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Pulp feek #8

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Pulp Feek#8 - A Revista Pulp Brasileira - Nessa edição com nosso entrevistado especial Bernard Cornwell e as séries de Steam Punk e Fantasia Urbana, Imperatriz de Ferro e Sob(re) Controle.

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Ahoy, amigos do mundo das letras.Não é possível chegar a lugar nenhum sem se levantar e tentar.Foi isso que tivemos em mente quando criamos a Pulp Feek. E

foi isso que tivemos em mente ao nos aproximarmos de grandes nomes da literatura de ficção a procura de uma entrevista. Conseguimos. Não foram muitas perguntas, não foi por um grande meio. Mas a entrevista dessa semana, por e-mail, com Bernard Cornwell, com certeza será um marco na história da revista. Mostra que, realmente, quem sai do seu lugar confortável e se movimenta a procura de resultados invaria-velmente o conseguirá, se quiser.

Excepcionalmente nessa semana, por conta da entrevista, que me exigiu um relativo esforço, minha coluna Como Escrever Sobre não será publicada. Mas temos a do Lucas, assim como as continuações das séries de Rafero Oliveira e Thiago Sgobero. O one-shot da semana é de um autor emprestado: Alaor Rocha, autor da semana científica, exerce sua veia fantástica.

Como última notícia, estamos a procura de mais pessoas inte-ressadas a participar do projeto. Não como escritores ou editores, mas como redatores e responsáveis pela nossa página de facebook. Qualquer interessado pode nos procurar pelo e-mail [email protected] ou pelo inbox da página de Facebook. Aproveitem a revista.

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A IMPERATRIZ DE FERRO II um estranho homem faz um convite a Andrei, em troca de sua liberdade ele teria que ajudá-lo , em quanto isso em outro canto da cidade a Imperatriz de Ferro faz sua primeira aparição ----- Rafero Oliveira - Pág 3

SOB(RE) CONTROLE Jonas tenta entender o que de fato aconteceu com ele, e em meios as dúvidas de sua mente tenta se manter sobre controle, mas pra ele isso nunca foi fácil. ----------------------------------------- Thiago Geth Sgobero - Pág 11

Séries

FIM DE FESTA depois de uma noite de festa, um homem de ressa-ca acorda e observa os escombros procurando os mistérios escondi-dos no fim daquela festa. --------------------------- Alaor Rocha - Pag 21

One-Shot

FONTE DE INSPIRAÇÃO - VICENTE CELESTINO Vicente Celestino mar-cou uma era, com sua voz inspirou gerações desde a década de 30. Entenda por-que este cantor foi chamado de “A Voz Orgulho do Brasil”, e como com suas músicas ele registrou os fatos de sua época. -------------- Lucas Rueles - Pág 29

Extra

Na Próxima Semana:

Aqueron continua a cair, mas nem todos os habitantes de Castelo Azul acreditam nisso.

Na série Rixa, Marcus segue sua rota de escudeiro, acompanhando Boller na sua primeira caçada.

CONVERSA FORA o mais importante escritor de ficção históri-ca da atualidade nos cede parte do seu tempo na entrevista no fi-nal dessa edição. ---------------------------- Bernard Cornwell - Pág 37

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“Muito bem, Andrei. Entrar foi fácil. E agora?”

Desanimado, o garoto viu que toda a propriedade do orfanato onde cresceu caberia com folga só naquela cozinha. De trás de

uma grande mesa no centro do recinto viu prateleiras, armários e um imenso fogão nas paredes laterais. À sua frente, uma grande pia estava atulhada de panelas, pratos e talheres sujos do almoço. O que quer que estivesse acontecendo na mansão estava ocupando não só os guardas, mas todos os serviçais da casa.

Após o misterioso homem ter conversado alguma coisa em voz bai-xa com o guarda através das grades, Andrei foi chamado para fora da cela. Foi fácil decidir confiar nele naquele momento, levando em conta os olhares que estava recebendo dos outros presos. Magro e leve, Andrei nunca fora um grande lutador. Talvez, se ficasse um par de anos preso ali, fazendo exercícios todos os dias e arranjando briga em toda oportu-nidade que tivesse, ele conseguisse se tornar forte e rápido o suficiente para se defender. Mas o que sofreria nas mãos deles enquanto não con-seguisse pareceu um preço alto demais, e o garoto saiu da cela. Recebeu sua mochila e óculos das mãos do guarda, que o encarava emburrado e desconfiado, e seguiu o estranho para fora do prédio da polícia.

Andrei tentava absorver mais das coisas ao seu redor, já tendo desis-tido por ora de tentar entender como chegara até ali, mas era uma tarefa difícil tentar não trombar nas pessoas na rua enquanto caminhavam apressados. O estranho não parecia se importar com encontrões ou em explicar qualquer coisa para o garoto. Com rápidas olhadas, Andrei no-

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tava que aparentemente tudo era movido a vapor, de simples próteses no corpo a veículos no céu. As pessoas se tratavam com cordialidade, como se todos pertencessem à nobreza, e com certeza se vestiam como tal. Em contraste, mendigos e crianças magras e sujas jaziam ignorados e fora de vista nos becos. Alguns deles arriscavam espiadas à rua, como se procurassem uma rota de fuga para a situação que estavam, mas logo viam os guardas de pernas mecânicas e voltavam a seus cantos. Todos, sem exceção, pareciam prestes a desmaiar de fome. O que fez com que Andrei se lembrasse que não comia nada desde o dia anterior, quando ainda estava nas ruas da Alemanha que conhecia.

Ia mencionar o fato e, talvez pedir algo pra comer quando, de súbito, o homem parou em uma esquina e apontou para uma casa de três anda-res. Cheia de janelões, toda adornada com detalhes de madeira e pare-des de tonalidades roxas, a casa se agigantava como um monstro ao lado de casas bem menores na rua, separadas dela por uma alta cerca viva.

— Dörthe está ali. — Ele finalmente falou apressado, com uma voz rouca, passando a mão por cabelos desgrenhados e cheia de fios grisa-lhos — Você está disposto a ajudá-la, como disse na prisão que faria?

— Eu… É claro.— Ótimo. O problema é que se eu for pego lá dentro, o Barão não

vai me deixar sair vivo. Já estraguei muitos dos seus negócios pra ele dei-xar passar qualquer oportunidade de ter minha cabeça. Agora, você… Você é um rosto novo. — Ele deu uma rápida olhada em Andrei de cima abaixo — Você poderia se passar por um simples ladrão, caso algo desse errado.

— Hum. — Andrei tentou disfarçar a ofensa — Aí você me tiraria da

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cadeia de novo?

O estranho coçou a barba por fazer com movimentos rápidos, apa-rentemente sem perceber, enquanto observava a mansão.

“Sim, claro. Supondo que ele mande você para lá. De qualquer for-ma, suas chances são melhores que as minhas.

“A gente não tem tempo para preparar um plano ou estudar um cur-so de ação. Meu melhor palpite é que ela está presa em um quarto nos andares superiores. Você precisa de alguma coisa? Sabe usar alguma arma?”

— Não! Eu… Hã… Sem armas.O homem encontrou tempo para dar um olhar curioso em Andrei,

antes de continuar.

