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CENTRO TCNICO TEMPLO DA ARTE
PROJETO MONOGRFICO EM DOSSI
PS-TCNICO EM CONSERVAO E RESTAURO DE ARTE SACRA
O RESTAURO DE UMA IMAGEM SACRA EM UMA PROPOSTA DIDTICA
Silvana Borges da Silva
Orientadora: Profa. Esp. CR Marcia Cristina A. Corso
SO PAULO
2014
1
SILVANA BORGES DA SILVA
O RESTAURO DE UMA IMAGEM SACRA EM UMA PROPOSTA DIDTICA
Projeto Monogrfico em Dossi apresentado ao
Centro Tcnico Templo da Arte SP como parte dos
requisitos para obteno do certificado de concluso
no curso Ps-Tcnico em Conservao e Restauro de
Arte Sacra.
Orientadora: Orientadora Profa. Esp. CR Marcia Cristina A. Corso
(art.: Titina Corso)
SO PAULO
2014
2
Dedicado minha famlia cujo apoio
possibilitou esta jornada e ao Jos Eduardo
pelo incentivo na superao dos meus limites.
3
AGRADECIMENTOS
A todos os professores do CTTA, em especial: minha orientadora, Professora Titina Corso
que me incentivou nesta nova abordagem, professora Rosinha Campos pela inspirao
constante e a professora Lcia de Souza Dantas que ampliou o meu repertrio e a sede de
pesquisa.
A todos os nossos mestres que proporcionaram o conhecimento e aprendizado necessrio
para a formao acadmica e profissional do conservador-restaurador e tambm nosso
engrandecimento pessoal, ao expandir o nosso olhar para a arte e o mundo do sagrado.
A todos os colegas de classe pelas trocas de experincias e a convivncia saudvel durante
todo o curso, companheiros em descobertas e parceiros na busca de solues.
Ao Centro Tcnico Templo da Arte que cedeu a imagem em estudo.
4
"Para bem restaurar necessrio amar e
entender o monumento, seja esttua, quadro
ou edifcio, sobre o qual se trabalha, e do
mesmo modo para a arte antiga em geral. Ora,
que sculos souberam amar e entender as
belezas do passado? E ns, hoje, em que
medida sabemos am-las e entend-las?"
Camillo Boito
5
Borges, Silvana. O restauro de uma imagem sacra em uma proposta didtica.
Trabalho de concluso de curso. Ps-Tcnico em Conservao e Restauro de Arte Sacra.
CTTA. So Paulo, 2013, 90f.
RESUMO
O presente trabalho se prope a documentar o desenvolvimento metodolgico do processo
de restauro realizado em uma imagem de Nossa Senhora da Conceio pertencente ao acervo
do Centro Tcnico Templo da Arte, situado na Rua Costa Aguiar, 1013 - Ipiranga So
Paulo. Abrange uma pequena pesquisa sobre a iconografia da Imaculada Conceio, as cartas
de conservao, as tcnicas do restauro museolgico e uma proposta do que se convencionou
chamar um restauro didtico na recomposio de sua iconografia pela execuo de uma
prtese dos atributos faltantes ou perdidos.
Palavras-chave: Arte Sacra. Conservao. Restaurao. Iconografia. Nossa Senhora da
Conceio.
ABSTRACT
The present study proposes to document the methodological development of the
restoration process performed in an image of Our Lady of Conception belonging to the
collection of the Centro Tcnico Templo da Arte, located at Rua Costa Aguiar, 1013 -
Ipiranga - So Paulo. It covers a little research on the iconography of the Immaculate
Conception, the letters of conservation, museum restoration techniques and a proposal of what
is called didactic restoration." with the recomposition of its iconography for the
implementation of a prosthesis from its lost or missing attributes
Keywords: Sacred Art. Conservation. Restoration. Iconography. Our Lady of the
Conception.
6
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................... 07
1. PRINCIPIOS DA CONSERVAO E DO RESTAURO ................................... 07
1.1 JUSTIFICATIVA PARA REINTEGRAO ESTTICA DA OBRA DE ARTE
...................................................................................................................................... 08
1.2 PESQUISA ICONOGRFICA ............................................................................... 09
2. RECEPO DO ARTEFATO ............................................................................... 19
2.1 FICHA TCNICA .................................................................................................... 19
2.2 ANLISE ORGANOLPTICA NA RECEPO DA IMAGEM ...................... 21
2.3 PROCEDNCIA ....................................................................................................... 21
2.4 DIAGNSTICO DO ESTADO DE CONSERVAO ........................................ 22
2.5 ANLISE DAS PARTES ESTRUTURAIS ............................................................ 23
2.6 DESCRIO FORMAL .......................................................................................... 23
2.7 ANLISE COMPOSITIVA ..................................................................................... 23
3. AS ESTAPAS DA CONSERVAO E RESTAURO ......................................... 25
3.1 HIGIENIZAO ...................................................................................................... 25
3.1.1 LIMPEZA MECNICA SECO ..................................................................... 25
3.1.2 LIMPEZA EM MEIO LQUIDO ...................................................................... 26
3.2 CONSOLIDAO .................................................................................................... 27
3.2.1 MOWIOL ............................................................................................................ 27
3.3 RESTAURAO DE PARTES DANIFICADAS ................................................. 28
3.3.1 FIXAO DE PARTES SEM COMPROMETER A SUSTENTAO ...... 28
3.3.2 RECUPERAO DO SUPORTE ENXERTO ............................................. 28
3.4 NIVELAMENTO ...................................................................................................... 29
3.5 REINTEGRAO PICTRICA ............................................................................ 30
3.6 CARNAO ............................................................................................................. 31
3.7 A PRTESE ACRLICA ......................................................................................... 32
4. PROCESSO CONCLUDO .................................................................................... 33
5. RECOMENDAES PARA CONSERVAO DAS OBRAS DE ARTE ....... 34
6. CONSIDERAES FINAIS .................................................................................. 34
7. ANEXO I PASSO A PASSO FOTOGRFICO DO PROCESSO ................... 36
8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................... 65
7
INTRODUO
Este projeto de pesquisa em conservao e restauro da imaginria sacra em madeira
policromada resultado dos fundamentos tericos e prticos adquiridos nas aulas da
disciplina de Restaurao de Madeira, dentro do Curso Ps-Tcnico em Conservao e
Restaurao de Arte Sacra do Centro Tcnico Templo da Arte/SP. Escolheu-se dentre as
imagens disponibilizadas pela instituio uma escultura em madeira policromada de Nossa
Senhora da Conceio. A responsvel pela superviso do projeto a Conservadora e
Restauradora Profa. Esp. CR Marcia Cristina A. Corso, a quem me referirei daqui em diante
pela sua designao como artista plstica: Titina Corso.
Sobre a obra objeto de estudo desta disciplina, encontrava-se em estado muito precrio
com grandes perdas da policromia, porm mantendo vestgios de suas cores originais. A
inteno conservar o existente na realizao de uma proposta de interveno museolgica e
didtica de forma a se recuperar uma leitura iconogrfica da imagem, respeitando os
princpios de reversibilidade. Realizou-se uma avaliao minuciosa de como ser justificada
cada etapa desse procedimento, bem como uma discusso com o grupo supervisionado em
sala de aula dos processos mais indicados a cada caso. A documentao do processo foi
realizada com o relatrio detalhado da descrio dos mtodos, tcnicas, materiais,
documentao fotogrfica e anlises, visando um resultado satisfatrio dentro do objetivo
proposto para o trabalho: resgatar a representao iconogrfica da imagem sem prejuzo do
registro do tempo nela inserido, ou de sua leitura, e recuperar o seu valor esttico com a
reposio de partes perdidas caractersticas de sua representao numa proposta didtica.
