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0 Relatório Cidade e Alteridade As comunidades tradicionais no espaço urbano: um mapeamento de povos e comunidades tradicionais na região metropolitana de Belo Horizonte Janeiro de 2015 Belo Horizonte – Minas Gerais

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Relatório Cidade e Alteridade

As comunidades tradicionais no espaço urbano: um mapeamento de

povos e comunidades tradicionais na região metropolitana de Belo

Horizonte

Janeiro de 2015

Belo Horizonte – Minas Gerais

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FICHA TÉCNICA

Projeto: Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais:

Visibilização e Inclusão Sociopolítica

Coordenação Geral do Programa Cidade e Alteridade

Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin

Coordenação Geral do Eixo Comunidades Tradicionais do Cidade e Alteridade): Aderval

Costa Filho (Prof. Adjunto Departamento de Antropologia e Arqueologia

Orientadora de Campo: Cláudia Regina Rossi Fantini (Graduada em Ciências Sociais –

UFMG)

Pesquisadores envolvidos:

Amália Coelho Souza (Graduando Antropologia - UFMG);

Bárbara M. Martinez Viana (Graduando Antropologia - UFMG);

César Augusto Fernandes Silva (Graduando Ciências Socioambientais – UFMG);

Fernanda Fernandes Magalhães (Graduada Ciências Sociais – UFMG);

Gabriela Lima Diniz (Graduada Geografia – UFMG);

Lânia Mara Silva (Graduada Ciências Sociais – UFMG);

Leonardo Henrrique Cruz Machado (Graduando em Antropologia- UFMG);

Luciana da Silva Sales Ferreira (Graduanda em Antropologia- UFMG);

Maria Teresa Rocha (Graduada Ciências Sociais);

Marlon Marcelo (Graduando Antropologia - UFMG);

Mayara Ferreira Mattos (Graduanda em Antropologia- UFMG);

Paula Pimenta Gomes (Graduando Antropologia - UFMG);

Regina Fonseca (Graduada Ciências Sociais – UFMG);

Thaila Pereira de Araújo Bahiense (Graduando Antropologia - UFMG);

Zilda D’Angelis Costa (Graduanda Direito PUCMINAS).

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ÍNDICE

1- Apresentação.................................................................................................................3

2- Introdução......................................................................................................................4

2.1- Quem são os Povos e Comunidades Tradicionais?....................................................4

3 - Metodologia.................................................................................................................8

4 – Mapeamento Social...................................................................................................11

5 – Atividades realizadas.................................................................................................15

6 – Considerações Finais.................................................................................................54

7 – Bibliografia................................................................................................................55

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1- APRESENTAÇÃO:

Os dados que apresentamos nesse relatório referem-se ao ano de 2014,

particularmente ao segundo semestre, e resulta de atividades e viagens de campo

realizadas pela equipe do Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de

Minas Gerais, contando com o apoio do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais –

GESTA/UFMG, do Núcleo de Estudos sobre Populações Quilombolas e Tradicionais –

NuQ/FAFICH, e do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano – NESTH/FAFICH.

O Projeto de Mapeamento vai além do que designa seu título e visa, não apenas

conhecer e mapear as comunidades e povos tradicionais do Estado, mas também

contribuir para o seu fortalecimento, oferecendo subsídios e entendimentos necessários

para que seus direitos sejam acionados e conquistados.

Mapear as comunidades tradicionais no espaço urbano da região metropolitana de

Belo Horizonte é um grande desafio para o Programa “Cidade e Alteridade: Convivência

Multicultural e Justiça Urbana”, tendo em vista o processo exclusão e invisibilização

dessas comunidades, engendrado historicamente, bem como a clivagem ou sobreposição

de várias categorias, como agricultores familiares (urbanos e periurbanos), famílias

abaixo da linha da pobreza beneficiárias de programas sociais governamentais,

movimentos sociais diversos (sem terra, sem teto, sem exercer o direito à cidade).

Saber quais são, quantas são, onde estão e como vivem essas comunidades têm

demandado ampla articulação com redes sociais e organizações de apoio, estabelecimento

de parcerias com agências governamentais e não governamentais, bem como construção

e aplicação de metodologia específica.

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2- INTRODUÇÃO

O Projeto “Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais:

visibilização e inclusão sociopolítica” se iniciou no ano de 2012 com o objetivo de mapear

povos e comunidades tradicionais no Estado de Minas Gerais, bem como da região

metropolitana de Belo Horizonte. Eram objetivos precípuos a valorização dos seus modos

próprios de ser e viver, o conhecimento ou reconhecimento da sociodiversidade

constitutiva do estado, podendo reverberar em processos de autorreconhecimento e

inclusão desses povos e comunidades, seu fortalecimento e respeito.

O Programa conflui para a caracterização de um universo e estratégias que servem

de ponto de partida para a pesquisa: o autorreconhecimento dos povos e comunidades

tradicionais; o recorte regional, conjugando áreas de abrangência mais amplas

(mesorregiões) e mais restritas (microrregiões), de forma a operacionalizar o mapeamento

e demais atividades; a indicação de lideranças comunitárias de abrangência regional e

local, a partir de redes ativadas com base na articulação dos movimentos sociais ou com

base em relações intercomunitárias de naturezas diversas (parentesco, vizinhança,

atividades produtivas comuns, associações de fundo religioso e cultural). O referido

Programa também tem buscado promover direitos individuais e coletivos, com a

construção de base de dados que visa subsidiar a proposição, adequação e/ou

implementação de políticas públicas, sobretudo para diminuir a distância que existe entre

integrantes desses povos e comunidades e demais cidadãos brasileiros.

2.1 - QUEM SÃO OS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS?

A categoria povos e comunidades tradicionais é relativamente nova, tanto na

esfera governamental, quanto na esfera acadêmica ou social, não obstante a presença ou

resistência histórica desses povos e comunidades, sobretudo, no meio rural brasileiro e

mineiro. Desde a década de 1970, os movimentos sociais têm incorporado critérios

étnicos, de gênero, elementos de consciência ecológica e de autodefinição coletiva em

suas reivindicações.

