditadura militar. Diante desse quadro é

importante entender a relevância que justifica esta pesquisa.

A sociedade brasileira sempre teve um enorme déficit democrático. É de

fácil percepção que os interesses dos trabalhadores, a presença da sua

Page 20: Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC/SP Milton Pinheiro … · military dictatorship, led the PCB to the exile of political during Brazilian long democratic transition

20

vanguarda e o pensamento social marxista nunca tiveram maior repercussão

dentro do universo das preocupações acadêmico-científicas. Portanto, é

importante desvelar essa presença no sentido de contribuir com a verdade

político-histórica.

O Partido Comunista Brasileiro, da sua fundação até o final dos anos

1970 foi a principal força política da esquerda brasileira (SANTANA, 2001;

MOURA, 2005; SILVA, 2005; ANTUNES, 2007; RIDENTI, 2010), período em

que se afirmou enquanto operador político dos trabalhadores. Ou seja,

instrumento político da classe operária para lutar pelas suas bandeiras

específicas e políticas do ponto de vista estratégico, constituindo-se numa força

de vanguarda para levar adiante o programa político dos trabalhadores na

perspectiva de realização da revolução brasileira e do projeto socialista, que

em tese, transformaria a realidade do Brasileira.

No entanto, a leitura do Brasil feita pelo PCB ganhou o componente da

formulação construída pela “Declaração de Março de 1958”. Esse documento

impactou a leitura sobre os acontecimentos decorrentes da dinâmica da luta de

classes e, paulatinamente, foi-se aperfeiçoando nas resoluções do V, VI e VII

Congressos.

Todo esse arcabouço interpretativo logo se mostrou superado para

explicar a realidade brasileira e as características do capitalismo na formação

social do Brasil. A pesquisa identificou que a dinâmica da realidade impactou o

PCB justamente por equívocos nas análises e pela opção que fez na luta

contra a ditadura e pela transição democrática. Esse processo contribuiu para

derrotar o operador político dos trabalhadores, a partir do descolamento do

papel de vanguarda e da subsunção ao processo político que subalternizou a

classe operária na longa transição.

A justificativa para estudar o PCB, se amplia para além desses aportes

aqui colocados porque, mesmo o PCB sendo bastante estudado a partir de

determinados recortes, não encontramos uma interpretação que se detenha em

analisar a correspondência entre a derrota político-orgânica do partido e as

formulações/documentos seminais. Ou seja, aqueles que foram elaborados a

partir de março de 1958 até o VII Congresso, em 1987. Este recorte priorizou

as formulações do exílio para construir a hipótese do exílio da política do PCB

na realidade brasileira nas décadas de 1970 e 1980, a partir do comando

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daquilo que qualificamos como núcleo dirigente estagnado. Portanto, trazemos

um aporte pouco estudado para procurar compreender a perda da hegemonia

do PCB na esquerda brasileira, como a derrota político-orgânica que o PCB

sofreu.

Conduzo-me, para analisar esse conjunto de textos e documentos

originais e essas práticas teórico-políticas, a partir do processo de investigação

que norteia o método marxista. A interpretação da realidade concreta nos

permite apreender a relação dialética entre incapacidade de entender a

realidade e formulação superada do núcleo dirigente estagnado, que detinha o

controle do Comitê Central do partido. As questões levantadas nessa pesquisa

tiveram como hipótese que os documentos principais do PCB, do longo curso

às resoluções do exílio, se constituíram no arcabouço teórico-político

responsável pela derrota política e orgânica que o partido teve. Essa é a

questão central que nos remeteu à pesquisa e nos permite afirmar hoje que

esses documentos tem, sim, uma grande responsabilidade sobre os rumos

tomados.

Esse arcabouço teórico-político informou uma ação concreta que

colocou o PCB na contramão do seu projeto histórico. Essa hipótese de

investigação, confirmada, nos permite afirmar que o PCB rompeu com a sua

tradição de luta na esquerda brasileira e com a sua representação política

enquanto operador que foi formado para representar o programa da classe

trabalhadora (DEL ROIO, 2007).

Esse longo declínio do PCB, marcado pelo seu afastamento do bloco

onde atuava historicamente se consolidou a partir dos impasses das suas

formulações no período de 1971 a 1991. Porém, como herdeiros da

“Declaração de Março de 1958”. As formulações políticas do PCB foram

enclausuradas no exílio dos seus dirigentes que reforçaram práticas que não

conseguiam agir na realidade concreta.

Portanto, também, as formulações foram desarticuladas pela imposição

da realidade e pelo tipo de campo político que o PCB escolheu para atuar. As

formulações do partido no exílio contribuíram para exilar o partido na política

brasileira, afastando-o do protagonismo na esquerda.

Este trabalho contém diversos aspectos periféricos que se conjuminaram

para uma totalidade explicativa sobre o processo. Esses instrumentos foram

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22

pautados pelas entrevistas, pelas conversas com a velha militância, pela

dinâmica de ir e voltar aos diversos documentos que foram, de certo modo,

interferindo no processo da pesquisa.

Podemos dizer que os caminhos da pesquisa contemplaram os

seguintes aspectos e rumos: entender, evidentemente, como se deu a ruptura

da tradição como questão principal e vinculá-la à pergunta de como isso

ocorreu na relação com as formulações impactadas pelos impasses que se

apresentaram na longa cena política do período histórico de 1971 a 1991.

Para entender esse processo, estudamos os antecedentes teórico-

políticos do VI Congresso do PCB à articulação do núcleo dirigente no exílio.

Evidentemente que essa investigação passou pelas tensões da política

brasileira, marcadas pelo golpe de 1964 e a relação desse acontecimento com

o PCB.

Temos como elemento importante para desvelar esse processo a

definição da linha política do partido, definida no VI Congresso. Evento ocorrido

na clandestinidade em 1967 e sob o impacto muito recente da ditadura. As

resoluções do VI Congresso contribuíram para reforçar as contradições

políticas que o partido já vinha desenvolvendo e serviram para assoberbar o

distanciamento da perspectiva socialista. Era o peso do passado servindo para

fortalecer o desencontro com o futuro.

Mas para aprofundar o entendimento sobre esse processo complexo fez-

se premente entender algo que foi muito forte no PCB daquele período: a

estagnação da estratégia e uma questão muito importante, a ditadura da tática

no PCB. Portanto, o operador político derrotou o operador estratégico. A partir

da pesquisa, estou afirmando que a tática do partido, independente da visão

estratégica que se tivesse, não mudava para levar a diante os objetivos dos

comunistas. Ela subordinou a revolução brasileira e a perspectiva de

transformação socialista no Brasil em uma difusa defesa da democracia formal

e das liberdades democráticas (PCB, 1984, 1987).

Essa integração na institucionalidade da ordem burguesa se revestia,

para o PCB, na melhor condição para se lutar para resolver os problemas dos

trabalhadores e contribuir para a emancipação humana (PCB, 1985).

Ainda dentro dessa abordagem explicativa, como fator de origem

genética, se fez importante analisar as posições do partido diante do golpe de

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1964, a partir das resoluções do VI Congresso. Esse procedimento é

importante para entendermos as rupturas políticas e orgânicas que ocorreram

dentro do partido, gerando diversas outras organizações que se transformaram

na grande maioria da esquerda que se armou para enfrentar, a partir de uma

perspectiva foquista, militarista e popular prolongada (luta armada do campo

para a cidade), no período entre 1968 e 1971.

Nesse mesmo contexto, o cenário político brasileiro no pós-golpe foi

marcado pelo rearranjo das frações de classe da burguesia (bancária e

industrial) que foram beneficiadas com o novo regime político e com a nova

forma de controle do Estado, se transformando no novo bloco do poder. Essa

cena política tentou velar o arrocho salarial, que foi articulado para ser uma

nova forma de exploração do trabalho e extração de mais-valia, determinou

medidas autoritárias que registravam um Estado de exceção e desenvolveu um

modelo reacionário para consubstanciar o perfil ideológico que deveria orientar

as relações sociais dentro da nação.

Esse projeto de ação política desenvolvido pelos golpistas aliava a

burguesia designada nas frações citadas, com os militares entreguistas

formados pela ideologia da “Segurança Nacional” e atrelados politicamente aos

institutos de formação dos militares norte-americanos e a uma proposta de

desenvolvimento burguês. Essa vinculação de frações de classe da burguesia

com setores reacionários das Forças Armadas pode propiciou a construção de

uma categoria explicativa para entender o período autoritário, uma ditadura

burgo-militar.

Ao lado dessas questões do cenário político brasileiro no pós-golpe, a

ditadura burgo-militar através do seu aparato repressivo decidiu liquidar a

estrutura do PCB, atacando os seus militantes e dirigentes: prendendo,

torturando, assassinando e exilando (PINHEIRO, 2012). Diante dessas

circunstâncias tão devastadoras que agiram sobre o PCB, o CC considerou

que era urgente deslocar seus quadros para o exílio.

Os dirigentes se deslocaram para a Europa do Leste, para a União

Soviética, mas também para a França, Portugal e Itália. Logo ao chegar,

procuraram articular uma rotina de comando para acompanhar as ações do

partido no Brasil, implementar tarefas, denunciar os crimes da ditadura e ao

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mesmo tempo organizar uma enorme quantidade de militantes que se

encontravam no exílio.

Para executar esse programa de ação e iluminar a reflexão do PCB, foi

criada uma assessoria do Comitê Central no exílio, com base em Paris, que iria

também organizar a confecção e a distribuição jornal Voz Operária, órgão

oficial do partido. No entanto, ao lado dessa vasta plataforma de pendências,

se desenvolvia um debate importante sobre as formulações do PCB no exílio.

Esse debate foi determinante para iluminar as posições que depois se

cristalizaram na política do partido, a partir do exílio, e que foram responsáveis

pela polêmica entre Prestes e o CC. Além contribuir para com as formulações

que derrotaram o PCB e colocaram sua política no exílio da ação real no

retorno dos dirigentes ao Brasil.

A partir dessas formulações do exílio, que são herdeiras radicais dos

documentos que se originaram na “Declaração de Março de 1958”, o núcleo

dirigente estagnado (núcleo duro do CC) desenvolveu um debate sobre o Brasil

e com base nessa análise orientou o rumo pelo qual deveria trilhar na Frente

Democrática e nas frentes de massa onde o partido deveria atuar (popular,

operária, sindical, estudantil, mulheres, etc.) para fazer, em tese, o

enfrentamento da ditadura.

Ao mesmo tempo, diante dos impasses dessas formulações e do atraso

na compreensão da realidade brasileira, o núcleo dirigente estagnado forçava

uma linha política que não tinha aderência por não entender a nova

conformação do capitalismo no Brasil. Portanto, a partir dessa brecha surgiu

uma cisão no CC, que colocava em campos radicalmente opostos o Secretário-

Geral, Luiz Carlos Prestes, e uma maioria desse colegiado.

Qualificamos de núcleo dirigente estagnado, o agrupamento que se

encontrava por longa duração no comando CC, sob a liderança de Giocondo

Dias, que não conseguia formular uma orientação teórico-política que tivesse

capacidade de responder às transformações que havia colocado o Brasil em

outro patamar dentro do capitalismo e, ao mesmo tempo, desenvolvesse os

objetivos históricos dos comunistas. Sendo assim, a política do PCB entra em

processo de disputa interna.

Essa disputa política tem rebatimentos nas noções da teoria marxista

sobre partido (CLAUDÍN, 1985; GRAMSCI, 2007; LENIN, 1977, 1978, 1984;

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LUKÁCS, 1974, 1975) e nas contradições da prática comunista dentro do PCB

na relação com essa teoria (PANDOLFI, 1995). Esse debate se prolongou, as

formulações do exílio pautaram as formulações do PCB no Brasil nos anos

1980, após o retorno dos dirigentes em virtude da anistia.

Esse instrumental analítico, colocou imensas dificuldades para o

processo de compreensão dos acontecimentos que movimentavam a

realidade, gerando transtornos e problemas para se situar dentro da conjuntura

social e política do ciclo de lutas operárias que se abriu com as jornadas do

ABC paulista.

O PCB teve, para alguns analistas (ANTUNES, 2007; MAZZEO, 1995;

SANTANA, 2001) uma posição recuada diante desse novo quadro político

impactado pela presença do movimento operário e sindical. Essa posição

contribuiu para o definhamento do partido e acirrou a disputa interna entre

Prestes e a maioria do CC. Se transformando em uma pauta com

características de ajuste de contas sobre a história recente do PCB.

Naquele período o partido desenvolvia uma inflexão teórico-política que

o afastou do centro político da luta de classes. Esse afastamento foi se

consolidando a partir da linha que estabeleceu as premissas da política de

“lutar para negociar, negociar para mudar”. Essa era a orientação que o CC

tinha dado para a ação da sua militância nas contendas da transição

democrática.

As bases dessas premissas incentivaram uma nova forma organizativa.

O PCB passou a se referenciar em outro campo de interesse, ou seja, o

espaço político da legalidade institucional normatizado pela democracia formal

(burguesa). Com essa iluminação, a política de alianças eleitorais do partido

priorizava o PMDB e, dentro do PMDB, os setores mais atrasados da frente

democrática. Participando com esses setores de diversas coligações e

coalizões nas eleições de 1982 e 1986.

Um pouco antes desse processo eleitoral (1986), o PCB tinha tido um

posicionamento dúbio na campanha das “Diretas Já”. No primeiro momento, o

partido não se envolveu de forma decidida, depois considerou que seria um

momento importante de agitação social e de pressão sobre a ditadura. Mas o

que estava por traz dessa dubiedade era a leitura que se tinha da transição

democrática feita pelo núcleo dirigente. Era uma posição que considerava mais

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importante uma saída negociada para a ditadura do que uma situação de

agitação que colocasse em risco o processo construído pela frente

democrática. Porém, sem desconsiderar a importância da pressão das massas.

A política reformista de ampla conciliação entre as classes, não só se

afirmou como paralisou o partido. Serviu como instrumento para romper, na

conjuntura da transição, com todos os símbolos que fizeram do PCB um partido

revolucionário.

Essa operação prático-conceitual desfigurou e ajudou à desmontar a

estrutura orgânico-política do partido. É importante, no entanto, registrar, que

essa desfiguração ocorreu em um período ditatorial, quando os caminhos estão

muitas vezes confusos e interditados. Contudo, o PCB optou pelo mais fácil: o

de se estabeler com sua política no campo da ordem burguesa (MOURA, 2005;

TAFFARELLO, 2009).

Como percurso de um rápido processo de mudança, os erros da linha

política se aprofundaram no VII Congresso (PCB, 1984) e, novamente, a

questão da realidade brasileira não encontrava repercussão nas teses do PCB

para redirecionar a sua política. No entanto, a situação se agravou no VIII

Congresso (PCB, 1987) quando o PCB se transformou em um partido para a

legalidade burguesa.

Mesmo diante da continuidade da longa crise econômica e social, o

partido se manteve articulado com os segmentos mais conservadores da frente

democrática, possibilitando, com essa postura, o avanço da crise do partido no

final dos anos 1980. E, tendo em vista superar essa crise, o PCB considerou

que uma candidatura própria poderia galvanizar o sentimento da militância e

abrir uma perspectiva de disputa pelo protagonismo dentro da esquerda

brasileira, lançando a candidatura do deputado federal pernambucano Roberto

Freire. Essa candidatura teve uma repercussão de mídia, contudo, não teve

impacto nas massas, muito menos repercussão entre os trabalhadores naquele

momento.

Ao lado dessa circunstância, outra crise se abriu para o PCB diante do

colapso do socialismo na União Soviética e no Leste Europeu. Era algo novo

para o partido que tinha posições seguidistas em relação ao papel da União

Soviética e que orientava, em muitas questões, as formulações e a prática

política do PCB.

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Esse complexo roteiro de questões se articulou para fomentar a batalha

que se daria no IX Congresso do PCB (1990), que abria definitivamente o

partido para uma disputa de vida ou morte, ou seja, continuar existindo ou se

transformar num apêndice da política burguesa.

Para concluir essa introdução preciso estabelecer mais duas questões.

A primeira, diz respeito ao campo dos recursos utilizados para realizar o

trabalho. Trata-se de uma pesquisa no campo da história política em

articulação com questões levantadas pela ciência política. Para isso utilizo-me

de fontes documentais, entrevistas e categorias explicativas que se

apresentam não como uma definição a priori, mas no contexto das situações

examinadas pela pesquisa. Portanto, o trabalho ganhou muito com o

instrumental da renovação da história política que [...] “foi grandemente

estimulada pelo contato com outras ciências sociais” [...] (RÉMOND, 2003, p.

29). Isso permitiu a afirmação do político como uma relação total.

Desenvolvo a premissa de que o PCB, através do seu instrumental

teórico-político, não conseguiu desvelar as contradições das ramificações que

produziram a nova cena política, nem o fechamento do longo ciclo da revolução

burguesa com os PNDs1 da ditadura burgo-militar, passando ao processo de

articulação da transição pela subordinação à lógica da via prussiana que tanto

interessava à oposição liberal burguesa. Mas, também, desenvolvo a tese de

que o esgotamento das formulações teórico-políticas favoreceu a perda da

hegemonia do PCB na esquerda brasileira, no movimento operário e nas lutas

populares, levando o partido a uma longa crise político-orgânica durante a

longa direção do núcleo dirigente estagnado2 (o CC dirigido por Giocondo Dias,

Salomão Malina e depois Roberto Freire).

1 Foram dois Planos Nacionais de Desenvolvimento. O primeiro de 1972 a 1974 e o segundo de 1975 a 1979, que

contribuíram para fechar o ciclo da revolução burguesa nas relações de produção. 2 Esse núcleo dirigente tardio, articulado por Giocondo Dias já no V Congresso do PCB (1960), se consolidou com o

processo de saída/expulsão de milhares de militantes durante os debates do VI Congresso (1967) que foi impactado

pelo golpe burgo-militar e se consolidou ao ser vitorioso internamente contra Prestes e depois os “eurocomunistas” que

terminaram, também, saindo do partido. Durante os anos 1980, esse núcleo reafirmou um instrumental teórico-político

que advinha da Declaração de março de 1958 que se mostrou ultrapassado para responder às novas contradições do

capitalismo no Brasil e ao processo de lutas desenvolvidas pela classe operária e os segmentos populares. Esse

núcleo consolidado, por ter a maioria do CC, teve a longeva direção de Giocondo Dias, depois Salomão Malina e por

fim o consórcio de dirigentes partidários que transitavam em torno do deputado federal, Roberto Freire.

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A segunda, diz respeito ao plano geral da interpretação, utilizo-me de

algumas referências contidas nas obras de Marx (2011, 2012), Engels (1981),

Poulantzas (1971), Gramsci (2000, 2002, 2007), Florestan Fernandes (1979,

1982, 2006), Décio Saes (1987, 2011) e Armando Boito (2002, 2007) para

introduzir argumentos na explicação das questões estudadas através das

categorias de bloco no poder, hegemonia, cena política, democracia formal

(burguesa), modo de produção determinante, formação social, autocracia

burguesa, poder político, regime político, bonapartismo, via prussiana,

hegemonia e outras balizas interpretativas do marxismo contemporâneo. Ainda

no plano geral, é importante sinalizar com luzes teóricas algumas das

categorias explicativas utilizadas.

O Estado capitalista é a chave interpretativa para entender a questão do

bloco no poder.

O Estado capitalista apresenta igualmente, em virtude da sua estrutura específica, e nas suas relações com as classes e frações dominantes, uma particularidade em relação aos outros tipos de Estado. Trata-se do problema do ‘bloco no poder’: o conceito de hegemonia poderá ser útil aqui a fim de estudar o funcionamento das práticas políticas das classes ou frações dominantes no bloco no poder, e a fim de situar as relações entre Estado e este bloco. Constata-se, efetivamente, no caso deste tipo de Estado, uma relação específica entre as classes ou frações a cujos interesses políticos este Estado responde. Isto permite precisamente situar as relações entre as formas de Estado desse tipo e a configuração típica que esta relação apresenta entre as classes e frações dominantes num estádio de uma formação capitalista (POULANTZAS, 1971a, p. 60).

Precisamos estabelecer pistas para entender a noção que utilizo de

democracia formal (burguesa) como,

Forma de Estado em que a classe social exploradora (capitalistas) logra, por predominar invariavelmente no Parlamento, formalmente aberto a todas as classes sociais, repartir com a burocracia de Estado a capacidade de definir e implementar a política de Estado. Também é, correlatamente, o regime político no qual a competição partidária com vistas à conquista do controle do Parlamento existe, mas é dominado invariavelmente pelos partidos políticos objetivamente comprometidos com a conservação do capitalismo (SAES, 1987, p. 87).

E os pressupostos dessa democracia burguesa dentro do Estado

capitalista.

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O sistema jurídico moderno, distinto da regulamentação feudal fundada nos privilégio, reveste um caráter ‘normativo’, expresso num conjunto de leis sistematizadas a partir dos princípios liberdade e igualdade: é o reino da ‘lei’. A igualdade e a liberdade dos indivíduos-cidadãos residem na sua relação com as leis abstratas e formais, as quais são tidas como enunciando essa vontade geral no interior de um ‘Estado de direito’. O Estado capitalista moderno apresenta-se, assim, como encarnando o interesse geral de toda a sociedade, como substancializando a vontade desse ‘corpo político’ que seria a ‘nação’ (POULANTZAS, 1971, p. 133).

A caracterização do conceito de hegemonia se apresenta no desenrolar

do processo de análise do trabalho, a partir das pistas colocadas por Gramsci

que foram referenciadas em Lenin. “Aliás, diria mesmo que, se se quer ver o

ponto de contato mais constante, mais enraizado, de Gramsci com Lênin, esse

me parece ser o conceito de hegemonia” (GRUPPI, 2000, p. 1). [...] “Gramsci –

quando fala de hegemonia – refere-se por vezes à capacidade dirigente,

enquanto outras vezes pretende referir-se simultaneamente à direção e à

dominação” (GRUPPI, 2000, p. 11). Sendo assim,

O conceito de hegemonia é apresentado por Gramsci em toda sua amplitude, isto é, como algo que opera não apenas sobre a estrutura econômica e sobre a organização política da sociedade, mas também sobre o modo de pensar, sobre as orientações ideológicas e inclusive sobre o modo de conhecer (GRUPPI, 2000, p. 3).

Mas também, a hegemonia de fração, que é a “capacidade de uma das

frações da classe dominante fazer predominar os seus interesses peculiares no

terreno do processo decisório estatal” (SAES, 1987, p. 89).

Para entender as contradições da luta de classes na longa conjuntura

dos marcos temporais da pesquisa, utilizamos a categoria de cena política.

Em O Dezoito de Brumário e também no Lutas de Classes na França, livro que o antecedeu e lhe serviu de base, Marx concebe a cena política nas sociedades capitalistas, que é o espaço de luta entre partidos e organizações políticas, como uma espécie de superestrutura da luta de classes e de frações de classe, que formam aquilo que poderíamos denominar a base socioeconômica da cena política. A cena política é uma realidade superficial, enganosa, que deve ser desmistificada, despida de seus próprios termos, para que se tenha acesso à realidade profunda dos interesses e dos conflitos de classes (BOITO, 2002, p. 129).

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Todo esse complexo conjunto de categorias explicativas, utilizadas na

dinâmica de análise do processo histórico-político, se somam para iluminar o

período estudado e o regime político, entendendo, este último, como um

Conjunto das condições sob as quais, num tipo particular de Estado e dentro dos limites estabelecidos pela forma de que este se reveste, se desenvolve a ação (partidária, faccional) da classe dominante, com vistas a participar, juntamente com os funcionários estatais, do processo de implantação da política de Estado (SAES, 1987, p. 89).

No plano específico, levo em consideração os documentos dos VI

(1967), VII (1984) e VIII (1987) Congressos do Partido Comunista Brasileiro

como arcabouço teórico-político que informava o processo operativo das ações

do partido. Apresentando, no corpo do trabalho, não de forma estanque,

referências sobre as categorias burgo-militar – a partir das questões

pertinentes às funções de Estado, interesses de classe, burocracia estatal com

vínculos de classe, porém, com relativa autonomia, junções dos interesses de

frações da burguesia com o papel ideo-político das camadas militares - para

explicar o golpe/ditadura. Operador político, como instrumento que advém da

relação dialética entre formulação e prática social indicando uma tradição, uma

cultura política e a luta por um objetivo estratégico radical e núcleo dirigente

estagnado, como junção das várias incapacidades para realizar o projeto

estratégico do partido, em virtude da superação de seu instrumental teórico-

político.

Portanto, é um trabalho de pesquisa que se realizou a partir das balizas

metodológicas da Ciência Política e da História política.

Dar novamente sentido ao passado e tornar, por isso mesmo, o presente mais inteligível é a finalidade [do meu trabalho e] de uma história política, para a qual a história das ideias traz, pelo ajuste de seus instrumentos e a multiplicação de seus materiais, uma contribuição indispensável (WINOCK, 2003, p.290).

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1. Antecedentes dos impasses políticos e orgânicos. Do VI congresso

do PCB à articulação de um núcleo dirigente no exíl io

De três caminhos possíveis, deixamos Ao inimigo apenas duas possibilidades:

Em uma, ele perde; na outra, nós vencemos.

Ho Chi Min

Este capítulo tem por objetivo apresentar as formulações que

informavam a ação política do PCB, desde seu V Congresso, ocorrido em

1960, e levantar questionamentos quanto à aderência dessas formulações e

resoluções diante dos acontecimentos políticos ocorridos no Brasil, no período

anterior ao golpe burgo-militar de 1964 até a ação política no exílio.

Na história política do Brasil, o papel representado pelo PCB foi de

importância singular e, sua ação, bem como sua percepção da realidade e as

resoluções tomadas à partir dela, representavam a visão política do setor mais

importante da esquerda brasileira até então. Nesse sentido, o estudo dessas

resoluções, à luz dos acontecimentos políticos reais desse período rico e

conturbado da história política do país, pode demonstrar a visão e a prática

política desse setor hegemônico na esquerda.

Destarte as conseqüências e conclusões que se apresentaram no

debate político, diante das necessidades oriundas da ruptura na ordem

institucional, o estudo das formulações, resoluções, ações e movimentações do

operador político mais importante da classe trabalhadora brasileira daquele

momento, o PCB, é de fundamental importância para compreender a

profundidade da política brasileira. Assim, o capítulo apresenta o panorama

político do período, o posicionamento do PCB diante do golpe, a linha política

definida no VI Congresso desse partido, as contradições orgânicas que

geraram luta interna no partido, o movimento do aparato repressivo na tentativa

de liquidar o PCB, o exílio de um partido e as circunstâncias do trabalho desse

partido no exterior.

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1.1 As tensões da política brasileira: o golpe de 1 964 e o PCB

As resoluções políticas do V Congresso do PCB chocavam-se, de

maneira contraditória, com a realidade que tencionava a política no início da

década de 1960. Essas resoluções orientavam o partido para a disputa política

no campo da institucionalidade. Por outro lado, a radicalização dos movimentos

sociais pelas reformas de base no governo João Goulart, colocavam, para o

PCB, a necessidade política e orgânica de formular uma nova linha política que

fosse capaz de responder à problemática da conjuntura política daquele

momento.

Todavia, a acuidade da análise efetuada pelo PCB não se fez valer em relação a aspectos importantes do nacionalismo e da democracia no período. Seria exagerado esperar que os comunistas previssem que o fato de Magalhães Pinto apoiar a encampação da subsidiária da Bonde & Share não o impediria de, quatro anos mais tarde, desencadear, mesmo que atabalhoadamente, o golpe de 1964. Mas, um pouco de atenção do comportamento das diferentes forças do ‘bloco’ nacionalista revelaria que este apresentava importantes fissuras (ALMEIDA, L., 2003, p. 118).

Com o movimento das forças golpistas, criou-se uma pauta interna no

PCB diante da necessidade de entender o processo de crise política em curso

no Brasil, que se agravava com a movimentação de setores militares em

articulação com frações da burguesia. Esse debate interno tinha como objetivo

o enfrentamento político que o PCB acreditava realizar no horizonte da sua

ação. Todavia, sem imaginar que a conjuntura teria o desfecho que teve.

O Partido não esperava o golpe e não havia se preparado para enfrentá-lo. Mesmo na Comissão Executiva do Comitê Central, em que predominavam as posições esquerdistas, não haviam sido tomadas medidas práticas para fazer frente à repressão. A maioria esquerdista acreditada que a pressão exercida sobre Jango o faria avançar no caminho da superação da conciliação e da realização das reformas, até mesmo ultrapassando os limites da legalidade constitucional. Os adeptos das posições esquerdistas coincidiam com os adeptos das concepções reformistas ao confiarem, tanto uns quanto outros, no ‘esquema militar’ de Goulart, abdicando na prática do trabalho de organização, conscientização e mobilização popular (PRESTES, A., 2012, p. 109).

No entanto, aquela conjuntura de confronto político na sociedade

surpreendeu o PCB, com a precipitação dos acontecimentos. Assim, o VI

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Congresso convocado deveria se deter, de forma ampla e profunda, sobre as

contradições que impactavam as relações de poder no fogo daquela conjuntura

e fazer o ajuste de contas com o grupo “esquerdizante”3 que havia dentro do

partido.

Porém, o golpe burgo-militar de 1º de abril de1964, que rompeu com a

ordem do então Estado de Direito, articulado por frações da burguesia em

conjunto com setores reacionários das forças armadas, e operado pelos

militares, impediu a realização do VI Congresso do PCB, que estava sendo

convocado e esperado para ocorrer naquele ano.

Nos primeiros meses de 64, preparávamo-nos para realizar o VI Congresso, quando o golpe militar interrompeu o processo democrático em nosso país, obrigando-nos a um recuo, que tornou praticamente impossível reunir a direcção suprema do Partido nos anos que se seguiram (PCB, 1976, p. 45).

O debate interno em curso, no ano de 1964, examinava a possibilidade

de se fazer um ajuste na orientação política, reestruturando a direção partidária

e redefinindo encaminhamentos a partir da perspectiva de novas resoluções. O

complexo canônico (eixos que orientavam as formulações) em disputa

pretendia examinar as modificações políticas ocorridas no país, procurando

entender a estrutura do capitalismo, as novas relações sociais que projetavam

modificações na sociedade brasileira e, também, analisar as contradições da

guerra fria na sua relação com o campo socialista4. Ao lado desse conjunto de

questões se apresentaram, também, as formulações teórico-estratégicas que

impulsionariam, dentro do receituário comunista, a ação política do partido

após o Congresso.

A realidade objetiva colocava em xeque a relação entre os problemas

demandados pela estratégia do partido e as características do capitalismo

brasileiro. O choque entre as formulações políticas, arcabouço teórico, e

realidade concreta avançava em pontos nodais para aquela conjuntura: a

3 Esse grupo era composto por Carlos Marighella, Mário Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Jacob Gorender, Apolônio

de Carvalho e Jover Telles e estava articulado internamente desde a IV conferência nacional do partido ocorrida em

dezembro de 1962.

4 O temário do Congresso discutiu o golpe, a fase posterior ao golpe, a situação internacional com base na política do

Estado soviético, a concepção marxista de revolução, o caráter da atual etapa da revolução brasileira, o papel da

burguesia nacional e a luta armada como posição apresentada pelos dissidentes.

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questão da burguesia e suas frações; a existência ou não de um campo

nacional e democrático dentro dessa classe; como era e se estabelecia a

correlação de forças entre o campo reacionário das forças armadas e o setor

nacionalista; quais determinações movimentavam esses setores. Tudo isso era

visto pelo partido de forma esquemática e analiticamente distanciado dos

fatores que movimentavam a realidade concreta.

Absolutizamos a possibilidade de um caminho pacífico e não nos preparamos para enfrentar o emprego da luta armada pela reação. Embora nos documentos do P. se afirmasse que um dos caminhos possíveis para a conquista de um governo nacionalista e democrático era a ação armada do povo e de parte das Forças Armadas, em resposta a uma tentativa golpista, estávamos inteiramente despreparados para isto no terreno político, ideológico e prático (apesar das sucessivas crises e ameaças de golpe, não havíamos discutido a situação militar, não tínhamos meios para assegurar o funcionamento do P. em quaisquer condições etc.) (Inquérito Policial-Militar nº 709, Apud GORENDER, 1987, p. 87).

O esquematismo teórico oriundo do que se convencionou chamar de

“teoria consagrada”5 turvou a lente política pela qual o Partido Comunista

Brasileiro pretendia responder ao conjunto da crise que abalava a República. É

possível se perceber na história desse partido as idas e vindas diante do fogo

da conjuntura, ou seja, o ziguezague na tática quando da precipitação de

acontecimentos que impactavam as relações de poder e exigiam medidas

políticas bruscas, no calor das contendas políticas.

Os comunistas brasileiros, diante desse conjunto de fatos e fatores, tiveram suas análises e formulações políticas problematizadas ou mesmo postas em xeque e sua coesa e solidificada doutrina marxista-leninista fraturada, ainda que parcialmente. Em função disso, o PCB, ao rever e repensar suas concepções e programa, passou por significativas mudanças e começou a elaborar uma política diversa que o orientava nos anos imediatamente anteriores. Assim, nesse período, o PCB iniciou um processo de renovação e formulação daquela que ficou conhecida e reconhecida, pelo seu núcleo dirigente, como uma ‘nova política’ (SEGATTO, 2003, p.124).

Mesmo com uma estratégia nacional e democrática6, o partido apontava

para uma provável ruptura que possibilitasse o convívio dos comunistas com o

5 Perspectiva analítica que advinha, de acordo Caio Prado Jr., das formulações genéricas da III Internacional

Comunista para orientar as seções (partidos) em todo o mundo.

6 Etapa considerada, naquele momento, como prévia para a revolução socialista.

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poder. Para isso era necessário que a chamada corrente nacionalista e

democrática das forças armadas fizesse o enfrentamento com as forças

entreguistas e reacionárias, diante da articulação destes últimos, pois, esse

setor reacionário queria exercer um predomínio político sobre o governo

brasileiro ao colocá-lo a serviço da burguesia associada ao capital estrangeiro,

tendo como finalidade barrar a continuação do projeto nacional-

desenvolvimentista.

Tendia a se intensificar uma polarização, dentro e fora do governo, entre os nacionalistas (de múltiplos tipos), favoráveis à continuidade da política de desenvolvimento capitalista, identificada, com maiores ou menores restrições, com a emancipação nacional e, por outro lado, os que defendiam uma política contracionista. No primeiro campo, podemos identificar médios industriais, a imensa maioria da burocracia civil e militar, lideradas pelos segmentos nacionalistas, a aliança PSD-PTB e a frente Parlamentar Nacionalista, que aglutinava um leque mais amplo de deputados e senadores, muitos deles pertencentes à própria UDN. No campo oposto, alinhavam-se os segmentos da burguesia mercantil-financeira mais voltados para o comércio de exportação e importação, setores da alta classe média, as principais lideranças da UDN e os segmentos da burocracia de Estado mais ligados diretamente aos interesses do grande capital, nativo e/ou multinacional (ALMEIDA, L., 2003, p. 116).

Essa articulação entre burguesia convertida à internacionalização do

capital e os militares tinha como interesse central fechar o ciclo daquele

período, que por suas características institucionais, ficou conhecido como

“intervalo democrático”, ou seja, o período compreendido entre 1946 e o golpe

burgo-militar de 1964. Esse período, que foi marcado pela prevalência

legalidade institucional emanada da Constituição de 1946, permitiu o

surgimento de uma conjuntura política em que o jogo democrático possibilitou,

minimamente, a atuação de vários atores sociais que agiam na defesa de seus

interesses dentro da sociedade brasileira.

O “intervalo democrático” permitiu a movimentação do cenário político

brasileiro, mesmo pautado pelas características de uma democracia burguesa.

Assim, através da pressão dos de baixo e a convivência com os movimentos

populares e suas pautas corporativas, o Estado brasileiro teve que responder,

minimamente, a essas demandas políticas e, ao mesmo tempo, abrir o cenário

para as disputas que poderiam, ou não, modificar a realidade política brasileira.

Pensando a partir desse pressuposto o PCB imaginou que,

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Com o apoio das massas e de segmentos da burguesia nacionalista, Jango, como ficou conhecido, representava a possibilidade real para a concretização dos objetivos do partido: a constituição de um governo nacional e democrático e a realização das reformas de estrutura, ou seja, os primeiros passos para a realização da via brasileira (nacional e democrática) ao socialismo (MOURA, 2005. p. 41).

Além disso, do ponto de vista das transformações econômicas,

Esse processo de desenvolvimento capitalista mediante industrialização teve por consequência transformações muito amplas da estrutura de classes e da estrutura de dominação e, portanto, no relacionamento entre as classes e entre o Estado e a sociedade (FAUSTO, 2007, p. 290).

É importante registrar que esse “intervalo democrático” só foi possível

porque em 1950, Getúlio Vargas, ao assumir o governo, impediu, até

determinado limite, que a estrutura de governo no Brasil, como ocorreu na

gestão do presidente Dutra, continuasse rompendo, de forma paulatina, com o

arcabouço legal estabelecido pela Constituição de 1946 e, ao mesmo tempo,

contribuiu para afirmar novas conquistas nacionalistas. Nesse período, os

trabalhadores avançaram em sua organização, o que possibilitou modificações

em favor do mundo do trabalho naquela conjuntura política e social, em que

pese as contradições na disputa política.

Na raiz desses acontecimentos podemos remarcar, inicialmente, a contemporaneidade de dois fatos relevantes. A abertura para a manifestação das dificuldades de ordem econômica fornecida pelo processo de redemocratização é coincidente com a entrada dos comunistas no aparelho estatal via sua aliança com Vargas. E como conseqüência desse fato, nota-se uma canalização das reivindicações dos trabalhadores, através do PCB, em direção aos estreitos mecanismos provenientes do Estado Novo. Realizado pelo Partido Comunista, este trabalho de recuperação do conjunto das reivindicações que surge na época, vai gerar distintas conseqüências. Em primeiro lugar, dedicando-se a um trabalho de revitalização da estrutura sindical do Estado Novo, no quadro de uma aliança com Getúlio Vargas, os comunistas conseguem assegurar uma resposta do Ministério do Trabalho à pressão que exerciam como porta-vozes das reivindicações salariais dos trabalhadores, reforçando desta maneira, inegavelmente, sua imagem junto às bases (SPINDEL, 1980, p. 60).

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No entanto, outro registro se faz importante para entendermos a

importância do governo Vargas para a caracterização desse período. O

Governo Dutra havia se mostrado entreguista, extremamente reacionário e

tinha fechado o circuito de possibilidades do Brasil se inserir no campo

democrático internacional. É a partir dessa época que os militares ligados à

ideologia da segurança nacional começam a forjar uma aliança política com

frações da burguesia interessada na formação do consórcio burgo-militar como

empreendimento político para conquistar o governo e colocá-lo no campo da

lógica da subalternidade ao imperialismo estadunidense. Todavia, essa

articulação perde força política com a eleição de Vargas e se recolhe ao

ambiente das conspirações empreendidas pela União Democrática Nacional

(UDN) e outros setores conservadores que vão desaguar na crise de 1964.

Esse segundo período de Vargas no governo da República é marcado

pela tentativa de implementar um projeto nacional desenvolvimentista que tinha

como característica principal, no campo das medidas econômicas, a

continuidade da política de “industrialização por substituição de importações”7

que, do ponto de vista social, engendrou algumas medidas de caráter

trabalhistas8. Esse conjunto articulado de medidas econômicas, sociais e

políticas abriu possibilidades para que os sujeitos sociais disputassem na

sociedade brasileira, a partir da perspectiva democrática, o avanço nas

conquistas de direitos sociais e trabalhistas, assim como o interesse por um

desenvolvimento econômico minimamente autônomo.

O projeto em disputa dentro do “intervalo democrático” começou a ruir

com a crise aberta pelo suicídio de Vargas em 24 de agosto de 1954, reagiu

com a eleição de Juscelino Kubitschek, foi novamente golpeado com a eleição

de Jânio Quadros e, finalmente derrotado com o golpe burgo-militar de 1964.

É importante realçar a circularidade dos procedimentos políticos em

curso, naquele período, para se entender as contradições e a correlação de

7 A industrialização por substituição de importações é o modelo teórico aceito para o processo de industrialização

brasileiro, a partir do advento da República. Conforme esse modelo, a industrialização brasileira se distingue dos

demais processos verificados na Europa, Japão e EUA, principalmente, por internalizar o processo industrial naqueles

setores em que já havia uma demanda preexistente, suprida por importações. Assim, a industrialização começa com

bens de consumo não duráveis e duráveis e a indústria de base não acompanha, necessariamente e de forma

autônoma, esse processo.

8 Principalmente com a retomada do poder de compra do salário mínimo.

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forças dentro do processo. Embora a crise aberta pela morte de Vargas tenha

favorecido o projeto reacionário-entreguista capitaneado pelas forças do

udenismo, o campo nacional e democrático teve capacidade, e forças, para

continuar fazendo o enfrentamento, o que provavelmente impediu e

desarticulou a possibilidade de um golpe de Estado naquele momento, com

conseqüências mais efetivas.

Apesar das sucessivas derrotas que culminaram no golpe de agosto, as correntes militares nacionalistas apresentaram grande capacidade de resistência e, inclusive, de articulação com políticos profissionais, membros de associações científicas, segmentos da burguesia industrial e movimentos nacionalistas que surgiam entre as classes populares (ALMEIDA, L., 2006, p. 35).

Os acontecimentos de 1954 marcaram no calendário político brasileiro a

derrota do projeto varguista de Estado, por um lado, em virtude da sua morte,

mas também em virtude dos novos arranjos políticos em torno do processo

eleitoral que se abria.

O exame de alguns eventos ocorrido no período crucial transcorrido entre a queda de Vargas e o início do governo Juscelino Kubitschek pode ajudar a reforçar esta dupla hipótese e contribuir para superar uma dupla unilateralidade a respeito do tema em questão: quer aquela que exclusiviza o papel da burocracia estatal na definição da política de desenvolvimento capitalista no período e a que, ao contrário, superdimensiona a importância da burguesia industrial (geralmente apresentada como burguesia nacional) (ALMEIDA, L., 2006, p. 51).

As forças democráticas se articularam em torno da eleição de Juscelino

Kubitschek, tendo como orientação central o fortalecimento das bandeiras do

campo nacional e democrático. Com a eleição de JK, apesar do apoio do PCB,

o projeto do campo nacional- democrático sofreu derrotas em virtude da

postura do governo nas várias ações políticas e econômicas, inclusive com

medidas de caráter entreguistas. Vejamos o que nos informa Lúcio Flávio R. de

Almeida sobre a posição do partido:

O PCB tecia comentários bastante severos sobre as políticas interna e externa do governo. A primeira, segundo o partido, era cada vez mais antidemocrática, ‘fechando organizações patrióticas e populares, atentando contra a liberdade de imprensa e procurando restringir cada vez mais a livre manifestação do pensamento’. No aspecto econômico e financeiro, aumentava o gasto público

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improdutivo, elevava o déficit orçamentário, acelerava a inflação, inflava os impostos e agravava o custo de vida. Enquanto o salário real baixava, as especulações e os lucros excessivos aumentavam e o governo concedia ‘favores excepcionais aos monopólios estrangeiros em detrimento da indústria nacional’ (ALMEIDA, L., 2003, p.106).

No entanto, o governo de Juscelino Kubitschek se desenvolveu com o

forte impacto das políticas desenvolvimentistas e com acentuado perfil de

tolerância democrática9, com um grau elevado de políticas que asseguraram ao

capital estrangeiro lucros exorbitantes e com um forte avanço no

endividamento externo e interno.

Com o fim do mandato de Juscelino Kubitschek se abriu o processo

eleitoral para as eleições de 1960, tendo como pleiteantes mais destacados ao

cargo, e dividindo apoios, o político paulista Jânio Quadros e o Marechal Lott,

este último fortalecido pelas ações que comandou no sentido de impedir o

golpe que se articulou para não permitir a posse de Juscelino Kubitschek10.

O contexto político era rico em virtude das mobilizações populares e, no

contexto das eleições, o eleitorado brasileiro, em sua maioria, apoiou o nome

de Jânio Quadros, não necessariamente a chapa completa, porque o vice-

presidente, naquele período, era eleito separadamente. Assim, o candidato a

vice da chapa do Marechal Henrique Teixeira Lott, João Goulart, se elegeu

nesse processo eleitoral.

Um pouco antes da vitória de Jânio Quadros, e de João Goulart,

ocorreram as eleições de 1958 para o Congresso Nacional e governadores,

quando a frente parlamentar nacionalista conseguiu importantes vitórias,

elegendo governadores nos Estado do Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de

Janeiro e Goiás, bem como uma importante bancada de parlamentares para o

Congresso Nacional.

A partir da eleição de Jânio Quadros, em 1960, algumas peculiaridades

da política ganharam contornos que podem ser caracterizados como

problemas, até mesmo pelo perfil do primeiro mandatário do país. O governo

do presidente eleito era produto de uma composição reacionária que contava

9 O PCB, embora na ilegalidade jurídica, apresentava-se abertamente na cena política para desenvolver suas ações.

10 O general Lott movimentou as tropas sob seu comando para evitar que militares reacionários e a direita udenista

sob o comando de Carlos Lacerda impedissem a posse de Juscelino Kubitschek. Com a derrota do movimento

golpista, Carlos Lacerda fugiu para Cuba que era governada pelo militar Fulgêncio Batista.

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com um dispositivo militar gerenciado pela política antinacional e

antidemocrática, daqueles que em 1954, tinham articulado o Golpe contra

Vargas. Essas forças da composição burgo-militar, em movimentação desde o

governo Dutra, compuseram o governo tornando-o um corpo de forças

retrógradas e reacionárias que contavam e formulavam políticas que refletiam o

projeto econômico e financeiro dos interesses imperialistas no Brasil. Apesar

dessas características, Jânio Quadros tomou medidas em contraposição a

esse agrupamento de forças: se posicionou ao lado de Cuba, ao reconhecer o

governo cubano que já encontrava dificuldades na relação com o bloco

capitalista. Abriu, assim, a política brasileira para algumas iniciativas comerciais

com o campo socialista e demonstrou relativa independência da sua base

política de sustentação, naquele período.

Os meandros desses impasses fomentaram algumas ações políticas de

perspectiva duvidosa, terminando com o presidente tentando concentrar

poderes de forma despótica, para as características da institucionalidade em

curso, e se movimentado para outra perspectiva de governança. Para isso, o

presidente usou do artifício da renúncia como uma jogada política para

chantagear as forças reacionárias da sua base política e, na sua perspectiva,

voltar ao governo com mais poderes executivos: uma jogada bonapartista de

risco. O procedimento não deu certo e a crise política se estabeleceu diante do

movimento das forças em contradição.

Novamente os setores pró-imperialistas da burguesia interna e os

reacionários das forças armadas, na sua conformação burgo-militar, se

movimentaram para tentar consolidar o que eles não conseguiram, de outra

forma, com o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Entraram em cena para

prospectar, no caldo do autoritarismo em curso, uma nova perspectiva golpista.

No entanto, o movimento nacionalista e democrático se contrapôs à

movimentação reacionária, se transformando em uma força política que

conseguiu chegar ao conjunto da população, impedindo, assim, que novamente

os interesses da burguesia beligerante no campo da política, lastreada por

setores densos das forças armadas, implementassem a sempre possível

articulação golpista. O ex-deputado federal comunista Marco Antonio Tavares

Coelho (2000), em suas memórias, apresenta a reação nacionalista que se

tornou vitoriosa para impedir o golpe, da seguinte maneira:

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À noite recebemos a notícia da decisão do governador Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, de enfrentar o golpe militar, colocando em cadeia as estações de rádio gaúchas para mobilizar a população. Essa atitude despertou o país numa velocidade impressionante. O governador Mauro Borges, de Goiás, major do Exército, imediatamente começou a organizar a população civil e declarou que marcharia até Brasília a fim de garantir a soberania do Congresso Nacional (COELHO, 2000, p. 221).

A “Cadeia da Legalidade”11 comandada pelo governador do Rio Grande

do Sul, Leonel Brizola, funcionou em todas as regiões do território nacional e

passou a contar com apoios do campo democrático e dos governadores de

Pernambuco e Goiás, respectivamente Miguel Arraes e Mauro Borges. Esse

amplo movimento legalista, democrático, nacionalista e de massas possibilitou

a posse de João Goulart, mesmo ela se realizando via um arranjo institucional

que inauguraria no Brasil, o parlamentarismo. Essa medida, negociada

politicamente por cima, apesar da pressão de massa, impediu o golpe da

articulação burgo-militar que se movimentava nos bastidores da política e nos

ambientes dos quartéis.

Apesar do prognóstico de vida curta, o parlamentarismo se transformou

na forma de governo da República brasileira. O movimento nacionalista passou

a ter presença na estrutura política formada para atender ao papel do chefe de

Estado, não necessariamente com a força que seria necessária para

implementar as modificações que o país precisava, mas foi importante para

pautar com destaque o debate político no país.

Naquele momento, diante das mudanças institucionais, o presidente da

República assumiu o papel determinante na política externa brasileira. Abriu-

se, com a ação de João Goulart, uma orientação de respeito aos povos em luta

pela sua autodeterminação, avançou-se nas relações com Cuba, o

colonialismo foi questionado pela diplomacia brasileira e o Brasil se posicionou

numa perspectiva de construir uma liderança na América Latina.

Ao lado dessa nova agenda diplomática, o país mudou sua postura em

relação às pressões do Departamento de Estado dos Estados Unidos,

11 Movimento popular e militar organizado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, através de

uma cadeia de rádios por todo o Brasil, para garantir a posse do vice-presidente João Goulart em virtude da renúncia

de Jânio Quadros e da movimentação golpista articulada pela UDN e militares de direita.

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resistindo em se tornar subalterno e/ou linha auxiliar dos interesses

estadunidenses.

O convívio no espaço democrático e o crescimento das forças populares

em luta por bandeiras políticas de conteúdo nacionalista e democrático, com

demandas consubstanciadas no programa das reformas de base,

possibilitaram o aparecimento de teses sobre o caminho para a revolução

brasileira. Essas formulações, de caráter estratégico, tinham como eixo

norteador a questão da reforma agrária.

Formulações sobre o Brasil e perspectivas de rupturas estimuladas por

variados projetos populares e políticos se tornaram presentes no debate

político e ideológico que crescia e se radicalizava no interior da sociedade. As

ideias do marxismo e do socialismo começaram a encontrar repercussão em

segmentos dos trabalhadores, dentro da classe operária, entre os estudantes

e, com maior efetividade, entre os intelectuais brasileiros que, naquele

momento, se colocavam como instrumento orgânico para fazer a

representação de classe no âmbito da batalha das ideias.

O campo contra-hegemônico às forças reacionárias e entreguistas,

conformados na perspectiva marxista e socialista, diante da politização da

conjuntura e dos projetos em disputa no período do governo João Goulart,

cresceu, permitindo ao conjunto da sociedade, através da divulgação dos seus

variados materiais impressos, ter acesso a uma experiência cultural e política

que representasse esse pensamento social.

No entanto, é importante salientar que ao lado desse ascenso político,

cultural e ideológico se construía, também, uma outra perspectiva que se

beneficiava das contradições da política governamental em curso. O governo

João Goulart claudicava por sua própria incapacidade em estabelecer um

projeto nítido. Portanto, patinava no entendimento sobre ao lado de quais

forças políticas deveria ficar, ao tempo em que permaneciam os impasses e

contradições no âmbito da política econômica, dos planos de desenvolvimento,

do planejamento de governo com vistas a modificar estruturas do aparato de

Estado.

Ao lado dessa incapacidade política do governo em configurar um

horizonte político bem definido e trilhar esse caminho com ações que

justificassem seu projeto, crescia, em agitação e ações, de forma livre, o papel

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das forças reacionárias manifestadas nesse cenário político e ideológico pelas

articulações da “Aliança para o Progresso” 12 com o IBAD13 e com o IPES14.

Essa articulação política de direita disputava de forma violenta o

arcabouço ideológico e passou a contar com as velhas estruturas do

conservadorismo brasileiro, como a Igreja Católica, para fomentar a disputa na

sociedade. Paulatinamente esse movimento do consórcio da direita brasileira,

burgo-militar, se concretizou em uma articulação que crescia para disputar nas

manifestações de rua a difusa classe média do país, imprimindo vida orgânica

ao projeto golpista.

Por outro lado, a preocupação dos progressistas com esse movimento

conservador de caráter reacionário e violento, não foi uma reação que

conseguisse impedir o crescimento e o desenvolvimento desse caldo de cultura

da reação. O reacionarismo estava consubstanciado no bloco do poder e tinha

como parte constitutiva desse processo a direita golpista, que ganhava corpo

naquele momento.

No espectro do campo democrático e progressista, cresceram as

demandas oriundas das lutas camponesas que se consolidavam com o avanço

na organização dessa classe, a partir das lutas concretas que ocorriam pelo

Brasil. Todavia, essa luta concreta, independente do seu avanço, não

conseguia constituir, dentro da perspectiva democrática e progressista, uma

capacidade orgânica que articulasse a unidade do movimento como um todo,

ou seja, a unidade que ligasse e desse força à luta no campo, através de uma

perspectiva que consolidasse um bloco de forças, também nas cidades. Vale

dizer, uma ação que configurasse um conjunto unitário para realizar a

campanha pela reforma agrária como uma variante estratégica das reformas de

base e servisse como exemplo para lutar por outros pontos do programa geral.

O que se percebia era uma politização corporativa pouco articulada na

perspectiva do poder, apesar de que

12 Tratava-se de um programa desenvolvido pelo governo dos EUA, na gestão John F. Kennedy, para fomentar ações

de caráter social na América Latina com a nítida posição de evitar o crescimento dos movimentos revolucionários e das

ideias comunistas.

13 Instituto Brasileiro de Ação Democrática, entidade que tornou-se o centro das articulações golpista no pré-1964.

14 Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais que atuava para desestabilizar o governo João Goulart e estimular

atividades golpistas no pré-1964.

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Durante os anos do governo João Goulart (1961-1964), a sociedade brasileira assistiu a um considerável crescimento e amadurecimento da mobilização popular em torno de projetos políticos. Camponeses, operários, estudantes e militares protagonizaram greves, ocupações de terra e manifestações públicas com repercussões até então inéditas na nossa história política. Grande parte desses movimentos sociais estreitou seus interesses em torno do projeto das reformas de base, projeto esse que compreendia mudanças na estrutura agrária, urbana, na educação, reformas institucionais, como a extensão do direito de voto aos analfabetos, além de política de controle do capital estrangeiro e a nacionalização de alguns setores da economia (PRESOT, 2010, p. 71).

Logo, com o desenvolvimento dos embates políticos, notava-se que a

questão da unidade das forças progressistas e democráticas fazia falta ao

movimento que tinha estabelecido um projeto de ruptura democrática dentro da

ordem institucional brasileira. Um dos aspectos mais visíveis dessa falta de

unidade no campo que lutava pelas reformas de base era o rompimento, sem

mediação com os outros setores da frente, do elo que unia os segmentos

militares de baixa patente ao conjunto das lutas. Os militares de baixa patente,

radicalizados no processo, tendo em seu comando agentes infiltrados15 pela

reação, se movimentaram para realizar enfrentamentos que não tinham como

ter sucesso sem uma ampla articulação do campo nacionalista, popular,

democrático e progressista que se organizava, não sem contradição, em torno

do Governo João Goulart e do projeto que galvanizava as lutas pelas reformas

de base.

Esse elo rompido, pelos militares de baixa patente, foi um dos passos

essenciais para a movimentação do fracionamento do bloco contra-

hegemônico em um período político bastante sensível pelas ações da direita.

Essa confusa radicalização desses militares, no sentido de sozinhos

resolverem as questões pertinentes à sua pauta e, em alguma medida, outras

pautas sociais, pulverizou o movimento do bloco contra-hegemônico em

variadas ações que não se mostraram capazes de serem vitoriosas nas

especificidades das suas lutas. Isso prejudicou, com uma postura aventureira e

esquerdista, a unidade de ação desses diversos movimentos populares e

políticos, envolvidos com a possibilidade de luta conjunta que fizesse avançar o

governo de João Goulart, tirando-o da dubiedade política e transformando-o em

15 O caso mais notório é o do agente infiltrado conhecido pelo “vulgo” de Cabo Anselmo.

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um instrumento poderoso do campo contra-hegemônico no contexto da luta de

classes em curso.

A dubiedade política do governo, refém de contradições políticas da sua

base, colocava o presidente num pêndulo entre posturas díspares: tomou

medidas centristas para contemporizar com seu núcleo à direita e não

conseguiu avançar no sentido de articular um forte movimento de massas que

tivesse condições políticas para impor as bandeiras das reformas de base.

As reformas de base derivam de proposta originalmente formulada pelo PCB, a partir da ‘Declaração de Março de 1958’, como referimos anteriormente. Elas eram trabalhadas com vistas aos objetivos estratégicos de uma revolução brasileira por etapas: primeiro a revolução democrática-burguesa, depois a revolução socialista [...]. Essa concepção sobre quais reformas deveriam ser realizadas no país foi assimilada por vários setores da sociedade brasileira, até chegar ao governo João Goulart, que lançou oficialmente um programa que propunha reformas de base em 12 de julho de 1962, através do Gabinete Brochado da Rocha (LOVATTO, 2010, p. 93-94).

Esse movimento pendular do presidente, nem sempre representado na

postura do governo, deslocou o então Chefe de Estado e de governo para o

imprevisível dentro do cenário da política institucional.

O impacto do pêndulo político sobre a conjuntura política, já em amplo

processo de ebulição, consolidou nuances incontornáveis na movimentação

dos atores em combate. Por um lado, pela falta de unidade do campo

democrático, o esquerdismo vanguardista ganhou a cena com ações isoladas

que não tinham condições de unificar as lutas pelas bandeiras que eram

agitadas naquele período. Por outro lado, formou-se uma convicção falsa de

que o governo seria capaz, no limiar dos confrontos políticos, de conter a ação

do movimento burgo-militar em gestação. Entre essas premissas, mais uma

vez, estava um governo paralisado e um presidente impactado por uma opção

de classe que o impedia de reagir.

Esse caldo de cultura das contradições em processo, motivadas por

impasses que não encontraram resolução à esquerda, precipitaram uma

movimentação à direita que impôs, através da unidade de seu campo, o golpe

burgo-militar de 1º de abril de 1964. Esse evento político ocorre, ainda, com o

PCB envolto nas formulações contidas nas resoluções do V Congresso do

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partido que pautavam, naquele momento, a avaliação sobre a realidade

brasileira na precipitação da cena de ruptura institucional.

Essas orientações advindas do V Congresso, produto de outra

conjuntura, contribuíram para que o PCB não tivesse um estoque interpretativo

com capacidade de responder ao cenário de impasses políticos, e se

posicionasse a partir de incompreensões analíticas, para articular junto ao

governo, medidas que fizessem avançar o espaço da chamada estratégia

nacional e democrática com especial relevância para o papel e a presença

política da chamada “burguesia nacional”. Contudo, sem maior materialidade.

O golpe de 1º de abril de 1964 ocorre em plena evidência dessa linha

política e da resolução da Declaração de Março de 1958. É importante salientar

essa dupla matriz analítica porque elas informavam a necessidade estratégica

de formação de um campo político policlassista, no qual essa fração da

burguesia nacional cumpriria, ao lado dos comunistas, uma função, mesmo

vacilante, de aliado contra a burguesia entreguista e o imperialismo

estadunidense. Dentro da estratégia etapista do PCB essa aliança exercia um

papel para fortalecer os comunistas. Tratava-se de um primeiro momento que

se tinha como horizonte estratégico a revolução pacífica como elemento central

na perspectiva da transição ao socialismo.

