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PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO CURITIBA 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE EDUCAÇÃO COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CURSO DE PEDAGOGIA MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL PROFª CLARA BRENER MINDAL PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE PROFª TANIA STOLZ

Psicologia da Educacao

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Apostila psicologia da educação

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Page 1: Psicologia da Educacao

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Psicologia da Educação

PSICOLOGIA DAEDUCAÇÃO

CURITIBA

2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁSETOR DE EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE INTEGRAÇÃO DE POLÍTICASDE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

CURSO DE PEDAGOGIAMAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E

ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

PROFª CLARA BRENER MINDAL

PROFª TAMARA DA SILVEIRA VALENTE

PROFª TANIA STOLZ

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

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Psicologia da Educação

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLCA

Dilma Roussef

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Aloízio Mercadante

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

Diretor

João Carlos Teatini de Souza Lima

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ReitorZaki Akel Sobrinho

Vice-ReitorRogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Graduação - PROGRADMaria Amélia Sabbag Zainko

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação -PRPPG

Sérgio Scheer

Pró-Reitora de Extensão e Cultura - PROECElenice Mara Matos Novak

Pró-Reitora de Gestão de Pessoas - PROGEPELaryssa Martins Born

Pró-Reitor de Administração - PRAPaulo Roberto Rocha Krüger

Pró-Reitora de Planejamento, Orçamento eFinanças - PROPLAN

Lucia Regina Assumpção Montanhini

Pró-Reitora de Assuntos Estudantis - PRAE

Rita de Cássia Lopes

SETOR DE EDUCAÇÃO

Diretora

Andrea do Rocio Caldas

Vice-Diretora

Deise Cristina de Lima Picanço

Coordenador do Curso de Pedagogia - Magistério da

Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino

Fundamental

Américo Agostinho Rodrigues Walger

Coordenador de Tutoria

Lezyane Silviera Daniel

Revisão Textual

Altair Pivovar

Coordenadora EaD - UFPR e UAB

Marineli Joaquim Meier

Coordenadora Adjunta UAB

Gláucia Brito

Coordenadora de Recursos Tecnológicos

Sandramara Scandelari Kusano de Paula Soares

Produção de Material Didático

CIPEAD

Coordenação de Integração de Políticas de

Educação a Distância - CIPEAD

Foto da capa - http://www.sxc.hu/photo/

1191196

CIPEADFone: (41) 3310-2657

Coordenação do Curso de PedagogiaFone:(41) 3360 5139

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Contatos

CIPEADPraça Santos Andrade, 50 Térreo

80020-300 Curitiba PR

Fone: (41) 3310-2657

e-mail: [email protected]

www.cipead.ufpr.br

Setor de EducaçãoRua General Carneiro, 460 2º andar

80060-150 Curitiba PR

Fone:(41) 3360 5141 3360 5139

e-mail:[email protected]

www.educacao.ufpr.br

Foto da capa - http://www.sxc.hu/

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Page 5: Psicologia da Educacao

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Psicologia da Educação

APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

Prezado Aluno,

A Psicologia da Educação pode ser considerada como o campo científico que

toma como objetivos a compreensão, a explicação, a previsão e a modificação dos

fenômenos educativos. A Psicologia da Educação ganha identidade própria por volta

do fim do século XIX e início do século XX em diversos países. Os conteúdos que a

compõem surgem, por um lado, da aplicação dos conhecimentos e das explicações

das diferentes correntes teóricas da Psicologia ao âmbito educacional, e, por outro

lado, dos estudos específicos das diferentes situações educativas.

Até meados da década de 50 do século XX, predominou a aplicação dos

conhecimentos gerados pela Psicologia em consultórios terapêuticos e laboratórios

universitários. Destacam-se, por exemplo, as tentativas de estender à escola os

princípios e leis da aprendizagem elaborados com os resultados de estudos realizados

em sua maioria com animais em laboratórios.

Por volta da década de cinquenta, e principalmente em anos posteriores, essa visão

da Psicologia da Educação como aplicação direta da Psicologia geral se modificou em

função da compreensão das especificidades do espaço escolar. O ambiente escolar, os

professores, os alunos e suas características e funcionamento passaram a ser objeto de

estudos.

Neste volume sobre Psicologia da Educação, você encontrará um pouco de

Psicologia aplicada à educação e um pouco de pesquisa específica realizada na escola.

Na Unidade 1 discutem-se alguns dos principais conceitos da teoria piagetiana

do desenvolvimento cognitivo e suas implicações para a educação. Empreende-se

nesta discussão um movimento que parte da ação pedagógica para a reflexão teórica.

A Unidade 2 enfoca a teoria histórico-cultural de Vygotsky e sua importância na

compreensão do papel da escola e do professor para o desenvolvimento psicológico

humano. A Unidade 3 aborda as contribuições da teoria behaviorista para a educação.

Após uma apresentação geral do que é o behaviorismo, são trabalhadas as principais

ideias de dois dos maiores expoentes dessa corrente psicológica. Skinner e Bandura

desenvolveram estudos sobre aprendizagem e formação de hábitos que apresentaram

resultados extremamente úteis para os professores na sociedade atual. As diferenças

entre aprendizagem por meio de reforços e por meio de punições, a formação de

hábitos de estudo e a influência dos meios de comunicação sobre o comportamento

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

agressivo são temas discutidos nesta unidade.

A Unidade 4 trata da contribuição de alguns conceitos básicos da psicanálise

para o campo educacional. Optou-se por discutir o conceito de pulsão e a sua

vinculação à sexualidade humana. Também abordam-se a relação entre a pulsão e os

modos de defesa na latência e na adolescência, por entender-se que essa discussão

auxilia os professores a conhecer o impacto da sexualidade, de acordo com os

pressupostos freudianos, nos seus alunos.

Profª Clara Brener Mindal

Profª Tamara da Silveira Valente

Profª Tania Stoltz

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Psicologia da Educação

PLANO DE ENSINO

1 DISCIPLINA

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

2 CÓDIGO

EDP- 036

3 CARGA HORÁRIA TOTAL

120 HORAS

3.1 CARGA HORÁRIA PRESENCIAL

3.1.1 Com Professor formador: 12 horas

3.1.2 Com o tutor presencial no Polo: 12 horas

3.2 CARGA HORÁRIA À DISTÂNCIA

Noventa e seis (96) horas de estudos com orientação presencial e a distância dos tutores do polo

presencial e/ou tutores da UFPR. Estes estudos incluem a participação em fóruns, chats e outros

espaços virtuais.

4 EMENTA

Histórico, conceito e objeto. Teoria do desenvolvimento psicológico do ser humano e suas implicações

educacionais: perspectivas psicanalíticas e cognitivistas. Concepções teóricas contemporâneas sobre o

processo de aprendizagem e suas implicações para a atividade docente: enfoques behaviorista, humanista

e cognitivista.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

5 OBJETIVOS

5.1 OBJETIVO GERAL

Promover a compreensão dos processos psicológicos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem

e sua relação com o desenvolvimento humano, e das principais abordagens teóricas da Psicologia da

Educação.

5.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Reconhecer a importância do conhecimento científico sobre o processo de ensino e aprendizagem.

Conhecer os postulados básicos das principais teorias contemporâneas acerca do processo de ensino

e aprendizagem.

Compreender as principais contribuições de teorias sobre o desenvolvimento psicológico para a

aprendizagem escolar.

Refletir sobre as possibilidades de aplicação à prática pedagógica dos postulados teóricos estudados

sobre o papel do educador no processo de ensino e aprendizagem.

6 PROGRAMA

UNIDADE 1

1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO

1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET.

1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO.

1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO.

UNIDADE 2

2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY

2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO.

2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM?

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Psicologia da Educação

UNIDADE 3

3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO

3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO?

3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO EAPRENDIZAGEM INSTRUMENTAL.

3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE.

3.4 TERCEIRA GER AÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO

COMPORTAMENTO.

UNIDADE 4

4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE PARAO CAMPO EDUCACIONAL.

7 ORIENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

7.1 PROCEDIMENTOS PARA LEITURA E ANÁLISE DOS TEXTOS

Para que você aproveite ao máximo o material teórico, indicamos os seguintes passos para sistematizaçãoe estudo. Na medida do possível, utilize-o habitualmente.

Faça uma primeira leitura, buscando uma visão do conteúdo como um todo.

Releia o texto, anotando palavras ou expressões desconhecidas, e sublinhe as ideias centrais.

Leia novamente e procure entender a ideia principal, que pode estar explícita ou implícita no texto.

Localize e compare as ideias entre si, procurando semelhanças ou diferenças.

Interprete as ideias, tentando descobrir conclusões a que o autor chegou.

Elabore uma síntese/resumo/apreciação crítica.

8 AVALIAÇÃO

8.1 Atividades presenciais com 75% de frequência (aula na UFPR e tutoria no polo).

8.2 Atividades e exercícios sobre os textos e materiais de apoio.

8.3 Atividades como fóruns, pesquisa, produção de textos e outras que o professor considerar.

8.4 Leituras complementares indicadas, com registro de análise crítica.

8.5 Exercícios de autoavaliação com produção de conhecimento.

8.6 Prova presencial ao término de pelo menos 75% das atividades realizadas.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

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Psicologia da Educação

SUMÁRIO

1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO ...........................................................................

1.1 COMO AS PESSOAS APRENDEM, PARA PIAGET? ...........................................................

1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO ..........................

1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO.........................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................

2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY ................................

2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO ..................................................................................

2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM? .....................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................

3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO ..........................3.1 O QUE É BEHAVIORISMO? .................................................................................................

3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BAHAVIORISTAS: COMPORTAMENTO REFLEXO OU

RESPONDENTE E APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL ...........................................................

3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov .................................................................

3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike ...............................................................................

3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: CONDICIONAMENTO OPERANTE .......

3.3.1 O condicionamento operante: Skinner .................................................................................

3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços ............................................................

3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante ................................................

3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento ............................................................................

3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner ...............................................................

3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: APRENDIZAGEM SOCIAL DO

COMPORTAMENTO ..................................................................................................................

3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura .....................................................................

3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura ......................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................

4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISEPARA O CAMPO EDUCACIONAL ....................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................

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Psicologia da Educação

O CONSTRUTIVISMOPIAGETIANO

UNIDADE 1

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Psicologia da Educação

1 O CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO

Um dos teóricos mais importantes do desenvolvimento psicológico é

o biólogo e psicólogo suíço Jean Piaget (1886 - 1980). Sua teoria merece

destaque por seu rigor científico, vasta produção científica e por suas

implicações no campo da educação. Piaget desenvolveu inúmeras pesquisas

em diferentes lugares do mundo, contando com o uso do método clínico

(DELVAL, 2002). O construtivismo piagetiano entende o desenvolvimento

psicológico humano a partir de construções que se estabelecem de um

nível inferior a um nível superior e são desencadeadas pela interação do

sujeito com o meio físico e social. A teoria de Piaget é construtivista porque

ele e studa essas construções ou mudanças que ocor rem no

desenvolvimento cognitivo ao longo da vida e os mecanismos que explicam

essas transformações. A partir da década de 1960, com os estudos sobre

a causalidade, a característica construtivista da teoria de Piaget começa a

ficar mais marcante, porque ele passa a precisar melhor o papel do objeto

no processo de construção do sujeito.

FIGURA 1 - JEAN PIAGET

FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Piaget.jpg

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

1.1 Como as pessoas aprendem, para Piaget?

Segunda-feira, 7h30 da manhã, aula de história na 8ª série A. O professor

saúda os alunos. Pede para pegarem o caderno e copiarem o que está

escrevendo no quadro. Os alunos reclamam. O professor diz que depois

irá explicar tudo o que está no quadro. O professor começa a escrever

compulsivamente no quadro, enchendo-o com tópicos referentes à

Revolução Russa. Os alunos estão inquietos, mas o professor continua

virado para a lousa. Depois de aproximadamente 20 minutos de cópia, o

professor pára, senta-se à sua mesa, olha para a turma e espera cerca de

10 minutos até que os alunos terminem de copiar o texto. Os alunos estão

agora em silêncio. O professor começa a explicar o que está no quadro.

Repete as frases que já foram escritas, dando-lhes outra ordem. Por exemplo,

quando está escrito 1905 Revolução popular contra o czar, acentua-se a

crise social na Rússia, o professor fala: “Tinha uma crise social na Rússia

em 1905, então ocorreu uma revolução popular contra o czar”. Um aluno

levanta a mão. O professor ignora. O aluno chama o professor. O professor,

impaciente, diz: “O que é Carlos? Já começa cedo... Não posso nem começar

a explicar?”. O garoto se retrai, mas faz a pergunta. “Por que a Rússia

estava em crise, professor?”. O professor responde com má vontade: “Tinha

uma revolução popular contra o czar e a crise na Rússia aumentou,

entendeu?”. O aluno responde: “Não”. O professor: “Ai, Carlos! Tá difícil,

heim?”. Fala olhando para a turma. A turma reage à provocação do

professor: “É, Carlos, fica quieto, cala a boca. Deixa o professor explicar...”.

O professor continua com a “explicação”... Depois de ter lido e repetido o

que leu do quadro, pergunta: “Entenderam?”. Silêncio. “Ótimo”, diz o

professor. Podem abrir o livro na página 17 e começar a responder a

atividade 1 até a 3. O professor senta à sua mesa e espera, a qualquer

momento, o barulho do sinal...

O trecho citado demonstra uma típica rotina de escola. Mas será que

essa rotina está contribuindo para que o aluno aprenda? O que Piaget nos

fala sobre como as pessoas aprendem?

Para Piaget (1958; 1964; 1974; 2003), tudo o que o aluno vai

aprender depende de seu nível de desenvolvimento cognitivo. Esses níveis,

estágios ou formas vão caracterizando as possibilidades de relação com o

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Psicologia da Educação

meio ambiente. A cada momento de seu desenvolvimento, o homem

interpreta e resolve os problemas de sua realidade de maneira diferente.

O desenvolvimento cognitivo começa quando nascemos; não está

dado antes do nascimento. Isso significa que a nossa inteligência vai sendo

construída lentamente a partir de nossa interação com o meio físico e social.

É por isso que Piaget é INTERACIONISTA. A ação do aluno é aqui

fundamental! Não a ação de cópia, mas a ação física ou mental sobre o

conteúdo apresentado pelo professor. O aluno precisa fazer algo com o

conteúdo que o professor apresenta.

A perspectiva interacionista entende o processo de desenvolvimento humano a partir da

interação com o meio físico e social. Nessa perspectiva, todas as funções humanas desenvolvem-

se pela interação. O raciocínio, por exemplo, não se desenvolve sem a interação com um meio

ambiente.

Você sabia que a cognição, para Piaget, representa as diferentes

atividades da mente humana? É isso mesmo! Memória, atenção, raciocínio,

representação... são atividades da mente.

O que o aluno vai fazer com o conteúdo apresentado pelo professor

precisa ser primeiro assimilado e depois acomodado pelo aluno.

ASSIMILAÇÃO e ACOMODAÇÃO são dois mecanismos complementares

e indissociáveis que estão envolvidos no desenvolvimento e na aprendizagem

do aluno (PIAGET, 1936; 1983). O desenvolvimento intelectual é o

resultado de um equilíbrio progressivo entre assimilação e acomodação.

Como isso se expressa na sala de aula?

Primeiro, é necessário que o aluno integre a informação nova à

estrutura de conhecimentos que possui. Os alunos sempre trazem uma

série de conhecimentos fruto de sua interação com o meio físico e social.

Ao mesmo tempo, têm também uma determinada capacidade de pensar

sobre esses conhecimentos. Como fica isto então na atividade do aluno?

Quando o aluno se esforça por entender o conteúdo apresentado

pelo professor, vai primeiro interpretar o conteúdo novo tomando como

referência a sua compreensão de mundo, os conhecimentos que já tem.

Para interpretar o mundo, usamos o que já está disponível, e o que está

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

disponível já foi construído a partir de interações anteriores. A esse

movimento denominamos de ASSIMILAÇÃO. A assimilação refere-se à

incorporação de um dado novo à estrutura de conhecimento do sujeito.

Ela sempre vem antes quando pensamos em um avanço. É por essa razão

que nos surpreendemos muitas vezes com as colocações de nossos alunos

que estão muito distantes daquilo que apresentamos a ele. Ele está tentando

assimilar e, para isso, tenta entender o novo a partir do velho conhecimento

que possui.

Piaget (1964) expressa que o desenvolvimento vem sempre antes da

aprendizagem porque, para aprender, o sujeito precisa antes de tudo

assimilar. Isso pela simples razão de que o desenvolvimento se dá em um

processo e não é simplesmente um percurso de novos inícios e nem uma

soma de informações. Ao assimilar, o sujeito começa a tornar um

conhecimento significativo para ele, começa a incorporá-lo. No caso do

aluno, ele interpreta e entende o conteúdo a partir das possibilidades

cognitivas que tem.

O fato de assimilar não garante ainda uma nova compreensão ou um

avanço no desenvolvimento de sua inteligência. É preciso também acomodar.

Aliás, a assimilação é sempre balanceada pela ACOMODAÇÃO no

referencial piagetiano. A acomodação representa o ajuste ou mudança do

sujeito às provocações do meio. No caso do aluno, por exemplo, ele modifica

a sua maneira de pensar a partir de sua ação. Não é a cópia que caracteriza

essa mudança, mas a transformação do sujeito a partir da provocação do

meio.

Assim, o meio provoca o sujeito, mas é o sujeito que age em resultado

da provocação e integra a nova informação ao conjunto de conhecimentos

que possui. Pode-se dizer, então, que, por melhor que seja o professor, é o

aluno que aprende, porque precisa assimilar e acomodar.

O equilíbrio entre assimilação e acomodação constitui o que Piaget

chama de ADAPTAÇÃO. A adaptação é um processo ativo, dinâmico e

contínuo, no qual a estrutura hereditária do organismo interage com o meio

externo com vistas a reconstituir-se no sentido de um todo novo e significativo

para o sujeito. Não tem nada a ver com passividade. No caso do exemplo

apresentado no início, há a necessidade de interagir com os alunos durante

a aula para solicitar deles a forma como entendem o que está sendo

apresentado como conteúdo e provocá-los para ir mais adiante nessa

construção.

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Psicologia da Educação

Se o aluno não tenta entender primeiro o novo conteúdo a partir dos

conhecimentos que tem, estará simplesmente tentando decorar algo que

não tem sentido para ele. Como resultado, logo esquecerá o que foi

simplesmente memorizado sem compreensão. A situação de sala de aula

descrita anteriormente não é a mais adequada para levar os alunos a interagir

com conhecimentos, porque se apresenta como aula tão somente expositiva,

exigindo muito pouco a atividade reflexiva do aluno. No exemplo, quando

um dos alunos começa a integrar as informações trazidas pelo professor,

sua curiosidade é impedida pelo professor e pelos colegas. Infelizmente,

essa é uma situação que verificamos muito em sala de aula. Falta trazer o

aluno para a discussão. Perguntar-lhe como está entendendo o conteúdo

ou como o explica a partir de sua realidade. É preciso que o aluno confronte

suas concepções com as apresentadas pelo professor. Perceba a diferença

entre a forma como entende e a forma apresentada pelo professor para

poder rever as suas concepções. Isso é solicitar a atividade do aluno.

Uma noção piagetiana importante para o trabalho em sala de aula é a

de CONFLITO COGNITIVO.

O conflito cognitivo (PIAGET; GRÉCO, 1974) é interno ao aluno e

significa a contradição entre a forma como o ele entende a realidade e o que

está sendo apresentado pelo meio a que ele pertence. Não adianta o

professor dizer que o que o aluno diz é o contrário do que está ensinando.

É o aluno que precisa chegar a essa conclusão para poder avançar.

O conflito cognitivo é condição para a mudança consciente, por isso

a aula precisa ser dialogada. O aluno precisa ter voz na sala de aula. Despejar

uma quantidade excessiva de informações sobre os alunos não leva a lugar

nenhum, porque é preciso tempo para assimilar e acomodar. Uma vez

acomodado, o material estará disponível para novas assimilações. É por

isso que o processo de construção de conhecimentos no sujeito não tem

fim e depende das assimilações e das acomodações que vai conseguindo

realizar.

Por que o aluno não pode só acomodar? Porque a acomodação

depende da incorporação prévia do conhecimento aos esquemas que o

sujeito possui. Sem a assimilação anterior, tem-se sempre um novo começo,

não um enriquecimento e ampliação do conhecimento anterior. Para Piaget,

não há grandes saltos no desenvolvimento cognitivo. Ele se processa a partir

de uma sequência que ocorre a partir de um nível imediatamente inferior.

Esquema é a menor unidade do conhecimento. É aquilo que se generaliza

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

da ação e pode ser utilizado em outras construções. Um conjunto de

esquemas dá origem a estruturas. O avanço no processo de construção

tanto das estruturas do conhecimento como da realidade sempre vai do

estágio sensório-motor e do pré-operatório ao operatório concreto e

operatório formal. Essa sequência será descrita adiante.

Na visão piagetiana, a adaptação e a organização constituem os

invariantes funcionais do desenvolvimento cognitivo. São elas que permitem

esse desenvolvimento. Por meio da organização, há a integração do que é

adaptado a um sistema coerente. A adaptação e a organização se referem

ao plano estrutural e ao plano funcional do desenvolvimento cognitivo.

Para Piaget (1974a; 1974b; 1983a), o desenvolvimento cognitivo

ocorre por meio da construção de estruturas do conhecimento que, por

sua vez, compõem-se de esquemas práticos e conceptuais. As estruturas

permitem entender a realidade e resolver problemas nessa realidade.

Estruturas são sistemas de transformação, porque, no modelo piagetiano, é

só pela atividade transformadora do sujeito que ele constrói sua inteligência

e a sua realidade.

Até agora, vimos que Piaget tem muito a dizer sobre como as pessoas

se desenvolvem e aprendem. Vimos que a aprendizagem depende sempre

do desenvolvimento. Piaget (1964; 1983a) se interessou pelo estudo do

processo de desenvolvimento das estruturas do conhecimento. O

desenvolvimento dessas estruturas está ligado à embriogênese, ao

desenvolvimento do corpo e de todas as suas funções, que só se completa

na adolescência. O desenvolvimento, assim como a aprendizagem, depende

de dois processos: a assimilação e a acomodação. Ambos levarão a uma

nova adaptação. Adaptação e organização são invariantes funcionais e estão

presentes tanto na construção das estruturas do conhecimento como da

realidade. Em sala de aula, é preciso estimular o pensamento dos alunos,

dando-lhes voz para exteriorizá-lo e para apresentar outras perguntas que

possam contribuir para a necessidade de rever conhecimentos e construir

conhecimento novo. No exemplo apresentado no início desta unidade,

observa-se que Carlos se interessa pelo conteúdo e quer ir além do

apresentado pelo professor, ao que o professor responde com censura,

exatamente o oposto do que faria o professor que se fundamenta nas ideias

de Piaget.

