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REFLEXÕES SOBRE O PERFIL DOS EGRESSOS NA ÁREA TECNOLÓGICA A PARTIR DA PERSPECTIVA DO TRABALHO E DO GÊNERO
MARIA SARA DE LIMA DIAS*
E.T. 05 – Ciência e Tecnologia: Gênero, Relações Étnico-Raciais, Cultura e Identidades
Código do trabalho: 4763963
Ao analisar o perfil dos egressos nas áreas tecnológicas, tendo como referencial o marco
teórico da psicologia social comunitária, constata-se que, apesar dos muitos estudos sobre a
educação superior no Brasil, poucos artigos trazem informações sobre as necessidades dos
egressos na área tecnológica. Como uma construção social, as relações de gênero são
mediadoras da inserção ocupacional e da manutenção das mulheres no mundo do trabalho.
Observa-se um certo tipo ideal de trabalhador, sempre à disposição das empresas que refletem
as dificuldades para a mulher nos setores tecnológicos. A precarização das condições de
trabalho se dão a partir de diferenciações que se produzem e reproduzem em um ambiente de
trabalho por vezes hostil à presença feminina e que repercute em sua subjetividade. Nas falas
sobre as trajetórias socioprofissionais, são manifestadas as diferenças salariais, de carreira e as
consequentes alterações das condições de vida e saúde. É preciso compreender como se dão
essas relações laborais para esse coletivo de mulheres que se dedicam à área tecnológica, uma
vez que as representações relacionadas ao trabalho feminino remetem a uma série de
obstáculos e preconceitos à inserção da mulher neste cenário. Com isso, pretende-se dar
visibilidade à relação gênero, tecnologia e vida laboral. Palavras-chave: tecnologia, trabalho, gênero, subjetividade,carreira.
* Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Pós-Doutora em Psicologia, com Bolsa CAPES.
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Introdução
Ao analisar o perfil dos egressos nas áreas tecnológicas - tendo como referencial o
marco teórico da psicologia social comunitária -, constata-se que, apesar dos muitos estudos
sobre a educação superior no Brasil, é pequena a quantidade de material que traz informações
sobre as necessidades dos egressos na área tecnológica.
A partir da promulgação da Lei 10.861 de 14/04/2004, que instituiu o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) (BRASIL, 2004) e, por conseguinte,
sua normativa, a Portaria 300 do Ministério da Educação (MEC), de 30/01/2006, que aprovou
o instrumento do SINAES de avaliação externa das Instituições de Educação Superior
(BRASIL, 2006), as IES começaram a enxergar os egressos de modo diferente – um público
que era pouco considerado até então.
A Portaria no 646/97 esclarece que as Instituições Federais, especificamente as
destinadas à Educação Tecnológica, precisam identificar novos perfis de profissionais e
adequar a oferta de cursos às demandas dos setores produtivos. Para isto, precisam criar
sistemas de acompanhamento permanente de egressos e estudos de demanda profissional.
A título de esclarecimento a Educação Tecnológica refere-se a um nível da educação
profissional, correspondente aos cursos de nível superior, destinados aos egressos do ensino
médio e técnico, e regulamentados por dispositivos próprios, especialmente pelo decreto no
2.208, de 17 de abril de 1997:
Art".10 Os cursos de nível superior, correspondentes à educação profissional de
nível tecnológico, deverão ser estruturados para atender aos diversos setores da
economia, abrangendo áreas especializadas, e conferirão diploma de Tecnólogo.
Art. 11 Os sistemas federal e estaduais de ensino implementarão, através de
exames, certificação de competência, para fins de dispensa de disciplinas ou
módulos em cursos de habilitação do ensino técnico."
Considera-se, portanto, que os Cursos Superiores de Tecnologia são legalmente cursos
regulares de graduação, com Diretrizes Curriculares Nacionais definidas pelo Conselho
Nacional de Educação, concentrados no domínio e na aplicação de conhecimentos científicos
e tecnológicos, cujas áreas de conhecimento estão relacionadas a uma ou mais áreas
profissionais. Permitem todo tipo de pós-graduação.