O PCB entendia, naquele momento, ser importante essa operação

tática como instrumento de unificação de um campo político, para fazer

avançar as lutas que poderiam modificar o arranjo institucional na perspectiva

de fortalecer o projeto societário da classe operária. Esse arrazoado teórico,

centrado em um doutrinarismo reformista e economicista, desarmava o campo

contra-hegemônico que se tinha ao começar a se distanciar dos trabalhadores

e ao transferir o foco da ação para tentativas de articulações palacianas que

não se mostraram bem sucedidas diante do desfecho político produzido pelo

golpe de Estado.

Apesar da movimentação do PCB entre os trabalhadores das cidades,

da presença entre os camponeses e da profunda relação com o mundo da

cultura, que permitia ao partido ter influência política para além da sua

capacidade orgânica, o partido, municiado pelo arcabouço superado das

formulações/resoluções anteriores, analisava o governo Goulart como uma

estrutura política em disputa e que, para que os setores populares pudessem

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ganhar essa disputa, teria que mediar ações e práticas sociais com a

“burguesia nacional” vacilante. Essa compreensão partia da visão de que o

governo Goulart era situado no campo nacional e democrático e, portanto,

deveria estabelecer pontes políticas com setores conservadores como tática

política para isolar o bloco reacionário, mas também, para evitar o esquerdismo

golpista, como argumentava, nessa perspectiva, o dirigente partidário, Salomão

Malina.

[...] levávamos a cabo uma política de acumulação de forças, vitalizando o movimento sindical, organizando a classe operária, mas não fomos suficientemente fortes: a pressão do golpismo, oriunda da própria esquerda e do movimento popular, nos conduziu à vacilações e, enfim, violando a nossa orientação oficial mesma, fizemos concessões essenciais [...] Acabamos na prática, por legitimar a política golpista que estava no ar. O resultado é sabido: Jango e o movimento popular não deram nenhum golpe. Ao contrário, o golpe foi dado para atingir as forças populares e democráticas (ALMEIDA, F., 2002, p. 92).

No entanto, o PCB empolgado por uma conjuntura política que lhe

permitia atuar em céu aberto, deixou de analiticamente perceber que a

correlação de forças mudava paulatinamente à medida que se reduzia sua

presença nos movimentos de massas e se transferia as mediações políticas

para a esfera da articulação pelo alto, ou seja, na cúpula do governo e das

agências de fomento político naquele momento: CGT16, UNE17, CONTAG18,

Ligas camponesas, sindicatos, organizações de militares de baixa patente e

outras organizações que congregavam as lutas sociais.

Mesmo com agitação social intensa, esse instrumento de luta estava se

mostrando estéril diante da necessidade de uma maior organização e

politização nas bases. Já havia ocorrido um exemplo impactante que poderia

servir como elemento para análise: em 1961, quando das lutas pela posse de

João Goulart a vanguarda revolucionária se mostrou extremamente fraca. Ou

seja, o partido e a classe operária não tiveram forças suficientes para fazer o

16 Comando Geral dos Trabalhadores, entidade que tinha uma grande base social e que exercia suas funções com

grande repercussão política.

17 União Nacional dos Estudantes, que no período das lutas pelas reformas de base teve um destacado papel na

defesa desse programa de lutas.

18 Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, que no começo dos anos 1960, exerceu importante papel

na aglutinação dos trabalhadores rurais e dos camponeses na luta pela reforma agrária.

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enfrentamento com os agentes da burguesia e com os setores reacionários das

forças armadas diante daquela conjuntura de crise política. Os setores não

comunistas e a população difusa é que foram determinantes para a derrota da

articulação burgo-militar.

O país vivera uma mobilização fantástica naqueles dez dias e o que ocorreu no Rio Grande do Sul, Goiás e na maioria dos estados indicavam um estado de espírito que há muitos anos não se via no Brasil. A cúpula reacionária das Forças Armadas fora abatida e ficara desmoralizada naquela batalha política (COELHO, 2000, p. 223).

A solução do impasse se deu através da ação de outros segmentos

sociais e políticos em detrimento da vanguarda histórica da esquerda, os

comunistas. A “cadeia da legalidade” foi vitoriosa, impedindo a consumação do

golpe. No entanto, o governo João Goulart foi formado com a presença,

também, de segmentos considerados entreguistas. Coube ao PCB, em 1961,

apenas manifestar críticas ao governo diante de tais articulações para sua

formação.

1.2 A linha política definida no VI congresso

A análise que fez o PCB desse processo complexo e das oscilações

políticas do governo João Goulart se encontra no documento chamado Balanço

do trabalho do partido, apresentado para toda militância no decorrer dos

debates do VI Congresso. Esse congresso fora convocado para formular outra

perspectiva analítica diante da necessidade de responder ao cenário aberto

com o golpe e orientar o partido para combater os golpistas. Contudo,

Há, no entanto, dois pontos críticos na ação do PCB entre 1958 e 1964: a mudança de linha política, em março de 1958, e a ilusão de que o processo brasileiro, no momento, seria inevitavelmente democrático. Os dois dados se interligam e levam à análise e ao comportamento que os induzirá a acreditarem em mudanças pacíficas dentro da sociedade, mudanças que os levam, entre outras coisas, a pressionar a favor da legalização do PCB (CARONE, 1982, p. 2).

O texto do documento em análise (Balanço do trabalho de direção)

confirma o princípio de que as exigências que o movimento social e político

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faziam, naquele momento histórico, não condiziam com a real correlação de

forças e que, diante dessa impossibilidade, não se permitiam que aquelas

bandeiras se concretizassem através de ações radicalizadas. Portanto, para

esse balanço, o partido estava se afastando da linha política anteriormente

determinada e aprovada no V Congresso que era orientada pela Declaração de

Março de 1958.

Essas formulações, fonte histórico-genética das resoluções reformistas,

foram questionadas pela Conferência nacional que ocorreu em 1962. Contudo,

as sugestões políticas do documento dessa Conferência foram consideradas, a

partir de então, como esquerdistas, em virtude das cobranças que o partido

começou a fazer em relação ao governo de João Goulart. Eram posturas

contundentes que previam cobranças diretas ao governo o que, para os

formuladores da linha política do partido em 1962, contribuíram para

desestabilizar o governo João Goulart. A maioria do CC radicaliza de forma tão

séria a crítica ao documento dessa conferência que o coloca ao lado dos

setores golpistas, de Carlos Lacerda19 e Ademar de Barros20, na medida em

que considerava que o partido deveria ter atacado esses governadores tidos

como golpistas.

O centro do documento Balanço do trabalho do partido é a crítica à ação

desenvolvida a partir do documento da Conferência Nacional de 1962,

qualificando esse documento e a ação inspirada nele de voluntarista e

distanciada da realidade do Brasil e das forças reais do PCB. Por outro lado,

uma leitura atenta do Balanço traz à tona as críticas que partem de uma

perspectiva de direita ao comportamento tático do Partido naquele período.

Qualificadas em exigências de contenção de ação política diante da

radicalização do discurso e da prática social do partido em relação ao governo.

Todavia, a crítica a partir dessa posição, ao documento da conferência

de 1962 não se justifica em virtude da imprevisibilidade do ponto de vista da

análise dos acontecimentos que se consolidaram no golpe burgo-militar de 1º

de abril. Essa crítica a partir dos argumentos aqui considerados, pelo grupo

reformista e de direita, se constitui em desvios da linha política definida na

19 Líder da União Democrática Nacional (partido político), governador do estado da Guanabara durante o golpe de

1964 e um dos líderes do golpe burgo-militar.Por contradições com a ditadura, foi cassado em 1968.

20 Líder populista paulista e governador de São Paulo durante o golpe de 1964.

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Conferência em questão, o que possibilitou a formação de uma orientação

política que exercitava sua ação tendo como horizonte político posturas que

podem ser qualificadas como ilusões de classe em relação à burguesia. Essa

ilusão pode ser entendida pelo oportunismo cupulista, pelo liberalismo na vida

orgânica do partido e pela incapacidade de orientar os trabalhadores, através

da presença da vanguarda nas ações de massas. Portanto, são desvios à

direita da linha política que contribuíram para a incapacidade do partido reagir

ao Golpe burgo-militar, de 1964.

Ainda na avaliação do balanço, que foi encaminhado para o VI

Congresso do partido, houve erro, na verdade, na condução da política do V

Congresso, considerados como desvios na aplicação da política do V

Congresso, o que facilitou uma interpretação daquela crise política a partir de

uma orientação pequeno burguesa, golpista, subjetivista, que teria favorecido

ao campo reacionário, teria desarticulado a unidade do campo nacional e

democrático. Na realidade afrontou essa avaliação.

Orientado por essa reflexão a postura do PCB, diante do Golpe, será de

recuo tático. Após um longo período sem se reunir após o golpe o CC do

partido vai ter sua primeira reunião em maio de 1965.

O coletivo dirigente do partido, nessa reunião, em sua maioria, identifica

que uma das causas do golpe foi não ter seguido as orientações e resoluções

do V Congresso, o que abriu espaço, reafirmo, para o esquerdismo, o

golpismo, o voluntarismo, desvios da linha e incapacidade de reagir diante da

ruptura institucional. As forças políticas progressista, incluindo aí o PCB, foram

incapazes de responder às necessidades que se colocavam no processo

político anterior e impedir o surgimento desse evento que a burguesia

conseguiu realizar no Brasil. Para além dessas observações colocadas para

qualificar o desvio esquerdista na política do partido a reunião tirou uma

resolução no sentido articular a unidade das forças ligadas ao governo deposto

e a criação de uma frente anti-reacionária, anti-burguesia que estava a serviço

do imperialismo no Brasil.

O PCB, ainda como análise dessa reunião, considerava que naquele

momento o partido havia sido contaminado por uma concepção não marxista

da revolução.

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Outra tese a ser combatida e a que vê a revolução, não como a obra das massas de milhões, como afirmava Lenine, mas como o resultado da ação heróica de alguns indivíduos (expressa no lema: o dever dos revolucionários é fazer a revolução), ou de pequenos grupos audaciosos. Essa posição voluntarista, tipicamente blanquista, é a propugnada por todos os que hoje insistem em ver na criação de ‘focos’ guerrilheiros no interior do país o passo inicial da revolução (PCB, Apud CARONE, 1982, p. 60).

Podemos qualificar que a nova orientação do partido entre 1964 e 1967

foi marcada por duas posições: por um lado, uma tímida ação na frente de

resistência contra a ditadura e, por outro lado, por um recuo orgânico para não

ser massacrado no imediato pós-golpe pelos gerentes do Estado de exceção.

No entanto, algumas preocupações informavam sobre a possibilidade de

reação ao golpe por parte do PCB:

Tínhamos como objetivo resistir ao máximo na capital [Brasília], mas calculamos que tudo dependeria do que estava acontecendo no Sudeste e, principalmente, no Rio Grande do Sul, porque pensávamos que haveria uma repetição da resistência desencadeada por Brizola em 1961. Definido o quadro, os companheiros Valter Ribeiro, ex-oficial do Exército, e Valter Valadares, que participaram ativamente da luta dos posseiros em Goiás, traçaram o seguinte plano. Com o maior contingente possível de homens armados, partiríamos para a região de Formoso e Trombas. Em anos anteriores, nessa área ocorreu um movimento de posseiros, vitorioso e bem organizado, sob a liderança de José Porfírio. Contávamos, portanto, com o apoio dos lavradores naquela região, o que nos permitiria estabelecer ali uma base de oposição ao golpe. Mas esse plano somente seria aplicado de acordo com o quadro geral do país e, notadamente, se houvesse outras frentes de combate (COELHO, 2000, p. 267).

Não se concretizando esse movimento, o partido tentou articular uma

série de movimentos no campo da frente de resistência com a perspectiva que

pudesse responder de forma majoritária, dentro dessa articulação, ao conjunto

das ações dos golpistas, agora já instituídos no poder de Estado.

O debate que se abria naquele período dentro do horizonte teórico do

PCB confirmava que as ações do operador político dos comunistas brasileiros

estavam pautadas por uma estratégia nacional-democrática, como primeira

etapa da revolução que teria no horizonte, como se imaginava, o socialista para

o Brasil. No entanto, as características do desenvolvimento capitalista e a

formação social brasileira indicavam para além do politicismo policlassista e

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economicismo do PCB, a necessidade de uma nova estratégia para responder

aos impasses da revolução brasileira.

A constante procura do PCB pela democracia, mesmo aquela da

institucionalidade burguesa, em virtude da sua longa exclusão da vida política

do país, fazia com que esse partido se comportasse de forma errática ao fazer

alguns movimentos como instrumento da tática e possibilitasse ações de

conciliação de classes, trazendo para dentro do bloco de forças, nacional e

democrática, uma parcela da burguesia que já estava consorciada ao capital

internacional e ao capital imperialismo.

Mas essa formulação política para interpretar o Brasil e orientar o partido

vai abrir uma profunda luta interna com desfechos extremamente desfavoráveis

à vida orgânica. Esse processo de esgotamento de um ciclo político vai dar

origem a uma grave cisão histórica dentro do Partido Comunista Brasileiro,

que, terá conseqüências irreversíveis para a sua presença política a partir daí.

No entanto, precisamos ainda caracterizar o que era a situação do

Brasil, naquele momento, do ponto de vista social e econômico. Confirma-se na

prospecção analítica que as balizas do modo de produção no país orientavam-

se pelas relações capitalistas com algum grau de consolidação das forças

produtivas no campo e na cidade. Portanto, esvaziava-se a aderência da

formação social ao projeto estratégico do PCB, ainda permeado pela leitura

que dava conta da existência de resíduos feudais na formação social brasileira.

Numa análise mais acurada identifica-se que o projeto do PCB estava

completamente superado. Caio Prado Jr. avança nessa leitura a partir de suas

pesquisas sobre a formação social brasileira. Para o historiador comunista o

Brasil já era um país plenamente capitalista e vivia um processo complexo de

contradições que alimentava a relação dialética entre riqueza e pobreza.

Pautando-se no estudo do modelo de desenvolvimento brasileiro e a sua

integração consorciada e subalterna, à lógica do sistema capitalista.

Identificava, também, as características das classes sociais e, em especial, a

classe operária e suas lutas. Porém, nesse todo articulado da formação social

e seus atores políticos, Caio Prado Jr. afirmava, ao contrário do PCB, a

integração da chamada “burguesia nacional” ao bloco do poder, gerando,

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as graves distorções observadas na interpretação da realidade política, econômica e social brasileira contribuíram para os erros que vinham sendo cometidos desde longa data na ação política da esquerda, e [do PCB] que levaram afinal ao desastre de 1º de abril (PRADO Jr., 1987, p. 23).

A qualificação daquele momento histórico encontrava no PCB uma

tentativa de aprisionar a realidade às suas formulações teóricas. Esse exercício

do partido, ainda, era influenciada pela “teoria consagrada” que desarmava a

capacidade analítica para vislumbrar, através, de um exame mais acurado o

que ocorreu e, ao mesmo tempo, orientar novas lutas.

No bojo da crise política que antecedeu o golpe de Estado de 1964 o PCB desenvolvia a política de construção de uma frente nacionalista com ‘a burguesia nacional’. Seu instrumental analítico constituía-se o maior obstáculo à percepção do processo de fratura que se processava no interior do bloco de poder burguês, assim como o rápido esvaziamento que se processava nos reduzidos núcleos democráticos aglutinados em frações burguesas, que começaram a voltar-se na direção dos golpistas (MAZZEO, 1999, p. 133).

Mas, após o primeiro momento do recuo tático, o PCB rearticulou forças

internas para voltar-se no sentido das lutas gerais das massas. Mesmo tendo

que continuar analisando, e debatendo internamente, os erros e os motivos da

derrota.

Do ponto da frente de resistência o partido continuava tentando articular

o envolvimento do MDB com as lutas democráticas de combate a repressão,

trabalhando com a perspectiva de se construir um movimento que levasse a

ditadura à exaustão através do isolamento e que o campo oposicionista

pudesse formar um governo que superasse o governo golpista estabelecido

naquele momento. Essa possibilidade de um governo que fosse transitório e

representativo desse movimento oposicionista policlassista era uma abstração

do PCB em virtude de sua crença de que a ditadura não demoraria muito

tempo: profundo engano histórico.

Esse conjunto difuso de movimentações táticas do PCB continuava

sendo derivado, é bom que se frise, daquilo que se considerava o objetivo

estratégico do partido. E esse arcabouço estratégico estava consolidado no

documento de balanço para o VI congresso e nas resoluções do próprio

evento.

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O documento em questão ainda se debruça sobre a necessidade do

desenvolvimento capitalista, do avanço das forças produtivas, da articulação de

ações que fomentem e desenvolvam a etapa nacional-democrática da

revolução brasileira como um eixo importante. Possibilitando, dessa forma, a

construção de um bloco revolucionário, na etapa em curso, para efetivar um

conjunto de tarefas que se faziam necessárias com base nesse momento

estratégico da revolução.

Alguns aspectos do documento de balanço para o VI Congresso foram

modificados pelo próprio Congresso. Todavia, irão pautar novas políticas que

serão colocadas em prática pelo PCB para fazer o enfrentamento com a nova

ordem burgo-militar até a derrota da ditadura através dos arranjos institucionais

que superaram os 21 anos das forças golpistas. Esses aspectos serão

centrados basicamente na formação e desenvolvimento das forças

democráticas através de ações de massas, mas, basicamente através das

negociações de cúpula que vão acontecer até o seu desfecho no colégio

eleitoral.

1.3 VI Congresso do PCB: as contradições políticas e o distanciamento da

perspectiva socialista

O sexto Congresso do PCB apresentou como elemento principal do

ponto de vista da situação econômica e social do Brasil, a análise que entendia

a “nação” como portadora de uma economia agrária e industrial, mesmo

estando o capitalismo brasileiro em desenvolvimento crescente da década de

1940 até àqueles dias. O documento aponta uma constante penetração do

capitalismo no campo, considera importante e relevante o papel do capitalismo

de Estado no Brasil, ou seja, a presença do aparato de Estado nas diversas

ramificações da produção. Mas, por outro lado, identifica nesse quadro

produtivo do desenvolvimento brasileiro, uma incapacidade crônica de crescer

que se estabeleceu no período de 1960 até 1965.

A inflação crônica, que deriva de causas estruturais e atingiu taxas elevadíssimas nos anos de 1960-65, em consequência também de causas conjunturais, foi o recurso usado para acelerar a taxa de acumulação de capital. Beneficiando-se da inflação durante um largo

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período, a burguesia temeu a hiperinflação que ameaça subverter todo sistema econômico (PCB, 1980, p. 160).

O modelo de desenvolvimento brasileiro encontrava-se envolvido nas

contradições do modo de produção determinante dentro da formação social

brasileira e foi impactado, também, pela incapacidade política do governo João

Goulart de responder às ações do imperialismo, pela agitação promovida pelos

segmentos golpistas e descontentes da política brasileira no processo de

articulação entre as frações burguesas e os militares que se referenciavam no

repertório da ideologia de segurança nacional e na perspectiva golpista. O

governo “Jango” e as forças políticas que defendiam esse projeto não tiveram

capacidade de responder as articulações do imperialismo, que se movimentou

através da orientação do departamento de Estado dos EUA e das ações

desenvolvidas pelo consórcio dirigido pela burguesia do “capital imperialista21”

(PCB, 1980, p. 161; PCB, 1984, p. 91).

Para o PCB, essas contradições cresceram e se avolumaram ao não se

conseguir resolver as questões específicas da “burguesia nacional”. Todavia, o

consórcio político e econômico do imperialismo com as frações da burguesia

agrária e industrial, conformou-se numa junção de frações de classe que vão

governar o país a partir do golpe militar.

A derrubada do governo Goulart trouxe uma modificação profunda na vida política brasileira. Assinala uma derrota das forças democráticas e nacionalistas, e uma vitória das correntes reacionárias e entreguistas. O golpe de 1º de abril, resultante da junção de forças políticas, econômicas e sociais numerosas e heterogêneas, deu início a um novo processo político em nosso país. [...] A burguesia nacional foi relegada a um plano secundário no aparelho de Estado (PCB, 1980, p. 166).

As pendências sobre a questão da terra, as necessárias transformações

sociais não realizadas, as novas demandas que passaram à existir em virtude,

especialmente, de novas categorias sociais alocadas nas camadas médias

(bancários, empregados do setor de serviços, servidores públicos, profissões

entendidas como integrantes da pequena burguesia e outros setores da base

da pirâmide) começaram a se movimentar diante da política implementada

pela ditadura burgo-militar.

21 Expressão, também, utilizada pelo documento “Uma alternativa para a crise brasileira”, tendo em vista debater as

contradições e aproximações entre o Estado e as ações econômicas do imperialismo.

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A fração burguesa ligada ao movimento nacionalista e democrático era,

do ponto de vista político, muito pouco representativa e não conseguiu ter

ressonância na cena política. No entanto, mesmo assim, o instrumental

analítico do PCB deu uma excessiva importância a esse setor, considerando

que ele foi imobilizado diante da nova política aplicada pelo governo militar de

orientação burguesa e imperialista. A análise do PCB constatou então, que

estava ocorrendo uma mudança radical de regime político a partir do golpe de

Estado e da ação dos golpistas no aparelho de Estado, considerando que esse

movimento derrotou as forças nacionalistas e democráticas. Todavia, não se

detém sobre o que tinha ocorrido na conjuntura anterior ao golpe para justificar

essa derrota.

Para o partido, surgem como vitoriosos desse conturbado processo, as

correntes reacionárias e entreguistas. Essa nova conformação política fez com

que setores da chamada “burguesia nacional” fossem forçadas a transitar para

a base de apoio da ditadura, para não ser relegada ao segundo plano do ponto

de vista do aparelho de Estado. Aí começaram a se agravar as insuficiências

da formulação política do PCB. O partido considerou que o golpe era contra a

chamada “burguesia nacional”, no entanto, esta foi relegada a uma condição

secundária na relação com as políticas do aparelho do Estado. Nessa mesma

perspectiva, para o PCB, o Estado brasileiro foi colocado a serviço do

imperialismo, entendida essa premissa como uma alienação da soberania

nacional.

O Estado brasileiro foi colocado a serviço de uma política de alienação da soberania nacional e de repressão às aspirações democráticas e progressistas do povo. O traço essencial dessa política está em que impõe ao país um curso de desenvolvimento que reforça a dependência e a subordinação ao imperialismo norte-americano e defende as posições da reação interna (PCB, 1980, p. 167).

Em outra particularidade da avaliação, o partido identifica que o Estado

brasileiro foi colocado a serviço da repressão contra as aspirações

democráticas, como se essa postura estatal não tivesse existido antes.

Portanto, essa característica foi se acumulando dentro do aparelho de Estado

com o desenvolvimento da ação dos governos golpistas, numa nítida aplicação

da doutrina ideológica de poder de caráter semifacista.

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Os arranjos políticos sofreram, já no governo do primeiro general

presidente, Castelo Branco, o impacto dessa doutrina autoritária na relação

com o parlamento e com os políticos da base de apoio. Gerando um

determinado descontentamento político que encontrou ressonância na derrota

sofrida pelos aliados políticos de extração liberal- burguesa e de tradição

golpista, nas eleições para os estados de Minas Gerais e da Guanabara. Esse

acontecimento movimentou setores internos das Forças Armadas (FFAA)

descontentes com o governo de Castelo Branco. Ocorreu, então, uma

rearrumação de forças no ambiente da burguesia bancária e industrial,

juntamente com segmentos mais a direita das forças armadas, que

aproveitaram o momento político tenso para movimentar tropas e forças

políticas no sentido de avançar para condutas mais autoritárias dentro do

governo golpista. Foi nessa direção que agiu o porta-voz da corrente mais

reacionária das Forças Armadas, o general Costa e Silva, que procurou

consolidar o caráter mais violento do regime, levando adiante as propostas de

“endurecimento” autoritário que consolidou o Estado de exceção no curso da

cena política em movimento.

Todo esse conjunto de ações dos golpistas acabou com garantias

individuais e retirou conquistas e direitos dos trabalhadores. A política salarial

do governo Castelo Branco aplicou um forte “arrocho salarial” com medidas

impactantes sobre os trabalhadores.

A situação econômica e política dos trabalhadores piorou consideravelmente em consequência do golpe de Estado de 1964 e da atuação do novo governo. A linha geral da ditadura militar pode ser definida como reacionária, houve um grande retrocesso no país. As forças democráticas e progressistas foram seriamente prejudicadas.Tiveram conseqüências sobretudo nocivas contra as bases da democracia, que constituíam o núcleo da política interna da ditadura. A classe operária foi privada de muitas conquistas importantes, alcançadas por ela durante anos de luta tenaz. O governo de Castelo Branco desde o início conduziu a política de congelamento dos salários na qualidade de principal método de luta com a inflação ou, como dizia o Programa de Ação Econômica do Governo: ‘garantir a participação dos trabalhadores na utilização dos frutos do desenvolvimento econômico’. Em conformidade com esse Programa propunha-se obter a duplicação da renda real per capita no decorrer de 18/24 anos e até 1980 atingir o nível de 650 dólares (KOVAL, 1982, p. 502-503).

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Essa postura era central nos objetivos que caracterizaram o primeiro

governo da ditadura, continuou no governo Costa e Silva e se transformou

numa consigna da ditadura. Por outro lado, esse processo ensejou resistência,

por parte dos trabalhadores, que começaram a desenvolver lutas para

combater as medidas em curso. Essas ações contaram com o apoio das forças

políticas democráticas e de esquerda. Todavia, se confrontaram com a mais

ampla repressão por parte do aparato de Estado e do começo das ações

desenvolvidas pelos setores mais retrógrados dos militares. A partir daí, se

consolidou um arcabouço policialesco dos organismos de segurança/repressão

do regime, que agiam nos porões da ditadura22.

1.4 A visão estratégica e a ditadura da tática no P CB

Diante dessas balizas da ação política, a estratégia do PCB contida no

documento do VI Congresso, afirmava um arsenal de propostas que o

deslocava da luta concreta contra a ditadura, em virtude de algumas premissas

analíticas, para um difuso campo da resistência democrática. Primeiro, fica

evidente para os comunistas brasileiros a necessidade de desenvolvimento

capitalista como uma etapa da luta nacional e democrática. Segundo, o

desenvolvimento capitalista possibilitaria um avanço das teses do PCB para

uma estratégia que iria lhe aproximar da luta pelo socialismo. Esse argumento

estratégico era, ainda, refém da visão etapista que se perdia na análise da

formação social brasileira, que para o partido era caracterizada pela existência

de “restos feudais”. Portanto, esse arsenal propositivo, contido nas

formulações, determinava quais forças sociais e políticas seriam aliadas do

partido na formação do bloco de forças que deveria lutar para realizar a

revolução brasileira. Esse impasse, entre realidade concreta e a posição

reformista do núcleo dirigente estagnado, foi central para determinar a prática

política do PCB. Ainda dentro da perspectiva do PCB, a realidade brasileira

vivia uma crise de estrutura, em especial pelo baixo desenvolvimento das

forças produtivas capitalistas, que eram subordinadas a um processo de

22 Situação desenvolvida a partir do ambiente de clandestinidade e executada nos “porões da ditadura”, por milícias

paramilitares e terroristas do aparelho de Estado, descontentes com o avanço da luta por liberdades democráticas e

pelo fim da ditadura burgo-militar.

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dominação, cuja contradição central se dava entre a necessidade de

desenvolvimento das forças produtivas e a velha dominação imperialista que

era aliada da exploração latifundiária.

Graças ao monopólio da terra por uma pequena minoria de grandes proprietários, imperam na agricultura os métodos mais atrasados de exploração do trabalho e gestão da propriedade. O latifúndio impede o acesso à terra e o melhor aproveitamento dos que nela querem trabalhar. Daí o mísero padrão de vida da população rural, as dimensões limitadas do mercado interno, a baixa produtividade da agricultura, a concentração de renda agrícola nas mãos de uma minoria privilegiada. Tudo isso perturba a acumulação interna e atua negativamente em relação ao desenvolvimento da economia (PCB, 1980, p. 162).

O PCB reafirmava o instrumental teórico-explicativo que pautou o

conjunto das suas formulações a partir do histórico levante comunista de 1935.

A partir desse processo de inflexão política, o partido se apresentará nas contendas da sociedade orientado pelo assentamento de uma nova cultura política, cujos braços exercitarão uma prática sindical não mais pautada na autonomia operária, mas uma militância no espectro corporativo da ordem burguesa. A batalha pela modernidade capitalista se aprofundará com a capitulação à ‘burguesia nacional’, como parceiro conflitivo do longo processo de revolução burguesa, perenizando a visão etapista da revolução brasileira e afirmando a necessidade de um pacto pelo desenvolvimento das forças produtivas, passando de uma visão dogmática de ruptura para o afastamento de qualquer processo clássico de ruptura com a ordem do capital (com a rara exceção da manifestação dessa ideia nos anos de 1950). A constante preocupação com a estabilidade democrática tornou o partido subalterno no processo dessas lutas. Afirmação de uma visão autárquico-burguesa da soberania nacional. Confirmação de um frentismo policlassista como instrumento de luta pela democracia. Com todo esse arcabouço [...] permeado pela cultura de que a democracia só virá pelo arranjo da conciliação e tensionado pela dúvida da opção entre povo e classe, será vitoriosa na formulação do partido a política nacional libertadora e a revolução em etapas, como via nativa ao socialismo (PINHEIRO, 2012, p. 214-215).

Portando, podemos afirmar a caducidade desse conjunto analítico, por

entendermos que a realidade exibia uma formação social onde o modo de

produção capitalista era determinante e a burguesia interna era consorciada à

burguesia internacional. Essa realidade nos permite identificar, numa análise

mais acurada, os equívocos do partido que se prendia a um projeto autárquico

de nação que tinha contradições com o imperialismo. Sendo assim, a luta seria

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para superar essa dominação capitaneada pelo julgo da aliança imperialista

com os latifundiários.

Para a linha política do VI Congresso, essa dupla dominação

(imperialismo e latifundiários), gerava um empecilho ao desenvolvimento do

Brasil. E isso se manifestava na qualidade dessa aliança política que submetia

o Brasil ao reacionarismo interno. Partindo desse esquemático e anacrônico

instrumental analítico, o PCB entendia que a formação social brasileira se

desenvolvia por etapas e todas elas, com as suas respectivas bandeiras de

lutas e alianças, determinavam o processo brasileiro na procura pela trilha que

levasse a “evolução” política e social. A etapa daquele momento se afirmava

nas bandeiras de caráter nacional e democrático que, mesmo não se

contrapondo ao capitalismo, nem mesmo acabando com a exploração do

capital, seria fundamental para desobstruir o caminho para a revolução

brasileira, tendo como horizonte a sociedade socialista. Constituindo-se, a

partir desse roteiro esquemático, a necessária participação dos trabalhadores

na efetivação da sua hegemonia na direção da revolução.

Todavia, pela ação tática inflexível que o PCB vinha se pautando a partir

da Declaração de Março e das resoluções do V Congresso, as ações

desenvolvidas pelo partido perante o golpe militar se mostraram insuficientes

para responder aos acontecimentos. A perspectiva de luta se transformou num

discurso vazio e a posição dos comunistas não encontrou repercussão nas

forças de esquerda contrárias ao golpe. Era um exercício retórico sem

substância, que partia de uma análise superada, anteriormente feita, que

projetava uma ação em que, para liderar a revolução nacional e democrática, o

bloco revolucionário deveria ser constituído pelo proletariado, campesinato,

pequena burguesia urbana, a burguesia nacional (inimiga dos interesses do

imperialismo) que cumpriria o papel de força hegemônica naquela etapa. No

entanto, os argumentos do papel predominante da “burguesia nacional” no

bloco de forças da revolução nacional e democrática, se levarmos em conta a

realidade concreta e o papel de força auxiliar que essa fração da burguesia

interna desenvolveu no processo golpista e na integração subalterna ao

governo autoritário, não tinham consistência para se estabeler.

O conjunto das ações do partido em relação ao golpe se confrontou com

a realidade. Por acreditar no papel estratégico da chamada “burguesia

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nacional” dentro do bloco de forças da etapa nacional e democrática, o PCB

não teve centralidade de classe na articulação de um movimento que tentasse

se contrapor aos golpistas no primeiro momento. O partido não conseguiu ter

protagonismo naquela cena política, pois acreditava que a oposição das

frações de classe da burguesia descontentes com o golpe faria a oposição no

campo da luta pelo Estado de direito da democracia formal. Contudo, o PCB

não percebeu que a burguesia, através das suas frações bancárias e industrial,

e os militares entreguistas já haviam suprimido esse Estado formal para

ficarem no poder por muito tempo. Mais uma vez, os argumentos da vaga

estratégia foram derrotados pelo arcabouço da ditadura da tática posta em

combate pelo partido; que dava sinais no sentido de acreditar que o golpe seria

uma medida preventiva para um novo rearranjo de forças do bloco no poder,

que teria vida curta, e que em breve retornaria à democracia formal.

Portanto, caía por terra aquele conjunto de formulações/propostas do

PCB caso seu projeto de revolução em etapas fosse vitorioso. Ficaram no meio

do caminho, por descompasso de interesses dentro do bloco de forças

propostas pelo partido, as tarefas que num primeiro momento consolidaria uma

perspectiva de libertação econômica e política, de independência do

imperialismo, transformação radical da estrutura agrária, acabando com o

monopólio da terra, nacionalização das empresas do conglomerado norte-

americano, consolidação do setor estatal na economia, industrialização,

planejamento democrático e reforma agrária para ampliar o mercado interno.

Mesmo acreditando que “A revolução brasileira, em sua presente etapa, deverá

liquidar os dois obstáculos históricos que se opõem ao progresso da nação: o

domínio imperialista e o monopólio da terra” (PCB, 1980, p. 172).

O próximo passo, por insistência tática, diante do possível avanço

dessas reformas, seria a perspectiva de modificar o caráter da revolução

brasileira com a possibilidade de se pensar a via para o socialismo. Porém, não

se percebe quais seriam as formas de como se chegar ao socialismo a partir

desse artefato analítico do Partido Comunista Brasileiro. Ficou apenas uma

vaga perspectiva pacífica.

A tática do PCB, influenciada pela estratégia nacional e democrática,

agia a partir da perspectiva de luta da pauta etapista. Esse modelo de fazer

política levou o partido para o campo das articulações que movimentou um

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difuso bloco oposicionista na luta por liberdades democráticas. No entanto,

existia um movimento real de outras forças de esquerda, em processo de

confronto com a ditadura, nas questões que interessavam aos trabalhadores e

a um campo de classe na política brasileira.

A paralisia política do PCB, de abril de 1964 a maio de 1965 (quando o

CC se reuniu pela primeira vez depois do golpe) maturou uma posição tática

com base na necessidade de enfrentamento aos golpistas a partir da nova

realidade do aparato de Estado brasileiro. Portanto, o instrumental tático do

PCB se pautava no discurso de mobilizar, unir e organizar a classe operária e,

com ações concretas, na articulação das chamadas “forças patrióticas e

democráticas” para o enfrentamento que tinha por base a luta no horizonte das

liberdades democráticas contra o regime político imposto pelos militares e as

frações de classe da burguesia que rearranjaram a dominação dentro do bloco

no poder.

Novamente fica evidente para qualquer analista, a contradição entre as

resoluções do VI Congresso, em particular o discurso em defesa da classe

operária e a operação concreta na realidade, que priorizava as articulações

políticas no embrião da frente oposicionista; sem falar dos impasses colocados

entre as formulações e a realidade concreta.

A partir do VI Congresso, a ação tática do PCB se resumiu à tentativa de

organizar e unir o maior conjunto possível de forças do campo da burguesia e

dos liberais descontentes - porque foram atingidos pelos militares - para fazer a

política de enfrentamento ao novo regime político. Ao lado dessas articulações,

o partido pregava a luta pelas liberdades democráticas naquilo que dizia

respeito ao direito de reunião, de associação, manifestação, liberdade de

imprensa e liberdade partidária.

A mecânica política do PCB informava que o mesmo bloco da tática era

o mesmo bloco da estratégia. Existiam impropriedades nas formulações do

partido que alimentavam a confusão nos interesses táticos e nas divagações

estratégicas que impediram uma combativa prática política para enfrentar o

novo bloco de forças no poder. Porém, mesmo assim, ao lado dessa orientação

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política, o partido considerava importante atuar na estrutura sindical que existia

naquele momento, no sentido de se tentar avançar para os sindicatos livres23.

Também nesse campo de luta havia um descompasso tático-estratégico

entre as formulações e a centralidade da luta que estava sendo posta pela

realidade. Existia uma presença repressiva muito forte da ditadura nos

sindicatos que agia para impedir a luta dos trabalhadores e para aplicar a

política de arrocho salarial. O PCB, embora atuando no embrião da frente

oposicionista, formada por frações de classe da burguesia insatisfeitas com os

rumos do golpe e setores políticos do campo da democracia formal, acenava

de forma genérica e discursiva para a necessidade de movimentar a estrutura

sindical oficial com a perspectiva de modificar o caráter corporativo desse

segmento social.

Mas a política do PCB, mesmo essa que só se interessava de forma

concreta com a perspectiva de articulações “pelo alto”, para construir o retorno

à democracia formal, indicava a necessidade de mobilizar amplos setores da

luta popular. A resolução congressual incentivava a mobilização dos

camponeses, considerava importante a luta dos assalariados agrícolas,

argumentava em defesa das reivindicações da pequena burguesia urbana,

apoiava o papel importante da intelectualidade progressista como fonte de

combate à ditadura, desejava que as contradições internas da Igreja Católica

fossem resolvidas através da vitória dos setores progressistas - contra a ala de

direita que foi para as ruas em defesa do golpe. Portanto, existia uma luz que

apontava para os novos atores sociais que estavam sendo descortinados pelo

desenvolvimento de uma moderna sociedade capitalista.

O desenvolvimento determinou a formação de uma numerosa pequena-burguesia urbana com composição e estrutura igualmente novas no país. No passado, esta camada era constituída fundamentalmente por artesãos, pequenos produtores, profissionais autônomos e servidores públicos. Seu peso no conjunto da população brasileira era pequeno. Hoje, os servidores públicos chegam a um milhão de pessoas. Os bancários, empregados do comércio, auxiliares diversos, técnicos, etc., já somam cerca de 1,5 milhões de pessoas. O surgimento desse grupo ativo e numeroso de assalariados determina uma mudança de qualidade na composição e no papel da pequena burguesia urbana (PCB, 1980, p. 165)

23 Perspectiva político-sindical para, a partir do contexto sindical que se tinha, lutar pela transformação da estrutura

sindical, pleiteando um modelo que o tornasse livre da presença reguladora do Estado e do patrão.

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Contudo, essa iluminação não foi suficiente para romper com os

impasses das formulações.

Com a industrialização, ampliou-se o setor da burguesia cujos interesses estão ligados ao desenvolvimento autônomo do país. Esse setor distingue-se, em muitos aspectos, da burguesia comercial, outrora predominante. Luta para controlar o mercado interno e se choca com a ação do imperialismo. Seu interesse pela ampliação do mercado consumidor leva-o a apoiar a luta pela reforma agrária. Formou-se e ampliou-se, assim, um setor burguês que se liga ao movimento nacionalista e democrático, contrapondo-se nisto ao setor entreguista da burguesia brasileira (PCB, 1980, p. 165-166).

O desaguar desse complexo de sugestões/formulações para enfrentar a

ditadura, foi a tentativa de construir um programa mínimo, estabelecido por

quatro pontos: revogação da Constituição de 1967, revogação de atos que

lesavam os interesses nacionais, abolição da política de arrocho salarial,

política externa de afirmação da soberania nacional (CARONE, 1982). Essa era

uma tentativa, do longevo operador político dos trabalhadores brasileiros,

mesmo já enfrentando dificuldades impostas pela realidade concreta, de

manter a sua tradição de luta.

No entanto, era uma tentativa, também, de encontrar brechas em sua

formulação que minimamente pudessem dar respostas aos problemas internos.

Contudo, a linha continuava sem sofrer grandes cismas: o partido desconectou

de uma pauta de lutas mais específicas e continuou a trabalhar em

generalizações frentistas que, em tese, teria papel importante para aglutinar os

segmentos descontentes com o novo regime político e a forma jurídico-

econômica que o Estado passou a executar. Tendo como horizonte político

esse cabedal analítico e como tática, a ampliação do campo oposicionista, o

partido considerou relevante as funções que o MDB24 poderia ter. Naquele

momento, o Movimento Democrático Brasileiro surgia como partido da

chamada “oposição consentida”. Mesmo com essas características iniciais, o

PCB fez um esforço ao conclamar a unidade dentro dessa agremiação com o

interesse de construir um espaço político que pudesse movimentar as mais

amplas forças que se colocavam contra a ditadura.

24 Movimento Democrático brasileiro. Partido criado pela nova institucionalidade golpista para representar pequenos

interesses divergentes na relação de conflito com as políticas do governo burgo-militar.

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Apesar das medidas tomadas para instituir na prática o partido único, setores e personalidades políticas desenvolvem, no Parlamento e fora dele, a oposição ao regime. Os parlamentares eleitos, sob a legenda do MDB têm tido, com algumas exceções, uma posição vacilante diante das arbitrariedades da ditadura. Apesar disso, o MDB e outros agrupamentos existentes podem tornar-se um fator positivo para a mobilização das forças populares (PCB, 1980, p. 181).

Essa perspectiva de atuação no MDB, no começo, teve pouca

repercussão do ponto de vista de trazer para esse espaço político os

trabalhadores, os movimentos populares e os setores combativos da esquerda.

Todavia, se mostrou importante na articulação de outras formas de luta política

que começavam a encontrar ressonância na afirmação de um embrião da

frente democrática de luta contra a ditadura.

Apesar do MDB ainda ser, naquele momento, um espaço de luta política

contraditório, e o PCB não ter maior densidade dentro dele, no campo da tática

eleitoral o partido começou a ter uma determinada importância pelo papel que

estava exercendo na união das forças contrárias ao regime político governado

pelos militares. Todavia, apesar da centralidade desse campo de atuação, o

PCB passou a desenvolver outras atividades na frente de resistência à ditadura

em todo território nacional. Sem perder, contudo, o foco nas articulações da

“frente única” com a perspectiva incerta de formar um novo governo com o

caráter de transição, para superar o regime político imposto pelos golpistas. É

com base nessa perspectiva que podemos afirmar que o partido analisava a

ditadura como um pequeno e transitório período autoritário.

Portanto, algo destoava da capacidade analítica que marcou a história

do PCB: ao considerar que a ditadura seria passageira, o partido se empenhou

por um governo de ampla coalizão, com características de “frente única”, que

envolvesse diversos segmentos descontentes com o golpe e aqueles que se

opuseram aos reacionários durante o governo João Goulart. Essa situação

poderia por fim à ditadura através de um amplo processo de negociação de

caráter bonapartista (BARSOTTI, 2002; DEMIER, 2013). Todavia, sobressaiu

dessa postulação uma profunda incapacidade analítico-política que demonstrou

o esgotamento do PCB como operador político da classe operária para

responder aos golpistas. A postura histórica do PCB que sempre primou por

análises ricas e centradas no que indicava a realidade, perdeu consistência

teórica para entender o modo de produção capitalista predominante na

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formação social brasileira e não encontrava aderência para vislumbrar os

atores que agiam sob a cortina da cena política que impactava a luta de

classes naquela conjuntura.

1.5 A análise sobre o partido e o golpe nas resoluç ões do VI Congresso

O Congresso também se dedicou a entender o partido, procurando

discursivamente fomentar a sua presença na luta política em curso. Contudo,

entre a visão orgânica de corte baluartista e as necessidades da luta concreta,

o Congresso apontou para o fortalecimento do partido optando por práticas

reformistas que, em tese, iriam estimular o crescimento e a presença partidária.

O PCB não conseguiu entender que a derrota que sofreu advinha da

opção feita pela luta política nos marcos da linha construída pela Declaração

de Março de 1958 e pelas Resoluções do V Congresso. Pautado pela

orientação desses documentos, o núcleo dirigente estagnado argumentava que

os motivos da derrota em 1964 foram determinados pela concepção de fundo

pequeno-burguesa e golpista que existia no partido e na compreensão da

revolução sem a necessidade de participação das massas – como sendo uma

ação de poucos e bons. Também considerava que havia uma visão de luta

política imediatista, uma postura esquerdista que limitava a compreensão

teórica e impedia que o partido aplicasse a linha política da Declaração de

Março e do V Congresso e por ter, dentro do aparelho partidário, uma forte

influência da ideologia pequeno-burguesa. Sendo assim, esse conjunto

explicativo, baseado nos tópicos citados, respondia à complexa questão da

derrota do PCB.

Em nossa compreensão, a inversão das causas e a não identificação

dos equívocos contidos nos documentos partidários, pautaram a reflexão do

PCB em uma perspectiva que o colocava no campo do reformismo reboquista

de direita. Levaram à não compreensão do que havia passado com o mais

grave acontecimento da segunda metade do Século XX no Brasil. Portanto, o

PCB ampliou celeremente a ruptura com a sua tradição de luta, optando por se

inserir nas bandeiras pela democracia formal e se afastando das tarefas que

davam centralidade ao papel da classe operária na luta política. E a história

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não demorou muito para comprovar o equívoco desse novo horizonte teórico-

político que se firmou no partido.

1.6 As rupturas políticas e orgânicas do PCB no cam inho do

enfrentamento armado com a ditadura

As rupturas políticas e orgânicas saídas do PCB, a partir das avaliações

e debates no ambiente do VI Congresso, fizeram uma crítica radical ao partido

em virtude daquilo que era caracterizado por esses segmentos como vacilação,

reformismo, conciliação e ilusão de classe do partido. Os críticos da linha

política do partido foram derrotados e se rearticularam em várias organizações.

Mesmo pequenos, alguns agrupamentos, originários dessa ruptura,

mantiveram uma quantidade significativa de militantes.

Os primeiros momentos após o golpe, quando da instalação dos

golpistas no controle do aparato de Estado, deixaram perplexas as forças de

esquerda que passaram a agir desarticuladas e fracionadas. Essa apatia

política diante de tal evento impossibilitou uma mínima reação, mesmo do

governo deposto, e distanciou as forças democráticas da formação de uma

frente única para direcionar a luta de resistência.

A realidade pesava sobre as forças de esquerda como um tanque de

guerra no campo de batalha e a principal ação dessas forças foi se preservar.

Fica nítida, a partir dessa conduta, a completa incapacidade da esquerda de

entender a complexa conjuntura do golpe e quais medidas tomarem. A

esquerda, em especial o PCB, através dos seus documentos, empreendia uma

fuga daquela realidade. No entanto, as forças reacionárias programavam

medidas para efetivar o seu projeto golpista.

A direita burgo-militar vitoriosa, tem como primeiro ato desarticular as

possibilidades de mobilização popular. Intervém nos sindicatos, agride a

organização das Ligas Camponesas, intimida os estudantes, destrói o prédio

da UNE na Praia do Flamengo, executa um conjunto de cassações políticas,

abre Inquéritos Policiais Militares (IPMs), tudo isso com base no primeiro Ato

Institucional Nº I (AI-1).

O aparato golpista avançava para desarticular qualquer movimentação

dos setores nacionalistas e legalistas, dentro das forças armadas e no serviço

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público, iniciando um processo de cassação que ultrapassou dez mil pessoas.

Ao lado disso organizou um conjunto de medidas econômicas que visava criar

uma modernização conservadora no Brasil, para atender aos interesses da

burguesia golpista consorciada ao capital estadunidense.

O governo Castelo Branco recebe apoio integral do FMI para

implementar essas medidas do consenso golpista. O impacto inicial dessas

medidas tem como ponto central um profundo arrocho salarial sobre os

trabalhadores e um imenso laboratório de ações no âmbito da política

econômica que foi elencado pelos novos ministros Otávio G. de Bulhões e

Roberto Campos. Todo complexo articulado da política econômica do governo

golpista diz respeito ao relacionamento do processo de avanço dos interesses

da burguesia golpista sobre o aparato de Estado.

Ainda é importante registrar, nesse complexo da dialética esboçada no

processo contraditório entre golpe e resistência, que o PCB impactado pela

ausência de aderência de sua linha política à realidade em curso, e surpreso

pela desatenção do seu núcleo dirigente, ficou estupefato pela capitulação do

frágil esquema militar do governo João Goulart. Tal esquema era visto pelo

PCB como uma força capaz de “cortar as cabeças dos golpistas”. Essa visão,

produto de leituras palacianas e não da realidade concreta, contribuiu para o

isolamento do partido, que foi engolfado, mais uma vez, por um conjunto de

debates e questões que imobilizou a estrutura interna.

Ao lado das circunstâncias que envolviam o PCB organicamente e em

sua expressão política, o aparato policial-militar dos golpistas empreendeu um

ataque repressivo que trouxe para o partido grandes dificuldades para

desenvolver sua ação.

Como ação da repressão, foram aprisionados, no “aparelho” de Prestes,

um conjunto de cadernetas, pastas e documentos arquivados pelo Secretário

Geral do partido no local em que ele vivia clandestino. Ao apreender esses

documentos a repressão pôde abrir um conjunto grande de Inquéritos Policiais

Militares (IPMs) contra vários dirigentes, militantes e intelectuais ligados ao

PCB. As acusações tinham como base o farto material recolhido nessa

operação.

Apesar do cerco da repressão, o partido continuava submetido ao

debate interno. O primeiro documento com o perfil de uma primeira avaliação

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do golpe é originário da reunião da Comissão Executiva (CE) do partido, com o

título de Esquema para discussão que foi elaborado em maio de 1964. Este

documento é importante em virtude do posicionamento da direção executiva

que entra no mérito das questões do golpe e faz uma dura crítica à postura do

PCB na escolha exclusiva do caminho pacífico para a revolução brasileira. O

núcleo dirigente que participou da reunião afirmou que o partido não se

preparou para enfrentar qualquer mudança de rota nos meandros da

conjuntura de crise. Para esses dirigentes, o partido concebia sua ação apenas

no interior do Estado de Direito democrático, portanto, criando balizas políticas

e descartando outras situações que pudessem se apresentar no fogo da luta de

classes em curso.

O partido, diante dessa sacralização do Estado de direito da burguesia,

descartava qualquer perspectiva de enfrentamento armado, pois, acreditava

substancialmente na força política do governo João Goulart, na presença dos

setores nacionalistas e democráticos da sociedade, ao tempo em que

acreditava com especial convicção no esquema militar do governo. A direção

do PCB e em especial, seu líder máximo Luiz Carlos Prestes, consideravam o

esquema militar do governo forte o suficiente para reagir a qualquer iniciativa

golpista da direita udenista sediada nos quartéis. Esse posicionamento do PCB

convenceu amplos setores da militância e desarmou a ação dos comunistas.

Com base na crítica dessa postura e se confrontando com as

formulações anteriores do PCB o “Esquema para discussão” tinha um

problema: representava uma maioria limitada que foi vencedora nessa primeira

reunião em virtude das dificuldades de outras presenças. Portanto, não era

representativa da correlação de forças interna do partido. Tanto é assim que,

em pouco tempo, essa correlação que produziu o Esquema para discussão foi

desarticulada e a maioria do CC reorientou o conjunto das análises em

consonância com as formulações anteriores.

O texto em questão foi aprovado em uma circunstância muito particular.

Dessa reunião apenas participaram Carlos Marighella, Mário Alves, Jover

Telles, Giocondo Dias e Orlando Bonfim Jr. em virtude de estarem, no contexto

do golpe, isolados geograficamente no Rio de Janeiro. Portanto, os três

primeiros são os autores do documento que tinha uma crítica de esquerda à

postura do partido. “Com o retorno de Prestes e demais membros às reuniões,

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restabeleceu-se a maioria” (GORENDER, 1987, p. 87) e o documento tornado

sem efeito. Ainda mais, que nesse processo ocorreram as prisões de

Marighella e Mário Alves, respectivamente em maio e junho de 1964.

Apesar da longa clandestinidade e da profunda perseguição que sempre

sofreu, nessa conjuntura política específica tudo era perplexidade para o PCB.

A melhor prova para justificar essa hipótese é que o partido não reuniu sua

direção durante todo o ano de 1964 e começo de 1965, o que atrasou bastante

a reorganização para o debate. Essa defasagem contribuiu para que o partido

não tivesse uma reestruturação adequada para responder aos processos em

curso demandados pelo golpe burgo-militar. Mesmo a provável articulação da

Frente de resistência democrática e até a possibilidade de frente ampla para

lutar contra os golpistas tiveram poucas iniciativas por parte do PCB.

Outro fator importante contribuiu para essa paralisia: a estrutura

orgânica não tinha se reorganizado internamente com mínimas condições de

colocar em funcionamento a organização comunista para responder a essa

situação que estava se mostrando extremamente desfavorável ao partido.

Diante desse quadro vai ocorrer a primeira reunião do PCB, após o golpe, em

maio de 1965, na cidade de São Paulo.

A reunião tornou transparente a orientação que pretendia seguir a maioria capitaneada por Prestes e Giocondo Dias. A linha do Quinto Congresso devia ser salva sob a alegação de que apenas fora mal aplicada. A causa da má aplicação teria sido o ‘desvio de esquerda’, expressão do jargão comunista que indica superestimação das próprias forças, avaliação exagerada das possibilidades objetivas, ações precipitadas, isolamento das massas, sectarismo e por aí a fora. No caso do PCB, o ‘desvio de esquerda’ se caracterizou supostamente pelo golpismo, conhecido o vício da política brasileira (GORENDER, 1987, p. 88).

Giocondo Dias, com o irrestrito apoio do Secretário-Geral, acusou o CC

de erros que foram originados do distanciamento do partido em relação à

orientação política do V Congresso e de um desvio de esquerda, que ficou

conhecido, na análise desses dirigentes, como um vício golpista que sempre

pautou a história do PCB em momentos de acirramento da conjuntura política e

social. Para a maioria do CC, tudo isso que pautava o partido sempre acontecia

em conluio com forças radicalizadas e irresponsáveis. Sendo assim, algumas

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medidas foram tomadas nessa primeira reunião para desarticular os críticos da

linha política:

Para dissolver a oposição, a maioria do CC decide encaminhar a dissidência a diversos Estados: Marighella para São Paulo, Mário Alves para Minas Gerais, Jacob Gorender para o Rio Grande do Sul, Jover Telles para a Guanabara e Apolônio de Carvalho para o Rio de Janeiro (SAMPAIO, 2003, p. 87).

Logo após a reunião do Comitê Central, de maio de 1965, as

divergências internas ganharam corpo, agora influenciadas por diversas

perspectivas pautadas no foquismo e no maoísmo. Essas novas possibilidades

apresentadas pelos dissidentes, como perspectiva de luta para reagir aos

golpistas, centravam-se na possibilidade de desenvolver um foco guerrilheiro

e/ou uma ação de “guerra popular e prolongada” marchando do campo sobre a

cidade.

Com base nessas ideias e perspectivas o debate interno se acirrou ao

extremo das decisões. O PCB passou a enfrentar diversas rupturas que tinham

como base social o conjunto da estrutura estudantil em várias partes do país,

mas em especial, em São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de

Janeiro.

Essas dissidências ganharam corpo na base do partido e foram dirigidas

por militantes históricos a exemplo de Carlos Marighella, Mário Alves, Apolônio

de Carvalho, Câmara Ferreira, Jacob Gorender, Jover Telles e outras

lideranças intermediárias. Após ganharem corpo, essas dissidências deram

origem a algumas organizações importantes da luta armada contra a ditadura

burgo-militar como a ALN25 comandada por Carlos Marighella, e o PCBR26,

comandado por Mário Alves. A logística do movimento armado contra o regime

se desenvolveu a partir de 1967 e começou a recuar em 1969, quando ocorreu

o assassinato de Carlos Marighella 27.

25 Ação Libertadora Nacional. Organização dirigida por Carlos Marighella que surgiu de um racha do PCB, cuja

estratégia política continuava a ser o programa nacional-democrático, porém, do ponto de vista tático, utilizavam-se de

formas de organização e luta armadas.

26 Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, organização que surgiu também de um racha com o PCB e que era

dirigida por Mario Alves, também engajado na luta armada contra a ditadura.

27 Histórico líder comunista assassinado pela ditadura em 04 de novembro de 1969. Marighella foi um dos mais

destacados dirigentes revolucionários brasileiros, com uma longa tradição de envolvimento nas lutas operárias e

populares – dirigiu a greve dos 300 mil em 1953, em São Paulo – e participou intensamente de vários acontecimentos

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A direção do partido (CC) começou a sofrer baixas em virtude do

afastamento dos dissidentes, a adesão desses dirigentes à luta armada

motivou profundos rachas na base do partido e em suas direções

intermediárias. Seguiram os líderes dessas dissidências milhares de militantes.

Ainda no processo de debate interno para o VI Congresso, antes da

saída dos dissidentes, as teses foram lançadas em julho de 1966 e o debate foi

aberto no jornal do partido, Voz Operária. Essas teses provocaram grande

efeito sobre o partido devido à escolha da linha política feita pela maioria do

CC, que não apresentava qualquer orientação para reação: o saldo foi

devastador. Na contabilidade interna, logo se percebeu que na Guanabara, o

grupo de Mário Alves tinha uma força extraordinária e, em São Paulo, Carlos

Marighella conseguiu uma vitória espetacular sobre a direção (CC) do partido,

e ganhando, de forma ampla e esmagadora, a maioria da direção estadual.

Em abril de 1967, realizou-se em Campinas a Conferência Estadual dos comunistas de São Paulo. O CC, representado por Prestes, foi derrotado por Marighella, que apoiado por 33 dos 37 delegados reelegeu-se Secretário-geral. A principal resolução da Conferência consagrava a luta armada como o caminho da revolução (SAMPAIO, 2003, p. 87).

Esses acontecimentos foram aprofundando a crise e a perplexidade no

PCB. O núcleo dirigente que detinha o controle da máquina partidária estava

sem rumo apesar das decisões que foram tomadas no Congresso.

Nas hostes partidárias avançavam os efeitos da crise política e orgânica,

todavia, entre os dissidentes que viriam a se organizar em torno da ALN e em

torno do PCBR, todos eles conhecidos anteriormente como a Corrente

Revolucionária, que tinha representação em São Paulo, Rio de Janeiro,

Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, cresceu a motivação para levar

o máximo possível de quadros do partido. Essas forças revolucionárias

cresciam no nordeste, em especial pela presença do PCBR naquela região do

Brasil. Sobre isso informa um dos principais dirigentes dessa organização:

No Nordeste, da Bahia ao Ceará, tínhamos uma base de apoio muito superior a qualquer facção dissidente do PCB e capaz de competir

políticos de repercussão na história brasileira. Teve papel fundamental em vários momentos de reorientações internas

do PCB.

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nos meios da esquerda. Em Pernambuco, nossos companheiros da Corrente derrotaram a AP nas eleições de 1968 para a diretoria da União Estadual de Estudantes (GORENDER, 1987, p.102).

1.7 O cenário político brasileiro no pós-golpe burg o-militar

O cenário político brasileiro logo após o golpe de 1964 demonstrou que

a ditadura não tinha vindo para fazer pequenos arranjos institucionais e

modificar a correlação de forças no campo da disputa política, que se

manifestava desfavoravelmente antes do golpe. A ditadura visava estabelecer

outro modelo de gestão para o poder estatal. “A partir de 1964 os militares e os

tecnocratas [representando a burguesia] assumem, portanto, o centro real e

formal do poder político e o processo de decisão e execução das políticas

públicas” (BORGES, 2007, p. 34).

Os golpistas encastelados no poder prepararam um conjunto de

medidas político-institucionais, ações policiais e militares para impor a

repressão, amplo pacote de medidas econômicas e profundo ataque aos

direitos trabalhistas tendo como medida central um violento arrocho salarial.

Vista como uma questão central para reorientar a economia e combater a

inflação. “O terceiro grande instrumento do programa antiinflação depois da

redução do déficit público e do controle mais rigoroso do crédito foi a política

salarial” (SKIDMORE, 1988, p. 77).