Segundo Costa Filho (2011),

na medida em que estes grupos começaram a se organizar localmente, emergindo

da invisibilidade em que se encontravam, surgiu a necessidade de balizar a

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intervenção governamental junto aos mesmos […] Uma vez reconhecida ou

criada pelo poder público uma categoria de diferenciação para abarcar

identidades coletivas tradicionais, não somente os grupos sociais relacionados

passaram a ser incluídos política e socialmente, como também se estabeleceu um

pacto entre o poder público e esses segmentos, que inclui obrigações vis a vis,

estimulando a interlocução entre sociedade civil e governo e o protagonismo

social (COSTA FILHO 2011: 2-3).

Com isso, essas comunidades tradicionais podem ser caracterizadas como grupos

sociais diferenciados cultural e historicamente, possuindo formas específicas de

apossamento de terra e de apropriação dos recursos naturais. Com um processo social

distinto do restante da sociedade nacional, essas comunidades construíram seus modos de

vida em estreita relação como o seu território que, por sua vez, não se define só pelas suas

dimensões físicas, mas também pelos significados simbólicos que permeiam as relações

homem-natureza (ROCHA, 2010).

Segundo Diegues e Arruda, as comunidades tradicionais se caracterizam:

- pela dependência da relação de simbiose entre a natureza, os ciclos e os recursos

naturais renováveis com os quais se constrói um modo de vida;

- pelo conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, que se reflete na

elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é

transferido por oralidade de geração em geração;

- pela noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e

socialmente;

- pela moradia e ocupação do território por várias gerações, ainda que alguns membros

individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus

antepassados;

- pela importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias

possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relação com o mercado;

- pela reduzida acumulação de capital;

- pela importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de

parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais;

- pela importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, pesca e atividades

extrativistas;

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- pela tecnologia utilizada, que é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio

ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo

produtor e sua família dominam todo o processo até o produto final;

- pelo fraco poder político, que em geral reside nos grupos de poder dos centros urbanos;

- pela auto-identificação ou identificação por outros de pertencer a uma cultura distinta.

(DIEGUES E ARRUDA, 2001:26)

Esta definição identifica as comunidades como grupos sociais culturalmente

diferenciados, com formas próprias de organização econômica, política e de transmissão

de conhecimentos, estando estas ligadas a uma corrente ambientalista que procura

desconstruir o “mito moderno da natureza intocada”. Brandão (2010:46), com outro olhar,

bastante próximo ao de boa parte dos novos estudos sobre comunidades tradicionais,

desloca o eixo de: uma tradicionalidade cultural centrada sobre a interioridade peculiar

de um modo de vida, para questões que priorizam a questão da ocupação ancestral ou

recente de um território, o manejo do meio ambiente, as formas patrimoniais de saberes

e práticas ligadas a tal manejo; a organização interna da unidades comunitárias e sua

dependência, sobretudo política e econômica, dos centros urbanos próximos ou mais

remotos e, mais ainda, a dimensão identitária alter ou auto atribuída.

Costa Filho (2014), enfatiza características recorrentes dos povos e comunidades

tradicionais: sua dimensão territorial e os processos de territorialização envolvidos, sua

campesinidade, seu modo familiar de organizar e dispor da produção, suas formas de

sociabilidade e institucionalidade, seus sobredeterminantes étnicos e sua mobilização

continuada, visando reprodução econômica e social. É patente o reconhecimento dos

direitos diferenciados, a própria legitimação de identidades coletivas tradicionais, que

resulta da mobilização social e da interrelação entre grupos étnicos com aliados e

antagonistas, incluindo o próprio Estado.

Assim, utiliza-se neste estudo a noção de comunidades tradicionais para definir

grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem

historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na

cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-se tanto a povos

indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos

particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos. (DIEGUES E

ARRUDA, 2001:62)

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Em se considerando o Brasil, essa definição engloba um leque considerável de

grupos indígenas e não-indígenas como: seringueiros, ribeirinhos, pescadores artesanais,

quebradeiras de coco babaçu, indígenas, quilombolas, ciganos, pomeranos, geraizeiros,

povos de terreiro, comunidades de fundo e fechos de pasto, faxinais, pantaneiros, dentre

outros grupos sociais tradicionais. (Costa Filho, 2014). Em se considerando o estado de

Minas Gerais, temos os povos indígenas, os povos ciganos, os povos de terreiro, as

comunidades quilombolas, os geraizeiros, os vazanteiros, os caatingueiros, os veredeiros,

os apanhadores de flores sempre vivas, os faiscadores, a família circense, dentre outras

categorias identitárias objetivadas em movimento social.

3 - METODOLOGIA

Devido à magnitude do projeto, tanto em termos de abrangência geográfica, como

da complexidade das atividades e dos produtos previstos, impôs-se a necessidade de

delimitar áreas para a atuação prioritária, assim como metas iniciais. As áreas prioritárias

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foram eleitas desde 2011 a partir de seu conhecido grau de vulnerabilidade: as

Mesorregiões do Jequitinhonha, Noroeste de Minas e Norte de Minas, sendo que no ano

de 2014 a abrangência do programa tornou-se maior ao trabalhar também com a Região

Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

O Projeto “Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais” utiliza como um

dos primeiros passos metodológicos, a realização de contatos com organizações de apoio

aos povos e comunidades tradicionais, bem como setores de órgãos públicos que atuem

na defesa e implementação dos seus direitos. Nessa oportunidade, são apresentados os

objetivos do Projeto, sua metodologia e pactuada a coparticipação do órgão e entidade.

Esta etapa é imprescindível, pois possibilitará um levantamento preliminar dos povos e

comunidades tradicionais existentes na região ou microrregião, tendo em vista que esses

órgãos e entidades já atuam há mais tempo junto aos mesmos.

Na sequencia, são realizadas as oficinas de Direitos de Povos e Comunidades

Tradicionais, visando fortalecer institucionalmente esses grupos, podendo desencadear

processos de identificação e autorreconhecimento, além de inclusão sociopolítica. As

oficinas de formação são voltadas para as comunidades previamente indicadas pelos

parceiros, envolvendo lideranças e agentes comunitários, para que estes atuem de forma

coparticipativa e autônoma no processo de produção do conhecimento, apropriação dos

resultados e possam exercer e promover maior protagonismo social.