1. PRINCIPIOS DA CONSERVAO E DO RESTAURO
O comit de Conservao do Conselho Internacional de Museus (ICOM-CC) determina
no documento intitulado O conservador-restaurador: definio da profisso (1984) a
atividade do conservador-restaurador limitando-a a trs funes:
- o exame tcnico do bem cultural;
- a preservao: ao empreendida para retardar ou prevenir a deteriorao e as alteraes a
que os bens culturais esto sujeitos como, por exemplo, o controlo do meio ambiente e o
tratamento da sua estrutura, com o objetivo de os manter o maior tempo possvel numa
condio estvel;
8
- a conservao-restauro : a atividade levada a cabo para tornar identificvel um objeto
deteriorado ou com alteraes, como o mnimo sacrifcio da sua integridade esttica e
histrica.
Para conservar as pinturas do ponto de vista material s h dois caminhos:
a preveno da deteriorao, que denominamos de conservao preventiva ou de
preservao, e a reparao dos danos, qual chamamos conservao-restauro ou
interveno. (Calvo, 2006, p.19)
Conservao preventiva no se tocar no objeto, est vocacionada para eliminar os danos
ocasionados por fatores ambientais ou fortuitos que existem no meio que rodeia os bens
culturais.
Conservao restauro quando necessrio atuar sobre a prpria obra, dentro da
interveno h diferentes nveis entre aqueles que se destinam sua estabilidade material ou
os que procuram a recuperao da sua imagem.
A conservao-restauro seria a actividade da conservao que se ocuparia
de intervir directamente sobre os objetos, quando o tempo e os meios preventivos no
foram suficientes para os manter em bom estado. Ocupar-se-ia, assim, da aplicao
dos tratamentos necessrios que permitam a sobrevivncia dos bens culturais, bem
como da reparao dos danos que apresentem. (Calvo, 2006, p.21)
1.1 JUSTIFICATIVA PARA REINTEGRAO ESTTICA DAS OBRAS
A abordagem para a reitengrao esttica da obra em questo levou em considerao o
seu estado original e o objetivo de reconstituir a sua leitura iconogrfica, o que foi
determinado pelas prprias condies de seu estado e das partes originais remanescentes que
permitiram a reconstituio cromtica das lacunas perdidas. A regra que A obra de arte
condiciona a restaurao e no o contrrio (Brandi, 2004, p.11)
Ainda h que se considerar no apagar da leitura da obra de arte as marcas do tempo,
na sua reintegrao h a dialtica de duas instncias: a histrica e a esttica, de acordo com
Brandi (2004) a sensibilidade histrico-critica mais a competncia tcnica sugerem ao
restaurador a via mais correta a ser empreendida na restaurao e conservao de uma obra de
arte, sendo essencial o juzo crtico que no deve ser confundido com a viso de carter
pessoal, e que, portanto deve estar alicerado na histria da arte e esttica do objeto.
9
As trs proposies fundamentais da Teoria da Restaurao:
1. O restauro ato crtico, dirigido ao reconhecimento da obra de arte (sem o que a
restaurao no o que deve ser); voltado reconstituio do texto autntico da
obra; atento ao juzo de valor necessrio para superar, frente ao problema
especfico das adies, a dialtica das duas instncias, a histrica e a esttica.
2. Por tratar de obras de arte, a restaurao deve privilegiar a instncia esttica (que
corresponde ao fato basilar da artisticidade pela qual a obra de arte obra de arte).
3. A obra de arte entendida na sua totalidade mais ampla () o restauro
considerado como interveno sobre a matria, mas tambm como salvaguarda das
condies ambientais que assegurem a melhor fruio do objeto e, quando
necessrio, como forma de resolver a ligao entre espao fsico, em que tanto o
observador quanto a obra se inserem, e a espacialidade prpria da obra. (Brandi,
2004, p.12)
A restaurao limita-se matria da obra de arte, a interveno, no entanto exige a
considerao no somente dos recursos tcnicos e materiais, mas a instncia do que a obra de
arte traz de imaterial, ou seja, a sua instncia histrica, tanto do momento do ato da sua
criao quanto ao tempo e lugar onde est inserida na atualidade.
1.2 PESQUISA ICONOGRFICA - Me de Deus, me dos homens.
As primeiras imagens de Maria representada de p rezando com os braos abertos foram
executadas nas Catacumbas nos primrdios do cristianismo, ou com cenas da sua vida
conforme os textos bblicos. Aps o Conclio de feso (431) que proclama o seu ttulo de
Me de Deus (Thetokos) tornou-se popular a sua representao como Me Santssima
tendo ao colo o Menino Jesus nos cones bizantinos, segundo a tradio copiados do retrato da
Virgem, pintado por So Lucas. Assim a partir do sculo V que se pode situar o culto oficial
Virgem Maria.
Desde os primeiros sculos da difuso do cristianismo, Maria, me de Jesus,
ocupa um lugar peculiar no culto. Ao gerar o Filho, situou-se como mediadora entre
Deus e os homens. Ocupa um lugar acima dos anjos e dos santos, dizem os telogos de articulao entre o divino e o humano, que se exerce em ambos os sentidos de tal modo que, hoje, chamada de mediadora universal. (Augras, p.25, 2005)
10
So Lucas pintando a Virgem - detalhe do afresco de Giorgio Vasari (1511-1574)
O quadro de Nossa Senhora de Czestochowska (Polnia) uma das imagens mais antigas
de Nossa Senhora que ainda hoje so veneradas. Acredita-se que esse o quadro pintado por
So Lucas, j no tempo de Maria Santssima, no tampo de uma mesa feita por So Jos.
Historiadores dos sculos XIV e XV relatam que esse quadro foi primeiro levado para
Jerusalm, onde Santa Helena o achou e presenteou com ele o imperador Constantino, que o
colocou numa das salas do palcio, onde ficou at o ano de 431. Em 1382 o Mosteiro dos
Paulinos de Jasna Gora (Monte Claro) na Polnia recebeu o retrato da madona negra, onde
permanece at hoje.
Nossa Senhora de Czestochowska SCXII-XIII
11
A imagem guarda as marcas do vandalismo que sofreu em 1430 no roubo ao seu
santurio. O pintor desconhecido que restaurou a obra disse que: A Me de Deus no quer
que sejam apagadas essas cicatrizes (referindo-se aos cortes visveis no rosto da imagem).
A iconografia das imagens de Maria deriva conforme as fases de sua vida: Nossa Senhora
Menina - Imaculada Conceio Encarnao - Virgem Me Paixo - Glria
Mrcia Bonnet no incio do seu ensaio Representaes da Imaculada Concepo na
Imaginria Missioneira da Banda Oriental: questes iconogrficas chama a ateno ao
referir-se Imaculada Concepo e no Imaculada Conceio, como costume na lngua
portuguesa em sua citao do icongrafo Louis Reau:
- Latim : Immaculata Conceptio, Mariae Virginis Conceptio, Maria sine labe concepta.
- Italiano : LImmacolato Concepimento di Maria, LImmacolata Concezione.
- Francs : LImmacule Conception.
- Ingls : The Immaculate Conception.
pode-se perceber que nas vrias designaes mencionadas, no ocorre perda do vnculo da invocao com o evento da concepo. Na lngua
portuguesa, entretanto, uma corruptela conceio substituiu a palavra concepo, privando assim o receptor de uma parcela substancial do significado da invocao. (Bonnet, 2006).