— Bom, então boa sorte. Diga a Dörthe que estarei esperando vocês com o nórdico. Ela vai entender.

— Hã… Tudo bem.

E, da mesma forma brusca que começou, aquela confusa conversa terminou. O homem se virou e misturou-se às pessoas que transitavam por ali, escapando da vista de Andrei em poucos segundos. O garoto suspirou, ajustou seus óculos e atravessou a rua, ignorando os olhares que continuava atraindo.

“Talvez eu precise de roupas novas.”, pensou. “Isso é, caso eu saia vivo dessa loucura toda.”

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Dando a volta aos fundos da casa, encontrou uma brecha na cerca viva. Arranhou-se, quando se espremeu para dentro de um belo jardim. O lugar estava vazio, à exceção dos pássaros que se banhavam em uma fonte de pedra branca, no centro de um caminho de pequenas pedras claras. Atravessou o lugar, abaixando-se atrás de belos bancos e longas mesas de madeira e avançando até a casa quando confirmava que não havia ninguém para vê-lo. Entrou pela primeira janela aberta que en-controu, chegando à cozinha.

Ao ter certeza que estava sozinho ali, escolheu a mais próxima das duas portas que saíam do recinto. Colou a orelha à porta que, como tudo ali, possuía muitos detalhes e enfeites, sempre combinando com os tons roxos das paredes externas da casa. Ouviu movimentos ritmados e mecânicos, como máquinas trabalhando. Abriu a porta, girando a ma-çaneta dourada devagar. Viu ali uma escada de madeira descendo a um porão que não recebia metade do tratamento luxuoso do resto da casa. Desceu a escada com cuidado, pisando o mais leve que conseguia para tentar evitar rangidos. Quando pisou no solo de pedra empoeirada, pa-rou por um instante para que seus olhos se acostumassem à escuridão que tomava aquele porão, mesmo àquela hora do dia. Não havia nada ali, exceto dois grandes tanques cilíndricos que, Andrei supôs, deviam estar gerando vapor para fazer alguma máquina funcionar na casa. Os tanques possuíam pistões que subiam e desciam, fazendo oscilar pon-teiros em válvulas e tremer tubos sanfonados que subiam ao teto da sala.

O garoto não precisou de muito para pensar em um plano. Uma sim-ples desregulada nas válvulas levaria a um excesso de vapor nos tubos e, com sorte, geraria uma distração para que ele pudesse tirar a garota dali.

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“Uma pequena explosão.” — pensou — “Só barulho e bagunça. Um prejuízo pequeno pro dono dessa casa, e minha melhor chance de con-seguir fugir… Só uma pequena explosão…”

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Muitos odiavam aquilo.Alguns fingiam gostar, ou nem disfarçavam o desagrado de estar

naquelas situações. Tentavam encurtar ao máximo tais reuniões, talvez para voltar à sua rotina de prazeres obscuros ou aos seus projetos e cria-ções particulares. Mas não ela.

Ela adorava.

Adorava a sala sem janelas e ar abafado, as palavras sussurradas sob a fraca luz de uma vela ou archote. O leve cheiro de suor que começava a subir dos seguranças de cada um, tensos. A ocasional fumaça de cha-ruto anuviando a visão e pensamentos. Ela não estava fumando, e muito menos estava tensa.

Se por acaso viesse a suar, seria de excitação.

Mas controlava-se, como sempre. Máscaras seriam mais expressivas que ela, caso assim desejasse. O homem à sua frente, no entanto, não escondia o que sentia. Tremia levemente, batucava na mesa com os de-dos, se remexia e enxugava o suor da testa. Tinha más notícias e temia dá-las. Estava dividido entre a vontade de acabar logo com aquilo e o re-

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ceio do estrago que suas palavras fariam em sua vida. Mas de qualquer forma, a decisão não era sua. Ele não se atreveria a falar sem permissão. Ela, por sua vez, quase sorriu de prazer quando sentiu que realmente conquistara a reputação que desejava para com aqueles tipos. Medindo suas feições, ela falou suavemente, com uma voz que sugeria quase um ronronar.

— Explique.O homem tremeu mais um pouco e engoliu em seco.— M-minha senhora. S-sem o barão, não temos mais como entrar

na cidade com nossas, hã… — ele olhou para os guardas antes de conti-nuar —… mercadorias.

— As perdas dele foram assim tão grandes? Achei que havia sido apenas um pequeno incêndio.

— O incêndio não foi pequeno, Senhora, nem a explosão. Mas não é por nada disso, apesar dele ter ficado… Indisposto a conversar sobre negócios quando aconteceu. A Senhora deve ter ouvido os boatos do que ele fazia com aquela garota de rua.

— E o que isso tem a ver com qualquer coisa?— Bom, a nossa cidade não é tão grande como a da Senhora, enten-

de? Os banqueiros não podem negociar com gente assim, eles mesmos disseram. E parece que o barão estava devendo muito a muita gente, de forma que…

— Entendo. — Ela disse após uma breve pausa para colocar os pen-samentos em ordem, e se levantou. — Realmente, isso muda tudo. Obri-gado, Theodore. Como sempre, traz informações muito úteis.

Ela virou-se para sair. Seus planos originais não serviam mais, mas

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não seria tão complicado assim encontrar outra maneira. Era uma pena ter perdido a mais prática e segura, mas ainda existiam muitas portas de entrada na cidade. Estava quase saindo pela estreita porta às costas de seu segurança encapuzado quando o homem chamado Theodore pare-ceu criar coragem.

— Senhora! E a minha… Minha esposa…?A mulher deu um toque tranquilizador no braço de seu segurança,

que havia se interposto entre ela e Theodore. Da porta, ela olhou seu informante por sobre o ombro.

— Sim. A querida Martha. Mandarei palavra aos médicos sobre a urgência da situação. — E deixou escapar um leve sorriso ao ver a ex-pressão aliviada e contente no rosto de Theodore, que caiu sentado de volta na cadeira, ainda tremendo e enxugando o suor da testa. Ela vi-rou-se, entrando na escuridão. — Que ninguém diga que a Imperatriz de Ferro é ingrata.

Sim, ela adorava tudo aquilo.

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Jonas estava de pé no banheiro, olhando para um espelho ordi-nário e sujo, trincado bem no meio. Havia sangue no seu rosto,

e ele não sabia dizer exatamente se era só o seu. Seus punhos estavam doloridos e suas mãos machucadas, e elas também estavam cobertas da substância maligna. Sentia-se sujo e fraco, sozinho e abandonado. Va-zio. Começou a se limpar. Lavou o rosto com calma, usando o sabonete vagabundo largado numa poça de outros sabonetes derretidos, tão ou mais vagabundos. A espuma era vermelha amarelada, o odor de lavanda se misturava com o cheiro de morte e criava um cheiro novo, nausea-bundo, que o fazia querer vomitar. Enxaguou o rosto e as mãos, xingan-do baixinho quando os ferimentos começaram a arder. Ferimentos de briga, qualquer um poderia dizer. “Briga não”, pensou, “Espancamento”.