Nessas oficinas são abordados os seguintes conteúdos: análise histórica do

conceito de “povos e comunidades tradicionais”; aparato jurídico-formal; direitos

assegurados e instituições responsáveis pela sua implementação; processos de

territorialização1; desafios inerentes à ordem do direito e das políticas públicas como, por

exemplo, a questão das comunidades atingidas pela mineração e por Parques, ou ainda

pela especulação imobiliária e (des)ordenamento urbano e outros conflitos

socioambientais.

1 O antropólogo João Pacheco de Oliveira, assim define os processos de territorialização: “... o movimento

pelo qual um objeto político-administrativo vem a se transformar em uma coletividade organizada,

formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e

reestruturando as suas formas culturais” (OLIVEIRA 1999, p. 21-22). Naturalmente, esses movimentos

pressupõem a manutenção de uma unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade

étnica diferenciadora, a constituição de mecanismos políticos especializados, a redefinição constante do

controle sobre os recursos ambientais e a manutenção da cultura e da relação com o passado.

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Logo após a realização das oficinas, a equipe do projeto mapeamento realiza as

incursões a campo para coleta de dados nas comunidades que participaram do encontro,

e outras indicadas por estas como “tradicionais”. Nesta fase entrevistas em profundidade

são realizadas com idosos/idosas e lideranças, no intuito de melhor caracterizar as

relações históricas, sociais, culturais, econômicas e religiosas das mesmas, possibilitando

visibilizar também quais são os conflitos internos e externos que enfrentam e quais as

demandas mais urgente destas comunidades. Após este trabalho o ponto de GPS é colhido

em cada comunidade trabalhada, que servirá como base para a criação do mapa onde

poderá ser visualizado a localização exata dos Povos e Comunidades Tradicionais no

Estado de Minas Gerais.

Constata-se na atualidade que boa parte dos povos e comunidades tradicionais

encontra-se ainda na invisibilidade, silenciados por pressões econômicas, fundiárias,

processos discriminatórios e de exclusão sociopolítica, que propiciam hoje, como no

passado, a expropriação de seus territórios, com a consequente desarticulação de práticas

produtivas e culturais.

Em que pese ser de conhecimento geral o fato de que o Estado de Minas Gerais,

em sua dimensão urbana e rural, congrega uma parte fundamental dessa diversidade e

riqueza sociocultural (com o indicativo da presença de comunidades remanescentes de

quilombo, povos indígenas, ciganos, geraizeiros, vazanteiros, pescadores artesanais,

ceramistas, congadeiros, povos de terreiro, catadores de sempre-vivas, família circense,

entre outras categorias identitárias) a invisibilidade é o que predomina no contexto

mineiro. Saber quem são, quantos são, onde estão e como vivem os Povos e Comunidades

Tradicionais no Estado de Minas Gerais torna-se um imperativo para a efetiva proteção

desse riquíssimo Patrimônio Cultural (através da promoção de políticas públicas voltadas

para a garantia de seus direitos e sustentabilidade de seus modos de vida, bem como para

a valorização de sua cultura) e de seu (re)conhecimento.

4 -MAPEAMENTO SOCIAL

Pode-se afirmar que o Projeto Mapeamento tem pautado suas ações no escopo dos

trabalhos contemporâneos designados sob o termo “Mapeamento Social”, que pressupõe,

para além de localizar as comunidades em bases cartográficas, instrumentaliza-las em

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termos de direitos e políticas públicas, bem como promover ampla participação de

comunitários nas etapas do projeto e no próprio projeto político dos grupos ou

comunidades envolvidos.

Os mapeamentos sempre foram uma abstração do mundo, elaborados a partir de

algum ponto de vista. Para se configurarem da forma como se apresentam atualmente, foi

necessário longo processo de invenção de técnicas e formas de se conceber e construir o

espaço. Na história das representações espaciais, os mapas começaram como ficção, um

meio de se pensar o mundo, a partir da crença e dos mitos, e não a partir da geografia

(Acselrad, 2009). Ao longo de séculos, constantes observações do mundo pelos geógrafos

possibilitaram a criação de instrumentos que proporcionam capacidades de medida, de

coordenadas e altitudes que objetificam os mapas. Com isso, tudo o que se configura no

espaço pode ser mapeado.

A cartografia até a última década do século XX foi um forte instrumento de

dominação utilizado pelo Estado e somente a partir de 1990 foi pensada de forma

diferente, com o surgimento de experiências de “mapeamentos participativos” ou

“cartografias sociais”. Algumas dessas experiências mostram como a cartografia pode

incluir grupos historicamente marginalizados ou invisibilizados nos processos de

construção dos mapeamentos, bem como esses grupos tem se valido dessas experiências

para objetivarem suas identidades, fazendo-se emergir em disputas cartográficas onde o

ato de mapear ou se visibilizar passa a ser um ato político.

O mapeamento, desde sua origem, é constituído de representações de territórios

recortados com o objetivo de se definir o real e, consequentemente, possuí-lo. Joliveau,

citando Harley (2008), afirma que a linguagem do mapeamento é uma linguagem de

poder constituída pelos grupos dominantes e reforçada pela tecnologia. Uma breve

história da cartografia pode nos demonstrar isso.

No século XVII, a cartografia, a ciência e o Estado se unem num processo de

coprodução de mapas, com o objetivo de controlar os processos sociais e territoriais;

estava claro à época que os mapas serviriam para a definição dos Estados, legitimando

suas conquistas. No século XX, a cartografia segue contribuindo com o Estado na

produção de mapas, visando à identificação de recursos naturais para sua gestão. E ao

final do século XX surgem os mapeamentos participativos e cartografias sociais. Segundo

Joliveau (2008), tais experiências constituem-se de planejamentos comunicativos e

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participativos para construir, juntamente com os sujeitos locais, a organização contínua

do futuro território. A informação é proveniente dos espaços tradicionais e o território

passa a ser, cada vez mais, constituído a partir de outro ponto de vista que não

exclusivamente o do Estado.