O dogma da Imaculada Conceio somente foi proclamado oficialmente pelo Papa Pio
IX em 1854: a Beatssima Virgem Maria foi, no primeiro instante de sua conceio,
preservada de qualquer mcula do pecado original (Bula Ineffabilis Deus). No entanto, sua
celebrao pelos devotos j tinha mais de dez sculos; Saint Willibrod j inclura sua
celebrao na Irlanda no sc.VIII e na Itlia seu culto j aparecia entre os anos de 840-850. A
proclamao do dogma foi consolidada na sua apario em 1858 Bernadette Soubirous
(Lourdes/Frana) quando declarou: Eu sou a Imaculada Conceio
Aos oito de dezembro de 1854, Pio IX, na Bula Ineffabilis Deus, fez a definio oficial
do dogma da Imaculada Conceio de Maria. Assim o Papa se expressou:
"Em honra da santa e indivisa Trindade, para decoro e ornamento da Virgem Me de
Deus, para exaltao da f catlica, e para incremento da religio crist, com a autoridade de
Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apstolos Pedro e Paulo, e com a nossa,
12
declaramos, pronunciamos e definimos a doutrina que sustenta que a beatssima Virgem
Maria, no primeiro instante de sua conceio, por singular graa e privilgio de Deus
onipotente, em vista dos mritos de Jesus Cristo, Salvador do gnero humano, foi preservada
imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus e, portanto,
deve ser slida e constantemente crida por todos os fiis.
A Imaculada Conceio , segundo o dogma catlico, a concepo da Virgem Maria
sem mancha ("mcula" em latim) do pecado original. O dogma diz que, desde o primeiro
instante de sua existncia, a Virgem Maria foi preservada por Deus, da falta de graa
santificante que aflige a humanidade, porque ela estava cheia de graa divina. Tambm
professa que a Virgem Maria viveu uma vida completamente livre de pecado.
A Igreja Catlica considera que o dogma apoiado pela Bblia (por exemplo, Maria
sendo cumprimentada pelo Anjo Gabriel como "cheia de graa"), bem como pelos escritos
dos Padres da Igreja, como Irineu de Lyon e Ambrsio de Milo. Uma vez que Jesus tornou-
se encarnado no ventre da Virgem Maria, era necessrio que ela estivesse completamente
livre de pecado para poder ger-lo.
A Imaculada Conceio (Carlo Crivelli - tmpera, ano 1492 - National Gallery).
13
Esta seria provavelmente a primeira representao da concepo de Maria
personificada, na descrio de Mrcia Bonnet (2006): uma mulher com as mos postas e sobre
ela, dois anjos erguem uma faixa traduzindo do latim: desta maneira na mente de Deus desde
o incio fui concebida e assim fui feita. Na parte superior aparece Deus olhando para baixo,
contemplando sua criao. direita esto uma abbora simbolizando a ressurreio, e a ma
como antdoto contra a morte e o mal; sua esquerda cinco peras: o nmero cinco alude s
cinco chagas de Cristo, a pra alude ao Cristo encarnado e seu amor pela humanidade; e um
pssego que simboliza o fruto da salvao. Em um jarro transparente, lrios brancos
simbolizando a pureza da virgem, sua referncia vem da cano de Salomo: Eu sou a rosa de
Saron, o lrio dos vales. A direita outra jarra com rosas, um atributo herdado da Vnus
romana, que se tornando a rosa sem espinhos simboliza Maria, preservada do pecado
original.
No mundo clssico pensava-se que a cobra tinha sabedoria, uma idia que persiste nos
Evangelhos: Por isso sede prudentes como as serpentes e sem malcia como as pombas
(Mateus 10:16). No entanto, no Antigo Testamento, a serpente tida como sinnimo do mal,
e sua sabedoria a astcia do diabo: A serpente era o mais astuto de todos os animais dos
campos (Genesis 3:1). A Virgem Maria por vezes pode ser representada calcando uma
serpente sob o p, para mostrar o triunfo sobre o mal.
A iconografia da Virgem, e sobretudo da Imaculada, uma das mais ricas dentro da
tradio catlica em termos de atributos, graas s vrias associaes que foram sendo feitas
invocao ao longo dos sculos.
Na pesquisa iconogrfica da Imaculada de preciosa contribuio o estudo de Mrcia
Bonnet (2006). Segundo a autora, encontramos uma srie de atributos Virgem Imaculada
acompanhados de dizeres retirados de tradues latinas de vrios livros bblicos do Antigo
Testamento Cntico dos Cnticos, Eclesiastes, Sabedoria, Salmos e Isaas como tambm
de Ave Maris Stella, um hino em louvor virgem de origem ignorada e que data pelo menos
do sc. IX e da Litania da Santssima Virgem Maria, aprovada em 1587 pelo papa Pio V, mas
utilizada desde a Idade Mdia. Esses dizeres encontram-se assim relacionados:
o sol e a lua electa ut sol; pulchra ut luna (brilhante como o sol, bela como a lua),
em Cnticos 6:9;
14
porta do cu - Porta coeli; em Ave Maris Stella, hino medieval em louvor Virgem,
aproximadamente do sc. IX;
cedro do Lbano sicut cedrus exaltata, no livro do Eclesiastes 24:17;
roseiral plantatio rosae, no livro do Eclesiastes 24:18;
poo de gua viva puteus aquarum viventium, em Cnticos 4:15;
broto de Jess florido virga Iesse floriut, Isaas 11:1. E sair um broto da raz de
Jess e de sua raz surgir uma flor. Jess era pai de David e, portanto, d origem aos vrios
ancestrais de Cristo. A flor a que se refere o versculo, pode ser interpretada como a Virgem
com seu filho divino.
jardim cercado hortus conclusus, em Cnticos, 4:12;
estrela do mar stella maris, em Ave Maris Stella;
lrio entre espinhos sicut lilium inter spinas, em Cnticos 2:2;
oliveira oliva speciosa, no livro do Eclesiastes 24:19;
torre de Davi turris davidica cum propugnaculis, na Litania e em Cnticos 4:4
turris David ;
espelho sem mcula speculum sine macula; em Sabedoria 7:26;
fonte dos jardins fons [h]ortorum, em Cnticos 4:15;
cidade de Deus civitas Dei, no Salmo 86:
Ao longo do sculo XVI, se consolida a representao da Virgem sobre o crescente
lunar que chega Amrica na invocao da Virgem de Guadalupe, cuja primeira
representao conhecida data de 1531 da imagem que apareceu ao Santo Juan Diego em 12 de
dezembro. (Bonnet, 2006)
15
Nossa Senhora de Guadalupe
Basilica de Nossa Senhora de Guadalupe, Tepeyac Hill, Cidade do Mxico.
Na Europa a representao da Virgem associada ao crescente lunar parece ter se
difundido largamente atravs dos livros de horas livros de orao utilizados por boa parte da
comunidade letrada europia.
Note-se que at ento este conjunto de atributos foi associado com a Virgem, e no
especificamente com a Imaculada. Mas justamente entre os sculos XVI e XVII que
aparecem as primeiras representaes da Imaculada Concepo como a reconhecemos hoje.
(Bonnet, 2006).
Foi, portanto, atravs deste percurso que se chegou ao modelo de representao
proposto por Francisco Pacheco e adotado dali em diante. Em seu tratado Arte de la pintura
(1649), Pacheco dita as regras de representao para a Pursima Concepcin de Nuestra
Seora (Bonnet, 2006)
16
Pacheco, Francisco. "Imaculada Conceio".
leo sobre tela, 144 x 100 cm. Sevilha, Palacio Arzobispal.