As bandeiras do nacional-desenvolvimentismo foram suprimidas para

facilitar as ações e os privilégios da burguesia brasileira associada à burguesia

internacional com vistas à formação de um novo ciclo de acumulação para

esse capital, mas, também, como forma de quebrar a resistência autárquica de

uma fração que se pretendia nacional, exclusivamente pelas fortes ligações

que mantinham com João Goulart como pretenso herdeiro político do

varguismo. Ao lado dessas preocupações dos golpistas, também se afirmava,

dentro do governo autoritário, uma política no sentido de impedir qualquer

espaço que permitisse articulações advindas da procura por liberdades

democráticas. Os canais de interconexões dos setores populares foram

fechados pelo poder institucional do autoritarismo.

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A LSN visava à defesa contra o tipo de ‘guerra interna’ que supostamente ameaçara o Brasil durante o governo Goulart. Novas penalidades eram previstas agora para os responsáveis por guerras psicológicas ou para promotores de greves que pusessem em risco o governo federal. A linguagem e os conceitos da lei provinham das doutrinas desenvolvidas na Escola Superior de Guerra da qual Castelo fora ativo participante. O presidente e [as) forças armadas estavam obrigando todos os brasileiros a seguirem as doutrinas que, segundo eles, salvaram o Brasil em 1964 (SKIDMORE, 1988, p. 120).

Continuava, agora, de forma completamente diferente o ciclo de re-

arranjo do capital para compensar as perdas que em tese tiveram mediante as

conquistas populares sobre o Estado brasileiro, em especial, a partir do

segundo mandato de Getúlio Vargas. Só que agora com o aparato de Estado

garantindo a expropriação, sem a anterior dicotomia entre frações

pretensamente nacionalistas e uma articulação burguesa que se conjugava

com a burguesia internacional e que era caracterizada como entreguista dentro

da economia brasileira. Para isso,

O regime político instaurado pelo movimento militar de março de 1964 tem como programa econômico, expresso no Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG -, a restauração do equilíbrio monetário, isto é, a contenção da inflação, como recriação do clima necessário à retomada dos investimentos públicos e privados (OLIVEIRA, 2003, p. 93).

As disputas entre as frações da burguesia e a anterior subalternidade

das forças de esquerda, com pretensões hegemônicas, diante dessa disputa

inter-classista não se colocou de forma autônoma, contribuiu para fortalecer o

movimento dos golpistas.

A representação das esquerdas ainda se mostrava extremamente frágil

para dar sentido a um projeto de resistência popular. O golpe burgo-militar, de

caráter bonapartista, se institucionalizou no comando da República. O cenário

político era marcado pelo aprofundamento da repressão com cassações,

prisões, afastamentos e expurgos da vida pública e com uma insana violência

física que gerou, desde os seus primeiros momentos, assassinatos (DOSSIÊ

DITADURA, 2009)28. O golpe veio para tirar da movimentação política uma

28 Augusto Soares da Cunha, Otávio Soares Ferreira da Cunha, Ivan Rocha Aguiar, Jonas José Albuquerque de

Barros, Labibe Elias Abduch, João de Carvalho Barros, Alfeu de Alcântara Monteiro, Antogildo Pascoal Viana, João

Barcellos Martins, Edu Barreto Leite, Bernardino Saraiva, José de Souza, Carlos Schirmer; todos assassinados pelos

agentes da ditadura no mês de abril de 1964.

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articulação, que se pretendia nacionalista, que tinha interesse em preservar a

burguesia interna com o seu incipiente e vacilante projeto de nação. Ao tempo

em que visava impedir o avanço das lutas populares em defesa das reformas

de base e impor barreira para qualquer situação que denotasse vinculação com

as liberdades democráticas ou ligação às ideias comunistas.

Os conspiradores militares e civis que depuseram João Goulart em março de 1964 tinham dois objetivos. O primeiro era ‘frustrar o plano comunista de conquista do poder e defender as instituições militares’; o segundo era ‘restabelecer a ordem de modo que pudessem executar reformas legais’. O primeiro foi fácil. O segundo mui mais difícil (SKIDMORE, 1988, p. 45).

O imediato pós golpe presenciou, pela facilidade com que as forças

reacionárias implementaram os seus interesses e através de métodos de

exceção, a imposição de diversos Atos Institucionais baixados pelo alto

comando bonapartista do movimento golpista. Nesse ambiente de autoritarismo

foi baixado o Ato Institucional número 1, de 9 de abril de 1964 e que já continha

medidas de exceção, redigido pelo mesmo jurista que criou a Carta Autoritária

do Estado Novo, ou seja, Francisco Campos. A partir desse momento, saíram

as listas de cassados pelo AI-1 que atingiram em cheio figuras do governo

deposto, bem como, importantes militantes da esquerda brasileira: João

Goulart, Darcy Ribeiro, Jânio Quadros, Waldir Pires, Francisco Julião, Luiz

Carlos Prestes, Osvaldo Pacheco e tantos outros. Quem encabeçava essa lista

era a figura emblemática do Secretário-Geral do PCB, Luiz Carlos Prestes.

Pouco depois, o General Castelo Branco, indicado pelas forças

reacionárias para assumir a Presidência da República, foi eleito pelo Colégio

Eleitoral, no dia 11 de abril, com votos do PSD29, da UDN, até do PTB30, com

abstenções e algumas ausências. Contudo, é necessário registrar que esse

Colégio Eleitoral já não tinha os elementos políticos que eram opositores dos

golpistas.

A perseguição política da ditadura prosseguia com o esmagamento das

entidades estudantis, avançava com ações para acabar com a estabilidade dos

29 Partido Social Democrático. Partido com forte presença das oligarquias rurais e de líderes que tiveram grande

importância no cenário político brasileiro a exemplo de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek.

30 Partido Trabalhista Brasileiro. Partido que surgiu para encabeçar um programa reformas de trabalhistas, para

mobilizar os trabalhadores brasileiros e rivalizar com a grande influência do PCB junto aos movimentos operário e

sindical.

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trabalhadores ao criar o instrumento compulsório do FGTS (Fundo de Garantia

por Tempo de Serviço). Constituía um arcabouço de repressão política para

dirigir a estrutura autoritária ao formar o SNI (Serviço Nacional de Informação).

No plano da ação econômica, a ditadura, em articulação com os Estados

Unidos, implementava, através do Ministro Otávio Gouveia de Bulhões

(Fazenda) e do Ministro Roberto Campos (Planejamento), uma célere

modificação na ordem econômica. “Após consolidar a tomada do poder e

centralizar a autoridade no executivo, Castelo Branco e seus companheiros [...]

voltaram-se para os males econômicos do Brasil” (SKIDMORE, 1988, p. 68).

A relação capital/trabalhou sofreu intervenção do governo golpista com a

instituição de medidas que afirmaram a lógica da exploração do trabalho.

Enquanto institucionalmente o regime militar buscava consolidar a nova ordem, do ponto de vista da regulação capital-trabalho, editava uma série de leis e decretos com o objetivo de implementar a ‘disciplina do trabalho’, violando conquistas e direitos, fruto da luta de várias gerações. Ainda em junho de 1964, a Lei 4.330, sob o pretexto de regular o direito de greve assegurado pelo Artigo 158 da Constituição de 1946, o novo governo estabelecia uma série de normas que praticamente tornava inviável a realização da greve.No Artigo 5º a Lei determinava que a greve deveria ser aprovada, em escrutínio secreto, por um quórum correspondente a um mínimo 1/8 dos associados, nas entidades com mais de cinco mil profissionais na base. Nessas circunstâncias, deveria estar presente um funcionário do Ministério do Trabalho e as decisões teriam obrigatoriamente que ser encaminhadas ao Delegado regional do Trabalho (COSTA, 1997, p. 113).

Nesse período do curto pós-golpe, a ditadura realizou, em outubro de

1965, eleições para 11 (onze) governos estaduais. Foram eleições diretas cujo

resultado não foi nada favorável aos golpistas. A base política do novo regime

foi derrotada em cinco Estados da Federação: Rio Grande do Norte, Mato

Grosso, Guanabara, Minas Gerais, Santa Catarina. Após esse episódio o

governo discricionário percebeu que era muito complicado manter essas

brechas democráticas diante da possibilidade de setores oposicionistas

conseguirem o apoio das massas, portanto, a regra foi mudada para eleger

governadores pelos Colégios Eleitorais.

Maria D’Alva Kinzo (1994) analisa, após esse processo eleitoral, que a

linha dura do regime tentou impedir, ao lado dos governadores Carlos Lacerda

e Magalhães Pinto, em articulação com o Presidente da República, a

realização dessas eleições estaduais.

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Uma avaliação política mais consistente identificava que esse era o

interesse da base burgo-política dos golpistas, representados no caso pelos

governadores Magalhães Pinto e Carlos Lacerda, porque sabiam que iam

perder as eleições nos seus respectivos Estados, ou seja, Minas Gerais e

Guanabara. Rapidamente, um movimento interno ao regime, diante dessas

circunstâncias, tentou apartar do poder o General Presidente Castelo Branco,

que precisou contar com a intervenção do General Costa e Silva em seu apoio.

Apesar da ação de Costa e Silva para proteger o presidente, a linha dura

por ele representada, impôs um acordo que em muito beneficiava esse setor

dentro da estrutura do regime. Esse braço policialesco das Forças Armadas,

agindo como gendarme da burguesia, cresceu em importância dentro do

sistema, terminando por impor, a partir do Ato Institucional nº 2 (AI-2), a

extinção dos partidos e a construção de uma ordem política bi-partidária com o

surgimento da Arena31 e o MDB32. Estava, assim, substituído o

pluripartidarismo, ficando a cena política institucional restrita, a partir daquele

momento, aos partidos fantoches: um partido para representar o governo, a

ARENA, e outro para representar a oposição consentida, o MDB.

A ARENA se constituiu para representar os interesses da ditadura, como

braço da burguesia golpista e dos Estados Unidos. A oposição consentida,

representada pelo MDB, operava em um pequeno teatro no qual o governo

permitia manifestações dentro da ordem. É importante observar que o General

Presidente, no momento posterior ao golpe, afirmou que aquela ação militar era

para preservar o Estado de direito e a democracia. Essa falácia se transmutou

rapidamente para uma prática que consolidava o Estado de exceção.

As medidas de exceção colocavam em xeque o discurso que inaugurou

o assalto ao poder. O autoritarismo golpista ia aperfeiçoando seu sistema,

confeccionado uma lógica de segregação da democracia e permitindo ao

General Presidente tomar, a partir da conduta bonapartista, medidas

discricionárias de grande impacto. O bloco de forças no poder era

definitivamente composto pela burguesia brasileira consorciada ao 31 Aliança Renovadora Nacional. Partido criado para representar a ditadura burgo-militar na cena política brasileira.

Congregou os quadros mais reacionários da política de então e prestou apoio institucional às ações do executivo e da

burguesia golpista.

32 Movimento Democrático Brasileiro. Partido que congregava a oposição moderada e que tinha como finalidade fazer

o jogo institucional durante o período da ditadura burgo-militar, até a reforma partidária do começo dos anos 1980.

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imperialismo norte-americano, tendo como extrato social burocrático para gerir

o Estado, as Forças Armadas. Aos poucos a burocracia militar começava a dar

sinais de autonomização na gerência do Estado.

A política como instrumento da mediação das relações de poder

estavam suprimidas. Em seu lugar aparecia a doutrina desenhada pela Escola

Superior de Guerra (ESG)33, inspirada nas pautas formuladas pelas academias

militares dos Estados Unidos. Todo esse complexo é analisado e interpretado

nas formulações do autoritarismo burocrático apresentado por autores como

Guillermo O’Donnell (1988). Todavia, para efeito de pesquisa, outros autores

vão debater essa temática a partir de perspectiva diferenciada: Florestan

Fernandes (1982) e Alfredo Stepan (1987; 1988).

Nessa discussão sobre as características e a natureza do regime é

importante refletir sobre o que dirigia a vontade política dos militares para que

fosse implementado aquele golpe, esse movimento estava orientado por quais

interesses?

Lançadas as bases, os militares podiam agora levar adiante seu projeto segundo as linhas traçadas na Grande Estratégia da Doutrina de Segurança Nacional. Para além da mobilização geral das forças repressivas do novo Estado, tal política – em conformidade com os princípios da Doutrina de Segurança Nacional – tinha em mira áreas específicas e estrategicamente sensíveis de possível oposição: política, econômica, psicossocial e militar (ALVES, 1985, p. 56).

Nos estudos da pesquisadora Maria Helena Moreira Alves (1985)

aparecem pistas de como se colocavam os interesses desse extrato

burocrático militar dentro do aparelho de Estado e o que contribuiu para esse

desenlace. Na análise desenvolvida por Marcos Vinícius Menezes (2002) pode-

se identificar, para adensar a reflexão em curso, que esse segmento dirigente

golpista, ou seja, os militares, realizara um golpe também para servir aos

interesses da burguesia brasileira consorciada com a burguesia internacional,

em especial, aquela sediada nos Estados Unidos.

Os gerentes dos cofres públicos brasileiros voltaram a ser os americanófilos Roberto Campos (Ministro do planejamento) e Otávio Gouvêia de Bulhões (Ministro da Fazenda). Os Estados Unidos, que sabotaram de “n” maneiras o governo Goulart no que se referia à concessão de empréstimos, abrira suas portas para o novo regime por ele apoiado. Já nos primeiros meses do governo Castelo Branco,

33 Instituição criada em 1949, quando estava em pleno desenvolvimento a política da “guerra fria”, consolidou-se em

seu horizonte ideológico uma doutrina de segurança nacional de caráter conservador e reacionário.

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uma avalanche de dinheiros vindos dos Estados Unidos, ou sob sua influência, inundou os cofres públicos brasileiros: nos dias 16 de abril de 1964, 14 de julho de 1964 e 14 de abril de 1965, os Estados Unidos enviaram para o Brasil, respectivamente, 4 milhões, 883 milhões e 300 milhões de dólares, sob o título de empréstimos. Em 13 de maio de 1965, o FMI emprestou mais 125 milhões de dólares. Era o início da bola de neve do endividamento externo. Em troca, o Brasil revogou a Lei de Remessa de Lucros sancionada por Jango, abrindo ainda mais o caminho para o capital especulativo multinacional; enviou tropas brasileiras à República Dominicana, que estava em guerra civil; rompeu relações diplomáticas com Cuba e assinou um tratado de compra da AMFORP por 135 milhões de dólares (MENEZES, 2002, p.185).

Confirma-se assim, que o principal país imperialista tinha participação

ativa nesse processo golpista. Portanto,

É certo que há uma estratégia global dos Estados Unidos na fase atual do imperialismo, mas não existe uma e sim várias táticas dos Estados Unidos. Os Estados Unidos adquiriram longa experiência na repressão dos povos e no desempenham da função de polícia das burguesias ocidentais. Mas não costumam empregar todos os recursos no mesmo negócio e, em matéria de estratégia, não apostam em uma única carta. Em verdade, os Estados Unidos conservam sempre várias cartas na mão. É claro, que, para eles, as cartas não são todas equivalentes; há algumas que eles preferem a outras, se bem que, muitas vezes, joguem simultaneamente com todas elas. Mas isto quer dizer que a estratégia empregada pode adaptar-se a várias soluções nos países dentro da sua zona de influência (POULANTZAS, 1978, p. 29).

Mas também,

Acrescente-se a isto um segundo elemento, quanto à estratégia mundial dos Estados Unidos. Refere-se à extensão do espectro das soluções consideradas aceitáveis ou toleráveis para este ou aquele país, numa região do mundo [...] (POULANTZAS, 1978, p. 30).

Em conjunto com essa união ao imperialismo, a ditadura recrudesceu a

repressão sobre todo e qualquer movimento e partido que apresentasse a

mínima oposição a esse projeto. Não apenas o Partido Comunista Brasileiro foi

atingido fortemente por essas medidas, como também atingiu, em especial, os

sindicatos, lutadores sociais, militantes políticos e ações no campo e na cidade.

Os dissidentes do PCB que se preparavam para ações armadas de maior

consistência contra o regime burgo-militar passaram a ser alvos prioritários

dessa repressão.

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As turbulências desencadeadas em 1968 foram pretexto para a

consolidação da “linha dura” do regime e a especialização da repressão. Como

examinou Gorender (1987), essa corrente extremista no interior das Forças

Armadas, vinha se fortalecendo desde a crise político-militar de outubro de

196534.

O aparato repressivo do Estado de exceção aprofundou seu dispositivo

tático contra as vanguardas armadas. Afirmava-se no bloco do poder a linha

dura das forças armadas com o afastamento de setores burgueses que

participaram do golpe e que agora estavam sendo marginalizados no processo,

inclusive, com afastamento de políticos que foram articuladores do golpe e que,

nas rusgas internas, haviam colocado alguma restrição à condução do

processo, a exemplo de Adauto Lúcio Cardoso (presidente da Câmara dos

deputados) e Carlos Lacerda que tentava criar um novo instrumento político.

Carlos Lacerda, que renunciara à sua candidatura presidencial pela UDN em 1965, decidira agora criar um novo veículo para as suas ambições políticas. Como havia apenas dois partidos legais, a situação impunha que se recorresse com habilidade a um circunlóquio. Ele batizou seu novo movimento com o nome de Frente Ampla. Mas como nunca havia feito proselitismo em âmbito nacional, precisava aliar-se a políticos largamente conhecidos no país. As escolhas óbvias eram Juscelino e Goulart, não obstante a antiga hostilidade de Lacerda a ambos (SKIDMORE, 1988, p. 114).

É nesse lapso das defecções políticas do regime que o PCB se articula

para entrar em combate político, no entanto, um combate político no campo

das articulações de uma frente de resistência para derrotar a política da

ditadura, através de ações de massa. Começava uma dupla movimentação

tática do PCB: ação política no campo da frente única e organização de suas

bases sociais para mobilizar os trabalhadores e comunidades populares. Nesse

interregno, entre o golpe burgo-militar e o estabelecimento da violência do

Estado, apresentou-se dentro do PCB, um rotineiro e insuperável debate sobre

os impactos do movimento golpista e as formulações que deveriam orientar o

partido. Na falta de uma interpretação mais densa teoricamente, o núcleo

dirigente não percebia que a linha da Declaração de março e as resoluções do

34 Diante dos impasses políticos daquele período houve uma articulação da “linha dura” das Forças Armadas para dar

um golpe dentro do golpe. A articulação foi contida pela intervenção de Costa e Silva, no entanto, foram tomadas

medidas discricionárias de controle político e social.

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V Congresso tinham levado o PCB a uma derrota política no plano da luta de

classes e a uma desarticulação do aparato orgânico em virtude das

dissidências. Portanto,

No centro dessa visão tático-estratégica – a revolução em etapas -, colocava-se a tarefa da realização da etapa democrático-burguesa da revolução, que viria exatamente como resultado da luta antifeudal e antiimperialista. O elemento fulcral dessa definição tático-estratégica dos comunistas era a aliança com os chamados ‘setores democráticos e progressistas’ de uma ‘burguesia nacional’, que estaria em contradição com o imperialismo (MAZZEO, 2003, p. 159-160).

E essa visão era a voz corrente daqueles segmentos internos que se

colocavam contra a maioria do Comitê Central capitaneada por Luiz Carlos

Prestes e Giocondo Dias. O PCB agia em diversas frentes no sentido de

preservar o aparelho e, ao mesmo tempo, tentava reagir politicamente aos

desdobramentos do golpe, tentando entrar na luta em todas as frentes (interna

e externa) para começar o combate. Esse procedimento, apesar das nuances

aqui levantadas, era centralmente definido pela maioria do Comitê Central

como uma ação de articulação política. No entanto, as contradições internas,

as especulações em torno da linha política, a derrota sofrida, sem luta pelo

partido, o colocava em diversas frentes de ação. Contendas internas e batalhas

na sociedade: esse era o centro da atuação que deveria movimentar o

operador político dos comunistas brasileiros diante da necessidade de lutar

contra os golpistas de plantão naquele momento. Apesar dos erros,

Com o golpe de Estado, o partido se vê obrigado a reavaliar suas posições, fazendo uma autocrítica em relação às ilusões para com os militares e em relação à exagerada submissão diante do setor da “burguesia nacional” que estava no poder. Em documento de 1967, no qual realiza um balanço analítico sobre as razões golpe de Estado, o PCB, apesar de ratificar as resoluções de 1958-1960, acentuava que havia falhado na construção e na soldagem de um bloco político nacionalista que desse maior apoio ao governo (MAZZEO, 1999, p. 134).

Foi nesse quadro político e orgânico que se consolidou a hegemonia de

um núcleo dirigente que agia para superar o momento de ruptura interna e

aprovar uma linha política pautada, primeiro, na resistência democrática e,

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depois, na construção de uma frente política que seria orgânica aos setores

nacionalistas, democráticos e progressistas.

Diante do acirramento dessas frentes de debate e ação se estabeleceu

uma maioria reformista que era claudicante em relação à ditadura, capitaneada

por Giocondo Dias e, de forma leniente, acompanhada por Luiz Carlos Prestes.

O partido precisava se re-organizar, pois havia saído de seus quadros um

grande contingente de militantes liderados por embriões daquelas

organizações que viriam a fazer a luta armada contra a ditadura: ALN e o

PCBR, com maior destaque. Esse acontecimento político continuava

demandando, agora nas bases, uma profunda discussão interna.

Apesar de não fechar as portas para a luta armada (Resolução política

do VI Congresso, 1967) a orientação política do PCB sofria paulatinamente

uma inflexão que o tirava das lutas de massas e o colocava, novamente, nas

articulações políticas da cúpula da frente única. Ampliando o histórico

movimento de ruptura com a sua tradição de luta aberta no campo das

contendas de classes, para a afirmação de uma opção pela negociação pelo

alto. Nos documentos que deram origem a essa ruptura (Declaração de março

e as resoluções do V Congresso) havia uma mediação entre luta e negociação,

agora, o descompassado era evidente. A centralidade era organizar o partido

para ter condições de negociar com força dentro da frente única.

O PCB entrou em cena com a reviravolta na orientação política para

tentar ações que afirmassem a sua tática e, em tese, confirmassem a sua

estratégia: frente policlassista, ação politicista e economicista, perseverança

nacional-desenvolvimentista e etapa nacional-democrática como via pacífica

para a revolução brasileira, que no distante horizonte, pelo acúmulo de forças,

seria socialista. Nada mais ilusório: tudo isso tinha levado o partido à derrota

que se mostrou irreparável no longo prazo da existência do PCB. Mas a

conjuntura política não cedia espaços para os dilemas subterrâneos do PCB e

a ditadura continuava de forma célere na afirmação do seu projeto reacionário.

1.8 A Repressão decide liquidar o PCB

A ditadura após derrotar o conjunto dos agrupamentos que estavam

fazendo o enfrentamento armado contra o regime, através da repressão

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comandada pelo aparato policial-militar, volta-se contra o Partido Comunista

Brasileiro. A ação da ditadura, porém, era de outra natureza. Tratava-se de

uma ação para afastar o PCB das articulações no ambiente da política

institucional, dentro da ordem, onde começavam a obter resultados, com a

construção da unidade de setores oposicionistas.

O êxito da oposição representou também uma vitória da orientação política dos comunistas e confirmou a justeza da linha política do PCB durante a campanha eleitoral. Encontraram eco junto às amplas massas do povo as palavras-de-ordem do nosso Partido, assim como as reivindicações mais sentidas do movimento operário e democrático, demonstrando que as eleições podem desempenhar um valioso na aglutinação da frente antifascista e na luta pela derrota da ditadura (PCB, 1975a, p. 3).

O partido visava ampliar a sua articulação com vistas no processo

eleitoral nos marcos do que era permitido pelo sistema. Ao lado dessa

iniciativa, existia um trabalho do partido nas lutas corporativas, mesmo em

manifestações mínimas, essa ação tinha uma postura que era vista como um

embrião de luta contra o governo burgo-militar. A pauta dessa ação era

centrada na luta por ajustes nos salários, contra a carestia, nas reivindicações

em favor da educação, etc. Portanto, lutas difusas que envolviam os interesses

da população e dos trabalhadores.

Desde o primeiro momento da chegada ao poder, o aparato golpista

tinha receio da reação armada das tropas legalistas. Portanto, o aparato

terrorista sempre teve apoio da ordem golpista para fazer esse enfrentamento e

desarticular o PCB. Contudo, “[...] eles não estavam à procura apenas de

adversários armados; queriam pôr as mãos também naqueles líderes

‘subversivos’ que supostamente estavam levando o Brasil para o comunismo”

(SKIDMORE, 1988, p. 55).

O PCB foi extremamente perseguido desde a instalação das hordas

burgo-militar no poder. Já no mês de abril de 1964, teve militantes entre as

vítimas fatais (PINHEIRO, 2012)35. Foram presos, torturados, obrigados a

desaparecer do convívio do trabalho e das suas famílias. A sistemática

35 Antogildo Pascoal Viana (abril), Carlos Schimer (maio), Pedro Domiense de Oliveira (maio), Manuel Alves de

Oliveira (maio), Newton Eduardo de Oliveira (setembro), João Alfredo Dias (setembro), Pedro Inácio de Araújo

(setembro), Israel Tavares Roque (novembro) e Divo Fernandes D’oliveira (dezembro). Todos militantes do PCB

assassinados pelos agentes da repressão durante o ano de 1964.

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perseguição ao PCB foi uma característica que marcou o “novo” regime:

aprofundando e desenvolvendo eficazes instrumentos de propaganda

anticomunista. Sendo assim, o PCB, apesar da sua fragilidade, era o inimigo

central a ser exterminado para que o projeto conservador e reacionário

construísse uma nova cultura que iria perpassar os livros didáticos, os

conteúdos curriculares, a informação jornalística, os programas dos canais de

televisão e todo um aparato ideológico da ditadura.

A ditadura, na análise do ex-dirigente comunista José Salles36 (2012)

começou a aperfeiçoar a estrutura da repressão, suas formas de tortura,

profissionalizando as ações dos “porões”37 para especializar a repressão aos

comunistas.

Ao derrotar a luta armada, a ditadura julgou que a nova frente de

combate era tirar da cena política os elementos que operavam na articulação

da frente de resistência democrática e que tinha como objetivo conseguir obter

conquistas eleitorais. O papel da repressão era afastar, de uma forma ou de

outra, militantes sociais e militantes políticos desse convívio oposicionista. O

objetivo central da ditadura era não ser derrotada eleitoralmente.

Naquele momento, as formulações do PCB avançaram para qualificar a

ditadura como fascista, diante das características operadas por ela no aparato

de Estado e pela ação do governo na luta política.

O desenvolvimento da situação nacional confirma, em seus traços gerais, as análises que têm sido feitas pelo Comitê Central. O regime evoluiu de uma ditadura militar reacionária para uma ditadura militar caracteristicamente fascista (PCB, 1973, p. 01).

Esse processo em que o PCB se tornou inimigo número 1 foi

consequência da política adotada pelo partido que qualificava a ditadura como

fascista. Além disso, diante de seu papel histórico na luta de classe no Brasil e

da sua natureza ideológica, de sua capacidade política na coordenação da

movimentação democrática, entre outras ações políticas no raio da atuação do

partido verificadas desde sua fundação, criaram no imaginário corrente, a ideia

36 Em entrevista concedida ao autor em 16, 19 e 23 de outubro de 2012.

37 Essa expressão “porões” diz respeito aos setores policiais-militares que agiam no submundo do regime. Contando

com o apoio do governo.

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de uma organização política capaz de, no mínimo, representar um obstáculo ao

projeto burgo-militar.

Elio Gaspari (2004) analisa que a ofensiva da ditadura burgo-militar

contra o PCB não visava somente desestruturar a organização, mas também

cortar os vínculos que ligavam o partido à oposição legal. Um dos objetivos era

identificar os candidatos da legenda do MDB que fossem ligados ao partido.

O ex-deputado comunista Marcos Antônio Tavares Coelho, que era o

deputado do partido, naquela quadra política, que fazia a representação do

PCB junto ao governo de João Goulart (discutindo propostas, ações e

mediações) considera que o partido externou de forma bastante contundente,

em documentos e articulações, uma visão política que afirmava a iminência da

derrota da ditadura do ponto de vista do processo eleitoral. O ex-deputado, em

suas memórias (2000) e em uma entrevista (2009)38, considera que o

movimento de “apertar o cerco” (1974) nas articulações políticas e lutas sociais,

realizadas pelo partido, teve uma grande repercussão junto ao governo e

causaram reações violentas do aparelho repressor.

No ano de 1975, a repressão seria mais violenta ainda com o PCB. No dia 15 de janeiro, dois lutadores foram eliminados em São Paulo. Elson Costa (MG), membro do CC do PCB e líder da greve dos caminhoneiros em Minas Gerais foi preso e assassinado, até hoje continua desaparecido. E Hiran de Lima Pereira (RN) preso e assassinado nas mesmas circunstâncias. Membro do CC do PCB, importante quadro da vida pública, foi secretário de Administração de Miguel Arraes em Recife. Em seguida, em 4 de fevereiro, era preso e assassinado no Rio de Janeiro, o jornalista Jayme Miranda (AL). [...] Em abril foi preso e assassinado o líder camponês Nestor Veras (SP). Organizador das lutas camponesas, fundador e responsável pelo jornal Terra Livre e dirigente da ULTAB. Era membro do CC e seu corpo está desaparecido. Em maio, no dia 25, era preso e assassinado o operário da construção civil Itair José Veloso (MG). Líder operário, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Niterói e Nova Iguaçu e da Federação dos Trabalhadores da Construção civil, Veloso era membro do CC; seu corpo continua desaparecido (PINHEIRO, 2009, p. 9).

No ano de 1975 ainda foram mortos, em virtude de tortura e/ou

diretamente assassinados: Alberto Aleixo (07 de agosto), operário gráfico e

irmão do vice-presidente de Costa e Silva, Pedro Aleixo. José Ferreira de

Almeida (08 de agosto), oficial da PM de São Paulo. José Maximino de

38 Entrevista concedida ao autor no dia 29 de outubro de 2009.

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Andrade Netto (18 de agosto), coronel reformado da PM de São Paulo. Pedro

Jerônimo de Souza (17 de setembro), dirigente do partido no Ceará. José

Montenegro de Lima (29 de setembro), dirigente da juventude comunista.

Orlando Bonfim Jr. (08 de outubro), dirigente da Comissão Executiva do CC.

Vladimir Herzog (25 de outubro), professor e jornalista ligado ao setor cultural

do partido.

O ano de 1976 também foi marcado por outros assassinados de

militantes do PCB: a militante do setor de propaganda Neide Alves Santos, o

operário Manoel Fiel Filho (caso que teve ampla repercussão) e o histórico

militante Feliciano Eugênio Neto. Em 1977, o PCB teve a sua última vítima fatal

da ditadura: o professor Lourenço Camelo de Mesquita, morto sob tortura nas

dependências da 1ª CIA da PE do Exército, no Rio de Janeiro.

Sobre essa mesma questão, a decisão da ditadura de liquidar o PCB, o

jornalista e pesquisador João Falcão (1993) considera que a articulação da

repressão se dava em virtude do crescimento do partido dentro da frente

democrática constituída no interior do MDB e de movimentos que faziam o

contraponto político no cotidiano das massas. Mas, podemos elencar outra

perspectiva, para além das questões aqui levantadas, que integra todo esse

processo: a repressão operou uma profunda infiltração no partido. Essa

infiltração no PCB conseguiu desvendar o cerne das decisões políticas e

práticas, pois ela aconteceu na cúpula do partido através da presença do

dirigente Adauto Santos ou Adauto Oliveira, o chamado “agente Carlos”.

Membro da comissão de assuntos internacionais do partido que tinha livre

acesso ao Secretário-Geral, Luiz Carlos Prestes39.

De acordo Hércules Correia (1978), no seu relatório sobre as quedas, e

o depoimento de Zuleide Faria de Melo (2012)40, a repressão conseguiu o

intento de infiltrar, para além da cúpula do PCB, agentes nas diversas

instâncias do partido para colher as informações necessárias com a intenção

de preparar a ação para tentar dizimar o partido. Um ponto chama a atenção: a

ditadura precisava tirar o PCB do caminho para prosseguir e aperfeiçoar seu

controle institucional sobre o país. A partir dessa sinalização, o aparato

terrorista partiu para executar seu plano: prendeu, torturou, matou e sumiu com 39 Informação prestada por José Salles na citada entrevista.

40 Entrevista concedida ao autor em 19 de novembro de 2012.

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os corpos de muitos revolucionários do PCB. Essa era, também, uma postura

do horizonte golpista desde os primeiros momentos, ou seja, se livrar das

turbulências do processo político através do aparato repressivo encastelado

nas Forças Armadas, na lógica policial e na cúpula do poder, para que o seu

projeto de ordem institucional não sofresse nenhum tipo de ameaça.

Mesmo considerando que o PCB já havia se distanciado do seu papel de

operador político junto à classe operária e às massas e tenha optado por

priorizar a luta institucional, esse partido não esteve atento à questão da

segurança interna. Além disso, passou a ter uma prática norteada pela

irresponsabilidade e voluntarismo. Em questões de segurança os comunistas

foram facilmente rastreados e encontrados. A ditadura conseguiu avançar nos

seus intentos para destroçar o PCB e, para isso, conseguiu contar com a

leniência das facilidades contidas na estrutura liberal da organização.

O PCB, apesar de uma longa clandestinidade, não conseguia ter uma

estrutura sólida, capaz de se fechar hermeticamente às investidas da infiltração

e da repressão. A convivência direta, e articulada, com as forças da Frente

Democrática dentro do MDB facilitava o acesso da repressão.

No entanto, outro fator bastante incômodo para o regime ditatorial era a

presença orgânica do partido no pólo central da resistência democrática e da

sua atuação que contava com uma qualificada presença nos meios de

comunicação a partir dos seus quadros presentes nas redações dos jornais de

ampla circulação pelo país e, mais especialmente, na região sudeste. Esses

jornalistas dispunham de uma autonomia relativa para comentar temas

candentes da vida política do Brasil, apesar da censura prévia.

Passada a ameaça da guerrilha, mas mantido o rolo compressor da censura e da repressão, fortaleceu-se ainda mais a aliança tática entre empresários liberais (geralmente donos dos meios de comunicação e corporações culturais) e intelectuais e artistas esquerdistas, muitos deles ligados a organizações políticas. No plano partidário, sua expressão era o apoio do PCB ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), consolidado após a expressiva votação que essa frente oposicionista teve nas eleições de 1974 (NAPOLITANO, 2010, p. 148).

A comprovação dessa deliberada repressão pode ser encontrada na

documentação do arquivo do General Presidente, Ernesto Geisel. Mas,

também no conjunto das fontes oriundos do aparelho institucional da ditadura

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burgo-militar, de extração bonapartista, no dossiê do IEVE41 (2009) e nas

pesquisas de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio (2008). Tudo isso comprova a

tese da existência de uma operação nacional para liquidar o partido, a

“Operação Radar” 42.

Como comentado anteriormente, um dos principais elementos de

fustigação da ordem ditatorial, foi a sua caracterização, por parte do PCB,

como um regime militar fascista. Essa concepção foi fruto de um debate

acumulado pela direção do partido na Guanabara e das reflexões de Luiz

Carlos Prestes a partir do exílio, que culminou com o documento de novembro

de 1973, intitulado Por uma frente patriótica contra o fascismo. É importante

registrar que na teoria marxista contemporânea existiam estudo para qualificar

o fenômeno do fascismo.

Com efeito, se o fascismo deve ser situado no quadro de um estágio determinado do desenvolvimento capitalista, é evidente que esse estágio não chega para explicar o fascismo: o Estado ‘intervencionista’ não se reveste necessariamente da forma fascista. O que indica, portanto, que o fascismo corresponde a uma conjuntura específica da luta de classes. Mas é preciso ir mais longe: o fascismo, efetivamente, não constituiu uma simples forma diferencial do Estado capitalista num estágio determinado do seu desenvolvimento. O fascismo constitui uma forma de Estado e uma forma de regime ‘limite’ do Estado capitalista (POULANTZAS, 1978, p. 63).

Essa caracterização foi desenvolvida e aprofundada pelo CC, esse

documento histórico orientou o partido para a disputa eleitoral de 1974 com a

perspectiva de “Apertar o cerco” (Voz Operária, 1974) sobre a ação política

eleitoral do regime, reacendendo a perspectiva de ação nas frentes de massas

onde o PCB ainda tinha alguma vinculação. Por outro lado, pode-se afirmar,

mesmo que a partir das características internas, que o partido e sua estrutura

começavam a se recompor para atender as necessidades de agitação e

propaganda nas frentes de massas com a distribuição de farto material da

imprensa comunista, Voz Operária.

Era uma quantidade diversa de materiais que eram distribuídos por todo

o território nacional. O partido contava, naquele momento, com uma gráfica

41 Instituto de Estudos sobre a Violência do Estado.

42 Operação articulada pelo Estado através do seu aparato repressivo para destruir o PCB, como uma medida

preventiva para a abertura política controlada e realizada, de forma prussiana, pelo alto.

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bem montada que permitia uma ação organizada da imprensa através do

trabalho de seus quadros, militantes e dirigentes. Essa ação organizada

chamava a atenção da ditadura. Mesmo que, do ponto de vista externo, o PCB

tivesse uma incipiente vida orgânica nos setores de ponta da nova classe

operária.

Ao lado dessa nova situação do PCB, a ditadura continuava a

especializar as forças de repressão, dando a elas não só capacidade de

investigação, fortalecendo a logística de análise sobre o inimigo, aperfeiçoando

técnicas de repressão e desenvolvendo o arcabouço político e ideológico para

enfrentar os opositores. O regime autoritário e suas agências de combate

estavam articulados com a cúpula do terrorismo de Estado. Essa nova fase da

repressão se consolidou no governo do General Presidente Emílio Garrastazu

Médici e avançou, de forma cirúrgica no governo do General Presidente,

Ernesto Geisel.

A linha dura, encastelada na cúpula do governo, articulada diretamente

na Presidência da República através do SNI e seus aparatos suplementares

dentro das Forças Armadas e dos diversos DOPS43 e DOI-CODI44, queria tirar

de cena o PCB para poder, do ponto de vista político, desarticular qualquer

possibilidade da oposição ocupar o espaço público para o exercício da política.

Nesse sentido, a ditadura procurou agir com objetivo de evitar abrir espaço

interno para a ação política que lhe trouxesse qualquer repercussão negativa

no âmbito internacional e, internamente, evitava a consolidação de espaços

formais para o exercício da democracia, mesmo que limitada.

Essa tentativa de fechar o regime, ao evitar a presença das forças

historicamente revolucionárias, objetivava também instaurar o início um

processo político que garantiria a continuidade das forças burgo-militares no

comando da transição para as formalidades democráticas pelo alto, sem a

participação de uma oposição mais conseqüente. A ditadura começava a se

sentir avaliada pelo conjunto da comunidade internacional que apresentava

preocupações com a brutalidade do regime brasileiro. Com base nessa

43 Departamento de Ordem Política e Social criado em 1924 pelo governo federal para reprimir movimentos políticos e

sociais contra o regime. Este órgão desenvolveu intensa ação nas ditaduras do Estado Novo e a Burgo-militar de 1964.

44 Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna. Órgão subordinado ao

Exército de inteligência e repressão política.

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contradição o governo desejava “limpar” o cenário político para empreender

ações que possibilitaria algumas características de “democracia formal” no

funcionamento das instituições no Brasil. No entanto, tudo isso era precedido

de uma necessidade política: destruir o Partido Comunista Brasileiro.

1.9 A Chegada dos Dirigentes no Exílio

Com o recrudescimento do regime militar após o AI-5, em 1968, as

forças da repressão partiram de forma rápida, extremamente violenta e eficaz

sobre o conjunto dos agrupamentos que lutavam de forma armada contra a

ditadura. Por outro lado avançavam as medidas do governo para tirar de cena

os setores que se empenhavam nas lutas de resistência democráticas, ou seja,

através das demandas colocadas pela via institucional. Mas o impacto da

resistência nesse momento brotava das ruas. Passeatas gigantescas, ações

com presença de setores antes arredios, articulações corporativas pela

recuperação dos salários que contribuíram para fomentar as greves de

Contagem e Osasco45.

Crescia, portanto, movimentos difusos e contestatórios contra a ditadura.

Alimentando uma perspectiva de repúdio minimamente organizada à ditadura

burgo-militar. No entanto, no campo da ordem estatal o governo estava

organizado, em um patamar superior, para enfrentar os acontecimentos

políticos da forma que a conjuntura os apresentassem. As balizas institucionais

do governo ampliaram seu estoque de atos de exceção para enfrentar de forma

violenta seus inimigos de classe, vencê-los e avançar no projeto para instituir

uma legalidade tutelada.

O Partido Comunista Brasileiro, após os profundos golpes que recebeu

da ditadura, resolveu deslocar a maioria da sua direção, bem como quadros de

formulação e militantes com tarefas no aparelho burocrático interno para fora

do país. O Comitê Central havia entendido, bem antes das formulações

contidas no documento que qualificava a ditadura como fascista, de 1973, que

não teria condições de manter o corpo dirigente do partido em segurança no

45 Greves de trabalhadores metalúrgicos por reivindicações salariais nos centros industriais das cidades de Contagem

(março) em Minas Gerais e Osasco (julho) em São Paulo que impactou a conjuntura política daquela época e que foi

fortemente reprimida pela ditadura.

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Brasil. Ao lado dessa elaboração teórica, o PCB formulou uma linha política

para o Trabalho de Direção que orientou um conjunto de resoluções no qual se

percebia o impasse na luta política dos comunistas diante da atroz repressão

do regime. Assim afirmava o primeiro ponto do documento:

As condições políticas em que se realizava o trabalho de direcção são marcadas pelo agravamento da repressão fascista e imensas dificuldades objectivas. Por outro lado, o descontentamento crescente das massas possibilita o avanço do trabalho político da direcção e a resistência antifascista das mais amplas massas oferece elementos novos para à actividade política e organizativa do Partido. Em face disso, devemos esforçar-nos, a fim de que as dificuldades e a repressão não sejam usadas como escudo à limitação da crítica, à redução do trabalho colectivo e à não execução de um plano de acção política (PCB, 1973, p. 01).

Nesse horizonte interpretativo o partido percebia duas questões básicas

que deveriam orientar os seus passos: primeiro, a ditadura estava acuada e

violenta diante da derrota nas eleições de 1974. Segundo, o governo localizava

no PCB o mentor intelectual e operativo do avanço do bloco da frente

democrática e as ações operárias e populares. E por fim, diante da violência da

repressão, não tinha como manter o núcleo dirigente do partido no país.

A política econômica do governo já havia entrado em crise. O chamado

“milagre brasileiro” tinha dado lugar ao aumento da inflação, a carestia plantava

fortes raízes nos produtos básicos que eram consumidos pelo conjunto da

população e o brutal arrocho salarial marcava a conduta do governo na relação

com os trabalhadores, aliás, tônica central da burguesia desde as motivações

para o golpe. Essas circunstâncias que pautavam o processo de crise

econômica e social estavam na base da insatisfação popular que motivou a

derrota do governo nas eleições de 1974.

Avaliando as questões que diziam respeito à sua sobrevivência, medidas

foram tomadas para a saída desses dirigentes do Brasil e para se montar uma

estrutura de funcionamento do partido no exílio. Anteriormente, no começo da

década de 1970, no ano de 1971, o Comitê Central já havia tomado a decisão

de enviar seu Secretário-Geral, Luiz Carlos Prestes, para a União Soviética. O

Cavaleiro da Esperança se encontrava morando em Moscou e tinha muitas

dificuldades de romper o isolamento que se encontrava em relação ao partido.

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Com as prisões, torturas, mortes e desaparecimentos, a transferência do

aparato dirigente para o exterior se concretizou. Começava aí a articulação

política do núcleo dirigente no exílio para coordenar as ações do PCB, no Brasil

e no exterior. Os dirigentes comunistas no exílio fixaram residência em várias

partes da Europa e na União Soviética. Ficaram exilados na França, Bulgária,

Hungria, Tchecoslováquia, Itália, Alemanha Ocidental e Oriental. No entanto, o

centro dirigente, a executiva do partido se estabeleceu em Moscou.

O exílio contribuiu para despertar nas lideranças comunistas o interesse

político para discutir temas que estavam sendo debatidos na Europa e que

diziam respeito aos acontecimentos da sociedade socialista e às formulações

que eram desenvolvidas nos Partidos Comunistas (PCs) da Itália, Espanha e

França. Circulava com maior intensidade ideias sobre a grave crise que

passava o socialismo na União Soviética e no Leste Europeu. Essa situação

em que os dirigentes comunistas se encontravam, ou seja, vivendo no

ambiente central das contradições; no bloco socialista e nos países onde

estavam se formulando uma nova orientação comunista, estimularam e

permitiram o começo do debate no núcleo dirigente do PCB.

O socialismo estava numa encruzilhada ou era retórica anticomunista?

As novas ideias dos partidos da Itália, França e Espanha, conhecidas como o

movimento “eurocomunista” respondiam as necessidades táticas e estratégicas

da luta socialista? Tudo isso movimentava o debate comunista. Não obstante, o

ajuste de contas sobre as questões que precipitaram o golpe 1964

continuavam, efetivamente, pautando a ebulição intelectual no exílio. Tudo isso

encontrou mais uma questão para galvanizar a pauta da primeira reunião do

CC no exílio, que ocorreu em dezembro de 1975, as quedas do partido no

Brasil (SAMPAIO, 2003).

1.10 A articulação de uma rotina de comando fora do Brasil

Logo uma rotina de trabalho foi organizada para responder às demandas

orgânicas e práticas da necessidade de funcionamento político do partido. Em

depoimento, a professora Marly Vianna46, informou:

46 Entrevista concedida ao autor nos dias 02 e 19 de maio de 2013.

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Sobre a rotina da direção, reuníamos o secretariado para avaliar as tarefas, quase sempre ligadas aos quadros no exterior e suas atividades e necessidades (poucas). Em relação ao Brasil buscávamos enviar quadros não ‘queimados’ para trazer informações de lá (fizemos isso algumas vezes) e recebíamos muitos camaradas que vinham de lá e traziam informações. A principal articulação que procurávamos fazer era através do jornal Voz Operária (VO). Nós nos organizávamos mais por seções do CC e eu estava (além do secretariado) na de organização. Nesta éramos o Salles (da executiva e responsável pela organização), eu, Anita Prestes e o Régis Fratti (VIANNA, 2013, p. 03).

Além dessa rotina de trabalho existia, também, a instigação do debate

em curso que fez movimentar no âmbito da direção, uma longa pauta de

conversas a respeito da posição dos comunistas sobre a tática e a estratégia

da ação política no Brasil, tendo em vista fazer o enfrentamento com a ditadura

nos moldes da proposta do PCB.

O debate teórico também ganhou corpo, nesse grupo dirigente, a partir

do contato com as formulações eurocomunistas e as contradições da

sociedade na União Soviética e no Leste Europeu: estagnação econômica,

planificação socialista, presença política e ideológica do Partido Comunista

nessas sociedades, demonstração de insatisfação por parte do conjunto da

população desses países, a forma como o movimento comunista era dirigido,

relações entre os Partidos Comunistas, a vitalidade ou não do leninismo, etc.

Tudo isso levou o conjunto partidário, na sua cúpula, a entrar num amplo

processo de discussão com objetivo de traçar uma nova proposta de

reestruturação do PCB diante desse complexo cenário.

Após o estabelecimento desses dirigentes, quadros e militantes nas

diversas partes da Europa, se organizou através da direção e do aparato

intermediário uma rotina para o comando do Partido fora do Brasil. Diria que

em síntese era uma articulação que qualificava uma rotina de comando fora do

Brasil para o efetivo funcionamento do partido e para a tomada de decisões.

Para isso, essa articulação passava necessariamente por reuniões que

contavam, cada dia a mais, com a presença de novos dirigentes e militantes

que eram chamados para se integrar às frentes de trabalho. De acordo com

José Salles,

Era comum integrarmos ao trabalho partidário, no exílio, quadros que chegavam do Brasil e que queriam discutiam conosco o que estava

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ocorrendo em nosso país. Esse debate sempre avançava para o cumprimento de tarefas na Europa ou algumas no próprio Brasil se esse militante estivesse em condições de retornar. O importante é que cada dia mais tínhamos quadros trabalhando em tarefas do partido por boa parte da Europa (SALLES, 2012, p. 37).

A dinâmica da direção no exílio era pautada, também, pela necessidade

de responder às pendências do partido nas frentes de massas, aspectos da

orientação política para a frente democrática, bandeiras de luta, solidariedade

aos camaradas colocados fora de combate pela repressão, apoio material para

a militância no exílio e no Brasil, viagens de contato na Europa e em outros

continentes. Essa pauta do trabalho de direção aos poucos foi se consolidando

como uma ação de comando do núcleo dirigente no exílio.

O trabalho de direção conseguiu fazer o debate fluir e as decisões

circularem. Ao lado disso o PCB voltou a se integrar no movimento comunista

internacional, mais articulado em virtude da presença desses dirigentes no

exílio. Possibilitando assim, os contatos com os PCs para fazer reuniões

bilaterais.

Nessa perspectiva, a direção do partido se reunia constantemente com

dirigentes do governo soviético e do Partido Comunista da União Soviética

(PCUS). Tratava-se de aprofundar temáticas e proceder alguns

encaminhamentos. Mas essas reuniões também resolviam pendências da

logística do PCB e da vida desses dirigentes no exílio, no que diz respeito à

sobrevivência, ao estudo e a profissionalização de acordo com o depoimento

cedido por José Salles (2012).

O Secretário Geral do partido, Luiz Carlos Prestes, tinha uma agenda de

trabalho muito intensa: eram reuniões, viagens, estudo rotineiro através das

leituras, representação política em eventos dos partidos e em alguns

acontecimentos políticos dentro da própria União Soviética. Essa era a rotina

da liderança máxima do PCB, no exílio (SALLES, 2012; ANITA PRESTES,

2012 e VIANNA; 2013).

Afirmou-se com essa estrutura que fora articulada no exílio, um

comando político que começava a sofrer os impactos do debate a partir do

horizonte socialista. Para melhor cercar-se desse debate, a Comissão

Executiva do CC resolveu criar uma assessoria para orientar o debate e

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produzir, com maior rigor, documentos com as formulações que o partido

precisava fazer circular.

1.11 O papel da chamada “assessoria do CC” no exíli o

Organizada a rotina de comando, definida as temáticas que se precisam

debater e colocadas na pauta o que discutir sobre o Brasil, o partido resolveu

criar, a partir do agrupamento de intelectuais que se encontravam na França,

Itália, Portugal principalmente, uma assessoria que serviria para auxiliar o CC

nas suas prospecções teóricas e formulações, o comando dessa assessoria foi

entregue para Armênio Guedes.

Antes mesmo que essa estrutura fosse montada, um grupo de

intelectuais do partido exilados na Europa foi influenciado pelas formulações do

PCI47 que conseguira, como maior Partido Comunista do ocidente, influenciar

os partidos da França e da Espanha.

O centro da irradiação eurocomunista estava contido nos escritos de

Enrico Berlinguer48 (1976), Giorgio Napolitano49 (1976), Santiago Carrillo50

(1968) e diziam respeito ao papel da democracia no contexto da luta política e

na via para se chegar ao poder. Contudo, não parava nessa pauta. Essa

irradiação questionava o papel do socialismo na União Soviética e no leste-

europeu a partir da discussão, também, sobre a democracia. Esse

agrupamento de intelectuais tinha uma rotina de estudo bastante acentuada o

que permitiu novas leituras sobre o marxismo e, a partir daí, um

questionamento sobre os dogmas do aparato staliniano, o marxismo-leninismo

e a esquemática vulgata produzida no período de Stálin.

Mas o interesse central do CC ao criar essa assessoria era entender e

aprofundar o que se passava no Brasil, para poder formular resoluções que

fornecessem alternativas às demandas políticas em curso: analisar o Brasil era

a questão precípua que motivou a formação desse organismo auxiliar ao CC.

47 Partido Comunista Italiano. O PC responsável pelas formulações reformistas que universalizou a questão de um

único valor para a democracia, tornando-se subsumido à lógica da democracia formal que projetou como via para o

socialismo, as eleições regulares.

48 No período em questão era Secretário-Geral do Partido Comunista Italiano (PCI).

49 Era um importante dirigente do Partido Comunista Italiano e intelectual marxista destacado.

50 No período em questão era Secretário-Geral do Partido Comunista Espanhol (PCE).

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Todavia, efetivar esse plano de trabalho era visto por esses intelectuais como

uma tarefa que só poderia ser realizada a partir das novas leituras colocadas

no debate pelo PCI. Começa então uma ampla influência do pensamento

reformista, originário das formulações do PCI, sobre o arcabouço teórico do

PCB. No primeiro momento, através da chamada assessoria e, em seguida,

pelo próprio corpo dirigente já influenciado por essa articulação teórica.

Contudo, se faz necessário registrar que importantes dirigentes se

mostraram arredios ao arcabouço dessas novas formulações: Luiz Carlos

Prestes, Anita Prestes, Marly Vianna, Agliberto Azevedo, Gregório Bezerra e

outros situados nos setores intermediários do partido no exílio. Esse grupo

mantinha uma rotina de estudo que tinha como eixo central as preocupações

interpretativas sobre o Brasil. Com essa finalidade liam e debatiam as

formulações surgidas no Brasil, a exemplo de Caio Prado Jr., Florestan

Fernandes, autores vinculados à teoria da dependência, à questão do

capitalismo monopolista de Estado e ao modelo estatal autoritário brasileiro, de

acordo com depoimento prestado por Anita Prestes (2012).

Esse coletivo, parte integrante do núcleo dirigente, mais para frente terá

um duro debate interno diante da inflexão política que ocorreu em virtude da

orientação que advinha dessa assessoria liderada por Armênio Guedes, do

Comitê Central. Vários integrantes desse órgão auxiliar moravam na França,

especialmente em Paris. Diante dos impasses políticos, oriundos da

divergência nas formulações da assessoria, o núcleo em torno de Prestes

enviava emissários para participar das reuniões em Paris. Anita Prestes foi

designada para acompanhar essas reuniões, mas também Marly Vianna, José

Salles e pouco mais para frente, ainda no ano de 1976 quando chegou à

Europa conduzido por uma operação de resgate51, Giocondo Dias.

O local mais exemplar do qual a assessoria emanava suas formulações

era o jornal Voz Operária, naquele momento dirigido pelo exilado e ex-militar

cassado, Milton Temer52. Aparelho que se transformou no objeto político da

disputa interna que estava começando. O jornal funcionava em

51 Operação orientada pela União Soviética e comandada por José Salles, que contou com o apoio dos partidos

comunistas da Argentina e da França.

52.Entrevista concedida ao autor em 19 e 20 de outubro de 2012.

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[...] um escritório cedido por solidariedade dos companheiros do PCF53 em Irvy, subúrbio de Paris, onde fazíamos as reuniões de pauta, distribuíamos tarefas e eu fazia a edição final – de textos e gráfica. Tinha periodicidade mensal, e era impressa na Itália, por solidariedade do PCI (TEMER, 2012, p. 2).

O papel inicialmente estabelecido para a assessoria era de instrumento

auxiliar de formulação para orientar a direção do partido nas temáticas que ele

precisava enfrentar: linha política, análises de conjuntura e plano de ação,

foram paulatinamente se adensando na tomada de posição em favor das

formulações do eurocomunismo centradas na visão da democracia como via

única para o socialismo.

Essa assessoria do Comitê Central no exílio trabalhou para armar um

setor do CC para a disputa da linha política no núcleo dirigente do partido. Para

realizar esse intento era necessário ter o controle do jornal do partido que era

enviado rotineiramente para o Brasil. Mas também do jornal que circulava na

Europa para orientar a militância exilada: Brasil mês a mês.

É nesse cenário de disputa pelas formulações que dirigiriam os

comunistas brasileiros que surgiu, ainda de forma incipiente e pautada na

leitura sobre a “democracia progressiva” de Palmiro Togliatti, os conceitos

balizadores do que seria qualificado, por Carlos Nelson Coutinho, como

“democracia como valor universal”. Temática que balizou o debate partidário e

reposicionou as forças políticas internas na confecção de uma duradoura crise

política e orgânica.

53 Partido Comunista Francês. Foi também um dos partidos comunista europeus que se converteram ao reformismo

que pregava o socialismo pela via eleitoral.

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2. As formulações do PCB no exílio

Não serei o poeta de um mundo caduco Também não cantarei o mundo futuro

Estou preso à vida e olho meus companheiros

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Carlos Drumond de Andrade

As formulações do PCB no exílio estão contidas no conjunto de

documentos emitidos pelo Comitê Central do partido, pela Comissão Executiva

e que também se tornaram resoluções publicadas no jornal “Voz Operária” e na

revista “Brasil mês a mês”. Durante o período de dezembro de 1975 a julho de

197954 foram lançados os seguintes documentos e resoluções: “Resolução

política do CC”, “Resolução de organização do CC do PCB”, ambas de

dezembro de 1975. “Manifesto do PCB ao povo brasileiro”, lançado pelo CC em

junho de 1976. “Declaração da Comissão Executiva do PCB”, assinada por

Luiz Carlos Prestes de fevereiro de 1977. “Resolução política do pleno do CC”,

de março de 1977. “Nota da Comissão Executiva do PCB”, de junho de 1977.

“Carta de Prestes ao Partido”, de agosto de 1977. “Resolução política do CC”,

de dezembro de 1977. “Nota da Comissão Executiva do PCB a propósito da

campanha eleitoral”, de maio de 1978. “Resolução política do CC”, “Resolução

de organização” e “Declaração do PCB sobre o movimento sindical”, todas de

novembro de 1978. “Resolução política do CC” e o documento “A condição da

mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB”, todos esses

documentos de maio de 1979. Pouco depois dessa reunião saiu uma nota da

Comissão Executiva sobre “O projeto de anistia do governo”, em julho de 1979.

No ano de 1979, militantes e dirigentes exilados começaram a retornar ao

Brasil, logo, o debate que era fechado ao ambiente interno ganhou luz e

contornos no espaço público a partir da chegada do Secretário Geral, Luiz

Carlos Prestes, que chegou ao Brasil em outubro de 1979.

54 Podem-se encontrar variações nas datas das publicações dessas resoluções em virtude de algumas precauções

diante da ação do aparato de repressão do Estado brasileiro.

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O último documento do exílio foi uma nota da Comissão Executiva do

PCB, datada de julho de 1979, sobre “O projeto de anistia do governo”.

O processo de conquista da Anistia, que está em pleno curso, é um dos momentos políticos mais altos atingidos pelo movimento popular e democrático de oposição à ditadura, particularmente em sua evolução mais recente, marcada pela movimentação estudantil de 1977, pela greve do ABC paulista de 1978, pelas eleições parlamentares de novembro último e pelo movimento grevista sem precedentes do primeiro semestre desse ano (PCB, 1979c, p. 1).

Apesar dessa conquista, o documento identificou uma tentativa concreta,

do sexto governo do período burgo-militar, de tornar a Anistia muito restrita.

Mesmo com essa intenção do regime, a proposta era diferente do que havia

sido pensado pelo general Figueiredo ao tomar posse, que pretendia apenas

fazer “revisão de punições”.

O documento da Comissão Executiva elencou três pontos problemáticos

na proposta do regime: não contemplar aqueles que em combate tinham

cometido o chamado “crime de sangue”; que as pessoas anistiadas não

tivessem direito imediato de retornar a situação em que se encontravam

quando foram perseguidos, presos, torturados, etc.; e, por fim, colocar como

prazo último para a medida o dia 31 de dezembro de 1978. Essa medida visava

diminuir a margem de questões que seriam levantadas e, ao mesmo tempo,

proteger, com anistia preventiva, os torturadores como agentes do terrorismo

do Estado.