No entanto, essas experiências buscam ora resistir às dinâmicas de globalização

dominantes, ora servir como instrumento para garantir essas mesmas dinâmicas,

dependendo de como os processos geoestratégicos são usados na interação com a

metodologia de mapeamentos participativos. Para Acselrad (2009:05), esses diferentes

usos e objetivos que são dados aos mapeamentos demostram as “implicações políticas

dos mapas”, em que os mapeamentos são, eles próprios, “objeto da ação política”. Como

a ação política diz respeito à divisão do mundo social, há que se considerar que

representações e domínios do espaço.

Os mapeamentos sociais permitem a inclusão da ação e do universo de sujeitos

neles envolvidos, não partindo, portanto, de um ponto de vista único ou do ponto de vista

do dominador ou tão somente de um observador externo. Permite que o monopólio do

Estado perante a representação espacial seja contestado e legitima agentes sociais

emergentes envolvidos na disputa cartográfica. Essas práticas de mapeamento diferem

dos mapeamentos convencionais, uma vez que reconhecem os saberes do espaço e do

meio ambiente dos grupos locais envolvidos e insere-os em modelos consolidados de

conhecimento. Nesse sentido, utilizam-se metodologias de “observação participativa” e

de “pesquisa colaborativa” que, combinadas com tecnologias dos SIG – Sistemas de

Informação Geográfica e de sensoriamento remoto –, são aplicadas na elaboração de

mapas, gerando nova luz de produção e uso desses instrumentos na representação do

espaço.

No Brasil, surgiram no final do século XX, diversos tipos de mapeamentos com

estratégias e metodologias diferentes. No entanto, é só a partir de 2005 que se

intensificaram. Tais experiências tinham o objetivo de delimitar territórios, identitários

ou não, para discutir sobre desenvolvimento local, oferecer subsídios a planos de manejo

de unidades de conservação, proporcionar o etnozoneamento de terras indígenas.

Para Acselrad (2009: 31), a inclusão de outros sujeitos na produção de

mapeamentos fez emergir várias disputas territoriais. Criaram-se situações em que atores,

pertencentes ou não ao Estado, integrantes de movimentos sociais, cientistas e grupos

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locais se unissem no intuito de produzir outros espaços. Essa união marca uma tentativa

de conceber “territorialidades específicas” para promover uma construção política de

realidades e evocar afirmações de identidades, assim como de autogestão territorial e

controle dos recursos naturais de que tradicionalmente se utilizam tais grupos. Nesse

contexto, busca-se a objetivação de identidades, muitas vezes resultando na definição

pelo próprio grupo dos critérios de inclusão e exclusão, ou seja, definição de suas próprias

fronteiras.

Se, por um lado, esses mapeamentos podem dar legitimidade a grupos que

demandam territórios, por outro, eles podem contribuir para estabilização do mercado de

terras com o intuito de atrair investimento internacional. Isso se deve, sobretudo, ao fato

de que esses mapeamentos também estão sendo utilizados por agências multilaterais,

como o Banco Mundial. Nesse processo de visibilização e inclusão sociopolítica dos

povos e comunidades tradicionais, muitas vezes tais reconhecimentos e delimitações de

territórios etnicamente configurados aparecem como condição para o financiamento de

megaprojetos econômicos ou de desenvolvimento no Brasil.

Cabe ressaltar também que esses povos e comunidades são marcados pela

exclusão não somente por fatores étnicos e raciais, mas sobretudo, pela expropriação de

seus territórios levada a efeito por grileiros, fazendeiros, empresas ou pelo Estado.

Desde a promulgação da chamada “Lei de Terras de 1850” instaurou-se no Brasil

uma diferença no acesso e manutenção da terra por comunitários no meio rural. A

Constituição Federal de 1891, nos primeiros anos republicanos, transfere para os estados

as terras devolutas, sobre as quais até então não havia sido reclamado domínio,

reconhecendo o “direito de compra preferencial” pelos posseiros.

Segundo Costa Filho, Mendes e Outros (2013: 2).

Desde então houve um amplo processo de invasão das posses de comunitários e

comunidades que, sem leitura e conhecimento das leis, sem recursos para pagar

os serviços de medição das terras e registro em cartório, viram-se em

desvantagem em relação aos cidadãos letrados, que conheciam o sistema

instaurado e tinham várias alianças. A presença de jagunços, advogados, e até

agentes do Estado para defender interesses dessas classes mais abastadas,

ilustram a desigualdade na correlação de forças entre invasores e povos e

comunidades tradicionais.

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Hoje, tais formas de expropriação de terras e territórios e direitos abrange

interesses do agronegócio, de obras e empreendimentos desenvolvimentistas, nos

processos de exploração mineraria, de construção de hidrelétricas, de outras obras e

empreendimentos, notadamente as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do

Crescimento - PAC5 que, em grande medida, impactam territórios tradicionalmente

ocupados. Não por outras razões existem as políticas afirmativas, que visam reparar um

pouco desta desigualdade de forças e estender a ação protetiva do Estado aos grupos mais

vulnerabilizados nesses processos.

É nesse contexto de contradições e interesses políticos antagônicos que se situa o

Projeto “Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais em Minas Gerais:

visibilização e inclusão sociopolítica”.

5 - ATIVIDADES REALIZADAS

Foi realizada no período de 07 a 09 de novembro de 2014, na cidade de Conceição

do Mato Dentro, em parceria com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais

(MPMG), uma oficina que reuniu aproximadamente 50 pessoas, com carga horária de 20

horas-aulas, acrescidas de 20 horas para preparação, transcrição de dados posterior à

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oficina, bem como elaboração de relatório. A oficina foi ministrada/coordenada pelo Prof.

Dr. Aderval Costa Filho, que vem acadêmica e profissionalmente aprimorando

ferramentas de mapeamento social, bem como de capacitação de comunitários e

lideranças.