Em uma traduo livre do texto A arte da pintura de Francisco Pacheco, ele descreve
as regras de como deveria ser retratada a Purssima Concepo de Nossa Senhora:
- H de se pintar, portanto, em este lmpido mistrio esta Senhora na flor da idade, de doze a
treze anos, belssima menina de lindos e srios olhos, nariz e boca perfeitos, e rosadas faces, os
belssimos cabelos estendidos, cor de ouro, enfim, quando for possvel ao pincel pela mo humana
()
- H de se pintar com tnica e manto azul (...), vestida com o sol, um sol ovalado de ocre e
branco, que circunda a imagem inteira, unido docemente com o cu; coroada de estrelas, doze estrelas compartilhadas sobre um crculo claro entre resplendor, servindo de ponto a sagrada testa,
as estrelas sobre umas manchas claras formadas seco de purssimo branco, que sobem para fora
dos raios.
- A coroa imperial adorna a sua cabea e que no cubra as estrelas; debaixo dos ps, a lua,
embora seja um globo slido, tomo licena para faz-lo claro, transparente sobre os pases, e acima,
mais clara a lua crescente visvel com as pontas abaixo.
- Na lua especialmente foi seguido o parecer que soube do Padre Lus de Alcazar, ilustre filho de
Sevilha, cujas palavras so estas: "geralmente os pintores colocam a lua aos ps desta mulher, para
cima, mas evidente nos estudos matemticos, que se o sol e a lua se decaem assim, ambas as pontas
17
da lua devem ser vistas para baixo, de modo que a mulher no estaria sobre o cncavo e sim sobre o
convexo Convm colocar no alto do quadro a imagem de Deus Pai, ou o Esprito Santo, ou ambos, com as palavras j mencionadas [Tota puchra es Amica mea].
- Os atributos da terra se acomodam acertadamente por pas, e os do cu, eles se querem entre as
nuvens. Adorna-se com serafins e anjos inteiros que tm alguns dos atributos. O drago, inimigo
comum, que tinha me esquecido, a quem a Virgem esmagou a cabea em triunfo do pecado original. E
sempre que haver de me esquecer, pois a verdade que eu nunca o pintei de bom grado e me
escusarei quando possvel, para no envergonhar o meu quadro com ele..
A iconografia de Nossa Senhora da Conceio adotada dessa poca em diante trar a
representao de Maria Santssima, vestida de branco, envolvida em um manto azul, de p
sobre o globo terrestre, com as mos unidas em orao, pisando em um crescente lunar e uma
cobra sendo esmagada pelos seus ps, simbolizando a passagem bblica do livro do Gnesis
(3,15), quando Deus diz: "Porei inimizade entre ti e a Mulher, entre a tua descendncia e a
dela. Tu lhe ferirs o calcanhar e ela te esmagar a cabea". Sua festa litrgica celebrada
em oito de dezembro. De acordo com Nilza Botelho Megale (2001) as invocaes de Nossa
Senhora podem ser de origem:
- Litrgica: criadas pela igreja e so relacionadas com a liturgia catlica
- Histrica: quando tiveram seus nomes dos lugares onde seu culto foi iniciado
- Popular: tiveram suas denominaes dadas de forma espontnea pelos devotos conforme os ritos e as necessidades do momento.
Nossa Senhora da Conceio uma das formas mais antigas e populares do culto de Maria
no Brasil, Nilza Botelho Megale (2003) diz que a primeira imagem chegou em uma das naus
de Pedro lvares Cabral e que a primeira igreja da Amrica do Sul dedicada a essa invocao
foi a de Itanham, capitania fundada por Martin Afonso de Souza. Na Bahia seu culto teve
incio em 1549 com a construo da Igreja de Nossa Senhora da Conceio da Praia por Tom
de Souza.
Nossa Senhora da Conceio foi proclamada Padroeira do Imprio Brasileiro, por D.Pedro
I, e continuou com o advento da Repblica a ser padroeira do Brasil em proclamao no ano
de 1930 com o ttulo: Nossa Senhora da Conceio Aparecida, mas sua invocao data
de 1717 quando da descoberta da imagem pelos pescadores Domingos Garcia, Joo Alves e
Felipe Pedroso ao lanarem suas redes no Porto de Iguau (Rio Paraba SP). As primeiras
18
imagens sacras foram trazidas pelos colonizadores ou jesutas. A produo sacra no Brasil
comeou com materiais como o barro-cozido e a madeira, devido facilidade de obteno da
matria-prima.
As caractersticas da imaginria brasileira desenvolveram-se em funo da importncia e
condies econmica, social e de certa forma cultural das diferentes regies onde ela se
manifestou, destacando-se: Bahia, Pernambuco, So Paulo, Rio de Janeiro, Gois e Minas
Gerais onde temos o expoente mximo no Barroco pelas mos de Antnio Francisco Lisboa
o Aleijadinho. A representao de Nossa Senhora da Conceio apresenta algumas variaes
tambm em funo da localidade, poca e atribuies de cada regio onde ocorre a sua
devoo.
Na iconografia de Nossa Senhora da Conceio identifica-se uma moa jovem, de
semblante sereno, com os cabelos soltos, com ou sem um vu sobre a cabea coroada (embora
muitas vezes esse atributo esteja perdido), mos postas em orao sobre o peito. Est de p
em uma nuvem de querubins, sobre o globo terrestre, onde est representada lua crescente, s
vezes apenas com as duas pontas visveis, e a Imaculada pisando uma serpente (s vezes com
uma ma na boca). Embora a policromia possa variar, seu manto frequentemente azul, essa
representao tambm atribuda passagem do Apocalipse 12,1: Um sinal grandioso
apareceu no cu. Uma mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os ps e sobre a cabea uma
coroa de doze estrelas....
Com base na pesquisa iconogrfica sobre Nossa Senhora da Conceio, ser desenvolvida
na segunda etapa deste trabalho: uma proposta de interveno na conservao e restaurao na
imagem de Nossa Senhora da Conceio selecionada para desenvolvimento de um projeto de
restauro em madeira policromada no curso Ps-tcnico em Conservao e Restauro de Arte
Sacra sob a superviso da Profa. Titina Corso no Centro Tcnico Templo da Arte em So
Paulo.
19
2. RECEPO DO ARTEFATO
Ficha Tcnica
IDENTIFICAO DO OBJETO
1. Coleo: Arquivo do Centro Tcnico Templo da Arte
2. Categoria de Acervo: Escultura Sacra para Estudo da Disciplina
3. Cdigo de inventrio: PTAS2012-001/1.NSC. PTAS1.E/A
4. Nmero de inventrio anterior: E/A
5. Categoria: Arte Sacra
6. Subcategoria: Escultura
7. Designao: Nossa Senhora da Conceio
8. Data Atribuda: Final do Sculo XIX
9. Autoria/ Origem: desconhecida
10. Material e Tcnica: madeira talhada e policromada
11. Procedncia: feira de antiguidades
12. Modo de Aquisio: (X) compra ( ) produto de oficina ( ) transferncia ( ) doao ( )
recolhimento ( ) permuta
13. Data de Aquisio: no informado
14. Marcas e inscries: traz na base uma etiqueta com a inscrio E/A
15. Estado de Conservao: ( ) timo ( ) bom ( ) regular (X ) pssimo
16. Dimenses: Altura:25,5 cm Largura:11,5 cm Profundidade: 6,5 cm Peso: 269 grs.
17. Descrio do Objeto: Figura feminina, jovem, em posio ereta frontal com cabea
reta, rosto em formato oval, olhos de vidro em posio levemente desalinhada, tem
caracterstica as linhas de traos marcantes do nariz e queixo, testa alta, cabelos longos com
estrias, pescoo longo, com mos postas, sem atributos, no tem os ps visveis, veste tnica
longa em tonalidade azul clara, com manto longo de tom intenso em azul (externo) e rosa
(interno) e vu em tonalidade verde clara, vestgios de dourao e puno na decorao da
indumentria. No tm acessrios (provavelmente perdidos).
