PROCESSO DECISÓRIO EM SISTEMAS POLÍTICOS

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    PROCESSO DECISRIO

    EM SISTEMASPOLTICOS:veto players nopresidencialismo,

    parlamentarismo,multicameralismo epluripartidarismo (*)

    George Tsebelis

    Existe um consenso na cincia poltica contempornea de que "as instituies fazemdiferena". Mas esse consenso se desfaz quando a anlise focaliza as conseqncias de estruturasinstitucionais especficas. Diversos estudos ilustram essa falta de acordo sobre quais resultadosso produzidos por cada tipo de instituio.

    Com relao ao tipo de regime (parlamentarista ou presidencialista), algunspesquisadores afirmam que a probabilidade de os sistemas presidencialistas entrarem em colapso

    e serem substitudos por um regime autoritrio maior do que a dos sistemas parlamentaristas(Linz, 1990). Outros analistas dizem justamente o contrrio (Horowitz, 1990) e ainda h os quesustentam no haver relao alguma entre tipo de regime e colapso poltico (Shugart e Carey,1992).

    Quanto aos sistemas bipartidrios ou pluripartidrios, os pesquisadores aFirmam que osprimeiros promovem ao mesmo tempo a moderao das posies partidrias e as escolhas clarasdo eleitorado. Lijphart (19$4) observa, porm, que as duas caractersticas so contraditrias. Os

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    partidos moderados levam a escolhas no to claras porque as escolhas claras dependem daexistncia de diferenas ntidas entre os partidos.

    No que diz respeito ao bicameralismo, parece haver uma concordncia geral, que vai deMontesquieu aos pais fundadores da Constituio norte-americana e chegando s diversas

    anlises contemporneas (Riker, 1992 e 1992x; Hammond e Miller, 1987; Frickey, 1992; eLevmore, 1992), de que ele cria mecanismos de pesos e contrapesos institucionais [checks andbalances]por conferir a cada uma das Cmaras o poder de anular as decises da outra. Mas nos pases em que o bicameralismo no reflete uma organizao federativa de governo, algunsafirmam que a Cmara Alta no tem poder, mas "autoridade", e que esta decorre de suas opinies ponderadas e de seu distanciamento em relao aos conflitos polticos da CmaraBaixa.(1) Mesmo quando se aceita que a Cmara Alta tem poder, h discordncias sobre osmecanismos responsveis pelos pesos e contrapesos existentes entre os dois nveis doLegislativo. Riker (1992 e 1992x) diz que o bicameralismo no modifica o processo legislativonuma nica dimenso da poltica, mas que, em duas dimenses, adia as decises at que sealcance um acordo. Esse argumento , no entanto, to parcial quanto incorreto. Parcial porque

    pouco provvel que um poder legislativo bicameral tome decises numa nica dimenso;incorreto porque, como veremos adiante, o bicameralismo permite qualquer nmero deresultados (o "winset'do status quo). Levmore sustenta que "a melhor maneira de explicar o bicameralismo" dizer que ele seleciona um "Condorcetwinner",(2)se que a opo existe.Mas a probabilidade de que haja uma alternativa desse tipo em mais de duas dimenses nula.

    O argumento acima exposto permite perceber que as discusses institucionais soconduzidas aos pares: compara-se o presidencialismo com o parlamentarismo, o bicameralismocom o unicameralismo e os sistemas bipartidrios com os sistemas pluripartidrios. Por exemplo,alguns analistas alegam que o presidencialismo tem vantagens com refao ao parlamentarismo, pois garante a responsabilidade dos polticos eleitos perante os cidados, a possibilidade deidentificar os provveis vencedores, a Fiscalizao mtua entre poder legislativo e poderexecutivo, e a existncia de um rbitro (Shugart e Carey, 1992). O presidencialismo, por sua vez, padece de fatores negativos tais como rigidez temporal, tendncias majoritrias e duas fontesdemocrticas de legitimidade (Shugarr e Carey, 1992). Os argumentos acerca do bicameralismoso muito semelhantes aos que tratam do presidencialismo, concentrando-se nos pesos econtrapesos em confronto com as duas fontes democrticas de legitimidade. Por fim, os sistemasbipartidrios so vistos como propcios moderao dos partidos, estabilidade dos Executivos, clareza das escolhas e formao de maiorias responsveis. Mas Lijphart (1984) contesta cadaum desses argumentos. Huber e Powell (no prelo) apontam para a existncia de distnciasmenores entre o eleitor mediano e o governo mediano nos sistemas pluripartidrios do que nossistemas bipartidrios.

    Do ponto de vista emprico, os analistas costumam comparar pases que se diferenciamem um conjunto de caractersticas. Por exemplo, os autores anglo-saxes geralmente comparamo Reino Unido com os Estados Unidos. Mas h inmeras diferenas entre esses dois pases:sistema parlamentarista versus sistema presidencialista, bicameralismo versus sistemaunicameral (de fato), partidos disciplinadosversus partidos indisciplinados, burocraciasnomeadas versus burocracias independentes, presena versus ausncia de uma Suprema Corteforte.(3) Na ausncia de um modelo terico, fica difcil identificar quais dessas diferenas tm

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    precedncia causal sobre as demais. Inversamente, quando se tem um pequeno nmero de casossemelhantes, qualquer resultado especfico tende a ser sobredetenninado pelas variveisrelevantes. Por exemplo, Linz (1990) atribui a falncia da democracia no Chile ao regimepresidencialista do pas, enquanto Horowitz (1990) alega que a derrota do regime se deveu aosistema eleitoral pluralista vigente nas eleies presidenciais chilenas. Um modo de corrigir esse

    problema aumentar o tamanho da amostra de modo a incluir um grande nmero de pases(Lijphart, 1982; Strom, 1990; e Shugart e Carey, 1992), ou, de preferncia, o universo dos pasesrelevantes. (4)

    Feita esta rpida e incompleta resenha de uma literatura muito extensa, gostaria deassinalar um ponto. Entre os temas recorrentes nos debates tericos incluem-se aresponsabilizao dos representantes eleitos, a possibilidade de identificar quem toma asdecises e as fontes de legitimidade, se duas ou uma. Mas esses temas so utilizadosexclusivamente para examinar as diferentes variveis como pares dicotmicos (tipos de regime,tipos de legislatura, sistemas partidrios); no so usados para avaliar os efeitos de combinaese hbridos, tais como a comparao de um sistema pluripartidrio presidencialista unicameral

    com um sistema bipartidrio parlamentarista bicameral.Este artigo no reproduz a estrutura de pares dos debates correntes que distinguem tipo de

    regime (parlamentarismo oposto ao presidencialismo), tipo de legislatura (unicameral contra bicameral) e sistema partidrio (bipartidrio ou pluripartidrio). Ao contrrio, mostro queanalisar esses fatores isoladamente pode induzir a erros. Meu argumento de que a lgica doprocesso decisrio nos sistemas presidencialistas muito parecida com a lgica da deciso nossistemas parlamentaristas pluripartidrios. O processo decisrio do bicameralismo e dopresidencialismo apresentam tambm muitas caractersticas comuns. Alm disso, no pretendodiscutir os prs e os contras de cada uma das alternativas institucionais indicadas no ttulo desteartigo. Em vez disso, fao uma comparao entre todas as instituies do ponto de vista de umanica varivel importante: a capacidade de mudar as polticas pblicas. Meu objetivo proporcionar um modelo analtico coerente para a realizao de comparaes entre regimes,legislaturas e sistemas partidrios.

    Uma importante contribuio da abordagem aqui desenvolvida o fato de, oferecendoum mtodo simples e conceitualmente consistente de comparar sistemas, ajuda a resolver um problema permanente na poltica comparada: o tamanho reduzido da amostra. Se apenas for possvel comparar pases que tenham o mesmo tipo de regime - por exemplo, sistemaspresidencialistas -,ento o tamanho da amostra ficar restrito aos pases da Amrica Latina. NIasesses pases tambm apresentam uma srie de outras caractersticas comuns (desenvolvimentoeconmico, sistemas partidrios, disciplina partidria, estruturas administrativas etc.), o que criaum srio problema de multicolinearidade. Um modo de resolver esse problema ampliar otamanho da amostra, incluindo ps que apresentem diferenas em algumas dessas variveis. Talampliao exige, porm, que se tenha uma teoria da comparao entre tipos de regimes (assimcomo entre sistemas partidrios e tipos de legislaturas), que exatamente o propsito desteartigo.

    Outro objetivo deste trabalho, e talvez sua principal contribuio, ajudar a formularhipteses em diversas outras reas, como a da importncia e independncia dos judicirios, da

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    independncia das burocracias, da estabilidade do governo (nos sistemas parlamentaristas) e daestabilidade do regime (nos sistemas presidencialistas). Evidncias preliminares confirmando asexpectativas desse modelo sero apresentadas na terceira parte do artigo.

    No meu estudo, a varivel dependente o potencial de mudana de polticas existentes

    em diferentes contextos institucionais. A ausncia desse potencial denomino estabilidade daspolticas. Parafraseando V. O. Key (Key Jr., 1964), o potencial para mudar polticas no garanteque a mudana se realize, mas sua ausncia elimina a possibilidade de que ela ocorra. Aestabilidade das polticas no a mesma coisa que estabilidade do governo e estabilidade doregime. Como afirmo na ltima parte do artigo, existe na realidade uma relao inversa entreesses tipos de estabilidade: a estabilidade das polticas fonte de instabilidade do governo ou doregime. Essa interpretao baseia-se no conceito do veto player[ator com poder de veto] emdiferentes contextos institucionais. Um veto player um ator individual ou coletivo cujaconcordncia necessria para que se tome uma deciso poltica: Demonstrarei que aestabilidade das polticas aumenta com (1) o nmero de atores envolvidos; (2) com suaincongruncia (divergncia de posies polticas) e (3) com a coeso interna a cada um deles.

    O artigo est organizado em trs sees. A primeira discute a varivel dependente(estabilidade das polticas) e como ela pode ser operacionalizada pela utilizao do conceito de"winset", tomado da teoria da escolha coletiva. A segunda seo analisa as trs variveisindependentes que explicam a estabilidade das polticas e relaciona-as com caractersticasfacilmente observveis, como os tipos de regime, o nmero de partidos no governo, o nmero deCmaras, a coeso partidria e outras variveis polticas importantes, por exemplo, o sistemaeleitoral. A terceira e ltima seo discute as previses do modelo e as compara com as que so produzidas por outras teorias de alcance mdio utilizadas na anlise poltica comparada, bemcomo os dados empricos disponveis.