A Oficina foi realizada a partir de ampla mobilização que incluiu várias incursões

a campo para contato com comunidades/comunitários, envolvendo tanto pesquisadores

do Projeto Mapeamento, quanto colaboradores do Grupo de Estudos em Temáticas

Ambientais – GESTA/FAFICH/UFMG e do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho

Humano – NESTH/FAFICH/UFMG, além do apoio prestimoso da Coordenadoria de

Inclusão e Mobilização Social - CIMOS/MPMG, na pessoa do Oficial Luiz Tarcizio

Gonçaga de Oliveira, que realizou visitas prévias para mobilização e organização da

oficina, bem como ajudou a coordenar toda a oficina.

Digna de nota também a participação na oficina do Promotor da Comarca de

Conceição do Mato Dentro, do MPMG, Dr. Marcelo Mata Machado, que não só

demandou a realização da mesma, quanto disponibilizou recursos logísticos necessários

à sua realização, quanto participou pessoalmente de toda a oficina, contribuindo com

apontamentos da ordem dos direitos, na proposição de encaminhamentos e

comprometendo-se a dar consecução aos mesmos, no que tange às possibilidades de

atuação do MPMG.

Cabe salientar que a região de Conceição de Mato Dentro é região prioritária de

atuação do Programa Cidade e Alteridade, sobretudo pelos eixos “Mineração” e

“Unidades de Conservação da Natureza de Proteção Integral e Comunidades Locais”. A

realização desta oficina especificamente na região possibilitou, portanto, contribuir no

processo de empoderamento de comunidades e comunitários vulneralizados pela

implantação do PARNA Serra do Cipó, e de dois grandes empreendimentos minerários,

o Anglo American e o Manabi. Ambos os empreendimentos, em seus Estudos de Impacto

Ambiental não reconhecem a existência de várias comunidades tradicionais, tanto na área

de instalação dos complexos minerários quanto nas áreas de instalação de minerodutos, o

que nos possibilita contribuir tanto na sugestão de medidas protetivas pelas instituições

responsáveis pelos processos de licenciamento, quanto medidas efetivas visando

resguardar e proteger patrimônios culturais e direitos coletivos assegurados pela

Constituição Federal.

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Os recursos e materiais utilizados foram exposições dialogadas, datashow,

produção de textos em grupo, confecção de perfis paisagísticos, além de vídeos. A

avaliação da oficina foi possível a partir da participação dos comunitários nas discussões,

elaboração de textos em grupo, dinâmica de liderança, apresentação da confecção dos

territórios, avaliação final e encaminhamentos para o MPMG.

Na oficina estavam representadas as comunidades localizadas na Região

Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) como as da Serra do Cipó; do município de

Conceição do Mato Dentro, as comunidades de Água Limpa, Parauninha, Três Barras,

Beco, Cubas, Buraco, Baú, Candeia, Sapo/Água quente e do município de Serro, a

comunidade Ausente.

Conteúdos trabalhados e comentários:

No primeiro dia de atividades, dia 07 de novembro de 2014, no período matutino

houve o deslocamento e a acolhida e credenciamento dos comunitários. No período

vespertino houve abertura, boas-vindas do evento e apresentação das comunidades

presentes e da equipe do Programa Mapeamento. Na sequência, houve a apresentação e

breve explanação do Promotor da Comarca de Conceição do Mato Dentro, do MPMG,

Dr. Marcelo Mata Machado.

Cabe ressaltar que os temas abordados na oficina, em linguagem de fácil

entendimento, com exemplificações, relatos de experiência, vivências em grupo, vídeos,

e discussões serão aqui tratados também do ponto de vista teórico-conceitual, visando

conferir maior reflexibilidade aos temas, tanto no contexto acadêmico quanto no contexto

de atuação profissional e do Ministério Público, sendo, para tanto, necessárias, algumas

digressões histórico-processuais ou teóricas.

Após a abertura oficial do evento, foram dadas informações de forma expositiva

e dialógica, sobre o Programa Mapeamento, a parceria e corresponsabilidade do MPMG,

bem como sobre os conteúdos programáticos. Foram estabelecidas também as regras ou

acordo de convivência, com o propósito de tornar o curso mais participativo e otimizar o

tempo. As normas pactuadas foram afixadas em local visível, abordando aspectos como

participação, cooperação, pontualidade, cordialidade, ordem e questões disciplinares. Foi

acordado junto aos participantes o registro fotográfico da oficina e a assinatura das listas

de presença.

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Em seguida, numa perspectiva histórica ou processual foi explanada a questão da

identidade dos “povos e comunidades tradicionais”, constatando, no primeiro momento,

o processo que invisibilizou essas comunidades, ocasionando sua exclusão sociopolítica

histórica sofrida. A expropriação do território, por empreendimentos, unidades de

conservação da natureza de proteção integral, monocultura, mineração, como fatores que

colaboraram para esse processo, até mesmo de certa forma, para a criminalização dessas

comunidades. Dificultando assim, o acesso das mesmas aos seus direitos territoriais e as

políticas públicas.

Para Barreto Filho (2002), o conceito de Povos e Comunidades Tradicionais, foi

cunhado nos moldes do conservacionismo internacional como forma de contraposição às

correntes ambientalistas que defendem a criação de unidades de conservação como

estratégia de proteção da “natureza intocada” e toda ação humana ou antrófica sobre o

meio é considerada predatória. Dessa forma, as comunidades locais são vistas como

ameaças ao meio ambiente e devem ser retiradas de dentro das áreas protegidas. A

contribuição de Diegues a esse debate foi de extrema importância no Brasil para o

reconhecimento dessas comunidades como possuidoras de um grande saber técnico e de

uma relação respeitosa com a natureza, o que os caracteriza como preservadores da

biodiversidade local. Diversos estudos antropológicos e do campo das etnociências

demonstram a validade desse “saber” e comprovam os “serviços prestados” por essas

comunidades à preservação ambiental de diversos ecossistemas. Segundo um

participante da oficina, “quem vive na terra sabe que não pode destruir”, o que evidencia

uma lógica pautada numa subjetivação da natureza e de preservação da biodiversidade

local.

Por isso, foi ressaltando a importância do autorreconhecimento das comunidades

enquanto tradicionais, pautado no seu modo de vida e organização. Nesse sentido,

ressalta-se que a identidade dos grupos está fortemente vinculada aos processos de

territorialização dos mesmos. Assim, faz-se necessário analisar o modo como estas duas

dimensões - identidade e território - estão relacionadas.