ANLISE DO OBJETO
18. Dados histricos: no h referncias
19. Caractersticas Iconogrficas: o posicionamento de mos postas, anjos na base
(vestgios), um globo sobre a peanha, cores do manto (azul) permitem realizar uma leitura
iconogrfica de que se trata de uma Nossa Senhora da Conceio.
20
20. Caractersticas Estilsticas: embora seja de uma escultura simples, revela pontos do
planejamento elaborado com dourao (perdida), tem propores equilibradas e um
movimento diagonal de composio da escultura.
21. Caractersticas Tcnicas: escultura em madeira, dourada e policromada como olhos de
vidro, sem adereos.
CONSERVAO DO OBJETO
22. Diagnstico: desprendimento generalizado da camada pictrica, perdas da base de
preparao e quebras do suporte. No possui adereos ou complementos. Com indcios de
intervenes anteriores
23. Recomendaes: Aes de Conservao e Restauro: Consolidao, Limpeza, Enxerto,
Pinos, Modelagem, Nivelamento da Base de Preparao, Selamento, Reintegrao Pictrica.
NOTAS
24. Histrico de Exposies/Prmios ou Publicaes: no h
25. Referncias Arquivsticas/Bibliogrficas: projeto monogrfico em dossi
26. Avaliao para Seguro: no informado
27. Localizao: Rua Costa Aguiar 1013, Ipiranga So Paulo.
28. REPRODUO FOTOGRFICA:
35. Localidade/Data:
So Paulo 23/08/2013
36. Conservador/restaurador responsvel:
Silvana Borges da Silva ABRACOR: 944
21
2.2 ANLISE ORGANOLPTICA NA RECEPO DA IMAGEM
Imagem de Nossa Senhora da Conceio em madeira policromada, com olhos de
vidro, sem nenhum tipo de complementos ou adereos originais. O artefato tem vrias lacunas
na base de preparao com perda quase total da policromia e carnao. As mos postas esto
fragmentadas com perda do suporte, com vestgios de adesivos, e sem os dedos, fragmentao
e perda do suporte de parte do crescente lunar, como tambm das nuvens e anjos que faziam
parte da base que antecede a peanha. H vestgios de adesivos tambm entre a peanha e
imagem. A proposta realizar um restauro museolgico que respeite a autenticidade do
artefato, porm permitindo uma melhor leitura iconogrfica da imagem.
2.3 PROCEDNCIA
A obra foi adquirida pelo Centro Tcnico Templo da Arte para uso na prtica de
restauro dos alunos do Ps-Tcnico de Conservao e Restauro de Arte Sacra. Identificou-se a
pea como sendo uma imagem de Nossa Senhora da Conceio, pela cor remanescente
caracterstica de sua iconografia, alguns de seus atributos, como a presena do crescente lunar
e a posio dos braos indicando as mos postas sobre o peito, no entanto perdidas. A obra foi
recebida no estado em que se encontrava, sem nenhum tipo de complemento ou adereo e
com perda generalizada da policromia e da base de preparao, e perda total da carnao.
22
2.4 DIAGNSTICO DO ESTADO DE CONSERVAO
O artefato parece original, h suspeita quanto a intervenes reparadoras pontuais pela
presena de adesivos e o que poderia ser uma massa epxi, respectivamente nas mos e na
base da pea, alguns pontos na face e cabelos tm vestgios de uma tentativa de repintura,
alguns esverdeados supostamente da oxidao de purpurina aplicada pontualmente em uma
tentativa de resgatar as reas de dourao original com ouro, h vestgios mnimos dessa
decorao.
No tem a coroa e nenhum outro adereo, alm da policromia bastante deteriorada,
com perdas gerais da camada de preparao, tem tambm perdas escultricas do suporte em
parte do manto, mos, crescente lunar, anjos e nuvens que so elementos caractersticos da
sua iconografia e que compem a base da imagem junto da peanha.
O estado geral de conservao do suporte (madeira) pssimo com rachaduras, perdas
e descolamentos, apresenta ainda marcas de p, manuseio e sujidades. H dois orifcios
maiores, mas sem vestgio de ataque por trmitas.
O estado de conservao da policromia pssimo, o suporte tem grandes perdas da
base de preparao da policromia. As cores dominantes so: azul, magenta e ocre aplicados
provavelmente em tcnica de tmpera, com acabamento fosco. Vestgio pontual de dourao,
mas que est praticamente perdida na sua totalidade, h reas oxidadas onde se tentou
provavelmente imitar uma dourao com purpurina. O estado de decorao da pea ruim,
tem perdas, manchas e marcas de sujeira, sem resqucios que indiquem como era o
estofamento no original. O estado da base de carnao pssimo, estando praticamente
perdida e de cor indefinida.
Possui olhos de vidro, mas com perda dos contornos (plpebras, clios e sobrancelha),
os cabelos tem perda total da base de preparao e policromia e foram repintados. O aspecto
da base de sustentao (peanha) regular com perda da policromia apresentando uma
variao de cor vermelha predominante em diversos tons sobrepostos (repintura).
O estado de conservao geral da pea pssimo.
23
2.5 ANLISE DAS PARTES ESTRUTURAIS
A pea composta de duas partes unidas na base da peanha por um pino ou parafuso que
est bem consolidado, que se optou por no retirar. Estruturalmente apresenta-se consolidada,
sem problemas de estabilidade no suporte da sua base e substrato.
2.6 DESCRIO FORMAL
Na anlise esttica e leitura iconogrfica trata-se de uma Nossa Senhora da Conceio,
cuja escultura apresenta uma simetria, posicionamento dos braos indicando as mos postas
(suporte perdido), vu curto cobrindo a cabea, tem uma tnica com um manto que a envolve,
aos ps vestgio remanescente de um querubim e um lado do crescente lunar, sobre uma
peanha de planejamento simples. A policromia est perdida, h indcios de dourao e mesmo
um pontilhado em puno, o que indica que possua uma rica decorao, o planejamento da
imagem bom, a figura tem propores equilibradas, leve movimento diagonal das vestes.
2.7 ANLISE COMPOSITIVA
Imagem ereta com leve ondulao das vestes (1), mos postas (2), vu curto (3), est
fixada sobre uma peanha de desenho e decorao simples (4), com presena na base de um
fragmento do crescente lunar (5) e indcios de onde estariam fixos trs querubins (6).
24
FOTOS ANTES DO RESTAURO:
Exame com luz UV indicando as reas remanescentes e outras com presena de adesivos
pela florescncia registrada na foto abaixo.
25
3. AS ETAPAS DA CONSERVAO E RESTAURO
A proposta de tratamento recuperar a representao iconogrfica da imagem de uma
forma didtica para estudo futuro dos alunos da instituio com exemplos de interveno
dentro de uma metodologia museolgica preservando as partes remanescentes originais,
porm recuperando a leitura iconogrfica da imagem, reconstituindo perdas e integrando as
lacunas da policromia com materiais inteiramente reversveis.