Page 21: Psicologia da Educacao

21

Psicologia da Educação

Na sala de aula, o conteúdo é o objeto do conhecimento. Ao ser

instigado a pensar sobre esse conteúdo e, principalmente, ao atuar sobre

ele, o sujeito está ativando a construção de sua inteligência que, para Piaget,

pode ser entendida como construção das estruturas do conhecimento.

Portanto, forma e conteúdo se relacionam nesse processo. A forma diz

respeito às estruturas e o conteúdo ao funcionamento do sujeito em relação

a um objeto específico e contando com suas estruturas. Mas as estruturas

não são inatas, dependem, para a sua construção, da construção da

realidade, a qual está impregnada de conteúdos.

O que acabamos de dizer refere-se a uma das mais importantes

contribuições de Piaget (1936; 1937): a de que a inteligência constrói-se

paralelamente à construção da realidade. Ao conhecer o real por meio de

suas ações, o sujeito está construindo ao mesmo tempo a sua inteligência.

Agora se pode entender por que Piaget considera o processo de

desenvolvimento da inteligência ou da cognição paralelamente ao processo

de construção da realidade. O que isso significa? Significa que

compreendemos a realidade na medida em que construímos a nossa

inteligência. Assim entendemos por que a criança pequena entende a

realidade de forma diferente da criança de oito anos e do adolescente. As

estruturas estão em construção e permitem interpretar e resolver problemas

da realidade. Dependendo das estruturas que são ativadas, a realidade é

entendida de maneira ingênua e simples ou, ao contrário, em sua

complexidade.

Segundo Piaget, ao construir o objeto, o sujeito constrói a si mesmo. O que você entende por

essa afirmativa?

Segundo Piaget, a inteligência não nasce com a gente, ela se constrói lentamente a partir da interação

com o meio.

Como o professor pode contribuir nesse processo?

Page 22: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

1.2 FATORES RESPONSÁVEIS PELO DESENVOLVIMENTO

COGNITIVO

Como aquilo que conseguimos aprender tem a ver com o nível de

desenvolvimento cognitivo, é importante que o professor conheça o que

Piaget (1958; 1964; 1965) indica como fatores responsáveis pelo

desenvolvimento da inteligência.

Piaget enumera quatro fatores fundamentais para essa construção: a

maturação, a experiência física, a interação e transmissão social e o processo

de equilibração. Todos são igualmente importantes, mas um integra os

demais: o processo de equilibração.

A maturação orgânica é uma condição de possibilidade do organismo

de se desenvolver. Envolve o desenvolvimento neurofisiológico. Não pode

ser entendida como único fator responsável pela inteligência, porque sem a

experiência, a interação social e o processo de equilibração não há

desenvolvimento cognitivo. No entanto, a maturação é indispensável, porque

mesmo com a presença dos outros fatores, o não-desenvolvimento da

maturação vai ser determinante é o que explica, por exemplo, o fato de um

bebê não conseguir compreender álgebra linear.

A experiência com objetos (ou experiência física) é outro fator

fundamental na visão piagetiana. Para o desenvolvimento da inteligência, é

indispensável a atuação sobre os objetos. Piaget distingue aqui dois tipos

diferentes de experiência: a experiência física e a experiência lógico-

matemática. A experiência física diz respeito à atuação sobre os objetos e o

conhecimento de suas propriedades por meio da abstração física. Por

exemplo, ao tocar em um objeto, podemos perceber que ele é gelado ou

quente. Já a experiência lógico-matemática leva a um conhecimento a partir

das coordenações de minhas ações e necessita de uma abstração

reflexionante. A abstração reflexionante (PIAGET, 1977a; 1977b) é o

resultado de um conhecimento advindo da coordenação das ações exercidas

pelo sujeito sobre o objeto. Esse conhecimento não está no objeto, mas no

sujeito que pensa. Por exemplo, o conhecimento de que há objetos mais

quentes e objetos mais gelados do que outros não está no objeto, mas na

mente do sujeito que pensa, e depende do estabelecimento de relações. A

abstração reflexionante envolve o reflexionamento e a reflexão. O

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Psicologia da Educação

reflexionamento constrói em um plano superior o que foi construído no

plano da ação. Já a reflexão refere-se a um reflexionamento de segundo

grau ou a uma tematização em um plano superior do que foi construído por

meio da coordenação das ações. A experiência, por si só, não explica o

desenvolvimento, porque requer, para a sua compreensão, a maturação,

além dos outros fatores. Mas a experiência é indispensável, porque sem ela

não há o conhecimento de objetos. Por exemplo, a criança pequena pode

fazer inúmeras experiências com diferentes objetos, mas o conhecimento

que retira delas corresponde ao nível de seu desenvolvimento intelectual,

que envolve também a maturação, a interação e transmissão social e,

sobretudo, o processo de equilibração.

A interação e transmissão social dizem respeito à importância das

interações com as outras pessoas e do conhecimento a que temos acesso a

partir delas para o desenvolvimento da inteligência (PIAGET, 1958; 1965).

Não é o único fator, porque mesmo interagindo com inúmeras pessoas e

tendo acesso a toda sorte de conhecimentos, sem a maturação, por exemplo,

o sujeito não irá entender o que está sendo dito e apresentado. Por outro

lado, esse é um fator indispensável, porque mesmo tendo maturação,

experiência e o processo de equilibração, o nível de desenvolvimento

dependerá sempre do acesso a conhecimentos em um determinado meio

social e cultural. Esse fator está relacionado a atrasos e acelerações no

desenvolvimento.

Contando apenas com a maturação, a experiência e a interação social,

ainda não é possível explicar o desenvolvimento cognitivo para Piaget. Há a

necessidade de um fator integrador, e este é o processo de equilibração. As

construções que o sujeito vai fazendo ao longo de sua vida só são possíveis

pelo processo de equilibração. Esse processo autorregulador do organismo

permite a busca de um novo equilíbrio a partir de uma situação de

desequilíbrio cognitivo. Ao longo de sua existência, o sujeito vai realizando

inúmeras adaptações, que podem ser entendidas como estágios temporários

de equilíbrio. Eles logo são contrabalançados por situações que representam

desequilíbrios cognitivos, que podem ser entendidos como incompreensões,

situações com as quais não sabemos lidar. O processo de equilibração

representa esse percurso de equilíbrios e desequilíbrios em vários níveis.

Ele integra os fatores de maturação, experiência e interação social e possibilita

uma resposta do sujeito às diferentes situações da vida. Não é possível

visualizar esse fator, de modo que, para entendê-lo, pode-se pensar no

quanto, às vezes, lemos uma mesma obra e só muito tempo depois

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

entendemos seu real significado, por vezes em um contexto bem adverso

ao da leitura de um livro. Outro exemplo é o da criança que tem significativo

acesso à cultura e a um método adequado para a alfabetização, mas só

depois das férias apresenta um surpreendente avanço em seu domínio da

linguagem escrita. Conhecer os quatro fatores descritos nos permite entender

a dinâmica entre desenvolvimento e aprendizagem na teoria piagetiana.

Como é a evolução dessa dinâmica?

É o que se discute na sequência.

1.3 A CONSTRUÇÃO DAS ESTRUTURAS DO CONHECIMENTO

A partir da interação do sujeito com o meio físico e social, ocorre a

construção das estruturas do conhecimento ou da inteligência. Piaget

distingue quatro conjuntos de estruturas que se desenvolvem em movimento

como o de uma espiral evolutiva (equilibração majorante): as sensório-

motoras, as pré-operatórias, as operatórias concretas e as operatórias formais.

Para Piaget (1994), inteligência e afetividade constroem-se paralelamente,

assim como a moralidade. A equilibração majorante, ou o processo de

desenvolvimento de uma nova forma de equilíbrio mais ampliada, explica a

passagem de um conjunto de estruturas ao outro. Nessa ultrapassagem, o

novo integra o que foi construído em um patamar inferior e o ultrapassa.

No entanto, coexistem, também, formas próprias de estruturas mais

elementares, podendo estas ser ativadas dependendo da situação. É o caso,

por exemplo, do adulto que em determinada situação responde com

características do operatório concreto ou do pré-operatório, quando já

apresenta raciocínio operatório formal.

As primeiras estruturas, as sensório-motoras, desenvolvem-se desde

o nascimento. A assimilação ocorre a partir dos reflexos inatos, que o bebê

utiliza para interagir com o meio. Os reflexos se prolongam, formando os

primeiros esquemas, como o de sugar e o de agarrar. Estes se combinam

por meio da ação interativa com o meio. Por exemplo, quando o bebê

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Psicologia da Educação

nasce, apresenta o reflexo de sugar que se adapta ao mamilo da mãe. Ao

passar para a mamadeira, o bebê necessita fazer outra adaptação. Primeiro

assimila o bico da mamadeira como se fosse o bico do seio e lentamente vai se

acomodando ou se ajustando ao novo objeto por conhecer: o bico da

mamadeira. Uma vez adaptado, o bebê utilizará esse conhecimento para novas

adaptações, como quando inicia com a comida de colher. Primeiro assimila a

colher como se fosse o bico da mamadeira e só lentamente vai se ajustando ou

se acomodando ao seu formato.

Assimilação e acomodação explicam desde o início os avanços do sujeito.

A partir das ações do bebê, é construída a primeira noção de objeto

permanente, de tempo, de espaço e de causalidade. Na construção dessa

primeira forma de inteligência, a criança pequena se utiliza dos sentidos e de

seus movimentos. No início não distingue o que diz respeito ao corpo dela e o

que pertence ao meio, estando presa em uma espécie de egocentrismo físico.

A inteligência sensório-motora, não-socializada, caracteriza-se por

reflexos, instintos, primeiros hábitos, percepções diferenciadas e estruturas

sensório-motoras. Já no domínio afetivo, encontramos a construção de

sentimentos intraindividuais que acompanham todas as ações (tendências

instintivas, emoções, prazeres e dores relacionados às percepções, sentimentos

de agrado e desagrado), assim como regulações elementares, marcadas por

sentimentos de êxito ou fracasso. Quanto ao desenvolvimento da moralidade,

não há ainda noção de limites. A criança está em uma fase denominada de

anomia: ausência de regras conscientes. As estruturas sensório-motoras são

construídas do nascimento até aproximadamente dois anos e se caracterizam

por uma inteligência prática, que se define pelo uso (PIAGET, 1936).

Seguindo os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo, na

fase sensório-motora o bebê necessita interagir com diferentes objetos de cores,

texturas, sons, gostos e formatos diferenciados. É preciso instigá-lo para

experimentar novos movimentos e reconhecer os objetos a partir dos sentidos,

porque é por esse canal que as primeiras construções cognitivas se

estabelecem. Por outro lado, requer-se a interação significativa com um ou

dois adultos que interajam mais próximos à criança e a iniciem no conhecimento

dos objetos do mundo. A segurança do bebê depende desse contato mais

próximo com algumas pessoas que se dediquem a ele de forma responsável e

da existência de certas regularidades, como hora de comer, de dormir e de

passear, entre outras. Essas regularidades do meio vão ser o precursor das

futuras regras e normas. No plano estrutural, a inteligência prática, que pode

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

ser entendida como uma adaptação, se define por uma indiferenciação entre

a assimilação e a acomodação. O que é assimilado o é no momento em que

é acomodado e vice-versa.

A lenta construção do segundo grupo de estruturas, as estruturas

pré-operatórias, inicia-se em torno dos dois anos, com o aparecimento da

capacidade de representação simbólica. Mas o que isso significa? Significa

que as ações do sensório-motor podem ser agora interiorizadas. É por isso

que podemos dizer que o estágio pré-operatório pode ser entendido como

o de uma inteligência prática interiorizada e não-reversível. É o início do

pensamento na criança e da inteligência verbal.

A capacidade de representação se expressa na linguagem, no jogo

simbólico, na imitação, no sonho, no desenho, na imagem mental. A criança

é agora capaz de retomar o que foi feito em outra ocasião. Um fato importante

é o aparecimento da linguagem. Com a linguagem, amplia-se a capacidade

de interação e comunicação, levando à possibilidade de exteriorização da

vida interior e, assim, de corrigir ações futuras. A criança já antecipa o que

vai fazer.

Muitas características correspondem a esse período de 2 a 7 anos,

aproximadamente (PIAGET, 1937; 1978). Uma das principais características

é o egocentrismo psíquico ou tendência a relacionar tudo ao seu próprio

ponto de vista, como se fosse o centro do universo, juntamente com os

outros homens. Tudo o que foi criado, foi criado para o homem, expressão

de um antropocentrismo. É por essa razão que a criança se imagina até

dominando os fenômenos da natureza. Por exemplo, se desejar que chova,

vai chover. Essa característica leva a uma incapacidade de se colocar no

lugar do outro e de entendê-lo como tendo desejos e necessidades diferentes

dos seus. A criança quer a proximidade de outra, mas tem dificuldade em

desenvolver um trabalho conjunto ou integrar a ideia do outro à sua própria

construção. É o que se observa nas crianças menores: estão juntas, brincam

juntas, mas cada uma da sua maneira. Esse egocentrismo vai apresentar

diferentes manifestações, como o artificialismo, quando a criança crê que

os homens criaram os fenômenos naturais. Pensa, por exemplo, que as

montanhas e as árvores foram criadas pelos homens.

Outra manifestação do egocentrismo infantil é o animismo. Com ele,

a criança dá vida humana a animais, a objetos e a outros seres. Por isso se

encanta com estórias em que plantas têm sentimentos humanos, animais

falam e objetos podem sentir dor, prazer, como ela própria.

Page 27: Psicologia da Educacao

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Psicologia da Educação

O realismo é mais uma característica do egocentrismo infantil. A

criança tem dificuldade em entender que retratos, palavras, sonhos e

sentimentos indicam apenas um ponto de vista; ela acredita que existam

objetivamente. Acredita, por exemplo, que os nomes são parte da coisa

nomeada e quanto maior for a palavra, maior será o objeto que nomeia.

O raciocínio da criança pré-operatória não se baseia na lógica, mas

na proximidade dos fatos. A criança imagina uma relação causal entre fatos

que ocorram juntos. Por exemplo, o carro anda porque tem estrada ou

porque foi tocada a buzina. A essa característica Piaget denomina raciocínio

sincrético.

Uma das mais importantes características do pré-operatório é o jogo

simbólico, onde se observa um predomínio da assimilação sobre a

acomodação. No jogo simbólico ou no jogo do faz-de-conta, a criança se

utiliza de um significante para dar-lhe outro significado. Por exemplo, um

objeto pode representar outra coisa, para além de seu significado coletivo:

uma pedra pode ser um carro, a criança pode ser um super-herói ou uma

fada e assim por diante. O jogo simbólico é uma das principais características

do desenvolvimento infantil, porque, por meio da imaginação e da

criatividade, a criança cria um mundo novo ainda não experimentado por

ela, mas movido por seus desejos. Para brincar de faz-de-conta, é necessária

uma inteligência representativa que antecede a racionalidade e que permite

a relação entre significantes e significados. É por isso que dizemos que há

um predomínio da assimilação, porque mais ênfase é dada à incorporação

do dado novo aos esquemas e estruturas do sujeito e menos à acomodação

ou ajuste do sujeito à realidade.

Outra característica importante do pré-operatório é a imitação. A

capacidade de imitação implica uma retomada do que foi feito pela ação,

mas ainda não há a incorporação do que é imitado ao repertório do sujeito,

possibilitando generalizações. A criança imita por imitar. Por isso, Piaget

entende a imitação como um predomínio da acomodação ou ajuste do

sujeito ao objeto sobre a assimilação.

A imitação também é uma manifestação da capacidade humana de

representação que antecede a operação (ação mental reversível), essência

do conhecimento para Piaget. Assim, na inteligência pré-operatória já há a

necessária diferenciação entre a assimilação e a acomodação, mas ainda

não há o seu equilíbrio. Ora há o predomínio da assimilação, como no jogo

simbólico, ora há o predomínio da acomodação, como na imitação. Ambos

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

preparam o aparecimento da operação.

Tanto o jogo simbólico como a imitação devem ser estimulados no

período pré-operatório. E isso de diferentes maneiras: trabalho com

linguagens, desenho, teatro, brincadeira de faz-de-conta, jogos, música, dança

e brincadeira livre. É importante que a criança crie seu enredo a partir de

suas necessidades. Essas atividades estarão relacionadas ao desenvolvimento

de outro conjunto de estruturas: as estruturas operatórias concretas.

O jogo simbólico e a imitação são as principaisatividades do pré-operatório, e devem ser estimuladas. Acriança está se apropriando lentamente de sua realidadebasicamente a partir dessas atividades nesse período. Nelas,retoma mentalmente tudo o que foi praticado na ação prática,consistindo em uma inteligência representativa. Devemos,enquanto educadores, solicitar de inúmeras formas essacapacidade de representação: contar estórias, representá-las, imaginar outros personagens, outros desfechos daestória, dançar, fazer teatro, desenho, música, pintura,escultura, brincar com a linguagem, com trava-línguas emuitas outras atividades podem estar contribuindo para odesenvolvimento da inteligência da criança nesse período(STOLTZ, 2008, p. 33)

No aspecto afetivo, a criança pré-operatória manifesta sentimentos

interindividuais construídos a partir do intercâmbio afetivo entre as pessoas

e para além dos sentimentos ligados ao próprio sujeito (STOLTZ, 2007).

Esses se manifestam por afetos intuitivos que se expressam por sentimentos

sociais elementares, com expressão dos primeiros sentimentos morais. A

moral que se estabelece durante o período pré-operatório é uma moral

heterônoma, onde o certo e errado são dados por uma autoridade externa

ao sujeito. A moral heterônoma antecede a moral autônoma, que possibilita

ao sujeito determinar os caminhos de sua formação por si mesmo (PIAGET,

1977; STOLTZ, 2006).

Na moral heterônoma, os sentimentos morais da criança refletem a

vontade do adulto significativo. A moral heterônoma (ou moral da obediência)

estabelece como critério de bem e mal a vontade dos adultos (PIAGET, 1977).

Há, portanto, a necessidade de o educador não abusar de sua autoridade. A

relação entre o adulto e a criança deve sempre considerar o diálogo e o respeito

para que contribua na superação da moral heterônoma e para a construção

da moral autônoma. A educação deve fomentar as relações entre as crianças,

promovendo o conhecimento e o intercâmbio entre elas. A estimulação da

cooperação entre iguais, por meio do trabalho em pequenos grupos, auxilia

na diminuição da coação externa e no aumento da autonomia.

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Psicologia da Educação

No perríodo pré-operatório, a criança é capaz de pré-conceitos (por

exemplo, um representante da classe é tomado como a classe inteira).

Próximo dos 2 anos, a criança tende a acreditar, por exemplo, que o

cachorro que vê é o mesmo que viu em outro local bem distante. Após os

4 anos iniciam-se conceitos intuitivos, que reconhecem classes pela

semelhança, mas não contando, ainda, com argumentos lógicos. As

classificações das crianças pré-operatórias de mais idade são baseadas,

geralmente, em um só critério. Há a dificuldade de considerar mais de um

critério, como, por exemplo, ao separar triângulos vermelhos e de três lados

iguais (equiláteros). É preciso estimular o pensamento da criança para a

organização de diferentes classificações e relações, preparando-a para o

advento das operações.

O que falta à criança pré-operatória? Falta a capacidade de estabelecer

relações a partir de uma lógica racional. Essa criança apresenta-se, na

linguagem piagetiana, como não-conservante e marcada por um pensamento

não-reversível. A conservação é a necessidade lógica de consideração de

certos atributos nas diferentes transformações de um objeto. Por exemplo,

se tomamos duas quantidades iguais de massa de modelar e modelamos

uma em formato de bola e a outra em formato de salsicha, pode até parecer

que na salsicha tem mais massa, mas na realidade a sua quantidade não se

altera pela mudança na forma. A criança pré-operatória tem muita dificuldade

em atividades como essa, porque o seu raciocínio está preso à sua percepção

imediata, ao imediatamente visível e perceptível. Por isso ela é não-

conservante. Outro exemplo que poderíamos citar aqui é o do copo de

leite. Se despejarmos uma mesma quantidade em dois copos iguais e depois

mantivermos um copo com a mesma quantidade e despejarmos o conteúdo

do outro em um copo de formato diferente, a criança acredita que muda a

quantidade de líquido para beber, só porque o nível de leite no copo de

formato diferente é outro.

FIGURA 2

FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1194108

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

O pensamento não-reversível da criança pré-operatória é fácil de ser

reconhecido. Ela não consegue retornar mentalmente ao ponto de partida

de uma transformação de um objeto.

Por exemplo, na transformação da massa de modelar, a criança não

consegue apresentar mentalmente como argumento da conservação de

quantidade de massa a reflexão de que era uma bola antes de se tornar

salsicha e, por isso, a quantidade só poderia ser a mesma. Reversibilidade

e conservação são as características do pensamento racional, que só se

apresentam no operatório concreto. Aqui, no pré-operatório, ocorre a

preparação para o aparecimento da operação, que é justamente a

capacidade de retornar mentalmente ao ponto de partida e de se apropriar

do processo de transformação. Operar é transformar. Como educadores,

podemos contribuir para o desenvolvimento da capacidade de operar ao

solicitar a atividade do aluno voltada à reflexão sobre o processo de

transformação que levou a dado conhecimento.

As estruturas operatórias concretas desenvolvem-se a partir das pré-

operatórias e acrescentam a reversibilidade à inteligência interiorizada pré-

operatória (PIAGET; SZEMINSKA, 1941).

Aproximadamente dos 7 anos até em torno dos 12 anos, a criança é

capaz de operar em sua realidade concreta a partir da lógica das classes e

das relações. Conservação e reversibilidade são as suas principais

características. Por exemplo, quando descobre que errou ao realizar uma

operação, é capaz de rever todo o processo realizado para identificar o

erro e refazer o percurso, seguindo dos resultados aos meios. A conservação

permite à criança entender conceitos como, por exemplo, o de fruta, cuja

essência envolve várias frutas de formatos bem diversos, como a jaca e a

pitanga. A primeira conservação é a de substância, depois surge a

conservação de peso e, por fim, a conservação de volume.

A capacidade da criança de estabelecer relações lógicas permite-lhe

a coordenação de pontos de vista diferentes, diferentemente do

egocentrismo intelectual e social ou da centração em si mesma do período

pré-operatório.

No período operatório concreto, a criança consegue coordenar

diferentes pontos de vista e integrá-los de modo lógico e coerente (PIAGET,

2003). Mas a capacidade de reflexão se manifesta a partir de situações

concretas. Essa capacidade de pensar antes de agir, considerar vários pontos

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Psicologia da Educação

de vista, lembrar o passado e antecipar o futuro aparece considerando a

história de interações vividas pela criança, não ainda no plano hipotético-

dedutivo. Como educadores, podemos também estimulá-la a pensar baseada

em hipóteses.