Quando foi com o grupo, não viu mais nada. Aquela parte da sua mente era um grande borrão, e era difícil voltar atrás e se lembrar das circunstâncias. Se lembrava do ódio, da raiva fluindo pelas suas veias como um rio de fogo, e de ir pra cima de Joel com o grupo inteiro atrás de si. Daí pra frente, só se lembrava de estar dentro da ambulância com um cadáver e com um bêbado de cara inchada. Não era um bom lugar para acordar. O mais estranho era que estava sozinho, não havia sinal do grupo ou de mais ninguém ali além dele e do doutor, que ficara para trás para esperar a viatura da polícia. Por um momento sentiu uma espécie de orgulho torto, de ser realmente alguém com problemas com a raiva no meio de um monte de bundões que não tinham coragem de termi-nar o que começavam. Expulsou o pensamento da cabeça. Era doente demais.

Saiu do banheiro, e o doutor esperava por ele do lado de fora, olhan-

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do para o teto, com uma expressão tão casual que ninguém diria que ele tinha acabado de presenciar um atropelamento e um espancamento meia hora atrás, seguido de um buffet grotesque no rosto de um homem.

— Está se sentindo melhor? — Perguntou. — Claro. Você sabe como é. As pessoas não precisariam procurar

você se resolvessem jogar uma água na cara de vez em quando. Doutor Gregório deu uma risadinha seca, mostrando os dentes ama-

relos. Parecia um rosnado. — Você sabe o que fez, Jonas? — Sei bem — Disse, frio. Ninguém ali diria que aquele homem teria

matado outro com as próprias mãos se não fosse pela intervenção do seu psiquiatra. Diabos, ninguém ali poderia dizer que ele tinha um psi-quiatra. — Eu sei o que eu fiz.

— Quer falar sobre isso? — Não. E ele mereceu cada soco. Os dois homens se entreolharam e não disseram mais nada. Enten-

diam-se perfeitamente. Um médico de cara cinza e mãos que não paravam de tremer se

aproximou dos dois, empurrando Joel numa cadeira de rodas, ainda bêbado de dar dó, mas agora mais calmo, sonolento, mesmo que ain-da balbuciasse qualquer coisa sobre como seus cachorros tinham mães que faziam sexo por dinheiro. O médico, Jonas podia ver, ainda era jo-vem, não aparentava ter mais de quarenta, mas já tinha o tom de pele de quem passava grande parte do dia dentro de um hospital. Quando Jonas era garoto, costumava dizer para a sua mãe que todos os médicos eram pálidos, amarelos ou completamente cinzas, todos eles, e depois

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que crescera, ainda esperava algum que o fizesse mudar de ideia. Para ele, não existia no mundo um médico experiente que não parecesse ele mesmo doente.

— Doutor Gregório Santos! — Disse o médico cinza, oferecendo a mão trêmula. “Tomara que esse aí não seja cirurgião”, pensou Jonas. Estava visivelmente excitado, separando as sílabas da frase como uma adolescente: Dou-tor Gre-gooorio. — Não acredito que o senhor se lembre de mim, participei de uma palestra de Anger Management que o senhor ministrou aqui no ano passado. Admiro muito o seu trabalho.

O doutor Gregório nem mesmo piscou para responder ao jovem médico.

— Transformou o Q&A do final em um debate, quase que não es-capo com a minha pele. Como poderia me esquecer, Doutor Saulo? Me chame de Greg.

— Ah, eu só estava emocionado — Disse, com um sorriso largo no rosto — A comunidade inteira te conhece. Joel então era seu paciente? Os paramédicos me disseram.

— É parte da minha terapia em grupo. Joel, babando feito um cavalo na cadeira de rodas, se remexeu um

pouco, claramente desconfortável. Pareceu não gostar da última afirma-ção do doutor. Isso ou estava dormindo de olhos abertos, coisa que pelo seu estado não era tão improvável assim.

— Ele bateu com a cabeça no volante — Continuou doutor Gregório — Foi um choque bem violento. Acredito que se não fosse por Belusco, Joel não estaria nos brindando com a sua companhia agora. — Disse, e depois acrescentou, com um aceno de cabeça — Belusco é o morto.

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— Ouvi dizer que a batida foi feia. Parece que o Joel aqui tem uma cabeça dura, não é, Joel? — O médico bateu nas costas do velho, que só conseguiu balbuciar um ugh enquanto babava como se não houvesse amanhã. — Escuta, Greg, posso deixar ele aqui com você um momento? Tenho umas rondas pra fazer e... Sabe como é, estamos esperando abrir uma brecha pra fazer o raio-X e não podemos liberar o coitado ainda.

— Claro, claro, será um prazer. A família já foi notificada. Também tenho que esperar a polícia, de qualquer jeito.

— Então está perfeito. — Disse o médico, e depois, apontando para Jonas e perdendo o sorriso, acrescentou — Ahn... Ele está bem? Esses machucados... Ele estava na cena?

— Está ótimo. Está na minha turma também, e sabe como são esses rapazes... Tenho gente pior lá na igreja. Me ajudou a prestar os primei-ros socorros.

O médico ainda olhava intrigado para as mãos de Jonas. Deus, ele era um médico. Sabia reconhecer um machucado fresco quando via um. Não exibia mais nenhuma jovialidade, seus olhos estavam meio fecha-dos, numa expressão pensativa. Doutor Gregório tocou o seu ombro com a mão direita.

— Não se preocupe com isso. O médico desviou os olhos para o doutor Gregório, e foi se afastan-

do de costas, sem dizer mais nada. Não parecia muito à vontade para Jonas. Diabos, a cena tinha sido desconfortável até pra ele. Quando ele se foi de vez, doutor Gregório se abaixou, ficando de cócoras, e olhou nos olhos de Joel, que pareciam lutar com todas as forças para perma-necerem abertos e funcionando. Jonas observava curioso enquanto ele

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examinava os ferimentos do velho bêbado com frieza, movendo a cabe-ça inchada pra cá e pra lá. Pode ter encontrado alguma coisa, ou nada, Jonas nem sabia se ele estava procurando algo, mas eventualmente se deu por satisfeito e ficou só olhando nos olhos semicerrados do bêbado, sem piscar. Jonas se aproximou e já ia perguntar se ele precisava de aju-da para se levantar, mas foi interrompido pela voz do doutor.

— Me escute agora. Jonas percebeu na hora que algo estava diferente. Era o tom da voz,

o timbre, qualquer coisa, mas algo estava muito estranho. A voz estava forte e grossa, carregada de autoridade, e parecia ecoar pelos corredores do hospital até o lado de fora, e percorrer as ruas do centro da cidade com a força da banda militar. O ar parecia mais pesado, quente, como se estivessem dentro de um forno elétrico. Uma lâmpada fluorescente ex-plodiu, espalhando cacos pelo saguão, e outra no corredor também foi embora, jogando seus restos na parede verde clara e branca. Jonas não conseguia se mover, e percebia que ninguém mais parecia notar nada de diferente.

— Você atropelou Johnny Belusco — Continuou o Doutor, e Jo-nas agora percebia que os olhos de Joel estavam arregalados e sua boca aberta. Ele parecia assustado além da compreensão humana. — Bateu no poste e acertou o rosto no volante. Eu te ajudei, Jonas te ajudou. Foi isso que aconteceu.