    I. A estabilidade das polticas publicas e seusproxiesH vrios estudos correlacionando instituies especficas com resultados particulares

    (principalmente econmicos). Desde Bagehot (1867), os regimes presidencialistas tm sidoassociados a elevados dficits por implicarem fragmentao das responsabilidades. TantoKatzenstein (1985) quanto Rogowski (1987) afirmam que a representao proporcional correlato da abertura comercial ou do crescimento econmico, ou contribui para isso. Por outrolado, Grilli et al. (1992) associam a representao proporcional com um nvel elevado deendividamento e inflao e os sistemas presidencialistas a polticas fiscais mais responsveis.Tiebout (1956) e, mais recentemente, Weingast (1993) relacionam o federalismo com altosnveis de crescimento porque induz competio entre suas unidades constitutivas.

    Os cientistas polticos geralmente interessam-se pela capacidade decisria de um sistema poltico, ou seja, sua capacidade de resolver problemas medida que surgem. Por exemplo,numa cuidadosa anlise dos efeitos das instituies polticas, Weaver e Rockman (1993)distinguem:

    dez diferentes capacidades indispensveis a todos os governos: a de definir e sustentar prioridades emmeio s inmeras demandas contraditrias que lhes so dirigidas, de modo a garantir que essas prioridades novenham a ser derrotadas; a de destinar recursos para os objetivos mais eficazes; a de inovarquando as velhas

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    polticas fracassam; a decoordenar metas conflitantes de modo a transform-las em um todo coerente; ade impor perdas a grupos poderosos; a de representar interesses di fusos e desorganizados ao lado dos interessesmais concentrados e mais bem organizados; a degarantir a efetiva execuo dos programas do governo, uma vezque tenham sido decididos; a de garantir a estabilidade dessas polticas de modo que tenham tempo para produzirefeitos; a de estabelecer e manter compromissos internacionais nos setores do comrcio e da defesa nacional a fimde assegurar seu bom desenvolvimento a longo prazo; e, sobretudo, a de administrar as clivagens polticas a fim degarantir que a sociedade no degenere numa guerra civil.

    Se Weaver e Rockman preocupam-se com a capacidade do governo, uma boa parte daliteratura econmica trata da confiabilidade do compromisso do governo com a no-interferncia na economia (a comear por Kydland e Prescott, 1977). Weingast (1993) estende oargumento, procurando desenhar o perfil de instituies capazes de produzir um compromissoconfivel. Sugere que "um federalismo capaz de preservar o mercado" tem condies decombinar pesos e contrapesos institucionais que impeam a interveno do governo naeconomia, com a concorrncia entre unidades para assegurar o crescimento.

    Em todos esses diversos estudos, a flexibilidade ou estabilidade das polticas vista comouma varivel importante. Alguns tericos consideram essa flexibilidade desejvel (para tomarmais gil a soluo de problemas), mas outros acham que intervenes freqentes podem piorara situao. Minha opinio um pouco mais agnstica no que diz respeito estabilidade daspolticas. Parece-me razovel supor que os que no esto satisfeitos com o status quoprefiramum sistema poltico capaz de introduzir mudanas rapidamente, enquanto os defensores dostatusquo preferem um sistema capaz de produzir polticas estveis. Mesmo que as maiorias sejamgrandes (caso em que se pode alegar que os resultados deveriam se ajustar vontade dessasmaiorias), pode ainda acontecer de as estruturas institucionais reagirem com uma velocidademaior ou menor do que seria desejvel. No crie parece claro que haja um consenso (ou que eleseja vivel) quanto desejabilidade de uma velocidade mais acelerada ou mais lenta. A rapidezda deciso no que diz respeito mudana do status quo ser boa se a situao for indesejvel (ouporque uma pequena minoria controla o governo, como se deu noAncien Rgime francs e, maisrecentemente, na frica do Sul), ou se um choque exgeno vier a transtornar o processodesejvel. O compromisso com a no-interferncia pode ser prefervel se o status quofordesejvel (por exemplo, quando se estabelecem direitos civis), ou se um choque exgeno for benfico (como um aumento no preo do petrleo para economias produtoras dessa fonte deenergia). Por ltimo, a capacidade decisria necessria quando a ausncia de uma soluo no a manuteno dostatus quo anterior, mas leva a um estado pior. No restante do artigo falareiem status quo,mas a expresso "falta de soluo" mais apropriada. Passemos agora aosconceitos que utilizarei no restante do artigo.

    A Figura 1 visa familiarizar o leitor com os conceitos que utilizo nesta anlise.Imaginemos um Legislativo unicameral que decida sobre as questes em duas dimenses com aparticipao de trs legisladores (ou trs partidos), nenhum deles dispondo de maioria absoluta.Suponha-se ainda que esses trs legisladores devam decidir sobre o tamanho dos oramentos dedefesa e de previdncia social. Cada um deles tem um "ponto ideal" no espao poltico, isto ,uma combinao preferida do tamanho dos dois oramentos. Alm disso, cada um doslegisladores indiferente quanto aos oramentos situados numa distncia equivalente ao seu"ponto ideal", em outras palavras, suponha-se que cada um dos legisladores tenham uma curvade indiferena circular.5 Nesse caso, se o Legislativo toma decises baseadas no voto da maioriados seus membros, e se eles no se posicionam na mesma linha reta, o status quo poder ser

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    derrotado independentemente do lugar em que esteja localizado. Efetivamente, as trs reassombreadas em forma de ptala da Figura 1 so formadas por todos os pontos que podemderrotar ostatus quo. Denomino essa rea sombreada de wnsetdostatus quo.

    Utilizo o tamanho do winsetdo status quocomo umproxy para estabilidade. Vrias

    razes justificam essa opo. Primeiro, quanto mais pontos (isto , propostas de poltica)puderem derrotar ostatus quo, mais este ser susceptvel a mudanas. Segundo, quanto maior foro winsetdostatus quo,mais provvel ser que um de seus subconjuntos satisfaa uma restrioexterna. Terceiro, se houver custos de transao na mudana do status quo,osatores noempreendero uma mudana que produza um efeito apenas ligeiramente diferente, o quesignifica que ostatus quopermanecer igual. Quarto, mesmo que no haja custos de transao,se os atores decidirem por uma mudana, um pequeno winsetdostatus quo significa que ela sergradual; em outras palavras, um winsetdo status quo pequeno impedir grandes alteraes da poltica. Cada uma dessas razes basta para justificar o uso do tamanho dowinsetdostatusquocomo umproxy para a estabilidade das polticas. Passo agora a detalhar as variveis queafetam o tamanho desse winset.

    Suponha-se um processo decisrio delegado a um ator individual (um ditador, um ldercarismtico num sistema de partido nico ou o lder de um partido disciplinado). Por definio,as polticas escolhidas por essa pessoa sero um reflexo de seu ponto ideal. Por isso, o statusquo acompanhar as posies desse ator enquanto ele permanecer incumbido da deciso. Se sua poltica preferida mover-se de um ponto ideal para outro, o status quoacompanhar essemovimento; e se o primeiro legislador vier a ser substitudo por outro, ostatus quopassar a ser oponto ideal dessa nova pessoa.

    Se em vez de um nico legislador houver dois, eles preferiro qualquer ponto situado nainterseo de suas curvas de indiferena relativas ao status quo. Por exemplo, na Figura 1, os

    atores A e C preferiro qualquer coisa que se situe no interior da rea sombreada, que representaa interseo de suas curvas de indiferena. Note-se que essa rea um subconjunto do crculodesenhado em tomo de A, quer dizer, a introduo de um segundo ator restringe a rea depossveis resultados.

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    Vejamos agora o que acontece se aumentarmos o nmero de requisitos, supondo anecessidade de um acordo unnime entre os trs atores individuais para que se tome a deciso demudar ostatus quo. Considere-se os atoresA, B e Cda Figura 2 e ostatus quo representado peloponto SQ. Enquanto os atores mantiverem suas posies, o status quono ser alterado (poisqualquer mudana ser objetada por pelo menos um dos atores). Suponha-se agora que oatorA mude sua posio deA1paraA2. Nesse caso, ostatus quopermanecer inalterado porqueos atoresB e C no estaro dispostos a mudar para nenhum lugar fora da rea WBCe oatorA1 no gostaria de se mover para essa rea. Apesar das mudanas de posio do atorA,nohaver mudana na poltica. Por outro lado, se o atorAfor substitudo pelo atorD, ento amudana tomar-se- possvel. Na verdade, qualquer ponto dentro da rea WBCD pode derrotarostatus quo e ser escolhido por todos os trs atores.

    .

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    Alguns desses resultados dependem do nmero de dimenses da poltica em questo.Para facilitar a apresentao, utilizo um espao bidimensional. Por exemplo, na Figura 2, pode-sever que um movimento do atorA da posioA1 para a posioA2 no surtiu nenhum efeitosobre ostatus quo. Esse resultado no teria sido o mesmo em mais de duas dimenses. Mas umaimportante concluso mantm-se independentemente do nmero de dimenses. Formulo-a comouma proposio, que ser usada nas demais sees deste artigo.

    Proposio 1: medida que aumenta o nmero de atores cuja concordncia necessria para haver umamudana nostatus quo,o winsetdostatus quo no aumenta (isto , a estabilidade da poltica no diminui).

    O argumento que fundamenta a Proposio 1 simples: o winsetdo status quo de n+1atores um subconjunto do winsetdostatus quo de n atores. Por esse motivo, acrescentar um oumais veto players no aumenta o tamanho do winsetdostatus quo.

    Examine-se agora a hiptese de dois atores individuais que tenham de concordar com ummovimento do status quo SQ, como na Figura 3. Se o atorB estiver prximo doatorA (posioBIna Figura), o winsetdostatus quo ser WAB1. Mas se o atorB estiver muito frente deA na mesma linha, haver uma diminuio do tamanho do winsetdostatus quo. Como

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    se pode verificar, WAB2 um subconjunto de WABI. Sabe-se que isso verdade porque oladoB2SQ do tringuloB1B2SQ menor do que a soma dos outros dois lados e, portanto, adistnciaB2P2 menor do que a distnciaB2P1.Isso uma outra propriedade geral quecolocarei em destaque para futura utilizao.

    Proposio 2: A medida que a distncia entre os atores cuja concordncia necessria para haver umamudana dostatus quo aumenta ao longo da mesma linha, o winsetdostatus quo no aumenta (isto , a estabilidadedas polticas aumenta).

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    Nos exemplos anteriores, supunha-se que os atores fossem indivduos (ou alguma outraentidade que pudesse ser tratada como um indivduo). O que acontece quando os atores sogrupos de indivduos que no tm posies idnticas? Vejamos essa hiptese. Suponha-se que osatores coletivos sejam indivduos portadores de curvas de indiferena circular e tomem decises por maioria simples. Essa hiptese nos permitir transpor as concluses da discusso anterior

    para situaes mais realistas em que haja atores coletivos e no apenas indivduos.A teoria da escolha social tem demonstrado que em todo ator coletivo existe uma esfera

    central chamada "yolk" (6) O tamanho rdo raio doyolk geralmente muito pequeno e, emmdia, diminui com o nmero de eleitores individuais que tm posies diferentes (Koehler,1990). Se chamarmos de Co centro do ncleo de um ator coletivo e de da distncia entreeste Ce ostatus quo (SQ), o winsetde SQpara este ator estar contido numa esfera de centro Ceraio d+2r. Esta uma importante contribuio da teoria da escolha social para nossos objetivos,porque nos permite substituir os atores individuais das Figuras anteriores por atores coletivos.