Tudo aquilo que a criança não conseguia fazer no período pré-

operatório passa a ser agora possível, como formar o conhecimento de

número, estabelecer sequências de ideias e eventos, estabelecer relações

de causa e efeito.

No que diz respeito ao domínio afetivo, observa-se no operatório

concreto o aumento de uma autonomia na ação em relação ao adulto, levando

a criança a organizar os seus próprios valores morais. Surgem, assim,

sentimentos morais autônomos, com intervenção da vontade nos dilemas

entre o dever e o prazer, por exemplo. As crianças são capazes de elaborar

as suas próprias regras. Com a descentração, o grupo vai crescendo em

importância para a criança, e satisfaz, cada vez mais, suas necessidades de

afeto. No final do período operatório concreto, a criança pode vir a se

contrapor frontalmente ao adulto.

A capacidade de cooperar, a partir da diminuição do egocentrismo,

possibilita a integração e coordenação de novas ideias às ideias próprias.

Surgem sentimentos morais, como o respeito mútuo, a honestidade e a

justiça, que consideram a intenção da ação e não o seu resultado. Por

exemplo, ao manchar uma toalha de mesa sem querer, a criança não acha

que deva ser punida (PIAGET, 1977).

A construção das estruturas operatório-formais amplia a capacidade

das operações concretas. As operatório-formais começam a aparecer no

início da adolescência, com o término da construção das estruturas

concretas, em torno de 11 e 12 anos. Aqui o adolescente é capaz de exercer

as operações mentalmente, sem necessitar do concreto, subordinando o

real ao mundo dos possíveis. As construções podem agora partir do

pensamento hipotético-dedutivo e basear-se em proposições. Esse é o

pensamento que guia o cientista na elaboração de uma nova teoria. As

estruturas operatório-formais permitem inúmeras construções e são as

últimas que se desenvolvem no sujeito a partir da interação com o meio.

Há, portanto, fechamento no plano estrutural e ilimitadas possibilidades de

construção no plano funcional. Essas estruturas indicam o mais elevado

nível de desenvolvimento cognitivo do adolescente e do adulto. Por exemplo,

ao abordar um problema, o sujeito varia cada vez uma das variáveis implicadas

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

FIGURA 3

FONTE: http://www.sxc.hu/photo/1200271

na sua causa, mantendo outras variáveis constantes, no sentido de verificar

a influência da variável manipulada na produção de um resultado (PIAGET,

1970).

O grupo matemático INRC, representando identidade, negação,

reciprocidade e correlação, é o que caracteriza melhor as possibilidades de

combinação que o pensamento operatório formal é capaz de realizar.

Por que muitos adolescentes e adultos não apresentam características

do pensamento operatório formal? Trabalhando com adultos e adolescentes,

verificamos que nem sempre seu raciocínio indica características do

pensamento do cientista. Na verdade, ao lado de raciocínios operatório-

formais coexistem raciocínios mais simples, baseados em características de

estruturas inferiores, como concretas, pré-operatórias ou até sensório-

motoras. Como se explica isso?

Piaget elaborou uma epistemologia e a denominou de epistemologia

genética, que significa estudo do conhecimento a partir de sua gênese. Ele

estava preocupado em saber como se dá o desenvolvimento da inteligência

no sujeito. Chegou à conclusão de que o mais alto nível de desenvolvimento

das estruturas do conhecimento é o formal, que pode ser generalizado aos

mais diferentes domínios. Em tese, a possibilidade de manifestação em um

campo abre a possibilidade de manifestação em todos os outros. Mas, no

plano do funcionamento psicológico, da resolução de problemas da realidade,

vemos que isso não se dá de imediato, automaticamente. A exteriorização

do pensamento formal depende das interações do sujeito com os diferentes

domínios e do tipo de interação nesses domínios.

Page 33: Psicologia da Educacao

33

Psicologia da Educação

Piaget diz (1970) que é possível que o pensamento formal se manifeste

apenas nos domínios em que o sujeito interaja mais e exerça a sua profissão

ou especialidade. Em tese, dadas as condições do meio para o

desenvolvimento dessas estruturas, elas iniciariam seu desenvolvimento no

início da adolescência. O mais importante a ser observado, como professor,

é a sequência do desenvolvimento dessas estruturas, mais do que a idade

de seu aparecimento. Essa sequência inicia pela ação, passa pela

representação e chega à operação concreta e formal. Nesse sentido,

acreditamos ser importante obedecer a essa sequência no trabalho com

um novo domínio de conteúdos em sala de aula, porque o pensamento

operatório-formal exige construções anteriores para o seu aparecimento.

Por exemplo, temos que partir verificando indícios do conteúdo novo no

contexto social e cultural vivido pelo sujeito, para que ele possa ser percebido

como significativo no plano sensível. Na sequência, levarmos o sujeito a

representar o que entende por aquele conteúdo e depois a estabelecer

relações com outros objetos de conhecimento vinculados, primeiro, ao seu

mundo concreto e, depois, ao plano das ideias. Essa sequência aponta para

a reconstrução das estruturas em um domínio específico.

Como fica o desenvolvimento da afetividade desse adolescente? A

partir das operações formais, sentimentos interindividuais se combinam com

sentimentos envolvendo ideais coletivos. O adolescente é capaz de lidar

com conceitos como liberdade, justiça, solidariedade etc.

No início da adolescência observa-se a retomada de uma espécie de

egocentrismo, que coloca o adolescente como centro de atenções. O

adolescente vive conflitos. Deseja tornar-se independente em relação ao

adulto, mas ainda depende dele. Próximo à idade adulta, começa a eleger

um conjunto de regras e de valores pelos quais vive e se mantém leal. Ocorre

a afirmação da vontade. A capacidade de realizar abstrações e generalizações

o leva a fazer deduções de simples hipóteses e a lutar por elas. A autonomia

moral e intelectual só é possível a partir do operatório formal. Segundo

Piaget, esse é o objetivo da educação. No plano estrutural, essa autonomia

A evolução da inteligência e da afetividade está na descentração do

indivíduo, que se inicia no operatório concreto. No que se refere à afetividade,

é a partir do contato com o outro que o sujeito constrói os primeiros

sentimentos interindividuais, para além dos sentimentos restritos ao próprio

sujeito. Para Piaget (1977), quanto maior o autoritarismo do meio, maior a

vigência de egocentrismo e impedimento do desenvolvimento da autonomia,

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

característica do indivíduo descentrado. Quanto mais autônomo o sujeito,

maior é a sua capacidade de articular o pensamento próprio ao pensamento

do outro, sem se submeter a ele. Por isso a capacidade de socialização do

adolescente e do adulto saudável é, em tese, maior.

Piaget delega aos pedagogos a tarefa de verificação da cooperação

como processo educativo. Stoltz (2007), Guimarães e Parrat-Dayan (2007)

e Stoltz (2008) propõem a interação social cooperativa que estimule o

processo de tomada de consciência de noções específicas. “A interação

deve estimular a reflexão sobre a reversibilidade física e mental envolvendo

atividades relativas a pessoas e atividades relativas a outros objetos”

(STOLTZ, 2007, p. 34). Esse movimento implica um processo dinâmico

do fazer ao compreender e vice-versa.

Uma distinção importante relativa à aprendizagem é entre

aprendizagem em sentido lato e aprendizagem em sentido estrito (PIAGET;

GRÉCO, 1974).

A aprendizagem em sentido estrito está relacionada a umasituação específica, a uma experiência, a um treino e leva aum conhecimento limitado, restrito àquele conteúdo. Essetipo de aprendizagem tende a enfatizar os aspectosfigurativos do pensamento imitação, percepção, memória,imagem mental e permite o conhecimento de estados,não de transformações.Já a aprendizagem em sentido lato confunde-se com opróprio desenvolvimento, vai estar relacionada aos aspectosoperativos do conhecimento, ligados às transformações.Os aspectos operat ivos explicam o processo detransformação que levou a dado conhecimento.Piaget expressa que o que deve ser enfatizado na educaçãosão os aspectos operativos ou o pensar sobre astransformações e não sobre os estados. O conhecimentofigurativo leva apenas a uma memorização semcompreensão que logo é esquecida.Como podemos contribuir para o favorecimento daaprendizagem lato sensu? Solicitando sempre relações entreconhecimentos e a atividade do aluno. Por outro lado,podemos apresentar problemas que necessitem doconhecimento científico e ativem a capacidade do aluno depensar nas relações de sua realidade com o conhecimento,que o levem a pensar de forma ativa e crítica sobre aqueleconhecimento científico (STOLTZ, 2008, p. 278).

A aprendizagem está, assim, subordinada ao processo geral de

equilibração e ao nível de desenvolvimento cognitivo (PIAGET, 1983a). O

que ensinar e como ensinar depende do conhecimento do aluno, das suas

características e de suas possibilidades de assimilar e acomodar. O trabalho

do educador deve ser o de estimular a capacidade do aluno por meio de

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35

Psicologia da Educação

situações desafiadoras, contando com diferentes materiais e conhecimentos.

A curiosidade deve ser o motor de novas construções. Situações-problema

desenvolvidas em pequenos grupos e relacionadas ao contexto social e

cultural do aluno podem contribuir para o desencadeamento de novas

construções cognitivas e afetivas. Mais importante do que pedir ao aluno

respostas, a tarefa do educador, baseado em Piaget, consiste em levá-lo a

desenvolver novas perguntas. Por isso o ensino pode ser caracterizado como

envolvendo uma experimentação ativa.

Como você avalia a situação de sala de aula apresetnada no início deste capítulo?

Discuta-a tomando como referência o objetivo da educação para Piaget e sua teoria sobre

desenvolvimento e aprendizagem.

Page 36: Psicologia da Educacao

36

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

REFERÊNCIAS

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Page 38: Psicologia da Educacao

38

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Page 39: Psicologia da Educacao

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Psicologia da Educação

A PSICOLOGIAHISTÓRICO-CULTURAL

DE VYGOTSKY

UNIDADE 2

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Psicologia da Educação

2 A PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY

Entre os teóricos que são referência hoje na questão da aprendizagem,

está Lev S. Vygotsky (18961934). Vygotsky nasceu na Rússia e, em sua

breve existência, deixou uma teoria em construção que pretende a superação

dos reducionismos mecanicistas e idealistas. A base dessa orientação teórica

está no marxismo e no ideário da Revolução Russa de 1917. Vygotsky,

assim como Luria e Leontiev, via o homem como ser ativo, resultado de

suas interações no contexto social e cultural. Por essa razão é um teórico

interacionista. Suas obras foram proibidas na própria Rússia entre 1936 e

1956, por motivos políticos. No Brasil, a influência do pensamento de

Vygotsky começa a crescer a partir da década de 1980, principalmente

nas áreas da Educação, Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Social.

Sua abordagem teórica é também conhecida na Educação e na Psicologia

como sociointeracionista ou sócio-histórica.

FIGURA 4:: LEV SEMENOVICH VYGOTSKY

Page 42: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

2.1 O HOMEM COMO SER HISTÓRICO

Lúcia voltou para casa desanimada. Havia dado quatro aulas seguidas,

estava exausta. Na verdade, o que a incomodava era o desrespeito e a falta

de consideração dos alunos daquela escola. Tinha aplicado avaliação em

uma das turmas. Ficou horrorizada com o resultado. Era como se não tivesse

dado dois meses de aula sobre aquele assunto. E ainda teve que escutar de

uma adolescente: “Não sei por que perder o meu tempo vindo para esta

escola. Não está me ensinando nada...”. O pior era que Lúcia estava vendo

que não ensinava nada...

Mas, afinal, a escola é importante? Ninguém melhor do que Vygotsky

para responder a essa questão. Vygotsky (RATNER, 1995; VAN DER VEER;

VALSINER, 1999) entende o homem como se constituindo em um processo

histórico, síntese de múltiplas determinações. O que significa isso? Significa

que o que o homem vai aprender e desenvolver depende do que for

possibilitado a ele conhecer. O humano não está anteriormente dado. É o

resultado das interações que o homem vai estabelecendo em um contexto

social e cultural bem específico. E mais, essa humanidade do homem está

em evolução, o que significa que os instrumentos e a rede de relações sociais

que possibilitam o acesso ao conhecimento hoje certamente será outra

amanhã e levará a diferente desenvolvimento humano. Vygotsky responderia

com muita clareza à situação da professora Lúcia. Se a escola não funciona,

não é por culpa dos alunos. É a escola que precisa rever urgentemente o seu

papel e a sua forma de atuação.

Na perspectiva de Vygotsky (1991; 1994) e Vygotsky e Luria (1996),

aprendizagem gera desenvolvimento. Se os alunos não aprendem, estão

perdendo em termos de desenvolvimento. Para muitos, a escola é o único

espaço de acesso ao saber elaborado, aquele que foi socialmente construído

e historicamente acumulado para ser apropriado pelas gerações mais novas.

Para que ter acesso ao saber elaborado ou científico? Para desenvolver uma

visão crítica da realidade, para não ser explorado. Para ter consciência de

direitos e deveres e conseguir viver a sua cidadania. Vygotsky vai mais longe.

Para ele, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, aquelas

que nos distinguem como seres humanos, só se realizam pelo acesso ao

saber elaborado ou o conhecimento científico. Essas funções psicológicas

superiores que distinguem o homem de outros animais são o pensamento

abstrato, o comportamento intencional, a memorização ativa, a atenção

voluntária, a linguagem e a afetividade propriamente humana, entre outras.

Page 43: Psicologia da Educacao

43

Psicologia da Educação

Essas funções estão em evidente oposição com a de outro grupo de funções,

as funções psicológicas inferiores, que partilhamos com os outros animais:

sensações, atenção involuntária, memória involuntária e reações emocionais

básicas, entre outras.

Segundo Vygotsky:

o aprendizado geralmente precede o desenvolvimento. Acriança adquire certos hábitos e habilidades numa áreaespecífica, antes de aprender a aplicá-los consciente edeliberadamente. Nunca há um paralelismo completo entreo curso do aprendizado e o desenvolvimento das funçõescorrespondentes (VYGOTSKY, 1998, p. 126).

Seguindo a ideia de que aprendizagem gera desenvolvimento, o fato

de uma pessoa ter seu desenvolvimento restrito explica-se pelo tipo de

aprendizagem que desencadeou em seu contexto social e cultural. Isso

significa que somos muito mais responsáveis uns pelos outros do que

pensamos. O que o outro vai desenvolver tem íntima relação com o que o

contexto lhe possibilitou aprender. As funções psicológicas superiores

precisam estar antes no contexto, externas ao sujeito, para que este possa

se apropriar delas mediante aprendizado. Tudo se passa, para Vygotsky

(1994), do externo para o interno, das relações entre as pessoas para as

relações com o próprio sujeito, dos processos interpsíquicos ou intermentais

para os processos intrapsíquicos ou intramentais. “Chamamos de

internalização a reconstrução interna de uma operação externa”

(VYGOTSKY, 1994, p. 74).

E o que permite essa passagem do externo para o interno ao próprio

sujeito? O processo de internalização ou a passagem do interpsíquico para

o intrapsíquico. Mas o sujeito é ativo nesse processo. Esse processo envolve

uma transformação do sujeito a partir de sua negociação com a cultura.

Isso significa que o sujeito também influencia o contexto, mas essa capacidade

foi desenvolvida nele por um contexto social e cultural.

Essa origem social e cultural do homem encontra seus fundamentos

na visão do materialismo histórico dialético (MOLL, 1996; OLIVEIRA,

1997; VAN DER VEER; VALSINER, 1999). O conceito principal aqui é o

conceito marxista de trabalho. O trabalho é entendido como atividade

especificamente humana que transforma a natureza e, ao transformá-la,

modifica o sujeito. Nessa transformação da natureza, o homem se vale de

Page 44: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

instrumentos e das relações com outros homens. Atividade e linguagem,

entendidas dentro de um contexto histórico e cultural, são as categorias

vygotskyanas que explicam o processo de aprendizagem e desenvolvimento.

Sendo assim, é a própria vida que determina a consciência e não o inverso.

Dentro dessa concepção, tem-se ainda uma visão essencialmente dinâmica

do desenvolvimento. Tudo está em permanente movimento e transformação.

No desenvolvimento do homem, a relação que era imediata para a

satisfação de necessidades tornou-se mediada, isto é, passou a ser ampliada

pela intervenção de um elemento na relação homemmundo. Pela

necessidade de atuar sobre a natureza para garantir a sua sobrevivência, o

homem foi desenvolvendo instrumentos para aprimorar essa relação. Por

exemplo, o machado permite que o homem derrube árvores e possa

construir casas com elas. Da mesma forma, a linguagem permitiu incrementar

as relações entre os homens e a própria evolução humana.

A possibilidade da linguagem racional e a possibilidade de

desenvolvimento da atividade propriamente humana de trabalho, contando

com seu planejamento e execução, determinaram a melhor satisfação das

necessidades básicas e a criação de novas necessidades que, por sua vez,

exigiram novos instrumentos e novos conhecimentos em um movimento de

desenvolvimento da humanização do homem. Os homens são os únicos

animais que fazem uso racional de instrumentos enquanto mediadores de

sua relação com o mundo. Esta é uma das principais ideias de Vygotsky

(2000): a de que a relação homem-mundo é mediada.

Essa mediação conta com instrumentos físicos (por exemplo, caneta,

serrote, papel, computador, etc.) e instrumentos psicológicos (linguagem

como sistema de signos) que vão possibilitar a transformação do contexto e

do próprio homem. Por isso a educação é fundamental. A educação vai

iniciar a criança nos conhecimentos que a humanidade já construiu, para

que ela parta destes para ir mais além e crie outros conhecimentos. A escola

também vai permitir o conhecimento e apropriação de diferentes

instrumentos, fundamentais para o viver em sociedade. Entre a criança e o

mundo há uma cultura que fala deste mundo para ela. Ter acesso ou não a

este conhecimento implica em ser incluído ou excluído da sociedade.

A mediação vai significar o mundo para a criança. Essa significação é

o ponto de partida para a criação de sentidos. Os sentidos envolvem a

nossa relação com os significados, que são coletivos. Os significados são o

resultado da atividade de um determinado grupo cultural. Por exemplo, o

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45

Psicologia da Educação

significado de ser rico ou pobre em nossa sociedade capitalista. Os sentidos

representam a nossa relação com esse significado: o que é ser rico ou pobre

para mim. O sentido depende do contexto e de vivências afetivas.

A mediação da cultura vai determinar que o desenvolvimento do

homem, de biológico, passe a ser sócio-histórico, ou seja, de acordo com as

interações realizadas em um contexto social e cultural específico. No homem,

a relação homemmundo é mediada por sistemas simbólicos. E é essa

mediação que faz com que o homem esteja em um processo de

transformação. Para Vygotsky (1996), há uma base biológica para absorver

e tornar próprias essas transformações: o cérebro. Esse órgão do corpo

humano é suficientemente plástico para adaptar-se a mudanças.

Segundo Vygotsky, o processo de internalização envolve uma série

de transformações. O fundamento do que somos está no processo de

internalização. Vygotsky (1994, p. 75) entende essas transformações a partir

do uso de sistemas de signos e da mudança de atividade:

a) Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa

é reconstruída e começa a ocorrer internamente. É de particular

importância para o desenvolvimento dos processos mentais superiores

a transformação da atividade que utiliza signos, cuja história e

características são ilustradas pelo desenvolvimento da inteligência

prática, da atenção voluntária e da memória.

b) Um processo interpessoal é transformado num processo

intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança

aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível

individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico), e, depois, no

interior da criança (intrapsicológico). Isso se aplica igualmente para a

atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de

conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais

entre indivíduos humanos.

c) A transformação de um processo interpessoal num processo

intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos

ao longo do desenvolvimento. O processo, sendo transformado,

continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade

por um longo período de tempo, antes de internalizar-se

definitivamente. Para muitas funções, o estágio de signos externos

dura para sempre, ou seja, é o estágio final do desenvolvimento. Outras

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

funções vão além no seu desenvolvimento, tornando-se gradualmente

funções interiores. Entretanto, elas somente adquirem o caráter de

processos internos como resultado de um desenvolvimento

prolongado. Sua transferência para dentro está ligada a mudanças

nas leis que governam sua atividade; elas são incorporadas em um

novo sistema com suas próprias leis.

Linguagem e atividade possibilitaram e possibilitam, assim, o

desenvolvimento propriamente humano. Os animais também têm uma

linguagem, mas não uma linguagem racional que possibilite acesso e

transmissão de cultura. É uma linguagem usada basicamente para alívio de

tensão e contato psicológico com outros membros do grupo. Os animais

fazem um uso pré-intelectual da linguagem, porque ela não tem nesse caso

a função de signo. Os animais irracionais também apresentam uma atividade,

mas ela não é planejada como no trabalho humano. É uma atividade que

também se vale de instrumentos como mediadores, revelando uma espécie

de inteligência prática. Na inteligência prática, que se manifesta na criança

pequena e nos animais superiores, há a capacidade de solução de problemas

e de alteração do ambiente para conseguir determinados fins. Mas esse

modo de funcionamento intelectual é independente da linguagem, indicando

uma fase pré-verbal de desenvolvimento do pensamento.

Em um determinado momento do desenvolvimento da espécie (ou

filogenético), o pensamento se torna verbal e a linguagem se torna racional.

Esse é o momento em que o biológico se transforma em sócio-histórico. A

história de cada um (ontogênese) retoma a história da espécie. Tornamo-

nos humanos ao interagir com seres humanos e pela apropriação dos modos

culturalmente instituídos de intercâmbio e produção. As trocas que

estabelecemos com o outro vão desencadear processos nesse outro. Dito

de outro modo: se considerarmos uma criança criada em um sítio afastado

e cujos pais são analfabetos e trabalhadores do campo, o aprendizado e

desenvolvimento dessa criança terá as marcas desse contexto. Uma criança

que nunca teve a oportunidade de pegar em um lápis para rabiscar ou

desenhar vai apresentar um desenvolvimento diferenciado em relação à

criança que desde bebê rabisca e tem acesso múltiplo aos bens da cultura.

Por isso a escola é fundamental. Não para excluir a criança que no 1º ano

não sabe nem segurar um lápis. Mas para possibilitar a ela o aprendizado

dessa habilidade e muito mais. “A internalização das atividades socialmente

enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico

da psicologia humana; é a base do salto qualitativo da psicologia animal

Page 47: Psicologia da Educacao

47

Psicologia da Educação

Até agora, ficou claro que Vygotsky (1994) enfoca a importância da

instrução para o desenvolvimento humano. É principalmente a educação

formal que vai desencadear as funções psicológicas superiores. No entanto,

se a escola não cumpre seu papel, como é o caso do exemplo apresentado

no início deste capítulo, como atuar? O que Vygotsky nos fala sobre como

as pessoas aprendem?