Doutor Gregório parou de falar, mas ainda ficou olhando para Joel, que olhava de volta completamente apavorado. Uma mancha escura brotou na parte da frente do seu moletom e o aroma pungente de urina começou a subir. Jonas também não se mexia, e sentiu um filete de san-

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gue escorrer pelo seu nariz e chegar até seus lábios. Sentia seu toque leve e macio, que fazia cócegas, mas não era capaz de levantar a mão para detê-lo e tirá-lo do rosto. A sua volta, o hospital foi adquirindo uma tez amarelada, como se ele estivesse em um filme antigo ou como se Deus estivesse num humor para sépia naquela noite em especial. “Estou so-nhando”, pensou, “Nada disso está acontecendo, estou sonhando, com certeza”. O doutor dirigiu seus olhos vidrados para ele, deixando o po-bre Joel de lado. Eram vermelhos e faiscavam. “Não está não”.

— O quê? — Jonas disse, e o mundo estava normal mais uma vez. — Perguntei se quer um lenço — Respondeu o doutor, com olhos

calmos e tranquilos, e com a voz que Jonas conhecia — Seu nariz está sangrando. Você está bem, Jonas?

Jonas tomou o lenço e limpou o sangue ralo que já tinha chegado ao seu queixo. No saguão, uma das lâmpadas fluorescentes estava apagada, e havia mais uma no corredor ao lado. Só estavam queimadas. Viu tam-bém que Joel tinha acabado de se mijar todo.

— Acho que quero ir pra casa agora, Doutor. — Claro, tudo bem. Vou chamar um táxi e alguém para olhar o Joel.

Tem certeza que está bem, Jonas? Quer que eu chame uma enfermeira? — Não, não precisa — Respondeu, tentando firmar a voz. Só queria

um chuveiro e uma cama, de preferência os seus. Dr. Gregório deixou o bêbado aos cuidados de uma enfermeira, e

Jonas ainda o escutou dizendo “Amigo... Não está legal” antes de sair porta afora. Logo o doutor estava lá, dizendo que já havia chamado o táxi.

— Escuta, Doutor... Obrigado por cobrir pra mim com médico lá

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dentro. — Não há o que agradecer. Vá pra casa e descanse. Você teve uma

longa noite. — Doutor — Disse Jonas — Que foi que aconteceu com o resto do

pessoal? Pensei que eles estavam comigo. — Não se preocupe com isso. O táxi chegou, e Jonas se acomodou no banco traseiro, murmuran-

do um adeus para o doutor, que não lhe respondeu. Por um momento se sentiu como o médico, olhando desconfiado enquanto o táxi se afas-tava. Antes que a silhueta magra do doutor sumisse de vista, imaginou ter visto pelo retrovisor seus olhos faiscando de novo. Desviou o olhar.

O taxista era gordo, estupidamente gordo, e sua banha se espalhava pelo banco e tocava o câmbio quando passava as marchas. Usava uma camisa branca com o nome de um vereador, toda manchada de gordu-ra e amarrotada. Seus dentes eram encavalados e ele fazia um ruído de ronco com o nariz toda vez que respirava.

— Você não tá com uma cara muito boa, né, chefia? — Ele disse — Tava doente? Ah, nem me fala. Num minuto você tá perfeito, quieto em casa, e quando vê já está cagando água. É difícil, né?

Jonas assentiu, sem dizer nada. O taxista continuou falando sem parar, sem dar uma única trégua, mas Jonas nem escutava o que ele di-zia. Bem devagar, o mundo foi ficando sépia de novo. Tudo era muito vívido, mas não parecia real. Era como se ele sonhasse, como se visse tudo e entendesse que não estava acontecendo, mas era vívido demais. Os prédios eram massas de metal retorcido e enegrecido, as ruas eram feitas de diamante negro, e a terra ao redor era vermelha e poeirenta. O

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taxista agora tinha uma cabeça de porco. — É difícil a gente ser um ídolo hoje. As pessoas já não te veneram

do jeito que costumavam venerar, só se importam com a carne, com a maldita carne. Eles comem meus filhos, os bostas. Ninguém mais gru-nhe a Litania Suína de madrugada, ninguém mais veste a minha más-cara pra fazer atrocidades possuído pela minha glória. As pessoas tão focadas demais, e isso nunca dá certo. Arrebanhar não funciona com gente. Você é parente do Cão, não é? Ei! Ei, amigo!

O mundo voltou ao normal mais uma vez. — O que é? — Olha aí, heh, dormiu de olho aberto. É vinte conto, chapa. Jonas tirou o dinheiro amassado do bolso, e se perguntou porque

diabos foi tomar um táxi. Nunca andava de táxi, não podia pagá-los. Era mais uma sardinha do transporte público, fiel a ponto de odiar os taxis-tas, e de desprezá-los pelos preços altos. Não podia pagá-los, e mesmo se pudesse, não o faria. Lembrou-se de Joel, olhando assustado enquanto o doutor o ordenava a esquecer, e se perguntou se era isso o que estava acontecendo com ele. Lá no fundo, sua voz da razão dizia que isso era tolice e que ele tomara um táxi porque não estava se sentindo bem. Es-tava vendo coisas, estava fraco, e o doutor o ajudou chamando um táxi. Se as coisas fossem sempre racionais assim, talvez ele tivesse razão.

Foi direto para o banheiro, abriu a válvula do chuveiro e o desli-gou da energia, entrando embaixo da água gelada. Sentia-se febril e eu-fórico, e ainda estava delirando. Quando fechava os olhos, tinha certeza que subia vapor de sua pele, como se a água estivesse pelando de quente, mas quando os abria não havia nada. Terminou seu banho se sentindo

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mais miserável do que quando começou, e furioso também. Estava a mercê da sua própria mente.

Parou na frente do espelho, olhou seu reflexo e sentiu o fogo corren-do de novo pelas veias, que o chamava para a ação, que dizia “Vamos lá, você não é um homem?” e que tomava seu pensamento de um jeito tão perfeito que ele não conseguia ver nada na sua cabeça que não fossem motivos para arrebentar alguma coisa. Deu um belo soco no espelho, cortando a mão e deixando para trás um trincado bem no meio do vi-dro. Ele se lembrou do espelho do hospital, e de como o trincado lá o fa-zia parecer duas pessoas, uma em cima e outra em baixo do buraco ne-gro, e por isso continuou socando. Não parou enquanto não havia mais vidro para quebrar. A lâmpada do banheiro explodiu, e ali, sozinho no escuro, socou a parede com tanta força que sua mão entrou no reboco e só parou no tijolo. Saiu do banheiro xingando e bateu a porta atrás de si com violência. Algo estava definitivamente errado com ele.

— Adeus, tratamento da raiva. —Disse para si mesmo, em voz baixa — E que Deus me ajude.

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Fim de Festa Alaor Rocha

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Acordo vestindo um calção que não é meu. Livro-me dos escom-bros que são pessoas e, quando levanto, tenho que me ajoelhar

antes do estômago resolver se ejetar do meu corpo. Um arroto e, nossa, o que aconteceu na noite passada? Foi a passada ou a retrasada? Que dia é hoje, que dia foi ontem? O tempo ainda existe?