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    A Figura 4 oferece uma representao visual do argumento. Cinco atores individuaisformam um ator coletivo cuja concordncia por maioria necessria para haver uma mudanado status quo.A Figura indica oyolk(o centro Ce o raio r) desse ator coletivo e

    o winsetdo status quo. fcil verificar que o winsetdo status quoest contido no crculo quetem um centro equivalente ao centro do ncleo e o raio d + 2r, onde d a distncia entre ostatusquoe o centro C do Yolk.

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    A Figura 5 utiliza o argumento apresentado na Figura 4 para substituir os atoresindividuais por atores coletivos. A Figura pode ser entendida como uma extenso da Figura 2para o caso de atores coletivos em vez de atores individuais. Denomino de ra, rb e rc os raiosdosyolks dos atores coletivosA,B e C, respectivamente. Neste caso, o winsetdostatusquocontm pontos situados a uma distncia maior do que o prprio status quodos centros

    dosyolks dos atores coletivos. Desenhei os crculos correspondentes na Figura 5 e o conjunto de pontos que pode derrotar o status quoest contido na reaWABC. (7) A prxima proposio uma conseqncia direta do raciocnio anterior.

    Proposio 3: medida que aumenta o tamanho doyolkdos atores coletivos que devem concordar comuma mudana dostatus quo, a rea que contm o winsetdostatus quo tambm aumenta (isto , a estabilidade das

    polticas decresce).

    fcil ver que atores individuais so apenas um caso especial de atores coletivos comraio deyolkigual a zero. Mas, conforme veremos em seguida, tambm h atores coletivos quetm um tamanho deyolkigual a zero, e que podem ser assimilados a atores individuais para osnossos objetivos.

    Recapitulando, o tamanho do winset umproxy da estabilidade das polticas pblicasdentro de um sistema poltico. As Proposies 1, 2 e 3 tomam o tamanho do winsetcomo umafuno de diferentes variveis que examinaremos a seguir.

    II. As variveis independentes: os veto players e suas caractersticas

    Defino nesta seo o conceito fundamental para o entendimento da lgica de diferentescontextos institucionais: o veto player. Utilizo as Proposies 1, 2 e 3 para demonstrar que aestabilidade das polticas pblicas de um sistema poltico depende de trs caractersticas deseus veto players: seu nmero, sua congruncia (a diferena entre suas posies polticas) e sua

    coeso (a similaridade das posies polticas das unidades que constituem cada um deles).Embora tratando essas caractersticas como variveis. independentes, examino as conexesestabelecidas pela literatura entre essas variveis e outros fatores institucionais, especialmente osistema eleitoral.

    Um veto player um ator individual ou coletivo cuja concordncia (pela regra da maioriano caso dos atores coletivos) requerida para tomar a deciso de mudar uma poltica. O conceitode veto playerorigina-se da idia de pesos e contrapesos includa na Constituio norte-americana e nos textos constitucionais clssicos do sculo XVIII; implcita ou explicitamente mencionada nos estudos contemporneos (ver Lijphart, 1984; Riker, 1992a e Weaver eRockman, 1993). Montesquieu, por exemplo, defende a necessidade do bicameralismo

    afirmando:

    Num Estado, h sempre pessoas dignificadas pelo nascimento, pelas riquezas ou pelas honrarias; mas, se seconfundissem com o povo e s tivessem, como os outros, um voto, a liberdade comum seria sua escravido e noteriam nenhum interesse em defend-la, porque a maioria das resolues seria contra elas. A participao quetomam na legislao deve ser, portanto, proporcional s outras vantagens que tm no Estado, o que acontecer seformarem um corpo que tenha o direito desustar as iniciativas do povo, tal como o povo tem o direito de sustar asdeles. (Montesquieu, 1989, parte 2, livro 11, cap. 6; o grifo meu).(8)

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    Da mesma maneira, Madison, em O Federalista n 51, defende a separao dos poderesda seguinte maneira: "traar de tal maneira a construo do governo que todas as suas diferentespartes possam reter-se umas s outras nos seus lugares respectivos". (Hamilton, Jay e Madisons/d; o grifo meu). (9) Ambos os textos tratam dos veto players especificados pela Constituio.Denomino-os de veto playerinstitucionais [institutionalveto players].

    Existe, porm, uma outra categoria de atores, encontrada nos sistemas parlamentaristaspluripartidrios e possivelmente tambm nos sistemas presidencialistas: os partidos que integramuma coalizo de governo. Denomino-os veto playerspartidrios [partisan veto players].

    Para simplificar as coisas, parto da premissa de que um projeto do governo tem de seraprovado pela maioria dos atores relevantes dentro de cada partido que compe a coalizogovernamental.(10)Essa uma primeira aproximao. O suposto nela implcito o de que no hdiferena alguma entre a aprovao de uma poltica pelas maiorias das duas Cmaras de umsistema bicameral (veto players institucionais) e a aprovao de uma poltica pela maioria dosdois parceiros de uma coligao governamental (veto players partidrios). claro que h uma

    grande diferena entre os dois tipos de atores: segundo a Constituio, a concordncia dosvetoplayers institucionais uma condio necessria e suficiente para haver uma mudana de

    poltica, mas a concordncia dosveto players partidrios no , estritamente falando,nemnecessria nem suficiente.

    A concordncia dos atores partidrios no suficiente porque um projeto que recebe aaprovao de todos os parceiros numa coligao governamental pode ser derrotado noParlamento, e nesse caso a lei no ser adotada. o que acontece quando um acordo de umacoalizo no pode ser sustentado. Os partidos que participam do governo no disporiam dosrecursos necessrios para impedir a desero de seus prprios representantes na votaoparlamentar. A Quarta Repblica francesa e a Itlia do ps-guerra exemplificam essa situao.

    No deixa de ser uma ironia que exatamente o que o general de Gaulle tratava sarcasticamentecomo o "rgime des partis" padecesse exatamente de seu oposto: a falta de partidos. Asdivergncias no tinham como objeto planos de ao, mas personalidades e a distribuio de pastas ministeriais. Tambm na Itlia,franchi tiratoriaproveitavam-se do sistema de votaosecreta para criar dificuldades ao governo impondo-lhe derrotas no Parlamento. (11) Nos doiscasos, a estabilidade do processo de formulao de polticas aumenta porque o governo incapazde modificar a legislao que pretende abolir. Mais adiante veremos de que maneira se podeexplicar esse aumento da estabilidade utilizando o modelo dos veto players.

    A concordncia dos veto players partidrios no necessria para a mudana de polticas,porque os partidos coligados podem passar por cima uns dos outros ou ser jogados uns contra osoutros. Isso pode ocorrer em duas situaes: nos governos minoritrios e nos governos demaioria superdimensionada.

    Governos minoritrios podem ter suas propostas aprovadas no Parlamento. Analisandoesse tipo de governo, Strom (1990) concluiu que eles so muito comuns nos sistemas pluripartidrios (cerca de um tero dos governos includos em sua amostra). Alm disso, amaioria deles (79 casos num total de 125) so governos de partido nico, que se parecem comgovernos majoritrios de partido nico. Laver e Schofield (1992) afirmaram que h uma

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    diferena entre uma maioria de governo e uma maioria legislativa e que o partido que constitui ogoverno minoritrio geralmente ocupa uma posio central no espao poltico. Por essa razo,ele pode tender a apoiar-se em um ou outro possvel parceiro para aprovar seus projetos noParlamento. Conseqentemente, do ponto de vista da formulao de polticas, um governominoritrio de partido nico, enquanto se mantiver no poder, assemelha-se a um governo

    majoritrio de partido nico. Duas razes explicam essa semelhana. Primeiro, quando o partidominoritrio ocupa uma posio central no governo (o core, para usar uma linguagem tcnica), prescinde de aliados formais, como Laver e Schofield (1992), Strom (1990) e tantos outrosassinalaram.(12)Segundo, independentemente da localizao do partido no governo, vriasConstituies dotam os governos de uma srie de instrumentos de definio de agenda, taiscomo a prioridade para os projetos de lei de iniciativa do Executivo, a possibilidade de regrasrestritivas de emendas parlamentares, a prtica de computar as abstenes a favor dos projetos dogoverno, a possibilidade de introduzir emendas a qualquer altura dos debates (inclusive antes davotao final) e outros semelhantes. A mais freqente e mais sria dessas medidas de definiode agenda a ameaa de renncia do governo seguida pela dissoluo do Parlamento. Essamedida existe em todos os sistemas parlamentaristas, com exceo da Noruega.(13)

    Governos de maioria superdimensionada so to comuns quanto governos de minoria naEuropa ocidental. Laver e Schofield (1992) calculam que em 4% dos casos (dentre os 218governos que examinaram), um partido que detenha sozinho a maioria das cadeiras convidaroutro partido a aderir ao governo; e, em 21% dos casos, embora no haja um partido majoritrio,a coligao inclui um ou dois partidos alm do necessrio. Nesses casos, alguns dos parceiros dacoligao podem ser descartados e as polticas sero aprovadas por uma maioria constituda noParlamento. Essa uma situao freqente na Itlia, onde cinco partidos participaram dosgovernos durante a dcada de 80. Os democrata-cristos e os socialistas, juntos, tinham a maioriadas cadeiras, o que tornava os outros trs partidos numericamente desnecessrios. Contudo,ignorar os parceiros de coligao, ainda que numericamente possvel, impe custos polticos. Sea discordncia for muito sria, o parceiro de pequeno porte pode renunciar, e o processo deformao do governo ter de ser recomeado. A aritmtica no leva em conta a realidade de quecertos fatores polticos exigem coligaes superdimensionadas. Independente-mente da naturezadesses fatores, para que a coligao se mantenha intacta, a vontade dos diferentes parceiros deveser respeitada. por isso que cada parceiro constitui um veto player. Assim, embora a aritmticado processo legislativo possa ser diferente da aritmtica do governo, uma modificao do statusquo geralmente deve ser aprovada pelo governo antes de ser levada ao Parlamento e, nessa etapaprvia, os membros de uma coalizo governamental constituem veto players.

    Em geral, seja por dispositivos constitucionais, seja pelo processo de barganha no interiorda coligao, o governo recebe poderes extraordinrios de definio de agendas. Um exemplo doprimeiro caso o extraordinrio arsenal legal de que dispe o governo francs (principalmente oartigo 49.3 da Constituio), que lhe permite evitar a introduo de emendas e at mesmovotaes finais no plenrio do Parlamento (ver Huber, 1992 e Tsebelis, 1990). Um exemplo dosegundo caso a seguinte declarao do primeiro-ministro noruegus Kare Willoch a respeito dacoligao que apoiava seu governo: "Eu precisava de suas principais personalidades no governo.Era uma exigncia minha que as lideranas de seus partidos integrassem o governo porque noqueria fortalecer os outros centros que estavam no Parlamento. Esta era para mim uma condioabsoluta para ter trs partidos no governo" (apud Maor, 1992).