Como a linguagem, inicialmente exterior ao sujeito, se internaliza e se

torna instrumento do próprio pensamento? A primeira manifestação da

linguagem no sujeito é a linguagem externa (ou fala social), cuja função é de

comunicação social. Depois surge a fala egocêntrica, que acompanha a

atividade do sujeito. A fala egocêntrica representa a transição da fala social

para a fala interior. A fala passa então a anteceder a atividade, orientando-a.

Somente depois a fala é internalizada e o discurso passa a ser interno. O

sujeito utiliza o discurso para organizar e expressar o seu pensamento.

Vygotsky (2000) observa que o pensar em voz alta não se limita a

acompanhar a atividade da criança: auxilia na orientação mental, na

compreensão consciente também de adultos; ajuda a superar dificuldades.

Observa-se, assim, tanto um aspecto exterior, fonético, como um aspecto

interior, semântico e significativo, na linguagem.

Muitas vezes, ainda que as crianças conheçam as palavras, não conseguem

entender o que lhes é dito. Falta-lhes o conceito generalizado que lhes garante

o entendimento. As formas mais complexas da comunicação humana só

são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade sob a

forma de conceitos. O trabalho com conceitos científicos é aqui de

fundamental importância.

para a psicologia humana” (VYGOTSKY, 1994, p. 76).

Faça uma busca na internet de pesquisas que envolveram a aprendizagem de crianças em um

ambiente não-humano. Como é o desenvolvimento dessas “crianças selvagens”?

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

2.2 COMO AS PESSOAS APRENDEM?

Para Vygotsky (1994; 2000), o aprendizado começa no momento

em que nascemos. A partir da interação, sobretudo com o outro mais

experiente e significativo, iniciamos o nosso conhecimento do mundo por

meio dos significados partilhados pelo grupo. Essa interação social exerce

um olhar sobre as nossas ações e as significa. Internalizamos essas

significações. Se o outro nos enxerga regularmente como inferior, inteligente

ou atrapalhado, internalizamos esse significado. Os diferentes contextos

interativos nos iniciam em nossa cultura, na maioria das vezes, de forma

não intencional.

Na escola, no entanto, a interação é planejada, sistemática e

intencional. Nesse caso, a sua responsabilidade no processo de apropriação

da cultura pela criança é muito maior. Muitas vezes, a escola representa o

único lugar de acesso a um saber mais elaborado pela criança. Não dá para

desconsiderar ou negligenciar esse espaço. Vygotsky (1991; 1994) enfatiza

a importância não só da escola, mas também do professor. Ao professor

cabe organizar o conteúdo de forma que o aluno aprenda. Em outras palavras,

ensinar e ensinar bem. Como fazer isso, se há tantos alunos em classe?

Intervindo na ZDP (ou zona de desenvolvimento proximal ou potencial de

seus alunos). Intervir na ZDP significa atuar no futuro desse aluno. Para

tanto, é necessário conhecer o que ele já sabe e o que ele só poderá saber

com a ajuda de uma pessoa mais capaz ou um expert. Se o professor intervém

naquilo que o aluno já sabe ou conhece, o aluno não vai aprender nada

nem se motivar para o aprendizado. Se o professor intervém muito além da

capacidade do aluno, de modo que nem com a ajuda do professor pode

conseguir entender, também não vai aprender nada. A ideia de Vygotsky do

trabalho do professor consiste em ir sempre além daquilo que o aluno já

sabe. É investir no espaço compreendido entre o nível real (o que ele já

sabe) e o nível potencial desse aluno (o que ele só poderá saber com a ajuda

de outro); investir no potencial para que este se torne real no futuro. Para

Vygotsky (1994, p. 112), a zona de desenvolvimento proximal:

“é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da

solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através

da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros

mais capazes”.

Page 49: Psicologia da Educacao

49

Psicologia da Educação

O problema está em saber como atuar em ZDPs tão diversas como

as que encontramos em sala de aula (MOLL, 1996). Nesse sentido, é preciso

considerar também o trabalho entre crianças de níveis desiguais de

desenvolvimento, mas não excessivamente distantes. Um companheiro mais

capaz pode auxiliar um menos capaz a se apropriar de um conteúdo. Por

outro lado, ao “ensinar” o colega, levando-o a pensar no procedimento

mais adequado para a resolução de um problema, o expert passa a entender

melhor aquilo que já pensava entender.

Para intervir na ZDP, portanto, é preciso conhecer o aluno com o

qual se vai trabalhar. Saber o que ele já conhece e, como professor, dominar

o campo de conhecimentos que justifica a sua docência. Dominar porque,

para Vygotsky (1994) e Moll (1996), o papel principal é do professor. Dele

se espera a organização do real para o aluno de modo que este aprenda. E

isso não é fácil. É preciso trabalhar do geral para o particular, integrando

conhecimentos a partir de suas relações, sem apresentar o conteúdo de

forma fragmentada. O professor é responsável pelo que o aluno vai aprender

e se ele vai aprender. Se ele não está aprendendo, é preciso considerar que

provavelmente é necessário mudar a forma de ensinar. Considerar também

a possibilidade de o aluno não dominar ainda conteúdos mais básicos e a

possibilidade de falta de significado do conteúdo para o aluno. No primeiro

caso, é necessário apresentar o conteúdo de maneira articulada e não

fracionada, dando-lhe uma sequência. Também é preciso rever os

instrumentos necessários para o domínio desse conteúdo, no sentido de

levar o aluno a se apropriar dele. No segundo caso, é preciso levá-lo a

aprender, primeiro, conteúdos mais básicos, para então seguir com o ensino

de outros mais complexos. No terceiro caso, é indispensável verificar tanto

a validade do conteúdo como formas de torná-lo significativo no contexto

social e cultural do aluno.

O trabalho com desafios e problemas que dependem doconhecimento científico para a sua resolução e que estejamalém da capacidade da criança resolver por si só representaminteressantes oportunidades de atuar na ZDP. “O trabalhocom pequenos grupos, considerando níveis diferenciadosde desenvolvimento de seus integrantes, também pode serprodutivo no sentido de intervir nas ZDPs (STOLTZ, 2008,p. 70).

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

O investimento no conhecimento científico significativo e próprio da

escola é importante porque a partir dele ocorre uma inversão da ação, e o

pensamento passa a ser guiado por conceitos, possibilitando o

desenvolvimento do pensamento generalizante. Os conceitos científicos

seguem o caminho inverso da construção dos conceitos espontâneos.

O processo de interiorização de conceitos começa com o

desenvolvimento da criança e a partir de sua interação com o mundo social.

A relação entre a construção de conceitos espontâneos e de conceitos

científicos é de grande importância para a educação. A esse respeito,

Vygotsky (2000) indica dois percursos diferenciados, de caminhos opostos,

mas que mantêm relação dialética entre si.

O desenvolvimento dos conceitos espontâneos da criança é

ascendente, enquanto o desenvolvimento dos seus conceitos científicos é

descendente, para um nível mais elementar e concreto. Isso decorre das

diferentes formas pelas quais os dois tipos de conceitos surgem. Pode-se

remontar a origem de um conceito espontâneo a um confronto com uma

situação concreta, ao passo que um conceito científico envolve, desde o

início, uma atitude ‘mediada’ em relação a seu objeto (VYGOTSKY, 1998,

p. 135).

O trabalho na escola deve considerar não só o conhecimento científico,

como também o trabalho com a imaginação e a arte. Para Vygotsky (1999;

2008) e Colaço (2004), entre as tarefas de maior importância para a

psicologia infantil e a pedagogia está o fomento à capacidade criadora, dada

a sua importância para o desenvolvimento geral e maturidade da criança.

As atividades criadoras, os jogos e as brincadeiras criam ZDPs. Na criação,

observa-se a combinação do antigo com o novo. Vygotsky nos fala aqui da

necessidade do pensamento por imagens, base da imaginação e da fantasia.

O que a arte tem a oferecer de diferente que o conhecimento científico? A

arte fala da mesma realidade, só que com outra linguagem. A imaginação

permite a antecipação do desenvolvimento. Por lidar com a abstração, a

imaginação está na origem do pensamento generalizante. A imaginação

amplia a experiência do homem. Há uma vinculação recíproca entre

imaginação e emoção.

Vygotsky (1994) expressa que o jogo e a brincadeira da criança são

importantes desencadeadores de ZDPs. No jogo, a criança assume papéis

que estão adiante de seu desenvolvimento. É o caso do jogo simbólico em

que a criança representa a mãe, o pai, a professora, o dentista, papéis que

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51

Psicologia da Educação

não são os dela, mas que aprendeu no meio social e cultural.

Resumindo, podemos entender o trabalho na escola como envolvendo

uma negociação designificados. A consciência individual e os aspectos

subjetivos são essenciais ao desenvolvimento. Na teoria de Vygotsky (VAN

DER VEER; VALSINER, 1994), eles surgem em função da reconstrução,

da reelaboração dos significados pelo indivíduo, os quais foram transmitidos

pelo grupo cultural. O processo de desenvolvimento é entendido como a

apropriação ativa do conhecimento disponível na sociedade em que a criança

nasceu. A apropriação que a criança faz do real depende de como ele é

apresentado a ela, como os outros com os quais ela interage ajudam a

organizar a sua percepção, como chamam a atenção ou desconsideram

certos aspectos. O desenvolvimento humano depende da apropriação que

o sujeito faz da experiência social, das regulações realizadas por outros para

a autorregulação.

Acesse o site www.scielo.org e busque um artigo recente envolvendo a discussão da teoria de

Vygotsky para a educação. Faça uma síntese dos principais aspectos do artigo escolhido (considere:

objetivo, referencial teórico, método, resultados, discussão e conclusão). Relacione o artigo aos

conteúdos abordados neste capítulo

Page 52: Psicologia da Educacao

52

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

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Page 53: Psicologia da Educacao

53

Psicologia da Educação

CONTRIBUIÇÕES DOBEHAVIORISMO PARA

A EDUCAÇÃO

UNIDADE 3

Page 54: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

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Psicologia da Educação

3 CONTRIBUIÇÕES DO BEHAVIORISMO PARA A EDUCAÇÃO

3.1 O QUE É O BEHAVIORISMO?

A palavra inglesa “behavior” significa comportamento. Behaviorismo

é termo bastante utilizado para referir-se ao conjunto de definições e estudos

que compõem a teoria comportamental. O behaviorismo como teoria

psicológica tem por objetivo o estudo do comportamento humano seja para

descrever, predizer ou modificar os comportamentos.

Os behavioristas dão ênfase ao comportamento observável e

manifesto, isto é, ao que as pessoas efetivamente fazem ou dizem e ao que

ocorre como resultado de sua ação. Eles não gastam muito tempo

especulando e discutindo sobre o que poderiam estar sentindo ou pensando,

ou sobre o que ocorre em seu cérebro, a menos que isto possa ser manifesto,

registrado ou tornado observável. Alem de enfatizar o que as pessoas fazem

e os resultados dessa ação, os behavioristas também estudam a influência

que o meio exerce sobre o comportamento das pessoas.

Para os behavioristas, existem características e comportamentos das

pessoas determinados pela herança genética e pelo funcionamento orgânico,

fisiológico, biológico. Mas eles consideram que essas características, assim

como a maioria dos comportamentos são, em boa medida, resultado da

experiência e da influência do meio no qual a pessoa está inserida. Os

behavioristas chamam de aprendizagem às mudanças comportamentais que

resultam de influência externa e da experiência.

Ao longo do desenvolvimento do behaviorismo como teoria

psicológica, manteve-se sempre a convicção de que comportamentos,

hábitos, condicionamentos, tudo o que pode ser considerado resultado de

aprendizagem pode ser modificado. No entanto, os temas estudados pelo

behaviorismo foram se modificando ao longo do século XX.

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56

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

A teoria comportamental é também conhecida como teoria da

aprendizagem. Nos países onde a teoria foi mais desenvolvida (Estados

Unidos e Inglaterra), impressiona o volume de pesquisa desenvolvida sobre

aprendizagem por condicionamento e sobre os diversos fatores que

influenciam a aprendizagem.

Neste capítulo, abordamos os principais tipos de condicionamento e

alguns dos fatores que influenciam a aprendizagem das pessoas. Optamos

por fazer uma abordagem temporal, já que os estudos sobre condicionamento

respondente antecedem os de condicionamento operante e por sua vez,

esses dão subsídios para os estudos sobre aprendizagem social.

Assim, partimos da história do behaviorismo sugerida por Staats

(Ardila, 1993), na qual, identifica três gerações de pesquisadores

behavioristas que contribuíram para o desenvolvimento da teoria ao longo

do século XX. Cada geração estabeleceu princípios e conceitos que hoje

compõem a teoria.

A seguir, apresentamos a contribuição geral de cada grupo e

destacamos o autor que mais se sobressai, pela contribuição ao

behaviorismo e à educação.

3.2 PRIMEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS:

COMPORTAMENTO REFLEXO OU RESPONDENTE E

APRENDIZAGEM INSTRUMENTAL

A primeira geração inclui pesquisadores de áreas e países diferentes

que por volta do fim do século XIX e início do século XX - contribuíram

para descobrir os princípios básicos do condicionamento e da aprendizagem.

Eles estudaram reações fisiológicas, reflexos neurológicos, leis da

aprendizagem, comportamento animal, entre outros. Hoje em dia, os

resultados de seus estudos formam a base inicial do que depois veio a ser

chamado de behaviorismo ou de teoria da aprendizagem.

3.2.1 Comportamento reflexo ou respondente: Pavlov

Podemos mencionar como uma grande contribuição pioneira a do

Page 57: Psicologia da Educacao

57

Psicologia da Educação

Esse processo de aprendizagem acabou sendo conhecido por diversos

nomes: condicionamento simples, condicionamento respondente,

condicionamento reflexo ou condicionamento pavloviano e se resume ao

processo pelo qual um estímulo não natural provoca uma resposta fisiológica

ou emocional.

O cão de Pavlov salivava ao contato da carne com a boca; salivava

ao som de uma campainha que tocava antes de ser fornecido o alimento ou

salivava ao ser acessa a luz do local em que se encontrava. Carne, campainha

e luz provocavam salivação, mas só a carne era estímulo natural, ou seja,

alimento. O conhecimento derivado desses experimentos foi o de que

reações fisiológicas podem ser provocadas por eventos completamente

artificiais do ambiente alem do estímulo natural. Essa noção se estendeu ao

comportamento reflexo: batimentos cardíacos, por exemplo, e ao

comportamento emocional. Muitos dos medos, hábitos alimentares, entre

outros, que aprendemos desde a infância seguem esse modelo de

aprendizagem. É comum, por exemplo, bebês chorarem ao avistar a

mamadeira pouco antes do horário de mamar e pessoas sentirem enjôos

FIGURA 5 - PAVLOV

FONTE: http://commons.wikimedia.

org/wiki/Ivan_Pavlov

fisiologista Russo Ivan Petrovich Pavlov (1849 -1936) que, ao pesquisar a

fisiologia da salivação utilizando cães, descobriu que não é apenas o alimento

como estímulo natural que provoca a emissão de saliva. Ao contrário, outros

estímulos artificiais, como, por exemplo, o som de uma campainha, se

relacionados à alimentação provocam também essa reação fisiológica. Ele

concluiu que algumas reações fisiológicas podiam ser condicionadas por

eventos que ocorrem no ambiente e passou a estudar os princípios desse

tipo de aprendizagem

Page 58: Psicologia da Educacao

58

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

3.2.2 Aprendizagem instrumental: Thorndike

Os estudos do norte americano Edward Lee Thorndike (1874 -1949)

sobre aprendizagem resultaram na formulação da “lei do efeito” e na

definição da aprendizagem instrumental: neste caso não existe uma resposta

provocada por um estímulo identificado ou natural e sim um comportamento

que objetiva uma meta e que será construído progressivamente por tentativas

e erros. A probabilidade de repetir uma resposta depende de quanto ela

nos aproxima da meta desejada e do prazer que isso nos proporciona.

Aprendizagem por tentativa e erro é facilmente observável em crianças

quando constroem com blocos de madeira, quando experimentam encaixar

peças em brinquedos e quebra-cabeças: cair uma torre ou não encaixar

uma peça dá a dica de que outra forma deve ser experimentada. As

brincadeiras que as crianças fazem com letras e palavras podem seguir este

modelo de aprendizagem e erro, o prazer da descoberta de acertos e erros

auxilia no domínio da linguagem falada e escrita.

ao ver certos alimentos, mesmo sem comê-los.

Os princípios do condicionamento respondente são muito utilizados pelos

profissionais de propaganda que os utilizam para promover o consumo de

certos produtos pela ativação de necessidades fisiológicas e afetivas. Marcas

de alimentos são relacionadas a necessidades afetivas, sexuais, convívio

familiar ou com amigos, o que não tem relação nenhuma com seu valor

alimentício.

Pense o que significa a expressão “dar água na boca”, quando a usamos?

Você já sentiu fome ao sentir cheiro de carne assada? E ao ver uma propaganda de comida?

Observe em sua casa, se as pessoas se levantam para comer ou beber quando passam na televisão

propagandas de comida, refrigerante ou cerveja.

Preste atenção em propagandas: identifique apelos afetivos, amedrontadores, sexuais ou outros utilizados

para promover o produto que se anuncia.

Observe seus alunos: consegue identificar alguma reação de ansiedade, medo, alegria ou qualquer

outra, provocada por eventos do ambiente? Como reagem a propagandas?

Page 59: Psicologia da Educacao

59

Psicologia da Educação

O pequeno Albert tinha menos de um ano quando foi colocado nesse

estudo. Foi verificado inicialmente que Albert não apresentava sinais de

medo quando via um ratinho branco, desses de laboratório, circulando

pelo local da experiência. Também foi verificado que, como muitos bebês,

Albert assustava-se e chorava ao ouvir um som repentino e estridente.

Seguindo os princípios do condicionamento operante, Watson

apresentou o ratinho branco junto com o som (pareamento) e não

demorou muito tempo para o pequeno Albert começar a chorar e

manifestar medo quando apenas via o ratinho. O medo provocado por

algo que antes não o provocava estava instalado. O mais interessante

dessa experiência é que esse medo foi generalizado a bichos de pelúcia

brancos, a pele de casaco branca, e até, ao uniforme branco das

enfermeiras. Em termos psicológicos, Albert havia desenvolvido uma

fobia. Para retirar a fobia, Watson teve que fazer o caminho inverso, ou

seja, retirar a associação do som desagradável com os objetos brancos.

Aparentemente Albert curou-se da fobia, mas esse experimento, pelo

sofrimento que causou foi muito criticado.

Muitos dos estudos de Pavlov e Thorndike sobre condicionamento

reflexo e aprendizagem instrumental foram realizados com animais. No

entanto, nos Estados Unidos, John Broadus Watson (1878 - 1958) fez

estudos em laboratório sobre reações emocionais tais como medo e fobia

em crianças, utilizando o modelo de condicionamento respondente.

Watson é conhecido como o fundador do behaviorismo como teoria

científica. Foi muito criticado pelos seus estudos com bebês. Porem, esses

estudos mostraram que medos podem ser instalados por condicionamento

respondente e que podem ser removidos por extinção operante. O estudo

mais conhecido é o caso do “pequeno Albert” que relatamos a seguir.

Page 60: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

À época, por volta de 1920, os métodos de e studo do

comportamento propostos por Watson foram uma verdadeira revolução:

ele rechaçou o corpo tradicional da psicologia e seus métodos e os substituiu

pelos métodos experimentais de estudos controlados realizados em

laboratório e centrados no comportamento observável.

Em suma, a primeira geração de psicólogos behavioristas tinha

acumulado um corpo grande de conhecimentos experimentais sobre

aprendizagem animal e tinha formulado os princípios básicos de dois tipos

de aprendizagem: a obtida por condicionamento respondente e a obtida

por aprendizagem instrumental tentativa e erro. Faltava a fundamentação

teórica de base. A partir da abria-se o espaço para a segunda geração de

behavioristas.

3.3 SEGUNDA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS:

CONDICIONAMENTO OPERANTE

As tarefas da 2ª geração de psicólogos behavioristas foram ampliar

os conhecimentos científicos sobre aprendizagem e construir estruturas

teóricas formais que pudessem incorporar as descobertas experimentais.

Isto é, era necessário oferecer um contexto filosófico para o behaviorismo,

que servisse de estrutura teórica para as descobertas em laboratório.

Os que seguiam o fervor revolucionário de Watson mantiveram a

separação entre behaviorismo e a chamada psicologia tradicional. Isto quer

dizer que os temas estudados pelos behavioristas diziam respeito à

aprendizagem respondente, ao comportamento manifesto; outros temas,

tais como o estudo do inconsciente, da personalidade, da inteligência, da

cognição, da consciência, das atitudes, dos valores, entre outros estudados

pela psicanálise e outras teorias da psicologia eram considerados tabus ou

eram reduzidos a resultados de aprendizagens por condicionamento. Os

psicólogos behavioristas que no período entre 1920 e 1950 tentaram

abordar esses temas tabus não foram, muitas vezes, bem sucedidos. Uma

mudança significativa surgiu com a proposta de condicionamento operante

de Skinner (Figura 2).

Page 61: Psicologia da Educacao

61

Psicologia da Educação

3.3.1 O condicionamento operante: Skinner

Na década de 50, se alguém t ivesse interesse na teoria

comportamental - ou teoria da aprendizagem como também é conhecida -

teria que seguir os grandes expoentes da segunda geração: os

norteamericanos Hull, Tolman ou Skinner. Staats (Ardila, 1993) afirma que

o fervor e o legado revolucionários daquelas primeiras gerações foram muito

fortes. Podemos afirmar que para muitos psicólogos behavioristas ainda o

são até hoje, início do século XXI.

Vamos descrever, agora, os elementos básicos da teoria de Burrhus

Frederic Skinner (1904 -1990) e sua contribuição para a educação.

Skinner pode ser considerado como o principal representante da

corrente behaviorista que dominou incontestavelmente a Psicologia norte-

americana entre, pelo menos, as décadas de trinta a setenta do século XX.

Skinner viveu nos Estados Unidos dos ideais positivistas e democráticos de

forte influência luterana. Ali, paradoxalmente, no país que se destacava

como o mais rico do mundo na primeira metade do século XX, a depressão

econômica, a 2ª Guerra Mundial e a constatação da situação de

marginalização e de pobreza de parte da população colocavam questões

prementes para os cientistas que iniciavam suas atividades acadêmicas por

volta da década de trinta. Nesse contexto, segundo Goulart (1994), Skinner

aspirava ao ideal de buscar a melhoria da vida das pessoas. Sua contribuição

FIGURA 6 - SKINNER

FONTE: http://commons.wikimedia.org/wiki/

B._F._Skinner

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

está dentro dos princípios e da filosofia da análise experimental do

comportamento.