O acesso aos cursos de graduação da área tecnológica é aberto a candidatos que
tenham concluído o ensino médio e tenham sido classificados em processo seletivo. O perfil
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dos egressos, em geral, é definido com base no desenvolvimento de competências
profissionais que possibilitem a correta utilização da tecnologia.
É necessário reforçar a distinção entre curso superior técnico (CST) e curso
seqüencial. Os cursos Tecnológicos e seqüenciais possuem naturezas e objetivos diversos, não
sendo sujeitos à regulamentação curricular. São organizados para atender às necessidades dos
cidadãos e das empresas. A flexibilidade é grande, dependendo das demandas. Dessa forma,
diferente dos cursos de graduação, não geram direitos específicos para além da certificação
(CHRISTOPHE, 2005).
As instituições de ensino devem se manter atualizadas frente às transformações
sociais, buscando o acompanhamento do perfil de seus egressos (FREZATTI & KASSAI,
2003; DE FREITAS RÊGO; ANDRADE, 2010). Tal interação é fator fundamental de
avaliação da qualidade do ensino e busca corresponder às expectativas dos alunos com a
realidade do mundo do trabalho. Acompanhar o egresso permite obter elementos para avaliar
periodicamente a qualidade dos cursos de graduação e as necessidades de melhoria dos
processos de ensino e aprendizagem. (DELUIZ, 2003; DE FREITAS RÊGO, 2010; DAL
MAGRO; RAUSCH, 2012, BUFFON, 2015).
O ensino superior para Delors (2000) é o principal instrumento transmissor de
conhecimentos culturais e científicos. Deste modo, o egresso da área tecnológica deve ter
condições de ser, continuamente, um agente de inovação tecnológica para além do universo
acadêmico. A relação entre a universidade e o egresso permite a aprendizagem contínua deste
profissional, considerando que o ciclo tecnológico está mais curto que a carreira profissional,
o que obriga as pessoas a se reciclarem permanentemente em conceitos, técnicas,
conhecimentos e metodologias inovadoras (MACHADO, 2001; SANDRIN, 2015.).
A sociedade atual tem demonstrado a precarização das condições de trabalho, e vem
produzindo diferenciações de gênero que repercutem nas trajetórias socioprofissionais e na
qualidade do trabalho (DE SOUZA MIRANDA; PAZELLO; LIMA, 2015). Para a discussão
do tema trabalho e gênero, relacionando-o com os direitos humanos o relatório da Ação
Educativa, promovido pelo Informe Brasil -- Gênero e Educação (2011), aponta que,
atualmente, as problemáticas de gênero na educação brasileira estão relacionadas a seis
grandes desafios profundamente interligados: a) as desigualdades persistentes entre as mulheres brasileiras: o avanço nos indicadores de
acesso e desempenho é marcado pelas desigualdades entre mulheres de acordo com a renda,
raça e etnia e local de moradia (rural e urbano), com destaque para a situação das mulheres
negras e indígenas;
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b) a situação de pior desempenho e de maiores obstáculos para permanência na escola por
parte dos meninos brasileiros, em especial, dos meninos negros;
c) a manutenção de uma educação sexista homofóbica/ lesbofóbica/ transfóbica, racista e
discriminatória no ambiente escolar; d) a concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas femininas”, com menor
valorização profissional e limitado reconhecimento social;
e) a baixa valorização das profissionais de educação básica, que representam quase 90% do
total dos profissionais de educação, que – em sua gigantesca maioria – recebem salários
indignos e exercem a profissão em precárias condições de trabalho; f) o acesso desigual à educação infantil de qualidade.
Tradicionalmente, o mundo do trabalho continua baseado na ideia de uma dedicação
quase exclusiva do trabalhador à empresa e de um tipo ideal de trabalhador que deve estar
integralmente à sua disposição. O pressuposto dessa concepção é a existência de uma outra
pessoa que cuida de todas as outras dimensões da vida: a família, as responsabilidades
domésticas, o âmbito afetivo e subjetivo. Essa outra pessoa, também por definição, é a
mulher. E o que acontece quando essa outra pessoa também está no mercado de trabalho, ou
seja, também trabalha remuneradamente? Evidentemente esse modelo deve promover tensões.
(ABRAMO, 2010).