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    O resultado de todos esses procedimentos de definio de agencia que em mais de 50%de todos os pases, os governos encaminham mais de 90% dos projetos de lei. Alm disso, aprobabilidade de que esses projetos sejam aprovados muito alta: mais de 60% passam com umaprobabilidade superior a 0,9 e mais de 85% so aprovados com uma probabilidade maior do que0,8.(14)

    Resumindo, pode-se dizer que, se o nmero de veto players institucionais especificadopela Constituio, o nmero de veto players partidrios especificado de modo endgeno pelosistema de partidos e pelas coalizes de governo de cada pas em particular. Mas essas duascategorias de atores so facilmente identificveis. Neste artigo, limitarei a discusso a essesdois veto players, mas indicarei mais adiante como a lgica da anlise permite incluir outrosatores e como possvel identific-los.

    Determinados os veto players institucionais e partidrios dentro de um sistema, podemosrecorrer s Proposies 1, 2 e 3 para calcular o tamanho do winsetdo status quoe, porconseguinte, a estabilidade das polticas pblicas desse sistema. O restante desta seo ser

    dedicado a uma discusso dos aspectos polticos daquelas Proposies.Nmero de veto players

    As regras de clculo do nmero de veto players podem ser deduzidas diretamente dadefinio do conceito: trata-se de qualquer ator - institucional ou partidrio - capaz de bloquear aadoo de uma poltica. Como, no entanto, essa regra de clculo s vezes produz resultados quese chocam com os critrios convencionais, serei mais especfico quanto ao mtodo de contagem.

    Um ator institucional s ser computado como portador de um poder de veto se detiverpoder formal para faz-lo. No que diz respeito ao bicameralismo, h pases nos quais a Cmara

    Alta s dispe de poder para adiar decises.(15) Por exemplo, ainda que a Gr-Bretanha e austria sejam formalmente sistemas bicamerais, nos dois pases, em ltima instncia, a CmaraBaixa pode anular em ltima instncia as objees da Cmara Alta. Portanto, esses dois sistemasdevem ser classificados como legislaturas unicamerais. Uma lista completa das legislaturasbicamerais e suas regras decisrias facilmente encontrada na literatura da rea, de modo queme abstenho de repetir tais informaes neste artigo (Money e Tsebelis, 1992). Cabe mencionar, porm, alguns exemplos importantes. Para fins de clculo, a Frana uma legislaturaunicameral; j a Alemanha um caso misto: apenas a legislao referente Federao exige aaprovao das duas Cmaras. Mas o nmero de leis que exigem a aprovao do Bundesrat(Zustimmungsgesetze, isto , leis de acordo consensual) vem aumentando com o tempo para maisde 50%. Por conseguinte, na Alemanha, dependendo da questo, o nmero de vetoplayersinstitucionais pode ser de um ou dois.

    Quanto ao presidencialismo, nem todos os presidentes eleitos por voto popular tm podercie veto, e quando o tm, seu veto pode ser quase sempre derrubado por uma determinadamaioria de membros do Legislativo. (16)No discutirei aqui os problemas implcitos na rejeiode vetos.(17)Gostaria apenas de assinalar que em vrios regimes presidencialistas - Venezuela,Haiti e Peru - o presidente no tem poder de veto e portanto no conta como um veto player:Alm disso, em todos os regimes que Duverger (1980) classifica como semipresidenciais (com

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    exceo de Portugal), o presidente da Repblica no tem poder de veto. Portanto, um grupo depresidentes eleitos por voto popular, at mesmo alguns dos que so considerados "fortes" - comoos presidentes da Frana, da Finlndia e da Repblica de Weimar -, tanto quanto os mais fracos,como os da Irlanda, Islndia e ustria, no .podem ser considerados veto players pela minhadefinio. (18)(Shugart e Carey fornecem uma lista completa dos poderes presidenciais em

    diferentes pases; por isso no a repetirei aqui. Ver Shugart e Carey, 1992)A essa altura de minha exposio, o leitor poder objetar que meu argumento d origem a

    classificaes ambguas - por exemplo, a Alemanha s vezes considerada unicameral, s vezesbicameral, em termos de atores institucionais -; alm disso parece classificar errado alguns pases- a Frana, por exemplo, que tem um presidente forte e uma legislatura bicameral consideradacomo um regime parlamentarista puro com um veto playerinstitucional. Admito minha culpa emrelao a essas objees, mas declaro que os requisitos constitucionais e a lgica do processodecisrio desses pases que me levaram a tais concluses. A classificao tradicional depresidentes "fortes" e "fracos" baseia-se no apenas em suas funes legislativas, como tambmem seu poder no-legislativo (de formar e dissolver o governo, de convocar referendos, de

    declarar estado de calamidade pblica); esses ltimos so irrelevantes para minha anlise.O clculo torna-se mais difcil no caso dos veto players partidrios. O mesmo sistema

    parlamentarista pode ser classificado como um sistema de um s veto playerpartidrio, quandopossui um governo minoritrio, e tambm como um sistema de dois ou trs veto players, quandodois ou trs partidos esto no governo. Na verdade, no s possvel como freqente que atransio de um governo para outro ocorra sem eleies. Essa , por sinal, uma queixafreqentemente dirigida s democracias parlamentares: o fato de ser mediada e de que a relaoentre o voto popular e a coalizo de governo nem sempre clara.

    H duas questes adicionais relativas ao problema da contagem que precisam ser

    mencionadas: (1) Sero os atores institucionais e partidrios os nicosv

    eto players em umsistema? (2) Como se faz o clculo quando esto presentes tanto atores institucionais quantopartidrios?

    A resposta primeira pergunta negativa. H vrias outras categorias de veto players emdiferentes sistemas polticos. Pode-se pensar, por exemplo, nos grandes grupos de interesse comoum desses atores, pelo menos nas reas de poltica que lhes dizem respeito. O Exrcito tambmpoderia ser um grupo importante (Ames, 1987). Os sistemas polticos que contam com poucosdesses atores podem delegar a formulao de polticas a diversos grupos adicionais. Porexemplo, nos pases corporativistas, as decises sobre salrios (que acarretam conseqnciaseconmicas mais gerais) so tomadas pelo governo, mas com a aprovao de dois vetoplayers adicionais: os representantes dos trabalhadores e das empresas. Os sistemas polticos quecontam com muitos veto players podem delegar a tomada de decises a uns poucos deles. Porexemplo, determinados instrumentos de poltica monetria podem ser delegados a um BancoCentral capaz de reagir com maior rapidez e deciso do que o sistema poltico. Ademais, certosindivduos situados em posies particularmente sensveis podem funcionar como efetivos vetoplayers. O presidente da Comisso das Foras Armadas do Senado norte-americano temdemonstrado capacidade para bloquear as nomeaes e as polticas propostas tanto pelopresidente Bush (o lanamento da candidatura Tower) quanto pelo presidente Clinton (o projeto

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    sobre a presena de gays no Exrcito). Contudo, o poder de veto desses atores idiossincrtico;varia com a rea de poltica (como os fazendeiros na agricultura), com determinado equilbrio deforas (a influncia do Exrcito em certas sociedades), ou com a personalidade de quem ocupauma posio poltica.

    Entre outros atares mais institucionalizadas incluem-se os tribunais, as maioriasqualificadas exigidas pela Constituio e os referendos. Exigir a concordncia do judicirio paraa aprovao de determinada legislao equivale a adicionar uma outra Cmara ao processolegislativo. Por exemplo, aps a vitria da esquerda na Frana, em 1981, o ConselhoConstitucional tomou-se o nico veto playera agir em nome da maioria anterior. As decisesmais importantes do governo foram postas em questo perante o Conselho Constitucional. Otemor da reviso constitucional tomou-se to grave que as maiorias parlamentares incluram nalegislao expresses da prpria linguagem das decises anteriores da Corte, numa tentativa deevitar que suas deliberaes fossem anuladas (Stone, 1992).

    Com exceo da derrubada do veto, raramente se verifica uma exigncia constitucional

    de maiorias qualificadas. Mas, onde quer que ela exista, e sempre que isso ocorrer, tal exignciaconferir poder de veto a determinadas coalizes de atores e; portanto; aumentar a estabilidadedostatus quo. A Blgica, que, entre outras exigncias, determina uma maioria de dois teros nasduas Cmaras para reformas da Constituio, conviveu durante muito tempo com uma CartaConstitucional incompleta por causa da multiplicidade dos veto players (Tsebelis, 1990).

    Finalmente, os referendos tm um efeito ambguo dependendo de quem controla aagenda. Se os referendos podem ser convocados por iniciativa popular, significam uma restrioa mais que os veto players tm de antecipar e diluir (e nesse caso a estabilidade das polticasaumenta). Se os referendos so controlados por um dos veto players (geralmente o presidente daRepblica), podem significar o mesmo que uma rejeio do veto de todos os outros atores do

    sistema (mais ou menos como as legislaturas derrubam vetos presidenciais).Em linhas gerais, o nmero de veto players varia de acordo com o assunto em discusso.

    Suponhamos uma rea de poltica na qual a rapidez do ajuste seja de suma importncia, como na poltica monetria. Um sistema, como o dos Estados Unidos, com mltiplos vetoplayersincongruentes e incoerentes, seria totalmente inadequado para tratar de ajustes nas taxas de juros.Em conseqncia disso, os diferentes atores polticos aceitam delegar tais decises a umaautoridade independente. Esses bancos independentes tomam decises por uma maioria simplesde seus membros em vez de deixar o poder de veto com os diferentes grupos derepresentantes. (19)

    Por outro lado, pases que contam com um sistema poltico com capacidade decisria,como os governos de partido nico da Sucia e da Noruega, podem querer aumentar aestabilidade das polticas incluindo outros veto players para uma determinada deciso, porexemplo, a negociao de salrios. As estruturas corporativistas de representao de interessesdo poder de veto a diferentes atores envolvidos na deciso, a fim de garantir que o resultadofinal contar com a aprovao deles e, assim, tornar-se mais estvel. Luebbert (1986) afirma queesse mtodo de deciso corporativista alivia a presso imposta sobre o sistema poltico,deslocando-a para os grupos de interesse.

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    A maioria dos pases que possuem sistemas bicamerais utiliza diferentes procedimentos para aprovao de leis de carter financeiro e de leis de outra natureza, dando mais poder sCmaras Baixas (assim como ao governo) em matria financeira (Money e Tsebelis, 1992). Damesma maneira, outras importantes decises podem incorporar um vis a favor do status quo:mudanas da Constituio exigem maiorias qualificadas; legislao que afeta o federalismo na

    Alemanha requer a aprovao das duas Cmaras; leis exigem exame mais minucioso do que osdecretos do Executivo etc.