Como expoente da segunda geração, Skinner formula uma filosofia

para o behaviorismo e postula uma terceira forma de condicionamento e de

aprendizagem. Skinner reconhece como formas de aprendizagem o

condicionamento respondente ou clássico, que age sobre os reflexos,

comportamentos involuntários e, em parte, sobre os componentes

emocionais e a aprendizagem por tentativa e erro. No entanto, sugere que

somente uma parte da aprendizagem obedece aos dois esquemas anteriores.

Para Skinner, a maioria das aprendizagens e dos comportamentos obedece

a outro processo que ele chamou de condicionamento operante. Nesse

processo, o comportamento se modifica pelo efeito que provoca no

ambiente, isto é, pelas suas consequências.

Em outras palavras, o condicionamento operante é o processo pelo

qual se modifica a possibilidade futura de aparecimento de um

comportamento. Isto quer dizer, que a frequência de emissão de um

comportamento pode variar em função das consequências que esse

comportamento provoca no ambiente. O comportamento operante é uma

ação voluntária, faz parte do repertório comportamental dos sujeitos,

depende da musculatura estriada do organismo e ocorre sem que, muitas

vezes, seja possível detectar algum estímulo específico. Para Skinner, muito

do que denominamos hábitos passa por condicionamento operante e a maior

parte do comportamento humano é aprendida por este meio.

Assim, ao longo da vida, as pessoas acumulam uma história de hábitos

e aprendizagens específicas, que é sua história de condicionamentos

respondentes, operantes e outras experiências. Para Skinner, se o

comportamento pode ser modificado pelas consequências, estas podem

em qualquer momento, modificar a história de vida do indivíduo. Isto é,

comportamentos novos podem ser aprendidos e comportamentos antigos

podem ser modificados.

Nessa concepção reside uma das principais contribuições de Skinner

à Educação, pois ele se opõe à ideia do inatismo da inteligência por um

lado, e por outro, à idéia da personalidade estática. Nessa teoria, tanto

comportamentos inteligentes quanto aspectos da personalidade são

aprendidos. Muito daquilo que se considerava como características imutáveis

da inteligência e da personalidade, Skinner considera como comportamentos

operantes passíveis de modificação. Somos o resultado, em parte, de nossa

Page 63: Psicologia da Educacao

63

Psicologia da Educação

história de condicionamentos ou de aprendizagens.

Em experimentos de laboratório, foram estabelecidos os princípios

gerais de aprendizagem da teoria skinneriana. Posteriormente, foram feitas

observações em ambientes naturais como a família, escola, etc.

É importante prestar atenção às definições e conceitos da teoria

behaviorista para não criar confusão.

Na teoria skinneriana, as consequências que mudam um

comportamento operante podem ser de dois tipos: reforços ou punições.

Um comportamento pode ser aumentado ou ser mantido por meio de

reforços ou, pode ser diminuído por meio de punições ou de extinção

operante.

3.3.2 Aumentar ou manter um comportamento: reforços

As consequências que mantém ou aumentam a probabilidade de

ocorrência de um comportamento são chamadas de reforços.

A possibilidade de alguma coisa ou evento servir para reforçar vai

depender de cada pessoa. Nem tudo é reforçador para todas as pessoas.

Assim, Skinner propõe uma investigação daquilo que reforça ou pune cada

indivíduo. Por exemplo, para crianças pequenas, pegar no colo, dar atenção,

fornecer alimento, doces, brinquedos podem servir de reforçadores. Porém,

para uma criança com fome, o alimento é reforçador e para uma criança

com dor de barriga não.

Em geral, lembramos de recompensas materiais quando pensamos

em reforçadores. No entanto, o prazer ou satisfação que podemos ter ao

realizar tarefas e aprendizagens podem ser auto-reforços importantes. Por

exemplo, uma criança pode aprender a escovar seus dentes pela sensação

agradável de limpeza e pela saúde bucal que isso traz e não apenas porque

assim agrada pais ou professores ou porque ganhará um brinquedo se o

fizer. O mesmo vale para as lições de casa e aprendizagens escolares ou

quaisquer outros comportamentos.

É importante saber que não somente uma criança pode ser levada a

certas preferências e gostos pelo meio de condicionamento respondente e

operante, mas que a auto-satisfação também pode ser condicionada. Para

tanto, a criança pode ser incentivada a expressar seus sentimentos em relação

Page 64: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

às tarefas que executa, alem de receber os merecidos elogios ou

recriminações. A percepção pela criança de como se sente faz parte da

aprendizagem do seu autocontrole.

Para Skinner os reforços podem ser de dois tipos: quando implicam

acréscimo de algo benéfico ou agradável para o sujeito são chamados de

reforços positivos. É o caso de elogios, prêmios ou até a satisfação que

sentimos depois de ter estudado e tirado uma boa nota.

Reforços podem ser negativos quando o comportamento reforçado

retira algo que está presente no ambiente e isso é desagradável ou prejudicial

para a pessoa. É o caso quando diminuímos o som da TV que está muito

alto e nos incomoda ou quando tiramos o sapato para retirar uma pedra

que entrou quando andávamos ou quando uma criança foge da mãe ou

diretora que vai dar uma bronca. Tanto o comportamento de diminuir o

som quanto o de tirar o sapato pode ser repetido no futuro. De igual modo,

se a criança na fuga se livrou da bronca, tenderá a repetir esse

comportamento no futuro.

3.3.3 Diminuir um comportamento: punição e extinção operante

Ao contrário do que acontece quando se usam reforços, algumas

consequências podem diminuir, em lugar de aumentar, a probabilidade de

ocorrência futura de um comportamento. As consequências que diminuem

comportamentos chamam-se punições. Assim como os reforços, as punições

também podem ser de dois tipos: positivas quando acrescentam algo

prejudicial ou desagradável para a pessoa e negativas quando retiram algo

agradável ou benéfico. Observe que é o oposto do que acontece no reforço.

Um exemplo de punição positiva é quando somos multados por estacionar

em lugar proibido, quando uma criança “apanha” por algo que fez de errado

ou quando fica de castigo por mentir. Exemplo de punição negativa é quando

a criança perde o recreio que adora por não ter feito a lição de casa, fica

sem ver televisão por ter feito algo errado ou perde as férias porque reprovou

Reforços de qualquer tipo aumentam ou mantém a probabilidade de um comportamento

aparecer no futuro.

Page 65: Psicologia da Educacao

65

Psicologia da Educação

várias disciplinas.

Além da punição, Skinner descreve outra forma de eliminar

comportamentos que é chamada de extinção operante. A extinção operante

consiste em não fornecer consequência alguma para o comportamento que

se deseja eliminar.

No entanto, seria equivocado acreditar que Skinner é a favor das

punições. Ao contrário, quando Skinner discute a modificação de

comportamentos, ele faz ênfase na utilização de reforços para os

comportamentos ou hábitos que se deseja estabelecer, ou seja, reforçar

aquilo que se quer que a pessoa aprenda. Ao mesmo tempo, os

comportamentos que se deseja eliminar devem ficar sem reforços para que

diminuam. Ele desaconselha utilizar apenas punições, pois considera que

elas provocam suspensão apenas momentânea do comportamento

indesejado, provocam frustração e reações emocionais adversas na pessoa

punida e não evitam o aparecimento posterior do mesmo comportamento,

principalmente, quando a pessoa não sabe o que deve fazer ou não aprendeu

o comportamento exigido.

No uso de punições e reforços na educação encontramos alguns

equívocos:

Na educação infantil, pode acontecer que muitas vezes esquecemos

que os comportamentos desejados devem ser “ensinados” para as crianças.

Isto quer dizer que temos que estabelecer um processo de aprendizagem

ou de condicionamento daquilo que queremos e não apenas punir ou castigar

quando a criança “fez errado”.

Outra crença comum na educação de crianças, e que a compreensão

do funcionamento de reforços e punições nos ajuda a superar, é achar que

se a criança fez o que esperávamos, ela não deve ser elogiada, pois fez

apenas o que devia fazer; mas, se ela fizer o que achamos errado e queremos

que modifique deve ser punida. Estas atitudes contradizem os princípios do

reforçamento operante que mostram que reforçar o comportamento

Na Teoria Behaviorista para diminuir comportamentos indesejados utiliza-se punição

ou ignora-se o comportamento.

Page 66: Psicologia da Educacao

66

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

adequado e ignorar o inadequado é melhor do que simplesmente punir o

inadequado.

3.3.4 Modelagem e esquemas de reforçamento

O processo utilizado para ensinar um comportamento na teoria

skinneriana é chamado de modelagem. Consiste basicamente em:

1) Observar, em primeiro lugar, se o comportamento que se deseja

estabelecer, ou que seja aprendido, já faz parte do repertório

comportamental da pessoa e em que medida aparece. Se não, busca-

se algum comportamento aproximado àquilo que se deseja.

2) Em segundo lugar, passa-se a reforçar aproximações do

comportamento todas as vezes que aparece: isto é reforço é contínuo.

3) Uma vez estabelecido o comportamento desejado (aprendido)

podemos melhorar sua qualidade. Para tanto passamos a reforçar

seletivamente aqueles desempenhos qualitativamente melhores.

4) Também é possível definir quando e como se deseja o

comportamento, variando o número de respostas exigidas e o tempo

de resposta, como veremos a seguir.

Outras modificações na emissão de comportamentos podem ser

realizadas pela variação do número de respostas exigidas e pela variação do

espaço de tempo em que se fornecem os reforços.

Skinner considera que na vida diária o esquema que prevalece não é

o de reforço contínuo, ou melhor: nem sempre somos punidos ou reforçados

pelo que fazemos de bom ou de ruim. Assim, nem os pais elogiam

constantemente seus filhos nem os professores podem elogiar todos seus

alunos ao mesmo tempo e todas as vezes que seria necessário. Na realidade

esquemas de reforço contínuo são mais utilizados quando queremos

estabelecer uma aprendizagem nova ou modificar uma antiga. O mais comum

é que um comportamento seja reforçado algumas vezes sim e outras não,

aleatoriamente, ou que siga algum outro esquema.

Assim, Skinner estudou as variações que ocorrem no comportamento

Page 67: Psicologia da Educacao

67

Psicologia da Educação

em função do espaçamento do tempo em que surgem os reforços e o que

ocorrem depois de emitidas uma ou várias respostas. Se o esquema

condiciona que o reforço aparecerá num período de tempo espaçado e

fixo, por exemplo, um reforço a cada meia hora, há uma concentração de

comportamentos próximo do fim da meia hora. Algo similar ocorre quando

os alunos estudam loucamente apenas antes das provas quando estas

ocorrem semestralmente.

A outra variação no esquema de emissão de comportamentos está

relacionada à exigência de um número qualquer de comportamentos antes

do aparecimento da consequência. Por exemplo, Skinner treinou pombos

famintos a bicar um alvo e verificou que era possível exigir cada vez mais

bicadas antes de fornecer o reforço alimentar. Isto poderia levar a bicar ou

“trabalhar” até a exaustão. Na agricultura, na indústria e em atividades de

serviço, é comum encontrar este esquema: pessoas recebem pagamentos

e premiações pela quantidade de sacas colhidas, pela quantidade de

produtos fabricados ou vendidos.

Como na vida diária os reforços e punições não são sempre contínuos,

Skinner verificou que reforços aleatórios são os mais comuns e que uma

vez criado o hábito ou aprendido o comportamento, os reforços aleatórios

o mantém, tornando muito difícil modificá-lo. Por isso é necessária a análise

do comportamento.

Outra situação que deve ser considerada é que, na escola e em outros

ambientes onde interagem muitas pessoas, o professor pode não ser a

principal fonte de reforçamento para algumas crianças. Assim, quando os

reforços e tentativas do professor para modificar o comportamento de um

aluno falham, deve ser observado se o comportamento que se quer modificar

não está sendo reforçado pelos colegas ou outras pessoas da instituição ou

fora dela. Isto, às vezes requer auxílio de especialistas para realizar a análise

e a proposta de modificação.

Recapitulando: vimos até agora três tipos de aprendizagem:

- aprendizagem por condicionamento respondente

- aprendizagem por tentativa e erro

- aprendizagem por condicionamento operante

Page 68: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

3.3.5 Implicações educacionais dos estudos de Skinner

A ideia de que o comportamento pode ser modificado pelas

consequências trouxe implicações para a educação no sentido de que

chamou a atenção para a influência que os educadores sejam eles pais ou

professores exercem sobre o comportamento dos educandos. A ideia de

motivos intrínsecos como única explicação para os comportamentos passou

a ser questionada.

As técnicas derivadas da análise experimental do comportamento e

as técnicas de modificação do comportamento são amplamente utilizadas

ainda hoje nas escolas.

Algumas noções comportamentais, como a da necessidade de

observação minuciosa das situações de aprendizagem para poder discriminar

adequadamente como são reforçados os comportamentos (contingências

de reforçamento); a do valor dos reforços na aprendizagem e manutenção

de comportamentos adequados e, principalmente, a das noções referentes

aos malefícios e não efetividade da punição são conhecimentos úteis para o

professor.

A área educacional para a qual a utilização dos princípios de

modificação do comportamento contribui significativamente é a da educação

especial, principalmente na formação de hábitos de convívio social e de

higiene.

A teoria skinneriana valoriza o papel do professor no processo de

aprendizagem: é ele que deve planejar e organizar conteúdos e atividades,

dirigir e reforçar a aprendizagem dos alunos e ensiná-los a formar hábitos de

estudo e também de auto-reforço e motivação. A resposta dos alunos, sua

aprendizagem, depende então, em boa parte, do professor e do controle

que ele exerce.

Faça um quadro sobre as característ icas do condicionamento respondente e do

condicionamento operante. Procure exemplos, em sua experiência, que ilustrem os

diversos tipos de condicionamento mencionados acima. Discuta com seus colegas e

tutor os exemplos que vocês escreveram.

Page 69: Psicologia da Educacao

69

Psicologia da Educação

Assista o filme “Trocando as bolas”, com os atores Dan Aykroyd e Eddie Murphy e

direção de John Landis. Esse filme mostra como seria possível mudar a vida das pessoas

com controle do comportamento e como as pessoas poderiam modificar esse processo

quando percebem que estão sendo controladas. Aproveite e dê boas risadas com essa

comédia de ficção. Depois pense, seria possível mudar totalmente a vida das pessoas,

como o filme propõe?

Assista ao programa de televisão chamado “Super Nanny”. Você consegue identificar os

princípios de aprendizagem e condicionamento aplicados nas propostas de modificação

de comportamento? Veja o que seus colegas identificaram e discutam: vocês fariam a

mesma coisa, como fariam?

Além de hábitos de higiene, de organização e cuidados com seu

ambiente, outro ótimo exemplo de comportamentos que são aprendidos e

precisam ser reforçados, na escola e em casa, são os chamados “hábitos de

estudo” como sublinhar ideias importantes, palavras desconhecidas, buscar

significados no dicionário, fazer resumos, quadros, para citar apenas alguns

relacionados à leitura. Estes e outros hábitos podem ser ensinados na escola

desde as primeiras séries já que não surgem espontaneamente nas crianças.

Outra contribuição dos estudos de Skinner para a educação encontra-

se na chamada tecnologia educacional que propõe técnicas como o estudo

dirigido (no qual pequenas unidades de conteúdo são aprendidas

progressivamente passo a passo) e as máquinas de aprender que hoje

encontram equivalente em muitos programas educativos que utilizam

computador.

É um erro acreditar que a teoria de Skinner apenas propõe a

manipulação do comportamento. Em seus escritos Skinner frisou sempre a

necessidade de levar as pessoas ao auto-controle, isto é, à percepção do

que as influencia ou controla de modo que elas possam ter auto-controle de

suas vidas. Apenas como informação, a expressão utilizada por Skinner

para definir o que chamamos neste texto de autocontrole foi contracontrole.

Page 70: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

3.4 TERCEIRA GERAÇÃO DE BEHAVIORISTAS: aprendizagem social

do comportamento

A terceira geração de pesquisadores behavioristas se fortalece na

segunda metade do século XX. Ela se caracteriza pelo interesse em criar

enfoques mais integrados com outras correntes da psicologia. Isto quer

dizer que se procuravam formas de estudar temas, antes não abordados,

com os métodos e os conceitos behavioristas. No entanto, nem a primeira

nem a segunda geração de behavioristas tinha criado marco de referência

produtivo para essa unificação.

Surgiram, então, propostas teóricas que buscavam aproximação e

síntese com outras teorias psicológicas e estudos sobre temas como

personalidade, cognição, emoções que utilizavam conceitos e métodos

behavioristas. Na área educacional investigaram-se características de

professores e alunos que podem influenciar nas situações de ensino e de

aprendizagem. Estudos sobre criatividade, motivação, auto-estima, lócus

de controle, auto-eficácia, crenças auto-dirigidas, entre outros trouxeram

contribuições para a educação.

A seguir, apresentamos os resultados de estudos e os conceitos

teóricos desenvolvidos por Albert Bandura (1924 -), principal representante

da terceira geração.

3.4.1 A Teoria da Aprendizagem Social de Bandura

Estudos sobre imitação e agressividade

Professor e pesquisador ainda na ativa na Universidade de Stanford,

Estados Unidos, Albert Bandura (1924 - ) procura demonstrar, desde o

início de sua carreira por volta de 1960, que a aprendizagem ocorre por

outros meios e não apenas pelo reforço direto do comportamento principal

ideia defendida por Skinner e a segunda geração de behavioristas.

Em outras palavras, encontramos aqui uma diferença que deve ser

bem entendida: nas teorias de condicionamento respondente e operante

quem recebe reforços ou punições é o próprio sujeito da ação; na teoria da

aprendizagem por observação, o observador vê outra pessoa ser reforçada

ou punida pelo seu comportamento. Este sujeito que observa aprende pelo

Page 71: Psicologia da Educacao

71

Psicologia da Educação

que viu: pela imitação de modelos.

Bandura acredita, conforme relata Pajares (2004), que as diversas

culturas humanas transmitem costumes sociais, conhecimentos e

competências complexas, principalmente pela experiência vicariante, isto é,

pela aprendizagem com base na imitação de pessoas que servem como

modelos.

Sendo assim, Bandura (1961) propõe que enquanto boa parte da

socialização infantil ocorre pelo treino direto, é possível que muito do

repertório comportamental da criança seja adquirido, também, pela imitação

de modelos. Bandura chamou esse processo de identificação com adultos

importantes de vida da criança. É importante lembrar que a identificação

não se restringe à imitação de modelos adultos, mas também, outras crianças

podem servir como modelos.

Podemos assim dizer que, o processo de identificação, como foi

mencionado acima, é chamado de aprendizagem vicariante e parece ser o

resultado da imitação pela criança de atitudes e padrões de comportamento

que os pais e outros adultos não tentaram ensinar diretamente. De fato, a

modelação parental do comportamento pode, algumas vezes, contrariar o

efeito daquilo que é ensinado diretamente.

É o que acontece, como pode ser observado em diversos estudos,

quando um pai castiga fisicamente uma criança porque ela agrediu um

companheiro. Espera-se que o resultado desse castigo seja que a criança

diminua sua agressividade com os colegas e pare de bater neles. Mas

Bandura observou que não é isso o que ocorre na realidade. Geralmente,

junto com o aprendizado intencional, certa quantia de aprendizagem não

prevista é aprendida ocasionalmente pela imitação do modelo do conjunto

do comportamento dos pais.

Ou seja, ao bater na criança para castigá-la, os pais dão um exemplo

de como agredir os outros e é este aprendizado que realmente irá mais

tarde guiar a criança em suas interações sociais. Isto quer dizer que, frente

a seus colegas, a criança imitará o comportamento paterno e não fará o que

lhe foi dito fazer.

Bandura e Walters (Pajares, 2004) realizaram investigações sobre

comportamento agressivo com adolescentes de boa condição sócio-

econômica e de famílias bem constituídas. Constataram que adolescentes

hiper-agressivos podem ter pais que servem de modelo para atitudes hostis.

Page 72: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Esses pais não toleram agressividade em casa, no entanto incentivam a

agressividade do filho fora dela. Têm atitude complacente quando o filho

relata o seu envolvimento em situações agressivas contra colegas e na escola.

Na escola encontramos alunos que são incentivados a serem agressivos da maneira relatada

acima? O que a escola faz? Comente com seus colegas de curso.

Experimentos realizados com crianças em situação pré-escolar

mostraram que enquanto aprendem conteúdos das situações educativas,

as crianças também aprendem a imitar certos comportamentos do professor

que são totalmente irrelevantes para a tarefa orientada.

Uma explicação para isso é que respostas afetivas aumentam as

propriedades reforçadoras secundárias do modelo e predispõem o imitador

a reproduzir o comportamento observado, pela satisfação que isso produz.

Uma vez que as características dos pais e de outras pessoas

significativas adquirem propriedades reforçadoras para a criança, mesmo

que ela não seja reforçada diretamente, a satisfação de agir como alguém

que ela gosta pode gerar autorreforço.

Em geral, crianças aprendem a imitar o comportamento exibido por

modelos quando eles interagem de maneira responsiva e de modo a cuidar

da criança. O valor das propriedades secundárias do modelo aumenta em

função da atitude e isso facilita a aprendizagem. Isso vale para todos os

tipos de comportamentos menos para o agressivo que, independente da

qualidade do modelo, as crianças imitam rapidamente.

Por meio da associação repetida entre o comportamento parental e

atributos como aconchego, reforço, atividade afetuosa de cuidado, assume-

se que as características do comportamento dos pais gradualmente tomam

valor positivo para a criança. Consequentemente, a criança está motivada

para reproduzir em seu comportamento os atributos valorizados

positivamente.

Para ilustrar o mecanismo da imitação, Bandura (1963) costumava

contar para seus alunos uma história contada por um de seus professores:

Page 73: Psicologia da Educacao

73

Psicologia da Educação

Um fazendeiro solitário decidiu ter um papagaio comocompanhia. Depois de comprar o pássaro, o fazendeiropassava um bom tempo à noite ensinando ao papagaio afrase: diga tio! Diga tio! A despeito da devota atenção doprofessor, o papagaio não mostrava nenhuma resposta.Finalmente, o frustrado fazendeiro pegou uma vara demarmelo e, depois de cada recusa em produzir a fraseesperada, batia na cabeça do papagaio. Esse método visceralprovou ser tão ineficaz quanto o outro mais cerebral. Entãoo fazendeiro agarrou seu amigo emplumado e o jogou nogalinheiro. Tempos depois, o fazendeiro ouviu uma baitaconfusão no galinheiro e foi investigar. Encontrou que opapagaio cutucava na cabeça com uma vara de marmelo asassustadas galinhas e ao mesmo tempo gritava: diga tio!Diga tio! (BANDURA, 1963). [tradução livre da autora]

Bandura realizou diversos estudos para determinar em que medida a

agressão pode ser transmitida, para as crianças, pela exposição a modelos

de adultos agressivos. Um deles ficou conhecido como experiência do

boneco João bobo.