O mundo acadêmico adota, prioritariamente, indicadores e critérios quantitativos para
a qualidade da educação, como, por exemplo, o número de professores doutores e o número
de publicações em revistas indexadas. A sociedade, por sua vez, parece considerar a qualidade
diretamente atrelada a fatores como concorrência nos processos de admissão, empregabilidade
e o sucesso profissional de seus egressos, reputação do quadro docente e suntuosidade das
instalações (ABREU JUNIOR, 2009).
O perfil do egresso permite auxiliar a universidade na definição de quais as
competências que deveriam se desenvolver para adaptar-se às transformações científico-
tecnológicas. Para PATRÃO & FERES (2009) os egressos das instituições de ensino se
revelam como atores potencializadores de articulação com a sociedade, fonte de informações
que possibilita retratar a forma como a sociedade, de modo geral, percebe e avalia estas
instituições - tanto do ponto de vista do processo educacional, como também do nível de
interação que se concretiza. Para GARIGLIO & BURNIER (2014), os saberes pedagógicos
dos professores da área tecnológica guardam marcas do contexto de ensino situado da
Educação Profisisonal e de espaços e tempos de formação profissional próprios das áreas
tecnológicas e por experiências e aprendizagens não formais e informais.
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E ainda considerando que a pesquisa de egressos se constitui numa ação importante
neste contexto, à medida que possibilita o levantamento de informações em relação à situação
dos egressos no mundo do trabalho" (PATRÃO & FERES , 2009: 10). O resultado das
pesquisas do perfil do egresso são imprescindíveis para o planejamento, definição e retro-
alimentação das políticas educacionais das instituições.
Metodologia
Antes da apresentação dos procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa,
faz-se necessário a definição acerca do termo egresso. Nesta pesquisa, egresso é considerado
o aluno que efetivamente concluiu os estudos regulares, estágios e outras atividades previstas
no plano de curso e já recebeu o diploma. Logo, esta análise baseou-se no perfil do egresso
da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, considerando os cursos de bacharelado das
áreas de Engenharias, cujas turmas formaram-se no período entre 2005 e 2015. Um
questionário online foi utilizado como instrumento. Tal aplicação permitiu que a pesquisa
atingisse o espaço da internet. “A maior parte das pesquisas que utilizam a internet ainda são
levantamentos quantitativos online, questionários com base na web” ( FLICK, 2009: 240)
Utilizando as referências da epistemologia qualitativa e de questões qualitativas, pretendeu-se
a ampliação metodológica do questionário no intuito de apreender o perfil dos egressos. O
presente artigo discute os resultados parciais da pesquisa, que obteve um retorno de 247
pessoas, representando assim uma amostra de mais de 10% do total de alunos formados pela
Instituição de Ensino Superior- IES no período considerado pela pesquisa.
Discussão e análise dos dados
O questionário aplicado foi composto por 22 questões. Sendo uma primeira série de
questões fechadas (múltipla escolha) que buscam caracterizar o perfil dos egressos e uma
segunda série de questões abertas, cujo espaço foi reservado para que os egressos pudessem
manifestar suas impressões sobre os diferentes aspectos envolvidos em sua formação na
UTFPR. Este artigo apresenta um recorte das questões da pesquisa a partir da análise da
resposta das mulheres egressas da UTFPR, dos cursos de Engenharia Elétrica, Mecânica,
Civil, Eletrônica e Industrial Elétrica. A participação das mulheres na área representa 23% do
total de formados no período entre 2005 e 2015; são de pele branca o perfil de 84% dos
entrevistados; 60% possui idade até 29 anos; são solteiros 55% dos participantes desta
pesquisa.
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Sobre a paticipação das mulheres, observa-se que "a compreensão de que o feminino
está sempre em relação com o masculino também torna fragmentada a posição de tomar uma
categoria, no caso, mulher, em permanente oposição a outro homem" (CASAGRANDE & DA
LUZ, 2011: 53). Deste modo, adotou-se o termo gênero como uma forma de recuperar a
consciência histórica da luta por direitos civis e do papel social atribuido à mulher. O gênero
como um fator social é, portanto, mediador das escolhas profissionais dos jovens.