    Como este artigo tem uma inteno comparativa, daqui por diante concentrarei minhaanlise nos veto players que denominei de institucionais e partidrios, deixando de lado outrosatores menos freqentes. Isso porque assumo que enquanto onmero de veto players possa variarcom o tempo ou o assunto em discusso, essas variaes anulam-se mutuamente quandoaplicadas a uma diversidade de questes por perodos de tempo suficientemente longos. Mas, nosestudos de caso, preciso identificar todos os veto players relevantes.

    O segundo problema relativo s regras de clculo o de como computar o nmero de

    atores quando h ao mesmo tempoveto players institucionais e partidrios. Responder a essa pergunta exige discutir a segunda varivel independente: a distncia das posies polticas

    dos veto players.

    Distncia das posies entre os veto players

    Segundo a Proposio 2, o tamanho do winsetdo status quodiminui de acordo com adistncia das posies polticas dos veto players. Denomino esta distncia de congruncia entreos veto players; e, nesse caso, a congruncia aumenta medida que a distncia diminui. De quedependem essas distncias? Faamos um resumo de alguns argumentos encontrados na literatura.Em primeiro lugar, os atores partidrios distinguem-se entre si, porque os partidos tm, em geral,

    diferentes posies polticas. Raramente acontece de dois diferentes partidos defenderem posies polticas quase idnticas.(20)A razo disso que, no sistema de representaoproporcional, se dois partidos tiverem posies semelhantes numa srie de dimenses, tendero aacentuar suas diferenas em outras dimenses da poltica como uma maneira de conquistar votos.Conseqentemente, por razes prticas, partidos diferentes devem ser computados comodiferentes veto players.

    Um importante fator que afeta a congruncia das posies polticas dos partidos osistema eleitoral. Downs (1957) afirmou que um sistema bipartidrio promove a convergncia ea moderao dos partidos. Sartori (1976) ampliou esse argumento afirmando que a "polarizao"aumenta com o nmero dos partidos. Recentemente, Cox (1987) demonstrou que na competioeleitoral por uma nica cadeira, independentemente do sistema eleitoral, os partidos convergem para o eleitor mediano. Mas as concluses de Downs e Cox pressupem necessariamente ainexistncia de abstenes, ou ento que esta no esteja relacionada com as posies polticasdos partidos. Essa premissa faz com que seja vantajoso para os partidos movimentarem-se emdireo para o centro do espectro poltico, ao mesmo tempo em que afastar-se dos indivduosmais fortemente ideoiogizados de seu eleitorado no lhes traz conseqncias negativas.

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    Situaes empricas que contradizem essas expectativas (as eleies de Reagan, Thatchere Mitterrand), alm da premissa irrealista da inexistncia de abstenes por motivos polticos,levaram alguns pesquisadores a afirmar que os sistemas pluralistas so compatveis com partidos polarizados (Rogowski, 1987). tambm possvel encontrar-se uma polarizao nos sistemasproporcionais (o Chile de Allende, a Repblica de Weimar, a Espanha antes da guerra civil, a

    ustria entre as duas guerras), de modo que a controvrsia no pode ser resolvida pelo usoseletivo dos dados (por sinal, no me parece que ela possa ser resolvida mesmo que todos osdados relevantes forem coletados - ver nota 3).

    Apesar da opinio corrente de que a congruncia depende do sistema eleitoral, a direodessa relao menos clara. De um lado, a ocorrncia da convergncia em distritos uninominaisfoi comprovaria teoricamente (inclusive nas eleies presidenciais), mas essas provas baseiam-seem premissas muito restritivas. Por outro lado, a evidncia emprica (para dizer o mnimo)incompleta.

    Uma ltima questo refere-se distncia das posies entre veto players institucionais,

    isto , as Cmaras e os presidentes. Essa distncia pode variar de uma eleio para a outra.Dois veto playersinstitucionais e composies polticas diferentes devem ser computados comodois atores distintos. Uma vez mais, a distncia varia em funo da composio das casaslegislativas. Se essa composio for idntica, os dois atores institucionais so idnticos e devemser computados como um s. Denominarei esta ltima afirmao de regra de absorFo e dela meutilizarei quando for computar os atores.

    De um modo geral, as diferentes Cmaras representam diferentes principais, ou "fontesde legitimidade", isto , diferentes parcelas do eleitorado ou modos de representar o eleitorado.Historicamente, as Cmaras Altas representam a aristocracia. medida que a importncia daaristocracia se reduziu, o papel das Cmaras Altas declinou em alguns pases (no Reino Unido,

    por exemplo), enquanto em outros pases elas foram modificadas para representarem algumoutro aspecto do eleitorado (territorial, como na Frana; profissional, na Irlanda). Ainda emoutros pases (Nova Zelndia, Sucia, Dinamarca), a segunda Cmara foi totalmente abolida.Finalmente existem pases em que a Cmara Alta transformou-se numa reproduo exata daCmara Baixa (Itlia, Blgica, Holanda). Em todos esses casos, a despeito de um bicameralismonominal, o nmero real de veto players institucionais igual a um, seja porque a Cmara Altano dispe de poder de veto, seja porque ela congruente com a Cmara Baixa, ou as duascoisas (Holanda). Os nicos casos em que as Cmaras Altas continuam tendo poder de veto soas federaes, como os Estados Unidos, a Alemanha e a Sua. (21)Nesses casos, as legislaturasdevem ser computadas como dois veto players, com exceo das raras situaes em que osresultados eleitorais produzem maiorias idnticas nas duas Cmaras. Essas mesmas regras decmputo podem ser aplicadas aos presidentes.

    A argumentao at aqui desenvolvida pode servir de base para especificar comocomputar as combinaes de atores institucionais e partidrios. Pases como os Estados Unidosgeralmente tm trsveto players institucionais. Esse nmero se reduz a dois ou a um, quando sepode afirmar que as duas Cmaras so congruentes (regra de absoro), ou todos os trs atoresso congruentes (por exemplo, durante os primeiros 100 dias do New Deal). Do mesmo modo,depois das eleies de 1992, os trs atores institucionais tm se revelado congruentes pelo menos

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    em algumas dimenses e, de acordo com a "regra de absoro", devem ser computados comoum. Resultados preliminares mostram que a administrao Clnton eliminou o "impasse" econsegue movimentar-se com agilidade em diversas reas legislativas (por exemplo, na questoda licena-maternidade), assim como editar ordens executivas [Executivie Orders] sem receio deuma rejeio por parte do Legislativo (por exemplo, na questo do aborto). Por conseguinte, as

    comparaes, at dos mesmos problemas em diferentes perodos de tempo, tm de levar emconta essas mudanas polticas.

    Federaes, como a Alemanha, tm dois atores institucionais, mas um nmero varivelde veto players. Durante a maior parte do ps-guerra, a Alemanha tem tido governos de coalizo,que incluem o pequeno Partido Democrata Livre (FDP) e os democratas-cristos (CDU-CSU) ouos socialdemocratas (SPD). Nos perodos em que as duas Cmaras so controladas pelo governo,o nmero de veto players so dois (os dois parceiros que formam a coalizo) com altacongruncia entre si (o FDP fica no meio entre o CDU-CSU e o SPD), mas quando a oposiocontrola o Bundesrat o nmero de veto players sobe para trs e o nvel de congruncia baixo.

    No Japo, o Partido Democrtico Liberal (LDP), dominante, controlou as duas casas doParlamento at julho de 1989, quando perdeu a maioria na Cmara Alta. Para manter suapredominncia no Legislativo, o LDP formou uma coalizo com dois partidos ideologicamente prximos (o Social Democrata e o Clean Government Parly, KOMEY). Dessa maneira, onmero de veto players aumentou de um para trs partidos congruentes.

    Na Franca, o nmero de veto players institucionais de um (pois nem o presidente nem oSenado tm esse poder), mas o nmero de veto players partidrios passou de dois partidoscongruentes (antes de 1981 e depois de 1993, quando a direita esteve no poder) para dois partidos incongruentes (de 1981 a 1984, quando os comunistas fizeram parte da coalizogovernamental) e para um partido (entre 1984 e 1993, com o governo de minoria socialista). O

    aumento da estabilidade das polticas na coligao entre comunistas e socialistas patenteou-se nofato de que a coalizo no se entendia quanto s mudanas de poltica: os socialistas precisaramse livrar dos comunistas para aprovarem um programa de austeridade.

    De um modo geral, os atores partidrios devem ser computados como distintos, enquantoos atores institucionais podem ser absorvidos (ou seja, eliminados do cmputo em virtude dacongruncia). A conseqncia disso que se os dois grupos parlamentares de todos os partidos(que ocupam assentos na Cmara e no Senado) forem idnticos, o nmero final de vetoplayers ser igual ao nmero de atores partidrios necessrios para formar o governo de coalizo.Se os grupos parlamentares dos partidos no forem congruentes, o nmero de veto players sermaior do que o nmero de partidos que integram a coalizo governamental.

    Tamanho do yolk dos veto players

    A terceira varivel independente o tamanho doyolkde cada veto player. De acordo coma Proposio 3, a estabilidade das polticas diminui quando o tamanho do yolkde cada um dessesatores aumenta. O tamanho doyolk. depende do grau de coeso do partido: partidos coesostmyolks menores. Um partido que comporta pequenas divergncias ideolgicas coeso porqueoyolk necessariamente pequeno. Mas a recproca no verdadeira. Um partido cujos membros

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    mantm grandes distncias ideolgicas entre si no necessariamente um partido no-coeso. Sea disposio dos polticos eleitos pelo partido no espao poltico for tal que eles se posicionemsimetricamente ao redor da liderana, o tamanho doyolkser pequeno. Nesse caso, apesar dasdivergncias individuais, o conjunto do partido se comportar de modo coeso e coordenado.

    Neste momento, cabe diferenciar entre disciplina partidria e coeso partidria. A coesorefere-se diferena de posies polticas dentro de um partido antes que se proceda discussoe votao no interior do partido. Disciplina partidria refere-se capacidade de um partido paracontrolar os votos de seus membros no Parlamento. Detalhemos esse argumento.