Nessa experiência, as crianças que assistiram a um vídeo que mostrava

um adulto do sexo feminino ou masculino batendo em um boneco Jõao

bobo, imitaram esse comportamento em situação de jogo posterior.

Para entender melhor:

Diversos sites na Internet veiculam filmes sobre o experimento com o boneco João

bobo. Esses filmes podem ser acessados com as palavras de busca: “Bobo doll”, “João

bobo” e “Albert Bandura”. Assista os filmes e leia o texto da disciplina.

Além da agressividade dos adultos, também a atitude que os adultos

têm em relação a sua própria agressividade, pode ser imitada pelas crianças.

Os adultos diferem na maneira como conduzem seus impulsos agressivos.

Alguns atacam verbalmente e outros podem atacar fisicamente. Alguns

adultos fogem de ataques agressivos porém sentem-se magoados por essa

reação, outros encaminham sua agressividade para atividades políticas ou

esportivas. Seja aberta ou oculta, a atitude dos adultos pode ser percebida

e imitada pela criança.

Page 74: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Os avanços da tecnologia da comunicação fizeram dos modelos

simbólicos ou modelos virtuais - um veículo chave na difusão de ideias,

valores e estilos de comportamento.

As investigações com o boneco João bobo se estenderam para outros

estudos, nos quais, foi avaliado o efeito sobre as crianças de modelos

agressivos na vida real e na mediação por filmes ou modelos veiculados

pela televisão. Depois da exposição a cada tipo de modelo as crianças

passavam por uma situação frustrante e verificava-se a quantidade de imitação

do comportamento agressivo anteriormente observado.

Os resultados deixaram pouca dívida de que a exposição a modelos

agressivos praticamente duplica a agressividade das crianças após a

frustração subsequente. Observou-se tendência, principalmente nos meninos,

a imitar mais os modelos agressivos masculinos do que os femininos. Alguns

meninos chegaram a dizer espontaneamente que o comportamento da

mulher agressiva estava fora do tipo (não era a maneira de mulheres se

comportarem). O modelo masculino agressivo era visto como apropriado

por meninos e meninas.

Foi verificado também que, quando as crianças assistiram modelos

não agressivos, elas imitavam esse comportamento.

Modelos não só reduzem a inibição da agressividade das crianças

como também modelam a forma do comportamento. Outro resultado

verificado nesses estudos foi que as crianças estiveram menos inclinadas a

imitar modelos dos desenhos animados - apesar de que eles também

provocaram aumento da agressividade - do que modelos da vida real. No

entanto, os filmes são tão efetivos quanto as situações da vida real para

eliciar e transmitir agressividade.

Por outro lado, também foi demonstrado que expor crianças agressivas

a modelos alternativos, que possuam maneiras não agressivas, para que

elas possam copiar pode ser altamente eficaz na modificação dos padrões

de personalidade agressivo-dominantes.

Em diversos estudos as crianças foram expostas a um modelo único.

No entanto, no curso do desenvolvimento social as crianças têm amplo

contato com modelos múltiplos, particularmente os membros da família, da

escola e outros ambientes e esses modelos podem diferir amplamente em

seu comportamento e em sua influência relativa sobre a criança.

Page 75: Psicologia da Educacao

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Psicologia da Educação

Apesar de as crianças adotarem muitas características dos modelos

mais fortes, elas também reproduzem alguns dos padrões de respostas do

modelo que ocupa papel subordinado. Seu comportamento é uma síntese

dos elementos selecionados dos vários modelos. Então, numa família até os

membros do mesmo sexo podem exibir diferentes características de

personalidade, conforme tenham selecionado diferentes elementos a imitar

nas atitudes e comportamentos de seus pais. Embora pareça paradoxal, é

possível encontrar considerável inovação pela imitação seletiva.

Pode-se concluir, então, que as crianças não reproduzem

mecanicamente as características da personalidade de cada modelo com o

qual se deparam e nem imitam cada elemento do comportamento exibido

pelos modelos mesmo quando constituem suas fontes primárias de

comportamento social. Na realidade realizam seleção e síntese de diversos

modelos e comportamentos.

Diversas variáveis psicológicas determinam a seleção dos modelos e

o grau em que serão imitados. A maneira como o comportamento do modelo

é reforçado ou punido (consequências) influencia a imitação. Vários estudos

foram realizados para verificar essa ideia.

Um estudo apresentou, para grupos distintos de crianças, versões

do mesmo filme, porém com diferentes consequências finais: em um filme,

o modelo é reforçado; no outro, é punido. No primeiro filme, no qual a

agressão do modelo é reforçada, as crianças imitaram rapidamente o

comportamento agressivo físico e verbal. Ao mesmo tempo, esse modelo,

cuja agressividade foi reforçada, foi escolhido pela maioria das crianças como

o preferido para imitar, embora fosse criticado por elas, por não se controlar

e por jogar sujo. Pelo contrário, as crianças que viram o filme onde o

comportamento agressivo foi punido, não o imitavam e não escolhiam aquele

modelo como preferido.

Em suma, esses estudos sobre imitação do comportamento agressivo

claramente demonstram que consequências reforçadoras para o modelo

do comportamento podem levar a superar o sistema de valores do

observador. As crianças rapidamente imitam os modelos “que se dão bem”

mesmo que possa ser rotulado como moralmente repreensível e discutível

e o modelo seja criticado publicamente por envolver-se nesse tipo de

comportamento.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Em muitas apresentações de TV e de outros meios de comunicação

de massa, modelos anti-sociais acumulam fontes de reforços consideráveis

utilizando meios tortuosos e são apenas punidos após o último comercial,

na suposição de que o final punitivo apagará ou irá contra a aprendizagem

do modelo de comportamento anti-social. As pesquisas de Bandura (1963)

revelaram que apesar da punição final administrada, esse final não impede

a imitação do comportamento anti-social inicialmente reforçado.

Estudos sobre autorregulação

Outro tema pesquisado por Bandura (PAJARES, 2004; BANDURA,

2005) nos anos 1960 foi o do desenvolvimento infantil das capacidades

de autorregulação. Para tanto, realiza estudos sobre a aquisição de padrões

de atuação por autorreforço a partir da perspectiva de que as pessoas são

organismos proativos, auto-organizados, autorregulatórios, autorreflexivos

e não apenas organismos que reagem e são moldados por estímulos do

meio.

Em 1977, Bandura publicou o livro Teoria da aprendizagem social,

no qual sintetiza a teoria da aprendizagem por modelação psicológica

(imitação). Esse livro teve ampla repercussão no crescente interesse de

muitos pesquisadores pelo aspecto social da aprendizagem.

3.4.2 A Teoria Cognitivo-Social da Aprendizagem de Bandura

Bandura trabalhava com pesquisadores de vários campos de

conhecimento, seu leque de interesses era bastante amplo. Por exemplo,

ao estudar formas de melhorar distúrbios fóbicos, interessou-se pelas

mudanças que estavam relacionadas à percepção de eficácia pelos pacientes.

Ele continuava com o interesse teórico pela aprendizagem por observação,

a autorregulação, a agressividade e as mudanças psicológicas, mas a partir

dos anos 1980, Bandura (2006) se dedica mais a elucidar o papel mediador

do pensamento autorreferenciado na atividade humana.

Em meados de 1980, Bandura desenvolveu a teoria cognitivo-social

da aprendizagem que ele considerava mais ampla e integradora do que a

teoria da aprendizagem social. A teoria cognitiva social explica as causas do

funcionamento social pela interação entre fatores cognitivos, fatores da

personalidade e eventos do meio que influenciam cada um ao outro

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Psicologia da Educação

reciprocamente. Na adaptação e mudança dos seres humanos desempenham

papel central a cognição, a aprendizagem vicariante (modelos), os processos

de autorregulação e de autorreflexão.

Competências de aprendizagem e desempenho

Sugestões educacionais podem ser adaptadas das pesquisas de Bandura

(1988). Para desenvolver competências que levem a obter melhor

desempenho pode ser realizado um programa de aprendizagem que inclui:

a) modelação qualificada;

b) fortalecimento das concepções pessoais sobre as próprias

capacidades e

c) aumento da auto-motivação através de sistemas de metas.

a) Modelação qualificada para o desenvolvimento de competências.

Para lembrar e não confundir:

O que é modelação?

Modelação é o processo pelo qual pessoas aprendem imitando

modelos. O aprendiz aqui não recebe diretamente nem reforços nem

punições. Ele observa alguém que os recebe. Da observação, o

aprendiz retira elementos para imitar e esta imitação é sua

aprendizagem. Esse processo é objeto dos estudos de Bandura e

ponto central de sua teoria.

O que é modelagem?

Modelagem é o processo pelo qual pessoas aprendem novos

comportamentos pelo reforço direto de respostas relacionadas ao

comportamento desejado. O aprendiz aqui é quem recebe os reforços

ou punições. Esse processo é objeto dos estudos de Skinner e ponto

central de sua teoria.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

O método de modelação que produz melhores resultados inclui três

elementos:

1) as pessoas observam o modelo que possui as habilidades

apropriadas;

2) as pessoas realizam atividade prática guiada em condições

simuladas, nas quais podem aperfeiçoar as habilidades;

3) as pessoas são auxiliadas para aplicar inicialmente suas novas

habilidades em situações de trabalho ou estudo que possam ser bem

sucedidas. Habilidades complexas podem ser divididas em sub-

habilidades, isto é, pequenos passos que podem auxiliar o domínio

da habilidade.

As competências humanas requerem não só habilidades, mas

também, crença na capacidade própria de utilizar bem aquelas habilidades.

De maneira recíproca, na medida em que se incrementam as habilidades,

aumenta a crença na própria competência. O impacto da modelação sobre

a crença nas capacidades é grandemente incrementado pela similaridade

percebida com os modelos. Ao aperfeiçoar as habilidades, as pessoas

necessitam retorno informativo de como estão fazendo. Isto é, chamar a

atenção para o que foi bem feito enquanto se corrigem as deficiências.

Práticas simuladas continuam até que os alunos possam desempenhar

as habilidades com perícia e espontaneidade. O passo seguinte é ganhar

bom desempenho e autoconfiança em situações reais. As pessoas devem

ter a experiência de ser bem sucedidas utilizando o que aprenderam para

poder acreditar nelas mesmas e no valor dos novos meios.

FIGURA 7

FONTE: http://www.sxc.hu

Page 79: Psicologia da Educacao

79

Psicologia da Educação

A situação de aprendizagem deve prover tempo de prática suficiente

para obter proficiência nas habilidades modeladas. Em outras palavras, as

pessoas necessitam de tempo suficiente para se convencer de sua nova

efetividade. Outro detalhe importante é que novas habilidades não serão

amplamente utilizadas se não se provam úteis quando postas em prática

em situações de trabalho.

b) Autoeficácia percebida

Sobre o senso de autoeficacia, Bandura costumava dizer que as

práticas educacionais deveriam ser avaliadas não só pelas habilidades e

conhecimento que produzem para o uso presente. Também deveria ser

considerado o que fazem com as crenças infantis sobre suas capacidades,

crenças que influenciam a maneira como as crianças abordarão o futuro.

Diversos estudos de Bandura mostraram que estudantes que desenvolvem

um forte senso de autoeficácia estão bem equipados para educar a si

mesmos quando têm que confiar em sua própria iniciativa.

Há enorme diferença entre ter uma habilidade e ser capaz de utilizá-

la bem e consistentemente em circunstâncias difíceis. O sucesso requer

habilidades e forte crença na própria capacidade de exercer controle sobre

os eventos que levam a alcançar uma meta. As crenças de uma pessoa

sobre suas capacidades podem afetar sua vida de muitas maneiras.

O que a pessoa acredita interfere nos tipos de escolhas que uma

pessoa faz, no empenho que coloca naquilo que realiza, em quanto ela

persevera frente a dificuldades e impedimentos e na sua capacidade de

encontrar apoios e meios de enfrentar falhas e impedimentos. As crenças

da pessoa determinam se os seus padrões de pensamento são

autoimpeditivos ou de autoajuda.

Crenças sobre autoeficácia

Uma pessoa com alto senso de eficácia focaliza sua atenção em como

administrar as tarefas. Uma pessoa com baixo senso de eficácia e cheia de

autodúvidas se centra nas coisas que podem sair mal e nas suas

incapacidades.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Observe o que você pensa quando enfrenta dificuldades. Você é do tipo de pessoa que

acha que o mundo vai acabar, que você não vai dar conta, que vai dar tudo errado ou, você

procura soluções e se esforça para resolver os problemas?

Observe crianças. Você percebe diferenças no pensamento de autoeficácia, entre aqueles

que estão bem em seus estudos e os que estão com notas baixas?

Uma pessoa com alto senso de eficácia focaliza sua atenção em como administrar as tarefas.

Uma pessoa com baixo senso de eficácia e cheia de autodúvidas se centra nas coisas que

podem sair mal e nas suas incapacidades.

As crenças das pessoas em sua capacidade afetam sua criatividade

produtiva. Num experimento, pessoas que passaram por um treino de como

incrementar o pensamento criativo mostraram que, quanto maior era a crença

em suas capacidades, mais altas eram as metas que colocavam a si mesmas,

elas permaneciam mais fortemente comprometidas em alcançar essas metas

e eram mais produtivas em trazer ideias criativas.

As pessoas frequentemente restringem suas opções de carreira porque

acreditam que lhes faltam as capacidades necessárias, mesmo se elas têm

realmente as habilidades. Se considerarmos os avanços tecnológicos, antigas

barreiras permanecem: meninos tendem mais a ter bom desempenho ao

lidar com computadores do que as meninas, porque eles vêem como

necessário para seu futuro.

Autoeficácia e motivação

Crenças de autoeficácia também afetam a motivação. As crenças

que as pessoas têm sobre sua eficácia determinam quanto esforço será

gasto em seu empenho e quanto tempo irão perseverar face aos obstáculos.

Quando enfrentam dificuldades, pessoas com dúvidas reduzem seus esforços

e optam por soluções medíocres ou desistem.

As pessoas que acreditam que podem lidar com tarefas e situações

difíceis, não caem fora e não se afetam por elas. Aqueles que não acreditam

se estressam. Eles pensam em suas deficiências, vêem as situações como

cheias de obstáculos, se preocupam com possíveis problemas que dificilmente

podem acontecer, se estressam e diminuem seus desempenhos.

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Psicologia da Educação

Na tensão e na depressão a auto-eficácia percebida tem a ver com

habilidade de lidar com os problemas e com a própria habilidade para

controlar hábitos de pensamento angustiantes. Não é a mera ocorrência de

pensamentos apreensivos senão a inabilidade de retirá-los que provoca a

ansiedade. A habilidade para lidar com pensamentos negativos e de mudar

o pensamento para ideias que auxiliem a pessoa a se organizar para enfrentar

problemas pode ser ensinada desde a infância.

Como promover crenças de autoeficácia

As crenças de autoeficácia das pessoas podem ser instaladas e

fortalecidas de quatro maneiras.

1) Experiências bem sucedidas. Se as pessoas obtêm somente

sucesso fácil e rápido podem esperar resultados rápidos e sentir-se

sem coragem quando falham. Quando as pessoas se tornam seguras

de suas capacidades de sucesso, elas podem lidar com falhas e

insucesso sem ser adversamente afetadas por isso.

2) Experiência vicária. O segundo modo de fortalecer autocrenças

é pela modelação. Fácil acesso a modelos proficientes constrói

competências para lidar com situações interpessoais, de estudo e de

trabalho. Ver pessoas semelhantes a si mesmo serem bem sucedidas

por esforço contínuo levanta as crenças do observador sobre suas

próprias capacidades. Observar similares falhando, a despeito de seu

alto esforço, diminui o julgamento do observador em suas próprias

capacidades e mina seus esforços.

3) Persuasão social. O terceiro modo de aumentar as crenças.

Encorajamento realista pode ser mais bem sucedido se a pessoa está

preocupada e cheia de dúvidas sobre si mesma. Além de incentivos,

motivadores e outros, designar tarefas que levem a sucesso e evitar

colocar a pessoa prematuramente em situações em que poderiam

errar ou ser mal sucedidas. Para assegurar progresso no

desenvolvimento pessoal, o sucesso é medido em termos de

autocrescimento antes que de triunfo sobre os outros.

4) Condições fisiológicas. As pessoas também confiam

parcialmente em seu nível de tensão corporal ao julgar suas

capacidades. Elas medem seu estado emocional e tensão como sinais

Page 82: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

de vulnerabilidade para desempenho pobre. Em atividades que

envolvem força e desempenho corporal para vencer obstáculos, as

pessoas julgam sua fadiga, dores e doenças, como sinais de

incapacidade física. Uma maneira de modificar as crenças de auto-

eficácia é reduzir a tensão corporal e a maneira de interpretar os estados

corporais.

Crenças sobre habilidade

Outro sistema de crenças que influencia a atitude das pessoas frente

ao ensino e a aprendizagem é o de como as pessoas vêem o que é habilidade.

As concepções das pessoas sobre habilidade intelectual podem ter forte

impacto sobre seu próprio funcionamento. Foram identificadas duas

concepções principais: na primeira perspectiva a habilidade é vista como

tarefa a ser adquirida e que pode ser aprimorada continuamente pelo ganho

de conhecimento e pelo aperfeiçoamento das competências pessoais.

Quanto mais esforço e trabalho, mais a pessoa se torna capaz.

As pessoas com esta concepção adotam uma atitude de aprendizagem

curiosa e inquiridora; buscam tarefas desafiadoras que dêem oportunidades

para expandir seu conhecimento e competências; vêem os erros como

naturais e como parte instrutiva do manejo de novas atividades; consideram

que as pessoas aprendem com os erros; consideram o empenho e o esforço

como parte da obtenção de habilidades e julgam suas capacidades em termos

de seu progresso pessoal e não pela comparação com outras pessoas.

Quando enfrentadas com tarefas difíceis, as pessoas que pensam em

termos de habilidades aprendidas analisam a tarefa para focalizar aquilo que

causa problemas e buscam as melhores formas de resolver os desafios.

Em contraste, na segunda perspectiva, as pessoas vêem as habilidades

como capacidades fixas com as quais vieram equipadas ao nascer. Para

elas, situações nas quais podem falhar são altamente ameaçadoras; elas

vêem qualquer equívoco como erro fatal e como prova de que não são

inteligentes; se comparam com os outros e se sentem ameaçados e sem

coragem quando os outros os ultrapassam; preferem tarefas nas quais

possam errar menos e que lhes permitam demonstrar proficiência, à custa

da aprendizagem de novas habilidades; paradoxalmente, elas também vêem

o empenho e o alto esforço como indicativo de pouca habilidade.

Page 83: Psicologia da Educacao

83

Psicologia da Educação

Quando enfrentadas com tarefas difíceis, aqueles que olham sob o

ponto de vista de habilidades fixas fazem um autodiagnóstico negativo,

focalizam suas deficiências pessoais e os possíveis resultados adversos.

Crenças sobre a capacidade de controle

Outro tipo de crença importante é o quanto a pessoa se acredita

capaz de controlar os eventos que acontecem em sua vida diária. Podem se

salientados dois aspectos no exercício do controle: o nível de auto-eficácia

para provocar mudanças pelo uso produtivo das suas capacidades e esforço;

a possibilidade de mudança (ou controlabilidade) do entorno.

Aquilo que a pessoa acredita poder ou não controlar e mudar em si

mesma e em seu entorno, afeta a extensão com que ela tira vantagem das

situações em que se encontra. Melhor desempenho escolar, por exemplo,

é obtido por crianças que acreditam que de seu estudo e esforço depende

o resultado que alcançam. Quando as crianças acreditam que o resultado

depende do professor, ou de uma inteligência que não possuem e que a

situação não vai mudar mesmo com esforço, desistem e colocam pouco

empenho nos estudos.

c) Autorregulação e motivação pelo sistema de metas

A teoria social cognitiva enfatiza também as capacidades humanas

para autodirecionamento e automotivação. Essas capacidades contribuem

para a auto-regulação da at iv idade humana. Ao exercer seu

autodirecionamento, as pessoas adotam padrões internos, pegam pistas

sobre seu comportamento e seguem incentivos para eles mesmos

sustentarem seus esforços até conseguir o que queriam.

Muitas das atividades que as pessoas fazem estão dirigidas a resultados

que se encontram longe no futuro. Portanto, eles têm que criar, para eles

mesmos, guias e motivadores no presente para atividades que conduzam à

satisfação daqueles desejos futuros, o que nem sempre é muito fácil,

especialmente para crianças e pessoas que apresentem quaisquer

dificuldades.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Metas motivadoras

Características de metas motivadoras que auxiliam no desempenho:

ter definição explícita; ser desafiadoras e interessantes; fazer a pessoa acreditar

que vai progredir; ter proximidade temporal.

Metas bem definidas e acessíveis aumentam o bem estar psicológico

e têm efeito altamente motivador; proporcionam senso de propósito e

direção; elevam e mantêm níveis de esforço necessários para alcançá-las.

Metas confusas, mal definidas e que não deixam claro o que a pessoa

deve alcançar, diminuem o esforço e a motivação.

As metas não somente guiam e motivam o desempenho; elas também

auxiliam na formação de crenças sobre as habilidades pessoais. Submetas

divisão de tarefas em pequenos passos - servem ao propósito de ajudar a

pessoa a avaliar seu desempenho.

Um estudo analisou o que têm os jogos de computador que capturam

o interesse dos jogadores por horas sem fim. Foi verificado que os jogos de

computador interessantes têm metas desafiadoras e aqueles que não são

interessantes não.

Participação na elaboração de metas

Para aumentar os efeitos motivadores as pessoas devem concordar e

participar da definição das metas. Metas não têm muito efeito motivacional

se há pouca concordância pessoal em relação a elas.

Quando as metas estão muito distantes podem levar a desmotivação

e sofrer interferências de outras influências do dia a dia. O melhor é estabelecer

em conjunto, uma divisão em tarefas com uma série de metas alcançáveis,

em curto prazo; as metas em curto prazo guiam e mantêm a meta final em

longo prazo.

O benefício de submetas foi testado com estudantes que tinham séria

dificuldade em operações matemáticas. Um grupo de estudantes fez um

curso com os conteúdos a aprender divididos em objetivos diários a alcançar,

isto é, metas próximas. Outro grupo fez o mesmo curso, porém só havia a

meta final de aprendizagem de todos os conteúdos. Um terceiro grupo não

fez o curso.

Page 85: Psicologia da Educacao

85

Psicologia da Educação

Os resultados da pesquisa mostraram que os estudantes que se

motivaram com metas próximas aprenderam melhor as habilidades

esperadas, se tornaram mais confiantes em suas capacidades matemáticas

e desenvolveram grande interesse pela matemática. Ao contrário, os

estudantes que tinham em mente, apenas, objetivos em longo prazo, não

apresentaram melhora no seu desempenho matemático. Ao comparar o

desempenho do grupo com metas em longo prazo e do grupo que não fez

o curso, não foram encontradas diferenças.