Vou engatinhando pelo cômodo, formações caleidoscópicas de rou-pas atrapalhando minha travessia. Espero que hoje não seja segunda-feira. Onde está a cozinha? Por que nenhum pensamento se fixa em minha mente? Sento. Isso é uma sala, olhaí o sofá. E a televisão, e os controles do videogame. Dançamos muito na frente dessa tela. Cyndi Lauper, Black Eyed Peas, Mika, nunca dancei tanto em uma só noite. Ah, as maravilhas do álcool, e acho que sorrio (não tenho certeza se mi-nhas vontades estão sendo correspondidas pelo meu corpo). E eu que sou considerado o nerd da sala... veja só, com um calção que nem meu é.

Eu poderia estar vestindo uma calcinha, seria bem pior. Acho que nem bebi o bastante, pelo visto. Mas a dor de cabeça é grande e, quando levanto, ela tem o campo

gravitacional do Sol e atrai toda a dor da Via Láctea. Meu corpo não res-ponde, dou dois passos que são só um, a cabeça curvada para frente, me puxando para frente, burro de carga. Tropeço em duas pessoas e enfio a mão em um batente. Entro. Quarto de hóspedes. Destrancado e com cinco pessoas dormindo em um padrão amorfo na cama de casal. Não sei distinguir homens de mulheres, mas todos estão nus como se a cena acontecesse em um comercial vanguardista de perfumes. Coloque fra-ses sem sentido faladas por uma voz grave e deixe esse quarto em tons

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Fim de Festa Alaor Rocha

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de preto e de branco e você terá a nova fragrância da Hugo Boss com o amadeirado toque de sândalo.

Uma das pessoas no caleidoscópio grunhe como um tigre. Essa eu conheço. Cabelo em um chanel desgrenhado e do azul da chama do fogão, pele branca como minhas escleras. Bebi tequila em seu umbigo (constato isso friccionando o dedo ali e levando-o ao meu nariz). Não acordou, infelizmente, e se recostou com seu corpo nu em meio a dois outros corpos que pareciam ser masculinos.

Enfim. Encontro um quarto que não de hóspedes após cruzar os nove cír-

culos do Inferno e bater um papo com Virgílio e seus amigos santos. Há pelo menos umas dez pessoas salpicadas no cômodo como se fizessem parte da decoração. Há gente que se estica da cama para o chão como o relógio de Salvador Dalí, assim como há corpos mais comportados dor-mindo em posição fetal sobre os criados-mudos. Aquela mulher, que usa um vestido amarelo que contrasta com sua pele negra, dorme sentada no chão abraçando outra mulher, essa sem roupa. Três homens — uma boyband, Jonas Brothers — dormiram na própria cama, e algum en-graçadinho colocou as mãos deles em posições comprometedoras. Eles eram gays, lembro, e provavelmente adormeceram desse jeito, apalpan-do as coisas um do outro.

Enfim. Mais uma vez, enfim. Por que nenhum pensamento que preste se fixa em minha mente? Isso é o Inferno de Dante, pois. Encontro um sobretudo no guarda-roupa e o visto. Meu cérebro

centrífugo diz que os sobretudos não servem só para nos aquecer quan-

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do o clima está inaceitavelmente frio. Sobretudos são a preguiça em forma de roupa: Vista um sobretudo

e você está vestido, não importa o que (não) há sob ele. No meu caso há um calção que não é meu. E aquele cheiro de mu-

lher nas narinas. Mulheres que não são minha namorada. Falando nela, é quem encontro desmaiada sobre uma pilha de rou-

pas de desconhecidos com o amadeirado aroma de sândalo, vômito, te-quila e secreções. Hugo Boss não venderia um perfume exótico desses. Sacudo seu braço, ela não acorda, mas também não grunhe.

Estou descalço, vestindo um sobretudo que cobre minha traição, e estou saindo da mansão. Passo pelo jardim e vejo mais pessoas caídas como em um desses apocalipses zumbis que estão na moda. Dormem como anjos, mas foram demônios na noite anterior, consumindo anfe-taminas como se fossem balas de hortelã e fazendo sexo até não haver mais uma gota a ser expelida na hora do orgasmo.

Graças a Deus essa casa não é minha. Sento à beira da piscina com uma garrafa de uísque que encontro

jogada na relva. Mergulho os pés, choque térmico, esquento-me com a bebida. Brinco com a água, faço ondas que movem as bóias mais vivas do que os zumbis no jardim. A bola de plástico, as guimbas flutuan-do, tudo remete a tímidos momentos da noite passada/retrasada. Nada além do que você poderia encontrar em uma festa, mas o bastante para levar o homem a seus instintos mais primitivos. E uma vida de colari-nho branco pede por sandices assim. A vida de colarinho branco é uma sandice que pede por outras sandices para se manter no pH neutro. Seu pH natural é corrosivo, é o ácido clorídrico do povo. Você acorda e nem

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mesmo - - — Psiu. Alguém acordou, olha que coisa. Olho para trás, uísque para dentro,

e tudo que vejo são as dunas seminuas desacordadas. Meus olhos, fol-gados em suas cavidades, dão uma chacoalhada como se dissessem “tsc, tsc, tão bêbado que imagina coisas”. E rio, gargalho com meu monólogo ocular — meu monóculo? Preciso falar menos e beber mais.

— Psiu. — Mas será possível... — resmungo e me levanto, a cabeça sendo

o centro do Universo mais uma vez. Aperto os olhos com pálpebras e mãos, abro-os sem encontrar nada lúcido (talvez as árvores, mas elas falando seria um feito e tanto para o álcool).

— Aqui. Estanco, me tranquilizo, presto atenção na voz. De onde ela veio? — Ô cacete, olha pra piscina. E nunca vi uma mulher tão bonita quanto essa. Mas é efeito da be-

bida. Com um cigarro rosa aceso no canto da boca e cachos negros que se

desmanchavam na água, ela sorri seu sorriso de batom retocado na hora e me chama, na base da piscadela, para seu lado.

— Não lembro de você aqui ontem. — Fiquei a maior parte do tempo aqui — responde, sua maturidade

se refletindo na voz firme — Qual a sua graça? — Pode me chamar de Japa. E você é... — Uiara. Aperto de mãos.

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— Nome diferente... — Já me acostumei — comenta com graça — Diga-me o que você

faz acordado a essa hora. (“Diga-me”? Mesmo? Quem fala assim? Isso é uma entrevista de

emprego?) — Bebo uísque — levanto a garrafa — e falo com uma moça linda.

E você? (Esse sou eu soltando cantadas mesmo cheirando a outras mulhe-

res. Muito bom, Japa.) — Vendo o céu limpo daqui da piscina... dá uma paz, sabe? Dá até

pra se sentir no meio de um rio, na selva — e Uiara funga o ar, fareja sua selva no jardim ébrio e regurgitado da mansão — Faz bem depois de uma noite como a última.