    Consideremos um determinado projeto de lei, ou um pacote cie projetos de lei, ou mesmotodo o programa de uma coligao. Supondo-se que os membros de cada partido tenhamdiferentes posies ideais nas dimenses relevantes, h trs maneiras possveis de conduzir nointerior de uma poltica de coalizo. Na primeira alternativa, os lderes dos partidos se renem eassinam um acordo sem submet-lo aos partidos (ou sem retornar a eles para obter umaratificao formal). Na segunda, que cada partido discute previamente as questes, aprova uma

    plataforma comum (um ponto ideal para o conjunto dos membros do partido) e depois negociaum acordo com outros partidos. Na terceira, os lderes dos diversos partidos se renem, chegam aum acordo e depois o submetem como um todo aprovao de seus respectivos partidos. Nos primeiros dois casos, cada partido (com ou sem discusso e votao) representado por umnico ponto ideal e o raio do ncleo igual a zero. Com isso, aumenta a estabilidade poltica dosistema. No terceiro caso, porm, o resultado das negociaes ser menos restrito.

    possvel que os lderes selecionem a seqncia de negociaes que melhor se adapte ssuas prprias posies ideais. Por exemplo, lderes que adotam uma posio de centro (isto ,aqueles que se colocam mais prximos das posies ideais dos outros partidos do que a dosadeptos de seu prprio partido) tendero a preferir o terceiro mtodo de negociaes, posto que

    este lhes permite maior liberdade de movimentos. (22)Lderes extremistas (aqueles que estomais distantes dos parceiros de coalizo do que seu prprio partido) preferiro "atar suas mos" eobter uma votao do partido que restrinja sua liberdade de movimentos. Contudo, essasmanobras podem se tornar complicadas quando se considera conjuntamente o comportamentodos outros atores. Por exemplo, at os lderes mais centristas podem preferir "atar suas mos" afim de no fazerem importantes concesses iniciais.

    Qualquer que seja o procedimento escolhido, um compromisso prvio, juntamente com adisciplina partidria, reduz o nmero de dimenses das negociaes e limita o winsetdostatusquo. Isso tambm quer dizer que, enquanto os partidos continuarem a ter os mesmos pontosideais, o acordo no pode ser desmanchado (ver Figura 4). De outro modo, se nenhumcompromisso prvio for estabelecido, ou se ele no for crvel (devido falta de disciplina),o winsetdostatus quo ser maior e possibilitar pequenos deslocamentos ainda que nenhum atorindividual mude de posio.

    Que fatores influenciam a coeso? Antes de mais nada, o tamanho do veto playerafeta acoeso. Um nico veto player(um presidente ou um partido que tenha um lder carismtico) temo nvel mais alto de coeso. Mas, excetuando-se o caso cio ator individual, como argumentei naSeo I, a coeso tende a crescer com o nmero de diferentes atores individuais que constituem

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    o veto player: Tudo omais permanecendo igual, um vetoplayerque conta com mais membrosser mais coeso do que um outro que tenha menos integrantes.

    Outro fator que pode aumentar a coeso desses atores o sistema eleitoral. J se afirmouque os distritos uninominais ajudam a promover o voto pessoal (Cain, Ferejohn e

    Fiorina, 1987),ao passo que o sistema proporcional com listas de candidatos geram partidosfortes (Shugart e Carey, 1992).No claro se esses argumentos se referem disciplina partidria(a capacidade dos partidos de eliminar dissensos depois de tomada uma deciso) ou coeso (otamanho das divergncias antes da discusso). possvel, porm, que o sistema eleitoral afeteambos os fatores: os sistemas majoritrios ajudam a criar amplas coalizes, o que significa quesua coeso reduzida; por outro lado, os sistemas de representao proporcional com listas decandidatos conferem s lideranas um controle das indicaes de candidatos e, portanto,aumentam a disciplina partidria.

    Uma ltima influncia sobre a coeso provm da estrutura institucional. Fazendo umresumo da literatura relevante, Mainwaring (1989 e 1991) afirmou que os regimes

    presidencialistas fomentam a falta de coeso porque o presidente tenta explorar as divergnciasentre os parlamentares com o intuito cie constituir coalizes favorveis aos seus programas degoverno. Por outro lado, o parlamentarismo ajuda a criar a disciplina partidria porque votarcontra seu prprio governo pode acabar por derrub-lo e resultar na convocao de novaseleies.

    Embora tanto a estrutura institucional quanto o sistema eleitoral paream afetar a coesode maneira independente, no se sabe qual deles tem maior impacto. Tambm no claro se hainda outros fatores que afetem a coeso e quais os resultados a serem obtidos por meio de umaanlise de regresso com mltiplas variveis: Por esse motivo, neste modelo uso a coeso comouma varivel independente.

    Concluindo, as Proposies 1, 2 e 3 afirmam que a estabilidade das polticas de umsistema poltico aumenta de acordo com o nmero de veto players, diminui com sua congruncia(na verdade, se dois atores forem completamente congruentes, eles podem ser consideradoscomo um s) e aumenta com a coeso de cada um deles.

    III. Conseqncias

    Nesta seo, discuto as implicaes de minha anlise. Abordo trs diferentes questes: ascondies que tornam a mudana provvel; as divergncias nas previses do modelo de anlisedo veto playeraqui exposto e as classificaes convencionais da cincia poltica; e as evidnciaspreliminares de que as anlises empricas apiam meu modelo mais do que as teorias existentes.

    Previses de mudana de polticas

    Examinemos de maneira mais sistemtica as comparaes ao longo do tempo. Se houveruma mudana de identidade ou de posies de um veto player, provvel que isso se reflita nas polticas. Nesse caso, conforme indiquei acima, quanto maior for o nmero deveto players,menos significativo ser o impacto marginal da modificao de um deles.

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    A movimentao viesses atores pode estar associada ou no s eleies e s mudanas naidentidade de cada um deles. possvel haver eleies que no mudem os polticos no poder; possvel haver uma mudana de polticos sem que se alterem as polticas; e, por fim, possvelhaver mudanas nas polticas que no resultem nem de alteraes dos resultados eleitorais nemde mudanas dos polticos eleitos. Vejamos alguns exemplos.

    O Japo tem sido dominado pelo Partido Democrtico Liberal desde a Segunda GrandeGuerra. L as eleies no resultam de uma mudana de identidade ou de posio dos vetoplayers. Se ignorarmos a fragmentao das faces dentro do partido, s existe um vetoplayer,mesmo que levemos em conta essas divises, os atores continuaro sendo os mesmos. Portanto, aocorrncia de mudanas nas polticas no o resultado nem de eleies nem de uma alterao naidentidade dos veto players, mas antes de uma modificao na posio poltica do partidodominante.

    Pensemos num pas como o Reino unido, que tem um sistema bipartidrio no qual ospartidos se alternam no governo. Se as diferenas entre os programas dos partidos forem muito

    grandes, haver certamente grandes mudanas nas polticas. Essa uma afirmao condicional jque houve perodos na histria britnica em que os dois partidos sustentaram posies muitosemelhantes. Por exemplo, durante as dcadas de 50 e 60, inventou-se apalavraButskellism juntando os nomes de Rab Butler (membro do Partido Conservador) e deHugh Gaitskell (lder do Partido Trabalhista) para indicar que os dois partidos no tinhamverdadeiras divergncias em relao s polticas (afirmao que no foi testada j que apenas um partido ocupava o poder). Assim, a convergncia de posies polticas pode conduzir estabilidade cias polticas, a despeito de uma mudana entre os veto players.

    Suponhamos uma coalizo governamental composta de vrios veto players, comoacontece na Itlia. As eleies modificam ligeiramente a composio do Parlamento, mas raras

    vezes alteram a coalizo de governo (de fato, durante todo ops-guerra, a Itlia assistiu a poucasmudanas na coalizo dirigente) (Mershon, no prelo). Essa a causa da estabilidade das polticasna Itlia. Numa situao oposta, se um ator que defende posies significativamente diferentesentrar ou sair da coalizo governamental, haver importantes modificaes nas polticas. Foi issoque ocorreu no perodo entre 1976 e 1979, quando o Partido Comunista integrou a coalizogovernante, embora sem controlar pastas ministeriais (tange e Regini, 1989).

    Consideremos, por fim, um sistema presidencialista, como o dos Estados Unidos, no qualso muito pequenas as mudanas verificadas nas duas casas do Congresso, mas em que asalteraes nos ocupantes da Casa Branca podem ser muito significativas. Tambm nesse caso,embora a substituio dos legisladores no tenha muita influncia sobre a estabilidade daspolticas, a substituio do presidente da Repblica pode fazer uma grande diferena se o novopresidente tiver um programa distinto (Reagan), mas pode vir a ter um impacto reduzido se eletiver uma agenda de questes semelhante a do seu antecessor (Carter).

    Divergncias com relao s teorias correntes na poltica comparada

    O leitor poder pensar que os argumentos formulados neste artigo criam expectativasextremamente variveis, tanto do ponto de vista das questes em discusso quanto dos perodos

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    de tempo. Numa viso mais pessimista, poderia alegar-se que no h necessidade de teoria,porque uma teoria parte de premissas no-verdadeiras e quando essas premissas so substitudaspelas condies existentes nos pases concretos os resultados no se verificam.

    Gostaria de comentar essas alegaes chamando a ateno para dois pontos. Primeiro,

    todos os argumentos apresentados at esta altura do artigo consistem de detalhamentos domesmo quadro analtico, que se baseia no conceito de veto player: Esse quadro analtico forneceum mapa de orientao que incorpora aspectos dos processos decisrios de diferentes questesentre pases e ao longo do tempo. O modelo suficientemente preciso para permitir a formaode expectativas a priori, que podem ser posteriormente testadas, ao contrrio do que se passacom os argumentos tautolgicos. O que falta fazer so afirmaes e previses mais gerais.Portanto, dedico-me a partir de agora a construir um mapa mais geral, adotando uma escalamaior. O mapa utilizara os princpios da cartografia, mas conter uma clasula ceterisparibus mais forte. (23)

    Pela lgica dos processos decisrios, para que ocorra uma mudana nostatus quo, deve

    haver a concordncia de um certo nmero deveto players. Segundo essa abordagem, apenas trscaractersticas desses atores importam: seu nmero, sua congrunci e sua coeso. Todas as

    outras caractersticas so irrelevantes, a no ser quando afetam essas trs. A abordagem nodistingue entre regimes presidencialistas e parlamentaristas, entre bicameralismo eunicameralismo, ou entre sistemas bipartidrios e pluripartidrios. Tais dicotomias noinfluenciam a estabilidade das polticas de modo inequvoco, mas suas combinaes (assimcomo outras variveis) determinam as trs variveis independentes do estudo, as quais, por suavez, afetam a estabilidade da poltica pblica.