3.1. HIGIENIZAO
3.1.1 LIMPEZA MECNICA SECO
Aplicao: Todo artefato deve passar por um processo de higienizao inicial. O depsito
de poeira e detritos acumulados com o tempo sobre a superfcie do artefato ou em fendas e
salincias de uma obra, retm a umidade existente no ar, e uma simples camada de poeira
pode se tornar uma crosta mais resistente Por esse motivo, a primeira ao pela qual as obras
devem passar (desde que sua superfcie esteja consolidada) a limpeza mecnica, processo
que consiste na retirada a seco dessas partculas slidas. Isso realizado com o auxlio de
pincis e trinchas de cerdas finas ou pela raspagem com bisturi ou caneta brunidora.
Materiais e equipamentos: Pincel de plo de cabra, bisturi, luvas, mscara e caneta
brunidora.
Processos e cuidados: A pea tinha reas com grande perda da camada pictrica, mas o
processo de limpeza a seco pode ser efetuado de forma, pois a superfcie apresenta-se
consolidada. Foram removidas as partculas de sujidades e resduos pelos seguintes processos:
- Higienizao - uma limpeza leve, a seco, de sujidades e poeira pelo uso de um pincel de
plo de cabra na superfcie, cantos e salincias.
- Raspagem - alguns vestgios pontuais, inclusive na face de algumas repinturas s
puderam ser removidos pela raspagem com auxilio de um bisturi.
- Brunimento - foi realizada a limpeza mecnica de partculas de sujeira aderidas
superfcie com uma caneta brunidora de l de vidro.
26
3.1.2 LIMPEZA EM MEIO LQUIDO
Aplicao: Se as manchas forem ainda mais resistentes, como no caso de respingos de
pintura ou verniz, resduos de cera, fungos, ou mesmo aquelas que no foram removidas com
os processos anteriores, a obra recebe uma limpeza por meio liquido, com solventes: acetona,
lcool, amnia, xileno, dimetil, tolueno e inclusive gua.
necessrio que sejam realizados testes com isopo (palito de bambu com a extremidade
envolta em algodo), nesse teste os pigmentos e outros materiais no podem se diluir, o teste
realizado em pequenas reas da obra, preferencialmente de cores diferentes, se as tintas se
dilurem, a limpeza da obra deve se limitar apenas ao processo a seco.
Solventes base de carbono, como o tolueno, s devem ser aplicados a manchas e dejetos
que resistam a todas as aes anteriores, no existem doses exatas para uma soluo de
limpeza, cada caso passa por uma srie de experimentaes para estabelecer a eficincia da
soluo que em na maioria casos tem uma proporo diferente de produtos.
Materiais e equipamentos: palito de bambu e algodo (isopo), luvas, lente de aumento,
solventes, mscara.
Processos e cuidados: Antes dos procedimentos, necessrio realizar o teste para observar
a solubilidade da tinta ou do verniz (se houver) aplicando com o isopo a soluo ou solvente
em uma pequena rea. A limpeza feita unicamente sobre a rea do dejeto, ou mancha a ser
removida. O algodo do isopo deve ser frequentemente trocado por um limpo e descartado em
recipiente prprio.
(A)
(B)
(C)
(D)
(E)
(F)
Foram realizados os testes por cor nas regies: A - cor azul celeste / B - cor azul ultramar /
C - cor magenta / D - rea esverdeada / E vermelho / F carnao
- Teste com gua deionizada, eficincia em todas as reas na remoo de sujidades.
27
- Teste com acetona. Diluio de 50% em gua, testado em (C) demonstrando eficincia
apenas na retirada de colas e vestgios de fita adesiva no fragmento das mos do artefato, no
demonstrando eficcia para limpeza nas outras regies.
- Teste com lcool absoluto. Testado nas reas esverdeadas para remoo do que se
presume ser um resqucio de purpurina no houve eficincia.
- Teste com dimetil. No houve eficincia na remoo de repinturas
- Teste de limpeza nas reas de repinturas com solvente mineral (White spirit). A
policromia que parece se tratar de um tipo de tempera com acabamento muito fosco. No
houve nenhum tipo de eficincia, diante da dificuldade de remoo das manchas e repinturas
preferiu-se a no continuidade do processo sem correr o risco de causar danos irreversveis s
reas originais remanescentes do artefato e quelas que preservam um registro do tempo.
3.2. CONSOLIDAO
3.2.1. MOWIOL
Utilizou-se mowiol (soluo 7% em gua) para consolidao de partes do suporte que
pareciam fragilizadas nos pontos de juno dos fragmentos das mos e tambm na base da
imagem onde restam vestgios do que seria um planejamento de nuvens e anjos (atributos que
fazem parte de sua iconografia).
Aplicao: Utilizou-se a soluo de mowiol a 7% para consolidao da camada pictrica
prxima a base da imagem. Aplicado nas lacunas de perdas com um pincel, por processo de
gotejamento e sem excessos.
Materiais e equipamentos: mowiol (7%), pincel plo de marta, luvas, lente de aumento.
Procedimento e cuidados: A aplicao deve ser cuidadosa e lenta e sem excesso a gua de
diluio do mowiol pode agir como solvente da camada de preparao que ainda resta no
suporte. O artefato precisa estar bem posicionado, sobre uma base plana que o acomode e sem
causar impactos. O gotejamento foi realizado em todas as lacunas instveis do artefato.
28
3.3 RESTAURAO DE PARTES DANIFICADAS
Em virtude da variedade de materiais, tcnicas e propores utilizados em cada parte do
artefato, os danos encontrados na pea receberam diferentes tipos de tratamento.
3.3.1. FIXAO DE PARTES SEM COMPROMETER A SUSTENTAO
Aplicao: Adota-se esse procedimento em casos de descolamento de partes que se
quebram ou descolam sem comprometer a sustentao e muitas vezes que foram unidas em
intervenes anteriores em consequncia de quebras simples, ou seja, quando a estrutura de
sustentao da obra ou de um determinado membro dela no fica comprometida. H um
fragmento das mos da imagem, que indicam a sua posio em orao, houve perda total do
suporte e h a presena de um adesivo. Optou-se por reconstituir o volume da mo, mas sem
detalhamentos, recuperou-se tambm a outra ponta do crescente lunar, a leitura iconogrfica
da imagem foi desta forma restabelecida e identificando-se pelo acabamento o que
acrscimo, pois a interveno deve ser clara para o observador respeitando os limites do
original da obra.
Materiais e equipamentos: mowiol (7%), massa niveladora (a base de mowiol), pino de
bambu, sonda metlica, casca de cajazeira, estilete, esptula.
Processos e cuidados: Limpou-se bem a superfcie, com o uso de acetona retirou-se toda a
cola e vestgios de adesivos na regio. Realizou-se um orifcio com uma sonda para colocao
do pino. Escultura do volume das mos e a parte faltante do crescente lunar em casca de
cajazeira com um bisturi. Procedeu-se o selamento das partes com goma-laca clarificada.
Consolidaram-se as mos e um lado do crescente lunar com mowiol (7%), nivelou-se com a
massa mowiol.
3.3.2. RECUPERAO DO SUPORTE - ENXERTO
Aplicao: Esse procedimento realizado em obras em madeira na recuperao
necessria quando partes foram comprometidas pelo ataque de insetos, oxidao de pinos de
metal, apodrecimento, no primeiro caso a pea precisa ser tratada e imunizada. O material
utilizado no pode ter uma dilatao que ocasione fissuras na pea, ter baixa umidade, pois o
excesso de gua pode comprometer a base de preparao, e no deve alterar o peso do
artefato.
29
Materiais e equipamentos: massa de mowiol, esptula, basto de goma-laca, lamparina a
lcool, casca de cajazeira, mordente base de gua, folha de prata imitao, verniz de cera.