— Deve fazer, mesmo... — Vem cá ver comigo! — convida com uma voz inocente até de-

mais. — Ah, não, ‘tou morrendo de frio — recuso, evasivo. Pra que fiz

aquela cantada? Pra arregar desse jeito? — E... bem, não sou muito fã. — Já sei. — O quê? — Você não sabe nadar. — É... — Sabia! — ela bate uma palma, logo cerrando os punhos em vitó-

ria — Não quer aprender? — Beubo desse jeito? Mas é claro que não vou aprender nada — e,

rindo, entorno mais uísque, ele descendo feito lava em meu corpo vesú-

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vio. — Vem cá — e ela estende os braços. É nesse momento que presto atenção em seus olhos. Grandes, ex-

pressivos, malucos, diferentes dos meus riscos. De um castanho acinzen-tado que me remete à cor da treva — ausência de luz por toda uma eter-nidade. Passam-se anos olhando para as duas orbes, tudo se desfocando ao redor. O sorriso é só um borrão vermelho logo abaixo daquelas duas maravilhas que brilham e irradiam as boas trevas que nenhuma história já contou. Isso não é efeito de bebida alguma, são só olhos entorpecen-tes dessa tal de Uiara. Magnéticos, eles são o centro do Universo.

Não mais recuso o convite. Com atenção total naqueles olhos, lar-go o sobretudo e a garrafa à beira da piscina e engatinho, como já visto nos últimos capítulos de Lost, ao encontro dos braços estendidos dessa mulher. Agarro as mãos delicadas, sou guiado para dentro d’água, e nela sinto-me no vácuo. Nada pode me atingir, nada nunca me atingiu, sou uma criança no útero de Uiara. E, quando me dou conta, estou sorrin-do submerso para o rosto moreno dela, que sorri de volta com candura e é minha namorada, mãe, babá, professora da terceira série, pediatra, todas as mulheres que já passaram pela minha vida de vinte e... vinte... dezenove...

A vista fica escura nos arredores dos olhos. A luz do sol — onde está a luz do sol? Não me importo, e mesmo com a distância segura que nossos rostos mantêm sinto-me beijado. Sinto-me seguro. Esqueço todo o pecado da superfície, todas as noites em que passei — dezoito, dezessete, dezesseis — querendo fugir da vida e desejo, do fundo de um buraco negro, que eu vá ao encontro dessa mesma vida. Abrace todas as

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possibilidades como se fossem minhas, porque são minhas. E sei que Uiara estará do meu lado. Sempre esteve. Sempre estará. E a contagem desce, mas que contagem é essa? Estou no três-dois

-um mas isso não faz sentido. Só Uiara faz sentido... só... Um rabo de peixe. Isso não faz sentido. Ouço gargalhadas, e elas vêm do borrão vermelho. Nem mesmo Uiara faz sentido. Acho que não bebi o bastante. Acho que... preciso... respirar.

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por Lucas Rueles

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A voz orgulho do Brasil

Antonio Vicente Filipe Celesti-no, cantor, compositor e ator, nas-ceu no Rio de Janeiro (RJ), em 12 de setembro de 1894 e faleceu em São Paulo, no dia 23 de agosto de 1968 aos 74 anos de idade.Filho de um casal de imigrantes italianos, da região da Calábria, chegados ao Brasil dois anos antes de seu nasci-

mento, teve dez irmãos, sendo quatro também artistas. O jovem Vicente começou a cantar ainda com seus quatro anos em

um grupo chamado Pastorinhas da Ladeira do Viana e ainda jovem ini-ciou-se no ofício de seu sapateiro com o pai, e depois ao concluir o curso primário entrou para o Liceu de Artes e Ofícios, para aprender desenho industrial

Em 1903 ingressou o coro infantil da ópera Carmen (Bizet, 1838-1875) no teatro Lírico. Enrico Caruso ao notar o dom do jovem o con-vidou para estudar canto na Itália, mas seu pai recusou-lhe autorização. Dessa forma, talvez com uma grande carreira lírica carreira lírica trun-cada, em 1905 o menino foi trabalhar em uma fábrica de guarda chuvas, no ano seguinte se tornou servente de pedreiro, e em 1910 retornaria

Fonte de Inspiração Lucas Rueles

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para a sapataria de seu pai.Seu primeiro canto solo público foi na peça Vida de artista, encena-

da em 1912 pelo Grupo dos Cartolas, formado por amigos do bairro da Saúde. Logo após, começou a se destacar cantando em festas, serenatas e casas de chope, em 1913 abandonava seu emprego e começava a se de-dicar somente a música.

Foi em uma casa de chope que Alvarenga Fonseca, diretor da Com-panhia Nacional de Revista, do Teatro São José, o encontrou o levando para lá cantar. No dia 10 de julho de 1914, a rádio escutava pela primeira vez a voz grave que durante os próximos anos encantaria o Brasil. Dois anos mais tarde, integrando a companhia Leopoldo Fróis, foi cantar em São Paulo, sendo promovido a ator-cantor, apresentando-se depois em Pernambuco, Bahia e no Rio Grande do Sul.

Em 1915 gravou seu primeiro disco, Flor do mal e Os que sofrem (Al-fredo Gama e Armando Oliveira) na Casa Edison (mais tarde Odeon), no Rio de Janeiro. Deixou o Teatro São José em 1917, para se dedicar ao estudo do canto, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Em 1919 retornaria aos palcos como ator de várias peças, come-çando em março no papel principal em Amor de bandido (Oduvaldo Viana e Adalberto de Carvalho), encenada pela Companhia de Pascoal Segreto, no Teatro São Pedro (hoje João Caetano). Seu maior sucesso nessa temporada foi a opereta Juriti, de Viriato Correia, com música de Chiquinha Gonzaga, apresentada no mesmo teatro.

Em 1920, ao lado da atriz e cantora Laís Areda, organizou sua pró-pria companhia de operetas, estreando com Loucuras de amor (Adal-berto de Carvalho), no Teatro Americano. No ano seguinte trabalhou

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nas óperas Tosca, de Giacomo Puccini (1858-1924) e Aida, de Giuseppe Verdi (1813-1901), no Teatro Lírico, e em Carmen, no Teatro São Pedro.

Apenas três anos depois formaria com a cantora Carmen Dora uma nova companhia para excursionar pelo Brasil e nos anos seguintes con-tinuou a percorrer o país o país de norte a sul. Mas a fama veio mesmo através da gravação de seus discos.

Cantando músicas populares e não óperas, como ele mesmo afirma em uma entrevista dada em 23 de agosto de 1964. Em 1917 gravou seu segundo disco, Urubu Subiu, marcha carnavalesca em duo com Bahia-no; em 1918 gravou o Hino Nacional Brasileiro (Francisco Manuel da Silva e Osório Duque Estrada); e, em 1924, O cigano, de Marcelo Tupi-nambá e João do Sul.

Na Odeon, já no processo de gravação elétrica, de abril de 1928 a outubro de 1930 lançou 19 discos com 35 músicas, alcançando sucesso com Santa (Freire Júnior), em 1928, e o tango-canção Nênias (Cândi-do das Neves, apelidado de Índio), 1929, entre outras. Em 1932 passou para a Columbia, gravando no primeiro disco o grande sucesso Noite Cheia de Estrelas, de Cândido das Neves, que deu novo impulso à sua carreira discográfica. No ano seguinte, casou se com a cantora e atriz Gilda de Abreu.