Faça uma lista das diversas crenças aqui descritas que influenciam o desempenho. Identifique

crianças que tenham dificuldade em alguma disciplina e verifique que tipo de crenças eles

têm. Compare seu trabalho com o de seus colegas: há semelhanças? Há diferenças?

Quais? O que poderia ser feito para ajudar essas crianças?

Conheça um pouco mais sobre os autores:

Skinner - alguns livros do próprio autor fazem uma boa síntese de sua teoria:

SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1999.

_____________. Questões recentes na análise comportamental. Campinas: Papirus, 1991.

_____________. Ciência e comportamento humano. 9. ed. São Paulo: Martins Fontes,

1994.

No livro: FADIMAN, J.; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São Paulo: Harper &

Row do Brasil, publicado em 1979, há uma boa síntese da teoria skinneriana e exercícios

interessantes para experimentar a modificação do comportamento.

Uma síntese da teoria comportamental pode ser encontrada em:

PLACCO, V. M. N. S. (Org.). Psicologia & Educação: revendo contribuições. São Paulo:

EDUC, 2000.

Bandura - o único livro disponível atualmente em língua portuguesa é BANDURA, A.;

AZZI, R. G.; POLYDORO, S. A. J. Teoria sóciocognitiva.

Page 86: Psicologia da Educacao

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

O site sobre Bandura, em língua inglesa, traz biografia e resumo de sua obra, além

de links para os textos mais importantes do autor. Pode ser acessado em: http://

www.des.emory.edu/mfp/bandurabio.html

Um bom resumo de estudos sobre auto-eficácia, crenças auto-dirigidas, motivação e

outras características da personalidade que influenciam no desempenho, pode ser

encontrado no livro:

COLL, C; PALACIOS, J.; MARCHESI, A. (Orgs.). Desenvolvimento Psicológico e

Educação: Psicologia da Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. Volume 2.

(É bom saber que a edição de 2005 não traz essas informações já que tem outra

estrutura e conteúdos diferente).

De modo geral, os diversos sites de busca disponíveis na Internet permitem acesso a

inúmeros artigos e informações em língua portuguesa sobre Skinner, Bandura e

suas teorias. É interessante consultar e verificar o que há neles.

Page 87: Psicologia da Educacao

87

Psicologia da Educação

REFERÊNCIAS

ARDILA, R. Síntesis Experimental del Comportamiento. Bogotá: Planeta, 1993.

Bandura, A.; Huston, A. C. Identification as a process of incidental learning. Journal of Abnormal and

Social Psychology, v. 63, n. 2, p. 311-318, 1961.

Bandura, A. The role of imitation in personality, The Journal of Nursery Education, v. 18, n. 3, 1963.

__________. Organizational applications of social cognitive theory. Australian Journal of Management,

v. 13, p. 275-302, 1988.

__________. Evolution of social cognitive theory. In: SMITH, K. G.; HITT, M. A. (Eds.). Great minds in

management. Oxford: Oxford University, p. 9-35, 2005.

__________. Toward a psychology of human agency. Perspectives on Psychological Science, v. 1,

p.164-180, 2006.

GUOLART, I. B. Psicologia da Educação: fundamentos teóricos e aplicações à prática pedagógica. 4.

ed., Petrópolis: Vozes, 1994.

STAATS, A. W. Prólogo. In: ARDILA R. Síntesis experimental del comportamiento. Bogotá: Planeta,

1993.

PAJARES, F. Albert Bandura: Biographical sketch. 2004. Disponível em: <http://des.emory.edu/

mfp/bandurabio.html>. Acesso em: 29/05/2008.

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CONTRIBUIÇÕES DEALGUNS CONCEITOS

BÁSICOS DAPSICANÁLISE PARA O

CAMPOEDUCACIONAL

UNIDADE 4

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Psicologia da Educação

4 CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS CONCEITOS BÁSICOS DAPSICANÁLISE PARA CAMPO EDUCACIONAL

Muitas vezes, ao nos depararmos com alguns comportamentos das

crianças na escola, não compreendemos muito bem o que motiva esses

comportamentos. Quando a criança é ainda um bebê, ficamos curiosos

com o modo pelo qual ela incessantemente leva as mãos à boca. Um pouco

mais crescidinha, quando estamos lhe ensinando a fazer o seu asseio pessoal

de modo que ela fique um pouco mais autônoma, ficamos intrigados quando,

depois de deixá-la por diversos minutos em cima do peniquinho, ela faz xixi

em nossas mãos. Tampouco compreendemos quando determinado aluno

não desgruda da sua professora. Bem, o que será que está por trás de

comportamentos tão distintos? Para a Psicanálise, o que motiva cada um

deles é uma força constante que pressiona a partir do interior do organismo

da criança, que não tem meios de contê-la, mas pode canalizá-la. Essa força

constante é denominada por Freud de pulsão.

FIGURA 8

FONTE: http://www.sxc.hu/photo/950512

A pulsão é um processo dinâmico que acontece no psiquismo de

todos nós e consiste numa pressão que nasce a partir de uma excitação que

acontece dentro do nosso corpo. Essa excitação produz em nós um estado

de tensão, e este estado produz no nosso organismo uma urgência em

suprimir essa tensão. Para realizar essa tarefa, o organismo busca um

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92

Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

objeto sobre o qual descarregar essa tensão (LAPLANCHE; PONTALIS,

1938, p. 506). Essa descarga de tensão é sentida pela criança como

prazerosa, e a essa sensação de prazer Freud vinculou o termo sexual.

Dependendo da fase do desenvolvimento do psiquismo da criança,

ela descarrega essa tensão no próprio corpo, sendo o seu corpo o seu

objeto para a obtenção de prazer. É o caso, por exemplo, do bebê que

busca obter prazer ao sugar incessantemente ora a sua chupeta, ora o seu

polegar. Em ambos os casos, o bebê está obtendo prazer ao excitar a região

oral, constituída pelos lábios, boca e garganta.

Assim temos que muitos dos comportamentos que as crianças

apresentam na escola são manifestações da pulsão. A pulsão é uma força

que nasce de excitações vindas do interior do organismo e vão produzindo

um estado de tensão. Quando esse estado de tensão é suprimido, a criança

sente prazer; quando esse prazer é obtido, diz-se que houve uma satisfação

sexual.

Além de vincular o termo sexual à redução de um estado de tensão,

Freud (O. C. v.XX, 1925, 1975, p. 51) também amplia o conceito de

sexualidade. Para ele, o termo sexualidade designa uma satisfação que

ultrapassa a obtida nas relações sexuais genitais, ou seja, naquelas relações

em que, para fins de obtenção de prazer, há a junção dos órgãos sexuais do

homem e da mulher, e que nós costumamos chamar de ‘relações sexuais,

acasalamento ou cópula’ (FERREIRA, s/d, p. 343). Para ele, as pulsões

sexuais incluem as manifestações afetuosas e amistosas, ou seja, para esse

FIGURA 9 - FREUD

http://commons.wikimedia.org/wiki/

File:Sigmund_Freud_1926.jpg

Page 93: Psicologia da Educacao

93

Psicologia da Educação

autor, as relações afetivas entre as pessoas são fonte de satisfação.

Freud utilizou o termo Eros para se referir a essas manifestações, e

ligou as manifestações eróticas às pulsões de vida, contrapondo-as às

pulsões de morte. Para ele, todo o exercício da sexualidade no homem/

mulher comporta simultânea e dialeticamente manifestações que levam à

construção e à destruição. A destruição é demonstrada, por exemplo, nas

atitudes de agressão que uma criança dirige a si mesma ou ao seu coleguinha

na sala de aula. Muitas vezes, a criança que morde a outra no parquinho da

escola está querendo dizer que, na impossibilidade de falar, com palavras,

do afeto que dirige ao coleguinha, só lhe resta o uso do corpo, o próprio e

o do coleguinha, para comunicar esse afeto. A experiência na escola nos

mostra que uma criança morde aquele coleguinha de quem se sente mais

próxima. Vejamos o que Dolto (1999, p. 141) tem a dizer sobre isso.

Uma criança é agredida por um menininho de quinze meses,tão grande quanto ela, que tem dois anos e meio. Derrubadapor ele, a menina faz uma careta de sofrimento. Depois selevanta sem dizer uma palavra. Digo, então, ao jovemagressor: “Se ela tem uma cara engraçada, é porque ela éportadora da síndrome de Down [...] você não precisavaderrubá-la! Mas ela não está chateada com você e poderiaser uma amiga para você”. Ele a rodeia, depois vem trazer-lhe um objeto. Então ela o pega pelo pescoço, levando-o(até) ao pai que está lá, vindo buscá-la. Contentamentoquase sem palavras! No fundo, o menino só queria entrarem comunicação com ela, o que poderia ter malogrado...(DOLTO, 1999, p. 141).

A pulsão de morte manifestada por atos agressivos na criança pequena

é muito comum, pois a ela falta a linguagem verbal com a qual expressar

sentimentos de prazer e desprazer frente às suas experiências cotidianas na

escola e fora dela. Na falta de uma linguagem verbal comum às duas crianças,

elas vão utilizar a linguagem corporal. Essa é facilmente entendida por ambas.

Mas, aos poucos, essas crianças deverão receber do seu meio social os

instrumentos simbólicos com os quais possam compartilhar esses

sentimentos. E, na escola, as pessoas privilegiadas para exercerem esse

papel de introduzi-las no campo simbólico são os professores.

A eles compete colocar em palavras a experiência de agressão vivida

tanto por quem agrediu como por quem foi agredido, lembrando que o ato

agressivo não comporta, quando se fala em criança pequena, uma intenção

de produzir um dano. Isso quer dizer que o ato agressivo dirigido a um

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

coleguinha é um ato inconsciente. Aos poucos, na medida em que as crianças

vão conhecendo melhor as palavras e seus sentidos, elas vão conseguindo

expressar melhor seus sentimentos, e o corpo deixa de ser tão diretamente

atingido. Falando, elas conseguem comunicar o que lhes agrada e desagrada,

ou seja, o que lhes dá prazer e o que lhes causa desprazer.

As pulsões de vida englobam todos aqueles comportamentos que

levam a algo construtivo. É o caso, no exemplo acima, do menino que traz

um objeto para iniciar uma conversa com uma pessoa que desperta nele

algum afeto, algum interesse, e que minutos antes ele havia agredido. Num

convívio entre seres sociais que somos, é preciso que aprendamos a controlar

nossas pulsões, não só as pulsões de morte, mas também as pulsões de

vida, pois o pacto civilizatório exige de nós que respeitemos uns aos outros.

Por exemplo, no caso daquele menininho que, impelido pela pulsão de vida

revestida de interesse, começou a se aproximar da menininha depois de tê-

la agredido, se ela não tivesse aceitado o ‘presente’ que ele lhe trouxe, ele

teria que aceitar a decisão dela. Em respeito a ela, ele teria que manifestar

uma atitude de compreensão. Nesse caso, ela estaria demonstrando que

ainda não estava pronta para aceitar o seu pedido de desculpas. Novamente,

aqui, o papel do professor como tradutor dos sentimentos de ambos é

imprescindível.

Ao colocar em palavras todos os aspectos envolvidos no

acontecimento, o professor estaria, por um lado, nomeando os sentimentos

de cada um e as circunstâncias em que tudo ocorreu, e, por outro, e como

consequência, estaria mostrando que existe outra forma de nos colocarmos

diante de situações que não compreendemos muito bem, ou seja, estaria

mostrando aos seus alunos que a fala, as palavras, podem ocupar o lugar

de comunicação que antes estava reservado ao corpo. Aos poucos, a

comunicação simbólica substitui a comunicação corporal, fruto de muitos

dissabores nas escolas de Educação Infantil, uma vez que crianças pequenas

têm muita dificuldade em controlar as suas ações motoras, aumentando a

possibilidade de elas machucarem umas às outras.

Nem as pulsões dirigidas aos laços afetivos nem as pulsões destrutivas

são conscientes, e exigem de nós que imponhamos um obstáculo a elas

para preservarmos a nossa estabilidade emocional. É necessário que os

professores de crianças na Educação Infantil saibam que muitas vezes elas

são ‘tomadas’ por suas pulsões, das quais não têm consciência, fazendo

coisas das quais se arrependem logo depois de terem feito. Igualmente, é

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Psicologia da Educação

necessário que esses professores saibam que a criança precisa aprender a

controlar-se, mas elas não sabem fazer isso por conta própria, principalmente

porque não contam ainda com os recursos simbólicos de linguagem com

os quais possam realizar reflexões complexas.

Cabe ao professor estar atento aos seus alunos e sempre nomear os

seus sentimentos, explicitar as circunstâncias dos acontecimentos, tanto os

agradáveis como os desagradáveis, incentivando-os sempre a procurar o

sentido das suas ações, utilizando-se de todos os recursos que a linguagem

coloca a seu serviço. Seus alunos vão aprendendo, aos poucos, a controlar

os ímpetos que prejudicam tanto a sua estabilidade emocional como o pacto

civilizatório.

Para Freud (1938, 1975), a nossa vida mental é função de um

aparelho constituído de diversas partes: o id, o ego o superego. Em seus

estudos do desenvolvimento individual dos seres humanos, ele descobriu

uma área muito antiga, que influencia o funcionamento psíquico, e nomeou-

a com o termo id. O id “constitui o polo pulsional da personalidade; os seus

conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são inconscientes, em parte

hereditários e inatos e em parte recalcados e adquiridos” (LAPLANCHE;

PONTALIS, 1983, p. 285). O ego deriva do id e “está numa relação de

dependência quanto às reivindicações do id, bem como aos imperativos do

superego e às exigências da realidade. Embora se situe como mediador

encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é

inteiramente relativa” (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 171). A terceira

parte do aparelho psíquico é o superego, e “o seu papel é assimilável ao de

um juiz ou de um censor relativamente ao ego. Freud vê na consciência

moral, na auto-observação, na formação de ideais, funções do superego”

(LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 643).

A Psicanálise considera que é de uma organização somática que

partem as pulsões que gerarão o psiquismo dos seres humanos. Mas, como

isso acontece? As pulsões buscam sempre satisfação, e nessa busca não

consideram restrições. Por força das exigências do mundo real, uma porção

do id se transforma numa organização que atua no sentido de colocar regras

às pulsões do id. A essa parte, transformada sob a influência do mundo

externo, Freud deu o nome de ego.

O ego tem a tarefa de autopreservação e vai agir no sentido de manter

o organismo preservado tanto com relação aos acontecimentos externos

como com as sensações e impressões internas.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Com referência aos acontecimentos externos, desempenhaessa missão dando-se conta dos estímulos, armazenandoexperiência sobre eles (na memória), evitando estímulosexcessivamente intensos (mediante a fuga), lidando comos e stímulos moderados (através da adaptação) e,f inalmente, aprendendo a produzir modificaçõesconvenientes no mundo externo, em seu próprio benefício(através da atividade). Com referência aos acontecimentosinternos, em relação ao id, ele desempenha essa missãoobtendo controle sobre as exigências dos instintos [pulsões],decidindo se elas devem ou não ser satisfeitas, adiandoessa satisfação para ocasiões e circunstâncias favoráveisno mundo externo ou suprimindo inteiramente as suasexcitações (FREUD, v. XXIII, 1975, p. 170).

Essa citação de Freud nos permite apreender que o ego põe em ação

as funções intelectuais do nosso psiquismo. Com relação aos acontecimentos

externos, que acontecem corriqueiramente nas escolas, para manter o

psiquismo estável, o ego utiliza as funções de percepção, de memória, de

classificação, de comparação, de decisão e de escolha da ação mais

adequada para o momento. Com relação às sensações, às impressões e às

excitações internas, o ego cria alguns mecanismos para controlar as pulsões.

A esses mecanismos Freud deu o nome de mecanismos de defesa.

Em cada um de nós habita um ego que tem por função manter a

nossa estabilidade psíquica, mesmo que não tenhamos consciência de que

tudo isso está acontecendo dentro de nós. É muito importante que um

professor saiba que existe um ego em formação em cada um de seus alunos,

e que quanto mais nova é a criança menos eficiente é esse agente mediador

e tanto mais ela está submetida as suas pulsões.

Na sua tarefa de autopreservação, na busca de adaptação do psiquismo

às exigências do meio social, o ego gera um agente especial que se constitui

num prolongamento das influências das regras sociais, sejam elas advindas

dos pais, dos educadores ou das leis. Elas são introjetadas no psiquismo

infantil durante o longo período da infância, e seus efeitos se estendem ao

psiquismo do adulto. A esse agente especial Freud deu o nome de superego.

Mas isso só vai acontecer depois que a criança passar pelo Complexo de

Édipo e entrar numa fase em que as pulsões estarão em um estado de

relativa calmaria, como veremos logo adiante.

Ao diferenciar-se do ego que, por sua vez, diferenciou-se doid, o superego constitui-se numa terceira força, cabendo aoego conciliar as exigências tanto de uma quanto da outra.O superego, ao ser constituído numa criança, conta nãosomente com o impacto da personalidade dos pais dessa

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Psicologia da Educação

criança, mas, também, com as tradições, crenças e valoresdas famílias de origem dos pais, e com as exigências domeio social no qual todos se inserem. Além disso, “osuperego, ao longo do desenvolvimento de um indivíduo,recebe contribuições de sucessores e substitutos posterioresaos pais, tais como professores e modelos, na vida pública,de ideais sociais admirados (FREUD, v. XXIII, 1975, p. 171).

Isso nos faz pensar em quanta responsabilidade temos quando nos

propomos a trabalhar com crianças pequenas. À falta de uma linguagem

verbal, essas crianças vão prestar muita atenção ao que fazemos, pois quanto

menor é a criança mais ela depende, no seu processo de desenvolvimento

psíquico, de sua habilidade para imitar. Precisamos nos lembrar de que a

criança é um ser em formação que faz um esforço enorme para inserir-se

no seu meio social. Antes do domínio da linguagem verbal e falada, mas

tendo como um dos objetivos desenvolver essas habilidades simbólicas, o

ego em formação nessa criança percebe as situações e as pessoas do seu

meio social, memoriza atitudes que ela viu nos pais e nos professores, analisa

os aspectos envolvidos e decide por uma ou outra ação. É importante ter-se

em conta que tudo isso acontece sem que ela tenha consciência de que

todo esse processo está em curso dentro do seu psiquismo. Do mesmo

modo, o uso dos mecanismos de defesa não é consciente. Tudo isso

acontece num espaço virtual que tangencia o consciente, o subconsciente

e o inconsciente.

Ainda, a respeito da relação entre o id e o superego, Freud (1938,

1975) observa que embora exista uma diferença fundamental entre eles o

id sendo o substrato biológico do psiquismo e o superego a parte relativa às

influências da sociedade , há algo em comum entre eles: ambos representam

as influências do passado. O id representa a influência da hereditariedade,

que é a continuidade biológica da pessoa que vem ao mundo, e o superego

deriva da introjeção das leis morais consideradas válidas pelo psiquismo das

pessoas que fazem parte do entorno social da criança que, ao terem contato

com ela ao longo do seu desenvolvimento, influenciam-na. O id, constituindo

aquela força que impõe uma satisfação imediata das suas pulsões, e o

superego, cuja finalidade é a limitação dessas satisfações, produzem excessos

de tensão, provocando um aumento de desprazer. Esse aumento de

desprazer gera um sinal de ansiedade, sinal este próprio da função do ego.

Nesse embate de forças, as incontáveis relações entre o ego, o id e o superego

resultam em sínteses subjetivas (ou subjetividade).

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Vimos anteriormente que Freud refere-se às pulsões de vida usando

o termo Eros. Em 1938, ele relaciona ao termo Eros o termo libido e localiza

no ego a cota disponível de libido, que é a energia que movimenta o

psiquismo, embora a sua fonte seja somática, partindo dos diversos órgãos

e partes do corpo. O ego é o responsável pela distribuição dessa energia,

que vai em direção aos diferentes objetos que são investidos dessa libido e

retornam ao ego, num movimento constante (Freud, 1938, 1975).

Apesar de considerar o corpo inteiro como fonte de excitações

geradora de libido, Freud (1938, 1975) destaca algumas delas, ligando-as

a órgãos ou partes específicas do corpo humano, as zonas erógenas. Como

vimos no início deste trabalho, a primeira zona erógena se localiza na região

da boca, e o predomínio de excitação nessa região do corpo engendra a

fase denominada de fase oral.

Sabemos que a primeira atividade do bebê é mamar. Essa atividade

está a serviço da preservação do corpo da criança, mas, se bastasse a

nutrição para satisfazê-la, uma vez saciada, a criança não sugaria tudo o

que está ao alcance de sua boca. A atividade psíquica, mediante a ação do

ego, está atenta a esse modo de proceder e se concentra na satisfação

obtida pela excitação da boca e órgãos adjacentes (lábios e garganta), gerando

uma distinção entre aquilo que é fruto da satisfação biológica e aquilo que

é fruto da satisfação propriamente psicológica.

A obstinada persistência do bebê em sugar dá prova, em estágio

precoce, de uma necessidade de satisfação que, embora se origine da

ingestão da nutrição e seja por ela instigada, esforça-se, todavia, por obter

prazer independente da nutrição e, por essa razão, pode e deve ser

denominada de sexual (FREUD, 1975, p. 179).

A criança que está nessa fase é extremamente dependente das pessoas

que cuidam dela. Uma criança que acabou de nascer é muito frágil tanto do

ponto de vista biológico como do psicológico. Nesse momento do

desenvolvimento da criança, é difícil distinguir as necessidades biológicas

das demandas psicológicas, e, embora, aos poucos, essas necessidades e

demandas se diferenciem, elas se manterão relativamente inter-relacionadas

num movimento dialético constante entre os aspectos biológicos e os

psicológicos, influenciando o desenvolvimento da criança.

Mesmo estando saciado pela alimentação, o bebê vai buscar satisfazer

suas demandas pela excitação dos lábios, da boca e da garganta. Isso quer

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Psicologia da Educação

dizer que ele vai levar à boca tudo o que ele puder, objetivando produzir

uma satisfação à sua pulsão oral. É importante que as pessoas que cuidam

e educam as crianças que frequentam as escolas de Educação Infantil fiquem

atentas a essa atitude, nunca considerando que a repetição incessante desse

levar objetos à boca constitua uma provocação.

As pessoas que se ocupam dos bebês e das crianças bem pequenas,

aproximadamente com um ano de vida, precisam sempre lembrar que a

pulsão exige uma satisfação e, para isso, busca um alvo. Precisam lembrar

também que essa pulsão é uma força que nasce de excitações constantes

vindas do interior do organismo da criança, que vão produzindo um estado

de tensão. Para controlá-las, o ego precisa decidir o que fazer para acalmar

essa tensão. No caso do bebê e das crianças bem pequenas, o ego leva a

criança a realizar ações motoras de sucção, suprimindo a tensão, e quando

esse estado de tensão é suprimido, a criança sente prazer.