A compreensão geral da nota era que a ditadura já não mais fazia o que

queria diante do avanço das lutas populares e democráticas. A prova disso era

a postura do governo que mesmo não querendo a anistia teve que encaminhar

uma proposta.

O caráter e as limitações do projeto de Anistia do General Figueiredo colocam para as forças da democracia o desafio de intensificar seus esforços e realizar, neste período de tramitação legislativa do projeto, um grande movimento nacional pela sua transformação em verdadeiro projeto de Anistia ampla, geral e irrestrita. Substitutos e emendas com essa finalidade têm sido levados ao conhecimento da opinião pública por numerosos parlamentares (PCB, 1979c, p. 2).

Com essa nota da Comissão Executiva do PCB, fechava-se um ciclo

político e orgânico caracterizado pelo exílio partidário, e começava uma nova

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fase diante dos desafios pautados pela cisão do núcleo dirigente. O histórico

partido dos comunistas brasileiros entraria em um processo de longa agonia.

2.1 O debate sobre o Brasil no núcleo dirigente

As dificuldades encontradas pelo PCB nos anos 1970 foram de várias

ordens: orgânicas, políticas, questões oriundas da ação da repressão e os

impasses produzidos pela desconexão entre realidade concreta e formulações.

Tudo isso se avolumava no sentido de um ajuste de contas que iria influenciar

a pauta do debate quando ele iniciasse na instância superior do partido. No

exílio, o tempo político para analisar o Brasil e discutir as formulações era

imensamente maior, mesmo com as prementes necessidades de respostas

que a conjuntura interna do país demandassem. Sobressaíam, no longo roteiro

de discussão do PCB no exílio, as preocupações sobre como ocorreu o

esmagamento do partido pelo aparelho repressivo da ditadura. Mas também o

interesse em entender o porquê dessa ação do governo.

O PCB, a partir do início dos anos 1970, vai se transformando

paulatinamente em um partido exilado. A principal liderança do partido, o

Secretário-Geral, começava a ter muitas dificuldades para desenvolver

qualquer ação de direção e se mostrava preocupado com a situação de sua

família. Mesmo não sofrendo uma perseguição maior, Prestes considerou

importante enviar sua família para o exterior no ano de 1970. No ano seguinte,

em março de 1971, diante dos impasses que norteavam a direção do partido e

do perigo que representava a repressão e as possibilidades de prisão, Luiz

Carlos Prestes partiu para o exílio em Moscou na URSS.

Prestes e sua família começaram a deixar o país em 1970. Médici tinha assumido o poder e as pressões aumentavam. Para a família de Prestes, a situação era particularmente difícil: desde 64 vivia em Vila Mariana, na mesma casa onde foram encontradas as famosas cadernetas, sem sofrer qualquer incômodo por parte dos órgãos de segurança. No princípio dos anos 70, o quadro começou a se inverter. Prestes não aparecia mais em casa, mas a polícia começava a rondar as proximidades, na expectativa de surpreendê-lo ou seguir algum mensageiro (MORAES & VIANA, 1982, p. 194).

A análise permite colocar, como balizas históricas para discutir o PCB no

exílio e entender o ciclo das formulações partidárias, a chegada de Prestes no

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seu desterro em Moscou em 1971. Nesse período começa o questionamento

da política do partido a partir do estoque político e categorial que influenciava

os dirigentes que, de forma dispersa, se estabeleciam pela Europa. Todavia, os

dirigentes que ficaram no Brasil, mesmo diante da assoberbada situação,

despertavam para pontos que consideravam contraditórios na política do

partido e nas manifestações discursivas do Secretário-Geral.

Prestes, ao se estabelecer no exílio, despertou para uma situação

inusitada: era um Secretário-Geral isolado da direção do partido pela ação da

maioria dirigente.

Eu conheço a história do movimento comunista desde 1932 e não conheço nenhum caso de isolamento do secretário-geral diante do Comitê Central. O secretário-geral deve ser o porta-voz do CC, mas comigo aconteceu justamente o contrário: eu estou isolado do CC desde 68, quando propus uma interpretação verdadeiramente revolucionária da parte da resolução do VI Congresso que trata do poder. Partia do princípio de que o comunista deve lutar por um poder revolucionário. Dizer isso não é golpismo, nem esquerdismo (PRESTES, Apud, MORAES & VIANA, 1982, p. 193).

Todos na estrutura da direção do partido consideravam de suma

importância desenvolver o debate dos temas que estavam sussurrando na vida

partidária. No entanto, o discurso oficial dava conta apenas da necessidade de

aperfeiçoar a linha política para enfrentar a ditadura burgo-militar; reestruturar o

partido e prosseguir na luta pelo eixo central da orientação comunista: a luta

pelo socialismo.

No entanto, no aparato de direção surgiram outras questões que vão

caracterizar e nortear o debate. Por um lado, essa discussão foi pautada pelo

entendimento de que o Brasil era um país capitalista em consolidação,

portanto, cresciam e se desenvolviam as forças produtivas, afirmava-se uma

densa superestrutura, com as classes sociais e seus extratos em perfeito

funcionamento dentro do contraditório jogo social, o que resultou numa

formulação de que o caráter da revolução brasileira era de natureza

democrática. Essa revolução democrática respondia às demandas da etapa em

curso e sua condução deveria ser exercida pela classe operária na perspectiva

do socialismo. Essa era a compreensão daqueles que analisavam o Brasil no

grupo que atuava em torno de Prestes e que tinha uma pequena ramificação

dentro do Brasil e na Europa, embora fosse pequeno, dentro do Comitê

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Central. Um fator contribuiu para essa formulação no grupo prestista: o curso

que muitos deles tomaram sobre o livro O capital de Karl Marx em Moscou,

ministrado pelo professor Anastacio Mansilla e sua equipe no Instituto de

Ciências Sociais55. Para a professora Marly Vianna (2013) esse curso

possibilitou a construção do entendimento sobre quais eram as características

centrais do capitalismo no Brasil.

Por outro lado, uma das partes que alimentavam a polêmica a respeito

das formulações que pautaram o debate do PCB no exílio, ou seja, do debate

sobre o Brasil no núcleo dirigente, começava a se consolidar em um grupo em

torno de Giocondo Dias. Em torno do Cabo Vermelho, que participou do

levante da cidade de Natal em 1935, e que ainda se encontrava no Brasil,

colocaram-se figuras que se encontravam no exílio, a exemplo de Armênio

Guedes, Zuleica Alambert, alguns intelectuais, Givaldo Siqueira e o centro

pragmático do Comitê Central56. Esse centro pragmático seguia o grupo de

Giocondo Dias e era pautado especificamente pelas resoluções do V

Congresso e pelas formulações da Declaração de Março, embora não tivesse

maior contribuição ao debate. Essa maioria, que se articulava em torno de

Giocondo Dias, considerava que o caráter da revolução brasileira era nacional-

democrática, portanto, deveria incorporar a chamada “burguesia nacional”

como aliado dessa estratégia nas frentes de luta contra a ditadura que

governava o Brasil. No entanto, um registro se faz importante para esse

processo de entendimento das formulações do PCB no exílio: a nova postura

política de Prestes. O Secretário-Geral havia começado a levantar polêmicas

ao discutir qual seria o eixo central dos encaminhamentos sobre a

interpretação do Brasil. Consolidava-se uma movimentação de Prestes no

sentido de romper com as orientações da Declaração de Março e do V

Congresso. Essa posição mostrava uma inflexão política e teórica de Prestes

porque, em grande medida, ele havia sido um dos principais articuladores

dessas formulações e tinha lutado, internamente, para manter essas duas

55 O Instituto de Ciências Sociais era também conhecido como a Escola de marxismo-leninismo onde comunistas de

várias partes do mundo estudavam.

56 Agrupamento de menor intervenção intelectual que se colocava de forma oportunista na política interna, objetivando

manter as posições que detinha na estrutura partidária e alguns pequenos privilégios. Esse centro pragmático é

conhecido, desde a Revolução Francesa e popularizado por Lenin, de Pântano.

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políticas como eixo central da orientação para o partido, mesmo depois da

derrota que o PCB sofreu em 1964 e da consolidação da ditadura burgo-militar.

Essa inflexão política que Prestes realizou em meados da década de

setenta, mais especificamente em torno do ano de 1973, teve impacto na

estrutura do PCB. Prestes, a partir de uma rotina de estudo,

[...] constatou a existência na economia brasileira de um tripé constituído pelo Estado, pelos monopólios nacionais e pelos monopólios estrangeiros. O entrelaçamento desses três elementos seria de tal ordem que se poderia postular a presença no Brasil de um Capitalismo Monopolista de Estado (CME) dependente, uma vez que o capital estrangeiro era o dominante no referido tripé. [...] Na realidade, conforme diversos trabalhos de pesquisa realizados no Brasil e no exterior puderam revelar, a dominação imperialista e o latifúndio não constituíram empecilho ao desenvolvimento capitalista do país, marcado, contudo, pela dependência do imperialismo e pela ausência de uma reforma agrária de caráter burguês (PRESTES, A., 2012, p. 191).

O curioso desse processo é que, até período muito próximo dessa

inflexão, Prestes havia apoiado todas as políticas do partido.

Pouco depois, o coletivo que vivia no exílio, trabalhando enquanto

direção, iniciou um debate que teria como produto formulações, resoluções e

encaminhamentos políticos para as diversas frentes de massas do partido no

Brasil. No entanto, apesar dos danos causados pela repressão ao PCB, o

partido costurava o enfrentamento da ditadura através de articulações pelo alto

com setores da frente oposicionista que resistiam ao regime burgo-militar de

1964, na cena institucional.

2.2 As resoluções políticas e os encaminhamentos pa ra as frentes de

massas

A primeira dessas formulações diz respeito à resolução de dezembro de

1975 que foi elaborada a partir do debate ocorrido na primeira reunião do

Comitê Central no exílio. Essa data e essa reunião abrem um dado histórico da

maior relevância: pela primeira vez na história política do Brasil teríamos um

partido exilado, operando do exterior através da sua direção para orientar a sua

militância para a luta política dentro do país. Essa resolução examinava como

elemento central a situação do país e, dentro dessa questão, a grave crise

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econômica que se estabeleceu com o fim do chamado “milagre econômico” 57

que estava impondo limite às condições de sobrevivência da população.

O fim da política que ficou conhecida como “milagre econômico” da

ditadura, para além da crise econômica que gerou, abriu um ciclo que

reacendeu a presença da inflação. De acordo o professor Nilson Araújo de

Souza (2007) a taxa de inflação (IGP) em 1974 foi de 33,8%. Como política de

combate a inflação o governo da ditadura aplicou, mais uma vez, um

gigantesco arrocho salarial sobre os trabalhadores que contribuiu para gerar

pauperização nas condições de vida. Ainda de acordo com Nilson Araújo de

Souza (2007), a taxa de inflação diminuiu um pouco em 1975 (30,1%) em

relação a 1974, mas, cresceu vertiginosamente em 1976 (48,2%). A carestia

assolava o país, para além da inflação informada pelo governo, e repercutiu na

sociedade gerando um descontentamento popular que cresceu, sinalizando

para uma nova perspectiva de luta dos trabalhadores. Iluminando assim a

possibilidade de conflitos na conjuntura política de meados da década de 1970,

mas também informava sobre a agonia do sistema dependente:

A desaceleração da economia brasileira iniciada no segundo semestre de 1974, acompanhando o movimento da economia mundial, não representou apenas a reversão de um ciclo econômico de curto prazo. Representou, na verdade, a emergência de uma crise estrutural, que refletiu o esgotamento do modelo econômico que se consolidara no Brasil a partir do final dos anos 1960. Como bem definiram Francisco de Oliveira e Frederico Mazuchelli, o modelo entrou em agonia. No entanto, a primeira explicação oficial limitou-se a atribuir a crise ao aumento do preço do petróleo. Numa análise mais abrangente, veremos que, sob o impacto da crise mundial que se alastrou a partir de 1974, eclodiu no Brasil o conjunto das contradições que caracterizavam o modelo dependente vigente (SOUZA, 2007, p. 89).

A política econômica da ditadura diante da crise, agora no governo

Geisel, resolveu fazer contratos de risco que envolvia a Petrobras com

empresas estrangeiras para prospecção de petróleo em várias partes do Brasil.

Essa política pública, pautada por investimentos que advinham de contratos de

risco, orientou ações que terminaram por lesar os interesses nacionais de

forma aberta e constante.

57 Durante o período que vai de 1968 à 1973, ocorreu um acelerado desenvolvimento da economia brasileira que foi

designado pela equipe econômica do governo ditatorial como “milagre brasileiro” ou “milagre econômico”.

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Outro fator, para além da crise do modelo de desenvolvimento brasileiro,

colocou a ditadura em xeque: pode-se afirmar que a derrota nas eleições de

1974 cumpriu essa função.

As formulações e articulações políticas do PCB se revestiram de êxito

com a vitória da oposição o que ajudou na possibilidade de formação de uma

frente, agora chamada a partir das orientações do documento de 1973, de

frente antifascista e patriótica. Essa análise que caracterizava a ditadura como

fascista permitiu uma formidável ampliação na conformação da frente

oposicionista que se mostrou viável com a vitória nas eleições.

O êxito da oposição representou também uma vitória da orientação política dos comunistas e confirmou a justeza da linha política do PCB durante a campanha eleitoral. Encontraram eco junto às amplas massas do povo as palavras-de-ordem do nosso Partido, assim como as reivindicações mais sentidas do movimento operário e democrático, demonstrando que as eleições podem desempenhar um valioso papel na aglutinação da frente antifascista e na luta pela derrota da ditadura. Com a vitória de novembro de 1974 as forças democráticas e patrióticas deram importante passo no processo de formação da frente antifascista e patriótica (PCB, 1975a, p. 2).

No entanto, se percebe com o aprofundamento da análise política que,

com a vitória da perspectiva traçada pelo PCB e fortalecida com o resultado

eleitoral, o anticomunismo das forças burgo-militares orientou uma nova ação

da ditadura no pós-1974. Essa ação reacionária teve um roteiro extremamente

forte e duro para tentar destruir o Partido Comunista Brasileiro, como já

discutido anteriormente.

A resolução política do Comitê Central de dezembro de 1975, ainda

informava sobre as forças do imperialismo, “[...] que emprega todos os meios

para recuperar as posições perdidas e contra-atacar [...]” (PCB, 1975a, p. 1).

Mas, principalmente, apresentava um conjunto de tarefas que o partido deveria

realizar, que tinham como eixos norteadores, impedir as manobras de Geisel e

lutar para implementar uma articulação política que isolasse o governo,

possibilitando a sua derrota. A oposição deveria avançar em suas lutas para

impedir que o governo discricionário, com seu movimento repressivo,

conseguisse imobilizar o Congresso Nacional e deixar em situação de

subalternidade as forças vivas dos movimentos populares e políticos.

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Prosseguia o conjunto de tarefas com a determinação partidária que

orientava para a formação imediata de uma frente antifascista e patriótica, que

deveria ter uma forte presença da classe operária e um papel destacado dos

comunistas que,

Atuando junto de todos os setores do movimento democrático, contribuindo para a sua mobilização e organização na luta contra a ditadura, os comunistas entendem que a sua tarefa principal é organizar a ação da classe operária, desenvolvendo todos os esforços para transformá-la na força aglutinadora e condutora da frente antifascista e patriótica. Com esse objetivo é necessário trabalhar não só dentro dos sindicatos e junto às direções sindicais, mas principalmente nas empresas industriais, onde estão concentradas as grandes massas da classe operária (PCB, 1975a, p. 3).

No entanto, esse especial interesse não encontrava ressonância na

ação real e concreta do partido. Apesar dessa manifestação retórica, que

levava em consideração a necessidade da presença dos trabalhadores dentro

da frente única, a ação política do partido continuava sendo balizada pelas

articulações cupulistas e com baixo esforço de mobilização na classe operária.

A partir da conjuntura social do pós-processo eleitoral e da sugestiva

ideia de se contar com a presença dos setores sindicais e, também, populares

na frente única, o PCB indicava que,

Ao mesmo tempo, é possível unir a classe operária e o movimento sindical em torno de outras bandeiras. Levando em consideração e desenvolvendo a experiência já existente de greves por empresas, deve-se estimular o movimento operário e sindical a organizar a desobediência coletiva contra os patrões e o Governo, passando por cima da legalidade consentida pela ditadura e defendendo as suas reivindicações e as das demais forças democráticas (PCB, 1975a, p. 4).

Esse processo desejado pela política do PCB que, em tese, levaria a

uma desobediência, apesar da carestia e do profundo “arrocho salarial” em

curso, não terminou com os trabalhadores assumindo uma postura de

vanguarda nem diante da ditadura e muito menos dentro da frente única.

A linha aprovada contemplava no horizonte político a necessidade de

ancorar posições através de propostas que aglutinasse um programa de

combate. Com base nessa formulação o partido, a partir de uma ampla

perspectiva, foi elaborada uma plataforma de ação contra o governo, que

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contemplava em seu esboço todas as forças antifascistas e patrióticas. No

entanto, o documento deixava em aberto que, a depender das circunstâncias,

seriam refeitas propostas para atender aos setores da classe trabalhadora e da

burguesia com pretensões oposicionista. Essa última particularidade permite

concluir, diante dos interesses manifestados na prática política do PCB, que o

partido vinha priorizando entendimentos na cúpula da frente ampla e pequena

articulação, ou até mesmo ação, na base do movimento operário e sindical.

Pode-se analisar esse programa pela ótica da conciliação de classes

pela brecha aberta para a burguesia se integrar a partir de novas sugestões

que interessassem as frações que tinham algum contraponto com o governo. A

plataforma continha seis pontos:

1. Luta pelo respeito aos direitos humanos e pelas liberdades democráticas. Revogação do AI-5, do Decreto-Lei 477, de toda a legislação de exceção. Liquidação de todos os instrumentos e instituições que configurem o Estado fascista criado após o golpe de 1964. Por uma constituição democrática. Pela anistia geral aos presos e condenados políticos. Pela punição, de acordo com as normas jurídicas, de todos os responsáveis pelos crimes cometidos no período da ditadura. Luta contra a corrupção em todos os escalões do Governo fascista. 2. Defesa das reivindicações imediatas da classe operária, dos camponeses, dos trabalhadores em geral. Luta pela igualdade dos direitos da mulher. Contra a carestia da vida e por uma política habitacional progressista. 3. Defesa dos interesses específicos das camadas médias urbanas e de setores da burguesia não monopolista, tais como a redução de impostos, incentivos do Estado à pequena e média indústria e aos pequenos e médios produtores agrícolas, etc. 4. Defesa dos interesses nacionais. Contra a ação espoliadora dos monopólios imperialistas. Defesa da Petrobrás contra os contratos de risco. 5. Desvinculação das FFAA da suja função de carrasco do nosso povo e de ameaça à paz e à liberdade dos povos irmãos. Por uma política em que as FFAA ocupem o seu justo lugar não só de defensores da soberania, mas também no processo de desenvolvimento econômico, social, científico, tecnológico e cultural, independente e democrático do país. 6. Defesa de uma política externa independente, de paz, de relações com todos os povos e de não ingerência nos assuntos internos de outros povos. Apoio à política de distensão internacional e condenação da corrida armamentista, solidariedade ativa à luta de todos os povos contra o imperialismo e a guerra, pela democracia e a paz (PCB, 1975a, p. 5).

O documento continuava, para além das bandeiras da plataforma, com a

proposta que a frente ampla de corte antifascista lutasse pela manutenção do

calendário eleitoral que previa eleições em 1976 e em 1978. Essa preocupação

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se orientava pela sinalização da ditadura em cancelar as eleições em virtude

da derrota que teve, anteriormente, nas eleições de 1974 em todo país.

(...) Os resultados das eleições de 1974 constituíam clara vitória do partido de oposição. A maior vitória do MDB deu-se no Senado, onde recebeu 4 milhões de votos a mais que a ARENA. Pela primeira vez desde a criação dos dois partidos, o MDB ficava com a maior percentagem do eleitorado em eleições para o Senado (ALVES, 1985, p. 188).

Mas o quadro do partido oposicionista era de avanço não só no Senado:

O MDB teve significativamente aumentada sua representação no Congresso Nacional. Em 1970, o partido obtivera 87 cadeiras na Câmara dos Deputados, contra 233 da ARENA. Em 1974, conquistou 161 cadeiras, e a maioria da Arena desceu para 203. Nas assembléias estaduais, a oposição ganhou 45 das 70 cadeiras no Estado de São Paulo, 65 das 94 no Rio de Janeiro e completo controle das importantes assembléias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Para muitos observadores políticos, como para membros do próprio MDB, a vitória da oposição surpreendia como uma inversão das tendências eleitorais. As eleições foram em geral consideradas equivalentes a um plebiscito em que os eleitores votaram antes contra o governo do que na oposição (ALVES, 1985, p. 189).

O PCB, ancorado na expressiva vitória da oposição em 1974, entendia

que era importante e fundamental ter candidatos únicos nas eleições de 1976

que fossem sufragados pela sigla do MDB.

Apresentava-se, também, outra preocupação do PCB com a ditadura

que era a necessidade identificada pelo partido de combater o caráter

expansionista na ditadura burgo-militar no campo ampliado da sua geopolítica

(América do Sul). Despertando para a solidariedade aos povos em luta na

América Latina, na África e em outras partes do mundo. Mas em especial

àqueles que estavam sendo atacados por governos ditatoriais, que contavam,

inclusive, com o apoio da ditadura brasileira nessa articulação de caráter

imperialista. Esse movimento deveria alargar-se com a possibilidade de se

desaguar num amplo movimento internacional de solidariedade aos

combatentes no Brasil e de denúncia dos crimes da ditadura, fazendo com que

houvesse um horizonte político para se tentar isolar a ditadura no cenário

internacional.

O documento apontava para a necessidade de fortalecimento do partido

como condição básica para se obter êxito na orientação política que fora

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formulada e na capacidade de desenvolver um plano de penetração entre as

massas, criando assim, a possibilidade de fazer, de forma organizada, o

enfrentamento ao regime fascista. Por outro lado, era estratégico para o PCB a

propaganda permanente das formulações que orientavam a linha política do

partido.

A propaganda da nossa linha política é tarefa permanente de cada comunista, que deve desenvolver todos os tipos de iniciativa para que a nossa orientação atinja as mais amplas massas do nosso povo e, em primeiro lugar, para esclarecer e organizar a classe operária (PCB, 1975a, p. 6).

A Resolução do CC, de dezembro de 1975, terminou com um

chamamento sobre a necessidade de se derrotar o regime burgo-militar de

característica fascista e se organizar o partido entre os trabalhadores.

A importância da derrota do fascismo para o desenvolvimento ulterior de todo o processo da revolução brasileira determina o papel de destaque destinado à classe operária na luta antifascista. Para que a classe operária possa cumprir com êxito o papel que lhe está destinado nas lutas do nosso povo, é necessário que o Partido esteja profundamente enraizado em suas próprias concentrações. A luta contra o fascismo e pela construção do Partido na classe operária são duas tarefas inseparáveis e complementares (PCB, 1975a, p. 6).

O partido, nessa reunião do CC, também tirou uma Resolução de

organização para orientar o conjunto da militância partidária. O documento, em

seu ponto 1, procura entender as contradições do cenário internacional,

pautados, por um lado, pelo avanço de forças retrógradas, mas também pela

ampla capacidade de enfrentamento que os revolucionários exerciam em todo

o mundo. Essa era uma tradicional metodologia dos documentos do PCB:

começar suas análises sempre se reportando aos temas da cena política

internacional.

Em seguida, a Resolução examina as contradições da frente ampla e a

situação do partido ao final de 1975. Identifica o envolvimento de

personalidades e instituições importantes em confronto com as práticas da

ditadura e a possibilidade de avançar em um programa comum contra o

fascismo.

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(...) São muitas manifestações, algumas isoladas, outras já se constituindo em ações conjuntas, mas quase sempre todas tendem a convergir, podendo, em determinado estágio, transformar-se em ações coordenadas de uma ampla frente antifascista (PCB, 1975b, p. 1).

Mas para que isso ocorresse, era importante trabalhar para se ter um

partido organizado e forte:

Torna-se, por isso mais necessária do que nunca a existência no país de um forte partido comunista. Um partido que tanto por sua estratégia e tática revolucionárias, quanto por sua estrutura orgânica e estilo de trabalho adequado ao momento em que vivemos, seja capaz de unir as mais amplas massas que se opõem à ditadura (PCB, 1975b, p. 1).

O centro da resolução colocava uma exigência de princípio para o PCB

enfrentar a luta, após ser atacado violentamente pelo fascismo e ter saído

vitorioso nas eleições de 1974, a necessidade de se criar uma estrutura

orgânica que conseguisse levar à frente as orientações políticas do partido.

Essa linha política precisava ter forças orgânicas suficientes para confeccionar

a Frente Ampla e, ao mesmo tempo, conseguir avançar no trabalho de massa

do partido, ter presença no ambiente da militância do trabalho sindical, com a

centralidade no movimento operário como forma de organizar as massas, os

trabalhadores e a juventude, para fazer o enfrentamento à ditadura militar.

Portanto, a Resolução de Organização afirmava uma linha de ação para que o

partido pudesse ter capacidade, naquele momento tão difícil, de organizar a

sua presença nas organizações de massa e ao mesmo tempo combater a

ditadura fascista.

Essa orientação determinava que a organização do trabalho de direção

do partido fosse voltada para as atividades no Brasil, na perspectiva de se

fortalecer, e ter como eixo central, a construção do partido no elo principal da

produção econômica. Entendendo, assim, que essa ação recaísse,

prioritariamente, na construção do partido nas grandes empresas do

capitalismo de ponta do país.

A preocupação com a questão de organização era explicada pela

exigência política de fazer o enfrentamento no ambiente mais fechado da luta

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de classes, ou seja, no núcleo mais desenvolvido do capitalismo e no setor

mais avançado da classe operária: o ABC58 paulista.

Posicionava-se para a necessidade de se colocar o partido em

articulação com outras agremiações comunistas, democráticas e patrióticas

para combater a ação do imperialismo norte-americano e, ao mesmo tempo, a

ditadura burgo-militar no Brasil, como instrumento político dos Estados Unidos.

Mas, contudo, grande parte dessa Resolução de Organização avaliava o

processo de repressão que o partido estava sofrendo e a sofisticação do

aparelho de repressão do Estado.

Destacamos também o fato de que houve um aperfeiçoamento, uma mudança qualitativa no trabalho dos órgãos de repressão. E, ante isso, nossos métodos de trabalho e de organização, outrora suficientes, se tornaram hoje obsoletos. O nível do aparelho policial é atualmente técnica e organizadamente muito mais eficiente que há dez anos atrás, e isso exige métodos de organização e de trabalho clandestino mais aperfeiçoados. Enfrentamos agora não só a polícia brasileira, mas também organizações como a CIA, que assessoram, financiam e agem diretamente no país, aplicando a experiência acumulada no Vietname, Coréia, África do Sul, Oriente Próximo e Portugal. O inimigo conhece e aplica as mais modernas e sofisticadas técnicas de repressão, estudadas na RFA, USA, etc., sob a direção de organizações internacionais especializadas na repressão ao comunismo (PCB, 1975b, p. 2).

No entanto, também, alertava para o comportamento leniente, e até

irresponsável, que marcou o PCB diante dessa postura do regime.

É preciso ainda salientar que algumas debilidades, intrínsecas à nossa própria organização, permitiram a profundidade dos golpes sobre nós desfechados. As dificuldades objetivas e a repressão não devem, assim, servir de escudo à limitação da crítica.

Entre essas debilidades, destacamos as seguintes: - Subestimação das modificações qualitativas introduzidas na vida política brasileira, depois do golpe militar de 1964, e que abriram caminho à implantação do fascismo no país. Apesar de qualificarmos o atual regime político como fascista, em geral atuamos sem levar isso em conta. Não fomos igualmente capazes de perceber o grau de aperfeiçoamento dos órgãos repressivos. Daí as vacilações para romper com a devida audácia e em tempo útil com certas formas orgânicas e estilos de trabalho consolidados por uma rotina criada em situação diferente, no passado. Trata-se nas condições atuais de criar

58 Região industrial do Estado de São Paulo, localizada na região metropolitana da capital, composta pelas cidades de

Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano. A cidade de Diadema também passou a integrar o ABC

paulista.

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novas formas de organização e trabalho adaptadas a um Partido que, a partir do golpe de 1964, teve que trabalhar sob o terror fascista (PCB, 1975b, p. 2).

O documento sobre a questão de organização estava articulado com a

Resolução política e examinava pontos que os comunistas consideravam

importantes para a definição da linha política: subestimação do papel do

partido, subestimação do papel das massas e debilidades políticas e orgânicas.

A Resolução, na sua conclusão, defendia algumas linhas de ação para a

atuação do partido:

1. Assegurar, por todos os meios possíveis, a orientação política do Partido nas organizações de massa em que temos influência, mas principalmente às da classe operária, de jovens e mulheres. 2. Determinar que a reorganização do trabalho de direção e do Partido esteja voltado para o interior do país. 3. [...] Organizar nossa atuação no continente, junto aos partidos irmãos e as organizações democráticas e patrióticas, com o objetivo de contribuir para a unidade de ação dos povos dos países irmãos, na luta contra o imperialismo norte-americano e sua ponta-de-lança no continente, a ditadura fascista no Brasil. 4. Solidariedade internacional. [...] visando criar, também no exterior, um grande movimento de opinião pública mundial contra o fascismo no Brasil (PCB, 1975b, p. 5).

O Comitê Central do PCB lançou do exílio, em junho de 1976, um

Manifesto ao povo brasileiro.

Há doze anos que os generais se sucedem no poder em nosso País. São doze anos de opressão e de miséria para os trabalhadores, de lucros cada vez maiores para os grandes capitalistas brasileiros e estrangeiros. São doze anos de crescente entrega aos monopólios imperialistas das riquezas nacionais e de desnacionalização cada vez maior da economia brasileira (PCB, 1976, p. 1).

O Manifesto argumenta que a fascistização do regime ditatorial foi uma

medida para garantir a política econômica dos monopólios, o ataque aos

salários dos trabalhadores, a espoliação das camadas médias urbanas e a

pauperização dos camponeses. Com o fim do ciclo econômico do chamado

“milagre brasileiro”, o desemprego avançou e cresceu a carestia. Tudo isso

colocava para os trabalhadores e o povo em geral uma carga de sacrifícios

enorme.

Essa a situação em que se encontra a Nação sob o governo do Sr. Ernesto Geisel. Nos dois anos do seu governo, cresceu a miséria dos

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trabalhadores, assumiram proporções sem precedentes as concessões aos monopólios imperialista, intensificou-se a opressão policial e militar contra todos que levantam sua voz contra a política antipovo e de traição nacional do regime militar fascista (PCB, 1976, p. 1).

O documento identifica que foi no governo Geisel que cresceu “[...] a

tortura e o assassínio de presos políticos. Contam-se já as dezenas os

patriotas que foram seqüestrados e assassinados pelos órgãos de repressão”

(PCB, 1976, p. 1).

No entanto, apesar dessa repressão do regime contra a oposição e os

trabalhadores, desenvolvia um forte repúdio popular disseminado em diversos

setores da sociedade.

São as mais amplas camadas da população brasileira que se pronunciam contra a ditadura militar-fascista, reclamam a abolição do A.I nº 5 e dos demais atos institucionais, do Decreto-lei nº 477; a elevação do nível de vida dos trabalhadores e a defesa da soberania nacional. Posição que se expressou concretamente nas eleições parlamentares de 74. Mesmo nas Forças Armadas cresce o repúdio ao arbítrio e aos crimes da ditadura como revela a substituição do general comandante do II Exército, com sede em São Paulo, onde os métodos de tortura e assassínio de presos políticos mais se acentuou. Nova e importante vitória das forças democráticas e patrióticas que mostra ser possível impor derrotas à ditadura, e obrigá-la a recuar (PCB, 1976, p. 2).

A mensagem final, contida no documento em análise, era de emulação

diante do papel histórico do PCB e das perseguições que estava sofrendo.

Mas, também, de interesse em trabalhar por uma ampla unidade daqueles que

lutavam contra a ditadura, que envolvesse os setores democráticos e

patrióticos com bandeiras da democracia burguesa. Dirigindo-se à nação, o

PCB conclamava “O povo brasileiro unido em ampla Frente Antifascista e

Patriótica derrotará o fascismo. É para derrotar o fascismo que os comunistas

brasileiros conclamam todos os patriotas à unidade e à ação” (PCB, 1976, p.2).

Em fevereiro de 1977, Luiz Carlos Prestes assina uma Declaração da

Comissão Executiva do PCB na qual analisava o resultado das eleições de

1976, a conjuntura política brasileira e apresentava argumentos políticos para

uma estratégia de conciliação com a burguesia que levaria a um compromisso

histórico policlassista, após a queda da ditadura, como campo político para

governar e transformar o Brasil.

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A Declaração qualifica que, mesmo com o impedimento imposto à

oposição em participar de forma livre da campanha eleitoral,

Os resultados das eleições constituem, isso sim, uma demonstração da força crescente da oposição. Os milhões de brasileiros que votaram contra o governo, apesar da pressão e das ameaças a que foram submetidos, deram uma resposta contundente à política da ditadura. [...] A condenação da ditadura, principalmente pela massa trabalhadora dos centros urbanos e industriais mais importantes do País, é a conclusão fundamental que se deve tirar das eleições de 15 de novembro. As grandes massas, sem maiores ilusões sobre o valor das eleições nas condições do regime fascista, sabendo não estar travando uma batalha definitiva contra a ditadura, resolveram aceitar o desafio de Geisel: deram às eleições um caráter plebiscitário, colocaram a ditadura no banco dos réus e condenaram-na (PCB, 1977a, p. 1).

Numa análise política sobre o comportamento do conjunto da população,

no contexto do resultado eleitoral, em virtude das condições de vida, a

Declaração afirma que

Responderam, assim, à dura realidade em que vive a imensa maioria do povo brasileiro. Condenaram a difícil situação que, neste momento, atravessa o País. Situação marcada a fundo pela inflação crescente, pelos déficits na balança comercial e no balanço de pagamentos, pelo aviltado endividamento externo, pelos salários de fome e pelo alto custo de vida, pelos constantes maltratos, torturas e assassínios de camponeses e indígenas, pelas medidas violentas para expulsar os ‘posseiros’ de suas terras, pelo domínio incontestável de toda a vida econômica do Brasil pelos monopólios imperialistas e nacionais, pelo desemprego, pela corrupção na administração pública, pela desnutrição e doenças de milhões de compatriotas das cidades e do campo e, principalmente, pela falta de liberdade e total insegurança dos cidadãos (PCB, 1977a, p. 1).

E avança na compreensão da conjuntura identificando que, para além das

mazelas imposta pelo regime,

É preciso, porém ter bem claro esse quadro. Porque é daí que decorre a ambiguidade da política atual da ditadura, uma ambiguidade entretanto que não obscurece seu principal objetivo tático no momento – frustrar a ascensão da luta de massas que se inicia no País, e impedir a organização e o fortalecimento da coligação antiditatorial. Se, de uma parte, o governo fascista lança mão da astúcia para ampliar sua base política, falando em ‘distensão’ e em ‘defesa dos interesses nacionais’, de outro, vê-se obrigado a permanecer no terreno do arbítrio e declara, pela fala de Geisel que ‘o regime é o que é, dele gostemos ou não’. Ou, como diz um porta-voz menos graduado da ditadura, ‘extinguir o A.I. nº 5 é irresponsabilidade’. E, mais do que declarações, dando a tônica da violência do regime,

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continuam as prisões, os seqüestros, as execuções sumárias e as cassações de mandatos e de direitos civis (PCB, 1977a, p. 2).

O documento faz algumas indicações para orientar a luta política, para

realizar esforços para colocar em vigor a “plataforma da frente antifascista”,

ampliar as campanhas em curso pela anistia, contra o A.I. nº 5, contra a

censura, a campanha por direitos humanos realizada pela Igreja Católica,

contra o terror, etc. e o documento sugere uma ação para o combater o

anticomunismo.

Para além desses pontos, apresentaram argumentos que confirmavam a

ruptura com a tradição de luta classista do PCB, historicamente identificada e

muito bem exemplificada nas ações do final dos anos 1940 e, em boa parte dos

anos 1950, quando, nessa Declaração, o partido reafirma a necessidade de um

pacto histórico com frações da burguesia para a governança na pós-derrota da

ditadura burgo-militar. Alimentando uma profunda ilusão de classe e

justificando um oportunismo de direita que dava passos para se consolidar nas

formulações vindouras do partido, mesmo fazendo outro exercício retórico para

fazer a representação da classe operária,

O PCB, compreendendo que cresce o número de pessoas e correntes políticas que desejam a pacificação do País, o fim do arbítrio, compreendendo que grande parte dos que falam em ‘acordo político’ não são oportunistas ou partidários de conchavos com a tirania, declara, mais uma vez, que, ao contrário do que afirmam os porta-vozes da ditadura, os comunistas não são partidários da violência pela violência e sempre combateram as ações aventureiras. Por sua vez, a grave situação econômica que atravessa o País, mais que nunca, exige a unidade de todos os patriotas e democratas para evitar a bancarrota e o caos econômico, do qual serão justamente os trabalhadores suas maiores vítimas. Não discordamos, assim, da pacificação do País. Não somos revanchistas. Embora saibamos que no meio dos militares encontram-se torturadores e assassinos de comunistas e de outros antifascistas e patriotas, isso não nos impede de reconhecer que a maioria dos militares é constituída de patriotas, que se sentem humilhados com o papel que lhes é atribuído de carrascos do povo e não podem também estar de acordo com a política da ditadura de total entrega do Brasil aos monopólios estrangeiros, política que nega a soberania nacional e subordina o País aos governantes de Washington e aos generais do Pentágono. [...] a coligação antiditatorial que propomos para liquidar a ditadura militar-fascista não tem apenas caráter tático. Seus objetivos são mais amplos. É preciso que eles se projetem no futuro e que se transformem, após a queda do fascismo, numa aliança também para solucionar graves e antigos problemas nacionais, muitos dos quais foram extremamente agravados por mais de doze anos de um poder arbitrário e ditatorial.

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O PCB declara estar disposto a se bater para que a unidade que venha a ser conseguida na luta contra a ditadura – pelo menos das suas correntes fundamentais - se prolongue no período que se seguir à queda desta, a fim de tornar possível e facilitar a realização de uma profunda transformação da sociedade brasileira (PCB, 1977a, p. 4 e 5).

Estavam reafirmadas as formulações que contribuíram para derrotar o

PCB no processo do golpe de 1964 e balizaram a ruptura da tradição do

partido com a sua cultura política classista.

A Resolução política do CC de março de 1977 integra o conjunto de

documentos, elaborados a partir do debate realizado no exílio. O conteúdo

desse documento inicia pelo exame da crise da ditadura ao perceber sintomas

de exaustão no regime:

Em todos os setores da vida nacional multiplicam-se as evidências de falência da política econômica e social que o regime fascista impôs ao País. A ditadura começa a apresentar uma série de brechas e se torna, assim, cada dia mais instável, vulnerável e ameaçadora (PCB, 1977b, p. 1).

No entanto, mesmo com essas características, o partido ficou

preocupado com o aceno de “endurecimento” do regime. Portanto, em virtude

dos acontecimentos anteriores, que os comunistas passaram, existia uma

precaução diante da possibilidade de terror.

Neste último caso, é necessário atuar com segurança e habilidade a fim de resguardar, contra os golpes da reação, tanto o Partido quanto o movimento e a organização das massas. São estas indicações que visam dar à nossa ação a firmeza e flexibilidade necessárias, seja para impedir a acomodação e a passividade, seja para evitar a precipitação e a aventura (PCB, 1977b, p. 1).

O debate em curso identificou que continuava a crescer a insatisfação

popular, inclusive com manifestações de repúdio da resistência democrática e

abriram-se espaços para a luta dos trabalhadores através, até mesmo, de

greves abertas ou de forma escamoteada, para garantir algumas reposições e

reajustas nos salários. À repercussão da resistência urbana se somou a

movimentação dos trabalhadores rurais que, por ocasião do dissídio coletivo,

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conseguiram uma estupenda mobilização de mais de um milhão de

assalariados agrícolas e que saíram vitoriosos nessa luta59.

Ficaram nítidas para o PCB as fragilidades da ditadura burgo-militar

quando dos “[...] pronunciamentos das CNBB60 e do CIMI61 deixam claro que a

Igreja Católica, no Brasil de hoje, está em conflito com o regime de violência e

arbítrio existente no País” (PCB, 1977, p. 3). Ao lado do papel exercido pela

Igreja, intelectuais fizeram um manifesto de repúdio ao governo que contou

com mais de mil assinaturas. Era visível a insatisfação “[...] das camadas

médias urbanas e de amplos setores de empresários pequenos e médios, que

haviam acreditado no ‘milagre econômico’” (PCB, 1977, p. 3).

O desgaste do governo encontrava ressonância no

[...] agravamento da crise geral do capitalismo, o nível atingido pela luta de classes no mundo capitalista, as vitórias do movimento de libertação nacional e os êxitos alcançados pelos países socialistas estão determinando, no cenário internacional, o aparecimento de uma correlação de forças bem mais favorável à luta pela paz, pelo progresso social, pela democracia e pelo socialismo (PCB, 1977b, p. 4).

O pleno do Comitê Central salientou que a situação do país marchava

para uma crise política criada diante dos impasses gerados pelo crescimento

do campo oposicionista e da reação da ditadura que poderia implementar o

corolário autoritário e/ou uma articulação pelo alto para continuar com o seu

projeto de dominação. A cena política estava aberta pela movimentação dos

atores sociais e políticos.

A ideia básica do PCB era garantir a realização das eleições de 1978

como um instrumento que balizaria

[...] Um acordo nacional só terá condições de superar o regime fascista e normalizar a vida do País se tiver como base a plena vigência das liberdades democráticas e a conseqüente garantia dos direitos dos trabalhadores. A saída da crise, exige, por isso, uma política firme e unitária das forças de oposição em torno daquilo que deve ser seu objetivo: a implantação de um regime democrático no Brasil (PCB, 1977b, p. 5).

59 Esse dissídio coletivo movimentou um milhão e 300 mil trabalhadores e contribuiu para alimentar as esperanças de

luta de mais de oito milhões de trabalhadores rurais que existia no campo de acordo com o levantamento do PCB

naquela época.

60 Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: entidade da estrutura da Igreja Católica.

61 Conselho Nacional Indigenista: organismo vinculado à CNBB.

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No entanto, apesar da retórica se referir à presença dos interesses dos

trabalhadores, a conciliação inundava o texto através de uma linha política que

orientava o partido apenas a defender bandeiras que fossem de todos “[...] a

partir de um acordo em torno de algumas reivindicações centrais que lhes

sejam comuns” (PCB, 1977b, p. 6). O que possibilitaria o avanço de um amplo

movimento nacional de oposição ao regime, mesmo que as propostas dos

comunistas e os interesses da classe operária fossem subalternizados nesse

processo.

Por fim, o sentido político do documento era pautado pelas

preocupações com a realização das eleições de 1978 e isso era motivado pela

visão político-orgânica de que o partido precisava de uma conjuntura de

liberdades democráticas para pleitear a sua legalidade institucional, nos

marcos da democracia burguesa.

Em junho de 1977, foi lançada uma Nota da Comissão Executiva do

PCB. O conjunto da argumentação tinha como centro uma crítica ao “Pacote de

Abril” 62 que havia sido lançado para interferir na correlação de forças da cena

política institucional, mas também, mediante as preocupações com o avanço

do movimento popular.

Num quadro de constante agravamento da situação política, e pressionada por uma resistência crescente, a ditadura reagiu com violência, decretando o recesso do Congresso e introduzindo uma legislação legal e eleitoral das correntes oposicionistas e mesmo das apenas discordantes. A tônica desta legislação é, novamente, a exclusão do povo do processo político e o apelo do processo político às eleições indiretas numa extensão cada vez maior (PCB, 1977c, p. 1).

Esse processo político causou intensa repercussão não só na oposição,

mas também no ambiente de influência política do próprio governo, causou

protestos até na ARENA. Obrigando o governo a ir buscar apoio nos comandos

militares que apresentavam forte comportamento político reacionário.

Além desse quadro de instabilidade política, a crise econômica

molestava a sociedade e colocava sérias restrições para a movimentação

62 Diante dos impasses gerados no Congresso Nacional em virtude da não aprovação da reforma judiciária, o governo,

valendo-se do instrumental jurídico permitido pelo AI-5, fechou o Congresso Nacional pela terceira vez depois do golpe

burgo-militar, no dia 02 de abril de 1977, e no dia 13 lançou um conjunto de medidas que ficou conhecido pelo nome de

“Pacote de Abril”.

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política do governo que começou a sofrer restrições dentro do seu bloco no

poder.

Ao nível econômico os problemas que vinham-se acumulando como resultado de uma orientação antinacional da economia brasileira continuam a se agravar. A aplicação da política de favorecimento dos setores monopolísticos e financeiros, que se traduziu numa brutal compressão dos salários e na criação de graves desequilíbrios sociais, regionais e setoriais, está agora, depois de esgotado o ‘milagre’, mostrando as suas verdadeiras conseqüências (PCB, 1977c, p. 2).

Neste documento, o PCB indicava, a partir da análise da política

nacional, a necessidade de articulação para construção da sempre procurada

unidade do campo oposicionista. Nesse sentido, as novas articulações que

envolviam as frações da burguesia interna insatisfeitas com o governo, e a

oposição, articulações estas que procuravam abrir trilhas pelo alto para

constituir uma democracia de caráter restrito, contavam com o apoio subalterno

do partido.

A partir da avaliação da conjuntura nacional, a nota identifica que o

quadro político tenderia a ficar mais tenso, em especial, pela perspectiva das

eleições de 1978. Diante dessa situação, foi aberta a perspectiva de se lutar

por uma Constituinte que, minimamente, possibilitasse um debate mais

democrático na sociedade, apesar dos entraves ao estabelecimento das

liberdades democráticas. Para a viabilidade dessa bandeira, o partido propunha

o direito de manifestação dos mais diversos setores da sociedade como

condição número um para o projeto de “conciliação nacional”. E concluía a nota

argumentando pela necessidade de legalização do PCB.

A consolidação de formulações e resoluções que iam, paulatinamente,

afirmando uma perspectiva reformista na orientação política do PCB, que o

afastava de um projeto classista, teve, no exílio, um contraponto na carta que o

Secretário Geral, Luiz Carlos Prestes, lança ao partido. Trata-se de uma carta-

documento de agosto de 1977. Prestes, já havia sinalizado, em momentos

anteriores, uma profunda insatisfação com a linha política do partido em virtude

da falta de aderência desse instrumental teórico-político às contradições da

realidade objetiva. Começa o texto fazendo uma avaliação da situação do povo

diante da ditadura burgo-militar.

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Nosso povo está submetido a um regime político crescentemente arbitrário, antinacional e antipopular. Mas contra esse regime levantam-se amplos setores da população. Isso é o que efetivamente caracteriza a situação do País no momento que atravessamos. A amplitude e o vigor com que com se desenvolvem as lutas reivindicatórias e de resistência, a firmeza crescente das manifestações dos mais variados setores em prol da conquista das liberdades democráticas dão a medida das dificuldades com que se defronta o regime. As possibilidades de luta ampliam-se, ainda que o inimigo fascista continue dispondo de poderosos instrumentos de opressão”. Mesmo sabendo que “[...] nossa difícil situação orgânica é um sério obstáculo ao exercício do papel que nos cabe (PRESTES, L. C. 1977, p. 1).

Prestes alertava que era interesse do fascismo, estabelecido no

aparelho de Estado, liquidar o PCB. No entanto, a realidade mostrava que essa

possibilidade não era possível em virtude do papel histórico do partido como

necessidade política da classe operária. Não obstante,

[...] os golpes que sofremos prejudicam, na medida de sua própria gravidade, a luta da classe operária e de todos os patriotas e democratas, de nosso povo em geral. Isto torna mais premente a necessidade de superarmos nossas deficiências e corrigirmos nossos erros. Não podemos permitir que a ditadura siga utilizando certas debilidades nossas para conseguir novos êxitos em sua ação repressiva. Temos de fazer com que, à autoridade política que adquirimos, corresponda um funcionamento eficaz de nossa organização. O essencial neste momento é saber vencer a contradição entre as possibilidades criadas pelo atual desenvolvimento da sociedade e a nossa capacidade de utilizá-las para realização de nossos objetivos, de aproveitá-las para o mais acelerado e conseqüente desenvolvimento da luta de nosso povo pelo progresso social. Temos que explorar ao máximo o fato de que é impossível à ditadura impedir que nossa palavra se difunda pelo território nacional, que a nossa voz seja ouvida (PCB, 1977, p. 2).

Mas, para Prestes, essa circunstância política precisava de uma reflexão

que fizesse surgir “[...] um processo autocrítico que encontra, porém, sérios

obstáculos, dadas as condições em que se desenvolve hoje a nossa atividade,

assim como a magnitude dos problemas a examinar” (PCB, 1977, p. 1). Como

prosseguimento dessa reflexão, o Secretário Geral do PCB manifestou

interesse em lançar luzes sobre questões que ele vinha analisando. Só que

agora, Prestes, se considera em condições de apresentar respostas.

Ao examinarmos as causas da derrota sofrida, torna-se necessário apontar os erros cometidos pelo Partido, de modo a permitir que enfrentemos com êxito, agora e no futuro, as ofensivas que o

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fascismo não cessará de desencadear contra o povo, contra o movimento operário e sua vanguarda organizada. Não basta lançar a culpa na violência própria do poder fascista: o golpe desfechado contra o Partido não foi resultado, apenas, da ação organizada do inimigo. Ao mesmo tempo em que se aprimoraram as técnicas repressivas empregadas pelo regime, ao mesmo tempo em que se desenvolveu um monstruoso aparelho de repressão, persistiram em nossas fileiras concepções e métodos de trabalho que facilitaram de muito a ação terrorista-repressiva da ditadura (PCB, 1977, p. 2).

Existia, nas formulações do PCB, uma paulatina transformação de

partido de classe para partido de todo o povo. No documento em análise,

Prestes alertou para uma questão que há muito tempo despertava incômodo na

retórica do Partido.

[...] tornou-se claro que o grau de nossas ligações com as massas populares, particularmente com a classe operária, era insuficiente. Apesar de termos repetido inúmeras vezes, em nossas resoluções e documentos oficiais, que a classe operária deveria constituir o centro do nosso trabalho, que a organização do Partido teria que estar primordialmente voltada para a tarefa da construção do Partido na classe operária, o duro processo a que fomos submetidos mostrou que continuamos a subestimar o papel que o proletariado deverá desempenhar na derrubada do fascismo e na edificação de um governo que, garantindo as mais amplas liberdades democráticas, permita o avanço de nosso povo no caminho da completa independência nacional e do continuado processo social. Ao trabalho sistemático nos sindicatos, nas empresas, com vista a elevar o nível de consciência e de combatividade da classe operária e das massas populares em geral, preferimos muitas vezes os entendimentos de cúpula, os acordos ‘pelo alto’ [...] (PCB, 1977, p. 3).

Essa reorientação política de Prestes abria a possibilidade de o partido

despertar para seu papel histórico junto à classe operária. Abria-se uma janela

teórico-política para o PCB voltar a ser operador político da classe e que

eliminaria o avançado processo de ruptura com sua tradição, voltando a ser

orgânico às lutas e formulações para efetivar o projeto da revolução socialista.

Portanto, os comunistas, nas preocupações de Luiz Carlos Prestes,

deveriam dirigir o centro dos seus esforços para ação na luta de classes. No

entanto, a militância partidária deveria se manter no “[...] mais estrito respeito

às normas da clandestinidade” (PCB, 1977, p. 4). Só assim o partido voltaria a

ter presença importante no proletariado para, a partir daí, executar a sua tática

e desenvolver a sua estratégia.

Em dezembro deste mesmo ano de 1977, o Comitê Central no exílio

lançou uma nova Resolução Política. Esse documento em primeiro lugar fazia

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uma saudação pela passagem dos 60 anos da Revolução de Outubro e

reafirmava o papel histórico da União Soviética e das Democracias Populares

do Leste europeu na defesa da humanidade e dos interesses dos

trabalhadores. Reforçava o papel que desenvolvia a União Soviética em defesa

da paz em todo o mundo. Prosseguia o documento do CC debatendo a

questão da política externa, colocando em cena a política externa dos EUA no

governo do Presidente Jimmy Carter - que se apresentava contraditória diante

das limitações e objetivos para tomar posição sobre a questão dos direitos

humanos e o rotineiro comportamento imperialista. Mesmo assim, apresentava-

se uma brecha que interessava ao debate internacional, porque envolvia

politicamente a nova situação internacional que favorecia os povos em luta pelo

mundo.

Na presente situação mundial, caracterizada pela distensão, pelos recuos do imperialismo, pelo aprofundamento dos sentimentos democráticos no mundo inteiro, torna-se mais difícil a existência de regimes que, ao lado de desenvolverem políticas antipopulares, empregam métodos que se caracterizam pela mais brutal violência contra as massas, como é o caso da vários regimes latino-americanos e, entre eles, o brasileiro (PCB, 1977d, p. 3).

Voltando sua análise, necessariamente, para o Brasil, a resolução

qualifica a economia de dependente e com uma estrutura voltava para atender

aos interesses dos monopólios. A economia brasileira encontrava-se em crise,

com uma política econômica vulnerável e com grande endividamento externo.

Nessa situação, o governo da ditadura burgo-militar optou, mais uma vez, por

aumentar os preços, arrochar salários e a partir dos ajustes fiscais, ampliar o

desemprego.

Não obstante, crescia a resistência à ditadura que começava a enfrentar

um processo de isolamento mesmo em relação à sua base de sustentação,

mas, principalmente, junto ao conjunto da população, diante da articulação das

forças antifascistas nesse processo político de crise econômica. Independente

da circulação de forças do campo antipopular e antinacional que se organizava

em torno da ditadura. Contudo, a resolução desperta para uma situação que,

mais para frente, seria determinante para fissurar o bloco no poder.

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Neste processo de crescimento das forças oposicionistas, o papel que vai assumindo o movimento operário e sindical é um índice denso de significação. A reanimação do movimento de massas, criando condições para a intensificação das ações reivindicatórias, contém a possibilidade de um amplo desenvolvimento do nível de organização das camadas populares. E, trilhando este caminho, elas podem reunir meios para desempenhar um papel de maior destaque na luta antiditatorial (PCB, 1977d, p. 4).

O PCB analisou que a ditadura, para colocar em andamento o seu

projeto para sair do isolamento político, precisava, essencialmente, da divisão

do campo oposicionista. Já que existiam desacordos em sua própria base de

sustentação diante da posição de frações de classe da burguesia,

descontentes com a política econômica do governo que contribuiu para tornar

mais confusa a crise econômica. O projeto político da autocracia burguesa

(FERNANDES, 1982, 2006; MAZZEO, 1997; SAES, 2001) procurou, através da

ação da ditadura, dividir a oposição para continuar executando a perspectiva

de, pelo alto, manter o núcleo central da dominação prussiana que era

articulado entre frações da burguesia e a burocracia mais reacionária das

Forças Armadas. Essa burocracia havia se transformado em força hegemônica

entre os militares para romper com a legalidade institucional e dar o golpe

burgo-militar de 1964. Portanto, diante desse cenário de impasses políticos e

desarticulação da sua hegemonia,

O fascismo, sem condições de legitimidade, sem poder propor nada que altere substancialmente o regime jurídico-institucional por ele mesmo criado, viu-se diante de poucas saídas, que repousam na sua capacidade de dividir as forças de oposição. E isto é algo que o governo Geisel busca obstinadamente desde a sua instalação. Para dividir as forças oposicionistas e obter o apoio de pelo menos uma fração delas ao seu projeto institucional, que equivale a legalizar o Ato 5, ou seja, incorporá-lo à Constituição através de votação dos partidos no Congresso, a ditadura não poupa esforços e usa todos os meios ao seu alcance, desde a intimidação e a chantagem até vagas promessas de liberalização (PCB, 1977d, p. 6).

Para os comunistas do PCB o eixo central da luta contra a ditadura

deveria ser a unidade das forças oposicionistas, o trabalho de massas e a

difusão das bandeiras por liberdades democráticas. Portanto, a luta pela

democracia, com base nas formulações do VI Congresso, deveria orientar a

mobilização do partido nas suas lutas e articulações. No entanto, qualificava

ainda que, para o partido ter o protagonismo desejado, deveria ser organizado,

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forte e numeroso. Sendo assim, o horizonte traçado nessa resolução deveria

ser seguido à risca através das propostas articuladas na resolução de

organização. E concluía, mais uma vez, fazendo uma conclamação ao partido:

É uma tarefa política que partindo de uma visão adequada das exigências atuais e futuras do trabalho revolucionário, exige, a um só tempo, uma correta avaliação da correlação de forças e das possibilidades concretas, habilidade, inteligência e uma aguda percepção dos limites em que os passos podem ser dados com segurança (PCB, 1977d, p. 14).

Em maio de 1978, a direção comunista divulgou uma Nota da Comissão

Executiva do PCB a propósito da campanha eleitoral. Essas eleições

ocorreriam no final daquele ano e o documento alertava para a importância

desse evento político tendo em vista a relevância do momento para as

transformações do Brasil. A conjuntura política estava marcada pela crise do

modelo econômico e, em especial, pelas contradições da crise política.

Condicionada desde o início por uma situação histórica determinada, que lhe impunha certos limites, por suas contradições internas e, sobretudo, ao longo do tempo, pela pressão de uma opinião pública crescentemente democrática, a ditadura militar-fascista viu-se na impossibilidade de suprimir as consultas eleitorais: nessas condições, ela sempre buscou valer-se de tais consultas para ampliar sua base consensual e para legitimar-se de algum modo perante o conjunto da nação e a opinião pública internacional (PCB, 1978a, p. 1).

A situação política do Brasil, pelas características da crise, abria espaço

para mediação do governo golpista com a oposição. No entanto, com a

abertura desse novo cenário, vários personagens da política institucional, ou

havia trocado de posição, ou estavam incomodados com a base política que

integravam. A cena política para os comunistas poderia avançar para uma

inflexão que faria vitoriosa as forças de oposição ao regime, em virtude das

contradições internas às frações da burguesia que apoiavam o governo e, em

particular, as brechas políticas na base governista. É nesse contexto que

apareceu uma proposta de Programa lançado por Magalhães Pinto: tratava-se

de um político e banqueiro que fora um dos bastiões do golpe que levou ao

poder a articulação burgo-militar.

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O conteúdo objetivamente oposicionista do ‘programa’ lançado por Magalhães Pinto, a firme posição democrática expressa em recentes pronunciamentos dos bispos católicos em favor de uma anistia ampla e irrestrita, as corajosas declarações de militares da ativa e da reserva em defesa da democracia e do fim do arbítrio, o espírito unitário e combativo revelado pelas lideranças mais expressivas do MDB: todas essas manifestações indicam a possibilidade concreta de formação de uma ampla frente contra o atual regime, capaz de suscitar, durante a campanha eleitoral, as energias necessárias para uma vitória ainda mais clara e insofismável do que a de 1974 (PCB, 1978a, p. 4).

Tendo em vista essa perspectiva e com base nas evidências, o PCB

conclamou todas as forças democráticas e oposicionistas a se unirem em torno

de uma plataforma eleitoral comum que respondesse às demandas do

processo político em curso. Mas fazia, ao mesmo tempo, outro movimento que

era no sentido de conjugar esforços para a convocação de uma Constituinte.