No mesmo ano Vicente Celestino trabalhou em dupla com a esposa no Teatro Recreio do Rio de Janeiro, na opereta “A canção brasileira”, de Luís Iglésias, Miguel Santos e Henrique Vogeler

Em 1935 começou a gravar na RCA Victor, obtendo dois êxitos já no primeiro disco: as músicas Ouvindo-te, de sua autoria, em duo com Gil-da, e Rasguei o Teu Retrato (Índio). A partir desse ano iniciaria também

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uma carreira como compositor obtendo sucessos com canções como O Ébrio, 1936, Coração Materno, 1937, Patativa, 1937, Sangue e Areia (com Mário Rossi), 1941, Porta aberta, 1946.

Como não podia deixar de ser, dada à sua veia lírica, Vicente trans-formou as canções O Ébrio e Coração Materno em operetas, encenan-do-as entre 1941 e 46. Nesse mesmo ano, sua esposa Gilda levou os roteiros das peças para as telas do cinema, sendo que o Ébrio elevou de vez Celestino aos “píncaros da glória”, como ele diz na letra da canção. E grande parte do povo acreditava que aquela era realmente a história do cantor, tal a força da canção e da interpretação de Celestino.

Em agosto de 1968, o cantor que ficou conhecido com A Voz Or-gulho do Brasil, estava se preparando para gravar um programa de te-levisão em que seria homenageado pelos componentes do Movimento Tropicalista quando se sentiu mal no quarto do hotel Normandie em São Paulo.

Às 22h30 do dia 23 de agosto de 1968, calava para sempre a voz do grande artista. No total, em todas as gravadoras, desde a fase mecânica, Vicente Celestino deixou um histórico legado de 137 discos em 78 rpm com 265 músicas, mais dez compactos e 31 LPs, vários destes com re-lançamentos.

Fonte: Gente da Nossa Terra Adaptação: Lucas Rueles

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Me Inspira? Falar de Vicente Celestino é falar de uma paixão, eu sou desde peque-

no apaixonado pelos Tenores, Barítonos e baixos, minha pouca forma-ção musical veio dos corais onde me descobri para minha inicial tristeza um barítono. É uma nostalgia de uma voz que permeia profundamente os ouvidos, mas é também uma história de vida inspiradora.

A voz que narrava his-tórias.

A arte das operas consiste em nada mais do que contar histórias, porém, não foi nas operas como bem dito em sua breve biografia

que Vicente Celestino se destacou, mesmo assim sua musica manteve muitos dos aspectos da Ópera.

Entre estes aspectos podemos citar a presença de um rico enredo em suas músicas como é o caso de Ébrio, canção que conta a história de um cantor que atinge o sucesso, mas ao encontrar o amor é abandonado por ele, tem sua filha tirada e perde tudo em um destino trágico. Ou Mia Gioconda, a história de amor de um pracinha que se apaixona por uma italiana, e lá se casa, mas ao voltar precisa deixar sua amada na Itália.

Nestas histórias podemos ver claramente a presença de começo meio

-Cena do Filme “O Ébrio” de 1946-

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e fim, um interesse grande em detalhes, mesmo em seu curto tempo, o Ébrio possui cinco incluindo sua parte recitada, Mia Gioconda, não passa de três.

Ajudado por sua voz de Tenor, ele confere uma dramaticidade incrí-vel, um poder que implica em sentimento, é o caso de Primeiro amor, também composição de Vicente, onde ele implica o sentimento da mú-sica através de sua voz, sendo talvez o maior de seu tempo nisso.

A voz que marcou uma era

Aprendi com alguns amigos que se queremos estudar um período da história e escrever sobre ele é preciso estudar muitas coisas, entre elas temos que estudar sua música. Vicente Celestino foi um dos principais cantores da década de 30 e sua música marca uma era, como também foi à influência para muito do que veio depois dele em termos de musi-calidade.

Com uma música altamente influenciada pela história a sua volta, como é o caso de Mia Gioconda, ele capta a essência de fatos simples de uma geração com anseios bem mais simples. Passando para nós um relato de forma artística de um tempo que não foi vívido, mas que pode ser sentido ativamente através de sua música.

As linhas de cada momento da história estão ali marcadas pelas in-terpretações que Vicente Celestino faz de suas músicas, tanto as com enredos ricos, que são a maioria, como as com inspirações voltadas para o sentimental. É a mentalidade de uma geração expressa em linhas sen-

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timentais e artísticas para que se possa entender em conjunto com um estudo histórico como aquela sociedade, pensava, agia, vivia, amava e sentia.

Transpondo

Embora pareçam dois mundos diferentes, de um lado o homem que marcou uma era com uma voz extremamente rica, e do outro você es-critor, escrevendo seu texto, ou produzindo qualquer tipo de arte, a ins-piração vem de maneira bem simples.

A preocupação com a profundidade e sentimentalidade de sua obra, dá a carga poética dela, sensibilizando assim o seu ouvinte de forma in-comparável mesmo nos dias de hoje. Apesar de ser uma busca subjetiva, diferente de tantas outras buscas objetivas que devem ser colocadas em primeiro plano, a busca pela sensibilidade é o que evita que seu texto se torne um amontoado de palavras vago.

E quando se coloca o aspecto sensibilidade ela não precisa nem pode ser expressa apenas da forma como foi colocada por Vicente em sua obra, não a genialidade é coisa de poucas pessoas e deve ser respeitada. Mas deve ser colocar aquele pouco de você e das suas opiniões em seus textos que às vezes você tem medo de colocar, levar sua história para o lado ideológico, mesmo que por debaixo dos panos, através de indiretas.

Esta é a lição deixada por Vicente Celestino, fazer tudo com senti-mento, seja ele qual for, temos que começar a buscar o sentimento que melhor expresse o nosso texto e a nossa forma de fazer a nossa arte, seja qual for.

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(PULP FEEK)

Conversa Fora

com Bernard Cornwell

(!)

“Não me interesso, não faço perguntas. Acredito que o meu trabalho seja colocar pala-vras no papel, não imagens na tela, então me distancio de quaisquer assuntos relacionados a filmes ou TV. Se acontecer? Ótimo. Se não? Eu não vou ficar desapontado, porque eu ge-nuinamente não sei o que está acontecendo e peço para o meu agente não me contar!”

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Bernard Cornwell é mais do que um escritor best seller. É o maior escritor de seu gênero. Antes de Cornwell, a história era vista como algo que devia ser contado de forma ampla e didática. Com Bernard, a ficção histórica tomou destaca antes inimaginado, uma forma de contar gran-des sagas que realmente aconteceram no passado de forma a entreter e tocar o leitor. Muitos já conheceram o período Napoleônico com seu ex-celente personagem Sharpe. Outros preferem conhecer mais da invasão dinamarquesa à Grã Bretanha na série Crônicas Saxônicas. Mas poucos conhecem mais pessoalmente a figura do autor. Adotado ainda jovem por uma família de fanáticos religiosos, Cornwell sempre foi apaixo-nado pelo aspecto militar, sem necessariamente ser um militarista. Ele aceitou ser entrevistado por e-mail pelo editor-chefe Rafael Marx, numa entrevista que busca fugir do lugar comum.

Pulp Feek: Você tentou ingressar no exército duas vezes em sua vida, e podemos notar uma admiração por elementos militares em sua obra. De onde surgiu essa paixão pelo militarismo?