Processos e cuidados:
a) Uma primeira regio comprometida foi preenchida evitando favorecer ataques por
xilfagos e depsito de sujidades, no h vestgio de ataque de inseto, se ocorreu est
visivelmente inativa, portanto no houve necessidade do procedimento de imunizao,
procedeu-se assim: selamento das partes com goma-laca, nivelamento da fissura com
massa de mowiol, preenchimento de lacunas com mais de um milmetro com basto
de goma-laca derretido e nivelado com massa de mowiol.
b) Outras duas regies com perda do suporte (parte das mos e do crescente lunar) teve a
execuo de enxertos, na base houve a introduo de um pino de bambu com
consolidao com mowiol para fixao de um enxerto preparado com casca de
cajazeira desgastada com uso de um bisturi para reposio do perfil iconogrfico do
crescente lunar, foi tambm consolidado o enxerto da linha das mos sobre o
fragmento ainda existente. Ambos foram recobertos com massa de nivelamento a base
de mowiol e receberam as respectivas reintegraes posteriormente, no caso do
crescente lunar foi aplicada folha de prata imitao sobre mordente base de gua e
acabamento dado com verniz de cera.
3.4 NIVELAMENTO
Aplicao: O nivelamento da base de preparao necessrio na rea de perdas antes de
proceder com a reintegrao pictrica do artefato. necessrio primeiramente remover os
detritos da regio comprometida, e realizar o selamento. A mistura colocada delicadamente,
evitando vazios ou bolhas e nivelando a superfcie.
No presente caso optou-se por no realizar o nivelamento do estofamento, deixando as
lacunas identificveis, realizando-se apenas uma pintura em trattegio para uma integrao das
lacunas com perda da base de preparao e policromia. Hidratou-se e protegeu-se a camada
pictrica remanescente com verniz de cera por orientao da Profa. Titina Corso.
J no que se refere carnao, visando reintegrao esttica da imagem foi realizado o
nivelamento prximo ao orifcio de um dos olhos de vidro com perda significativa da base de
30
preparao que poderia comprometer inclusive a fixao do olho de vidro, antes de se
proceder a reintegrao pictrica.
Materiais e equipamentos: cola de pele de coelho (skin rabbit), carbonato de clcio, gua
deionizada, eugenol, aquecedor eltrico, esptula plstica, pincel liner plo de marta, pincel
plo de esquilo, verniz de cera.
Processos e cuidados: Prepara-se a base de gesso-cola, com a gua deionizada mais a
cola orgnica (skin rabbit) na proporo 12:1. Aps a hidratao da cola, a soluo aquecida
em banho-maria, adiciona-se 2 a 3 gotas de eugenol (conservante e fungicida) mais a carga
inerte (carbonato de clcio). O nivelamento feito depositando, sem pincelar, a mistura de
"gesso-cola" aquecida com pincel pelo de esquilo. O pincel faz o transporte do gesso-cola
preenchendo as lacunas da perda da base de preparao no suporte, as lacunas foram
previamente limpas e seladas com goma-laca clarificada diluda em lcool absoluto. Em
detalhes pontuais e lacunas do estofamento foi usado o verniz de cera.
3.5 REINTEGRAO PICTRICA
Aplicao: A recomposio esttica ou retoque usada em obras pintadas ou
policromadas, recuperando as perdas ocasionadas pelo desprendimento da camada pictrica.
Aps o nivelamento realizada a reintegrao pictrica das reas onde ocorreram as perdas
da policromia, o processo pode ser pela tcnica ilusionista, pontilhismo ou "trattegio".
Materiais e equipamentos: guache maimeri nas cores: branco, amarelo primrio, magenta
e azul primrio (cyan), pincis de pelo de marta, lente de aumento.
Processos e cuidados: As reas j previamente isoladas com o verniz de cera recebem uma
reintegrao pictrica em trattegio, uma lente de aumento permite uma melhor visualizao de
reas diminutas, o intervalo da pincelada limita-se proporo da lacuna e do artefato.
Na reintegrao de uma lacuna eu no posso ultrapassar o limite do original, e
cuidadosamente deve-se reintegrar esses espaos com suavidade, fazendo a passagem para o
original, mas respeitado o limite da reintegrao com a policromia, sem intervir nas reas em
que o artefato sofreu as alteraes do tempo, essas marcas se mantm legveis, pois fazem
parte da trajetria histrica da pea. O trattegio nesse caso o mais indicado, pois a tinta
original continuar a sofrer uma foto deteriorao, e pela continuidade da degradao original
31
as pinceladas em trattegio iro se integrar mesmo com a diferena de tons por no sofrerem
alterao no mesmo grau.
3.6 CARNAO
Aplicao: A carnao original se encontrava quase totalmente perdida e muito
deteriorada, havia grandes perdas da base de preparao na face, e mesmo com a limpeza de
uma repintura nas reas remanescentes a superfcie se apresentava demasiadamente atacada
por manchas. Preencher as lacunas nivelando as perdas no resultaria esteticamente em uma
aparncia dentro da expectativa que uma imagem sacra carrega. Caso fosse uma pea
museolgica as perdas simplesmente no seriam repostas. Tambm a simples reposio
apenas das reas perdidas, fazendo o nivelamento das lacunas de base de preparao para uma
reintegrao pictrica posterior no seria to pouco o procedimento mais adequado. Visto que
toda carnao resulta da prpria base de preparao tingida e polida, sem uma repintura e no
caso em questo, optou-se pelo procedimento de fazer uma reintegrao pictrica dentro do
princpio da reversibilidade total.
Materiais e equipamentos: goma-laca clarificada, gua deionizada, pincel pelo de marta,
pedra de gata, gesso cr, pigmento xido vermelho, guache maimeri nas cores: branco,
amarelo primrio, magenta e azul primrio (cyan), sombra queimada, terra de Siena
queimada.
Processos e cuidados: Aps a limpeza e selamento das reas com goma-laca, foi realizada
uma reintegrao pictrica, as camadas de tmpera guache foram aplicadas com pincel de
plo de marta na face e mos da imagem, a tmpera possibilitou um leve brunimento com
pedra de gata para ento ser realizado o "abrir sentidos" com aplicao do sombreado por
frico com um pincel de pelo de marta seco do pigmento xido vermelho misturado ao gesso
cr para as faces, realizado o delinear dos clios e sobrancelha, com tmpera guache sombra
queimada; e reintegrao da policromia dos cabelos adicionando aos anteriores o pigmento
terra de Siena queimada.
Observaes: No foram recompostas ou consertadas as imperfeies originais da
escultura como o desalinhamento dos olhos e a linha acentuada do nariz.
32
3.7 A PRTESE ACRLICA
Aplicao: Em uma abordagem didtica, uma imagem cuja iconografia se compe por
uma srie de elementos caractersticos, deduz-se que na falta destes pode-se ocorrer para um
leigo uma leitura equivocada de como a imagem representada. . O restauro fica limitado s
aes diretas aplicadas sobre as obras deterioradas ou danificadas com o fim de facilitar a
leitura e a compreenso corretas (Calvo, p.20, 2006)
A soluo proposta a confeco de uma prtese em acrlico com os atributos faltantes na
decorao da base da imagem, desta forma se respeita o conceito da anastilose, onde
permitido apenas a recomposio de partes faltantes originais desmembradas, desta forma os
acrscimos no fazem parte integrante do artefato, so facilmente reversveis e identificados
como no originais, ao passo que proporcionam em contrapartida uma leitura iconogrfica
mais aproximada do original. Os elementos de integrao sero sempre reconhecveis e
representaro o mnimo necessrio para assegurar a conservao do monumento e
restabelecer a continuidade das suas formas (Carta de Veneza -1964)
Materiais e equipamentos: borracha de silicone branca, gesso, argila, filme de PVC, resina
acrlica transparente autopolimerizante, material para impresso a base de silicone, plastilina,
molde papel, esptulas, cubeta silicone, catalisador, vaselina em pasta.