A segunda fase é denominada de fase anal, porque a região que passa

a exigir satisfação é a região vinculada à função excretória ou relativa ao

controle dos esfíncteres. Essa fase acontece com as crianças com

aproximadamente dois anos. Nessa fase fica um pouco mais claro algo que

já se anunciava na fase anterior, muito embora de modo quase imperceptível,

e que se constitui na satisfação obtida por meio de manifestações agressivas.

Freud (1938, 1975, p. 179) liga essas manifestações ao caráter sádico das

pulsões. Para ele, o sadismo configura-se numa fusão das pulsões de vida e

das pulsões de morte que persiste durante toda a vida psíquica da pessoa.

Segundo Laplanche e Pontalis (1983, p. 605), do ponto de vista

terminológico, Freud reserva o termo ‘sadismo’ ou ‘sadismo propriamente

dito’ para a associação da sexualidade e da violência exercida sobre outrem,

mas, de forma menos rigorosa, também usa esses termos para referir-se ao

exercício da violência, sem que haja, advinda desse exercício, qualquer

satisfação sexual. Isso explica a atitude da criança pequena que mencionamos

no início deste texto que, ao invés de fazer xixi no peniquinho, depois de ser

deixada por diversos minutos em cima dele, faz xixi nas mãos de quem a

estava ajudando. Mesmo não querendo agredir, causou-lhe um desagrado.

Uma situação muito difícil de lidar nessa fase é o auxílio à criança que

inicia o controle dos esfíncteres e da bexiga. Não é um controle fácil de

fazer e depende da prontidão do aparato esquelético e muscular da criança.

Dolto (2001, p. 48) nos ajuda a identificar o melhor período para se iniciar

o controle da defecação e micção.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

É por volta de dois anos, a partir do momento em que acriança é capaz de subir e descer uma escada sozinha, umaescada de cozinha até o último degrau, que agarra com asmãos; bem, é nesse momento que seu sistema nervosoestá pronto e que ela consegue largar as fraldas se prestaratenção. Antes, não consegue (DOLTO, 2001, p. 48).

Outro dado a ser levado em consideração no aprendizado desse

controle relaciona-se ao fato de que ele exige muita paciência das pessoas

que cuidam das crianças pequenas. Como vimos, esse aprendizado não

depende só do desejo da criança, pois não tem nada mais importante para

ela nessa fase do que agradar a sua mãe ou quem cuida dela. Ela vê a mãe

ou quem cuida dela como a fonte de todas as suas satisfações e não tem

nenhuma intenção de perder essa fonte inesgotável de cuidados. Se ela não

consegue fazer o cocô e o xixi no peniquinho, é porque talvez essa exigência

seja muito prematura. Usar a força física com essa criança, além de ser uma

violência, constitui-se numa manifestação da pulsão destrutiva de quem

exerce essa agressão. É necessário que a criança aprenda a controlar o seu

organismo, mas não a qualquer custo.

A terceira fase, segundo Freud (1975, p. 179), é uma precursora da

forma final que a vida sexual assumirá após o surgimento da adolescência,

quando então a sexualidade atingirá a sua fase genital. Essa fase, que atinge

a criança mais ou menos aos três anos, foi denominada de fase fálica, sendo

que o interesse sexual recai sobre os órgãos sexuais.

A criança que está na fase fálica já tem uma noçãomelhor, se comparada com as fases anteriores, de que existeuma distinção entre ela própria e o outro, ou seja, entre oseu eu e o objeto. Isso acontece porque o desenvolvimentodo ego da criança lhe permite estabelecer relações comobjetos com um alto grau de continuidade e estabilidade. Eele acrescenta que isso torna possível à criança nutrirsentimentos de ciúme, medo e raiva por um rival, comtodas as características essenciais desses sentimentos navida adulta (BRENNER, 1987, p. 118).

A pulsão nessa fase dirige seu interesse para os pais. São eles os

objetos aos quais a força pulsional se dirige, constituindo o que Freud chamou

de Complexo de Édipo.

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101

Psicologia da Educação

Segundo Laplanche e Pontalis (1983), o Complexo de Édipoé um conjunto organizado de desejos amorosos e hostisque a criança experimentarelativamente aos pais. Sob asua forma ‘positiva’, o complexo apresenta-se como nahistória de Édipo-Rei: desejo da morte do rival que é apersonagem do mesmo sexo e desejo sexual da personagemdo sexo oposto. Sob a sua forma ‘negativa’, apresenta-seinversamente: amor pelo progenitor do mesmo sexo e ódiociumento ao progenitor do sexo oposto. Na realidade, estasduas formas encontram-se em graus diversos na chamadaforma ‘completa’ do complexo de Édipo (LAPLANCHE;PONTALIS, 1983, p. 116).

O Complexo de Édipo tem sido foco de muitos estudos e é um tema

controverso, mas quem está atento às crianças nessa faixa etária percebe

que seu interesse desliga-se do seu próprio corpo e volta a sua atenção para

as diferenças sexuais anatômicas das pessoas do seu entorno social. E quem

está lá? Pessoas do sexo feminino e pessoas do sexo masculino. Essa

diferença causa grande curiosidade na criança, que passa a dedicar à libido,

tentando compreender um pouco melhor tudo o que diz respeito a essa

diferença. Mas, subjacente a essa curiosidade geral sobre as diferenças

sexuais, está uma questão primordial para ela. A criança nessa fase se

pergunta, de modo inconsciente: afinal, do ponto de vista da sua sexualidade,

o que ela é? Para responder a essa questão, ela vai colocar-se em muitas

situações de experimentação envolvendo a sua sexualidade.

Na escola, isso acarreta atitudes como as de querer ver epegar os órgão genitais dos coleguinhas, de exibir os própriosórgãos genitais e, principalmente, atitudes relacionadas àmasturbação na sala de aula ou nos banheiros da escola(VALENTE, 2008).

Essas atitudes provocam muitas vezes inquietações nos professores,

mas é preciso ter em mente que essas experimentações fazem parte da

descoberta que as crianças nessa fase estão fazendo relativas ao próprio

corpo e à própria sexualidade. De seres potencialmente bissexuais no inicio

dessa fase, depois da resolução do Complexo de Édipo a menina identifica-

se com a mãe e o menino com o pai. Cada um deles sai dessa fase com

uma marca de feminilidade, no primeiro caso, e de masculinidade, no

segundo.

A partir daí, Freud (1975, p. 180) nos diz que, entre essa fase fálica

e a puberdade, uma porção de libido fica retida, outra é incorporada à

função sexual como atos preparatórios para a sexualidade adulta, gerando

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

uma satisfação que ele denomina de pré-prazer, e outra porção é excluída

da organização libidinal. Essa exclusão pode acontecer por supressão

(repressão) dos impulsos ou pelo deslocamento dessa energia, que

redireciona o seu objetivo sexual.

Essa energia, que até então se direcionava para a obtenção de prazer

no próprio corpo da criança e que constituía o prazer característico das

fases oral, anal e fálica, volta-se para a obtenção de prazer fora do corpo da

criança. A esse movimento de deslocamento da pulsão para objetos fora do

corpo da criança, Freud (1975, p. 181) chamou de sublimação.

A sublimação é, segundo Laplanche e Pontalis (1983), um processo

postulado por Freud para explicar atividades humanas sem qualquer relação

aparente com a sexualidade, mas que encontrariam o seu elemento propulsor

na força da pulsão sexual. Freud descreveu como atividades de sublimação

principalmente a atividade artística e a investigação intelectual (LAPLANCHE;

PONTALIS, 1983, p. 638).

Essa fase, que fica entre a fase fálica e a adolescência, recebeu o

nome de fase de latência. Não fica difícil entender a importância do processo

de sublimação na criança na fase de latência em relação ao seu processo de

escolaridade. É nessa etapa do desenvolvimento do seu psiquismo que,

muitas vezes, ela está entrando na escola para ser alfabetizada. Pode-se

dizer que, ao entrar na escola, a criança carrega em si uma força pulsional,

erótica, que a impulsiona para a aprendizagem e, consequentemente, para

a ampliação do seu universo simbólico e conhecimento. Isso nos leva a

pensar que, para além do caráter socializador da escola, ela se constitui em

um locus privilegiado de inserção no simbólico, na linguagem, entendida

aqui na sua acepção mais ampla.

Freud diz que é um processo de defesa do ego, a repressão, o que dá

inicio à latência. Laplanche e Pontalis afirmam que “a repressão num sentido

lato é uma operação psíquica tendente a fazer desaparecer da consciência

um conteúdo desagradável ou inoportuno: ideia, afeto, etc. (LAPLANCHE;

PONTALIS, 1983, p. 638).

No capítulo intitulado “Um estudo autobiográfico”, Freud (1975, p.

5051) diz que um fato notável no desenvolvimento da vida sexual do ser

humano é a ocorrência de duas ondas, com um intervalo entre elas, que ele

chamou de desencadeamento bifásico. A primeira fase desse encadeamento

atinge um primeiro clímax no quarto ou quinto ano da vida de uma criança

Page 103: Psicologia da Educacao

103

Psicologia da Educação

(constituída pela fase fálica), e a segunda ocorre na puberdade. O que quebra

a cadeia é o período de latência, no qual as pulsões sexuais da primeira fase

são reprimidas e são estruturadas as formações reativas de moralidade,

vergonha e repulsa. “Na vida sexual da puberdade, verifica-se uma luta

entre os anseios dos primeiros anos e as inibições do período de latência”

(FREUD, 1975, p. 51). As formações reativas constituem-se em hábitos

ou atitudes psicológicas de sentido oposto a um desejo recalcado e como

reação a ele. Elas podem ser apresentadas em comportamentos singulares

e peculiares ou constituírem-se em traços de caráter mais ou menos

integrados no conjunto da personalidade de uma pessoa (LAPLANCHE;

PONTALIS, 1983, p. 258).

Sarnoff (1995, p. 41) discorda um pouco de Freud quanto à

diminuição da intensidade da força pulsional na criança que está na fase de

latência. Para ele, não há a diminuição de intensidade na energia sexual

nessa fase. O que há é um modo de descarregar essa energia que se serve

dos mecanismos de defesa de ego característicos dessa fase. São eles: a

sublimação, a formação reativa, a fantasia, a regressão e a repressão.

Os conceitos de sublimação, formação reativa e repressão já foram

abordados anteriormente; resta serem explicitados os mecanismos de fantasia

e regressão. A fantasia (ou fantasma) constitui-se em uma encenação

imaginária em que a pessoa está presente e que figura a realização de um

desejo que, não raro, é um desejo inconsciente, sendo que essa figuração

aparece de modo mais ou menos deformado, pois deriva de processos

defensivos (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 228). A regressão, por

sua vez, constitui-se num retorno em sentido inverso desde um ponto já

atingido até um ponto que lhe seja antecedente, desde que o processo

psíquico no qual se insere esse retorno contenha um sentido de percurso

ou de desenvolvimento (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 567). Para

o que é próprio do âmbito educacional, convém mencionar que “essas

defesas da latência permitem que a criança dirija as suas energias para um

comportamento e aprendizagem cooperativos” (SARNOFF, 1983, p. 42).

A fase genital corresponde ao exercício da sexualidade própria do

adolescente, que vai se prolongar na fase de adulto e depois na terceira

idade, com as atitudes características de cada uma dessas fases.

Para Blos (1985, p. 6), “o fato biológico da puberdade dá origem a

uma nova organização das pulsões e do ego”. O ego é o mediador entre a

pulsão e as exigências do mundo exterior e, para realizar essa tarefa, ele

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

recorre a processos mentais de pensamento e julgamento, visando atingir a

sua principal função, que é proteger o funcionamento mental. Na

adolescência, a finalidade do ego mantém-se a mesma das fases que a

antecederam.

Esse autor considera importante definir as precondições que o ego

precisa ter no início da adolescência, para que as qualidades e funções

especificamente adolescentes possam se desenvolver. Para Blos (1985, p.

1745), a criança na fase de latência precisa essencialmente aumentar os

seus investimento libidinais nas representações que vêm produzindo tanto

no que se refere aos objetos sublimados quanto no seu próprio eu; capacitar

o ego para resistir ao mecanismo de regressão, expandindo a esfera

resistente ao conflito interno; desenvolver um ego crítico que complemente

as funções do superego, de modo que a autoestima melhor regulada atinja

um grau de independência relativa ao ambiente; reduzir o uso da linguagem

corporal, ampliando concomitantemente a capacidade de expressão verbal;

e desenvolver o processo de pensamento secundário (próprio das esferas

conscientes da mente) como meio de reduzir a tensão e exercer um domínio

do ambiente (social) por meio da aprendizagem de habilidades.

Embora suficientes para as exigências do período de latência, essas

condições são insuficientes quando consideradas as exigências do período

da adolescência. “Incapaz de dominar as situações críticas que tem de

enfrentar, o ego recorre a vários mecanismos de estabilização como medidas

temporárias para proteger sua integridade” (BLOS, 1985, p. 178). Os

mecanismos de estabilização do funcionamento mental do adolescente não

são claramente distintos, podendo se fundir uns nos outros, dependendo

da ênfase, até que adquiram um caráter novo e mais duradouro (BLOS,

1985, p. 180).

Isso acontece, por exemplo, no mecanismo estabilizador constituído

pela identificação. A identificação é um processo psicológico pelo qual um

indivíduo assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se

transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo dessa pessoa

(LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 295). Esse processo está na base

da constituição de uma personalidade (ou subjetividade).

A identificação na adolescência pode ser de cunho defensivo, primitivo,

transitório e adaptativo. A identificação primitiva anula o esforço que o ego

fez de dist inguir o eu do objeto; a identificação defensiva e a

contraidentificação decorrente podem deixar marcas permanentes no ego;

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Psicologia da Educação

a identificação transitória segue um movimento que vai da fantasia até a

formação do ideal de ego e da sublimação; e a identificação adaptativa é

uma função do ego autônomo. “As transições e combinações dessas várias

formas de identificação são típicas do desenvolvimento adolescente” (BLOS,

1985, p. 181).

Outro mecanismo estabi lizador típico da adolescência é a

intelectualização, processo por meio do qual o indivíduo procura dar uma

formulação discursiva aos seus conflitos e às suas emoções, de modo a

dominá-los (LAPLANCHE; PONTALIS, 1983, p. 315). Para Blos (1985,

p. 181), a intelectualização representa uma tentativa de dominar os perigos

pulsionais pelo deslocamento. Esse autor afirma que nesse contexto dos

mecanismos que têm funções estabilizadoras para os adolescentes cabe

ainda mencionar a criatividade, que serve para o domínio interno dos conflitos

emocionais (BLOS, 1985, p. 182).

Em síntese, supõe-se que a importância e mesmo a necessidade de

um pedagogo ou professor ou educador conhecer toda essa explicação

reside no fato de, muitas vezes, comportamentos expressos pelos alunos

na sala de aula ou nos pátios da escola serem nada mais do que

manifestações da pulsão, cuja característica principal é a de ser uma força

constante em direção de um alvo em busca de satisfação. De como e quanto

os mecanismos de defesa são utilizados pelo aparelho psíquico depende a

estabilização do psiquismo, principalmente quando consideradas as fases

de latência e adolescência.

A RESPEITO DAS FRALDAS

Depoimento:

“Sou mãe de cinco filhos com idades bem próximas, o mais velho tem dez

anos e o menor tem dois anos e um mês. Entre meus dois primeiros filhos,

há apenas um ano de diferença. Como muitas mães, tinha pressa em tirar

as fraldas de meu primeiro menino, principalmente porque sua irmãzinha

era bem pouco menor do que ele. Então insisti em apresentar-lhe o penico

com a maior freqüência possível, à s vezes, a cada hora e ralhava com ele

porque não obtinha resultados e também porque sujava fraldas. Depois de

um ano de esforços, ele abandonou as fraldas aos dois anos exatos, durante

o dia, e aos dois anos e meio, à noite. Portanto, nada glorioso. Isso para

meu primeiro filho; depois inverti o um pouco o sistema. Apresentei o penico

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Resposta de Dolto:

Muito divertido e instrutivo, agradeço a essa mãe pelo testemunho. Acho

que isso vai servir de consolo para muitas mães que se atormentam porque seus

filhos não largaram as fraldas. Devo dizer também que ela teve sorte que o mais

velho não continuasse a fazer pipi na cama: começou a ensiná-lo cedo demais.

É por volta de dois anos, a partir do momento em que a criança é capaz de subir

e descer uma escada sozinha, uma escada de cozinha até o último degrau, que

agarra com as mãos; bem, é nesse momento que seu sistema nervoso está

pronto e que ela consegue largar as fraldas se prestar atenção. Antes, não

consegue. Essa mãe teve um outro filho, um ano depois. Acho que o mais velho

deve ter considerado o interesse de sua mãe pelo seu bumbum algo muito

agradável: graças a isso, ela se dedicava especialmente a ele. Acho bastante

inteligente o que ela fez, sem saber, com o mais velho que, com isso, continuou

a monopolizar o interesse materno após o nascimento do segundo. Os outros

filhos agem por identificação com o mais velho. Todos querem agir tão bem

quanto o mais velho assim que conseguem. É claro que as meninas só conseguem

por volta de um ano e nove meses e os meninos por volta de um ano e onze

meses: os meninos largam as fraldas depois das meninas. Mas faço uma pergunta:

Esse primogênito não seria um pouco perfeccionista, menos livre, menos flexível

em seus movimentos do que os outros? Se ele não for assim, tudo esta perfeito.

Todavia, é de fato uma pena perder tanto tempo com o penico enquanto há

tantas outras coisas a serem feitas para desenvolver as habilidades das mãos, da

boca, da fala, do corpo inteiro... Quando uma criança é hábil com as mãos,

acrobata, isto é, goza com liberdade e relaxamento de uma boa coordenação de

seus movimentos e de um tônus dominado, quando já fala bem, sente prazer

em abandonar as fraldas por conta própria, em fazer como fazem os adultos,

isto é, ir ao banheiro. Aproveito para dizer que as mães jamais deveriam colocar

o penico no banheiro, exceto à noite, e que a menos que faça muito frio e

apenas no inverno a criança vá sempre fazer as necessidades no banheiro e

nunca nos cômodos em que se vive e em que se come.

Adaptado do capítulo 6 do livro: DOLTO, F. Quando surge a criança. 2. ed, tomo I,

p. 47-9.

sem ralhar, ou ralhei sem apresentar o penico etc. Até o último, finalmente,

o quinto, que dispôs de liberdade total: nunca lhe apresentei o penico. A

minha conclusão é a seguinte: todos os meus filhos largaram as fraldas aos

dois anos de dia e aos dois anos e meio à noite. Acho inútil querer que os

filhos abandonem as fraldas a qualquer preço”.

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Psicologia da Educação

A RESPEITO DA MANIFESTAÇÃO DO COMPLEXO DEÉDIPO - FASE FÁLICA

Depoimento:

Minha filha de três anos que é bastante equilibrada há três meses

desperta todas as noites. Fui falar com algumas amigas que têm filhos

pequeno e elas confirmaram que seus filhos também despertam muitas

vezes, três ou quatro vezes por noite. Fui falar com o pediatra e pedi que

ele receitasse calmantes a minha filha, mas ele se recusou.

Resposta de Dolto:

Trata-se de uma criança com já três anos... Ora, três anos é a idade em que

a menininha é presa de um amor incendiário pelo pai. Essa mãe não fala do

marido, mas provavelmente deve dormir na cama junto com o marido. Acho

que a menininha gostaria de ter um companheiro ou uma companheira de

sono, como a mãe. [...] Aos três anos, acontece o despertar: procurar a

mãe, voltar a ser pequena e estar de novo perto dela, porque é a idade em

que se cresce, adquirindo-se a consciência de ser menino ou menina. Uma

coisa boa a se fazer é brincar de cabra-cega de dia com a criança, escurecer

o quarto. Coloca-se uma faixa sobre os olhos e finge-se de ser noite; a gente

levanta-se, faz algo, acende a luz, apaga etc. Mas evita ir acordar o pai ou a

mãe. Acho que depois de algumas explicações, por intermédio da brincadeira,

a criança vai compreender muito bem que deve deixar os pais em paz;

quando crescer, vai ter um marido, mas agora é pequena, embora não seja

um bebê. [...] Acho absolutamente necessário a mãe explicar que os meninos

e as meninas têm sexo diferentes, deve pronunciar a palavra ‘sexo’, que

não é uma questão de pipi; ela é uma menininha bonita e vão tornar-se uma

mocinha e, depois, uma mulher, como a mãe. O médico tem toda a razão:

os calmantes só resolvem o problema da mãe. [...] Porque essa criança está

sozinha e acho que tem ciúmes, com três anos, dos dois pais que estão

juntos na cama.

Adaptado do capítulo 9 do livro: DOLTO, F. Quando surge a criança. 2. ed, tomo I, p.

65-7.

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Curso de Pedagogia - Magistério da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental UFPR

Leia atentamente o que o texto diz sobre a fase de latência e faça um resumo, articulando

os mecanismos de defesa dessa fase e os processos intelectuais ligados à aprendizagem

na escola.

1. Conceitue pulsão de acordo com a teoria psicanalítica.

2. Cite dois exemplos de manifestação da pulsão de vida.

3. Cite dois exemplos de manifestação da pulsão de morte.

4. Cite as partes constitutivas do aparelho mental segundo Freud.

Elabore um quadro com as características do id, do ego e do superego, explicitando as

relações entre eles, os pontos em que são semelhantes e os pontos em que se

diferenciam.

Cite as características das fases oral, anal e fálica e estabeleça a relação entre cada uma

delas e a pulsão sexual.

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Psicologia da Educação

REFERÊNCIAS

BLOS, P. Adolescência. Tradução Valtensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

BRENNER, C. Noções básicas de Psicanálise: introdução à psicologia psicanalítica. Tradução de Ana

Maria Spira. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 1987.

DOLTO, F. Quando surge a criança. Tomo I. 2. ed. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas: Papirus,

2001.

FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XXIII.

Rio de Janeiro: Imago, 1938, 1975.

_________. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. XX. Rio

de Janeiro: Imago, 1938, 1975.

JORGE, M. A. C. Fundamentos de Psicanálise de Freud a Lacan: as bases conceituais. 4. ed., v. I. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. 7. ed. Tradução de Pedro Tamen. São

Paulo: Martins Fontes, 1983.

SARNOFF, C. A. Estratégias psicoterápicas nos anos de latência. Tradução de Regina Garcez. Porto

Alegre: Artes Médicas, 1995.

VALENTE, T. S. Do nascimento do ego e da constituição do inconsciente. In: VI Jornada de Cartéis da

Escola da Coisa Freudiana, 2008, Curitiba/Paraná. Anais. Curitiba/Paraná: Escola da Coisa Freudiana

(mimeo). p. 3132.

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