Bernard Cornwell: É o fruto proibido! Eu fui adotado por uma família horrível de fanáticos religiosos que tinha todo um catálogo de coisas que de-saprovavam: vinho, mulheres, música, o serviço militar, todo tipo de coisa! Naturalmente eu vim a me interessar por todas elas! De certa forma, eu sou grato a eles — desaprovavam televisão e livros, também, e minha carreira começou como produtor televisivo e, agora, sou um escritor! Foi rebelião pura!

Conversa Fora Bernard Cornwell

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P.F: Seu personagem mais famoso e explorado, Richard Sharpe, é um soldado britânico nas Guerras Napoleônicas. Como surgiu a inspiração para o personagem?

B.C: Dos romances de C. S. Forester sobre Hornblower, que, como tenho certeza de que você já sabe, era um Capitão Naval na era napoleônica sobre o qual eu li quando era jovem. Forester só escreveu onze livros, e eu queria mais, então comecei a ler histó-rias de não-ficção sobre as Guerras Napoleônicas e, assim, descobri histórias incríveis sobre Wellington e seu exército. Sharpe é MUITO diferente de Hornblower, mas Horn-blower foi a inspiração!

P.F: Você já explorou o período Napoleônico, a lenda do rei Ar-thur, até mesmo a Guerra dos 100 anos e a invasão dos Dinamarque-ses na terras britânicas. Há algum período da história que você não explorou e gostaria de explorar?

B.C: Ah, muitos! Mas será que algum dia vou ter tempo para isso?P.F: O rei Arthur é uma figura representativa e mítica para os in-

gleses. Como foi a experiência de trazer realidade a essa lenda?B.C: Foi maravilhoso! Minha ambição era colocar Arthur em uma am-

bientação crível do Século VI, porque, se ele chegou mesmo a existir, foi nesse período. Ironicamente, ele é um inimigo dos ingleses! Os anglos e os saxões (ancestrais dos ingleses) estavam começando sua invasão da Bretanha, e Ar-thur era, quase certamente, um comandante militar bretão (ou seja, galês) que os derrotou temporariamente. De alguma forma, com o passar dos tem-pos, ele foi transformado em um herói inglês! Mas os livros foram muito di-vertidos de escrever, e eu acho que, dos meus livros, eles são os que eu gosto mais!

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P.F: Em 2009, você disse em entrevista que não conhecia muito bem a história e a cultura brasileira, mas que se tivesse de escrever um livro situado na história do Brasil, olharia para o período Napo-leônico, quando a família real portuguesa fugiu para o Rio de Janei-ro. Desde então, você conheceu algo mais da história brasileira?

B.C: Queria que não tivesse me perguntado isso...P.F: Em Setembro você lança seu novo livro, The PaganLord, na

série The Saxan Stories. O que pode nos contar sobre ele?B.C: É mais uma das histórias de Uhtred, um guerreiro saxão. Existiu

mesmo um Uhtred naquele período, mas sabemos muito pouco sobre ele, a não ser que foi saxão e que era o Senhor de Babbanburg, só que, quando co-nheci meu pai de verdade, o que só foi acontecer depois dos meus cinquenta, eu descobri que era descendente de Uhtred, e aquilo me fez querer inventar histórias sobre ele! Os livros são, na verdade, sobre a criação da Inglaterra. Ingleses são incrivelmente ignorantes sobre suas histórias antigas, e a maio-ria não faz ideia de como a Inglaterra foi criada, então as histórias saxãs contam isso. É uma história de muitas batalhas, e de como quatro reinos menores foram combinados em um. Ainda há um longo caminho pela fren-te!

P.F: A história de Sharpe já foi adaptada para a televisão numa série estrelada por Sean Bean. Qual sua opinião sobre a adaptação de obras literárias para o cinema e a TV?

B.C: Acho que não tenho uma opinião! Ou, se tiver, é uma bastante boba! Obviamente fiquei feliz porque a série foi um sucesso e apresentou muitas

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pessoas aos livros do Sharpe. Sean Bean foi um Sharpe magnífico! Alguns leitores reclamaram de algumas histórias terem sido mudadas, mas é claro que foram, tinham de ser! É fácil para eu escrever sobre 90.000 franceses em um exército, mas é quase impossível filmar isso, a não ser que seu orçamento seja ilimitado, e o deles não era, então tiveram restrições que eu nunca tive. Quanto à sua pergunta mais geral, depende muito da adaptação: algumas são boas e outras são ruins, mas e se elas fizerem as pessoas lerem? Isso é bom!

P.F: Michael Mann planejava produzir um filme do seu livro Azin-court. Como anda esse projeto?

B.C: Eu não faço ideia! Não me interesso, não faço perguntas. Acredito que o meu trabalho seja colocar palavras no papel, não imagens na tela, então me distancio de quaisquer assuntos relacionados a filmes ou TV. Se acontecer? Ótimo. Se não? Eu não vou ficar desapontado, porque eu genui-namente não sei o que está acontecendo e peço para o meu agente não me contar!

P.F: Na série A Busca do Graal, você lida com a lenda em conjunto com o fato. Como você teve a ideia de fazê-lo?

B.C: A Idade Média foi uma era muito supersticiosa! Tanto que toda a sua apreensão do mundo é mítica ou lendária. O povo não tinha explicações racionais ou científicas para doenças, desastres, falhas no plantio, enchentes, tempestades e tudo o mais, então ele atribuía essas coisas a Deus ou ao diabo, ou a espíritos. Foi aí que começou a ser importante o contato com o mundo espirital, e, para isso, precisavam de relíquias ou de outros objetos sagrados

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que pudessem ser tocados, que fossem de verdade, é a realidade dos símbolos que faz com que os mitos se tornem reais! Logo, foi uma escolha óbvia!

P.F: Você tem planos de visitar o nosso país de novo?B.C: Ah, espero que eu volte! Judy e eu adoramos nossa visita. Queremos

muito voltar logo!P.F: Sua obra foi responsável por tornar popular a história euro-

peia popular entre os leitores brasileiros. Há algo que você gostaria de dizer a eles?

B.C:

“Tenham orgulho do Brasil! É um país magnífico cheio de oportunidades.”

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EDITORES-CHEFESLUCAS RUELESRAFAEL MARX

EDITORES SEMANAISERIC PAROJOÃO LEMESLUIZ LEALDIOGO MACHADO

DIAGRAMADORJOÃO LEMES

REVISOR e TRADUTORANDRÉ CANIATO

Agradecimentos:

A Cece Motz a simpática secretária do Cornwell que nos ajudou a conseguir a entrevista.

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SEMANA HORROR

Horror: Amanda Ferrairo

Noir: Philippe Avellar

SEMANA FANTASIA MODERNA

Steampunk: Rafero Oliveira

Fantasia Urbana: Thiago Sgobero

AUTORES:

SEMANA FANTÁSTICA

Fantasia Épica: Marlon Teske

Espada e Magia: Victor Lorandi

SEMANA CIENTíFICA

Ficção Científica Social (Cyberpunk): Alaor Rocha

Ficção Científica Space Opera: Rodolfo Xavier

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