O sentimento de comunidade é formado pelo compartilhamento de uma origem

comum, a constituição de um lugar de referência (um território), por laços de parentesco

e compadrio, e suas relações sociais são pautadas na reciprocidade e na interdependência

econômica. Assim como coloca Weber (1992), a comunidade é uma relação social, em

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que a ação social está refletida num sentimento subjetivo que apresente a construção de

um todo, apoiado em fundamentos afetivos, emotivos e tradicionais, sentimentos de

camaradagens e laços de solidariedade.

A comunidade segundo MacIver e Page (1992), é construída em duas bases

fortes, o sentimento de comunidade ou sentimento de “nós” no território. Toda

comunidade deve possuir um território em comum, que é o principal meio de reprodução

não só econômico, mas social, uma vez que seus membros mantêm um forte vínculo com

este, construindo saberes e símbolos de solidariedade herdados. Esse espaço produz

modos de vida ligados ao meio ambiente, uma cultura que se expressa em interação com

a natureza.

Assim, a organização política que os grupos desenvolvem ao longo do tempo para

lograr sua sobrevivência física e cultural está ligada a um contexto mais amplo. Essa

organização, em relação a expansão das fronteiras no território nacional, passa por um

processo de “territorilização”, “desterritorialização” e “reterritorialização”. Como

enfatiza Appadurai (1997:43), em geral, ainda que o mundo em que “vivemos tenha sido

considerado como desterritorializado, é preciso destacar que esta desterritorialização gera

várias formas de reterritorialização”. Aí lidamos com os esforços de criação de novos

imaginários locais e uma apropriação dos discursos sobre cidadania, democracia e direitos

locais que, em primeira instância, se faz com a presença de um agente intermediador.

O vínculo territorial nessas comunidades tem como dimensões simbólicas:

a memória do grupo; os sítios sagrados; modo de vida, visão de homem e mundo pautados

em uma lógica específica; sistemas de saberes e conhecimentos locais próprios herdados

coletivamente; sentimento de pertencimento ao território e identificação com o

ecossistema. É importante ressaltar que esse território não é fixo, uma vez que existem

casos de comunidades nômades e em transumância, como é o caso dos povos ciganos e

das famílias circenses. Além disso, ele não é só rural é também urbano, como nos casos

dos quilombos urbanos, geralmente, comunidades engolidas pelo processo de expansão

das cidades, como os quilombos urbanos Luízes, Mangueiras e Arturos, a comunidade

quilombola e de terreiro Manzo Ngunzo Kaiango, a comunidade cigana Calon de São

Gabriel e todas as demais na RMBH.

O território para Castro (2000:166), é o espaço ao qual certo grupo garante aos

seus membros direitos estáveis de acesso, de uso e de controle dos recursos e sua

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disponibilidade no tempo. Por isso, a continuidade da apropriação das bases territoriais

por essas comunidades é de extrema importância para produção não só econômica, mas

também social e cultural desses grupos. Assim como enfatiza Diegues (2000:32), “os

seres vivos, em sua diversidade, participam de alguma forma do espaço, eles pertencem

a um lugar, um território como locus em que se produzem relações sociais e simbólicas”.

As múltiplas expressões da territorialidade de uma gama diferenciada de grupos

sociais originam territórios diversificados, dotados de características socioculturais

peculiares, o que resulta na necessidade da perspectiva etnográfica na análise

antropológica da territorialidade, para possibilitar a compreensão dessa diversidade de

territórios. A cosmografia de um grupo engloba o seu sistema de propriedade, os vínculos

sentimentais com seu território, a memória histórica dos processos de apropriação e

reafirmação e as formas de uso coletivo (OLIVEIRA, 2005: 80-81)

Outro fator importante, como coloca Oliveira (2005) é a diversificação territorial

que diferencia essas comunidades e por isso, que é necessário ir além das concepções

naturalizadas de “culturas” espacializadas e explorar, a produção da diferença dentro de

espaços comuns, compartilhados e conectados (Gupta e Ferguson, 2000: 42). Sendo que,

como a produção da diferença está ligada às relações identitárias, o processo de

territorialização dessas comunidades resulta numa reorganização social que estabelece

uma identidade étnica diversificada e dinâmica.

Também se enquadra nas dimensões do território, os sistemas de produções, por

isso, esses foram enfatizadas e ligados ao contexto de autonomia e não de mercado, do

uso sustentável do meio ambiente e pela utilização de tecnologias de baixo impacto. Para

Marx (1971) a finalidade principal desse sistema é a reprodução familiar e coletiva e

secundariamente a comercialização de excedentes. Além do consumo familiar, a

produção também é destinada as práticas sociais (festas, ritos, procissões e outros) e ao

uso comunitário. O que se pode evidenciar no relato de um participante, quando sua

vizinha havia colhido mangada em suas terras:

Vizinha: Entrei no seu terreno e catei um monte de mangaba!

Participante: Você tá pegando para sua necessidade?

Vizinha: Sim!

Participante: Então, pode entrar e pegar a vontade!

(Participante da Oficina – Conceição do Mato Dentro, 2014)

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A produção, também assume um caráter temporal, e seu calendário está ligado ao

religioso. Ou seja, datas, como a da colheita, geralmente, coincide com o dia de algum

santo. A construção temporal é feita por Evans-Pritchard (1993), em dois tempos, o tempo

estrutural e o ecológico, o estrutural está ligado à identidade do grupo, projetando no

passado, as relações sociais do presente. Esse tempo aproxima do que Woortmann (1992)

coloca como tempo histórico, considerando os sujeitos como agentes históricos, e por

serem históricos, constroem classificações sobre o tempo. A ênfase dada pela autora é

nos significados históricos percebidos, acionados na construção da identidade. O tempo

ecológico é o tempo que está ligado à dinâmica dos ciclos naturais, ao processo sazonal

desses eventos, que simboliza reordenamentos das relações sociais entre –

homem/natureza- modificando a percepção espacial. Woortmann (1992) chama esse

tempo de tempo cíclico, que se repete sempre igual. Pode-se afirmar então, que essas

comunidades possuem um ritmo e uma lógica próprios.