Para a realização dessa proposta algumas medidas democráticas deveriam

preceder ao processo Constituinte: liberdade de manifestação da opinião

pública nacional, a anistia ampla e irrestrita, fim de todos os atos e leis de

exceção, restabelecimento do Habeas Corpus em sua plenitude, respeito à

livre organização partidária sem discriminação de nenhuma espécie e da

completa liberdade sindical. Essa era a pauta que o PCB apresentava para

solicitar, a partir daí, a instalação do processo Constituinte através das eleições

de 1978. A Constituinte teria como objetivo mudar as regras jurídicas do Estado

de exceção no caminho de uma legalidade jurídica que possibilitasse a

instauração do Estado de Direito democrático, mesmo no âmbito das normas

da burguesia.

Por fim, mais uma vez, com um discurso genérico e difuso, o partido

fazia a sua rotineira conclamação que não despertava a militância para uma

efetiva ação de vanguarda com centralidade na classe, de onde partia seu

projeto histórico.

Chamamos a atenção dos militantes do Partido para o fato de que as eleições são também um poderoso meio para, por um lado, aumentar a influência do nosso Partido no seio das massas, e por outro, fortalecer o espírito unitário das várias correntes antiditatoriais. O aumento da influência dos comunistas e o fortalecimento da unidade do conjunto da oposição serão, por seu turno, uma garantia e uma condição para que se possa alcançar um novo patamar nas batalhas pela democracia que continuarão a ser travadas depois das eleições (PCB, 1978a, p. 9).

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A partir deste momento já se oferecem condições para compreender que

a centralidade da política e da ação do PCB estava voltada para os arranjos

institucionais que poderiam advir do processo eleitoral e das articulações

políticas para a formação de uma mítica frente ampla. Se a centralidade da luta

era na esfera da política institucional, por mais que o exercício retórico dos

documentos falasse das massas, a ação do partido no movimento operário e

nas massas estava em segundo plano. Confirma-se, assim, a ruptura com a

tradição de luta dentro da classe operária e com um quadro teórico-político que

estivesse calcado na realidade concreta. O PCB deixa assim, na constatação

dessas características, de ser operador político da vanguarda histórica na cena

da luta de classes.

Em novembro de 1978, o Comitê Central do PCB lançou uma Resolução

política analisando a evolução dos acontecimentos no país, afirmando que

passaram a se aprofundar os antagonismos entre a nação e o regime militar

fascista. Com base nas argumentações da Resolução política de dezembro de

1977, no entanto, com algumas modificações, o documento confirma as

tendências de agravamento da crise econômica e, diante desse quadro, a

permanência de instrumentos e métodos ditatoriais por parte do governo. Com

o esgotamento da política econômica da ditadura, as condições de vida da

população se agravaram e essa situação contribuiu para um substancial

desenvolvimento das forças oposicionistas. Naquela conjuntura de crise se

apresentou um novo fenômeno: greves operárias iniciadas no ABC do Estado

de São Paulo que se ramificaram por outras regiões industriais do Brasil.

As greves operárias – iniciadas no ABC paulista e que se estenderam a outras regiões industriais do país – são não só o acontecimento mais importante do período como marcaram o início de uma etapa qualitativamente nova na luta dos trabalhadores contra o regime. As modificações havidas neste período revelaram que se criou uma situação nova no país, caracterizada pelo avanço da oposição e por um acentuado desgaste do regime (PCB, 1978b, p. 1).

Se a centralidade da política do partido fosse desenvolvida dentro do

movimento operário e se suas articulações fossem no movimento sindical, ele

teria percebido a movimentação da classe operária diante daquela conjuntura

de crise econômica e social. No entanto, para além da incapacidade do PCB

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desvendar a realidade social em curso, os trabalhadores e um novo movimento

sindical introduzia, na cena político-social, após um longo trabalho de base,

uma etapa qualitativamente superior da luta política contra o regime burgo-

militar. Estava, portanto, modificado o quadro do debate político naquele

momento.

Nos recentes movimentos grevistas, os operários não só se

sobrepuseram à lei de greve decretada pela ditadura em 1964, como

desferiram um golpe na prática política salarial do governo, começando a

reconquistar de fato o direito de contratação coletiva. Fica evidente, portanto, o

significado político das lutas atuais dos trabalhadores.

A reação do governo vem confirmar esta idéia. Com o decreto-lei 1.632, que amplia as restrições às greves, e com as dispensas denunciadas pelos sindicatos do ABC, tenta o regime golpear a classe operária, afastá-la da cena política e isolá-la dos demais setores democráticos. Isso porque a participação da classe operária na luta geral pela democratização é a maior garantia para o êxito desta luta (PCB, 1978b, p. 6).

O PCB, preocupado com os movimentos de setores internos da, em

tese, frente ampla, agia com muita prudência diante da nova conjuntura. O

partido não definia a centralidade da sua atuação e vacilava entre o projeto da

frente democrática, para superar o regime, e uma ação determinada no cenário

da luta de classes ao lado dos trabalhadores e sua emergente vanguarda, o

novo sindicalismo63. Essa prudência política, típica preocupação daqueles que

analisavam o momento político através de formulações marcadas por

experiências pretéritas, apontava para mais uma perspectiva de derrota política

e orgânica do PCB. Perdia o partido a oportunidade histórica de se recompor

no campo da classe operária.

A prova empírica desse descompasso do PCB, mesmo com novas

preocupações, é que o documento, após breve consideração sobre esses

novos fenômenos, volta ao leito repetitivo das preocupações genéricas,

baluartistas e reformistas, em que se converteram as posições do PCB.

Examinava a situação internacional a luz da repercussão que poderia ter

sobre o Brasil: comportamento dos círculos reacionários dos Estados Unidos, 63 No final da década de 1970, surgiu, a partir das greves do ABC, um movimento reivindicatório organizado pela base

dos trabalhadores que marcou o sindicalismo brasileiro, fundou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e contribuiu

para criar e construir o Partido dos Trabalhadores (PT).

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questões sobre o desarmamento mundial, papel da União Soviética,

acontecimentos que envolviam povos em luta, avanço do socialismo e relações

políticas entre os Estados Unidos e a União Soviética. Por essa leitura o

conteúdo da resolução era repetitivo.

Na visão geral sobre o regime, a análise reafirmava que a realidade

brasileira indicava uma situação que era pautada pelo crescente isolamento da

ditadura, pela desarticulação e derrota da sua base política. Interpretação que

podia ser examinada a partir de novos acontecimentos políticos.

O descontentamento com a atual situação manifesta-se não só entre as forças de oposição, incluindo o MDB, cujo papel na luta contra a ditadura tem-se acentuado, mas inclusive em setores até há pouco ligados ao regime ou com ele comprometidos, formando um movimento difuso, que abrange até a ARENA. Uma expressão destes processos foi o lançamento de uma candidatura militar oposicionista com o apoio de personalidades da ARENA e a formação da Frente Nacional de Redemocratização (PCB, 1978b, p. 7).

Portanto, mesmo com uma política que o subalternizava diante de

setores oposicionistas, a frente ampla foi articulada nesse episódio sem a

participação do PCB. No entanto, o partido, com base na sua concepção

taticista-politicista, apoiou a frente. Mesmo a frente não contando com a

densidade dos setores populares.

A questão não estava em ligar o movimento operário-popular às lutas gerais do MDB. Ao contrário, essa ligação constituía-se numa necessidade. O problema situava-se exatamente na inversão feita pelo PCB, isto é, no momento em que o MDB avançava, justamente porque impulsionado pelo movimento operário-popular, questionando a base econômica do bonapartismo, o PCB assumia uma postura conciliadora ao participar de uma articulação ‘pelo alto’, que excluía o fundamento da crítica realizada pelos trabalhadores e pelos setores populares e de esquerda da frente, insistindo em seus objetivos de manter a unidade política pluriclassista, quando essa forma de aliança de classes entrava em crise, contribuindo objetivamente para o desmantelamento do núcleo democrático-popular do MDB e para a rearticulação da hegemonia burguesa (MAZZEO, 1999, p. 166).

Continuava o texto com as considerações de que a partir das greves

operárias, das lutas estudantis, do movimento das mulheres, da ação das

comunidades católicas, das lutas indígenas, com a crescente presença dos

profissionais liberais na cena política, da organização de atividades em defesa

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das lutas sociais contra a ditadura, do papel progressista da CNBB, da SBPC64,

da ABI65, da OAB, afirmou-se o quadro de isolamento da ditadura e cresceu o

conjunto de medidas autoritárias que o regime lançou para estabelecer novas

regras para a ação política no processo eleitoral, que ficou conhecida como Lei

Falcão. O governo da ditadura já havia lançado o Pacote de Abril e imposto o

decreto antigreve nº 1.632.

Os comunistas se mantinham na mesma compreensão analítica

reafirmando a necessidade da unidade na luta pela democracia. Essa

formulação política, consolidada no conjunto dos documentos do exílio,

afirmava que, diante da nova situação do país, era preciso fortalecer o

descontentamento crescente das massas, fortalecer o movimento operário,

ampliar e consolidar os movimentos oposicionistas e avançar nas batalhas

pelos interesses corporativos dos trabalhadores, para que essa situação

elevasse a movimentação dos trabalhadores ao nível da luta contra a ditadura.

Todavia, esquecia dos interesses específicos dos trabalhadores e a necessária

politização do processo político.

A luta do partido incluía a denúncia dos assassinatos, da tortura e das

ações da repressão, do funcionamento terrorista das estruturas do DOPS66, do

DOI-CODI67, de setores das Forças Armadas na perseguição contra a

vanguarda política brasileira. Esse tema dizia respeito especificamente ao

PCB, em virtude da ação que sofreu pelas investidas do Estado reacionário:

prisões, desterro, tortura, assassinatos, processos, desaparecimento de

quadros dirigentes e a destruição do aparato gráfico do partido. Foram imensas

restrições que enclausuravam o PCB.

Diante disso, o PCB finalizava o documento colocando como tarefa para

sua militância o imperativo de transformar o partido numa grande organização

de massas que pudesse fazer o enfrentamento com a ditadura. Como sempre

64 Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência: entidade civil fundada em 1948 que exerce destacado papel no

desenvolvimento e aperfeiçoamento do sistema nacional de Ciência & Tecnologia e na difusão da Ciência no Brasil.

65 Associação Brasileira de Imprensa, com sede nacional na cidade do Rio de Janeiro.

66 Departamento de Ordem Política e Social, criado pelo Estado brasileiro em 1924, com a finalidade de controlar e

reprimir a movimentação política e social dos opositores do regime. O DOPS teve acentuado papel na repressão

política durante as ditaduras do Estado Novo e a burgo-militar de 1964.

67 Destacamento de Operações de Informações era um órgão do Exército brasileiro durante a ditadura de 1964,

responsável pelo trabalho de inteligência e repressão contra os opositores do regime. Acusado de ser encarregado por

atos de terrorismo de Estado, foi fechado no processo de redemocratização da vida política brasileira.

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uma genérica emulação que não encontrava ressonância nos

encaminhamentos concretos da prática do partido.

Na reunião do CC de 1978, foi lançada uma Resolução de organização

que afirmava a necessidade de rearticular, em patamar superior, o jornal Voz

Operária, que era o órgão central do partido. O jornal enfrentava dificuldades

impostas pela reação militar. No entanto, ficou nítida, nessa resolução, o papel

do jornal como uma estrutura ideológica vital para passar as orientações do

partido ao conjunto da militância.

Foram discutidas as deficiências na organização como impeditivos para

a circulação da linha política do partido, imposta quase sempre pela ação da

ditadura burgo-militar. No entanto, a resolução de organização continha todo o

arcabouço teórico-político da resolução política mesmo com os percalços da

conjuntura. Desenvolvendo, a partir daí, uma convicção sobre o caráter do

partido e seus instrumentos de funcionamento.

Essa reunião de dezembro de 1978 foi muito rica. Os debates internos

sinalizavam os desacordos entre a maioria do CC e um pequeno grupo em

torno de Luiz Carlos Prestes. O arcabouço de onde partiram as formulações, os

debates sobre temas candentes, demonstrava outro horizonte para a ação do

partido, mesmo de forma ainda incipiente. O interesse em tirar resoluções para

atender às frentes de massa, um novo perfil imposto pela resolução sobre a

questão de organização e uma Declaração do PCB sobre o movimento sindical

balizaram uma pequena mudança.

A ‘Resolução Política’ de novembro de 1978 significou uma inflexão em relação à que fora aprovada um ano antes e, em certa medida, uma reafirmação da ‘Resolução Política’ de dezembro de 1975. Refletia a conciliação presente naquela reunião do Comitê Central, em que a sua maioria evitava uma ruptura com Prestes (PRESTES, A., 2012, p. 221).

O documento de organização como produto dessa pequena reorientação

interna lançava luz sobre os acontecimentos operários em todo o Brasil.

Também procurou examinar o ascenso das lutas dos trabalhadores, o desgaste

da ditadura, a legitimidade da luta expressa na conduta dos trabalhadores, em

especial para fazer avançar os seus interesses diante da política salarial que

impactava as condições de vida da população em geral. E a Resolução

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Sindical elencou um conjunto de bandeiras para orientar a classe trabalhadora

em sua luta ao lado da sua vanguarda política: o partido.

No entanto, apesar de um novo horizonte tático que os documentos

acenam, o texto sobre a questão sindical fugia do debate essencial: o PCB

reforçaria de forma concreta as lutas operárias em curso, priorizando sua ação

nesse campo, ou não? Manteve-se, no documento sindical, uma análise

genérica sobre as relações de trabalho no Brasil, identificava os pontos de

ataque da ditadura aos trabalhadores, tratava do ascenso das lutas sociais e

operárias, entrava no mérito de questões da CLT e formulou um programa para

pautar a intervenção do PCB no movimento sindical que tinha como orientação

geral a democratização do ambiente político nacional e a luta por liberdades

sindicais. Dentro dessa última orientação, cabiam vários pontos específicos da

luta dos trabalhadores na conjuntura do autoritarismo. Contudo, o PCB não

despertava para o protagonismo dos trabalhadores nessa nova quadra da

conjuntura aberta pelas greves operárias e continuava com o discurso genérico

da unidade das forças democráticas, enquanto perdia espaço orgânico dentro

da classe.

Insistimos que é fundamental unir organizando a classe operária, pois somente unida e organizada ela terá peso político para lutar com êxito por suas reivindicações próprias e por seus direitos democráticos. Além disso, a unidade dos trabalhadores interessa também ao conjunto das forças democráticas, porque só a classe trabalhadora unida e organizada pode constituir um núcleo socialmente homogêneo capaz de aglutinar e dar consistência e força à frente de luta pelas liberdades democráticas (PCB, 1979a, p. 10).

Para além da ausência de percepção sobre o novo papel da classe

trabalhadora, o PCB também não despertava para a questão da hegemonia na

vanguarda do movimento sindical e na esquerda brasileira.

O movimento iniciado no ABC, e logo expandido para outros centros nos anos seguintes, trará uma perspectiva uma perspectiva de debate acerca da história e do futuro do movimento sindical no Brasil. Os blocos que se formam, a partir da associação de grupos díspares, travarão disputas e debates que terão, a nosso ver, lastro nos embates pela hegemonia do movimento de esquerda político e sindical em nosso país. Por muito tempo o PCB obteve hegemonia, mantendo-se praticamente como único porta-voz da esquerda; neste novo momento que se abre, enfrentaria muitas dificuldades para tanto. Os por convenção chamados de ‘novos atores’ colocariam em xeque essa soberania (SANTANA, 2001, p. 181-182).

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No final de janeiro e começo de fevereiro de 1979, ocorreu uma reunião

extraordinária do CC na cidade de Praga, na Tchecoslováquia. Tratava-se de

uma crise interna da direção motivada por acusações sobre práticas

consideradas inadmissível de um membro do CC.

Não obstante essa situação, em maio de 1979 o Comitê Central fez sua

última reunião no exílio, já não contando com a presença do seu Secretário

Geral que se encontrava em litígio com a maioria do CC. A partir daí, a crise

política na direção do PCB avançou para uma divisão orgânica em virtude do

ritmo acelerado dos debates e das posições divergentes dentro do núcleo

dirigente.

Essa Resolução Política, de maio de 1979, desenvolveu argumentos

para orientar a luta partidária que continha VIII pontos:

Primeiro: fez um balanço positivo das eleições de 1978. “[...] Elas

permitiram, mesmo com todas restrições impostas pelo regime, que se

realizasse uma importante mobilização na campanha eleitoral” (PCB, 1979a, p.

1).

Segundo: compreendia que o Brasil vivia um ascenso importante das lutas

dos trabalhadores, a partir, inclusive, do ato de 1º de Maio realizado no ABC,

quando se reuniram mais de 100 Mil pessoas e que foi promovido por mais de

56 entidades. Fato esse que também teve repercussão em outros atos de 1º de

Maio pelo país e contribuía para o avanço da organização dos trabalhadores.

Terceiro: a ditadura burgo-militar tinha um novo gerente, chegava ao poder

o General Presidente João Batista Figueiredo. Ao tomar posse, o General

encontrou dificuldades para organizar os seus objetivos diante do isolamento

em que se encontrava.

Quarto: cresceu de forma favorável o quadro político para as forças

oposicionistas e populares, com o crescimento do movimento operário.

Quinto: colocava-se como tarefa política central para as forças de

oposição, construir uma perspectiva democrática para o país.

Sexto: do ponto de vista interno, colocava-se uma tarefa importante que

era “organizar e orientar as lutas operárias” (PCB, 1979a, p. 7). Embora

debilitado pela destruição de seu aparato nas grandes empresas, em especial

no pólo automobilístico do ABC paulista, o partido ainda lutava para se

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apresentar nesse ambiente. Fazendo valer suas forças e sua orientação

política no processo de luta dos trabalhadores e para fortalecer o MDB.

Sétimo: o programa também contemplava, como sempre, um ponto que

orientava a luta pela paz e a defesa dos povos em luta. Mais uma vez o PCB

demonstrava sua preocupação com o internacionalismo proletário a partir de

características que defendia partidos comunistas e Estados socialistas.

Oitavo: por fim, é anunciada a perspectiva de realização do VII Congresso

do PCB como um grande acontecimento na vida política e orgânica do partido.

Hoje, o processo de reorganização do Partido e do trabalho da sua direção, o fortalecimento de nossa unidade de vontade e de ação, em torno da linha política, dos Estatutos – cujo princípio diretor é o centralismo democrático – e do CC, reafirmam ainda mais aquelas exigências. Por isso, o CC resolve tomar as medidas necessárias à convocação do VII Congresso do Partido Comunista Brasileiro (PCB, 1979a, p. 14).

Essas medidas políticas e orgânicas, tendo em vista a convocação do

Congresso, sinalizavam para um desconforto interno que se assoberbaria

diante de manifestações de posições que já estavam dividindo a direção do

partido no exílio. O debate que era restrito, até aquele momento, iria ganhar

contornos público diante das ideias e propostas de Prestes em contraponto ao

conjunto do Comitê Central, explicitamente liderado por Giocondo Dias.

Essa reunião, do Pleno do CC de maio de 1979, produziu outro

documento, que por suas características foi muito importante como

contribuição ao debate, sobre a questão da mulher. Foi uma resolução sobre A

condição da mulher e a luta para transformá-la: visão e política do PCB,

examinando as condições em que a mulher se encontrava dentro da sociedade

capitalista e as lutas necessárias para transformar essa situação, tendo em

vista o arcabouço político-teórico utilizado pelo partido.

Esse documento que discutiu a condição da mulher na sociedade

brasileira orientou um conjunto tático de medidas para fortalecer o trabalho do

partido nessa frente de massa e desenvolveu teses que discutiam sobre a

situação da mulher no trabalho, no setor primário da produção capitalista, na

família e na sociedade em geral.

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A mulher ocupa também na sociedade, em geral, uma posição marginal. Como totalidade, encontra-se afastada da vida política. Em nossa história, a participação política da mulher não seguiu uma linha ascendente. Manifestou-se de modo episódico, com altos e baixos. Por isso mesmo, ainda hoje são inúmeros os preconceitos em relação à participação da mulher na esfera do poder (PCB, 1979b, p. 7).

Esse debate sobre a condição feminina constituiu um marco histórico

das formulações e ações do PCB nessa luta. O documento informa sobre a

necessidade de organização desse segmento social como ponto central para

transformação da situação das mulheres e da sociedade. As formulações

desse documento orientavam para a participação na luta feminista e na luta

política para transformar a conjuntura política do Brasil. Além disso,

consolidava uma perspectiva de trabalho entre as mulheres e possibilitava a

presença de amplas camadas de mulheres no partido.

A luta pela completa emancipação da mulher, apesar da contradição

mulher/sociedade capitalista no Brasil, era uma parte da luta pela emancipação

da sociedade. Tudo isso trazia uma nova afirmação do PCB para esse debate,

que já era algo constante na sua história, para além da incapacidade das

forças conservadoras, e até mesmo segmentos de esquerda, debaterem esse

tema.

Assim, a luta pioneira de algumas mulheres extraordinárias nos albores da nossa história foi sendo gradativamente substituída, com o passar dos anos, pela luta dos grupos, setores e camadas de mulheres que se fizeram presentes na batalha pelo voto feminino, nas lutas democráticas, emancipadoras e progressistas que marcam todo o período que antecede 64. Neste processo, desempenharam importante papel numerosas entidades femininas organizadas em nível local e estadual, e mais tarde em nível nacional, que muito fizeram pela mobilização política e a organização de milhares de mulheres em todo o país (PCB, 1979b, p. 12).

Foi importante, nesse documento, o despertar para uma discussão da

relação homem/mulher, da luta por igualdade de direitos da mulher. Todos

esses temas contidos num amplo documento que levou em consideração uma

necessidade de renovação de métodos de trabalho e organização do Partido

no que concerne às atividades da mulher, tanto no plano ideológico, como

teórico, político e organizativo. Essas formulações se articularam com uma

plataforma de luta pela igualdade dos direitos da mulher no trabalho, na família,

na luta para transformar as condições gerais de vida da família e no irrestrito

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direito de mulher participar da vida política do país. Para José Salles68 um

documento seminal, articulado pelo esforço político de Zuleika Alambert69, que

trazia à cena política e orgânica do PCB uma inovadora formulação sobre a

questão feminina, no partido e na sociedade, a partir de uma conduta

autocrítica.

Evidentemente, nosso Partido cometeu erros e apresentou falhas em seu trabalho nesse terreno. Entre eles, os mais graves foram a subestimação da importância do papel da mulher na sociedade – daí, certamente, o pouco esforço feito para elaborar e definir uma política do Partido para as mulheres – e o sectarismo com que encarávamos o trabalho de massas, a ponto de termos uma visão instrumentalista do movimento feminino. Esta visão incorreta refletiu-se em todas as nossas atividades, tanto no movimento de massas como dentro de nossas fileiras (PCB, 1979b, p. 14).

2.3 O começo da cisão no núcleo dirigente

O PCB, apesar da sua histórica disciplina interna, sempre foi marcado

por circunstâncias conjunturais que levaram a organização ao cisma. Após o

debate sobre o golpe e as razões da derrota, uma nova pauta se apresentava

nesse horizonte histórico de divisões.

[...] o PCB passou por dilacerantes divisões ao longo de toda a sua história, mantendo em geral um padrão ‘tríplice’: dissidências ‘à esquerda’ e ‘à direita’, debeladas por um setor majoritário de direção dito ‘centrista’, que busca sua legitimação assumindo uma posição equilibrada entre uma e outra vertente. As bases para as divergências da virada dos anos 1970 para os anos 1980 parecem estar dadas desde de muito antes [...] (SILVA, 2005, p. 44).

O paulatino roteiro dessa nova dilaceração se iniciou com os debates

para a realização do VI Congresso, após o golpe de 1964, e tinha como um dos

pontos centrais a disputa pelo comando do PCB, a partir da sua direção.

Para além da disputa pelo aparelho, esse ciclo de divisão se orientou

pelo contraponto com o cabedal teórico-político, a partir do qual se estabelecia

uma ou outra interpretação do que ocorria no Brasil. No entanto, um fator pode

ter sido importante para desvelar esse processo: a diáspora do partido no

exílio.

68 Entrevista concedida ao autor nos dias 09, 16 e 23 de outubro de 2012.

69 Feminista, escritora e dirigente do CC. Tinha sido deputada estadual por São Paulo em 1947, pelo PCB.

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[...] O exílio permitiu a muitos ter maior contato com os diferentes caminhos propostos no movimento socialista. [...] as experiências de vida diversas pelas quais os pecebistas passaram naquele período (o secretário-geral Luiz Carlos Prestes sempre isolado por questões de segurança e exilado em 1971; o restante da direção exilada em 1975; militantes espalhados por diversos países; a maioria permanecendo no Brasil sem contato direto com o exterior) guardariam relação com as divisões posteriores do partido (SILVA, 2005, p. 44).

Uma das primeiras questões, levantadas a partir do debate do VI

Congresso, foi sobre a longevidade ou não da ditadura no poder. Prestes

examinou que o período seria duradouro, no entanto, o grupo majoritário no CC

comandado por Giocondo Dias tinha como certo a brevidade do período.

Parece ser uma questão menor, contudo, tratava-se de uma perspectiva de

onde deveria partir a política do partido para enfrentar a ditadura burgo-militar.

Todavia, a consolidação dessa postura no CC, e de toda a política derivada

dessa maioria, ocorreu através do processo de isolamento do Secretário Geral

do partido no Brasil e, depois, no exterior. “Com a ausência de Prestes, Dias

assume, de fato, a secretaria-geral do PCB, procurando imprimir seu estilo de

trabalho ao Secretariado, à Comissão Executiva e ao Comitê Central”

(FALCÃO, 1993, p. 293). É importante registrar que o desterro de Prestes,

contra sua vontade, para o exterior, foi uma decisão articulada por Giocondo

Dias na reunião do CC do começo de 1971 alegando preocupações com a

segurança do líder do partido e em virtude de um suposto plano das forças da

repressão para matá-lo.

Prestes reagiu energicamente, argumentando que não havia nenhuma razão fundamentada para essa medida, pois nada tinha a ver com seqüestros, assaltos ou com a guerrilha urbana. Não acreditava, portanto, que seu assassinato estivesse nos planos da polícia. Chegou até a sugerir que se tratava de um falso pretexto para afastá-lo da Comissão Executiva (FALCÃO, 1993, p. 288).

Uma nova inflexão ocorreu nas formulações do Secretário-Geral ao

analisar o cenário político brasileiro ponderou sobre a possibilidade da luta

armada. Em 1972, do exílio, Prestes escreve um artigo sobre A luta

revolucionária dos comunistas brasileiros, publicado no jornal a Voz Operária,

número 87. “A ditadura, como diz a Resolução Política do VI Congresso do

nosso partido, poderá impor ao povo o caminho da insurreição armada ou da

guerra civil. Por isso devemos preparar o partido e as massas para todas as

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formas de luta” (PRESTES, 1972, p. 2). Embora expressa pelo Secretário Geral

essa opinião tinha pouca repercussão dentro do partido e quase nenhuma no

comando dirigente do PCB.

Prestes, no exílio, desenvolve uma intensa jornada de estudos sobre a

realidade brasileira tendo em vista se contrapor ao reformismo contido nas

resoluções políticas. Porém, com toda preocupação para respeitar as

orientações tiradas pelo partido. Na sua jornada de trabalho ele estuda obras

clássicas do marxismo e “[...] autores brasileiros contemporâneos, entre os

quais os escritos do sociólogo Florestan Fernandes” (PRESTES, A., 2012, p.

190).

Reflexões a partir do debate feito por Prestes vai repercutir na

construção de uma nova interpretação dobre a ditadura burgo-militar:

Em novembro de 1973, sob influência da derrota da experiência chilena e hegemonia dos partidários de Prestes, o PCB lança a Resolução Política Por Uma Frente Patriótica contra o Fascismo, defendendo a tese de que o regime evoluiu para uma ditadura militar fascista, cujos principais aspectos são: utilização das forças armadas como instrumento político-repressivo e suporte direto do regime; ampliação dos órgãos de segurança, que dominam o aparelho de Estado e a vida do país; aplicação do terror como principal método de governo; maior controle da vida sindical, atrelando os sindicatos ao Estado; política econômica baseada na intensificação da exploração da classe operária e exploração da nação, entre outras (SAMPAIO, 2003, p. 95).

Outras fontes informam sobre a dedicação do Secretário-Geral no

estudo do tema fascismo. “Prestes, sem utilizar diretamente o conceito de

Capitalismo Monopolista de Estado (CME), apoiava-se em suas características

essenciais para explicar a implantação do fascismo no Brasil” (PRESTES, A.,

2012, p. 193).

Em dezembro de 1975, o CC no exílio realizou a reunião de seu Pleno e

lançou duas resoluções (política e organização). Os documentos continham

uma forte presença das posições de Prestes, apesar de manter o discurso

genérico das resoluções do VI Congresso. No texto político afirmava-se a

necessidade central do partido “[...] organizar a ação da classe operária, que

deve ser a força aglutinadora e condutora da frente antifascista e patriótica.

Para a Resolução, a mobilização contra o ‘arrocho salarial’ é a principal forma

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concreta da classe operária se integrar na luta contra a ditadura” (SAMPAIO,

2003, p. 98). O texto político em sua junção como de organização

Afirma que o partido não pode perder de vista o fato de que sua tarefa principal é conduzir a luta revolucionária até seu objetivo final: a tomada do poder pelo proletariado, de sua ditadura de classe e, conseqüentemente, do socialismo no Brasil. Termina constatando os erros e desvios do partido: a concepção errônea do papel da classe operária na revolução, a subestimação do partido, o não vê-lo como um partido operário por essência, e indispensável à realização da ligação de teoria do comunismo científico com o movimento espontâneo da classe operária. Estão aí, acima descritos os principais pontos e concepções de Prestes e seu grupo. [...] Ainda mais importante é perceber sua concepção da lógica do processo político – calcado na visão dimitroviana da luta contra o fascismo, qual seja: fascismo – unidade operária – frente popular – liberdades democráticas – socialismo (SAMPAIO, 2003, p. 98).

Talvez essa tenha sido a primeira vitória das posições do Secretário

Geral nas formulações do partido em muitos anos. No entanto, é pertinente

considerar que o CC que aprovou essas resoluções tinha sofrido modificações

com as cooptações de Marly Vianna, Anita Prestes e Gregório Bezerra.

Modificou-se também, nessa reunião, a composição da Comissão Executiva

que passou a ser integrada por Prestes, José Salles, Armênio Guedes e

Giocondo Dias (mesmo no Brasil). Nesse mesmo processo, o secretariado do

partido foi composto por Prestes, Marly Vianna e Severino Teodoro de Melo.

As próximas resoluções até novembro de 1978, que já foram analisadas

neste trabalho, foram modificadas de forma substancial a partir da nova

correlação de forças no CC e da influência da “assessoria” do CC no exílio.

O debate surdo, pois interno à direção do partido e à assessoria teve,

ainda, outros lances à esquerda a partir da carta de Prestes ao partido de

agosto de 1977, e das Resoluções de novembro de 1978, mesmo que por um

pequeno período. Todavia, o grupo à direita no espectro político do CC liderado

por Giocondo Dias, contando com o apoio do centro pragmático que ficou

conhecido como “Pântano” e com as formulações da assessoria, voltou a

pautar as formulações do partido e continuou a dirigir as ações do PCB.

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2.4 A política do PCB em disputa

O cerne principal da luta interna que reacendeu a crise política no núcleo

dirigente do PCB estava pautado no debate sobre qual horizonte teórico-

político deveria orientar a tática e a estratégia do partido na luta pela transição

para a democracia, mesmo aquela do Estado de Direito burguês. Isso exigiu

que se tomasse posição sobre qual herança política deveria se renunciar e

sobre o que deveria orientar os comunistas na luta por seus objetivos. Esse

complexo de mediações era analisado a partir dos interesses em disputa.

A pauta temática começou com a avaliação sobre a derrota em 1964,

continuou com questões que diziam respeito ao caráter da ditadura, prosseguiu

com que tipo de frente se precisava articular e lutar, qual seria o papel dos

trabalhadores na luta contra a ditadura, qual as características do programa

para enfrentar o regime burgo-militar, quais eram os aliados dos trabalhadores

e do partido, que tipo de partido os comunistas precisavam ter para enfrentar a

ditadura e organizar a sua presença nos movimentos de massas, no

movimento operário e sindical.

Mas o roteiro do debate avançava para questões que exigiam maior

presença de recurso teórico. Tratou-se de saber se as últimas resoluções

congressuais estavam desapartadas da realidade objetiva ou não, se o

taticismo-politicista do PCB aprofundou a subalternidade dos comunistas na

articulação da frente ampla na conjuntura em curso, se a transição teria que ser

pactuada?

Esse complexo temático foi se adensava em problematização quando o

assunto era o caráter da revolução brasileira e como lutar pelo socialismo.

Mesmo sem nitidez sobre essa questão o grupo de Prestes sinalizou para uma

reviravolta estratégica ao combater o repertório nacional-democrático, que não

tinha consistência para analisar a realidade concreta. E, por fim, um grande

debate estava se abrindo dentro do PCB: o entendimento sobre o caráter da

democracia.

A renovação democrática do conjunto da vida nacional – enquanto elemento indispensável para a criação dos pressupostos do socialismo – não pode ser encarada como um objetivo tático imediato, mas aparece como um conteúdo estratégico da atual etapa da revolução brasileira (COUTINHO, 1980, p. 23).

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Para Milce Moura (2005), três questões se colocavam para indagar

sobre a discussão do valor estratégico da democracia: o debate sobre a

“transição pactuada”, a leitura sobre “[...] o ressurgimento dos movimentos

sociais e populares, sobretudo o operário-sindical entre 1978-1980 [...]” (2005,

p. 65) e por fim, a falta de aderência da estratégia nacional-democrática,

patrocinada pelo PCB, em relação às novas particularidades do capitalismo

brasileiro.

Diante dessas questões e do quadro geral que o PCB enfrentou desde o

começo dos anos 1960, ficava uma lição e um questionamento:

O revés do PCB em abril de 1964, não foi episódico, como não foi, simplesmente uma batalha perdida ao longo de sua extensa trajetória de lutas. Significou, isto sim, a derrota definitiva do seu projeto nacional-democrático ou de revolução democrático-burguesa, que acompanhava e perseguia desde seu nascimento. A ditadura militar, ao completar e realizar de forma plena e radical o processo (autoritário e excludente) da revolução burguesa no Brasil, matou o projeto pecebista – e este deixou de ter sentido de ser e existir (SEGATTO, 1995, p. 248).

Apesar da posição extremada que informa a argumentação final de José

Antonio Segatto, não se pode deixar de observar a reflexão de Florestan

Fernandes (1982) quando discute os interesses das frações da burguesia e a

falência da revolução nacional e democrática, diante das formulações dos

partidos operários.

Todavia, não se deve esquecer que as burguesias nacionais da periferia fabricam o seu destino histórico e o destino histórico de seus países. A dominação imperialista, o subdesenvolvimento com sua terrível incidência sobre a descolonização que não se desata, o desenvolvimento capitalista desigual, etc., fazem parte de seu estilo de ser burgueses e da sua arte econômica de converter as fortes desvantagens coletivas em benções de minoria ultraprivilegiadas (FERNANDES, 1982, p. 69).

Portanto, diante dessa situação se comprova que o subdesenvolvimento

é um rentável negócio para frações da burguesia que articulam a fusão de

estruturas econômicas ultrapassadas com setores de ponta do capitalismo.

[...] Tudo isto é muito importante, porque circunscreve como as estruturas modernas do capitalismo em crescimento se esbatiam no contexto histórico e demonstra que não podia caber à burguesia, em

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tal situação, uma firme propensão à autonomização do desenvolvimento capitalista (em face dos centros imperiais) e uma forte disposição ao aprofundamento da revolução acarretada pela tendência à universalização do trabalho livre (o que imprimiria prioridade à expansão do mercado interno e conferiria ao regime de classes condições políticas para uma transformação mais rápida, assumindo a própria burguesia nacional as tarefas modernizadoras de elites revolucionárias) (FERNANDES, 1982, p. 143).

Todos esses pontos colocaram em campo oposto Luiz Carlos Prestes, o

pequeno grupo em torno de si que ele contava no CC e, pouco depois, um

conjunto da militância que questionava a linha política do partido. Do outro lado

do debate, se encontrava Giocondo Dias, o centro pragmático do CC

constituído enquanto maioria do organismo de direção, os eurocomunistas e

uma militância que queria o partido unido e forte. Mas que, no entanto, seguia o

princípio de centralização colocado em prática pelo grupo majoritário no CC.

2.5 Noções da teoria marxista sobre o partido e as contradições da prática

política

No percurso histórico dos comunistas brasileiros uma questão sempre

pautou o horizonte do PCB como premissa fundamental para agir na sociedade

a partir dos objetivos traçados e daqueles impostos pela precipitação da

conjuntura: o caráter do partido revolucionário e suas balizas teórico-práticas.

No entanto, a monumental repressão e a ilegalidade jurídica a que sempre foi

colocado o partido, aliado às dificuldades de acesso ao arcabouço teórico que

explicava esse instrumento da classe trabalhadora, não permitiram aos

militantes e dirigentes do PCB ter uma formação, que ao desvendar a teoria

marxista, pudesse criar melhores condições para ação do operador político dos

comunistas brasileiros. O partido se apresentava para a militância como um

organizador coletivo com características míticas, voluntaristas (podia tudo) e

dotado de um insuperável poder para resolver os graves problemas dos

trabalhadores, para além da sua real capacidade e forças.

A primeira questão que se manifesta na especificidade do PCB, para

tentar entender as noções teóricas do marxismo sobre partido revolucionário, é

situá-lo como uma organização política que se apresentava como um partido

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de classe, mas agia como partido de todo o povo. Então como seria visto a

identidade do PCB?

Para responder a essas questões será fundamental recorrer aos modelos e paradigmas que dão substância e conformam a identidade do PCB e que se relacionam com a problemática do socialismo e das organizações comunistas em geral. Por razões muito fortes um partido comunista é um objeto privilegiado para se fazer um estudo dessa natureza. Sua estrutura interna, seu modelo organizacional e seu projeto político o distinguem dos demais partidos políticos. Sua visão de mundo e sua forma de inserção na sociedade mais ampla fazem com que ele também não seja um grupo de pertencimento como os outros. Preocupado com a história e com a sua própria história, as referências ao passado exercem um forte papel nas suas intervenções políticas. O gosto pelas comemorações, pelas lembranças e pela busca da verdade convive com as ocultações, com o silêncio e com as mistificações. Diferentemente daqueles agrupamentos onde o pertencimento é dado a priori, a exemplo do familiar, do étnico, ou do nacional, o comunista é fruto da escolha. Ninguém nasce comunista. Mas, uma vez feita a opção, as demais pertenças se diluem diante desse pertencimento maior (PANDOLFI, 1995, p. 14).

Contudo, essa caracterização identitária de Dulce Pandolfi, apesar de

importante para pensarmos a auto-visão dos comunistas, é ainda limitada para

avançar no núcleo conceitual da noção marxista sobre o partido revolucionário.

Portanto, precisamos debater a teoria sobre partido e as contradições dos

comunistas, manifestadas por práticas que são sonegadas no conjunto da sua

ação.

Existe uma ampla literatura sobre a experiência comunista no Brasil,

especificamente do PCB, que parte do cabedal marxista-leninista como eixo

central para interpretar a questão do partido. Essa literatura endógena se

reporta, rotineiramente, às citações, expressões e dogmas articulados pela IC

no período de Stalin. Mesmo essa formulação, de caráter vulgar, por vezes

contrastava com a orientação que informava a prática dos comunistas em

diversos momentos da história brasileira, no partido e na sociedade: limitações

na análise, sectarismo político, obreirismo, mandonismo, pragmatismo,

arrogância metodológica, subjetivismo, ilusão de classe, confusão entre partido

de classe e partido de todo o povo, cupulismo, burocratismo, basismo,

machismo, seguidismo, personalismo e por vezes práticas desonestas.

Apesar da vulgata elaborada no período stalinista, o marxismo e as

experiências dos trabalhadores criaram uma densa teoria do partido como

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instrumento da classe para lutar pela revolução socialista. O próprio Marx

(1998), no Manifesto Comunista, considera o partido como o mais significativo

instrumento de formação da subjetividade da classe trabalhadora. Marx (1966;

2009), no livro A miséria da filosofia, identifica que a construção do sujeito

coletivo servirá para fazer avançar os “movimentos autônomos da imensa

maioria no interesse da imensa maioria”.

Lenin introduz uma nova perspectiva para a luta revolucionária, quando

apresentou a necessidade de um sujeito coletivo que atuasse como operador

político da classe trabalhadora. Em suas formulações é recriada a noção de

partido que viria marcar a presença dos comunistas no século XX. E,

considerava importante marcar uma posição diferenciada para o partido

revolucionário em relação ao seu papel:

[...] para que nos tornemos aos olhos do público uma força política, não basta colar o rótulo ‘vanguarda’ sobre uma teoria e uma prática de ‘retaguarda’: é preciso trabalhar muito e com firmeza para elevar nossa consciência, nosso espírito de iniciativa e nossa energia (LENIN, 1978, p. 70).

E alimenta uma perspectiva orgânica que deve orientar os trabalhadores

e o partido em sua luta histórica:

O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria mais completa, do embrutecimento e da degerescência, o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á uma força invisível quando a sua unidade ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária (LENIN, 1977, p. 369).

E por fim qualifica o papel do partido na revolução.

O social-democrata [bolchevique] não deve esquecer nunca, nem por um instante, a inevitabilidade da luta de classes do proletariado pelo socialismo, mesmo contra a burguesia e a pequena burguesia mais democrática e republicanas. Isto é indiscutível. Daí decorre a necessidade absoluta de que a social-democracia tenha um partido próprio, independente e rigorosamente de classe (LENIN, 1977, p. 433).

György Lukács, analisando o pensamento de Lenin sobre a questão do

partido, afirma que

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A organização representa uma dupla ruptura com o fatalismo mecanicista: o que concebe a consciência de classe do proletariado como um mero produto mecânico de sua situação de classe e que vê na própria revolução apenas o efeito mecânico das forças econômicas desencadeando-se como por fatalidade e que conduziriam quase que automaticamente o proletariado à vitória logo que as condições estivessem ‘maduras’. Porque se devêssemos esperar que o proletariado entrasse na luta decisiva e conscientemente e no seu conjunto, jamais haveria situação revolucionária (LUKÁCS, 1975, p. 42).

O conjunto das preocupações de Lenin sobre o partido e a revolução

estava centrada nas contradições da época do imperialismo. Como afirmava

Fernando Claudín, “A segurança de Lenin acerca da iminência da revolução

mundial está organicamente ligada à análise que faz do imperialismo em 1915-

16, baseando-se em estudos de Hobson, Hilferding e outros” (CLAUDÍN, 1985,

p. 56).

Para o sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, Lenin dava enorme

importância a questão da revolução mundial e ao papel da teoria marxista

nesse processo. Essa visão rompe com as deformações que o pensamento de

Marx sofreu pelas interpretações mecânicas feitas pelos teóricos da II

Internacional. Portanto, o “[...] que Lenin fez com o marxismo só pode ser

definido de uma maneira: ele converte o marxismo em processo revolucionário

real” (FERNANDES, 1978, p. 11). E, sendo assim,

[...] a questão da organização de um partido revolucionário só se pode desenvolver a partir de uma teoria da própria revolução. Só quando a revolução entra na ordem do dia é que a questão da organização revolucionária irrompe com imperiosa necessidade nas consciências das massas e dos seus porta-vozes teóricos [...] (LUKÁCS, 1974, p. 305).

No entanto, “O partido só será a vanguarda se consegue sê-lo na

realidade entre as massas, não porque o proclame com insistência” (PRAT,

1984, p.118).

Pela trilha teórica da noção de partido, Trotsky (1980), Gramsci (2007),

Togliatti (1971; 1980) e os partidos comunistas no século XX, adicionaram de

forma diferenciada um complexo de formulações que impactaram a ação do

operador político da revolução proletária. É a partir dessa ótica, complementar,

que devemos avaliar as nuances sobre a questão do partido. Essa postura se

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manifesta como uma unidade a partir das posições de Lenin e Gramsci sobre o

partido.

[...] Mas há também diferenças entre as teorias dos dois revolucionários: para Lenin, a consciência política é trazida ‘de fora’ do movimento espontâneo do proletariado; para Gramsci, ao contrário, a elevação da consciência dos subalternos resulta de um diálogo entre os ‘simples’ e os intelectuais, elevação para a qual ambas as partes contribuem (DIAS, 2012, p. 36).

Ao analisar a teoria marxista sobre o partido e as contradições advindas

da prática política dos comunistas, a partir dos desvios da política e das

condutas citadas anteriormente, pode-se ao recolher esse material empírico

perceber a problemática a ser enfrentada pelo partido em sua história. Também

estava em debate, no núcleo dirigente em crise, o conjunto dessa problemática.

E o ponto que poderia contribuir, a partir da noção de partido, para a resolução

dessa questão era o pleno funcionamento da democracia interna. Portanto, a

dialética da identidade do PCB poderia ser localizada na relação entre teoria do

partido revolucionário, complexo das contradições que pautavam os desvios e

o pleno desenvolvimento do centralismo democrático. São contradições, em

síntese, que colocaram em oposição à prática política e a teoria marxista.

Tirando as primeiras conclusões desse processo de crise no PCB, o

comandante da revolução de outubro na Rússia, enfrentando também crise

interna em 1921, afirmava:

O partido está doente. O partido treme de febre [...] que é preciso fazer para alcançar a cura mais rápida e mais segura? É preciso que todos os membros do partido, com absoluto sangue-frio e a maior atenção, comecem a estudar a essência das divergências e o desenvolvimento da luta no partido. Uma e outra são indispensáveis, porque a essência das divergências desenvolve-se, esclarece-se, concretiza-se no decurso da luta que, passando por diferentes etapas, nos mostra sempre em cada etapa uma composição e número não idêntico dos contendores, posição não idênticas na luta, etc (LENIN, 1984, p. 49).

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3. O exílio das formulações do PCB na cena política dos anos 1980

Reconhecer um erro, determinar suas causas, analisar a situação que conduziu a ele e discutir com atenção a forma de corrigi-lo: isso é o que caracteriza um partido sério; assim é como deve cumprir seus deveres e como deve educar e instruir a sua classe e depois as massas.

Lenin

No período em análise (os anos 1980) o partido executou, sob o

comando do núcleo dirigente estagnado, uma vasta e anacrônica mudança

política. Esse processo se deu como uma necessidade, de acordo com a

versão da direção, para atualizar a estrutura orgânica e a linha política às

necessidades da cena política, no entanto, sem conseguir desvelar as

questões centrais que pautavam essa mesma cena política. Como afirmou

Prestes,

aumentou a miséria dos trabalhadores, agravaram-se as desigualdades sociais, cresceu consideravelmente a dependência do País ao imperialismo, tornou-se mais crítica a situação do campo com as transformações capitalistas ocorridas na agricultura [...] (1980, p. 23).

O partido terminou subsumido ao jogo político do espaço da ordem, a

partir das balizas colocadas para a ação política pelo processo de transição

democrática desejada pelas frações de classe da burguesia, que estavam no

comando daquele processo. Além disso, não entendeu que deveria deixar bem

claro em que campo exerceria a luta política já que o PCB acreditava que,

cada modificação molecular, registrada tanto na forma ditatorial militar de Estado como no regime ditatorial militar, representaria portanto um passo (ou degrau) a mais na direção da democratização (ou redemocratização) plena no Estado brasileiro (SAES, 2001, p. 33).

Essa reorientação da ação tática comprometia, mais uma vez, o objetivo

estratégico (ação constante em virtude do politicismo do núcleo dirigente

estagnado) e colocava o partido dos comunistas brasileiros numa posição de

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crescente integração à nova perspectiva de regime político. Capitulando, por

incapacidade teórico-analítica e por inércia política, ao processo de afirmação,

na transição democrática, de um Estado capitalista formal (burguês). Esse

Estado e o regime político que daí derivava representavam o conjunto

articulado e conflitivo da burguesia e de suas frações de classe, em movimento

para a construção, ou reformatação, de um bloco no poder.

Como os interesses econômicos próprios às diferentes classes dominantes e frações de classe dominante não podem ser igualmente satisfeitos num momento histórico qualquer – pois todas as partes do conflito objetivam incessantemente aumentar a sua cota na repartição da mais-valia total -, não pode haver, nas formações sociais capitalistas, a ‘partilha igualitária do poder’ (SAES, 2001, p. 50).

O PCB, neste período, se adequou à lógica burguesa e não fez maiores

esforços para romper com essa razão política que comprometia a sua

formulação e o seu papel como partido de classe e das lutas operárias,

sindicais e populares. Configurando, assim, uma linha política e uma ação que

o desvinculava da condição histórica de operador político que pensava e agia

na defesa dos interesses da classe operária e que deveria combater pelos

caminhos da revolução socialista. Sendo assim, o projeto da revolução

desaparecia no horizonte do PCB e o partido se voltou para um pacto social.

[...] desejamos que o processo de transição não seja tumultuado, mas ao mesmo tempo, não nos comprometemos em apoiar incondicionalmente nenhum governo. Apoiamos, clara e decisivamente, o governo Sarney [...]. O que desejamos é que o Brasil avance, que o povo conquiste seus direitos, tenha direito a participar das decisões. [...] Apoiamos a ideia do pacto, porque achamos salutar (PCB [Giocondo Dias], 1985, p.83-84).

Ao se afastar do seu projeto histórico, mesmo tendo ele interrupções e

contradições no percurso, o PCB desenvolveu celeremente uma ação teórica e

prática que o submetia aos limites políticos impostos pela burguesia. No

entanto, apesar da sua conformação ao aparato jurídico-político da ordem

burguesa, o desenvolvimento capitalista, do golpe burgo-militar ao começo da

década de 1980, negou o PCB. Portanto, as características do

desenvolvimento capitalista efetuadas pelos golpistas negavam a interpretação

do partido, e como as formulações do partido estavam pautadas por essa

leitura, o PCB não conseguiu perceber a presença dos trabalhadores nos

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setores dinâmicos do capitalismo brasileiro, as transformações que ocorriam na

sociedade, a movimentação da burguesia e das suas frações de classe na

articulação do bloco no poder. Com base neste erro e em outros equívocos

políticos, os anos 1980 demonstraram os erros na avaliação do partido, no seu

programa de lutas e na sua tática politicista. Assim, o PCB deixou de ter

qualquer protagonismo que interessasse aos trabalhadores, se integrando ao

processo de afirmação da ordem, colidindo de frente com a perspectiva de

exercer qualquer papel revolucionário. Portanto, a linha política definida nos

diversos arranjos internos da década de 1980, bem como sua prática politicista

que favorecia articulações pelo alto, desarticulou qualquer possibilidade de o

partido manter o rumo histórico, enquanto operador político de classe, faltando,

portanto, ao encontro com a realidade. No entanto, a realidade se mostrava

bastante incisiva para demonstrar os erros do partido. A realidade, de forma

concreta, demonstrava as características da conclusão da revolução burguesa

no Brasil, com os PNDs da ditadura.

[...] a efetivação da revolução burguesa no Brasil, realizada sob o modelo econômico da ditadura militar, acabou por interditar definitivamente o caminho para um desenvolvimento nacional, econômico e independente, sugerindo a falência da estratégia pecebista (TAFFARELLO, 2009, p. 52).

Portanto, a não compreensão dessa questão aprofundou o esgotamento

da estratégia, deixando o partido sucumbir aos movimentos da tática. Foi assim

com o novo ciclo das lutas operárias do final da década de 1970 e começo dos

anos 1980. Quando o PCB diluiu, em 1979, a questão dos trabalhadores na

periferia do empenho político pela transição.

O centro da nossa política é a luta pelo restabelecimento e desenvolvimento de uma democracia sólida em nosso País, que permita ao Partido, em convivência democrática com outras forças políticas, adquirir influência real junto às massas trabalhadoras e demais setores democráticos da sociedade (CORRÊA, 1980, p. 190).

Para além desse dramático cenário político-orgânico, o grupo dirigente

estagnado (maioria do CC) envolveu-se numa crise política com a maior figura

pública do PCB: Luiz Carlos Prestes. O debate entre o CC e Prestes é um

sintoma/reflexo do primeiro aspecto aqui levantado.

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É difícil definir um marco inicial das divergências entre as posições de Luiz Carlos Prestes e as defendidas pela maioria da direção pecebista. O que se pode afirmar é que na virada da década de 1960 para a de 1970 já havia certas diferenças, que progrediram e se cristalizaram no período do exílio. O fato é que na volta ao Brasil, no final de 1979, Prestes (e seu grupo, naquele momento já delineado) e o restante da direção já se encontravam inteiramente incompatibilizados. O que se via a partir daí foram debates e trocas de acusações pela imprensa, seguidas da saída de Prestes e de alguns dirigentes (além de um grande número de militantes de base, só então realmente inteirados acerca das disputas ideológicas e de poder na agremiação) (SILVA, 2005, p. 63-64).

Temos ainda, em análise neste capítulo, o constante afastamento do

partido do centro da luta de classes e das lutas políticas pautadas pelos

setores populares neste período. As dificuldades do partido dentro da chamada

frente democrática e a política de alianças eleitorais apresentam uma opção de

classe na cena política e pouco antes tivemos uma tímida participação do PCB

na articulação das diretas já. Dentro desse levantamento analítico que marcou

a derrota do PCB nos anos 1980 duas questões sobresaem: a leitura da

transição realizada pelo núcleo dirigente estagnado e a consolidação de uma

política profundamente reformista que não só paralisou o partido, mas,

efetivamente construiu a sua derrota nos anos 1980.

3.1 Novo ciclo de lutas operárias e a posição do PC B

No final dos anos 1970, um importante movimento desenvolvido pela

classe operária no ABC paulista contribuiu para colocar em ascenso as lutas

operárias, sindicais e populares. Essa mobilização operária construiu, na luta

reivindicativa, a perspectiva de os trabalhadores do ABC questionarem o

arrocho salarial. Esse processo ocorreu após fechamento do ciclo de

crescimento econômico conhecimento por “milagre brasileiro”, que se esgotou

diante da crise do petróleo e contribuiu para alavancar as contradições sociais

do Brasil que a ditadura não conseguia mais encobrir

A expressão ‘milagre econômico’ brasileiro surgiu na imprensa mundial após 1968. Inicialmente foi usada para criar um clima de otimismo, que levasse a burguesia a aumentar seus investimentos, ao mesmo tempo em que procurava atrair capitais estrangeiros para o País. Logo em seguida, passou a ser também utilizada como instrumento da luta ideológica – o ‘milagre’ seria uma ‘grande alternativa’ para os países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

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Além disso, promovia uma ‘boa’ imagem, no plano internacional, para a ditadura imposta ao povo brasileiro (CORRÊA, 1980, p. 93).

Diante desse quadro de ascenso, motivado, também, pelo

questionamento político da ditadura nos processos eleitorais a partir de 1974, a

conjuntura brasileira tornou-se complexa pela movimentação de forças sociais

que começaram a questionar a ordem capitalista burguesa e o seu regime

político. Tal fenômeno mostrou-se extremamente importante: tratou-se de um

novo ciclo de lutas operárias a partir das greves dos metalúrgicos no ABC

paulista, que começaram em 1978 e ajudaram na modificação da cena política

brasileira.

O ressurgimento do movimento dos trabalhadores reassumia, a partir especialmente das greves de 1978, o lugar que já tivera no cenário político nacional (quando se pensa, por exemplo, nos anos 1945-1947 e especialmente no período que antecedeu o golpe de 1964). E esse ressurgimento vigoroso do movimento operário e sindical trouxe novos dilemas e enormes desafios para o PCB, que acabaram abalando fortemente sua capacidade de dirigir politicamente a classe trabalhadora (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 383).

Esse processo de acirramento político e o novo ciclo de lutas operárias,

principalmente as greves do ABC, se manifestaram no entendimento do PCB,

primeiro com os argumentos que demonstravam preocupação com os

andamentos das articulações que estavam sendo feitas dentro da frente

democrática de caráter burguês para criar possibilidades de transição

negociada. Num segundo momento, o PCB enviava sinais de apoio. Todavia,

com interesse de trabalhar por uma articulação política e receoso de que essa

movimentação dos trabalhadores colocasse em risco a transição, o partido

apoiou as lutas contra o arrocho salarial sem permitir que a flexibilidade política

conquistada fosse tencionada. Contudo, pleiteando o avanço da denúncia

contra a ditadura e a organização da unidade da oposição que, naquele

período, deveria crescer com a presença da ampla movimentação operária.

O processo de democratização da vida do país e o sentimento legalista da grande massa trabalhadora exigem, de parte da liderança sindical, um esforço no sentido de elaborar projetos de lei, discuti-los nos locais de trabalho e nas entidades sindicais, debatê-los com os partidos políticos e encaminhá-los ao Parlamento, procurando assim ocupar o espaço político existente e mobilizar os trabalhadores para obter importantes conquistas legais. O movimento sindical, neste sentido, deve lutar por uma nova legislação trabalhista, que libere ao

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máximo o exercício da greve e faça desse exercício um instrumento de organização da massa trabalhadora, levando em conta a força atual do movimento sindical e desprezando as perspectivas anarquistas (PCB [VOZ da UNIDADE], 1985, p. 10).

Contudo, o partido não percebia que a vanguarda das lutas sindicais e

operárias já não contava com seu protagonismo. Não era apenas pela

fragilidade da presença dos comunistas no movimento operário em virtude da

violenta repressão que sofreu, mas também, pelo conjunto de dubiedades que

continha a linha política e a ação militante do partido. Ao lado disso, surgia um

movimento novo no ambiente do sindicalismo brasileiro que, a partir da base,

protagonizava essas lutas, criava perspectiva de vitórias corporativas a partir

da radicalização de suas ações e acenava para uma nova organização dos

trabalhadores, motivados por uma nova concepção sindical que aglutinava o

conjunto da classe operária na ponta do setor mais dinâmico do capitalismo

brasileiro.

A crise da ditadura, no final dos anos 70, o surgimento das movimentações grevistas na região do ABC paulista e o crescimento de um movimento sindical com características independentistas, com novas bandeiras de luta, demonstraram o surgimento de modernas relações sociais de produção, o que, conseqüentemente, propiciou o desenvolvimento de uma classe trabalhadora qualitativamente diferenciada da tradicional. Esse novo quadro sócio-político, como já ressaltado, não foi compreendido pelo PCB e, não por acaso, justamente nos anos 80, o Partido começa a perder espaços políticos para o Partido dos Trabalhadores, tanto na área sindical, ao optar por uma central sindical construída nos velhos moldes – a CGT – e não pelo que expressava, naquele momento, a forma organizativa dos trabalhadores – a CUT [...] (MAZZEO, 1995, p. 86).

Nesse novo terreno da ação sindical e da luta operária, o PCB não

encontrou espaço para a reafirmação do seu programa, da sua linha política e

das suas práticas sindicais. Era um momento de ascenso das lutas sindicais,

operárias e populares, e o partido num movimento de queda estava

preocupado, principalmente, com articulações pelo alto que derrotassem a

ditadura. Sem perceber que esse ascenso modificava a cena política e

qualificava a possibilidade de protagonismo dos trabalhadores. No entanto, o

núcleo dirigente estagnado (maioria do CC), perdido em disputas internas, não

demonstrou capacidade teórico-prática para superar suas dificuldades.

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O PCB avaliava positivamente as ações dos trabalhadores na luta reivindicativa, embora sempre enfatizasse sua articulação com a luta democrática mais geral, de corte policlassista. Por isso podemos ressaltar que a parte referente à luta dos trabalhadores, em termos das lutas gerais pela democracia, não se dava de forma tão direta quanto o partido acreditava, ou, ainda mais, havia um claro descompasso entre a luta social de base operária e a crescente tendência à prevalência da ação mais marcadamente institucional que o PCB passava a enfatizar (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 384).

Esses novos aspectos da luta política e social sugeriam alteração na

correlação de forças e transformações na cena política, contudo, não foram

suficientes para impactar o partido, no sentido de modificações na orientação e

práticas políticas. No entanto, a conjuntura dinâmica deixou o PCB

extremamente preocupado com o fato de que essas lutas afetassem o

processo de transição, que em tese a sua linha política acreditava que havia

iniciado e que era vislumbrado pela tática da negociação.