    Por exemplo, tudo o mais permanecendo igual, a lgica do processo decisrio no diferente numa legislatura bicameral e num sistema parlamentarista (como a Alemanha) ou num

    sistema presidencialista unicameral (como a Costa Rica, El Salvador, Honduras ou Nicargua).Numa primeira aproximao (ignorando-se o sistema partidrio), a estabilidade dos dois sistemasapresenta caractersticas semelhantes: ambos exigem a aprovao dos dois vetoplayers institucionais. Uma comparao mais minuciosa mostrar que o sistema presidencialistacontm um veto playerindividual (isto , um ator com alto nvel de coeso), enquanto o sistema parlamentarista contm doisveto players coletivos, ou seja, dois atores de baixa coeso. Nenhuma dessas caractersticas, porm, necessria aos sistemas parlamentaristas ou presidencialistas. Existem em certos pases entidades colegiadas eleitas para ser "presidentes",como no Chipre (1960-63) e no Uruguai (1952-67) (Lijphart, 1992, p. 6); alm disso, pode-seencontrar legislaturas nas quais um partido coeso controle a maioria de uma das Cmaras masno a outra (o Partido Trabalhista na Austrlia, depois de 1983).(24)

    Numa perspectiva mais geral, possvel produzir caractersticas semelhantes deestabilidade entre diferentes regimes por meio da combinao de aspectos institucionais.Examinemos as comparaes que se seguem entre o Reino Unido, os Estados Unidos e a Itlia.Diferentes analistas costumam agrupar o Reino Unido seja ao lado dos Estados Unidos, seja aoda Itlia. Para Duverger, o Reino Unido e os Estados Unidos tm sistemas eleitorais majoritriose, conseqentemente, sistemas bipartidrios. Para Almond, o Reino Unido e os Estados Unidosso pases anglo-saxos que tm culturas polticas semelhantes, enquanto a Itlia tem

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    caractersticas culturais distintas: Para Lijphart, o Reino Unido e os Estados Unidos so sistemasmajoritrios, enquanto a Itlia um sistema de consenso.

    Outras teorias comparativas classificam o Reino Unido e a Itlia juntos e em oposio aosEstados Unidos. Por exemplo, os dois primeiros pases tm regimes parlamentaristas, enquanto

    os Estados Unidos so presidencialistas (Linz, 1990). O Reino Unido e a Itlia tambm tmlegislaturas que se aproximam do modelo unicameralista, porque na Itlia as duas Cmaras tm amesma composio, enquanto no Reino Unido a Cmara dos Lordes fraca (s tem poderes paraadiar por um ano a maior parte da legislao e por apenas um ms a legislao financeira).Segundo a classificao de Lijphart, que segue a dimenso do unicameralismo em oposio aobicameralismo, apenas os Estados Unidos comportam uma legislatura incongruente assimtrica,ao passo que a Itlia tem uma legislatura congruente e o Reino Unido, uma legislaturaassimtrica.

    Esse debate leva-nos a concluir que, de acordo com as teorias comparativas, o ReinoUnido ou classificado junto com os Estados Unidos ou com a Itlia. Em nenhuma dessas

    comparaes convencionais a Itlia classificada junto com os Estados Unidos em oposio aoReino Unido. Mas, do ponto de vista da estabilidade das polticas, exatamente isso queacontece. Os Estados Unidos tm, de um modo geral, trs veto players institucionais e a Itliatem um nmero varivel de veto players partidrios (atualmente quatro), enquanto o ReinoUnido conta com apenas um. Em razo disso, a mudana de polticas mais fcil no ReinoUnido do que na Itlia ou nos Estados Unidos. De fato, uma das reclamaes usuais rio ReinoUnido a de que as polticas so freqentemente revogadas (polticas antagnicas, medidas de"stop and go"), ao passo que nos Estados Unidos a alegao mais comum refere-se aos dissensosdo governo e aos "bloqueios"; na Itlia as queixas dizem respeito ao imobilismo do governo.

    O modelo acima exposto leva, portanto, a concluses diversas sobre a estabilidade das

    polticas do que as que so extradas das teorias de alcance mdio correntes nos estudos depoltica comparada. Antes de acrescentar novas comparaes, gostaria de lembrar ao leitor queminha anlise focaliza exclusivamente a estabilidade poltica entre sistemas comparados; outrosautores podero escolher um nmero maior de problemas dentro de um mbito mais restrito de pases. Mas, na medida em que as diversas teorias geram previses sobre a estabilidade daspolticas pblicas, pode-se proceder a uma comparao entre essas previses.

    Laver e Shepsle (1990) afirmam que, nos govemos de coalizo, os ministros tmcompetncia exclusiva sobre suas respectivas reas de poltica. Embora seja verdade que osministros exercem "uma influncia primordial sobre reas individuais de poltica" (Browne eFranklin, 1973), essa influncia restringida pelos parceiros de coalizo e no pode serconsiderada equivalente a uma competncia exclusiva. Se os ministros tm de respeitar os vetosde seus parceiros de coalizo, tendero a escolher a melhor poltica (em sua opinio) dentro dainterseo dos winsets dos veto players, e no aquelas que lhes paream ideais. (25)Em suaverso extremada, esse argumento das competncias exclusivas prev uma alta probabilidade demudana das polticas quando houver mudana de ministros. Por exemplo, num pas como aItlia, onde h freqente troca de ministros, o modelo da competncia exclusiva levaria a preverconstantes mudanas de polticas em vez de estabilidade. Mas possvel compatibilizar os doismodelos, admitindo-se a premissa de que as questes mais importantes so decididas pelo

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    conjunto da coalizo, enquanto as questes de menor importncia so delegadas deciso decada ministro. Nesse caso, uma estabilidade no nvel macro poderia coexistir com umainstabilidade nas questes secundrias (as que ficam sob a competncia exclusiva do ministro).

    Estendendo a comparao para incluir os governos socialistas minoritrios da Sucia,

    Noruega ou Frana, meu modelo os classificaria como estando prximos do caso do ReinoUnido e distantes do da Itlia ou dos Estados Unidos, com uma ressalva: os socialistas esto nopoder h muito tempo na Sucia e Noruega, e, por isso, pode no ter sido de seu interesse mudarpolticas anteriormente adotadas. Meu argumento, porm, que se o tivessem desejado, teriamtido condies de faz-lo, como seus colegas franceses. Alm disso, a expectativa de quegovernos minoritrios de partido nico tenham caractersticas semelhantes s dos governosmajoritrios de partido nico compatvel com uma parte mas no com toda a literatura. (26)

    Em linhas bem gerais, e seguindo meu argumento, os sistemas que tm mltiplos vetoplayers incongruentes e coesos devero revelar nveis mais elevados de estabilidade no processode formulao de polticas do que os sistemas que contam apenas com um nico veto playerou

    com um pequeno nmero deveto players sem coeso e congruentes. Essa uma maneiradicotmica (e muito rudimentar) de resumir o argumento proposto neste artigo. Por enquanto os

    dados existentes no permitem testar distines mais sutis. De acordo com essa snteserudimentar, governos de coalizo em sistemas parlamentaristas, como na Itlia, deveroapresentar caractersticas de estabilidade em seu processo decisrio similares quelasencontradas nos sistemas presidencialistas bicamerais, como o dos Estados Unidos. Igualmente,um sistema de um nico veto player- quer seja num sistema bipartidrio, como no Reino Unido,quer num regime de partido dominante, como no Japo, ou ainda num sistemasemipresidencialista, como a Frana, ou um governo minoritrio, como a Sucia - maissuscetvel mudana. Vejamos, a seguir, algumas evidncias empricas que apiam essaafirmao.

    Evidncias empricas

    Feigenbaum et al. (1993) examinaram a poltica energtica em cinco pases (EstadosUnidos, Canad, Frana, Alemanha e Japo) aps as sucessivas crises do petrleo (maisexatamente no pero-do entre 1970 e 1990). Resumiram suas concluses em pontuaesconferidas aos cinco pases em trs dimenses: inovao, coordenao de objetivos conflitantes eexecuo. As pontuaes variam de muito alto at baixo. Construindo um ndice agregado apartir desses escores, e atribuindo 5 pontos a "muito alto", 4 para "alto", 3 para "razoavelmentealto", 2 para "misto" ou "moderado" e 1 "para baixo", os cinco pases receberam as seguintes pontuaes: Estados Unidos = 5; Canad = 9; Frana = 10; Alemanha = 7; Japo = 12.Evidentemente, trata-se de uma medida muito rudimentar, mas interessante observar que ospases abaixo da mdia (8,6) possuem muitos veto players (o sistema presidencial dos EstadosUnidos comporta trs veto players institucionais, e o governo de coalizo da Alemanha incluadois ou trs veto players durante o perodo analisado, dependendo do fato de a coalizo quecontrolava o Bundestag tambm controlar o Bundesrat). Os pases que obtiveram pontuaesacima da mdia ou possuem um nico veto player(um partido que controla uma maioria, no casodo Japo, e uma minoria no caso do Canad), ou dois atores congruentes (durante boa parte doperodo, a Frana foi governada por uma coligao de dois partidos de direita muito semelhantes,

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    ou um governo de minoria socialista; durante apenas trs anos em todo o perodo, o governoincluiu dois partidos no-congruentes, os socialistas e os comunistas).

    Feigenbaum et al. afirmam que "as polticas e os recursos herdados so mais importantesna determinao das escolhas do que as capacidades do governo ou os arranjos institucionais

    especficos" (idem, p. 99). Segundo esse argumento, os recursos so variveis importantes, quepermitem distinguir os pases ricos em energia da Amrica do Norte dos demais. Alm disso, osEstados Unidos, contando com trs veto players, obtiveram uma pontuao baixa na inovao eimplementao de polticas (5), em comparao com o Canad que s tem um veto player(9)(governo de partido nico); da mesma maneira, o governo de coalizo de Bonn, com dois outrs veto players, alcanou uma pontuao mais baixa (7) do que os governos partidrios maiscongruentes de Paris (10) e de Tquio (12). Isso confirma as expectativas de meu modelo.

    Essas concluses coadunam-se com as observaes de Eneloe (1975), pioneiro dosestudos comparativos sobre poltica ambiental nos Estados Unidos: "Dentre os pases aquianalisados (Estados Unidos, Japo, Reino Unido, Holanda, Unio Sovitica), os Estados Unidos

    talvez sejam os mais profundamente subdesenvolvidos em termos de capacidade deplanejamento e coordenao".

    Em relao reduo do dficit oramentrio, Schick (1993) compara os Estados Unidos,a Holanda e a Sucia na dcada de 80. Os sistemas dos Estados Unidos (presidencialista) e daHolanda (governo de coalizo); que tm mltiplos veto players, geraram padres semelhantes dedficit alto, muito diferentes do que aconteceu na Sucia, que um sistema de veto playernico(governo de partido). interessante observar que o perodo de durao de uma coalizo departidos burgueses no governo (1980-92) produziu a mesma falta de prioridades e incapacidadede agir dos outros dois pases (idem, p. 217). Contudo, embora Schick alegue que tanto ocontrole partidrio dividido dos ramos Executivo e Legislativo nos Estados Unidos, quanto os

    governos de coalizo, como a Holanda, tenham reduzida capacidade para definir prioridades(idem, pp. 228-9), no h certeza de que um aumento no tamanho da amostra pudesse confirmaros resultados para esses trs pases. O motivo disso que a reduo do dficit faz parte de umgrande trade-off,e no exato supor que todos os governos tivessem a mesma preferncia peladiminuio do dficit.