A noção de organização social, também foi exposta na oficina, uma vez que esta

demonstra a estrutura e os arranjos que cada comunidade produz, a partir das relações

sociais e das identidades estabelecidas. A organização social de uma comunidade traduz

a forma como os homens comportam em sua vida social, ressaltando, também, que é

através da organização social que o grupo local poderá estabelecer, quando necessário,

conexões com outros grupos.

As formas de produção nessas comunidades são vinculadas ao grupo doméstico.

A posse da terra é dividida entre familiares e pessoas em comum, configurando-se assim,

em relações de trabalho. Estas comunidades se dividem em núcleo primário, que se reduz

à família nuclear - mãe, pai e filho; grupo doméstico, que se caracteriza pelas pessoas que

moram na casa; unidades sociais como a Igreja; associações de bairro; grupo de dados

como crianças; grupo de adolescentes; grupo de jovem; grupo de vizinhança; grupo de

interesse a partir da criação de hábitos de ajuda mútua e grupos institucionais. O grupo

primário se caracteriza, segundo Charles H. Cooley (1992), pela associação e cooperação

face a face, princípio básico e essencial para se caracterizar uma comunidade, sendo

fundamental na formação dos ideais sociais do indivíduo. As três principais propriedades

do grupo primário são: relação face a face, prioridade temporal em experiência e o

sentimento do todo. No entanto, como salienta Ellsworth Faris (1992), existem grupos

face a face que não são primários, como instituições formais, outros em que não existem

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a relação face a face, mas que se encontram num grupo primário, assim como um grupo

de parentesco disperso, sendo as relações movidas por laços coesos de sentimento.

Uma e outra são acidentes, residindo à essência do “grupo primário” na relação

que corresponde à ideia, imagens e sentimentos de um caráter específico e facilmente

identificado. Uma família é um “grupo primário”, somente na medida em que essas

relações existem. (…) A essência do “grupo primário’’ está no seu caráter funcional e

emocional. A prioridade temporal e a contiguidade espacial são acidentais. (FARIS,

1992:35),

Colocou-se a importância da família extensa ou ampliada na organização da

comunidade. Enfatizando, a existência de distintas modalidades de famílias, pois num

grupo doméstico (pessoas que moram na casa) pode-se encontrar dois ou mais núcleos

primários (família nuclear, mãe, pai e filho). Ou seja, numa mesma casa pode haver duas

ou mais famílias, o que deve ser levado em consideração pelas políticas públicas.

No fim da tarde, por fim, definiu-se que as expressões culturais são necessárias ao

consubstanciar os vínculos sociais dos indivíduos perante a coletividade nos planos

sociais, físicos e espirituais. Elas evidenciam as particularidades de cada grupo social ou

comunidade, pois é através das expressões linguísticas, festas, rezas, comidas, modo de

construção das casas, entre outras que verificamos essas particularidades. Todos esses

conhecimentos tradicionais são transmitidos oralmente e se perpetuam ao longo do

tempo. Além de se definir e construir diferenças, essas também constituem nas inter-

relações com os outros grupos.

Na oficina, uns dos rituais festivos colocados pelos comunitários, foi o congado,

em algumas comunidades há marujadas e em outras, há o catopê. Esses rituais são de

extrema importância social, além de propiciarem momentos de reafirmação dos laços

sociais de solidariedade, também caracterizam momentos de quebra de rotina, pois o

tempo da festa é outro, um momento de descontração e interação social.

O dia foi encerrado, firmando algumas diretrizes, como:

A necessidade de fortalecer as instituições locais;

A necessidade de fortalecer a unidade sociocultural;

A necessidade de promover o protagonismo social;

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A necessidade de se buscar integrar as ações e políticas de implementadas

no território;

O fortalecimento das organizações e representações comunitárias.

No segundo dia da Oficina, dia 08 de outubro de 2014, no período matutino, foi

informado todo o reconhecimento jurídico-formal que as comunidades tradicionais

possuem. Esses marcos foram apresentados de forma correlacionada ao processo

histórico de conformação da estrutura fundiária brasileira, explicitando a ambivalência de

leis que marcaram apropriação das terras no país e ao mesmo tempo ocasionaram a

expropriação das terras e dos recursos dos povos e comunidades tracionais. A primeira

destas foi a Lei de Terras (Lei n 601 de 18 de dezembro de 1850), que impõe a terras

devolutas do Império a necessidade de compra e venda e registro no cartório, para

configurar dominialidade. O reconhecimento das terras possuídas até a data de publicação

da Lei 601/1850, mais do que ao posseiro pobre, beneficiou as oligarquias possuidoras de

sesmaria irregulares ou que ocupavam terras sem título legal. Esses se tornaram

proprietários, e os primeiros permaneceram na condição de posseiros.

No Estado de Minas Gerais a Lei nº 27, de junho de 1892, foi a primeira a

disciplinar a compra e venda de Terras Devolutas, determinando que a medição e

demarcação dessas terras seriam custeadas pelos requerentes, com isso, a posse torna-se

propriedade. Ainda, no ano de 1966, foi criada a Fundação Rural Mineira - Colonização

e Desenvolvimento Agrário - RURALMINAS. A Fundação estava encarregada de

organizar e legitimar a propriedade privada da terra no Estado de Minas Gerais. Além

disso, estavam sobre a sua jurisdição os projetos de assentamentos. Aos novos

assentamentos a serem implantados e aos já consolidados a Fundação deveria também

oferecer a assistência técnica e financeira. Como era a responsável pela organização

fundiária, as terras devolutas passaram a pertencer à Fundação, cabendo a ela legitimar a

posse.