Encontramos na documentação específica do partido (resoluções do

período sobre a questão sindical) argumentos na defesa de lutas contra o

arrocho salarial. Esse aspecto era visto como um ponto que poderia colocar os

trabalhadores na luta contra a ditadura e em apoio ao projeto dúbio da frente

democrática. Portanto, essa plataforma de luta contava com o irrestrito apoio

do PCB. Todavia, o partido não teve capacidade de sair da sua letargia político-

prática e responder às novas formas de luta que eram pautadas pelas

mobilizações da base do movimento operário, pelas novas pautas sindicais e

populares, bem como dialogar com as novas formas organizativas do

movimento concreto que surgia e que, em breve, faria o enfrentamento com a

ditadura a partir do movimento operário e sindical, bem como, no movimento

popular, estudantil e em outras agências de luta contra a ditadura burgo-militar.

Portanto, essa movimentação dos trabalhadores e dos setores

descontentes nos segmentos intermediários da população era estranha à

política do partido no período. Essas novas formas de organização da atividade

sindical e conjunto de novas ações implementadas pelos trabalhadores dos

setores de ponta do capitalismo brasileiro não encontravam repercussão

explicativa na orientação partidária. Continuava a política de centralidade no

politicismo policlassista como inspiração para a articulação da frente política

que, segundo a compreensão do núcleo dirigente do partido, poria o fim à

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ditadura. Era o despreparo da base analítica para interpretar a realidade

concreta como aliada da falta de disposição política para mudar o rumo da

ação partidária no sentido de contribuir para aquele novo florescer das lutas

operárias no Brasil.

O PCB, também, não teve capacidade de entender que, no vácuo da

sua incapacidade de se apresentar como um partido de vanguarda e de classe

surgia o embrião de outro operador político para fazer a representação dessas

novas lutas. Portanto, esse instrumento surge realizando uma consistente

atuação pela base nos mais amplos segmentos das lutas sociais e que se

transformou no Partido dos Trabalhadores. Construído na esteira das lutas que

movimentaram o ABC paulista, nas variadas mobilizações que fizeram os

militantes sociais, sindicatos, entidades estudantis, oposições sindicais e do

combate ao sindicalismo oficial, tradicional e pelego por todo o país.

A resistência pela mobilização e a busca de inserção política pelos diferentes sindicatos de trabalhadores resultaram – entre outros movimentos pela organização sindical e política – na criação do PT, em 1980. O Partido dos Trabalhadores surgiu da necessidade que muitos sindicalistas entendiam existir de organização política como meio de transformação e de desenvolvimento das relações sociais no país. A experiência dos embates sindicais e das greves constituiu um padrão de educação política para a crítica e a negação da realidade histórica brasileira naquele momento. E a prática cotidiana nos enfrentamentos com os empregadores e o Estado foi eleita a escola de formação política do PT, calibrando o significado do lema ‘A luta continua’ e das assembleias e núcleos de base como motores da ação e da organização partidárias. O Partido dos Trabalhadores, como instituição, surgiu com uma determinação e se investiu de um papel. Tratava-se de rejeitar uma situação social, política e econômica que caracterizava a crise da ditadura militar. Nesse sentido agregou indivíduos, grupos políticos e movimentos sociais oposicionistas e críticos ao regime (MARTINEZ, 2007, p. 245-246).

A derrota política que envolvia as formulações do PCB, também se

consolidou na derrota do partido dentro da classe que ele julgava representar.

As lutas de classe, na perspectiva do PCB, estavam submetidas à sua visão

sobre a transição. Portanto, o PCB fez uma opção, ficou com o sindicalismo

atrasado que era representado pelo movimento sindical oficial e pelego, como

forma de aglutinar um amplo campo social e político para combater a ditadura e

construir a transição democrática. Era a ambiguidade construindo a derrota dos

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comunistas brasileiros na longa transição da ditadura para a democracia

formal.

É neste período histórico que vai desaparecer a perspectiva

revolucionária do partido. A defesa da classe operária e dos interesses

populares vai ficar submetida à generalidade de uma difusa aliança de classes.

Apresenta-se e aprofunda-se no arcabouço teórico-prático do PCB, uma

perspectiva de ação submetida à noção de negociação como elemento central

da tática do partido. Essa noção circunscrita à possibilidade de transição pelo

alto se configurou na palavra de ordem-tática “agora é lutar para negociar e

negociar para mudar”, que vai se consolidar mais para frente como premissa

que orientava as ações do partido. Contudo, essa opção pela negociação já se

encontrava consignada nas características da lógica política que movimentava

o partido na luta contra a ditadura, constituindo-se assim, numa posição

subalterna que iria rebaixar a qualidade revolucionária do PCB e levá-lo a uma

profunda crise orgânica e política. Portanto, “a crise se agravou à medida que

se tornou evidente o modelo de desenvolvimento impulsionado pela ditadura e

a inviabilidade do projeto de revolução nacional-democrática do PCB”

(MOURA, 2005, p. 65).

3.2 O debate de Prestes com o CC

As divergências entre uma parcela majoritária do CC (núcleo dirigente

estagnado) e o Secretário-Geral Luiz Carlos Prestes, existiam de longa data.

Todavia, se manifestavam de forma pontual e era difusa, principalmente em

virtude da rotina do centralismo democrático70 e a exigida postura que deveria

ter um Secretário-Geral em um Partido Comunista. No entanto, é importante

registrar que no período de 1979 a 1983, três posicionamentos pautaram o

debate interno: a posição da maioria do CC (núcleo dirigente estagnado) que

era liderado por Giocondo Dias; a posição de Luiz Carlos Prestes e de um

pequeno número de membros do CC que questionavam as formulações e a

prática do partido, sugerindo uma mudança político-orgânica; e a chamada

70 Forma organizativa que orientava a vida interna dos partidos comunistas herdeiros dos preceitos da III Internacional.

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“corrente renovadora”, composta pelos adeptos das formulações do PCI, os

eurocomunistas.

Foram vários os fatores que contribuíram para o acirramento da crise

entre Prestes e a maioria do CC: desarticulação orgânica do partido,

formulações reformistas contidas em diversos documentos, a visão sobre o

núcleo dirigente, a questão da transição, o caráter da revolução brasileira, as

ideias de como deveria ser o VII Congresso, etc. Esse debate, movimentado

por esse conjunto de temas, estava se tornando público no final dos anos 1970

e foi radicalizado em virtude de uma situação específica que se apresentou:

Entre os dias 30 de janeiro e 3 de fevereiro de 1979, realizou-se em Praga (Tchecoslováquia) reunião extraordinária do CC. A denúncia de possível envolvimento de José Salles com tráfico de drogas foi o motivo de tal convocação. Havia sérias suspeitas de que o acusado efetivamente tivesse recorrido a tal expediente aventureiro e inadmissível, tendo em vista angariar recursos financeiros para o trabalho de reorganização do Partido no Brasil e, certamente, para fortalecer sua posição dentro do CC (PRESTES ANITA, 2012, p. 226).

O episódio citado gerou um amplo debate e uma profunda autocrítica de

Luiz Carlos Prestes que havia, anteriormente, colocado José Salles71 na

condição de Secretário-Geral adjunto. Diante desse episódio toda uma velada

disputa teórico-política veio à tona. Prestes radicalizou o discurso com

propostas para modificar completamente o partido e a maioria do CC se

mostrou conciliatória para deixar tudo como estava. Com essa mesma postura

conciliadora, o CC, por intervenção de Giocondo Dias, não fez qualquer esforço

investigativo sobre o caso Salles. Diante dessa situação, José Salles transitou

do grupo prestista para o núcleo dirigente estagnado do CC, porém, caiu no

ostracismo dentro do partido e paulatinamente se desligou do PCB.

O debate de Prestes com o CC, no campo teórico-político, estava

pautado pelos estudos que ele vinha desenvolvendo para realizar uma análise

da vida partidária, no seu exílio na Rua Gorki, em Moscou.

A historiadora e membro do CC do PCB naquela época, Anita Prestes

(2012), fez um profundo estudo sobre aqueles acontecimentos e os considerou

71 Dirigente do PCB desde o VI Congresso e um dos articuladores do CC no exílio.

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como o ponto de combustão da relação do Secretário-Geral do PCB com a

maioria do CC, dirigida por Giocondo Dias.

Todo esse debate, na versão de Anita Prestes, veio a público com o

retorno de Prestes do exílio e da crise que se abriu em 1979, tendo o ano de

1980 como o epicentro desse fenômeno. Essa disputa interna adquiriu

visibilidade no partido e na imprensa nacional, gerando repercussão política na

esquerda brasileira.

De regresso ao Brasil, pude nos meses já decorridos, entrar em contato direto com a realidade nacional e melhor avaliar os graves problemas que enfrenta o PCB, o que me leva ao dever de dirigir-me a todos os comunistas, a fim de levantar algumas questões que, em minha opinião, tornaram-se candentes para todos os que, em nosso País, de uma ou de outra forma, interessam-se pela vitória do socialismo em nossa terra. E é baseado no meu passado de lutas e de reconhecida dedicação à causa revolucionária e ao PCB, que me sinto com autoridade moral para dizer-lhes o que penso da situação que atravessamos (PRESTES, 1980, p. 9-10).

Na visão do centro pragmático (núcleo dirigente estagnado) e da

“corrente renovadora” (eurocomunistas), Prestes era um empecilho que deveria

ser vencido. Portanto, a maioria do CC partiu para o ataque contra Prestes,

além de procurar avançar nas posições que representavam as formulações

reformistas. Eram posições que do ponto de vista tático e estratégico

afastavam o partido de uma posição de classe. Operando no sentido de se

desvincular da questão do partido de vanguarda e reafirmando que a via para o

socialismo no processo político brasileiro era aquela do avanço democrático,

através da perspectiva eleitoral, o núcleo dirigente estagnado colocava a

questão democrática como o elemento central, e, mais uma vez, essa questão

tornava-se o foco da crise do PCB.

Três seriam os fatores a problematizar a discussão em torno do valor estratégico da democracia e a catalisar a recolocação da crise no PCB: a especulação aberta em torno do projeto da transição pactuada, que levava a se questionar a permanência ou mudança da política de alianças amplas nessa conjuntura; o ressurgimento dos movimentos sociais e populares, sobretudo o operário-sindical entre 1978-1980; e por último, mas não menos importante, o desnudamento da falência da estratégia nacional-democrática preconizada pela orientação política do PCB – produzido pelas transformações na estrutura econômico-política e social brasileira e que patenteavam a inviabilidade de uma revolução de caráter nacional-democrático (MOURA, 2005, p. 65).

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Esse complexo articulado (teórico-político) que era executado pela

orientação da maioria do CC se prestava, na verdade, aos interesses da velha

máquina do grupo dirigente tardio (desde o V Congresso) para derrotar as

posições de Luiz Carlos Prestes e seus apoiadores. Portanto, derrotar Prestes

era uma tarefa urgente e para isso o Comitê Central disseminou na imprensa

burguesa uma série de opiniões sobre o Secretário-Geral que continham, para

vários observadores, elementos de calúnia. Era a burocracia partidária se

autonomizando no processo político.

Os partidos nascem e se constituem como organização para dirigir a situação em momentos historicamente vitais para as suas classes, mas nem sempre eles sabem se adaptar às novas tarefas e às novas épocas, nem sempre sabem se desenvolver de acordo com o desenvolvimento do conjunto das relações de força [...] no país em questão ou no campo internacional [...] A burocracia é a força consuetudinária e conservadora mais perigosa; se ela chega a se constituir como um corpo solidário, voltado para si mesmo e independente da massa, o partido termina por se tornar anacrônico e, nos momentos de crise aguda, é esvaziado de seu conteúdo social e resta como que solto no ar (GRAMSCI, 2000, p. 61-62).

Prestes reagiu a esse processo agressivo de se fazer o debate público,

identificou os seus mensageiros e denunciou essa postura internamente no

partido. No entanto, o controle do aparelho pelo núcleo dirigente estagnado não

permitia que a repercussão da crítica a essa conduta tivesse amplitude.

Após analisar o arcabouço tático colocado em movimento pela maioria

do CC, Prestes compreendeu que o PCB era dócil ao regime político naquele

momento. O Secretário-Geral, isolado, havia construído uma paulatina crítica

política e orgânica à direção do Partido desde 1971, não se eximindo da

autocrítica. Desde os primeiros momentos do exílio, Prestes atacava a direção

por sua incapacidade de desenvolver uma atividade legal e ao mesmo tempo,

desenvolver uma atividade ilegal.

Outro fator importante dessa polêmica se manifestou na crítica que

Prestes fazia ao Comitê Central do PCB, quando falava sobre a questão da

unidade interna do Partido. Para ele era um argumento vazio, eivado pelo

exercício da retórica, que contribuía para firmar um pacto interno com o setor

mais reformista. O grupo hegemônico do CC se utilizou das ideias da corrente

eurocomunista para fortalecer sua tática politicista e a estratégia adotada, que

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se encontrava em processo de forte esgotamento. Essa unidade serviu para

derrotar Prestes e para movimentar o taticismo policlassista do partido, tendo

em vista a ampliação da ação reformista no que concernia à via brasileira para

o socialismo, ou melhor, afirmando o caráter democrático-eleitoral da revolução

brasileira.

[...] a orientação política do PCB está superada e não corresponde à realidade do movimento operário e popular do momento que hoje atravessamos. Estamos atrasados no que diz respeito à análise da realidade brasileira e não temos respostas para os novos e complexos problemas apresentados pela própria vida, o que vem sendo refletido na passividade, falta de iniciativa e, inclusive, ausência dos comunistas na vida política nacional de hoje (PRESTES, 1980, p. 12).

No entanto, mesmo com a força interna que a posição oportunista tinha,

Prestes acusou o CC de se aliar com a chamada “corrente renovadora” e

assumir as posições dos eurocomunistas. Divulgou que o resultado dessa

aliança era uma perspectiva de unidade que não representava uma saída para

o PCB da crise em que estava envolvido, era apenas a manifestação

burocrática da retórica dirigente. Ainda dentro desse contexto, Prestes

responsabilizou a direção, não tirando de si a responsabilidade que lhe cabia,

sobre diversos acontecimentos que envolveram o partido durante os anos de

1973 a 1976, que resultaram em intensa repressão sobre o partido, quando

ocorreram prisões, torturas e mortes de diversos militantes e dirigentes

comunistas. Para o Secretário-Geral isolado, essas responsabilidades teriam

que ser apuradas a partir de um amplo processo de investigação.

Não foi a direção do PCB capaz nem ao menos de cumprir o preceito elementar de separar com o necessário rigor a atividade legal da ilegal. Inúmeros companheiros tombaram nas mãos da reação em consequência da incapacidade da direção, que não tomou as providências necessárias para evitar o rude golpe que atingiu nossas fileiras nos anos de 1974 e 1975 (PRESTES, 1980, p. 12).

No entanto, a dinâmica da conciliação interna e o oportunismo pautado

no carreirismo não permitiram, pela ação do Pântano72 do Comitê Central, que

essa proposta fosse à frente. Pois, para a velha lógica do CC, agora era

72 Denominação utilizada por Lenin para designar a formação de uma maioria gelatinosa, com posturas pragmáticas,

na construção de decisões no interior do núcleo dirigente das direções partidárias.

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momento de afirmar uma outra política que não deveria ser fustigada por essas

preocupações. Todavia, para Prestes se mantinha a mesma postura da época

do “arrudismo”, ou seja, uma forma autoritária de gerir as decisões internas e

afastar o pleno exercício da democracia interna: “Não posso admitir, nem

concordar com a volta ao ‘arrudismo’, à utilização de métodos discricionários e

autoritários na condução da luta interna, à manipulação dos debates, à

rotulação das pessoas com as mais variadas etiquetas [...] (PRESTES, 1980,

p.19).

O nível do debate entre Prestes e o CC ganhou contornos de profundo

acirramento, e a questão da convocação do VII Congresso colocou novos

ingredientes nessa disputa tensa. Para Prestes, da forma como se apresentou

a proposta de Congresso, era uma situação de extrema manipulação pela

posição dominante na direção do partido. Diante dessa avaliação, Prestes

decide denunciar o processo aberto, que ele qualificou como uma farsa

articulada para construir a liquidação da perspectiva revolucionária do PCB e

transformá-lo em um partido da ordem. “Temos que reconhecer que, nessas

condições, o VII Congresso seria uma farsa, inaceitável para a grande maioria

dos comunistas” (PRESTES, 1980, p. 20-21).

Na interpretação que fazemos da posição de Luiz Carlos Prestes, o VII

Congresso estava sendo organizado como uma farsa político-organizativa para

garantir a presença do PCB no processo de transição a partir da presença dos

comunistas brasileiros no consórcio daqueles que queriam a transição “pelo

alto”. No entanto, mais uma questão se apresentava para o debate no âmbito

dos temas que deveriam marcar o Congresso: a problemática da legalidade

para o PCB. Nos documentos internos, a legalidade do partido era vista pela

premissa do amplo processo de negociação que envolvia a transição da

ditadura burgo-militar para a democracia formal (burguesa). Essa postura do

núcleo dirigente estagnado apresentava uma variável: a legalidade seria

produto do amplo pacto. Essa premissa - que não foi externada com a devida

precisão – portanto, deixava ampla margem de ação para a posição que não

colocava a legalidade do partido como uma demanda das lutas sociais na luta

por conquistas no campo das liberdades democráticas.

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É necessário deixar claro que a legalização do PCB terá que ser uma conquista do movimento de massas e de todas as forças realmente democráticas em nosso país. [...] o que ela [a ditadura] tenta, neste momento, é, aproveitando-se da crise interna do PCB, forçá-lo a um acordo (PRESTES, 1980, p. 21).

Ao não especificar o papel dos trabalhadores no conjunto da sua

campanha pela legalidade, o PCB voltou-se para articulações com as mais

variadas forças do campo burguês, dando centralidade política ao bloco

burguês no rearranjo do poder para decidir sobre a presença do partido na

vindoura ordem da institucionalidade formal (burguesa).

Nessa nova configuração política, a democracia interna, como

instrumento de consulta e decisão, deixou de existir. Foi se consolidando uma

nova organização política que centralizou as decisões do partido no núcleo

duro da direção estagnada. Uma organização política com características de

diluição ideológica, centrada na ação pragmática do núcleo diretivo que

comandava o Pântano, apoiada nos interesses desse grupo na estrutura

burocrática da máquina partidária e com forte componente que indicava o

comportamento carreirista e oportunista.

O oportunismo, o carreirismo e o compadrismo, a falta de uma justa política de quadros, a falta de princípios e a total ausência de democracia interna no funcionamento da direção, os métodos errados de condução da luta interna, que se transformada em encarniçada luta pessoal, em que as intrigas e calúnias passam a ser prática corrente da vida partidária adquiriram tais proporções, que me obrigam a denunciar tal situação a todos os comunistas (PRESTES, 1980, p. 16).

Para além das questões que movimentavam a estrutura orgânica e

política do partido, Prestes, após um longo processo de estudo no exílio, vai

adensar o debate com uma interpretação sobre o Brasil que o remete, também,

ao tema do caráter da revolução brasileira; sinalizando para uma posição em

defesa da revolução socialista.

Quando me referi à necessidade das diferentes forças de ‘esquerda’ caminharem juntas, tenho em vista a nova situação que vem se formando no País. Estamos vivendo um período, quando a reanimação do movimento operário e popular vem revelando, por um lado, que todas as forças de ‘esquerda’, incluindo o PCB, tem cometido graves erros, tanto de avaliação da situação nacional, como de encaminhamento das soluções necessárias e possíveis e, consequentemente, de atuação. E, por outro lado, a necessidade de

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formação de uma liderança efetiva, capaz de dirigir as lutas de massas dentro de uma perspectiva revolucionária correta e adequada à situação brasileira. Está, portanto, na ordem do dia a questão da unidade de todos que se propõem lutar efetivamente por uma perspectiva socialista para o Brasil (PRESTES, 1980, p. 31).

Nas suas preocupações teóricas, Prestes identifica o fechamento do

ciclo da revolução burguesa, os limites do capitalismo e os passos iniciais para

a revolução socialista. Portanto, o arcabouço do temário político de Prestes vai

conter, ainda, a questão de um programa de transição, a preocupação com as

liberdades políticas que para ele são inseparáveis das reivindicações das

massas trabalhadoras e a defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores

como centralidade para desvelar a cena política.

Justamente por isso, nós comunistas, ao lutarmos agora pela derrota da ditadura, devemos fazê-lo esclarecendo as massas e dirigindo-as rumo à conquista de um regime efetivamente democrático. Lutamos agora por um regime em que sejam assegurados os direitos políticos, econômicos e sociais dos trabalhadores. A derrota da ditadura deve levar a um regime que os trabalhadores tenham o direito de participar ativamente na solução de todos os problemas da Nação; que assegure o desmantelamento do atual aparelho repressivo, que dê fim ao velho ‘hábito’ das torturas, inclusive para os presos comuns; que garanta o voto livre, universal e direto para todos os cidadãos, incluindo os analfabetos e militares dele ainda privados; que assegure o direito ao trabalho, à educação e saúde, férias remuneradas e aposentadoria para todos os trabalhadores; e que sejam respeitados todos os direitos dos trabalhadores, destacando-se a total independência do movimento sindical do Estado, dos patrões e dos partidos políticos (PRESTES, 1980, p. 25-26)

A movimentação política do CC no sentido de articular alianças no

campo proposto pelas formulações do partido foram atacadas e denunciadas

por Prestes. O centro do ataque se dava em virtude da adesão do PCB ao

projeto policlassista que organizava as ações políticas da frente democrática,

que não reservava nenhum protagonismo para os trabalhadores. Prestes

considerava que qualquer frente contra a ditadura deveria ser ampla dentro do

campo democrático, contudo, deveria ter o papel dirigente da classe operária e

um programa que respeitasse os interesses dos trabalhadores.

Penso que, para chegarmos à construção de uma efetiva frente democrática de todas as forças que se opõem ao atual regime, é necessário que se unam as forças de ‘esquerda’ – quer dizer, aquelas que lutam pelo socialismo – no trabalho decisivo de organização das massas ‘de baixo para cima’; que elas se aglutinem, sem excluir

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também entendimentos entre seus dirigentes, com base numa plataforma de unidade de ação, e que, dessa maneira, cheguem a reunir em torno de si os demais setores oposicionistas, tornando-se a força motriz da frente democrática. Esta é a perspectiva revolucionária de encaminhamento da luta contra a ditadura, a que mais interessa à classe operária e a todos os trabalhadores. Será a constituição em nosso País, pela primeira vez, da unidade de diversas forças que lutam pelo socialismo (PRESTES, 1980, p. 30).

O caráter da frente se transformou em um debate central entre Prestes e

a maioria do Comitê Central. Prestes reafirmou a defesa de uma frente onde a

esquerda e a classe operária tivessem a hegemonia, e o Comitê Central, em

sua maioria, defendia uma frente onde a burguesia, dita nacional, e os

segmentos oposicionistas do campo da democracia formal tivessem o controle

dela. Tendo como argumento político, uma avaliação sobre a correlação de

forças e os cuidados que se deveria ter com a institucionalidade. Em suma,

esses aspectos não permitiam o protagonismo da esquerda, nem dos

trabalhadores.

No entanto, Prestes desmontou os argumentos do CC qualificando-os de

reboquista e que se mantinham numa completa passividade diante da cena

política onde se desenvolvia a ação das forças que disputavam a direção do

processo, estando ou não no bloco no poder. Prestes avança para uma

proposta que tinha como perspectiva o movimento de um amplo processo de

debate, com a mais profunda democracia interna, para se discutir as teses do

VII Congresso. Contudo, as forças internas, aliançadas pelo projeto do núcleo

dirigente estagnado (Pântano), operaram em tal sentido para que essa

proposta não tivesse qualquer repercussão no partido, burlando a democracia

interna e impedindo que esse amplo debate ocorresse naquele momento.

As balizas políticas do debate entre Prestes e o CC estavam

publicamente definidas. A possibilidade de uma saída à esquerda estava se

mostrando extremamente remota em virtude do controle da estrutura partidária

pelo núcleo duro do CC. Portanto, não tendo mais o que mediar internamente,

o Secretário-Geral isolado aprofunda as suas posições sobre o processo de

transição e a questão da revolução socialista, colocando como ponto

fundamental a organização de um bloco de forças antimonopolista,

antiimperialistas e antilatifundiárias sob a hegemonia dos trabalhadores. Este

seria, na sua compreensão, o bloco histórico pertinente àquela conjuntura para

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enfrentar as forças da reação e da ditadura, reafirmando a função dirigente da

classe operária e o papel da esquerda na condução desse novo bloco de

forças.

Luiz Carlos Prestes faz um último apelo ao partido para que se

rompesse com a passividade e que a militância tomasse em suas mãos os

destinos do histórico operador político dos trabalhadores brasileiro, o PCB.

Esses postulados colocados acima se firmaram como arcabouço teórico-

político e orgânico para nortear o conjunto das posições que Prestes defendia e

foram apresentadas no documento “Carta aos comunistas”.

Estava se fechando o ciclo de Prestes no PCB. Ao lançar aquele

documento, Prestes, o Secretário-Geral do partido durante 37 anos,

conclamava os comunistas brasileiros a lutar pelo seu partido. Todavia, notava-

se que ele se afastava das fileiras internas quando decidiu, também, percorrer

um novo trajeto na luta pelos interesses dos trabalhadores na perspectiva da

revolução socialista.

Esta carta constitui como que a reafirmação da confiança que tenho nos comunistas e na classe operária, na sua capacidade de reflexão sobre a grave situação que atravessa o PCB. Chegou o momento em que é indispensável que os comunistas rompam com a passividade e tomem os destinos do PCB em suas mãos [...] (PRESTES, 1980, p. 35)

3.3 O afastamento do partido do centro político da luta de classes

Um vetor importante para compreender a política e a vida orgânica do

PCB no período que estamos estudando, diz respeito ao paulatino processo de

afastamento do partido da arena política onde se desenvolviam as contradições

entre o capital e o trabalho, bem como do espaço político que fora construído

pela oposição popular e de esquerda ao regime.

O Partido auto-referido como vanguarda da classe operária, que tinha (ao menos oficialmente) o mundo do trabalho como centro da sua política, enfrentou grandes dificuldades para se fazer ouvir pelo renascente movimento sindical do final dos anos 1970. Ao contrário de outros momentos de ascenso do movimento dos trabalhadores, dessa vez o PCB e a maioria de seus representados pareciam falar línguas diferentes (SILVA, 2005, p. 55).

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A orientação política impressa pelo partido na luta política, aos poucos

se encaminhou para uma posição na qual a centralidade da ação era pautada

pela procura constante por articulações que pudessem criar condições para um

pacto político social entre as classes e os dirigentes do aparelho de Estado.

Essa perspectiva de negociação, aberta por medidas do governo que poderiam

ser entendidas, no primeiro momento, como “lenta e gradual”, repercutiu no

partido como o modelo de transição para a democracia formal. Portanto, para o

PCB, diante do longo tempo de ditadura e da necessidade premente de

liberdades democráticas para sua ação na sociedade, essa possibilidade de

transição era uma oportunidade que não deveria se deixar perder. Mesmo que

se tratasse de um acordo político entre as forças liberais burguesas da

oposição, frações de classe da burguesia em deslocamento para o bloco no

poder e as forças que davam base política para a sustentação do governo

ditatorial. A direção do partido não se preocupava com as críticas internas

sobre essa posição.

Durante toda a vigência do regime militar o PCB adotou a tática de ‘Frente Democrática’. Os pecebistas deveriam se aliar a todos os que se opunham à ditadura. O partido defendia que a derrubada do regime deveria se dar através de soluções politicamente negociadas. Mas as disputas internas permaneceram no interior da organização, alimentadas pelo dilema entre adotar uma postura mais ‘reformista’ ou mais ‘revolucionária’ (PANDOLFI, 1995, p. 207).

Começou, então, a ficar nítida a opção do partido por este espaço de

atuação política, integrando-se, mesmo com questionamentos sobre a

necessidade de pressão dos trabalhadores, ao pacto “pelo alto”. Isso, todavia,

pela necessidade de se resolver rapidamente o processo da transição. No

entanto, algumas questões sobressaem dessa orientação. A primeira, é a visão

de que o papel dos trabalhadores naquele processo deveria ser de “grupo de

pressão”73; a segunda, era a constante procura do PCB pela democracia formal

como espaço privilegiado de luta para os comunistas. Este último aspecto é a

questão central, tornando-se um dado perene dentro dos documentos

pesquisados, que tem chamado atenção por nortear a história do partido em

73 Categoria explicativa utilizada pela sociologia norte-americana inspirada na teoria funcionalista para entender o

papel e as funções dos grupos chamados de desviantes dentro da moderna sociedade capitalista.

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diversos momentos do século XX e por se tornar preponderante nos anos

1980, período no qual se estabeleceu a derrota político-orgânica do partido. “O

caminho da revolução brasileira seria o da gradual acumulação de reformas

profundas dentro do próprio regime atual, chegando até as transformações

radicais exigidas pelo desenvolvimento histórico brasileiro em sua etapa atual”

(PCB, 1958, p. 5).

Por outro lado, existia um significativo movimento popular e operário na

conjuntura política do processo de transição. Foram greves operárias e

movimentações sindicais importantes, a exemplo das lutas dos bancários;

bandeiras de lutas que mobilizaram expressivos segmentos populares, a

exemplo da luta contra a carestia; organização e lutas pela terra no campo, a

exemplo da reforma agrária; a participação das camadas médias que

redescobriam o caminho das reivindicações, etc. No entanto, a lógica da ação

do PCB subestimou as lutas populares, o papel das camadas médias e a

centralidade das mobilizações e das lutas dos trabalhadores. Toda essa lógica

pedagógica da negociação desenvolvida pelo partido, em função da ditadura

da tática, não possibilitava que ele despertasse para o ascenso das

organizações de esquerda e das oposições sindicais no campo e nas cidades

numa conjuntura de enfrentamento político. Com essa postura o partido

colocou em segundo plano o possível protagonismo dos trabalhadores no

processo de transição democrática.

Mais importante do que o fato de Sarney ter se afastado da linha de Tancredo e ter retomado a linha da política econômica de ‘auto-reforma’ da ditadura militar, certamente, é o fato de ele ter frustrado as expectativas de milhões de brasileiros. As forças de esquerda que o apoiavam, a partir de certo ponto, começaram a sofrer um desgaste perturbador de suas bases. A esquerda do PMDB, engolindo a aliança com o PFL, perdia credibilidade. O MR-8 passava a ser visto como uma espécie de guarda pretoriana do ‘comandante Sarney’. PCB e PCdoB, atrasados em suas respectivas análises do processo político, mantinham-se atrelados aos compromissos que haviam assumido no momento tancrediano, sem levar em conta o fato de que a situação havia mudado (KONDER, 1988, p. 16).

Os trabalhadores tiveram como eixo principal de atuação no processo da

transição democrática o questionamento rotineiro das políticas do governo e a

contestação às forças políticas que se alinhavam com a ditadura. Portanto,

essa integração se deu pela vertente da luta. Naquele momento, para os

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trabalhadores, o mais importante não era se transformar em sujeito coletivo

que tinha projeto de classe, como vanguarda que deveria lutar pela revolução

socialista, mas sim, agir a partir dos seus interesses específicos e corporativos

como pontos de pauta que deveriam determinar a luta dentro do processo de

transição. No entanto, por outro lado, o PT se constituía “numa real alternativa,

tanto à transição conservadora quanto às tentativas de ressurgimento do

populismo e da direita” (PT, 1998, p. 236).

Apesar dos esforços políticos dos setores conservadores para moderar a

transição, a partir do que se convencionou chamar de “lenta e segura”, com os

instrumentos que afirmavam o modelo da negociação e do pacto, a nova

vanguarda política e sindical apertava o processo com um conjunto

representativo de reivindicações, que apesar de corporativos, foram educando

os trabalhadores. Ao tempo em que perdia protagonismo o governo da ditadura

burgo-militar, ganhava protagonismo a FIESP na defesa das frações de classe

da burguesia, e as organizações do novo sindicalismo com suas variantes na

organização das diversas lutas sociais.

[...] os novos agentes – entre os quais o proletariado do ABC, uma intelectualidade de novo tipo, camadas médias, outros setores urbanos e a burguesia industrial da FIESP, que incorporam os valores da democracia liberal à sua luta de oposição do regime – seriam os componentes estratégicos de uma nova ordem liberal no Brasil a serem levados na devida conta pelos comunistas em sua estratégia democrática radical para o país (SANTOS, 1994, p. 48).

Quanto mais o partido prezava pelo instrumento da negociação, da

formação de coalizões para que a frente democrática tivesse ampla unidade

para disputar as eleições e avançasse na negociação, mais se afastava do

processo onde as forças operárias e populares davam protagonismo a uma

nova esquerda que se inseria nas lutas de classes. Ao lado dessas

circunstâncias, mesmo sem conseguir direcionar seus ataques às frações de

classe da burguesia organizadas na FIESP, mesmo sem tirar lições das greves

operárias do ABC paulista, mesmo com o que representava o colapso da

política desenvolvimentista do governo e mesmo com o crescente pauperismo

da população (ENGELS, 2010), O PCB lutava para continuar existindo diante

da perda de hegemonia na esquerda brasileira e da intensa repressão que

havia se abatido sobre sua militância.

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Com o avanço do processo de transição, outro fator importante deslocou

o eixo da luta do PCB, afastando-o mais ainda do centro das lutas operárias e

populares: foi a questão da legalidade jurídica para o partido que se consolidou

na consigna da negociação que inspirava o processo de pacto “pelo alto”.

Constituíram-se, assim, as alianças que se confirmaram num bloco

policlassista de amplo espectro de forças e de caráter conservador, a Aliança

Democrática.

Instrumento do acordo entre forças democráticas liberais, conservadoras e até mesmo reacionárias para derrotar o candidato do regime militar e eleger Tancredo Neves e José Sarney, a Aliança Democrática viabilizou no colégio eleitoral, com apoio das massas populares, a formação do novo governo e assumiu a responsabilidade de implementar o ‘Compromisso com a Nação’ (PCB, 1987, p. 23).

3.4 O PCB e os impasses da frente democrática

O arcabouço teórico-político que inspirava a luta do partido era centrado

na perspectiva do retorno ao ambiente político-institucional da democracia

formal, sem perceber que essa postura fortalecia as forças políticas liberal-

burguesas que mostraram liderança no processo de transição e agora dirigiam

a frente democrática. O exame de farta documentação (resoluções

congressuais, declarações políticas, documentos específicos sobre algum

tema, textos de algum dirigente, imprensa partidária, etc.) possibilita o

entendimento da crença do PCB no ambiente da legalidade “democrática”

como o espaço que melhor favorecia ao trabalho político do partido na cena

política. Por isso, o PCB defendia a política de negociação e criticava o PT e a

CUT.

Continuando na lógica de atuação do lutar para negociar, negociar para mudar, o PCB criticará o PT e a CUT por suas posturas agressivas e de enfrentamento. O Voz da Unidade de 13 a 19 de dezembro de 1987 traz um editorial que simboliza bem tal postura. Sob o título ‘Transição e luta dos trabalhadores’, o jornal assinala que com o ascenso dos movimentos grevistas que irrompiam na conjuntura (que, reitere-se, embora não lhe fossem exclusivos, reforçavam e consolidavam a CUT), alguma confusão estava sendo feita [...] (SANTANA, 2001, p. 252).

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O vetor da subalternidade do partido à questão democrática não se deu

por transformismo (GRAMSCI, 2002, p. 63), mas por considerar essa questão a

mais importante para afirmação do partido tendo em vista seus objetivos tático-

estratégicos. Configurou-se, então, uma pedagogia da subalternidade para

orientar os caminhos do PCB na frente democrática, gerando impasses

políticos e consolidando entraves que seriam muito difíceis de remover. O

arcabouço político-jurídico estava transitando de uma situação caracterizada

pelo regime autoritário para a normalização do Estado de direito da democracia

formal, tudo isso dentro do Estado autocrático burguês e com a direção das

forças políticas do campo democrático-liberal.

A conjuntura política do período era bastante complexa e tensa, o PCB

sofreu forte impacto dos acontecimentos políticos que contribuíram para

derrubar o presidente João Goulart, portanto, tinha uma conduta política

bastante moderada dentro da frente democrática por preocupação com a

unidade daquele campo político e por entender que a principalidade era colocar

fim à ditadura e restabelecer as regras democráticas para o jogo político com

base na alternância dos governos. No entanto, os encargos políticos dessa

opção foram muito sérios para o PCB que ficou perdido entre as frações de

classe da burguesia e suas representações políticas, acenando para atuar

através de uma opção política que demonstrasse compromisso com a paz

social e com uma tranqüilidade política que não colocasse em risco o processo

em curso, o partido também se batia pela resolução do processo político

através das mediações que afirmassem uma ampla unidade das forças

políticas engajadas nas negociações para a superação do chamado “entulho

autoritário”.

Os avanços realizados e em curso para a ultrapassagem do que se convencionou chamar de ‘entulho autoritário’ são muito significativos, embora existam áreas importantes a serem desobstruídas (as relações de trabalho, a legislação sobre segurança nacional) (PCB, 1985, p. 71)

Contudo os impasses políticos se instalaram dentro da frente

democrática a partir de uma conjuntura que era caracterizada pela “crise de

hegemonia” (GRAMSCI, 2000) e o partido teve que escolher a sua perspectiva

dentro da frente democrática. No entanto, ao não entender para que lado

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pendia o processo de construção de uma nova hegemonia e o papel que isso

representava para a luta político-social dos trabalhadores, o PCB se permitiu

agir a partir de um papel secundário e subordinado dentro desse espectro de

forças.

3.5 A política de alianças eleitorais

As formulações do PCB orientavam para a presença da legenda nas

articulações da frente democrática, de forma a garantir a mais profunda

unidade do amplo leque de forças que estava negociando o processo de

transição democrática. Sendo assim, o componente eleitoral era marcado pelas

alianças que compunham o campo liberal-burguês. Todavia, sem perceber que

a tensão que esse campo havia exercido contra a ditadura se devia a

necessidade de operar a transição a partir da conjuntura de crise de

hegemonia. Portanto, o campo liberal burguês que se contrapôs à ditadura se

articulava para construir uma nova hegemonia dentro do bloco no poder a partir

das frações de classe da burguesia, que se mostraram mais fortes e hábeis no

processo político de disputas que se abriu com a crise de hegemonia

(DEMIER, 2013, p. 38 passim).

O PCB via no PMDB, e anteriormente no MDB, o aliado estratégico para

fomentar a sua política de constante procura pela democracia formal como

espaço político privilegiado para a atuação do partido. Contudo, essa política

tinha raiz profunda no partido diante do duradouro período de clandestinidade

que o partido viveu e do florescimento que teve com a legalidade democrática

entre 1945 e 1947. Esse exemplo e a presença política de 1960 a 1964,

mesmo na clandestinidade, permitiram aos formuladores do partido uma

compreensão mecânica sobre a ação dentro da democracia formal, como

sendo o momento mais interessante para a política dos comunistas brasileiros

sem levar em consideração outros fatores. Portanto, essa visão centrada na

legalidade institucional corrobora para a visão que o partido teve do golpe.

No entanto, sem a base social que tinha nos períodos anteriores e agora

com a concorrência que passou a ter do PT e da CUT, o PCB não fazia o

enfrentamento político necessário para disputar a hegemonia na esquerda

brasileira. Pelo contrário, integrou-se ao campo democrático-liberal sem

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qualquer constrangimento por entender que estava cumprindo a melhor tática

para a política dos comunistas. Perdido na relação entre tática e estratégia, o

PCB não conseguia subordinar seu objetivo tático ao horizonte estratégico da

luta pelo socialismo. Mesmo, o vago e lacônico ideário socialista do partido não

se representava na estratégia. Era uma postura política errática, marcada pelo

taticismo politicista, que não submetia os objetivos táticos aos interesses

estratégicos. Contudo, esse processo político reverteu os interesses históricos

do PCB e foram determinantes para a integração da política partidária ao

projeto da ordem.

Um partido comunista não pode, em nome de uma suposta democracia abstrata e acima das classes, abdicar do seu papel revolucionário e assumir a posição de freio dos movimentos populares, de fiador de um pacto com a burguesia, em que sejam sacrificados os interesses e as aspirações dos trabalhadores. Ao contrário, para os comunistas, a luta pelas liberdades políticas é inseparável da luta pelas reivindicações econômicas e sociais das massas trabalhadoras (PRESTES, 1980, p. 27).

A política de alianças tinha como eixo norteador uma conduta política

que trabalhou para impedir acirramento de contradições, tentando a todo custo

estabilizar o processo de transição democrática e manter o conjunto das

manifestações populares sob controle para evitar agitações que fossem

perigosas para a unidade do campo democrático. No entanto, também

compreendia que a pressão dos trabalhadores contribuiria para configurar uma

transição mais comprometida com os interesses da cidadania.

A questão que sobressaiu da ação partidária naquele período era a

dubiedade na ação política. Essa postura aparecia na relação com o

movimento operário e sindical, se reafirmava nas ações dentro do movimento

popular e ganhava notoriedade e consistência nas alianças políticas de caráter

eleitoral. Nesse campo a política do partido se consolidava a partir da ditadura

da tática e pela procura mecânica da democracia formal. Todavia, a pesquisa

revela uma completa desvinculação dos objetivos estratégicos de longa

duração que seria a perspectiva socialista. Portanto, a política do PCB

mantinha uma profunda aderência ao modelo nacional libertador da etapa

nacional e democrática da revolução brasileira. É uma questão complexa, que

manifesta uma determinada lógica que unifica estratégia etapista e tática, mas,

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no entanto, trata-se de uma profunda inconsistência teórica e uma

inconseqüente prática política. E tudo isso sob invólucro de um patrimônio

histórico que transcendeu ao tempo.

Todo esse processo de sustentação da transição democrática com base

numa prática política que visava alargar os espaços de representação dos

setores liberais e democráticos da frente política que operavam a transição

iluminava uma política de alianças eleitorais e descolava o PCB da classe

operária e dos trabalhadores. Essa política criou barreiras concretas entre o

partido e o novo sindicalismo, contribuiu para o afastamento das organizações

populares e do movimento de massas, para garantir que as alianças políticas

não sofressem impacto e gerassem rupturas.

O partido considerava, a partir das posições do seu núcleo dirigente

estagnado, que aquela posição representava melhor os interesses dos

trabalhadores e das massas populares. Portanto, estava atento para o que ele

considerava aventureirismo e vanguardismo irresponsável, tendo como

premissa básica o papel de não prejudicar o processo de transição democrática

possível diante daquela correlação de forças. Sendo assim, a transição se

afirmava cada vez mais como uma negociação pelo alto e de caráter prussiano.

Havia, portanto, para o PCB, um empenho das forças que articularam a

transição: “Este desempenho satisfatório é sobretudo visível no plano político-

institucional, no qual a postura do Executivo tem se caracterizado pelo esforço

para dar efetividade ao ‘Compromisso com a Nação’ (PCB, 1985, p. 72).

Para não prejudicar quaisquer medidas que estavam sendo postas no

processo de negociação, o PCB formou alianças com forças conservadoras e

até mesmo reacionárias nas eleições de 1982 e em 1986, quando nesta última,

inclusive, apoiou candidatos desses setores para governador, a exemplo do

Moreira Franco no Rio de Janeiro, Newton Cardoso em Minas Gerais e o

Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo. Este último levou o partido a um

debate interno que deixou seqüelas e floresceu contradições no estado de São

Paulo. Nesse estado ocorreu, no último momento, uma reviravolta operada nos

bastidores pela mediação do CC com o CR/SP, para que o partido, já

profundamente afetado pela opção Antonio Ermírio de Moraes, se livrasse do

constrangimento que seria o apoio oficial. Esse processo de radicalização

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interna, realizado por um grupo à direita do núcleo dirigente74, avançou para

posições que agrediam o referencial histórico do PCB colocando em risco a

sua própria existência.

No processo eleitoral de 1986, o PCB aliou-se ao conjunto das forças

políticas que davam sustentação ao governo da aliança que compôs a “Nova

República”, sendo parceiro daquele bloco em quase todos os estados da

Federação. O PMDB e o governo Sarney tiveram uma vitória espetacular,

elegeram quase todos os governadores e consolidaram uma maioria

parlamentar que traria prejuízos aos interesses populares na futura Assembléia

Nacional Constituinte (ANC) já que esse instrumento de mudança institucional

não teria eleições exclusivas.

Apesar do empenho na construção da unidade em torno da Aliança

Democrática e do governo da “Nova República”, o PCB colheu parcos

dividendos eleitorais pelo país como todo. Elegeu três deputados federais e

alguns deputados estaduais. No entanto, com esse processo, se consolidou

internamente a linha política que iria operar a ruptura da tradição e integrar o

partido no bloco burguês. O PCB modificou sua forma de organização,

concentrou-se nas negociações eleitorais, articulou-se nas bases de apoio aos

governos do PMDB nos estados, concentrou sua inserção no difuso campo do

voto de opinião. O resultado foi o afastamento do trabalho de base, da

organização por células; o distanciamento do trabalho nas frentes de massas

do movimento operário e sindical, com pouca participação nos movimentos

populares e a regressão numericamente no movimento estudantil brasileiro:

universitário e secundarista. Era um emblemático momento que iria fechar um

ciclo de desintegração dos comunistas brasileiros.

3.6 A campanha das “Diretas já” e o posicionamento do PCB

Entre os processos eleitorais de 1982 e 1986, ocorreu uma articulação

nacional tendo em vista a mediação de uma saída política que colocasse fim à 74 A liderança política dentro do Comitê Central que representava essa posição era o dirigente do partido em São

Paulo, Jarbas de Holanda.

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ditadura através de uma emenda constitucional que permitisse a realização de

eleição direta para a Presidência da República. Já em março de 1983, em

reunião da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados e em abril, na

reunião do Diretório Nacional do PMDB se oficializou, através do Deputado

Dante de Oliveira, a proposta de uma campanha por eleições diretas (NERY,

2012, p. 80).

De acordo com a pesquisa de Vanderlei Nery (2012) sobre este tema, a

campanha das Diretas já estava “ligada à apresentação da emenda

constitucional Dante de Oliveira (PMDB-MT)” (2012, p. 80) que previa eleição

direta para 15 de março de 1985, no sentido de eleger o Presidente da

República depois de 21 anos de regime autoritário.

As articulações políticas e sociais para por fim à ditadura burgo-militar de

extração bonapartista, ganhava uma nova centralidade, a partir da postura de

um campo político democrático e popular que fez uma opção por uma transição

democrática não submetida, inicialmente, aos métodos e ações previstas na

visão da transitologia que eram assumidos pelo campo que o PCB estava

articulado, naquele momento. Essa opção por uma transição que, apesar da

dependência de uma decisão do Congresso Nacional, colocasse o povo para

participar, ganhou forma e conteúdo nos debates políticos na conjuntura

daquela época. Podemos afirmar que os primeiros passos para que a emenda

ganhasse consistência no parlamento seria a pressão da sociedade, para isso

se pensou na “organização e desenvolvimento” de uma campanha pelas

“Diretas já”. No começo, apesar do apoio oficial do PMDB, a campanha não

contou com maior determinação política do partido. No entanto, com a

motivação nacional para debater o tema, o Diretório Nacional do partido

começou a se movimentar no sentido da campanha e em documento se

posiciona contra as articulações do governo militar.

Insistir no expediente casuístico e antidemocrático é acumular e transferir a crise, fazendo-a explodir, dentro de pouco tempo, com irremediáveis e trágicas conseqüências para o processo político brasileiro. [Deve-se] constituir uma comissão nacional composta de senadores e deputados, coordenada com os Diretórios regionais, municipais e demais partidos de oposição e setores representativos da sociedade, para empreender ampla e contínua campanha pelo País (FSP, 1983, p. 5).

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A partir daquele momento, o PMDB, como instrumento político mais

representativo na operação da transição democrática “pelo alto”, definiu seu

interesse pela modalidade proposta por Dante de Oliveira e propunha, também,

uma Assembléia Nacional Constituinte (ANC).

O PMDB deu início à campanha Diretas já em 9 de junho de 1983, enviando aos diretórios do partido uma carta assinada por Ulysses Guimarães, seu presidente, e pelo Secretário-Geral Francisco Pinto, convocando todos os membros do partido a se engajarem na organização de atos políticos e caravanas pró-diretas. [...] O primeiro comício aconteceu em Goiânia em 15 de junho de 1983, convocado pelo PMDB e organizado com apoio do governo do estado de Goiás [...] (NERY, 2012, p. 81-82).

No entanto, após esse comício ficaram evidenciadas pela pouca

presença de público no evento, algumas debilidades interna no PMDB que

colocava em xeque, no primeiro momento, a unidade do partido em relação à

campanha.

Deflagrada a semana passada em Goiânia, a cruzada do PMDB sensibilizou 5000 pessoas, apesar de todo o estardalhaço feito pelo partido e da presença de Ulysses. Antes das eleições, Iris Rezende, hoje governador de Goiás, nunca fez comício para menos de 20000 pessoas (VEJA, 1983, p. 40).

Portanto, apesar da decisão do Diretório Nacional do PMDB, existiam

certa confusão e hesitação dentro do partido e de outras organizações que

pautaram a cena política com preocupações que envolviam o contexto das

relações institucionais naquele momento político. “Na verdade, os próprios

partidos de oposição burguesa ainda não se definiram por uma luta real pelas

eleições diretas. Por enquanto, suas preferências estão nos acordos nos

bastidores, em saídas negociadas” (EM TEMPO, 1983, p. 2).

Esse impasse gerou expectativas e um determinado grau de imobilismo

na campanha que logo foi rompido pela pressão social que adveio do segundo

comício de São Paulo.

Entre junho e novembro de 1983, o que se viu foram balões de ensaio jogados na imprensa. O governo apostava, em sua maioria, no colégio eleitoral para garantir que a sucessão fosse decidida em favor do PDS; a oposição burguesa não abandonou a campanha pró-diretas, mas ficou paralisada até a realização do segundo comício da campanha, realizado em São Paulo, em 15 de novembro de 1983, o qual foi convocado e dirigido pelo Partido dos Trabalhadores (PT) (NERY, 2012, p. 83).

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A partir daquele momento, a campanha ganhou outro ritmo com

manifestações, passeatas e atos por todo o país. Setores da chamada

oposição burguesa queriam diminuir o ritmo das ruas e as forças populares,

decididas pelo avanço da representação popular no processo de transição

democrática. Embora a oposição moderada tivesse algumas preocupações

com o nível das manifestações populares, não se desligou do comando da

campanha.

Esse processo de adesão das massas populares à campanha e a

continuidade do PMDB e dos governadores de oposição na articulação da

mesma criaram dificuldades para o partido governista, sucessor da ARENA, o

PDS. Um grupo de parlamentares desse partido governista tentou fazer uma

mediação com a proposta do deputado Dante de Oliveira. No entanto, ao não

obter sucesso nessa empreitada partiu para articular uma emenda

constitucional sobre a temática, entregando [...] “ao ministro Leitão Abreu,

juntamente com uma lista de cinquenta nomes do PDS favoráveis às eleições

diretas” (LEONELLI & OLIVEIRA, 2004, p. 441).

A agitação popular em torno da bandeira das Diretas já ganhou enorme

repercussão. Os comícios, manifestações e passeatas ocorriam em todo o

Brasil, sempre com presença crescente da população. O Comício da

Candelária no Rio de Janeiro, em 10 de abril de 1984, teve a presença

espetacular de mais de um milhão de pessoas. No entanto, a oposição

moderada e até setores mais avançados tinham preocupações com a presença

dos comunistas e das organizações clandestinas. Prestes afirmou: “Deixei de ir

[ao comício do Rio de Janeiro] por uma razão bem simples, que é a de não

concordar com a conotação anticomunista que o Brizola deu ao comício,

proibindo espaços aos partidos clandestinos” (FSP, 1984, p. 6). Uma situação

parecida aconteceu no comício de Belo Horizonte, que superou o de São Paulo

em número de pessoas, com a presença do PC do B. O partido só usou uma

bandeira em virtude de uma negociação que fez com Tancredo Neves.

[...] o partido clandestino, através do qual seu líder, João Amazonas, teria um lugar de destaque no palanque, seria condignamente tratado, mas não faria discurso. Em troca, os militantes comunistas [do PC do B] abriram mão das grandes bandeiras que inundaram os outros comícios, e se contentaram com pequenas bandeirolas, que

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com certeza não se destacariam nas fotografias exibidas mais tarde em todo o país (LEONELLI & OLIVEIRA, 2004, p. 418).

Após a realização de vários comícios gigantescos, ocorreu o maior

comício da campanha em 16 de abril de 1984, na cidade de São Paulo, que

contou com um número de pessoas próximo de 2 milhões para observadores

da esquerda.

A campanha teve uma gigantesca participação popular. Contudo, a

votação da emenda de Dante de Oliveira não obteve o número necessário de

votos para ser vitoriosa.

No dia 25 de abril de 1984, o amanhecer no Brasil foi marcado por especial expectativa. Após um período efervescente de manifestações caracterizadas por empolgantes manifestações populares, que inundaram os espaços públicos das cidades brasileiras, chegara o esperado dia de votação, pela Câmara Legislativa Federal, da Emenda Dante de Oliveira, que estabelecia eleições diretas para presidente da República. Aquele foi um longo dia, encerrado com uma também longa votação, que invadiu a madrugada do dia 26. [...] Foram 298 votos a favor, 65 contra, 113 deputados ausentes e três abstenções. Faltaram 22 votos para que fosse alcançado o quorum qualificado de 2/3 estabelecido para a aprovação de emendas constitucionais. Choros, semblantes fechados, silêncios e diferentes manifestações de indignação e de decepção foram ouvidos e vistos na madrugada do dia 26 de abril. Eram expressões do sentimento de muitos parlamentares no próprio plenário da Câmara Federal e de populares que assistiram à sessão parlamentar nas galerias daquela casa. (DELGADO, 2007, p. 411-412).

Após a derrota da emenda, o instrumento institucional continuou sendo o

da eleição indireta para Presidente da República através do colégio eleitoral

criado pela ditadura burgo-militar. Sendo assim, no dia 15 de janeiro de 1985

foram eleitos respectivamente, Tancredo Neves e José Sarney para presidente

e vice-presidente da República, que disputou com o candidato do governo

militar, Paulo Maluf.

O PCB desenvolvia, naquela conjuntura, um esforço político para não

desagregar o campo da oposição burguesa e moderada. Como o eixo

norteador do princípio proposto pelo partido para a transição democrática era a

negociação “pelo alto”, com pressão social, o partido teve uma postura recuada

no primeiro momento preocupado com agitações que pudessem desestabilizar

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o bloco oposicionista e, ao mesmo tempo, possibilitar uma nova articulação

governista para continuar no poder.

Com uma postura política consubstanciada na moderação e na procura

constante pela negociação, o partido não se interessou em se apresentar na

campanha como uma força política organizada, herdeira das tradições de luta

dos trabalhadores brasileiros. Portanto, não desenvolveu ações para colocar

uma forte presença de militantes e de materiais de agitação e propaganda

como fizeram o PT e em certa medida, o PC do B. Este último, fato

comprovado pela declaração de Romeu Tuma, que era o representante do

aparato policial na condição de diretor geral da Polícia Federal, sobre a

presença da esquerda no comício de São Paulo: “O verde do vale do

Anhangabaú foi coberto pelo vermelho das bandeiras dos partidos de

esquerda”, demonstrando assim a “capacidade de mobilização do Partido dos

Trabalhadores e do Partido Comunista do Brasil” (FSP, 1984b, p. 10).

A posição do PCB na campanha das “Diretas já” pode ser caracterizada

por uma razoável moderação e um engajamento militante tardio, apesar de ter

participado do processo como um todo. Essa postura iluminou o apoio imediato

para que a oposição burguesa disputasse a eleição no colégio eleitoral,

apoiando e articulando, desde o primeiro momento, o nome de Tancredo

Neves.

Uma ausência sentida nos primeiros meses da campanha foi a do PCB. O partido sempre havia defendido coerentemente a proposta da Assembleia Nacional Constituinte. Além disso, é razoável supor que, naquele momento, lidando com as suas lutas internas e retomando sua campanha pela legalidade, o partido estivesse num momento de certa paralisia decisória e excessivo temor em relação à possibilidade de um retrocesso na transição motivado por manifestações populares (SILVA, 2005, p. 94).

Esse movimento do PCB fazia parte de um ciclo interpretativo que

entendia que o processo de transição passava pelo processo de negociação

para resolver os problemas da sociedade brasileira. Afinal, a partir da lógica

política defendida pelo partido, crise política, econômica e social se resolve

através de mediação pactuada.

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3.7 Uma interpretação da transição democrática: a f ormulação do núcleo

dirigente

Para entendermos o papel do PCB na transição democrática será

necessária uma análise do instrumental teórico-analítico que iluminou a ação

do núcleo dirigente estagnado (tardio) do partido. Trata-se de identificar o que

era central no conjunto dessas formulações: a democracia formal. Esse escopo

categorial foi articulado a partir do documento que ficou conhecido pelo nome

de “Declaração de Março de 1958” e foi reafirmado pelas resoluções do V, VI e

VII Congressos, respectivamente.

Portanto, tendo como categoria explicativa o papel da democracia para a

mudança da sociabilidade no capitalismo, o núcleo dirigente (maioria do CC)

recorreu ao instrumento analítico desenvolvido pelo grupo eurocomunista

interno – chamado de “renovador” – antes e depois da saída desses militantes

do partido. A ação desenvolvida pelo partido sob a égide da estratégia

nacional-democrática era uma luta para elevar o Brasil a condição de país

desenvolvido do ponto de vista do capitalismo. Quando se afirmava a

necessidade de destruir os obstáculos que impediam o pleno desenvolvimento

das potencialidades desse modo de produção, em particular o latifúndio e o

imperialismo. Contudo, todas essas questões que diziam respeito àquela etapa

da revolução brasileira (nacional-democrática) não estavam desconectadas da

luta pela democracia. Porém, a democracia não se afirmava pela qualidade de

ser um instrumento de novo tipo, ficava apenas na democracia formal do

Estado de direito burguês e nas conquistas das liberdades democráticas. Era

muito pouco para um projeto de classe que anteriormente fora desenhado e

construído para representar a operação política dos trabalhadores.

O PCB nasceu para prover o movimento operário de um novo instrumento que fizesse frente à ofensiva do capital e do Estado liberal em crise. Para poder nascer, era preciso demarcar sua especificidade político-cultural, cindindo o movimento; para poder mostrar a sua eficácia, era preciso construir a frente única proletária; e, para obter credibilidade e ganhar legitimidade nessa complexa empreitada, era preciso estar acoplado a um movimento de caráter universalizante, tal qual o representado pela Revolução Russa e pela IC (DEL ROIO, 2007, p. 27).

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No entanto, o PCB relegou para um plano muito secundário as suas

lutas históricas e afirmou uma nova perspectiva. Para essa operação teórico-

político o objetivo do partido era desvendar o espaço principal para desenvolver

a sua participação na luta pela transformação do Brasil, modificando o que

pensava anteriormente.

Com o bloqueio do terreno econômico, a ênfase passou a incidir sobre o terreno da política: a luta pela democracia não mais se subordinava à efetivação de uma revolução de caráter econômico-nacional. Note-se: a revolução burguesa ainda era o horizonte, mas agora definitivamente sob o âmbito da política e não da economia. Se anteriormente a afirmação de uma democracia plena passava pelo equacionamento dos problemas econômico-nacionais e pelo avanço das forças produtivas capitalistas, com o esvanecimento do caminho nacional, a própria questão democrática passava a ter o potencial de solucionar os problemas nacionais, ou seja, ganhava autonomia frente ao problema econômico. A partir de então, o PCB atrelaria a solução dos problemas econômico-sociais à conquista da democracia (MOURA, 2005, p. 71).