Processos e cuidados: Primeiro cuidado proteger toda a regio original da obra de forma
a no impregn-la com os materiais de uso para a modelagem, primeiro utilizou-se o filme de
PVC como isolante da rea e a argila para delinear o perfil de encaixe da prtese. Como as
salincias so muito sutis, esse procedimento no resultou num molde eficiente, porm foi til
para determinao do tamanho e inclinao do molde definitivo.
Como o molde de gesso obtido da impresso em argila no foi suficientemente fiel ao
contorno das reentrncias da pea, optou-se pela utilizao do material para impresso
odontolgica a base de silicone, inerte e sem impregnar o original pelo contato. Obteve-se o
negativo do molde e sobre ele o positivo da pea.
A prtese foi moldada por partes, primeiro as faces dos querubins a partir de uma pea
popular de gesso de mesmas dimenses, e depois delineado o perfil da base da pea, todos
confeccionados em resina acrlica transparente de forma a permitir uma leitura dos elementos
33
iconogrficos faltantes, obedecendo a regra de destac-los do original, mas sem que se
sobreponham visualmente ao mesmo.
4. PROCESSO CONCLUIDO
Registo do artefato antes do processo de restaurao
Registro do artefato depois do processo de restaurao concludo
34
5. RECOMENDAES PARA CONSERVAO DAS OBRAS DE ARTE
O artefato depois de restaurado ser entregue a instituio em uma caixa forrada com
papel acid free, envolto em tecido TNT de forma a evitar contato com materiais que possam
provocar alguma reao qumica de degradao em sua superfcie.
Refletiu-se sobre a opo de uma cpula acrlica, mas mais saudvel para uma
imagem de madeira policromada uma troca gradativa com a umidade relativa do ar ambiente
que deve ser no local expositivo o mais constante possvel, uma melhor opo do que mant-
la em um ambiente restrito, que no caso de uma limpeza eventual, poderia provocar maiores
problemticas a sua conservao pela repentina exposio ao ar exterior.
No caso de So Paulo h no geral um ar mido, onde a umidade relativa do ar no ano pode
variar de 67% a 78%, para o caso do controle do ar mido Battioli (1996) aconselha o uso de
compartimento com slica gel em espaos expositivos fechados onde se deseje manter o baixo
teor de umidade.
Todos os materiais utilizados so facilmente reversveis, portanto para sua conservao
deve-se ter cuidado na sua manipulao, com o uso de luvas e na sua limpeza o uso apenas de
um pincel macio para retirada de algum p depositado.
6. CONSIDERAES FINAIS
A pea escolhida para a realizao desse projeto possibilitou uma nova abordagem dentro
dos conceitos de conservao e restauro. Surgiu o questionamento de como uma imagem que
tem uma iconografia to facilmente identificvel como a de Nossa Senhora da Conceio,
pela perda de partes escultricas poderia levar a uma leitura equivocada ou errnea do que
representa.
Nos museus as peas esto expostas muitas vezes fragmentadas e fora do ambiente ao
qual eram destinadas, esse recorte as destituem de uma sria de smbolos e conceitos dentro
da leitura iconogrfica inerente sua representao. No caso especfico da Arte Sacra, ainda
interfere-se no aspecto de um objeto que motivo de adorao, representa algo alm de sua
prpria materialidade, dialogando com o imaginrio, f e devoo do pblico, por assim
dizer uma imagem viva cuja fragmentao e perda causam incmodo.
35
O restaurador sabe que para interferir em um bem cultural preciso estabelecer limites,
respeitar as marcas do tempo que tambm conferem ao artefato a sua identidade, mas surge a
questo: e quando esses desgastem afetam a sua leitura e porque no dizer a sua sacralidade?
As marcas e imperfeies em uma obra de arte so fatores a serem preservados, pois lhe
conferem a sua identidade, no entanto, reconstituir um bem cultural repondo os materiais
originais cometer um falso histrico.
Com todas essas questes levantadas e dentro do mbito de uma escola de conservao e
restauro, surgiu a proposta de se promover uma restaurao dentro de uma linha didtica, que
possa oferecer material para estudo de outros pesquisadores, conservadores e restauradores.
A interveno nessa pea demonstrou com que preciso estabelecer o limite entre o que
consideramos esteticamente aceitvel e o seu estado original, a deciso de retomar a sua
leitura iconogrfica estabeleceu uma dialtica entre a lacuna e a reintegrao, no caso em
especial da recomposio da carnao, o propsito foi recuperar a volumetria do artefato,
executando uma prtese acrlica dos querubins que adornam a base da imagem, mas no com
a inteno de nivelar as suas imperfeies ou corrigir, por assim dizer, enganos estticos
como a proporo das linhas do nariz e olhos, o procedimento foi apenas aplicar uma camada
de tmpera guache (reversvel) preservando as suas imperfeies, inclusive de desnveis da
face, pois so tambm elas que conferem identidade ao objeto.
O papel de conservao to importante quanto ao da restaurao do objeto, esse o
papel do conservador-restaurador: preservar o registro histrico presente nas marcas de
deteriorao de um artefato o que vai definir a medida da interveno e at onde o
restaurador deve ir. Franoise Choay (2006) comenta que todo objeto pode ser convertido em
testemunho histrico quer ele carregue ou no essa caracterstica memorial em sua origem,
mobilizando o espectador a reviver um passado mergulhado no tempo pela mediao da
afetividade (no presente), contribuindo para manter e preservar, neste caso, uma identidade
religiosa que pertence nossa sociedade atual.
A preocupao foi sempre reconstituir todas essas perdas sem que a imagem fosse
destituda de sua identidade original, mas diante do estado inicial do objeto, mesmo
realizando todas as intervenes dentro dos critrios de restaurao, no seria mesmo possvel
reconstituir o objeto totalmente como era antes, mesmo porque esse no o papel do
restaurador.
36
Citando Viollet-le-Duc (2006) quando diz que restaurar no manter, reparar ou refazer,
mas restabelecer em um estado completo que pode no ter existido nunca em um dado
momento; entende-se que restaurar no consertar, mesmo porque no possvel reconstituir
o artefato ao seu estado anterior, porque ele no s matria, o artefato est revestido no s
das marcas conferidas a ele pelo tempo, ele carrega consigo outro componente, que
imaterial.
Na arte sacra alm da tcnica o profissional conservador-restaurador deve se ater a no
ultrapassar esse limite da sacralidade que uma pea de culto, que embora fora de seu espao
litrgico, tem esse contedo inerente ao objeto. O papel do conservador-restaurador tambm
no obliterar as marcas caractersticas de testemunho do tempo que o objeto adquiriu ou o
artefato perder alm de sua materialidade, tambm a sua alma.
7. ANEXO I PASSO A PASSO FOTOGRFICO DO PROCESSO
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65
8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
AUGRAS, Monique. Todos os Santos so bem-vindos. RJ, Pallas, 2005.
BATTIOLI, Luciana Pellizzi. Em defesa das obras de arte. RJ, AGIR, 1996.
BOITO, Camilo. Os Restauradores. SP, Ateli Editorial, 2008.
BONNET, Mrcia. Representaes da Imaculada Concepo na Imaginria Missioneira da
Banda Oriental: questes iconogrficas. IA-UFRGS, Revista Pindorama, 2006.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restaurao. SP, Ateli Editorial, 2004.
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