Na divisão sexual do trabalho a tendência que se mantêm é de um pequeno número de
mulheres na área tecnológica, apesar de ter havido algum aumento nas últimas décadas - este
ainda não é significativo. Em 1991, elas representavam 17% do número de matrículas na
graduação em engenharias; em 2000, passaram a 19%; e em 2008, 21%. Em 2011,
aproximam-se em 30% do total. Ainda conforme o Censo de (2013:28)
as áreas gerais do conhecimento que apresentam os maiores percentuais de ingressos para o
sexo feminino são as áreas Saúde e Bem-Estar Social” e “Educação”, representando na
categoria privada 76,6% para ambas as áreas e na categoria pública, 70,7% e 59,9%,
respectivamente. Observando o sexo masculino, a área geral do conhecimento que registra o
maior percentual de ingressos é a área de “Ciências, Matemática e Computação”, sendo que na
categoria privada o percentual encontrado é 71,5% e na categoria pública é 67,5%.
Contudo, o ingresso das mulheres nesta universidade representa apenas 11% do total
de matriculas, demonstrando a permanência da supremacia nas áreas de ciências sociais
aplicadas e humanas em relação às engenharias. As mulheres na atualidade vêm obtendo cada
vez mais espaço nessa área, mas existem modalidades desse curso em que a presença
feminina ainda não é representativa (LOMBARDI, 2005). A escolha profissional na área
tecnológica está baseada em algumas condições como mercado profissional favorável e
procura por melhores salários, como nestas falas: - Mercado favorável e salário. - Interesse
na area e futuro profissional promissor! - Maiores oportunidades! - Salário e oportunidades!
- Interesse e retorno econômico! - Afinidade com cálculos/matemática, remuneração! -
Salário e oportunidades! -Interesse e retorno econômico! -Desafios de mercado! - Sempre me
identifiquei com a área de exatas, gostava muito de matemática e de cálculos. A engenharia
mecânica foi a área que mais me atraiu por causa do mercado de trabalho.
Por um lado, pode-se afirmar que a entrada da mulher nesse campo é um rompimento
de valores que as discriminam em carreiras tidas como predominantemente masculinas; por
outro, as falas evidenciam a busca de perspectiva mais favorável na oferta de salários e
oportunidades no mercado de trabalho.
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Os conceitos de sexo e gênero se constituem como construções histórico-sociais a
partir da percepção cultural das distinções sexuais. Em oposição às ideias essencialistas de
sexo e do gênero na escolha profissional, pode-se afirmar que a organização social está
abrindo novos horizontes profissionais para as mulheres. Para sustentar esta escolha
profissional, elas tiveram que enfrentar padrões de gênero aceitos no interior das famílias, nas
escolas e no trabalho (LOMBARDI, 2005).
No período estudado – entre 2005 a 2015 –, observa-se que as mulheres escolheram as
áreas tecnológicas com o objetivo de buscar melhores condições de vida e de carreira
profissional. Entretanto, a categoria gênero se evidencia nos discursos das egressas como uma
condição social que pode promover obstáculos para a inserção na área, como nesta fala: -
Suposto mercado de trabalho favorável, que não se mostrou dessa forma quando me formei. As múltiplas mediações do mercado de trabalho alteram as perspectivas profissionais das
mulheres, acarretando, entre outros fatores, a oferta de salários, o tempo dedicado à empresa,
a disponibilidade para horas extras e constantes viagens. É necessário, portanto, observar
todos estes processos do mercado de trabalho, no interior dos quais se articulam
diferenciações de sexo e gênero.
A desigualdade no mercado de trabalho é reafirmada em culturas machistas como a
das organizações tecnológicas, em que a maioria dos perfis de emprego fazem uma prescrição
do tipo de trabalhador que seja mais adequado a cada categoria de gênero (SCOTT, 1995),
A desigualdade no mercado de trabalho ainda é uma realidade entre as expressões das
egressas nas engenharias, ao serem questionadas sobre : - Como percebe sua carreira no
mercado de trabalho atual da área tecnológica? As respostas evidenciam trajetórias
socioprofissionais diferenciadas: - Atualmente estou morando nos EUA, e o mercado de
trabalho na área de tecnologia aqui está novamente em ascensão, depois de um longo
periodo de recessão, o que favorece os profissionais da área no Brasil. Eu não encontrei
trabalho para mim no país na época em que me formei.