Portanto, a partir do final dos anos 1970 até meados dos anos 1980, o

PCB radicalizou o seu entendimento sobre a questão democrática. Forjando

uma complexa teia de vinculações com a democracia formal que articulou e

operou a integração do partido na institucionalidade burguesa, isso contribui

para a subalternização das bandeiras operárias e populares dentro da política

do partido. Toda essa operação teórico-política desenvolvida pelo núcleo

dirigente estagnado se consolidou na decisão de construir uma transição

democrática negociada com as diversas frações de classe da burguesia e suas

representações políticas. No entanto, faltou responder a uma questão: quem

representaria os trabalhadores e as camadas populares nessa mesa fechada,

já que o PCB agia como linha auxiliar da oposição burguesa ao regime. Os

próprios trabalhadores responderam: seriam o PT e a CUT. Era a derrota da

estratégia dos comunistas brasileiros e o começo de uma longa agonia política

que explodiu no IX Congresso do PCB75.

A política de centralidade na negociação apartou o partido das lutas

políticas e sociais, marcando definitivamente a posição do núcleo dirigente

estagnado. Esse núcleo dirigente formulou a proposta de transição pactuada,

visando não criar instabilidade política, pois avaliava que qualquer instabilidade

75 Quando todo o arcabouço colocado em prática pela política reformista foi questionado pela militância partidária.

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política poderia gerar dificuldades ao processo de transição e facilitar o retorno

de segmentos reacionários à cena política naquele momento.

Essa política contribuiu para que a classe operária fosse subalterna na

luta pelo Estado de direito democrático (burguês), perdesse a perspectiva de

enfrentamento de classe e se movimentasse para agir como protagonista

daquele processo. É nesse momento que se afirmou a bandeira do PCB na

transição: “Lutar para Negociar, Negociar para Mudar”.

A intransigente defesa da questão democrática e a longeva defesa da

democracia formal contribuíram para rejuvenescer as instituições do Estado

burguês durante o processo de transição negociada. Portanto, o partido vai

fechar aquele ciclo como um instrumento político em mutação e em rápida

reestruturação para se adequar a ordem burguesa, e não para lutar contra ela.

3.8 A consolidação de uma linha reformista que para lisou o partido

O Partido Comunista Brasileiro transitou paulatinamente, após a

“Declaração de Março de 1958”, para uma perspectiva teórico-política que fez

um duplo movimento: tentativa de institucionalização no arcabouço político da

democracia formal e o constante e perene distanciamento das lutas operárias,

sindicais e populares. Porém, essa dupla perspectiva revelada ou velada, fez

um percurso muito complexo e não linear para se estabelecer na cultura

política do PCB. Para isso foi importante a não compreensão sobre a questão

da revolução burguesa.

Na verdade, a eficácia do projeto conservador de desenvolvimento conduzira a efetivação da revolução burguesa no Brasil ou à etapa monopolista, mas de maneira excludente, o que teria contribuído para concentrar os frutos do progresso, e aprofundar a dependência e a subsunção do país ao imperialismo norte-americano sob fortes custos sociais (MOURA, 2005, 66).

No primeiro movimento, a tentativa de institucionalização não contava

com o apoio das classes dominantes e por mais que o partido se aproximasse

da democracia formal o aparato ideo-político da burguesia agia com

preconceito para continuar afirmando a sua ideologia anticomunista. O PCB

reagia com mais concessões e esse movimento se concluiu com o partido

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desfigurado e a burguesia consolidando, cada vez mais, a sua postura

reacionária. No segundo movimento não se tratava de uma deliberação política

com essa finalidade, ou seja, afastar-se do centro da luta de classes. O partido

desenvolveu práticas políticas no movimento operário, sindical e popular que

tinham como características proteger a incipiente democracia formal das

agitações que, para o PCB, poderiam determinar crises institucionais. Assim,

com essa posição em defesa do espaço democrático como melhor lugar para

as lutas sociais, terminou por se deslocar completamente do campo proletário e

popular.

O PCB já havia consolidado seu desencontro com a realidade brasileira

e continuou sem apurar, na sua análise, que durante o período da transição

democrática, a autocracia burguesa (MACIEL, 2004, p. 229-230) havia

consubstanciado instrumentos políticos para garantir a reprodução da ordem e

a extração de mais valor, aperfeiçoando a modernização conservadora a partir

de uma política de subordinação da classe operária e de suas representações.

Afirmando, no novo ciclo da cena política que se abria, as principais

características para reprodução da autocracia burguesa.

A extrema concentração social da riqueza, drenagem para fora de grande parte do excedente nacional, a conseqüente persistência de formas pré ou subcapitalistas de trabalho assalariado, em contraste com altos níveis de aspiração ou com pressões compensadoras à democratização da participação econômica, sociocultural e política produzem, isoladamente e em conjunto, conseqüências que sobrecarregam e ingurgitam as funções especificamente políticas da dominação burguesa (quer em sentido autodefensivo, quer em direção puramente regressiva). Criaram-se e criam-se, desse modo, requisitos sociais e políticos da transformação capitalista e da dominação burguesa que não encontram contrapartida no desenvolvimento capitalista das nações centrais e hegemônicas (mesmo onde a associação de fascismo com expansão do capitalismo evoca o mesmo modelo geral autocrático-burguês) (FERNANDES, 2006, p. 341).

Todavia, essas novas determinações políticas que aprofundaram o

reformismo do PCB, têm como origem genética uma difusa e culturalista

apreensão do cabedal analítico de Gramsci no Brasil, pelo núcleo dirigente

estagnado que fez vulgata dessas noções, bem como pelo chamado grupo

renovador/eurocomunista.

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Houve por parte dos renovadores de 1980, uma apropriação de Gramsci que esvazia o conteúdo revolucionário de sua obra, ao assumir teses do eurocomunismo, que aderia paulatinamente a posições reformistas e liberais, rompendo com a visão do partido, enquanto germe do novo (SAID, 2009, p. 206).

O PCB sempre teve, na história brasileira, um acúmulo intelectual

extraordinário que o colocou como referência política para as transformações

da sociedade.

As razões pelas quais os comunistas brasileiros conseguiram exercer influência ideológica e política maior do que sua expressão partidária eleitoral e sindical, devem ser procuradas, sobretudo – e para além do prestismo – no fato de contarem com uma teoria explicativa muito superior à das doutrinas políticas vigentes, de terem produzido um novo tipo de intelectual e exercido a função de agência “ideologizadora” da política brasileira (BRANDÃO, 1997, p. 231).

Todavia, essa posição positiva do PCB identificada nas pesquisas de

Gildo Marçal Brandão, foram paulatinamente se integrando no escopo da lógica

da leitura reformista de Gramsci no Brasil e no aplicativo das formulações do

PCI.

O Eurocomunismo, surgido no final da década de 1970, é uma corrente política que se propõe a realizar a superação do leninismo e encontrar para o socialismo uma via nova adaptada às condições da Europa Ocidental, onde existia uma ampliação dos direitos sociais e uma qualidade de vida voltada ao operariado, jamais ali alcançada anteriormente. A preocupação é alcançar uma via para o socialismo que mantenha esse avanço democrático e essa qualidade de vida, sem rompimento frontal com o capitalismo. O eurocomunismo busca um compromisso histórico entre classes, com a burguesia e, principalmente com a Democracia Cristã italiana, partido católico de ampla base popular na Itália, visando efetivar as mudanças necessárias à transição ao socialismo naquele país (SAID, 2009, p. 177).

Esse processo de consolidação de uma perspectiva política

profundamente reformista na orientação do PCB se deve, também, à

incapacidade de entender o capitalismo brasileiro e o fenômeno de fechamento

do ciclo da revolução burguesa no Brasil. Apesar da consistência das ideias e

do patrimônio intelectual que o partido assegurou na sociedade em nosso país,

ele não conseguiu desvendar o capitalismo na especificidade da formação

social brasileira.

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Sendo inegável o pioneirismo da ação intelectual comunista, que antecipa quase todas as reivindicações, categorias, propostas e ações reformadoras que, nos anos 50, se generalizariam pelas sociedades civil e política brasileiras, é quase inexistente o esforço sistemático e metodicamente organizado para entender o país. O ponto delicado continuava a ser diagnosticar qual tipo de capitalismo estava sendo, ou viria a ser o brasileiro, sua dinâmica própria e correlatas possibilidades de afirmação de tendência democratizante do regime político – tendências objetivas sobre as quais fosse possível ancorar uma política (BRANDÃO, 1997, p. 153).

No entanto, apesar desse imenso patrimônio intelectual que o PCB

desenvolveu para interpretar o Brasil e suas particularidades, as suas

formulações no final da década de 1970 e começo de 1980 tinham a custódia

intelectual do debate promovido pelos chamados renovadores de inspiração

política eurocomunista, leitores de Gramsci pela perspectiva institucionalista e

o centro pragmático, que detinha o controle do aparelho e desenvolveu uma

perspectiva tática politicista que foi subordinada aos interesses da oposição

burguesa na transição. Esses debates internos pautaram a política do partido.

Todavia, eram dois grupos políticos que se completavam dialeticamente na

formulação e na ação: a maioria do CC criticava os renovadores pelas

formulações e os renovadores criticavam a maioria do CC pela prática política.

Eis a síntese desse falso confronto.

O setor “renovador” tinha um grupo importante de intelectuais e poucos

quadros históricos, mas o núcleo dirigente era formado por importantes

quadros históricos e poucos quadros de projeção intelectual. No primeiro,

encontravam-se Armênio Guedes, Leandro Konder, Carlos Nelson Coutinho,

Ivan Ribeiro, Milton Temer, Marco Aurélio Nogueira, Luiz Werneck Vianna,

Gildo Marçal Brandão, Mauro Malin, etc. No segundo, articulavam-se Giocondo

Dias, Salomão Malina, Roberto Freire, Teodoro Mello, José Paulo Netto, Jarbas

de Holanda, Givaldo Siqueira, Francisco Almeida, etc. Porém, se faz

necessário o registro de que em muitos momentos desse período, o grupo

“renovador” pautou a vida partidária.

Não articulados organicamente, mas portadores de um conjunto de ideias-chave compartilhadas, esses militantes, até meados dos anos 80, marcaram presença no PCB, ora servindo de ‘espantalho eurocomunista’ para o setor conservador, a justificar o centrismo auto-reprodutivo da ala pragmática do Comitê Central; ora servindo as suas ideias como base para que esse núcleo majoritário pudesse

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dotar o PCB de uma orientação mais eficaz ao novo período de transição democrática (SANTOS & SEGATTO, 1994, p. 37).

Contudo, o conjunto histórico de ideias que orientava o PCB era o

mesmo de toda a sua vida, ou seja, a inspiração marxista, mesmo sem o

devido aprofundamento dessa teoria social e os enquadramentos dogmáticos.

No Brasil, talvez mais que em outro lugar qualquer (porque o mesmo mal também existiu e ainda existe em outras partes), a teoria marxista da revolução, na qual direta ou indiretamente, deliberada ou inadvertidamente se inspira todo pensamento brasileiro de esquerda, e que forneceu mesmo os lineamentos gerais de todas as reformas econômicas fundamentais propostas no Brasil, a teoria marxista da revolução se elaborou sob o signo de abstrações, isso é, de conceitos formulados a priori e sem consideração adequada dos fatos; procurando-se posteriormente, e somente assim – o que é mais grave – encaixar nesses conceitos a realidade concreta. Ou melhor, adaptando-os aos conceitos aprioristicamente estabelecidos e de maneira mais ou menos forçada, os fatos reais (PRADO Jr., 1978, p. 29).

Para além das questões levantadas por Prado Jr., o PCB na sua célere

integração ao reformismo conciliador teve muitas dificuldades para afirmar as

suas balizas teórico-políticas.

O fato, porém, é que, como em outros períodos da história brasileira, o PCB parecia ‘dócil’ para os setores mais combativos e, como sempre, ‘perigoso’ para os setores mais conservadores. Os comunistas, coerentes com a sua estratégia para a transição, buscavam ‘balizas mínimas do espaço de conflito’. Era preciso fazer acordos para o reordenamento político-social (SANTANA & ANTUNES, 2007, p. 397).

O PCB se perdeu na complexidade das suas formulações diante do

ecletismo das opções políticas e da amplitude das balizas teóricas. Fez um

conjunto articulado de concessões políticas para se aproximar da política

burguesa e se converteu vulgarmente aos princípios que movimentavam a

retórica eurocomunista. Todo esse estrutural dilema político consolidou uma

perspectiva reformista que paralisou o partido.

O PCB se converteu num operador político da transição pelo alto de

caráter prussiano e extração bonapartista. Porém, apesar de ter inspirado uma

formulação vitoriosa, os ganhos políticos do PCB não se consolidaram para

afirmar a presença dos comunistas brasileiros na cena política daquele

período, mesmo com a integração ao projeto da renovada ordem burguesa.

Portanto, o PCB terminou pagando um enorme tributo pelo descolamento do

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bloco onde se encontravam os tradicionais segmentos que sempre contaram

com o partido para defender seu programa histórico: os trabalhadores, as

massas populares e a cultura marxista.

Se se pode falar em tradições marxistas, sem dúvida uma delas é a pressuposição e desenvolvimento da dimensão ideológica da política. O imbricamento política-ideologia conduz, sem mais, a uma contínua e consciente preocupação com a produção e difusão de cultura e com os meios necessários para a sua efetivação e eficácia. Como movimento político/ideológico e, por derivação, cultural, os marxistas têm se dedicado a educar seus militantes, conquistar mentes e corações dos trabalhadores e de outros grupos sociais não dominantes e influenciar a sociedade como um todo em um patamar político/ideológico e cultural (RUBIM, 1995, p. 21).

Sem se preocupar com este componente da sua ação, o PCB agiu como

articulador da subordinação de classe, não pelo emblema da traição, mas para

não colocar em risco o processo de transição democrática. No entanto, a

burguesia e suas frações de classe não acreditaram nesse papel

protagonizado pelo PCB e continuaram tendo o partido como inimigo em última

instância dentro do processo político. Mesmo sem aprofundar o debate sobre o

que estava acontecendo com a profunda perda de influência político-social, o

partido modificou a sua linha política para assumir um novo papel: aliado tático

da burguesia, cuja tarefa principal seria a transição democrática como uma

bandeira para a qual todas as outras questões deveriam ser submetidas. Era a

derrota mais uma vez do estagnado instrumental teórico-político defendido e

aplicado pelo núcleo dirigente do CC e um ataque à história de lutas do partido

que sempre teve um destacado papel.

[...] papel de um operador político que combateu as classes dominantes e seu atraso cultural, seus preconceitos de origem escravista e racista, seu patrimonialismo no controle do Estado e o seu autoritarismo contido no profundo déficit democrático da sociedade brasileira. O PCB surgiu para consubstanciar o programa da classe na perspectiva da operação política [...] (PINHEIRO, 2012, p. 215).

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4. A consolidação da ruptura da tradição – o PCB de sfigurado

Naturalmente que os doutrinários não se satisfarão com uma definição tão vaga; desejariam fórmulas categóricas: sim, sim, não, não. As questões de sociologia seriam bem mais simples se os fenômenos sociais tivessem sempre um caráter acabado. Mas nada é mais perigoso do que eliminar, no desenvolvimento de uma precisão lógica, os elementos que contrariam os nossos esquemas e que, amanhã, os podem refutar.

Trotsky

O histórico PCB, operador político do programa da classe operária,

desfigurou-se com as modificações políticas ocorridas no partido na década de

1980. Podemos afirmar, a partir da pesquisa que ora realizamos, que o sujeito

coletivo dos comunistas brasileiros após o processo de desmonte que foi

operado pelo núcleo dirigente estagnado, deu lugar, nesse período, a uma

organização que destruiu o projeto histórico que era pautado na perspectiva da

luta revolucionária do PCB. Consolidou-se, assim, uma nova organização para

atuar no processo político institucional brasileiro a partir do critério da

integração a ordem social da democracia formal.

O roteiro dessa ação desenvolvida pelo núcleo dirigente majoritário do

PCB - não sem resistência interna, das bases ao Comitê Central - aprofundou a

política de alianças com o bloco burguês, reafirmou o taticismo politicista que

foi articulado a partir do VI Congresso e que pautou as políticas do partido já

nos anos 1970, escolheu o lado liberal-democrático no processo de transição,

aprofundou os erros estratégicos nos Congressos de 1984 e 1987 e não soube

se colocar como alternativa na longa crise de hegemonia que adveio da

ditadura e prosseguiu na Nova República.

A crise político-orgânica do PCB fechava seus últimos movimentos no

final dos anos 1980, tendo, para isso, a corroboração da contrarrevolução

vitoriosa na URSS e no leste-europeu. Esse processo acirrou as contradições

internas, fazendo surgir um forte questionamento que iria colocar o futuro do

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PCB em disputa. O partido se colocou diante dos acontecimentos do

“Socialismo real” da mesma forma que sempre se orientou, ou seja, pela

conduta seguidista.

A crise porque passa o PCB, é sem dúvida a maior e mais dramática de toda sua história. O desmantelamento do chamado “socialismo real” pôs a nu e acelerou um processo de desintegração que se dava lentamente na estrutura do Partido. Encastelado há mais de 30 anos na direção do partido, o núcleo dirigente hegemônico do PCB já não conseguia responder às questões fundamentais, seja as referentes ao projeto socialista, seja em relação às questões da realidade nacional. Atrelado ao passado, seguidor mecânico da política do PCUS e informado por um instrumental teórico exaurido e cristalizado nos anos 50, o núcleo majoritário do Comitê Central do PCB ruiu juntamente com o Muro de Berlim e com a velha e carcomida burocracia soviética (MAZZEO, 1995, p. 70-71).

O grupo dirigente hegemônico tentou sua última cartada naquele

processo de crise: lançou a candidatura do deputado Roberto Freire à

Presidência da República para tentar manter o controle interno dentro do

partido diante de uma massa crítica que ganhava corpo e com grande

movimentação política. Era a perspectiva de sanear os problemas que

contribuíam para a ruptura da unidade partidária a partir de uma candidatura

redentora que unificasse o PCB e solidificasse o orgulho comunista.

No entanto, o que se consolidou foi a ruptura da tradição dos

comunistas brasileiros, enquanto bloco militante que sempre questionou e

enfrentou a ordem.

Com este quadro interno se pintou a desfiguração do partido e a batalha

interna ganharia contornos nunca antes vistos na história do Partido Comunista

Brasileiro76.

4.1 O VII Congresso – o que fazer?

Após uma série de dificuldades internas, impostas pela incapacidade de

entender os acontecimentos políticos e as transformações do capitalismo no

Brasil, mas também, pelo ataque violento da repressão sobre o partido, seus

quadros e militantes, dirigentes intermediários e membros do Comitê Central,

realizou-se a última etapa do VII Congresso do PCB, em 1984. 76 Vide o debate que se abriu em torno do IX Congresso.

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O Brasil vivia um novo ciclo de lutas que impactaram a cena política a

partir da presença dos trabalhadores que se levantaram contra o arrocho

salarial e pela liberdade de organização sindical. Era a inflexão da classe

operária dos setores dinâmicos do capitalismo brasileiro, exigindo participação

social e política a partir das greves do ABC paulista no final da década de 1970

e começo dos anos 1980.

O debate do VII Congresso ocorreu durante um longo período, em

virtude da disputa interna e pelas ações do aparato repressivo que interrompeu

a reunião congressual. Esse debate começou no final dos 1970, continuou com

o que seria a abertura formal dos debates em maio de 1981 e se desenvolveu

com a divulgação das teses de setembro de 1981 a fevereiro de 1982.

Esse debate foi impactado pela saída de Luiz Carlo Prestes, Secretário-

Geral do partido, situação que envolveu um forte e conturbado processo

político interno. No entanto, o congresso foi marcado pelo acerto de contas da

velha burocracia do núcleo dirigente estagnado, que dirigia o partido há mais

de 30 anos, com o agrupamento de militantes e dirigentes que se guiavam pela

posição qualificada como “Eurocomunista”. Estes últimos mostraram maior

capacidade para interpretar a realidade brasileira, localizando nela as

características modernas do capitalismo e suas relações com o Estado.

Chamado de “renovador”, esse grupo identificou o papel dos trabalhadores e

dos novos atores sociais no Brasil, todavia, do ponto de vista estratégico,

subordinava o processo de transformação social à luta pela democracia de

caráter progressivo através do processo eleitoral. Era o embrião do chamado

“reformismo revolucionário”77 disputando a política do PCB, para transformá-lo

em um operador político que se aproximasse das características desenvolvidas

pelo PCI na luta política dentro da sociedade italiana.

No outro lado da disputa se encontrava o núcleo dirigente estagnado

com ampla maioria no CC - mantendo uma linha política reboquista que no

essencial não conseguia interpretar a realidade brasileira – precisando dar

respostas orgânicas à esquerda para recuperar um conjunto de militantes que

não acompanharam Prestes, mas que apoiavam as teses dele dentro do

partido e que se encontravam entre continuar ou sair do PCB. Contudo, esse 77 Conceito político, de inspiração “eurocomunista”, para embasar uma proposta de luta pela democracia progressiva e

de massas, que no Brasil foi introduzido pelo cientista político Carlos Nelson Coutinho.

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processo congressual foi interrompido pela invasão da Polícia Federal no local

onde ele estava se realizando, levando presos todos os delegados78. Tratou-se

de um fenômeno instigante, pois, naquele momento diversas forças políticas

atuavam de forma aberta, inclusive o PT, que tinha uma postura mais radical

na luta política do que o partido dos comunistas brasileiros.

4.2 Ditadura e transição: os erros da linha polític a se aprofundaram no VII

Congresso

As teses partem do processo político que construiu uma inflexão na

sociedade brasileira, a partir das eleições de 1974. Porém, é importante

registrar que o VII Congresso continuou caudatário da longa formulação

histórico-política que paulatinamente comprometeu a tradição de luta do

partido, transformando-o numa legenda reformista.

Contudo, voltemos à análise do que o PCB considerou uma inflexão na

política brasileira: a vitória da oposição nas eleições de 1974. Este é um ponto

da reflexão do partido que conseguiu ser iluminado pelos efeitos da realidade

concreta. O partido conseguiu entender as contradições entre as frações de

classe da burguesia no interior do bloco de forças no poder, passando a

identificar a importância dos trabalhadores naquele processo. Então a presença

política dos trabalhadores foi, embora de forma não linear, crescendo dentro da

realidade brasileira que avançou com as greves dos metalúrgicos no ABC

paulista e com as mobilizações pela organização da classe que levou à

organização do I CONCLAT em 1981.

Para o PCB, as mudanças políticas produzidas por essas eleições

modificaram a correlação de forças na cena política brasileira, proporcionando

uma ação mais crítica sobre o Congresso Nacional, incentivaram mudanças no

quadro político, na luta das massas e no papel das forças democráticas. Ou

seja, permitia entender as contradições da burguesia, acossadas pela crise

econômica, e a pressão internacional sobre a ditadura militar, em virtude das

práticas repressivas e autoritárias. Todavia, outro aspecto importante da

78 No dia 13 de dezembro de 1982, o local onde estava ocorrendo, “disfarçadamente” o VII Congresso do PCB, foi

invadido pela Polícia Federal que levou preso todos os participantes. A conjuntura política da época era de distensão

política, inclusive com o funcionando de partidos de esquerda: PT e PDT.

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conjuntura política do período pós eleições foi analisado: tratava-se de

entender as contradições do regime político e a intensa repressão que o partido

sofreu pela ação da “Operação Radar”79 (MIRANDA & TIBÚRCIO, 2008), que

abalou violentamente a estrutura do partido de 1974 a 1976. Operação que

prendeu, processou, torturou, matou e exilou milhares de militantes e dirigentes

do PCB. Ficou um questionamento sobre a necessidade de a ditadura destruir

o partido em virtude, em tese, do papel protagonista que o mesmo teve na

vitória da oposição, não mais consentida. No entanto, uma inquietação a

respeito do partido ter sido facilmente atingido por essa operação de

aniquilamento: teria sido infiltração, frouxidão orgânica, ilusão de classe,

leniência com as questões de segurança? Ou algo mais grave? Foi esse o

conjunto articulado de questionamentos.

As resoluções congressuais identificaram a crise econômica que se

aprofundou desde o início dos anos 1980. Procurou entendê-la como uma

circunstância do processo político acirrado e que esse processo vinha desde o

final de 1973 com a crise promovida pela alta dos preços do petróleo, pela

inflação, pelo cenário econômico de recessão, desemprego, altas taxas de

juros, crise no balanço de pagamentos, crise da dívida externa e crise fiscal

(para subsidiar os monopólios, latifúndios, usando os recursos públicos). A

análise do PCB, que localizou as questões centrais da crise, se deslocou da

realidade brasileira para afirmar que a crise era motivada pelas incertezas

políticas, mesmo tendo como pano de fundo a crise econômica e a complexa

articulação de múltiplos fatores. Portanto, era uma análise politicista que

garimpava pistas para apresentar a saída negociada para os problemas

brasileiros.

Diante dos impasses nacionais, as forças políticas podem investir em várias alternativas. Aquela que mais convém aos trabalhadores, aos democratas e aos patriotas – num potencial e urgente bloco democrático e nacional – é a negociação dirigida a romper com a dependência e o modelo econômico e retomar o desenvolvimento, promovendo a reorganização democrática da sociedade brasileira. [...] habilitado a lutar para negociar, negociar para mudar (VOZ da UNIDADE, 1983, nº 161, p. 3).

79 Operação organizada pelo DOI-CODI/SP que teve ramificações, com outros nomes, por vários estados brasileiros

de 1973 até 1977. Tinha por objetivo destruir o aparato político-orgânico do PCB através de prisões, torturas e

assassinatos. Além da ação clandestina da repressão, foram autuados na primeira etapa, apenas policial, 1.279

militantes e mais 783 réus, em 66 processos de acordo com o levantamento do Dossiê sobre a ditadura do IEVE.

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A crise avançou de maneira cruel sobre os trabalhadores, atacando-os

com demissão e violenta exploração. O consórcio da burguesia interna com o

capital imperialista era analisado pelo PCB pelo viés da dependência. Essa

interpretação permitia manter a contradição política central que informava a sua

ação: o antagonismo entre o imperialismo e a nação. Essa análise sobre a

contradição principal se perdia quando o documento afirmava que existia

grande concentração de renda e de propriedade, uma economia monopolizada,

que a concentração capitalista do latifúndio era violenta, uma gritante

desigualdade regional e tudo isso agravado pela crise mundial.

Com essa conjuntura de crise econômica, a orientação recessiva do

governo levou a uma política de desastre nacional para preservar os interesses

das frações de classe da burguesia do bloco no poder, em especial, a fração

bancária. Portanto, a ditadura preservava os seus interesses originários - e a

sua direção estatal – desenvolvendo funções para a manutenção do consórcio

dos monopólios internos e do capital imperialista. Toda essa ação da gerência

governista, a partir do seu caráter de classe, estava submetida aos ditames das

políticas executadas pelo FMI que solicitava a manutenção do constante

arrocho salarial sobre os trabalhadores. Fica, então, comprovado que não

existia contradição entre a burguesia interna e o capital imperialista. Mas sim,

uma ação subordinada da burguesia interna dentro do consórcio que dividia os

interesses econômicos da burguesia no Brasil.

A crise vai empurrar a tática do PCB para uma profunda conciliação.

Como pensavam os comunistas naquela conjuntura? A visão politicista do

partido foi sendo aprimorada na perspectiva de uma saída negociada para a

crise que contemplasse a superação das dificuldades de natureza econômica

e, ao mesmo tempo, possibilitasse a superação da ditadura num processo de

transição negociada. A transição sempre se apresentou para o partido como

um compromisso político que deveria corresponder ao estabelecimento de um

pacto que modificasse as características do regime político e retomasse os

contornos balizadores da tese do Estado de direito democrático. Portanto, o

Estado da democracia formal. Sem se permitir notar que o poder de Estado é

sempre a obtenção do aparelho de Estado por uma das classes antagônicas

(SAES, 1987, p. 89) o PCB, ajudava a operar um projeto de transição que

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apenas rearticulava o bloco de forças burguesas no poder para fazer

modificações no regime político, com a perspectiva de corresponder ao

desenvolvimento da ação efetuada pelo rearranjo de forças político-partidárias

para a nova implementação da política de Estado (SAES, 1987, p. 89).

O partido, a partir da política aplicada pelo núcleo dirigente estagnado

(CC), não demonstrou aptidão para se deslocar no sentido de uma postura que

fosse marcada por ações que o colocasse no campo da esquerda que se batia

por um projeto de classe. Sendo assim, a tese da transição que movimentou o

PCB não contemplava qualquer radicalização à esquerda, preocupado que

estava, com as desventuras do processo que, se acirrado, poderia criar

instabilidade política e criar dificuldades para as forças oposicionistas.

Analisando dessa forma a conjuntura, o partido não se inseriu no centro da luta

de classes que mobilizava os trabalhadores. A leitura anacrônica do golpe de

1964 transportava o partido para uma posição de excessiva preocupação com

atos que pudessem avolumar as contradições de classe e, caso isso ocorresse,

criar obstáculos para o processo de transição, impedindo o retorno ao Estado

de Direito formal, com a possibilidade de recrudescimento da ditadura.

A proposta dos comunistas se distingue destas. Entendemos que é necessário aprofundar e ampliar a mobilização, mas não como um fim em si ou como único meio para a conquista de um instituto democrático. A complexidade estrutural e institucional do Brasil infirma esta ilusão que quer se passar como ‘radical’. Desenvolver a campanha cívica, para nós significa impedir a articulação de um pacto elitista e, ao mesmo tempo, abrir a via para uma solução positiva para o conjunto de impasses já visível (VOZ da UNIDADE, 1984, nº 198, p. 3)

A política de “defesa” da articulação “pelo alto” contribuiu para proteger

os acordos que contavam com a participação dos articuladores do governo

burgo-militar; mesmo tendo o governo, cada vez mais, uma margem muito

pequena de apoios. Essa postura conciliatória dos comunistas diante da

transição jogava uma carga de dubiedade sobre o processo de

redemocratização. Contudo, o PCB ferido pelos processos anteriores integrou-

se ao conjunto de forças que apoiou a política de transição da ditadura para um

governo transitório através do colégio eleitoral. Mesmo essa articulação sendo

marcada pelo pacto das frações de classe da burguesia com a burocracia das

forças armadas que exercia a gerência do poder de Estado, para manter a

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autocracia burguesa no controle do Estado capitalista (CHASIN, 2000;

FERNANDES, 1979).

Embora o PCB, nas resoluções do VII Congresso, descarte a

possibilidade do pacto “pelo alto” que seria motivado pela auto-reforma do

regime - ao colocar a necessidade da luta de massas para derrotar a ditadura -

isso não fez parte da centralidade política do partido no pós 1964. Apesar da

retórica discursiva sempre conter algo sobre o papel de vanguarda do partido.

O PCB se considerava um partido forte e rearticulado no processo de

transição, era essa a informação que passava através do jornal a “Voz

Operária”, que funcionava como porta-voz dos comunistas brasileiros. A partir

dessa perspectiva, a luta principal do partido, do ponto de vista interno, era a

organização das bases partidárias para se integrar ao processo de luta que

deveria culminar com a legalização institucional, que em tese, sairia de um

acordo dentro do processo de transição.

Com o avanço das forças do campo liberal-burguesas e com a presença

dos trabalhadores na cena política, o PCB sinalizou na perspectiva de que era

necessária a presença da classe operária naquele processo histórico. São os

relâmpagos da realidade iluminando, em poucos momentos, mais uma vez, a

realidade para o partido. E a estrutura partidária vai, de certo modo, estimular a

presença dos seus quadros do movimento operário e sindical, participando de

forma relevante nos CONCLAT de 1981 e 1983, onde teve uma respeitável

bancada no primeiro e, após o racha com os segmentos que formariam a CUT,

um grande protagonismo no segundo, quando para Ivan Pinheiro80, agiu com

“unidade, firmeza e combatividade” (VOZ da UNIDADE, 1983, nº 176, p. 11).

No entanto, apesar dessa sinalização, continuou trabalhando no cenário da luta

institucional para garantir, nas eleições de 1982, o voto útil nas forças da frente

democrática, contribuindo, assim, para consolidar as vitórias de amplas

coalizões do campo do PMDB que formaram governos estaduais de extração

liberal burguesa.

Trata-se de um arco de forças heterogêneas, vinculadas por uma dialética de unidade e luta, e que se solda na necessidade de derrotar a atual orientação econômico-financeira do governo. No plano

80 Dirigente sindical bancário no Rio de Janeiro e membro da direção do partido na época. Hoje, Secretário-Geral do

PCB.

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institucional, tais forças se manifestam pelos partidos de oposição democrática e, inclusive, por segmentos do PDS (PCB [Giocondo Dias], 1985, p. 28).

O estoque de propostas do partido para responder aos acontecimentos

políticos e sociais que movimentavam o Brasil era pautado na solução

negociada.

Consideramos, ao contrário das Cassandras de plantão e dos catastrofistas de sempre, que o Brasil é um país viável e que, pela larga estrada da democracia, é possível transitar para uma solução positiva e progressista para a crise (PCB [Giocondo Dias], 1985, p. 30).

Essa era a saída para o processo de transição e para os descalabros da

crise social, política e econômica. Foi a partir desse arcabouço operativo que o

PCB desenvolveu o lastro principal da nova formulação e das suas ações. Essa

orientação teórico-política se firmou em contradição com a história do partido

como operador político dos trabalhadores, que tinha como perspectiva concreta

a luta pelo socialismo. Portanto, nesse período se consolidou o ciclo do partido

como agência de articulação da transição: “lutar para negociar, negociar para

mudar”. Era a ruptura com a tradição histórica do PCB para concretizar o

desmonte político e orgânico.

Partindo da consigna que articulava negociação e conciliação, o partido

dos comunistas brasileiros agiu para se diluir na ampla frente que fazia a

disputa conflitiva com a ditadura dentro das balizas políticas da ordem

burguesa. Sem nenhuma perspectiva de se desvincular do projeto geral, que

fora montado pelas frações de classe da burguesia, para ser determinantes

dentro do novo bloco no poder, o partido se transformou em linha auxiliar desse

modelo de transição e de uma análise daquela conjuntura que ficou conhecida

na Ciência Política como “transitologia” (SKIDMORE, 1988; O’DONNELL, 1988;

KINZO, 2001; LAMOUNIER, 1988). No entanto, esse ponto de vista da

“transitologia” foi criticado.

A necessidade de resgatar e dar maior atenção às variáveis estritamente políticas – antes não tidas em conta – não pode autorizar que a democratização seja vista apenas como resultado de uma eleição ou opção estratégica das elites dirigentes, omitindo o restante da sociedade, os setores populares e a própria história, [...] cujo objetivo primordial parece ser o de adotar o compromisso das

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elites como pré-condição fundamental para a consolidação da democracia (VITULO, 2001, p. 56).

Aquela conjuntura, que foi modificada pelas características da transição

e pela presença dos trabalhadores, ganhou um novo contorno estratégico de

natureza formal nas formulações do PCB: a estratégia passou de nacional-

democrática para democrática e nacional. Fato que não modificou em

absolutamente nada a orientação tática do partido, continuou em evidência a

inconsistente linha política que já havia sido suplantada pela realidade. No

entanto, uma perspectiva se mantinha: a direção da transição e do pacto

proposto continuava sob a direção da burguesia.

O PCB, a partir dos atentados terroristas que marcaram o começo dos

anos 1980 no Rio Centro, nas bancas de revistas que divulgavam a imprensa

alternativa81 e na sede da OAB, ficou muito preocupado que os últimos

suspiros da extrema direita pudessem causar algum tipo de impedimento para

o pleno desenvolvimento do processo de transição. O partido via nessas ações

terroristas uma tentativa de construir um novo ciclo reacionário na política

brasileira. Pouco percebeu que esses atos, isolados, apesar de contar com a

leniência do governo, não tinham consistência para ganhar os setores

majoritários da ditadura e os tradicionais golpistas de 1964. O projeto do

regime era de liberalização política controlada e concessões às formas

clássicas de democracia burguesa.

[...] com o projeto distensionista, quando a institucionalidade autoritária estabelecida entre os anos de 1964 e 1974 começou a ser reformada por iniciativa do próprio governo militar e pela própria dinâmica do processo de disputa política, culminando com o fim dos governos militares em 1985 (MACIEL, 2012, p.19).

A ditadura, executando algumas de suas manobras políticas, tentou

controlar o processo em curso através de medidas de caráter autoritário

aprovadas no parlamento. Era o uso e abuso dos decretos-lei; os pacotes de

novembro de 1981 e junho de 1982 afirmaram a profunda rendição aos

interesses do FMI e aos monopólios internos em consórcio externo; criaram

casuísmos e medidas restritivas para a ação política das massas; fez ataques

81 Jornais (Voz da Unidade, Hora do Povo, Em Tempo, Movimento, Tribuna da Luta Operária, O Trabalho,

Companheiro, etc.) das organizações de esquerda que ainda eram clandestinas no Brasil e jornais de setores culturais

críticos (Pasquim, Inimigo do rei, Lampião, etc.).

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ao movimento sindical e popular, e de cima para baixo aplicou a lei da

dissolução dos partidos. Para o PCB, essa ação terminal do regime, era

entendida como um regime contra as forças da frente ampla organizadas,

principalmente, no MDB. Não conseguiu analisar que os interesses da

burguesia estavam preservados e que era o momento de afirmar uma

perspectiva à esquerda, como fez o próprio Partido dos Trabalhadores (PT),

recém fundado (MENEGUELLO, 1989).

Contudo, mesmo com esse panorama político, o partido aprofundou a

tática politicista no rumo da conciliação. Participando de uma articulação feita

“pelo alto”, que pode ser interpretada como uma ação da lógica política

burguesa de inspiração bonapartista; faltava apenas o líder carismático e a

presença de uma forte base de apoio popular. Porém, isso não era problema,

foi logo sugerido/construído um personagem para cumprir esse papel:

Tancredo Neves (BARSOTTI, 2002).

O impacto da crise econômica, social e política floresceu a insatisfação

coletiva por eleições, renovação sindical e reorientação da economia. No

entanto, a ditadura e as diversas frações de classe da burguesia projetavam,

com algumas variações, um lento e conservador processo de transição que

desse segurança política para o rearticulado bloco de forças.

Neste contexto, é importante averiguar as resoluções que foram

apresentadas pelo partido. A marca decisiva do documento “Uma alternativa

democrática para a crise brasileira” é a ruptura do partido com a revolução

brasileira, esse tema foi debatido e aprofundada no Congresso que se chamou

de “Encontro Nacional pela Legalidade do PCB”. O esgotamento teórico-

analítico das formulações do partido, e o tipo de direção política que era

executada, não contribuíram para que se percebesse o crescimento das forças

sociais e políticas de esquerda que lutavam, também, pela democracia e

terminou por optar por uma postura de conciliação de classe na disputa pela

transição.

A saída política colocada pelo PCB para a transição seria a Assembléia

Nacional Constituinte e a incorporação da frente democrática ao processo de

fusão do PP ao PMDB e que esse instrumento político deveria sofrer a pressão

de massas através das ações dos trabalhadores e da CONCLAT. É nesse

processo político que o PCB vai afirmando a sua subalternidade aos interesses

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da burguesia, embora continuasse fazendo um discurso difuso em defesa dos

trabalhadores. Desde as eleições de 1982 que a forma-partido ganhou outra

postura orgânica, baseada em agrupamentos que discutiam a presença no

PMDB e na frente policlassista, em detrimento da organização por células e

dos espaços da militância operária, sindical, estudantil e popular.

O Brasil já tinha lutas concretas de caráter emancipatório; a militância

política se apresentava com grande importância; surgiram diversas opções

partidárias e ideológicas. Porém, o PCB estava centrado em ações que

afirmassem a centralidade nas articulações frentistas de caráter burguês, no

voto útil para o campo da frente democrática e nas articulações para governos

de ampla coalizão e centrado na disputa nacional.

Agora, a definição passa pela construção de uma alternativa de poder viável, que enfrente o projeto do regime no terreno em que ele se apresentar, nas condições institucionais existentes. Trata-se, neste momento, de colocar na mesa e nas praças a candidatura única dos democratas não mais como uma proposta, mas como uma realidade imediata, com todas as conseqüências que dela decorrerem (VOZ da UNIDADE, 1984, nº 207, p. 3).

A partir de 197382, o PCB qualificou o regime como de caráter fascista e

lutou para superar as suas ações. Essa formulação e as ações daí derivadas

partiram das resoluções construídas pelo Comitê Regional do partido no Rio de

Janeiro, inspiradas em formulações de Prestes e militantes próximos a ele, no

começo dos 1970. Mas, no período em questão, afirmava que aquele

componente fascista colocado na caracterização da ditadura já estava

superado. Sendo assim, o partido procurou, a partir de uma consistente ilusão

de classe, articular novos componentes para realinhar a política ao espaço

onde operava a sua ação, desconsiderando a ampla trilha por onde

caminhavam os novos sujeitos que estavam realizando uma profunda

modificação na qualidade da luta de classes e impactando a cena política.

O PCB prosseguiu na vertente da subordinação de classe, para evitar os

riscos que a radicalização poderia trazer para a transição, reafirmando que a

centralidade de qualquer luta passava pela procura por soluções negociadas.

82 O partido se apropriou das formulações que desde o começo de 1970 estavam pautando o debate interno sobre o

caráter da ditadura. E em novembro de 1973, lançou o documento “Por uma Frente Patriótica contra o Fascismo”,

definindo a sua posição sobre o tema em questão.

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Era uma postura que queria ser pedagógica para orientar uma conduta social e

política que inspiraria os envolvidos na resolução das questões da transição.

Contudo, todo esse arcabouço político só serviu para fortalecer os interesses

das diversas frações burguesas e dos políticos liberais, que foram se

solidificando no comando da transição. Era a lógica, gasta e repetitiva, da

solução negociada para mudar e avançar no rumo do movimento pela

democracia e por uma vida melhor para o povo. Discurso vazio, centralidade

equivocada, esperança na conduta da ação de todo o povo e na pressão

organizada das massas: pura abstração de um partido que deixava de ser de

classe para ser partido de todo o povo, inclusive da burguesia. Era o

estabelecimento de uma leitura liberal sobre o comportamento das massas.

O PCB continuou sem fundamentos para compreender o modo de

produção determinante dentro da formação social brasileira. Essa incapacidade

gerou uma profunda distorção na tática e na estratégia, centrando a ação

política dos comunistas na subordinação aos interesses da frente democrática,

de caráter burguês, que desenvolvia uma luta apenas pela democracia formal.

Portanto, o partido optou por uma aliança política fora do seu histórico campo

de luta e não conseguia extrair conseqüências desse processo, para poder

interromper a crise político-orgânica em que estava completamente envolvido.

4.3 A nova realidade brasileira e a problemática da s teses do PCB

As resoluções do VII Congresso, com base na linha política estagnada,

apresentaram ideias sobre as transformações sociais que estavam ocorrendo

no Brasil, analisou o processo político brasileiro e suas perspectivas, fez um

debate sobre a estrutura social brasileira no cenário contemporâneo, analisou a

burguesia brasileira, teceu pontos de vista sobre o papel da oligarquia

financeira e percebeu o papel do Estado como operador da reprodução do

capital. Contudo, embora fazendo reflexões importantes sobre as contradições

do capitalismo no Brasil, o PCB não se colocou, de maneira concreta, em

contraposição à lógica da burguesia. As resoluções não apontaram o que

deveria ser feito por um partido que, em tese, se dizia revolucionário.

Mas, todavia, ainda tinham questões que contribuíram para fortalecer a

tese reformista do PCB. A análise informava que a burguesia não monopolista

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cresceu com o desenvolvimento capitalista brasileiro e, portanto, ficaram

avolumadas as contradições entre setores da burguesia interna com o

imperialismo. Era a reafirmação de uma tese, embora há muito equivocada,

que tinha perene validade para justificar a tática e a estratégia do partido.

Todavia, mais uma vez, o partido não percebeu o que era central no

capitalismo no Brasil: a burguesia interna estava integrada no consórcio

internacional, inclusive com valorização de espaços para a burguesia não

monopolista; a oligarquia latifundiária fez de forma subordinada a

modernização agropecuária; no ambiente dos trabalhadores, o proletariado

passou a ser a maioria na população brasileira; o trabalho assalariado havia

crescido no campo; e o movimento operário fabril avançou nos setores mais

dinâmicos do emergente capitalismo brasileiro.

No entanto, apesar dessas situações serem provadas pela realidade

concreta e analisando o capitalismo no Brasil, a partir da presença do

proletariado e da classe operária, mais uma vez identificamos que o PCB não

extraiu nenhuma lição para entender as contradições. Essa recomposição das

formulações com base nos parâmetros da realidade concreta, através do

método marxista, poderia possibilitar uma releitura das teses e levar a

recomposição do PCB, enquanto operador político, para atender aos interesses

dos trabalhadores brasileiros.

A investigação nos permite perceber outro dado importante da análise

sobre as formulações do PCB no período da ditadura burgo-militar e da

transição: a dubiedade política sobre a questão agrária dentro da realidade

brasileira. Fica identificado o desenvolvimento capitalista no campo, a ação dos

monopólios sobre a agricultura, a concentração da terra e a presença das lutas

dos trabalhadores assalariados e dos camponeses. Partindo, portanto, desses

pontos que qualificavam a forte presença proletária na sociedade brasileira e

dos novos aspectos da questão agrária no Brasil, quais seriam as lutas que o

partido deveria considerar importante e participar dentro da movimentada

realidade brasileira, qual era a centralidade da luta? A resposta não aparece

nas resoluções do VII Congresso. Não porque o Congresso não tivesse

elencado bandeiras de luta, mas porque a pauta política do PCB tinha outra

centralidade, ou seja, a transição negociada que terminou se realizando “pelo

alto”.

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200

A realidade brasileira movimentou, naquele período histórico, segmentos

das camadas médias da população, empregados dos serviços, extratos

intelectuais e a pequena burguesia, com suas crescentes lutas. Contudo, a

visão do partido era teoricamente frágil para entender esses segmentos

sociais. O PCB não conseguia avançar no relacionamento com esses setores

sociais, nem explicar o seu papel em virtude de duas questões, quais sejam,

não entendia o papel do trabalhador enquanto intelectual na perspectiva de

Gramsci (2007), portanto, desarticulava esses segmentos da perspectiva crítica

e, por outro lado, tinha uma simplória compreensão de que a pequena

burguesia no Brasil era muito sensível ao fascismo. Tudo isso como reflexo da

tradicional postura dos setores médios na cena política anterior ao Golpe de

1964, quando parte desse segmento serviu de base social para os golpistas.

O documento do VII Congresso aprofundou o processo de ruptura do

partido com a sua história. No entanto, essas formulações incentivaram o

surgimento de um conjunto de características que qualificaram, à direita, a

nova presença do PCB. Agora, balizado no espectro da luta que era orientada

pela lógica daqueles que se inseriram na parceria conflitiva com a burguesia e

com o centro político de caráter liberal. Era a opção pela política de reformar o

capitalismo, para transformá-lo, em algo mais ético como etapa irredutível para

uma sociedade com justiça social. Porém, sem se identificar e atuar com

aqueles que queriam fazer transformações radicais.

O PCB relacionou questões pertinentes às características da sociedade

civil brasileira ao Estado autoritário, numa troca de características simbólicas,

objetivando entender o conjunto superestrutural e as agências sociais privadas.

Sendo assim, a oposição à ditadura devia ser entendida como um conjunto

articulado e de posições variadas. Portanto, a frente contra a ditadura devia

continuar sendo policlassista, apesar da presença de novos e combativos

atores sociais na cena política. Ao tempo em que identificou, como positiva, o

desenvolvimento de uma forte relação entre a oposição, estabelecida na frente

antiditatorial e a burguesia.

A ultrapassagem do atual momento político pelo caminho das mudanças requer das forças democráticas a compreensão de que a imobilidade do quadro institucional, a formação de impasses e o confronto somente interessam à reação. A experiência do nosso povo no processo de abertura e de derrota do regime apóia-se numa

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201

combinação de lutas sociais e políticas de massas com negociações, que incluem o governo (PCB, 1985, p. 42).

Na frente política, o PCB não queria a extinção do bi-partidarismo com

os argumentos de que essa ação política do governo levaria ao

enfraquecimento do MDB como desaguadouro da unidade da frente

democrática contra a ditadura, além de dizer que os dois partidos então

existentes tinham vida na sociedade. Essa postura se transformou em mais um

equívoco, a oposição, embora em diversos partidos com características de

frente, continuou em movimento e avançou na contraposição à ditadura. Os

trabalhadores se aproximaram dos partidos, especialmente do PT e do PDT, e

cumpriram um papel importante nas batalhas eleitorais de 1982, nas “Diretas

já” e na pressão sobre a transição. Mesmo sem forças para mudar os rumos do

modelo de transição, inclusive pelo comportamento político do PCB que se

somou ao campo liberal-burguês, a oposição popular cumpriu um papel de

forçar as lutas por demandas mais avançadas do ponto de vista político e

social.

Ao lado dessas questões do movimento político partidário, existia uma

movimentação da classe trabalhadora e dos setores populares que lutavam por

bandeiras corporativas e políticas. O PCB após os desencontros do processo

de formação da CUT, quando optou por não participar da sua fundação

alegando compromissos com os processos eleitorais e a transição, aliou-se

organicamente ao movimento sindical oficial e pelego, mesmo tendo alguma

presença em setores importantes da classe operária. Assim, optava por uma

unidade atrasada em torno do velho sindicalismo.

Trabalhamos pela recondução da CONCLAT ao caminho de Praia Grande, do cumprimento das resoluções unitárias, do fortalecimento de seu papel de coordenação e articulação das ações comuns, inclusive de interlocutor frente ao governo e à sociedade. Sua legitimidade deve resultar de seu respaldo real nas entidades existentes, enraizadas nas categorias de trabalhadores (PCB, 1985, p. 18).

A presença do partido entre os trabalhadores desabava (SANTANA,

2001) e a direção do PCB não tomava nenhuma medida para superar esse

impasse. Os comunistas continuaram em rota de colisão com o novo

sindicalismo brasileiro, que marcou presença nos setores mais avançados do

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202

capitalismo. No campo a aliança do partido era com os setores atrasados da

CONTAG e tinha uma ação pautada pela bandeira de uma reforma agrária que

seria conquistada pela negociação. Toda essa articulação do partido no campo

não permitia que ele vislumbrasse o papel das oposições sindicais e o

surgimento de trabalhadores que estavam se organizando e lutando por terra

com o importante apoio da CPT e sem a presença da CONTAG. Mesmo assim,

a política do PCB não deu maior importância para o papel relevante que o PT e

a CUT estavam tendo na organização da classe trabalhadora e na luta política

que fazia o enfrentamento de classe com a ditadura burgo-militar.

As resoluções do VII Congresso apresentaram a análise das

transformações econômicas em curso no Brasil. Afirmavam que continuava

existindo uma forte dominação imperialista e um desenvolvimento capitalista

tardio no Brasil. Afirmava, também, que as características do desenvolvimento

capitalista ainda tinham traços pré-capitalistas, com a burguesia interna

disputando com o capital estrangeiro o processo de monopolização crescente

da economia. Os textos confirmaram a linha política reformista e também

entraram no mérito do papel monopolista exercido pelo modelo de gerência do

Estado capitalista no Brasil.

Nesse Congresso, o PCB entendia que a sociedade brasileira, apesar da

presença do modelo gestor de capitalismo de Estado e das suas características

monopolistas, passava por um profundo agravamento das desigualdades

regionais, superexploração dos trabalhadores, péssima distribuição de renda e

um mercado interno muito pequeno. Essa última afirmação carecia de um

estudo mais detalhado sobre o tema, pois, as últimas indicações do capitalismo

no Brasil apontavam para um novo cenário. As teses localizaram o aparato de

dominação imperialista, a substancial presença dos monopólios transnacionais

agindo no Brasil, porém, o PCB não conseguiu perceber que existia uma sólida

articulação desse capital internacional com a burguesia interna. Portanto, a

contradição entre a chamada “burguesia nacional” e o capital imperialista não

encontra validade diante das características do capitalismo que se afirmava no

Brasil.

A formulação do partido se perdia ao criar uma inconsistente

contradição, em tese desfeita pela realidade, entre setores da burguesia interna

e o imperialismo. No entanto, acertava ao analisar que existia uma importante

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203

movimentação governista, via o Estado ditatorial, para executar uma

determinada política econômica que favorecia o imperialismo, consolidava o

poder da oligarquia financeira, concentrava o latifúndio para a exploração

capitalista, que continuava o arrocho salarial e que desenvolvia ao extremo o

endividamento externo. Os efeitos dessa política da ditadura, para o PCB,

podiam ser encontrados no aumento do número de empresas imperialistas no

Brasil, no aumento da dívida interna e no risco à soberania nacional. Portanto,

a crise brasileira ampliou-se largamente com a política econômica da ditadura,

atingiu a formação social e criou uma preocupante instabilidade política. Esse

complexo processo foi marcado por crises políticas periódicas, tensões sociais,

inadequação do Estado e do regime capitalista para atender os interesses do

povo e por um capitalismo limitado que era incapaz de resolver os problemas

brasileiros. Portanto, em mais uma saída politicista, o PCB identificava que o

sistema de governo presidencialista era inadequado e sinalizava de forma

ainda incipiente para o parlamentarismo.

Essa leitura pode ser inquirida no sentido de se tentar compreender

como, até que ponto, se poderia exigir do projeto liberal-burguês/capitalista

uma saída para a crise brasileira que atendesse aos interesses dos

trabalhadores, ficando identificada a profunda ilusão de classe que permeava o

documento congressual. Porém, alguns pontos da avaliação diagnóstica do

partido sobre a situação da crise brasileira encontravam aderência na

realidade, vale dizer, a política que a ditadura aplicou para conter a crise tinha

levado ao desemprego, à hiperinflação, à recessão e marchava para o desastre

nacional. Sempre em forte relação com o receituário proposto pelo FMI.

A crise era profunda, as bases políticas dos golpistas estavam em fuga

do seu berço original e o consórcio das frações de classe da burguesia com a

burocracia militar que gerenciava o Estado capitalista também entrou em crise.

O processo político brasileiro demandava uma saída. Qual caminho seguir? Os

golpistas haviam interrompido, sem luta, o caminho da revolução brasileira em

1964. Na conjuntura anterior ao golpe, embora sofrendo os impactos da nova

formulação, o PCB acreditava ser importante avançar na luta de classes,

procurava ter protagonismo no processo político, agia com erros e acertos

como operador político dos trabalhadores e se colocava na vanguarda da luta

pelos objetivos socialistas.

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Mesmo com seu partido vivendo as agruras da ilegalidade, os comunistas desenvolveram um trabalho que ia do interior das empresas, com os ‘conselhos sindicais’, passando pela entidade sindical propriamente dita até a criação das intersindicais que viverão seu apogeu ao longo do período. Percebemos que, embora apresentando algumas distinções, práticas estabelecidas anteriormente serão novamente utilizadas. Com seu aumento de influência sobre uma fatia considerável do movimento operário, o partido utiliza cada vez mais tal inserção como ponto de apoio para obtenção de seus objetivos mais amplos (SANTANA, 2001, p.100).

Porém, a conjuntura do pós golpe foi muito impactante para o PCB.

Perdendo-se em formulações claudicantes, divisão interna, problemas para

compreender a realidade e a intensa repressão, tudo isso fez com que o

partido assumisse um vago protocolo de intenções no campo da vanguarda

socialista em virtude da pauta imposta por sua estratégia e a incerta tática

politicista. No entanto, ainda discursava em nome da perspectiva de uma

preocupação com a revolução brasileira e com a perspectiva, cada vez mais

distante, da luta pela sociedade socialista. Todavia, acionou todas as energias

e formulações para a aplicação de uma tese superada. Orientava-se por uma

contradição que tinha como centralidade a luta política e social entre

trabalhadores e imperialismo. Portanto, derrotar a aliança do imperialismo com

os reacionários internos que controlavam a economia nacional, a sociedade

civil e o Estado, era o ponto mais importante da tática política do partido no

caminho estratégico para a revolução brasileira.

O arcabouço teórico-político equivocado e o oportunismo direitista do

núcleo dirigente estagnado operaram no sentido de colocar o partido numa

aliança espúria com setores liberais da política brasileira e com frações de

classe da burguesia. E para desenvolver essa posição, desarticulou-se das

demandas mais radicais das massas, da classe operária e dos camponeses,

procurando o caminho de um desfecho para crise que fosse dentro da ordem,

na perspectiva de consubstanciar reformas dentro do capitalismo que se

comprovou serem inócuas para resolveram as questões centrais da sociedade

brasileira. A orientação central do PCB, entendida pela linha política que se

dizia revolucionária no pós 1982, era a conquista do governo por um bloco de

forças que fizessem as reformas de caráter antiimperialista, antimonopolista e

antilatifundiário e que transformassem o sistema econômico, social e político.

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205

A superação dos obstáculos históricos colocados, agora na cena política

da transição democrática, era pensada a partir do caráter nacional e

democrático da estratégia. No entanto, travestida de democrático e popular

difuso, consolidado num vago termo de estratégia democrática e nacional. Na

justificativa dessa posição, temos a afirmação de que a etapa em curso para a

revolução brasileira era o caminho democrático-nacional e a via para o

socialismo seria a luta pela democracia progressiva através dos processos

eleitorais dentro da legalidade burguesa. Essa perspectiva teórico-política

possibilitaria o instrumental necessário ao PCB para abrir as trilhas que levaria

o Brasil ao socialismo, através de profundas reformas na ordem burguesa e de

forma pacífica. Esse conjunto analítico, utilizado pelo partido, vulgarizou a

perspectiva pensada na Itália pelo Secretário-Geral do PCI, Palmiro Togliatti

(1971, 1980) e reduziu a democracia progressiva de caráter de massa a uma

articulação “pelo alto” com pressão das massas.

Os eurocomunistas, apesar de não estarem mais no partido, tinham

deixado pistas conceituais que foram utilizadas pelo núcleo dirigente estagnado

para instrumentalizar o vocabulário partidário. Partindo de uma visão

culturalista de Gramsci, introduzida no Brasil por Carlos Nelson Coutinho83 e

um grupo de intelectuais ligados ao PCB, os documentos partidários continham

aspectos dessa formulação usados de forma simplista, sobre a democracia de

massas e a questão do Estado ampliado. Todavia, o partido ainda estabeleceu

que para o bloco de forças realizar a revolução democrático-nacional e resolver

as tarefas inconclusas que a burguesia não conseguiu solucionar, seria

necessário uma frente policlassista, articulada num novo pacto histórico entre o

capital e o trabalho para combater o inimigo principal: o imperialismo norte-

americano.

Na formulação do PCB, o proletariado devia manter a unidade com as

frações da burguesia descontentes com o bloco no poder. O discurso da luta

pela hegemonia do proletariado na sociedade esvaiu-se na ação política

reformista. Toda a história do PCB estava reduzida, por essa formulação, ao

exercício de retórica discursiva. Portanto, o proletariado estava submetido à

burguesia dentro do bloco de forças da revolução democrático-nacional, 83 Professor da UFRJ e cientista político brasileiro vinculado ao PCB, vindo a se desligar do partido em 1983.

Introdutor no Brasil do pensamento de G. Lukács e A. Gramsci.

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terminando por diluir-se nas frentes eleitorais que disputou os diversos

governos no processo de transição. Conformando-se, assim, numa profunda

derrota ideológica e numa nova inserção do partido na ordem burguesa para

consolidar o Estado de direito da democracia formal.