    Pierson e Weaver (1993) introduzem a questo das preferncias do governo aocompararem a Gr-Bretanha, os Estados Unidos e o Canad relativamente reduo dos direitosde penso. Afirmam haver diversos indicadores de reduo (cada um com suas deficinciaspeculiares), que induzem a concluses distintas. Mas uma classificao mais razovel colocaria aGr-Bretanha em primeiro lugar, os Estados Unidos em segundo e o Canad em terceiro, emtermos da reduo das penses. Pierson e Weaver explicam a diferena entre a Gr-Bretanha e oCanad pela diferena nas preferncias do governo: os conservadores canadenses temiam adotarmedidas impopulares por medo de perder a maioria. Pode-se dizer, ento, que controlar aspreferncias do governo um fator importante na determinao do impacto das instituies sobrea mudana de polticas.(27)

    Esses exemplos constam de trs dos dez estudos empricos reunidos no minucioso ecuidadoso livro organizado por Weaver e Rockman (1993). Nem todos os trabalhos includos na

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    obra so relevantes para minha anlise. Nas suas concluses, porm, os organizadoresapresentam uma tabela classificando quatro tipos diferentes de regimes - separao de poderes,coalizes, governos de partido e governos de partido dominante - em dez diferentes dimensesque medem seus nveis de risco e de oportunidade (idem, p. 448). As similaridades entre osregimes de separao de poderes e os governos de coalizo, de um lado, e dos governos de

    partido e de partido nico dominante, de outro lado, so impressionantes. Weaver e Rockmanresumem suas descobertas da seguinte maneira:

    Por conseguinte, as instituies parlamentaristas no exercem um impacto uniforme sobre as capacidadesde governar. Ao contrrio, os sistemas Westminster e os sistemas de partido nico dominante tendem a concentrar o

    poder, enquanto os sistemas de coalizo tendem a desconcentr-lo, como acontece com o sistema de separao depoderes dos Estados Unidos. O sistema norte-americano de separao de poderes tende a aproximar-se claramentedos tipos de regime de coalizo parlamentar em termos de riscos e oportunidades, ao passo que os sistemas degoverno de partido e de partido nico dominante tambm tendem a se aproximar do ponto de vista da maioria dascapacidades. Os sistemas includos nos dois grupos no tm atributos decisrios idnticos ou as mesmas capacidadesde governo, conforme se ver ao tratarmos das capacidades individuais de poder, mas seus efeitos tendem a seguir amesma direo geral (Weaver e Rockman, 1993, p. 450).

    Uma questo importante que no tratada no livro organizado por Weaver e Rockman a da reforma sanitria. Immergut (1992), porm, compara as tentativas de reforma da saderealizadas na Frana (na Quarta e na Quinta Repblicas), na Sua e na Sucia e chega aconcluses semelhantes. Nos trs pases, ostatus quo favorecia a posio dos mdicos; nos trspases tentou-se fazer reformas no sistema. A Sucia foi a mais bem-sucedida na introduo damedicina socializada, seguida pela Quinta Repblica francesa. As tentativas fracassaram naQuarta Repblica e na Sua. A explicao de Immergut de que os governos da Sucia e daQuinta Repblica francesa conseguiram manobrar rapidamente para introduzir reformasaprovadas no Parlamento (com efeito, as tentativas de modificar os planos do governo na Franafracassaram por causa dos poderes especiais do governo para definir a agenda das discusses).Na Quarta Repblica francesa e na Sua, porm, as reformas fracassaram por causa da flutuao

    das maiorias no Parlamento (caso da Frana) e por causa de um referendo convocado de fora dogoverno (Sua). Aproximo as diferenas relatadas no estudo de Immergut das que se verificamentre pases que tm um veto playernico (Sucia, Quinta Repblica francesa) e mltiplos vetoplayers (Sua e Quarta Repblica francesa).

    Kreppel (1993) realizou um teste estatstico para saber se o nmero de atores afetou aproduo legislativa na Itlia durante a Segunda Guerra Mundial. Descobriu que o nmero de partidos no governo (veto players) correlaciona-se inversamente com o nmero de leis, tantorelevantes quanto no relevantes. (28)

    Por fim, Jones (1993), revendo os dados de Mayhew (1991) a respeito da produo de

    importantes leis nos Estados Unidos descobriu que, se o governo dividido (definido como aausncia de congruncia entre os trs atores institucionais) no influencia a produo legislativa,a "coeso" na Cmara dos Deputados tem um efeito negativo extremamente significativo (acoeso medida pela porcentagem de projetos de lei em relao s quais os dois partidos secolocam em posies opostas). Seu argumento de que o Senado, independentemente docontrole partidrio, moderado (entre outras razes porque se exige uma maioria de dois terosou de trs quintos para impedir obstrues). Conseqentemente, a legislao proveniente daCmara dos Deputados abortada antes mesmo de chegar ao presidente da Repblica. Na minha

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    terminologia, sua varivel capta a congruncia entre o Senado moderado e a Cmara dosDeputados (provavelmente) partidria.

    Esse relato esgota minha informao sobre as evidncias empricas referentes estabilidade das polticas pblicas. H, porm, uma evidncia adicional a favor do meu modelo.

    Refere-se estabilidade do governo e do regime nos sistemas parlamentaristas e presidencialistasrespectivamente.

    Existe uma relao bvia entre estabilidade das polticas e instabilidade do governo: umgoverno que tenha polticas estveis pode se tornar imobilizado e se outros atores sociais e polticos exigirem mudanas, ele pode vir a ser substitudo por meio de mecanismosconstitucionais (instabilidade do governo). No mesmo sentido, nos regimes em que a mudanade governo impossvel (exceto em intervalos fixos, como nos sistemas presidencialistas), oimobilismo das polticas pode levar substituio da liderana por meio de mecanismosextraconstitucionais (instabilidade do regime).

    De acordo com esse raciocnio, os mesmos fatores que conduzem estabilidade das polticas estariam associados instabilidade do governo (nos sistemas parlamentaristas) e instabilidade do regime (nos sistemas presidencialistas). Em conseqncia disso, a instabilidadedo governo ou do regime estaria associada existncia de mltiplos veto players, falta decongruncia ideolgica entre eles e coeso ideolgica de cada um deles. Evidnciaspreliminares indicam que isso que acontece.

    Warwick (1992) chegou concluso de que o nmero de parceiros no governo e asdistncias entre eles provocam a instabilidade do governo. Em um estudo mais detalhado, ainda aser publicado, Warwick d um passo frente: embora os estudos mais comuns da teoria dosjogos que tratam da sobrevivncia dos governos defendam que as caractersticas do Parlamento

    (nmero de partidos no sistema partidrio, distncias ideolgicas entre os partidos noParlamento) afetam a probabilidade de sobrevivncia, Warwick introduz em seu modelo ascaractersticas do governo (nmero de partidos e distncias ideolgicas entre os partidos nogoverno). Seus resultados mostram que, quando todas as variveis so introduzidas, ascaractersticas do governo so estatisticamente significativas, ao passo que as caractersticas doParlamento no o so. Esse descoberta traz um problema para os -modelos de governo decoalizo mais usuais da teoria dos jogos, porque a sobrevivncia do governo deveria dependerdas chances dos diversos partidos de serem includos num novo governo (isto , decaractersticas do Parlamento). O modelo apresentado neste artigo explica os resultadosencontrados por Warwick. Se alguns partidos participam do governo por motivos de poltica[policy], ento as coalizes tendero a cair e a serem substitudas toda vez que o governo emvigor no puder lidar com um choque exgeno. Isso acontece ou porque o nmero de vetoplayers grande demais ou porque suas distncias ideolgicas so demasiado amplas para queconsigam formular uma reao conjunta. Por exemplo, a coligao entre socialistas e comunistasna Frana rompeu-se em 1984, quando Mitterrand decidiu pr em prtica medidas de austeridadea fim de garantir a permanncia do pas no Sistema Monetrio Europeu, e os comunistas serecusavam a "administrar a crise do capitalismo". Do mesmo modo, tenses econmicas provocaram o fracasso da coalizo entre o SPD e o FDP na Alemanha em 1982, sendosubstituda pela coligao mais congruente entre FDP e CDU-CSU.

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    O argumento de que a instabilidade das polticas [policies] causa a instabilidade dos vetoplayers extensivo aos sistemas presidencialistas. Nestes sistemas, a nica mudana possveldos veto players se realiza por meio de eleies ou de outras mudanas exgenas (por exemplo,golpes militares ou violaes da ordem constitucional conduzidas por um ator, como fezFujimori ao dissolver o Parlamento no Peru). De acordo com minha teoria, as variveis

    associadas com a estabilidade da poltica pblica tambm se relacionam com a instabilidade doregime. H evidncias tambm nesse sentido.

    Shugart e Carey (1992, pp. 154-8) concluram que a existncia de poderes presidenciaisfortes (tanto legislativos quanto no legislativos) tende a provocar o colapso do regime. Deacordo com os dados que apresentaram (incluindo regimes presidencialistas esemipresidencialistas desde o incio cio sculo), os regimes nos quais o presidente da Repblicatem poderes legislativos fracos fracassaram em 23,5% das ocasies (4 em 17), ao passo que aprobabilidade de um colapso atinge quase o dobro (40% das vezes, 6 em 15) nos regimes em queo presidente da Repblica tem fortes poderes para legislar. Os resultados obtidos por essesautores compatvel com a teoria do veto playerformulada neste artigo. Segundo minha

    terminologia, os regimes nos quais os presidentes so fracos do ponto de vista legislativo tmmenos um veto playere por isso so mais estveis.

    Concluses

    Apresentei neste artigo um modelo que permite estabelecer comparaes entre diferentessistemas polticos, como o parlamentarismo e o presidencialismo, o unicameralismo e obicameralismo, o bipartidarismo e o pluripartidarismo. O modelo baseia-se no conceito de netoplayer introduzido sculos atrs pelos constitucionalistas e que vem sendo utilizado desde ento,direta ou indiretamente, na literatura dos estudos comparativos. Dividi esses veto players emduas categorias, institucionais ou partidrios, o que me permitiu comparar entre regimes

    parlamentaristas e presidencialistas.Minha anlise concluiu que a estabilidade das polticas pblicas de um sistema poltico

    aumenta quando aumenta o nmero dos veto players, quando sua congruncia diminui e suacoeso cresce. Os resultados macropolticos bsicos dessa anlise mostram que nenhuma dasvariveis independentes geralmente utilizadas nas anlises comparativas, como tipo de regime,sistema de partidos e nmero de Cmaras do Legislativo, produz as mesmas conseqnciasindependentemente umas das outras. Principalmente os sistemas presidencialistas (que tmmltiplos veto players institucionais) apresentam caractersticas de estabilidade do processo deformulao de polticas muito semelhantes s dos governos de coalizo nos sistemas parlamentaristas (que tm mltiplosveto players partidrios). Essas caractersticas comuns aossistemas presidencialista e parlamentarista pluripartidrio contrastam com as dos sistemasbipartidrios, dos governos de partido dominante ou dos governos minoritrios nas democraciasparlamentaristas (que tm um nico veto player). Estudos empricos que t