A luta das mulheres por áreas profissionais predominantemente masculinas evidencia
um grave problema social que dificulta, principalmente, o ingresso em um mercado de
trabalho que reforça valores heteronormativos. Pode-se observar distinções de gênero
presentes também na aceitação da mulher no campo do desenvolvimento da pesquisa
científica, para além do mercado de trabalho. Como nesta fala: - Acho que a área de pesquisa
está bastante saturada, formando dezenas de doutores anualmente e com pouca inserção das
mulheres neste mercado. No sentido especificamente de considerar as lutas femininas no
campo do trabalho, seja acadêmico ou não, algumas observações das egressas nos ajudam a
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analisar o quadro das lutas por espaço e pelas trajetórias femininas na área, privilegiando na
busca pelo aumento de qualificações: - Se depender apenas da graduação para atuar com
professor no nível fundamental e médio, haverão muitas dificuldades: longas jornadas de
trabalho, remuneração não adequada, locais de trabalho impróprios. Se seguir na formação
profissional, obtendo pós-graduações (mestrado e doutorado), e podendo atuar como
professor universitário ou federal, então receberá respeito, jornadas e locais de trabalho
mais adequados e uma remuneração compatível ao trabalho.
Apesar das transformações de cultura do machismo em organizações tecnológicas, as
diferenças de gênero ainda se manifestam nas relações de dominação e poder, manifestando
uma prática das mulheres de buscar uma superqualificação para evitar o medo do desemprego.
O relato acima evidencia a luta histórica das mulheres por condições de trabalho e jornadas
adequadas, para que consigam uma remuneração compatível com o seu trabalho. As carreiras
acadêmicas são priorizadas pelas mulheres como forma alternativa de inserção profissional.
Mesmo sem deixar de ser o suporte da família, assumindo responsabilidades para com
os filhos, a casa e o marido, enfrentando preconceito tanto na academia como no mundo do
trabalho, elas não desistiram. Foram atrás de conhecimentos na área que tem um grau de
exigência muito grande (ORNELAS, 2010) e, ao mesmo tempo, uma grande desvalorização –
a mulher recebe uma remuneração menor do que o homem na área das engenharias. Como
expressa esta participante ao falar sobre como se sente em relação à sua carreira de
engenheira: - Importante, mas sinto que podia ser mais e mais valorizada, inclusive
financeiramente. Em todos os relatos foi identificada a discriminação sexista e androcêntrica,
influenciando a inserção ocupacional da mulher.
O relato das participantes mostra um quadro de desigualdades apesar da constante luta
e da busca pela superação de obstáculos; muitas delas optam por deixar o país, como neste
relato: - Eu não trabalho mais no Brasil, o crescimento travado e as oportunidades
limitadíssimas para quem quer mais e mais da sua carreira me fizeram mudar para o
Canadá. Me vi numa empresa no Brasil ganhando um salário justo mas que não mostrava
nenhuma oportunidade grande de crescimento. Me vi no mesmo lugar por 15 anos, e queria
algo mais, um desafio a mais. O Brasil parou para a engenharia e aqui, mesmo sendo
estrangeira de uma universidade que ninguém nunca ouviu falar, tenho muito mais
oportunidade de fazer grandes mudanças na minha carreira e me dar ao luxo de descobrir (e
me descobrir) em algo novo. A mudança de seu próprio país, onde não se sente sua escolha
profissional valorizada, cujo contexto também reflete uma trajetória de busca por satisfação
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pessoal. Os discursos são pontuados pelas queixas das mulheres em relação à estrutura
econômica e política do país e aos poucos investimentos em tecnologia.
A falta de infraestrutura para o desenvolvimento tecnológico no país fragiliza ainda
mais as mulheres em busca de oportunidades na área tecnologica: - A construção civil no
Brasil está absurdamente atrasada. O país é extremamente carente de infraestrutura de base,
urbanização e moradia. O cenário do mercado de trabalho, na construção civil, mudou
consideravelmente neste último ano. As vagas abertas foram encerradas; as vagas que estão
sendo abertas exigem mais; o setor de projetos está quase parando – as obras são muito
poucas. Os investidores estão saindo do país e buscando mercados mais seguros.