Ao lado do desastre político-ideológico do PCB, acentuava-se na

sociedade uma perspectiva classista acionada pela presença do PT, que

mesmo fazendo uma opção radicalizada pela social-democracia tardia,

conseguiu formar um novo bloco de forças caracterizado por uma perspectiva

contra-hegemônica que se consolidou à esquerda do PCB. O partido,

impactado pela linha política da negociação/conciliação, tentou se contrapor,

dentro da esquerda, ao papel do bloco petista/cutista. Contudo, a formulação

dos comunistas brasileiros entendia a questão da hegemonia como uma

disputa culturalista dentro do Estado ampliado pela democratização da vida

pública brasileira. Uma perspectiva reformista, profundamente equivocada que

informava uma tática submissa aos interesses da burguesia.

De inspiração reboquista, a ação política do partido decidiu combater o

que passou a ser chamado de postura esquerdista na política brasileira.

Tratava-se de repudiar às posições do PT e da CUT no movimento operário-

sindical e popular, com o frágil discurso de serem posturas divisionistas que

prejudicavam os trabalhadores na luta político-corporativa. A preocupação

central do partido, apesar de nomear o movimento operário, sindical e popular,

era com a transição. Para isso repetia insistentemente o papel transcendente

da negociação política, afirmando que os caminhos da transição poderiam

trilhar por três vias: repressão política por parte do regime, conciliação nacional

como pacto da burguesia e solução política negociada. A repressão política por

parte do regime não se consolidou, mas o que se apresentou com força,

inclusive contando com o apoio do PCB, foi a conciliação nacional através de

um pacto político negociado (PCB, 1984, p. 175-176).

Tivemos, então, a junção de duas das possibilidades aventadas pelo

PCB para a transição. Embora criticando o pacto da burguesia informada pela

segunda proposta, o partido considerou positiva a junção das duas últimas

propostas e fez um programa de frente democrática para a Constituinte. A

partir dessa perspectiva, o partido colocou na cena política brasileira a

efetivação do processo de conciliação através da proposta de uma Assembléia

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Nacional Constituinte, no intuito de fortalecer o Estado da democracia formal e

lutar por amplas “liberdades democráticas” dentro da legalidade burguesa.

O ciclo inspirado nas resoluções do VII Congresso do PCB se

consolidou e criou-se as condições político-orgânicas para a integração do

partido aos aparatos ideológicos da ordem burguesa. As resoluções afirmaram

as posições que conduziriam o partido ao desmonte da condição histórica de

operador político dos trabalhadores e estabeleceu um pacto interno, através

das ações do núcleo dirigente estagnado, para construir uma nova opção

política, apesar da manutenção do dogmatismo discursivo entendido pelo CC

como marxismo-leninismo e os chavões, em tese, de inspiração socialista: era

o reformismo prático balizando as bandeiras do PCB.

4.4 O VIII Congresso: um partido para a legalidade burguesa

As resoluções teórico-políticas apresentadas pelo VIII Congresso dos

comunistas brasileiros, ocorrido com caráter extraordinário em julho de 1987,

se defrontaram com uma conjuntura política de transição da ditadura burgo-

militar para a democracia formal, após a campanha das “diretas já”, da vitória

da Aliança Democrática no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves e

depois da morte do presidente eleito e da posse de seu vice, José Sarney. Mas

também, da legalização institucional dos partidos comunistas: PCB e PC do B.

O Brasil tinha um novo regime político, entendido aqui como uma

articulação da classe dominante em sua estrutura partidária para o

desenvolvimento de uma nova política de Estado, efetivado por um pacto

político feito “pelo alto” que rearranjou a presença de frações de classe da

burguesia no poder e modificou o bloco de forças políticas no controle do

governo. Essa transição se realizou como um pacto de extração prussiana

(MACIEL, 2013), desenvolvido por frações de classe da burguesia, forças

políticas liberais, personalidades da oposição progressista à ditadura e,

perifericamente, com a presença do PCB e outras forças políticas no campo da

esquerda, a exemplo do PC do B e MR-8. Todavia, essa operação de

consolidação da transição foi acompanhada pela pressão dos novos

movimentos populares, pela postura combativa e militante do novo movimento

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208

operário e sindical, assim como, pela inovadora presença na cena política do

PT e da CUT.

Mesmo sendo extraordinário, o VIII Congresso consolidou a ruptura do

partido com a sua tradição revolucionária e a inserção frágil e subordinada na

legalidade da nova (velha) ordem. Esse é o marco definitivo da política do PCB

que se diluiu nas estruturas das instituições burguesas dentro da sociedade

capitalista, trazendo graves conseqüências histórico-políticas para o partido.

Na apresentação das resoluções políticas do Congresso84, Salomão

Malina, o Secretário-Geral, que substituiu Giocondo Dias no comando do

partido, travestido na nova nomenclatura de presidente do PCB, afirmou que o

objetivo central do partido era realizar um (...) “esforço coletivo dos comunistas

para adequar os parâmetros da sua concepção estratégica à dinâmica do

processo de transição” (MALINA, 1987). Confirmando-se a tese do desmonte e

da diluição na transição para postular um novo formato político e orgânico para

o PCB. Ainda sobressaía, nessa apresentação do presidente do partido, a

nítida perspectiva de se inserir no jogo eleitoral pautado pela burguesia,

quando disse que era necessário (...) “converter o PCB, a curto prazo, num

grande partido de massas e um protagonista efetivo da dinâmica político-

eleitoral brasileira (por isto, a campanha de filiação, em nível nacional, é uma

prioridade imediata)” (MALINA, 1987). Esse processo interno confirmava o

surgimento de um novo partido, sem caráter revolucionário, sem perspectiva de

dar contribuição para a revolução brasileira, sem compromisso com a

possibilidade de horizonte socialista e conformado na lógica da parceria

conflitiva dentro da ordem burguesa para reformar o capitalismo.

O VIII Congresso do PCB, “sem colocar em questão aquela concepção,

objetivada no texto fundamental estabelecido pelo nosso VII Congresso, uma

alternativa democrática para a crise brasileira” (MALINA, 1987), retirou

programaticamente e ideologicamente o partido do campo da revolução

socialista. A centralidade do PCB era a estabilidade da transição, o princípio

que deveria nortear as lutas político-sociais era o da negociação, aos

trabalhadores caberia apenas o papel de pressionar para modificar a qualidade

da negociação e preparar o partido para ter novos “signos” discursivos no

84 Texto em página sem numeração.

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209

sentido de participar dos processos eleitorais. Procurava, ainda, com a

campanha nacional de filiação, modificar o perfil orgânico do partido para

integrá-lo ao modelo dos partidos da ordem burguesa. Contudo, continuavam

os pressupostos de um vago dogmatismo anacrônico, sem perder as noções

do que se chamava de “marxismo-leninismo”.

A declaração política do VIII Congresso, apresenta a análise do

processo que levou à transição e à passagem para a democracia formal.

Contudo, o PCB não entendeu que diante da grave crise social que atingia os

trabalhadores, o projeto do novo regime político só iria acentuá-la. Portanto, era

incompreensível o apoio dos comunistas ao governo que dirigia o país e a esse

modelo de transição. Naquele novo contexto, o PCB reafirmou o mesmo bloco

histórico do Congresso anterior, travestido, novamente, como um conjunto de

forças políticas e sociais que levaria a cabo as tarefas da etapa democrático-

nacional da revolução brasileira. “A magnitude do desafio e das resistências

que o povo brasileiro enfrentará vai exigir um novo bloco político e social, um

novo bloco histórico, democrático e nacional, construído por uma política de

amplas alianças” [...] (PCB, 1987, p. 7).

O novo projeto era o velho projeto da frente democrática, com

hegemonia de frações de classe da burguesia, com a integração subordinada

dos trabalhadores e que, em tese, teria o importante papel de vanguarda do

PCB para impulsionar e resolver os problemas das tarefas inconclusas daquela

etapa da revolução brasileira. Pois bem, a realidade derrotou sumariamente

essa perspectiva. Naquele contexto, o instrumental analítico do partido não

conseguiu entender as contradições do capitalismo brasileiro, o papel da

Aliança Democrática, as características da nova institucionalidade democrático-

liberal e o governo Sarney. A política dos comunistas ficou refém de uma

assustadora preocupação com a estabilidade política do bloco no poder e do

governo que gerenciava a transição.

O capitalismo no Brasil, caracterizado por novos fatores, não foi

desvelado pela interpretação do PCB que não teve instrumental teórico-político

para entender essa situação concreta, além de não ter conseguido ler as

relações políticas colocadas em ação pelo modo de produção predominante na

formação social brasileira. Para o PCB, a crise social e econômica brasileira da

década de 1980 era produto da falta de uma pedagogia da negociação, que

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210

esgarçava as relações sociais, políticas e econômicas. Era uma visão

radicalmente politicista do processo. No entanto, o partido procurou criar uma

pedagogia da negociação que impactou a forma de fazer política dos

comunistas, sem, contudo, obter qualquer repercussão no movimento popular,

operário e sindical. Porém, é importante registrar que essa pedagogia da

negociação, como produto vulgar da degeneração ideológica que o partido

estava consolidando, encontrou muita resistência nas bases que tinham

militância concreta nas frentes de massa onde o PCB, através desses

militantes, atuava.

Essa resistência, que não era pequena, não transparece nas teses

aprovadas nos Congressos, pois, a dinâmica organizativa dos comunistas, com

o princípio do “centralismo democrático”, só permite aparecer a posição política

momentaneamente vitoriosa no Congresso. Além disso, essa militância

resistente à política defendida pelo núcleo dirigente estagnado encontrava-se

na base partidária, no movimento de massas e não dispunha de forças dentro

do aparelho partidário para fazer prevalecer suas posições críticas às posturas

assumidas até então pelo partido.

Com essa perspectiva de “signo” político para operar na transição, o

partido entendeu que a negociação resolveria o problema da crise na economia

brasileira. A partir dessa postura, propõe um amplo pacto entre burguesia e os

trabalhadores para construir um programa nacional que modificasse os rumos

da crise. A questão era saber quem seria privilegiado dentro dessas propostas

e a realidade deu a resposta: a burguesia. O PCB estava subsumido na

ideologia do capital, distanciado do seu projeto histórico e integrado no apoio à

ordem burguesa que operava a transição para a democracia formal. No

entanto, como exercício retórico para animar o ambiente interno, o documento

do VIII Congresso informava que o partido venceu: foi vitorioso porque a

ditadura acabou e o Brasil estava caminhando para a democracia.

Os comunistas brasileiros alcançaram êxitos importantes no período que estamos avaliando (de fins de 1983 a meados de 1987). Dentre eles, cumpre ressaltar sua contribuição à derrota do regime ditatorial e à conquista das liberdades democráticas, tarefas centrais colocadas pelo nosso VI Congresso. A contribuição dos comunistas à transição democrática tem se revelado valiosa, particularmente no plano das articulações no plano político-institucional [...] (PCB, 1987, p. 46).

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211

Portanto, a centralidade da luta na trilha para a democracia era a

retirada da legislação autoritária. Passo importante, nesse mesmo sentido,

seria destruir os planos econômicos vinculados ao FMI e democratizar as

instituições da legalidade burguesa.

4.5 A continuação da longa crise econômica e social

A transição não conseguiu estancar o processo de crise. A elevada

inflação se transformou numa hiperinflação crônica, não debelada nem mesmo

após cinco planos econômicos cuja finalidade exclusiva era a estabilidade

monetária; as contas externas colapsaram, em decorrência do brutal aumento

das taxas de juros dos títulos do governo norte-americano, que levaram o país

decretar a moratória da dívida externa; a estagnação econômica com as mais

baixas taxas de crescimento da produção dos últimos 50 anos, cuja

consequência para os trabalhadores foi um alto nível de desemprego

prolongado; a dívida externa teve, também, como consequência a escalada da

dívida pública interna e alimentou a “ciranda financeira” que beneficiou os

rentistas em detrimento do capital produtivo; este último aspecto deu início a

um processo de reestruturação produtiva, cujos impactos serão sentidos pelos

trabalhadores por mais de duas décadas (MANZANO, 2005; SOUZA, 2007).

A partir desse cenário econômico em profunda crise, o bloco de forças

no poder se articulou para intervir na disputa constitucional. Essa agitada

conjuntura econômica e política desvelou a subalternidade da postura do

partido que sucumbiu às propostas da Aliança Democrática. Essa posição ficou

bem definida nas eleições de 1986, quando os comunistas disputaram as

eleições com legenda própria - após quase 40 anos de dura clandestinidade –

em completa articulação com o bloco de forças políticas que transitavam na

base de apoio da aliança governista.

Em linguagem usada historicamente pelos próprios comunistas, era o

reformismo e a conciliação de classe no comando da política partidária. O PCB

foi derrotado dentro do próprio campo que ele escolheu para atuar, elegeu

apenas três deputados federais e outros poucos deputados estaduais. Mesmo

assim, o partido marcava posição ao lado do PMDB e desenvolvia uma dura

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212

crítica contra o PT. Com o decorrer desse processo de transição, após vários

rearranjos internos do governo Sarney, o PCB, tardiamente, mais uma vez,

considerou que o governo havia mudado de posição. O partido não queria

entender que a transição era conservadora e cumpria o seu papel contra os

trabalhadores, era o preço pago pelo profundo apego à luta pelo Estado de

direito da democracia formal. Começou a se esfacelar o discurso projetado pela

pedagogia da negociação. Mesmo nesse campo, o PCB não vislumbrou a ideia

de que a burguesia não iria negociar com quem já não tinha força social e

política. Os trabalhadores e os lutadores populares tinham feito outra opção.

Na conjuntura de crise que o PCB se encontrava no VIII Congresso, as

resoluções apresentaram uma avaliação sobre os partidos que atuavam na

cena política, discorrendo sobre o comportamento conservador do PFL,

sugerindo bandeiras para o PMDB e uma séria crítica aos partidos de centro-

esquerda – particularmente ao campo brizolista (PDT), para reafirmar a defesa

da aliança democrática como um instrumento diferenciado, agora, do bloco de

forças governistas, por conter segmentos mais progressistas do que aqueles

do governo e por avaliar que o governo estava fazendo uma inflexão à direita

para rearticular forças que integraram o bloco no poder durante a ditadura.

Mais uma vez, de acordo com as resoluções, o antigo bloco de forças queria se

beneficiar das políticas do Estado brasileiro. Mesmo assim o partido continuava

com uma conduta dúbia em relação ao governo Sarney e tinha apoiado

integralmente o conjunto de forças do bloco político no governo85, tendo o

PMDB à frente, que teve uma vitória expressiva nas eleições de 1986.

Portanto, o partido apoiou e participou de governos estaduais com

substantiva presença de setores conservadores da política brasileira, a

exemplo dos de Moreira Franco no Rio de Janeiro, Orestes Quércia86 em São

Paulo, Newton Cardoso em Minas Gerais, Carlos Bezerra no Mato Grosso e

Álvaro Dias no Paraná (Voz da Unidade, 1986). 85 Através do jornal Voz da Unidade, porta-voz oficial do Comitê Central (CC) do PCB. Surgiu em março de 1980 e

deixou de existir em 1991.

86 O Comitê Regional do PCB em São Paulo fez uma ampla e prolongada articulação para que o partido definisse o

apoio ao candidato do PTB, o empresário Antônio Ermírio de Moraes, em detrimento do candidato do PMDB. Essa

movimentação do CR paulista causou uma série de problemas a seção do PCB no estado. Desde ao desligamento de

centenas de militantes a desgaste público na esquerda brasileira, gerando um debate interno de caráter nacional que

contribuiu para aprofundar a crise que já estava instalada no partido. No entanto, depois, o partido se recompôs com

Quércia.

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213

O governo Sarney aprofundou a crise econômica brasileira e entrou,

paulatinamente, em contradição com o partido. No entanto, era nítido o

compromisso daquele governo com a direita através das ações que foram

desenvolvidas para beneficiar frações de classe da burguesia e, ao mesmo

tempo, aplicar uma política recessiva que prejudicava os trabalhadores.

Contudo, a vitória do bloco burguês nas eleições de 1986, de certo modo,

motivou o PCB a acreditar que essa articulação política fosse realmente o do

bloco de forças que iria restabelecer a democracia e retirar o chamado “entulho

autoritário” das instituições brasileiras. E passou a defender um processo

constituinte que fosse representativo da frente policlassista, balizada pela

presença dos setores conservadores burgueses, inclusive reacionários, liberais

progressista até os comunistas. Portanto, sempre lutando para que a transição

não tivesse nenhum abalo político e fosse preservada a estabilidade do

processo.

O partido sempre via, pelo foco na história pretérita, as crises políticas

do passado e considerava que era o sistema político brasileiro que alimentava

a instabilidade que regularmente atingia a democracia. Contudo, se equivocou

seriamente ao não analisar que era o papel da burguesia que regularmente,

para defender seus interesses, atacava o Estado da democracia formal para

aprimorar o processo de exploração.

Com uma ação pautada pelos impasses da cena política, o PCB

apresentou uma proposta para a Constituinte, intitulada Novos Rumos:

Constituição Nova para o Brasil. Tratava-se de uma plataforma de unidade

para o bloco de forças que dirigiu a transição, que contemplava os mais vastos

interesses que iam do bloco no poder aos trabalhadores que faziam uma

combativa pressão na luta política e corporativa. No entanto, mantinha a

sucateada premissa tática: a negociação por um pacto político social.

O projeto de reformas contido no programa era um vago plano de

emergência, que acenou para a possibilidade da burguesia sair da crise pela

tática proposta que submetia o movimento de massas e os trabalhadores ao

processo de transição, pregava a unidade das forças burguesas e

progressistas, afirmava que era necessária a estabilidade do governo Sarney e

da frente democrática. Portanto, a esquerda não poderia atacar o governo, nem

o bloco de forças da frente. Essa política de acordo e conciliação de classes

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introduziu o partido na vala comum do pacto social, da ilusão de classe e da

integração, mais uma vez, à ordem social capitalista.

No entanto, seguem as avaliações baluartistas: as resoluções

consideraram exitosa a intervenção do PCB entre 1983 a 1987. Mais uma vez

o PCB apontava que foi vitorioso na transição política, mesmo a transição

sendo controlada pelo bloco liberal-burguês. A afirmação em ter sido vitorioso

fica explícita na medida em que o partido considerava que as suas formulações

políticas e seu empenho pela negociação pautaram o processo de transição,

independente de quem tenha sido o operador político e da classe social que

conquistaram a hegemonia no poder de Estado. Ao lado do baluartismo, mais

uma vez, se afirmou a retórica discursiva de que o partido tinha desenvolvido

esse papel para defender os interesses da classe operária, [...] “enquanto força

política que se propõe a contribuir para a articulação da frente democrática e a

lutar pelos objetivos históricos do proletariado” [...] (PCB, 1987, p. 3).

Mas, concretamente, o que se efetivou foi a derrota política do partido

que também se deu no campo onde ele se integrou como linha auxiliar e

imaginava dar orientação, ou seja, na frente policlassista que realizou a

transição. Isso foi determinante para a crise político-orgânica do PCB e as

debilidades vieram a público numa célere movimentação de problemas.

Pressionado internamente pelas bases que contestavam essa política e a ação

subalterna do partido, a direção despertou para possibilidade de alianças no

movimento de massas e sindical. No entanto, continuou procurando forças

atrasadas e pelegas (CGT) para responder ao questionamento interno. Era

muito pouco, boa parte da militância acossada pela presença do PT, da CUT e

até do PC do B, que havia preservado sua presença no movimento operário-

sindical e popular, cobrava mudanças na orientação do partido em várias

frentes e bases.

Para José Paulo Netto, o partido apresentava muitas possibilidades de êxito para superar seus problemas e assumir sua posição devida na conquista de uma sociedade socialista; porém, ele assinala, que ‘também nunca foi tão forte a pressão (externa e interna) para convertê-lo num partido da ordem’ (SANTANA, 2001, p. 256).

O instrumental teórico-político tinha colocado o partido na mais

completa subordinação para preservar a estabilidade da transição e, para

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concretizar essa postura, fez uma correia de transmissão da sua linha política

para a atuação no sindicalismo brasileiro. Tentando tornar o sindicalismo

subordinado à frente democrática e ao processo de transição, o PCB procurou

movimentar os setores envelhecidos e atrasados da estrutura sindical para

tentar modificar a contínua perda de sua influência na sociedade.

Essa política havia modificado radicalmente a estrutura interna do

partido, no entanto, militantes resistiam ao fim do partido como operador

político dos trabalhadores e procuraram disputar, no espaço interno, os

destinos do PCB. Tarefa das mais complexas diante do avançado estágio de

subalternidade ideológica a que o partido fora colocado e diante da sua

estrutura interna de funcionamento bastante rígida em decorrência de ter

passado a maior parte da sua história na clandestinidade.

O partido perdeu um grande patrimônio ao afiançar uma perspectiva de

luta contra a ditadura burgo-militar e ao optar por uma transição sem

protagonismo dos trabalhadores. Contudo, é correto afirmar que mesmo com

essas vicissitudes políticas o partido dos comunistas brasileiros - que foi

massacrado pela ditadura com prisões, torturas, assassinatos e exílio forçado -

entregou seu patrimônio histórico e seu futuro político às jornadas de luta pela

busca constante das liberdades democráticas. Essa ação não conseguiu

preservar o protagonismo do partido e criou dificuldades para sua

sobrevivência.

4.6 A crise do PCB ao final dos anos 1980

A situação de profunda crise do PCB, nos estertores dos anos 1980 é

herdeira de um longo período de contradições que marcaram as formulações

teórico-políticas do partido em consonância dialética com uma práxis que era

subordinada ao campo liberal-burguês da democracia formal. Este complexo

arcabouço, que relacionou formulação e ação políticas, se consolidou a partir

da direção dada ao partido por um núcleo dirigente estagnado (maioria do CC)

que se mostrou completamente apático para ação e equivocado na

interpretação da realidade concreta. Essa direção não teve capacidade para

desvelar a cena política da transição democrática, muito menos o fechamento

do último ciclo da revolução burguesa no Brasil. Não compreendeu, o PCB de

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então, que o desenvolvimento capitalista entre 1964-1979 negou o projeto do

partido.

A etapa burguesa, ao contrário das expectativas do PCB se completara, mas não eliminara os problemas essenciais da sociedade nacional, pelo contrário, se fizera em cima da conservação de estruturas arcaicas e impulsionada por essas estruturas. Ao contrário do que acreditava o PCB, a presença do imperialismo e a manutenção do latifúndio não se constituíram em obstáculos para o desenvolvimento conservador orientado pelos interesses das frações burguesas que sustentaram o golpe militar. Ou seja, o desenvolvimento impulsionado pelo regime militar não havia sido feito em nome de uma revolução nacional e muito menos democrática e antiimperialista, pelo contrario, conduzira a uma crescente dependência externa e associação entre as burguesias interna e externa. Isso desmistificava a ilusão comunista de uma ‘burguesia nacional’ interessada no desenvolvimento autônomo e progressista do país e, portanto, interessada na efetivação de uma revolução nacional-democrática no Brasil (MOURA, 2005, p. 66).

Esse conjunto de posições erráticas afirmou algumas características que

nos chamaram à atenção durante a pesquisa. O PCB da longeva luta

revolucionária na história do século XX não existia mais. O projeto não

deliberado da direção caracterizada como Pântano, consolidada enquanto

direção tardia e estagnada, havia sido vitorioso ao afastar o partido de uma

vida orgânico-política revolucionária. No entanto, não obteve nenhum respaldo

dentro do processo de integração à ordem burguesa. Tratou-se de uma

ardilosa articulação para integrar o PCB na institucionalidade burguesa e

depois descartá-lo, mesmo com o seu interesse de ser parceiro sem conflito do

bloco liberal-burguês. Faz-se saber, quem ou quais elementos desenvolveram

essa ação destrutiva?

Optamos por procurar razões teórico-políticas para explicar essa derrota

dos comunistas brasileiros na sua ação dentro da realidade brasileira e

deixamos para a história o julgamento de quem operou essa destruição.

O PCB, com erros e extraordinários acertos na história da luta de

classes no Brasil, transformou-se durante grande parte do século XX naquilo

que caracterizo como operador político da classe operária, compreendendo

essa categoria explicativa como uma construção dialética, que a partir das

formulações políticas e da práxis social, gera um arcabouço de impacto teórico-

político e cultural de forte conotação ideológica que marcou com esta presença

a luta pela transformação da realidade brasileira na perspectiva da revolução

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socialista (PINHEIRO, 2011, p. 02-03). No entanto, a subordinação das

formulações ao taticismo politicista de uma leitura vulgar sobre a questão da

democracia, feita a partir da “Declaração de Março de 1958”, derrotou

paulatinamente a condição histórica de ser operador político dos trabalhadores.

Transformou-se em mais um partido que atuava dentro da ordem. Porém, sem

o consentimento da ordem. Este é um detalhe importante para entendermos

esta história.

Entrando no debate sobre a questão da democracia aberto pela crise

que se estabeleceu no “Socialismo real” a partir das contradições do XX

Congresso do PCUS, o PCB fez um enorme esforço intelectual e político para

construir uma nova perspectiva política para a sua prática social. Todavia, o

seguidismo de partidos e governos (socialistas) não possibilitou uma

interpretação da realidade brasileira e da formação predominante no

capitalismo interno que respondesse a um salto de qualidade na formulação e

na ação concreta. A todas essas questões, somaram-se ao parco

entendimento sobre as características do capitalismo, o comportamento

oportunista e carreirista de uma direção que visava apenas a manutenção do

aparelho e que começava a nutrir profundos interesses reformistas.

É com base nessas contradições que a nossa pesquisa levantou alguns

pontos para explicar as razões dessa crise e da derrota que concluiu o

processo de ruptura da transição e do exílio da política dos comunistas

brasileiros87.

As contradições que permearam o debate sobre a questão da

democracia colocaram o partido numa situação de profunda ambiguidade para

realizar o conjunto das suas ações político-sociais. Esta ambiguidade também

se manifestava nas resoluções que foram formuladas sobre a centralidade da

tática e estratégia que deveria orientar o PCB.

Antes de mais nada, para esse projeto de dimensão estratégica, é fundamental a existência de um Estado de Direito democrático. E para conquistarmos é preciso que a transição, que se desenvolve num quadro de contradições, consolide-se e avance enfrentando os graves problemas políticos, econômicos e sociais, que ameaçam paralisá-la ou desviá-la, com respostas eficazes e vinculadas aos objetivos democráticos, que uniram amplas forças contra o autoritarismo (PCB, 1987, p. 3).

87 Fato ocorrido entre o período de 1971 a 1991.

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A nova estratégia, definida no VII Congresso, de caráter democrático-

nacional como etapa da revolução brasileira, em nada modificava as balizas

táticas e de ação político-social do partido. Era apenas, em última instância,

uma inversão semântica para tentar valorizar o papel que o partido estava

dando para a questão da democracia. Vulgarmente copiada do PCI para

ganhar contornos de massa com caráter progressivo que, no caso do PCB,

apenas adjetivava o debate e a prática política. Estava longe de ter contornos

de centralidade político-ideológica para avançar na luta de classes.

As desventuras da questão democrática colocada pelo partido e a

ossificação da estratégia, assim como da ditadura politicista da tática,

subalternizaram os interesses da classe operária dentro da linha política do

PCB. Portanto, “Os comunistas, coerentes com a sua estratégia para a

transição, buscavam ‘balizas mínimas do espaço de conflito’. Era preciso fazer

acordos para reordenamento político-social” (SANTANA, 2001, p. 259).

Diante desta opção, colocar o programa da classe em segundo plano

passou a ser uma condição de cláusula pétrea dentro da linha política que

orientava a ação do partido para a negociação como o único instrumento capaz

de dar consistência à ação do PCB no processo da longa transição

democrática e que depois se consolidou como objetivo que norteava a atuação

do partido. Era a ditadura taticista do “Lutar para negociar, negociar para

mudar” impregnando o partido de uma nova cultura política pautada no

reformismo e na conciliação de classe.

As hipóteses de trabalham vão se confirmando, o PCB foi derrotado na

transição democrática. E a opção por apoiar e participar do governo burguês da

“Nova República” foi o último grande lance da subordinação do partido ao bloco

do poder. “A ‘Nova República’ com Tancredo e Sarney, ao contrário do que

seria com Paulo Maluf e Flávio Marcílio era vista pelo partido como uma grande

vitória política das forças democráticas e oposicionistas” (VOZ da UNIDADE

[Salomão Malina], 1986, p. 8). O PCB naquela perspectiva dava centralidade à

coesão daquela transição.

Movido pelas esperanças no processo que se iniciava e pela necessidade de garantir a estabilidade da transição para um regime democrático, o PCB reiteraria a necessidade de se manter a unidade

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das forças democráticas e a frente utilizada na luta contra a ditadura (MOURA, 2005, p. 124).

Mesmo com a campanha e o processo negociado de legalização do

partido, que em tese contribuiria para que o PCB voltasse à disputa pelo

protagonismo dentro da esquerda brasileira, não possibilitaram nenhuma

chance para o PCB se recolocar. O espaço já estava ocupado pelo PT, o PC

do B e as diversas correntes clandestinas que atuavam a partir de um projeto

classista dentro da sociedade brasileira. Em especial o PT, que já vinha com

uma postura de demarcação de espaço que, paulatinamente, o transformava

em força hegemônica na esquerda brasileira. Portanto,

Na direção contrária, encontramos o PT. No período da articulação da chamada candidatura única das oposições, o PT deixava clara a sua discordância acerca dos princípios norteadores dos arranjos em efetivação. O partido verá a saída via o colégio como um engodo e se posicionará pelo boicote aos candidatos (SANTANA, 2001, p. 251).

Vinha à tona, com força, a política que dava prioridade para uma

atuação junto aos setores pelegos e atrasados do movimento operário e

sindical. Já havia passado o momento no qual o PCB deveria ter tomado

algumas decisões: ser governo ou oposição, ir para a CUT ou para a CGT, ter

como central os objetivos da reforma ou da revolução, optar pela classe

operária ou pelo povo e por fim, lutar para defender o programa de um partido

revolucionário ou se estabeler no campo da ordem institucional. Pelo

desenrolar desta pesquisa fica fácil responder: o PCB optou pelo convívio com

o governo burguês, pela CGT, pelo genérico discurso em defesa do povo e por

interagir politicamente no campo da ordem institucional da democracia formal.

Era a ironia da história que “opera através do material humano que encontra

disponível” (DEUTSCHER, 1968, p. 53).

4.7 Uma candidatura “redentora” para o PCB: Roberto Freire

Diante desse quadro, em que a perspectiva revolucionária estava

totalmente impossibilitada de ter qualquer protagonismo dentro do PCB e da

opção por outro objetivo político que radicalizava a nova política com a sua

conseqüente atuação, o núcleo dirigente estagnado – impactado pela

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resistência interna – apresentou ao partido uma candidatura para a Presidência

da República como instrumento para costurar a unidade interna e reacender o

ânimo que havia sido perdido pelos comunistas brasileiros (BARBEIRO, 1989).

Contudo, escolheu uma candidatura para as eleições de 1989 que

representasse a afirmação de todo o arcabouço pretérito que havia levado o

partido à derrota. No entanto, modificado pelo discurso de tipo moderno e

colocado na perspectiva de um Partido Novo que fazia autocrítica da herança

marxista-leninista e do socialismo chamado de “real”.

O Comitê Central do partido escolheu o nome público que mais

representava essas modificações e capitulações políticas, tratava-se de

Roberto Freire que era deputado federal pelo estado de Pernambuco. Era a

expressão mais aperfeiçoada da síntese dialética entre forma e conteúdo.

Roberto Freire representava uma perspectiva política cujo objetivo era diluir o

PCB na participação eleitoral para todos os níveis das eleições burguesas.

Para ele a dimensão da luta por mudanças políticas estava submetida na

centralidade das disputas eleitorais, essa era a convulsão política que

guardava a ligação da estratégia com a tática do PCB.

Era a primeira eleição direta para Presidente da República depois da

substituição da ditadura burgo-militar. O Brasil demonstrou profundo interesse

no debate político, os trabalhadores e as camadas populares se

movimentavam para compreender o processo e escolher seu candidato. O

PCB, alheio a esse processo de engajamento estava interessado em debater a

estabilidade política da democracia formal, as pequenas modificações

institucionais e o novo projeto de partido.

Sendo assim, o PCB realizou uma cruzada nacional para divulgar o

programa da candidatura, mobilizar a militância do partido e procurar ganhar

setores médios que se orientavam pelo chamado voto de opinião. A campanha

galvanizou amplos setores do mundo intelectual e artístico. Todavia, não teve

maior expressão entre os trabalhadores e as camadas populares.

O candidato considerou mais importante afirmar um perfil pessoal do

que representar um programa. No entanto, mesmo com essa característica

marcante, aparecia por trás do candidato um genérico programa reformista

sem substância para qualificar uma proposta para o Brasil. Contudo, a

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campanha fez um difuso discurso por direitos pautado em subjetividades que

apenas empolgou pequenos setores da sociedade.

Do ponto de vista da direção partidária, a característica central daquela

candidatura era marcada pelo interesse em deslocar o PCB do campo da luta

revolucionária e assentá-lo no bloco político da ordem burguesa. Considerava

que somente uma mudança radical nas ideias partidárias possibilitaria a

renovação da organização e o desenvolvimento da questão democrática,

possibilitando que o Brasil saísse do atraso político que marcou a sua história,

com golpes, autoritarismo e práticas políticas superadas no mundo político

ocidental. Era a perene busca pela democracia. Só que naquela conjuntura, a

procura era pela democracia formal da ordem burguesa na perspectiva de que

o PCB ainda tivesse algum crescimento e, talvez, algum protagonismo político.

A candidatura de Roberto Freire representava uma falsa renovação na

política do partido. A presença do PCB no processo eleitoral se contrapunha

aos setores da social democracia radicalizada – representada pelos setores

majoritários do PT e da CUT – e, mais uma vez alimentava a velha política da

capitulação e a postura política da parceria conflitiva com o consórcio burguês

através da proposta de pacto social.

Roberto Freire fez usos e abusos da conjuntura de crise, sempre com

um discurso que apelava para buscas de alternativas dentro da legalidade

institucional da democracia burguesa. Mas, quando o tema da crise era

debatido a partir da situação em que se encontrava o partido e/ou o mundo

socialista, a perspectiva discursiva era demonstrar que ele estava trazendo

algo novo para superar aquela situação, mesmo tendo que enterrar a história e

as lutas da tradição do PCB.

É a famosa tese de que nas crises surgem as situações mais avançadas: ‘a crise como parteira da história’. Essa crise no entanto, pode não ser parteira, mas talvez possa vir a ser o nosso coveiro. É a crise não só do PCB, mas dos PCs no mundo inclusive dos que estão no poder (FREIRE, 1989, p. 161).

A candidatura do PCB era uma tentativa de suspender a problemática

interna e, mais uma vez, tentar a unidade e o convívio político das partes em

litígio sob a direção do núcleo dirigente estagnado. Era uma forma de

suspender os debates entre “frente de esquerda” ou “frente democrática”,

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manter distância do convívio com o PT e evitar a decisão quase que

hegemônica da base sindical de entrar para a CUT.

Na eleição de 1989, o PCB, através de Roberto Freire, tentou apresentar

um discurso que trazia algumas ambíguas novidades para consolidar um novo

perfil. Eram rótulos pouco definidos que designavam um discurso com frases

lacônicas onde apareciam palavras de ordem soltas: “esquerda moderna”,

“socialismo democrático”, “nova esquerda”, “novo socialismo” e críticas aos

regimes de Cuba e China por considerar que neles não haviam “liberdades

democráticas”.

Durante a campanha, o candidato do PCB tentou se distanciar da

perspectiva estatista que existia nos países do “Socialismo real”, considerando

que esse modelo estava superado e não mais atendia ao modelo de

organização do Estado contemporâneo. “Precisamos de um Estado forte, a

serviço do público e não do privado, em articulação com o capital particular,

numa economia mista sob controles sociais. Socialismo não se confunde mais

com estatismo” (VOZ da UNIDADE, 1989, p. 3).

Ao lado deste debate político, surgiram propostas que garantiram

repercussão em setores restritos da sociedade por tratar de questões

individuais e se apresentar como novidade, a exemplo da questão da

descriminalização da maconha e da possibilidade de legalizar o aborto.

Roberto Freire e o núcleo dirigente estagnado do PCB tergiversavam

sobre as reais condições do partido dentro da esquerda brasileira. Negando ou

descaracterizando as verdadeiras condições do partido, que já havia sido

superado há muito tempo pelo PT, na esquerda. Como demonstra a entrevista

de Roberto Freire:

Um dado importante é que na esquerda brasileira não existe ainda o que nós poderíamos chamar um partido dominante. Um partido que já tenha sido aceito pela sociedade como aquele partido da vanguarda da esquerda brasileira. Em outras palavras, não existe o partido hegemônico, aquele que dita o caminho que deve seguir todo o movimento operário, todos os trabalhadores. Isso não foi ainda definido. Quem vai definir esse aspecto é esse novo processo democrático que nós estamos vivendo. E aí nesse sentido é importante dizermos da nossa concepção, que é uma concepção, hoje, por exemplo, que tem a base maior, do ponto de vista teórico e até mesmo da grande discussão do socialismo no mundo, que é a perestroika, que é a glasnost, que é o processo de renovação por que passam a União Soviética e o mundo socialista, a partir do Presidente Mikhail Gorbachev (BARBEIRO [FREIRE], 1989, p. 5).

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O Roberto Freire e a campanha do PCB marcaram definitivamente a rota

que o partido construiu para chegar ao ponto decisivo onde se daria a última

batalha da crise político-orgânica. As eleições no seu término criaram

expectativas diante de um resultado complexo.

A campanha presidencial, a princípio apenas uma tentativa de afirmação do partido no cenário da política brasileira (talvez apenas no cenário da esquerda) e uma tentativa de afirmação de suas fileiras, foi assumindo aos poucos uma aura de ‘novidade’ para alguns setores da sociedade brasileira, em especial da intelectualidade. Teve sem dúvida uma força simbólica maior que o resultado final alcançado (o oitavo lugar geral, com cerca de 1% da votação total ou aproximadamente 769.000 votos) (SILVA, 2005, p. 131).

4.8 Aspectos da crise do socialismo na URSS e no Le ste Europeu

A complexa e profunda crise político-orgânica que o PCB estava vivendo

ao final dos anos 1980 e o começo da década seguinte ganharam contornos de

dramaticidade com o colapso da União Soviética e das chamadas

“democracias populares” do Leste Europeu. As contradições e os aspectos

centrais da contrarrevolução na URSS impactaram e determinaram uma nova

pauta dentro da crise do partido. Contudo, o conteúdo do que poderia se

entender como mais uma questão era de conhecimento do PCB há muito

tempo.

Com o chamado stalinismo, o marxismo dado à luz pela terceira

internacional se converte numa ideologia de Estado – um discurso adequado

para legitimar aparatos de poder. É evidente que esta conversão não foi

simples nem linear, e aqui só importa assinalar seu resultado. Já nos anos 30,

o marxismo está institucionalizado: investido como ideologia oficial do Estado

autocrático stalinista, ele se torna uma linguagem e uma estratégia de poder.

Essa transformação não atinge apenas o mundo cultural soviético. Através da Terceira Internacional, os modelos políticos e ideológicos do partido soviético stalinizado se generalizam entre os comunistas de todo o mundo. Correia de transmissão da autocracia stalinista, a Terceira Internacional cumpre a função de equalizar o pensamento comunista, de uniformizá-lo e homogeneizá-lo segundo as fórmulas do marxismo institucionalizado (NETTO, 1985, p. 50-51).

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Os anos 1980 foram devastadores para o modelo econômico usado pelo

regime político que existia na URSS, mesmo assim, não se esperava uma

derrocada tão espetacular do chamado “Socialismo realmente existente”,

naquela parte do mundo. Não pela natureza das relações sociais, mas,

objetivamente, por se tratar de uma grande potência mundial com enorme

controle interno e vasta área de influência mundial. Aparentemente, apesar da

crise no modelo de gestão do trabalho e da dinâmica política que demonstrava

uma parca socialização da participação política, não desvelava os rumos e

contornos que ganhou para colapsar o modelo como um todo.

A situação ficaria insustentável em 1989, quando os regimes socialistas do Leste Europeu caíram como ‘castelos de cartas’, numa sucessão de acontecimentos que ficou marcada especialmente pela queda do Muro de Berlim (que cortava a cidade, na fronteira entre as duas Alemanhas) em outubro. Não houve propriamente a derrubada de nenhum governo, simplesmente a desintegração de um poder corroído pela crescente crise econômica, pelo baixo apoio interno e pela perda da sustentação externa. Mesmo porque não havia oposições suficientemente organizadas para operar tais derrubadas. O que ocorreu de fato foi uma sinalização clara de suas populações de que aqueles regimes não tinham mais legitimidade. Aceitando rapidamente a derrota e sem ter a quem recorrer como no passado, as elites políticas socialistas simplesmente se retiraram (SILVA, 2005, p. 135).

A tentativa de superação dos graves problemas identificados pelo PCUS

a partir de 1985, contidos nas plataformas programáticas do que se

convencionou chamar de glasnost e perestroika, não foram suficientes para

controlar a grave situação do país.

Em um primeiro momento, a partir de 1987, as denúncias na imprensa se concentraram nas questões ecológicas, na escassez, na má qualidade dos bens e serviços. [...] Da crítica às questões do cotidiano, da economia e das greves reivindicatórias passou-se à esfera política, a denúncia das desigualdades, da injustiça, dos privilégios da burocracia, da continuidade do stalinismo (RODRIGUES, 2006, p. 231).

A palavra de ordem do governo Mikhail Gorbachev era a liberalização

do regime no campo político e econômico, enfrentando os “conservadores” e

abrindo novas perspectivas para mediar a crise diretamente com as camadas

populares insatisfeitas com o regime. No entanto, a burocracia convertida em

classe dirigente percebeu que havia começado o fim do sistema e acelerou o

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processo de usurpação dos meios de produção. Ao tempo em que a

intelectualidade fazia uma enorme rotação para se converter ao pensamento

neoclássico.

Parte dos novos economistas e acadêmicos soviéticos, convertidos agora ao liberalismo radical de Friedrich Hayek e Milton Friedman, parecia de repente acreditar que uma economia baseada exclusivamente nas virtudes do mercado, nas leis da oferta e da procura, poderia suprir as carências dos cidadãos soviéticos e de repente encher as prateleiras das lojas, a exemplo do que viam nos países da Europa Ocidental (RODRIGUES, 2006, p. 239).

A situação convulsionada na URSS causava inflexões no debate interno

do PCB. O partido esgotado pelo seu instrumental teórico-político, pautado por

uma atuação que o subalternizava na política burguesa e derrotado nas frentes

de massas, de onde se afastou, não conseguia entender o processo em curso

na URSS e se utilizava do clássico seguidismo para se colocar ao lado do

Secretário-Geral do PCUS, Gorbatchev.

A queda do muro de Berlim havia produzido uma enorme convulsão

social no bloco socialista e a própria União Soviética não conseguia responder

à crise através das plataformas da perestroika e da glasnost. Além do mais,

ocorria uma disputa dentro do partido e do governo, e uma disputa na

sociedade com o político “reformador”, Boris Yeltsin.

Os acontecimentos políticos ganharam contornos de radicalidade no ano

de 1990 dentro dos países do chamado bloco socialista. O PCB, que apoiou de

forma subordinada o modelo socialista daqueles países, ensaiava algumas

críticas sem se deter com profundidade sobre o problema da revolução

socialista e seus descaminhos.

A revolução bolchevique com seu percurso épico-trágico construiu uma

perspectiva de socialismo em um país que, apesar dos estudos de Marx sobre

as comunas russas (2013), não tinha algumas pré-condições para aquela

revolução se concretizar. Trata-se da ausência de desenvolvimento das forças

produtivas e da existência de um numeroso proletariado politizado e com

destacado papel de vanguarda. Estes dois aspectos se somavam, antes da

Revolução, ao alto grau de analfabetismo e o nacionalismo conservador como

ideologia disseminada na sociedade russa.

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226

Era um país que saiu de uma autocracia czarista, com um gigantesco

déficit de democracia, para uma revolução socialista que logo nos seus

primórdios passou por uma guerra civil e pela invasão de exércitos

estrangeiros. Quando a guerra civil acabou em 1921, tinha morrido 1/5 do

proletariado e a produção estava reduzida aos níveis de 1913. A solução

encontrada por Lenin foi desenvolver técnicas híbridas que se aproximavam do

modelo capitalista (NEP) para recuperar a produção e tirar o país da fome.

Após a morte de Lenin, sobe ao poder Stálin. A partir daquele momento

as características centrais do ideário marxista sobre a transição foram

congeladas. A URSS passou a conviver, após 1929, com baixo nível de

tolerância política e entre 1936 a 1939, com um profundo despotismo de

natureza pré-bolchevique que foi usado para a formação da autocracia

stalineana que se consolidou como herdeira da pretérita cultura política russa.

A URSS passou a conviver com um grande déficit de liberdade política e com o

equívoco da fusão entre partido e Estado, gerando uma burocracia que aos

poucos derrotou a revolução para poder manter os seus privilégios.

Aqui no Brasil, o PCB só via o lado positivo daquele processo na URSS.

O papel da União Soviética na II grande guerra, o bem estar do povo soviético,

o progresso científico, o apoio internacionalista aos povos em luta pelo mundo

afora, solidariedade aos perseguidos pelas forças reacionárias em seus países,

a agressão imperialista por parte dos EUA, etc. No entanto, nunca discutiu, a

não ser em momentos de rebelião interna (divulgação do relatório do XX

Congresso do PCUS), os crimes da era stalinista, as invasões na Hungria e na

Tchecoslováquia e demais problemas.

Podemos afirmar, de uma maneira genérica, que a problemática final da

URSS e dos países do Leste Europeu foi pautada pela disputa armamentista,

pela degeneração da burocracia no aparato do partido/Estado, pela

concorrência internacional no ambiente das mudanças de paradigma para

gerência do trabalho, pela troca de uma política revolucionária por uma ação de

coexistência pacífica (convívio conflitivo com os países capitalistas), pela

constante ameaça imperialista e pela contrarrevolução operada pela burocracia

que, contraditoriamente, se somou às profundas insatisfações populares e dos

trabalhadores.

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A contrarrevolução surgiu do aparato burocrático do Estado e dos

organismos do partido. A burocracia convertida aos interesses do capital queria

avançar na conquista de privilégios e no controle, particular, dos meios de

produção. Para isso desenvolveu uma profunda infiltração ideológica que se

transformou em contrarrevolução. Contraditoriamente, essa característica, se

somou às profundas insatisfações das massas operárias que, com o processo

de ruptura dessas sociedades fez surgir as máfias que passaram a dominar o

mundo capitalista na Rússia e no Leste Europeu.

O ano de 1991 foi marcado por situações de bruscas movimentações

políticas na URSS. No entanto, mesmo com a tentativa de um putsch por parte

de setores do PCUS, a cena política foi desvendada pelo político Boris Yeltsin

que promoveu um acordo golpista com outras Repúblicas formando a CEI

(Comunidade de Estados Independentes), determinando com esse ato a

renúncia de Gorbachev.

A partir de fins de 1988 em diante, ele [o processo político na URSS] começou a fugir do controle partidário. A descentralização de poder vinda a reboque da introdução da economia de mercado trouxe à tona, realmente, uma sublevação contra as tentativas do partido de manter as rédeas do processo. Os comunistas passaram a ser perseguidos e achincalhados em várias repúblicas [...] países-satélites se sublevaram e, finalmente, em meados de 1991, as massas saíram às ruas para expulsar de vez o projeto nacionalista-comunista dos autores da tentativa de putsch de agosto daquele ano (SEGRILLO, 2000, p. 188-189).

No entanto, outras opiniões debateram, também, as causas da

derrocada da URSS.

A desintegração da União não se deveu a forças nacionalistas. Deveu-se essencialmente à desintegração da autoridade central, que obrigou toda região ou subunidade do país a cuidar de si mesma e, não menos, a salvar o que pudesse das ruínas de uma economia que escorregava para o caos. A fome e a escassez estão por trás de tudo o que aconteceu nos últimos dois anos na URSS (HOBSBAWM, 1997, p. 476).

O partido não procurou abrir com antecedência o debate para entender

o que se passava nessa parte do mundo com a qual mantinha fortes laços

políticos e ideológicos. No entanto, pautado pelas variadas perspectivas

eleitorais e balizado no seu projeto democrático rebaixado, resolveu fazer uma

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confusa autocrítica que o deixava prostrado sobre a problemática e mesmo

sem nenhum instrumental analítico para reagir diante daquela situação.

O caso do PCB em relação ao internacionalismo, nesta fase da crise das esquerdas brasileiras, pode ser resumido no processo que marca a decadência do PC soviético e o fim deste partido como matriz ou modelo para o partido no Brasil. A crise do socialismo soviético rompeu os vínculos e identidades internacionais existentes entre o grupo hegemônico do PCB e o PCUS (DIAS, 2002, p. 29).

Esta nova postura do PCB era mais uma tentativa de consolidar o seu

projeto de mudança político-ideológica, objetivando sua inserção em outro

campo do exercício da política. Porém, o quadro interno era desanimador em

virtude das seqüelas que começaram a aparecer diante do colapso do bloco

socialista e das contendas abertas pela crise político-orgânica que já era de

razoável duração.

Após a tentativa de retorno da URSS ao controle do PCUS a partir de

um putsch dentro da movimentação contrarrevolucionária que fora

desenvolvida por um longo período, o PCB se manifestou contra qualquer ação

do partido dos comunistas soviéticos naquela crise política. No entanto, quando

alguns acontecimentos que anteriormente abalaram a China com as

movimentações de massas populares na Praça da Paz Celestial, o partido,

através do seu líder interno mais destacado, o presidente Salomão Malina,

reforçou a importância de mudanças. “Vêm sendo acompanhadas com atenção

e simpatia por todo o mundo, fortalecendo sempre mais a imagem do

socialismo junto a expressivos setores dos vários continentes” (MALINA, 1989,

p. 47).

Roberto Freire, liderança pública do partido, dizia que o seu socialismo

era o daqueles que lutavam contra o governo chinês, mas que lutavam

desarmados. Apresentou-se no PCB uma falsa nova perspectiva, em verdade a

nova questão era uma velha questão: o histórico seguidismo da burocracia do

partido queria transformar esse caldo de cultura dos acontecimentos que

abalaram o socialismo em um processo de renovação do socialismo. Todavia,

sem nenhum tipo de qualificação da propalada renovação. Consubstanciava-

se, assim, mais um descolamento do instrumental analítico do PCB da

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realidade concreta dos acontecimentos em curso no bloco socialista, aí incluído

a China.

Essa lógica da maioria do CC começou a ser entendida como uma

fraude ideológica e política, que não conseguiu ir à frente. No entanto,

prosseguia o oportunismo de direita realizando as suas conjecturas para

explicar o que se passava com sua opção político-ideológica no mundo.

Contudo, ficava cada vez mais nítido para a militância, que desde muito tempo

questionava as posições da direção do partido, que existia um movimento para

se distanciar das questões que abalaram o socialismo no mundo. Para a

militância uma típica prática de quem quer pular navio.

A pesquisa nos permitiu analisar qual era a posição do PCB na

proximidade daqueles acontecimentos sobre a conjuntura internacional. Afirma-

se que era um momento de declínio do imperialismo, de lutas vitoriosas dos

trabalhadores da América Latina, de avanço nas lutas de descolonização da

África e de consolidação do Vietnã (VII CONGRESSO, 1987). Todo esse

arcabouço interpretativo sofreu um revés com os acontecimentos de 1989 a

1991. Comprovou-se a falência da análise do partido e se confirmou, mais uma

vez, a completa visão voluntarista e baluartista que o PCB tinha sobre várias

questões.

Para as resoluções do VII Congresso, a situação era de avanço do bloco

socialista e de confronto nos países capitalistas. Era a afirmação da luta dos

trabalhadores por seus direitos e de revolução democrática em Portugal,

Espanha, e Suécia. Outra questão também sobressaía, o declínio da

bipolaridade com surgimento do movimento dos países não alinhados. E ao

mesmo tempo o sistema socialista, apesar das contradições com o capitalismo,

avançava.

Tratava-se de um exercício de retórica que o PCB desenvolvia para criar

a devida argamassa objetivando solidificar uma unidade partidária que estava

em amplo processo de esgarçamento. Ao levar em consideração que para o VII

Congresso as contradições da época aproximavam uma contenda democrática,

ou seja, no campo da ordem internacional, entre socialismo e capitalismo, o

PCB não tinha fundamentação para entender as contradições que modificaram

aquele período histórico e que fizeram avançar o capitalismo. Portanto, o

partido não tirou as devidas conseqüências desse processo, nem, muito

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menos, da crise interna que colocava definitivamente em xeque suas balizas

táticas e estratégicas.

Por outro lado, era um momento de crise do capitalismo e de

contradições interimperialistas, com um novo ciclo do capitalismo sendo

pautado pela visão imperialista de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Era

uma conjuntura de impacto pela nova divisão internacional do trabalho e nada

disso foi percebido de forma consistente pelo Partido Comunista Brasileiro. O

VII Congresso, apesar de se dedicar a estudar as transformações sociais no

Brasil, ou seja, analisando o processo político brasileiro e suas perspectivas,

estendendo essa análise a estrutura social brasileira, não conseguiu avançar

no desvelamento da formação social brasileira. Não entendendo os impactos

que o Brasil sofria em virtude do papel desenvolvido pela burguesia interna

consorciada ao capitalismo internacional no aprofundamento da

monopolização.

A burguesia estabelecida no novo bloco do poder, procurou no longo

processo da crise de hegemonia, aprofundar a oligarquia financeira e

desenvolver no setor industrial uma profunda extração de mais valor para

reproduzir em espaços ampliados o capital.

4.9 Convocado o IX Congresso do PCB: confrontos pre vistos para os

debates

A crise político-orgânica do PCB e os novos acontecimentos que

abalaram e o sistema socialista, terminando com seu colapso, acirraram os

debates internos dentro do partido. Naquele quadro político interno, grupos

mais ou menos articulados a partir de posições pré-estabelecidas se

organizaram para a luta política interna.

O grupo hegemônico no CC não tendo mais o controle sobre o debate e

as ações da militância, resolveu convocar o IX Congresso como forma de

aprofundar as suas formulações e enquadrar os dissidentes na lógica do

centralismo democrático. Era a velha articulação política que aplicava

novamente seu modelo de construção da unidade partidária.

No entanto, os descontentamentos internos eram muito grandes e

ganhavam contornos de rebelião. Estava em debate a forma que o partido

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deveria ter, que tipo de socialismo iria defender, qual campo político deveria se

aliar (frente democrática ou de esquerda), o marxismo-leninismo, a transição

pacífica, centralismo democrático, nome do partido, símbolos, a questão do

mercado no socialismo, partido de classe ou partido de todo o povo, como o

partido deveria se organizar e suas referências teóricas.

Portanto, os confrontos que iriam marcar o IX Congresso eram maiores

que as forças que o PCB demonstrava ter naquele momento. Mas, algumas

preocupações floresceram naquele período ainda sobre a questão do sistema

socialista.

O PCB deve abordar a questão da atual crise do socialismo afirmando, em primeiro lugar, que não foi em vão a luta de várias gerações pela construção de uma nova sociedade, livre da exploração do homem pelo homem. As imensas conquistas sociais, econômicas, culturais e políticas alcançadas, pela primeira vez, na URSS e em outros países socialistas, [...] comprovaram a supremacia do sistema socialista sobre o capitalista [...]. É verdade que o processo de edificação do socialismo, realizado em condições extremamente adversas e sob pressão do imperialismo, deu margem a desvios e violações do marxismo-leninismo [...]. Não é possível considerar, sumária e simplesmente, mais de setenta anos de construção do socialismo como décadas de erros acumulados. Por isso mesmo estamos obrigados a investigar, em profundidade, os erros cometidos, até pela mais grave de suas conseqüências: a restauração capitalista (MILANI, 1991, p. 12-13).

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232

5. Considerações Finais

Ao término deste trabalho, o conjunto desta pesquisa nos permite uma

aproximação com a verdade histórico-política e nos remete para a

comprovação da hipótese de que o PCB, no desenrolar da crise política e

orgânica, dentro da legalidade burguesa, pautado pelo arcabouço institucional

da democracia formal, foi derrotado na cena política da longa transição. Essa

derrota político-orgânica se deu por falta de capacidade teórico-política e

aderência das formulações à realidade brasileira e por uma postura reformista

e captulacionista que fora exercitada e implementada pelo núcleo dirigente

estagnado que agia no comando do partido através da sua hegemonia no

Comitê Central.

Podemos confirmar que a pesquisa identificou como elemento central da

ruptura da tradição histórica do PCB, a perda da hegemonia na esquerda

brasileira, o completo desligamento do partido das frentes de massa onde se

encontravam o conjunto dos trabalhadores e a juventude, e o afastamento

paulatino das questões que mobilizavam o movimento operário. Esse conjunto

de fatores, articulados num arcabouço complexo, dirigiu o PCB a um segundo

plano do ponto de vista da esquerda revolucionária no Brasil e o colocou em

outra perspectiva político-ideológica.

Trata-se, portanto, de uma situação em que identificamos a

subalternização do partido ao campo da política liberal-burguesa e o seu

impactante afastamento da perspectiva de continuar sendo um partido

revolucionário, com projeto e missão histórica, como afirmava sua herança

política e social.

Sendo assim, a pesquisa confirmou que o PCB, orientado pelas

formulações superadas, por um instrumental teórico-político que não respondia

às tarefas demandadas pela conclusão do longo ciclo da revolução burguesa

nas relações sociais de produção e por uma direção estagnada, sucumbiu à

ordem burguesa. Todo esse processo aconteceu no período de 1971 a 1991,

quando as formulações do exílio, amparadas na herança de 1958, contribuíram

para colocar no exílio a política dos comunistas dentro da realidade brasileira.

Portanto, objeto estudado, hipótese confirmada. O PCB, no desenrolar

da crise política e orgânica dentro da legalidade burguesa era uma derrota

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anunciada. No entanto, só falta agora entender como e porque o PCB renasceu

das cinzas para novamente ocupar um lugar na luta dos trabalhadores e

comunistas brasileiros pela revolução e pelo socialismo. Todavia, essa questão

levanta agora uma outra história e uma nova e estimulante pesquisa que não

integra o corpo do que acabamos de concluir ao apresentar, neste momento,

os primeiros resultados.

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Entrevistas

Anita Leocádia Prestes. Rio de Janeiro, 25 de março de 2012.

José Salles. São Paulo, 09, 16 e 23 de outubro de 2012.

Marco Antônio Tavares Coelho. São Paulo, 29 de outubro de 2009.

Marly Vianna. Rio de Janeiro, 02 e 19 de maio de 2013.

Milton Temer. Rio de Janeiro, 19 e 20 de outubro de 2012.

Zuleide Faria de Melo. Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2012.

Documentos

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__________. Apertar o cerco. Dezembro de 1974.

__________. Resolução política do CC. Dezembro de 1975a.

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__________. Resolução política. Março de 1977b.

__________. Nota da Comissão Executiva do PCB. Junho de 1977c.

__________. Resolução política do CC. Dezembro de 1977d.

__________. Nota da Comissão Executiva do PCB a propósito da campanha

eleitoral. Maio de 1978a.

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__________. Declaração do PCB sobre o movimento sindical. Novembro de

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__________. A condição da mulher e a luta para transformá-la: visão e política

do PCB. Maio de 1979b.

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Revista Brasil mês a mês (1977).

OBS: Os Jornais, revistas e documentos foram pesquisados nos Arquivos do

ASMOB/CEDEM (Unesp), AMORJ (UFRJ), Edgar Leuenroth (Unicamp) e na

Fundação Dinarco Reis (FDR) do PCB.