É importante sublinhar que as mulheres se submetem a condições de trabalho
extenuantes para garantir uma oportunidade de manter-se em atividade, e, como estratégia,
aquelas que não se submetem ao efeito econômico das sucessivas crises cuja principal
consequência é o aumento no índice de desemprego. Muitas preferem a proposta de mudança
para outro país, em busca de um mercado de trabalho mais seguro.
Os saberes são valorizados de forma diferenciada no ambiente de trabalho, assim
como as promoções e os melhores postos ocupacionais, como neste relato: - O mercado de
trabalho encontra-se em uma posição difícil, sendo cada vez mais complicado ser empregada
como engenheira. Empresas oferecem apenas cargos de analistas e projetistas. Mas existe a
perspectiva de crescimento.
Diferentes barreiras são impostas à inserção das mulheres nas engenharias,
especialmente na ciência e, em contrapartida, às facilidades encontradas pelos homens para
este mesmo panorama, o que confere à ciência um caráter androcêntrico, ou seja, a estrutura
social da ciência não apenas exclui as mulheres de seu universo, mas esse universo é
historicamente construído pela figura masculina.
Considerações finais
Como uma construção social, as relações de gênero são mediadoras da escolha
profissional das mulheres. Nesta perspectiva se pode observar um aumento da participação
das mulheres em áreas tradicionalmente masculinas. Diferentes motivos permeiam as escolhas
profissionais da mulher pela área tecnológica. Estes aspectos podem advir de facilidade para
lidar com números, aptidão para exatas, ou simplesmente a busca por melhores salários e
rendimentos ao participarem de uma qualificação que lhes permite aceder a um mercado de
trabalho de aparente segurança profissional.
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As mulheres nas engenharias podem contribuir para modificar uma visão machista
ainda existente em nossa cultura de que existem tipos de trabalho para o homem e tipos de
trabalho para a mulher. A inserção da mulher no mundo da ciência e da tecnologia acontece
como resultado de lutas sociais por direitos iguais, muito embora ainda persistam algumas
diferenças de trabalho em termos de remuneração e ocupação de postos de comando nas
empresas. Analisando as disparidades entre os gêneros como um dos maiores problemas
mundiais, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu “Oito Objetivos do Milênio”,
que devem ser atingidos por todos os países até 2015, sendo que o terceiro objetivo é a
igualdade entre os sexos e a valorização da mulher.
Diante desta meta estipulada por aquela organização, percebe-se a necessidade de
pesquisas sobre relações de gênero nos diversos espaços sociais, a fim de debater e contribuir
com movimentos que pretendam colaborar para a equidade entre homens e mulheres. Pode-se
dizer que houve avanços nas conquistas das mulheres, rompendo os paradigmas no mundo do
trabalho contemporâneo. A equidade de gênero ainda é um processo a se construir
historicamente e representa os anseios de muitas mulheres na área tecnológica.
Nas falas sobre as trajetórias socioprofissionais das egressas se manifestam narrativas
de angústias vividas por enfrentar diferenças salariais e de carreira. Submissão às instituições
que cotidianamente descrevem diferenças de trabalho, capacitação a partir do gênero e fuga
para outros mercados de trabalho são algumas das consequências apontadas pelas egressas. As
discriminações e o preconceito no ambiente de trabalho promovem alterações em condições
de vida e saúde que se manifestam em forma de resignação, desresepito – apresentado sob a
forma de brincadeira desdenhosa – ou enfrentamentos cotidianos em um ambiente de trabalho
predominantemente masculino. Observa-se que existe uma gama de possibilidades das
mulheres se inserirem em trabalhos na área tecnológica, apesar da constituição de um certo
tipo ideal de trabalhador, sempre à disposição das empresas e da precarização das condições
de trabalho. Somente o enfrentamento das diferenciações que se produzem e reproduzem em
um ambiente de trabalho, por vezes hostil à presença feminina, é pode contribuir para uma
cultura da igualdade de gênero.
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