Em 1930 os legisladores mineiros aprovaram a Lei nº 1.144, de 5 de setembro,

concedendo vantagens aos ocupantes de terras públicas que houvessem pago durante dez

anos a Taxa de Ocupação. Essa lei fragilizou o direito de posse e criou uma condição não

prevista na Constituição, cuja exigência para confirmar a posse era a moradia mansa e

pacífica no terreno e o cultivo da terra. Assim, as vantagens concedidas aos que pagavam

a taxa de ocupação visavam aumentar as rendas do estado, na prática serviram como

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meios para se proceder a uma “grilagem legalizada”. O posseiro se tornava, por esse

mecanismo, um invasor de terras particulares. Isso acontecia porque o fazendeiro, depois

de conseguir o título de propriedade, movia uma ação de reintegração de posse.

Esse processo culminou na expropriação das terras de muitas comunidades,

favorecendo os indivíduos que se encontravam em melhor posição de poder na estrutura

social e tinham melhor conhecimento da legislação e recursos para contratar agrimensores

e advogados. Algumas das estratégias utilizadas nesse contexto de expropriação

impulsionadas pela formação de fronteiras agrícolas, foram e ainda são:

Ameaças e pressões para entrega das terras;

Cercamentos;

Aquisição e vendas das terras por preços irrisórios;

Adjunção de terras;

Obras e empreendimentos.

Um fator agravante nesse processo é o desconhecimento das leis e do processo de

cartorização por essas comunidades, que são agravadas pela desigualdade na correlação

de forças entre invasores e comunidades tradicionais, como no caso, da lógica da

oralidade versus letramento. Aqui, é importante entender o conflito existente em relação

às formas de apropriação da terra no Brasil e, particularmente, no estado de Minas Gerais.

Existem duas categorias censitárias frequentemente usadas para definir a situação

fundiária no país, que são a de imóveis rurais e a de estabelecimentos rurais, pautadas

numa forma cartesiana e individualista de demarcação da propriedade rural, na qual não

se enquadram as formas de uso comunal praticadas por diversas comunidades

tradicionais. Essas “ocupações especiais”, segundo Almeida (2002) correspondem a:

Uma constelação de situações de apropriação de recursos naturais (solos,

hídricos, e florestais), utilizados segundo uma diversidade de formas e de

inúmeras combinações diferenciadas entre uso e propriedade e entre o caráter

privado e comum, perpassadas por fatores étnicos, de parentesco e sucessão, por

fatores históricos, por elementos identitários peculiares e por critérios político-

organizativos e econômicos, consoante práticas e representações próprias.

(ALMEIDA, 2002 ꞉ 45)

Nessas comunidades, o território é marcado pelo uso do grupo familiar,

relacionado a terras particulares e o uso coletivo, relacionado a terras de uso comum,

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conhecidas como soltas. Isso confere a essas terras uma especificidade no uso e

apropriação, por isso a oficina tem como objetivo direcionar para o conhecimento das leis

que garantem os direitos coletivos do uso do território. “As comunidades que não tem

registro, correm o risco?” Essa pergunta feita por um participante da oficina, enfatiza essa

falta de conhecimento em relação à base legal sobre a matéria. Antes de apresentar os

marcos legais que visam a regularização das terras tradicionalmente ocupadas, foi

realizada a dinâmica da corrente, evidenciando a importância da coesão do grupo.

Nessa dinâmica todos deveriam segurar bem forte as mãos uns dos outros,

simulando formato e força de uma corrente, e a partir de então deveriam movimentar-se

não deixando em momento algum a corrente se romper. Em determinado momento,

durante as evoluções, houve o rompimento da corrente. A partir daí, instalou-se a

reflexão: quanto maior a força do grupo, maior a união e menor a probabilidade de

rupturas. A quebra significou consecutivamente, a perda de um dos membros e a

necessidade de providências a respeito. O que fazer para resgatá-lo? Algumas tentativas

foram feitas pelos participantes, sem sucesso, mas o afeto (traduzido por um abraço) seria

o segredo para sanar a fragilidade. A partir desse ponto, a unidade do grupo foi

restabelecida, sua coesão e identidade deveriam ser reforçadas e, consequentemente,

todos deveriam se sentir acolhidos.

Finalizando a reflexão da dinâmica proposta, observou-se que a coesão do grupo

é alcançada através de fortalecimento de ações, capacitações, escuta e valorização do

outro enquanto parte fundamental do processo. Essa pontuação permitiu analisar

possibilidades de resistência frente a grandes empresas ou setores estatais que

recorrentemente utilizam a situação de vulnerabilidade em que esses grupos se encontram

para fragilizar ainda mais sua integridade e depredar seu território. O problema e a solução

encontram-se dentro do próprio grupo e precisam ser construídos em conjunto.

Num segundo momento do período vespertino do dia 08 de novembro de 2014,

iniciou-se a discussão sobre marcos legais, a mobilização pela implementação de políticas

públicas e direitos específicos de povos e comunidades tradicionais, assim como o aparato

institucional para o cumprimento da lei. Os direitos previstos em Convenções

Internacionais, Constituição Federal (CF), Decretos Federais e Instruções Normativas

foram apresentados com uso do Datashow, seguidos de esclarecimentos acerca das

instituições responsáveis pela implementação de políticas públicas, programas e ações

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governamentais. A discussão sobre direitos constitucionais e aparato institucional

suscitou muitas dúvidas sobre o apoio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA) e outras instituições governamentais, reafirmando a necessidade de

fortalecer a participação dos comunitários junto a órgãos públicos municipais, estaduais

e federais, sobretudo nas instâncias de controle social.

“A gente fica na dúvida de quais são os direitos e quais não são”

“É bom você saber, porque já vivi isso na minha família”

Estas falas de dois participantes da oficina são indicativas da importância da

exposição dos marcos legais relacionados aos direitos dos povos e comunidades

tradicionais. Os primeiros avanços podem ser notados na Constituição Federal de 1988

(CF), particularmente nos seus artigos 215, 216, 231, 232 e 68, este último, do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. Os artigos 215 determina que o Estado

proteja as manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros

grupos participantes do processo civilizacional brasileiro, e o artigo 216, afirma

constituir-se patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material ou imaterial

portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores

da sociedade brasileira. Já os artigos 231 e 232 definem direitos específicos aos povos

indígenas. O artigo 68 do ADCT garante a regularização dos territórios quilombolas. De

acordo com O’Dwyer (2010:13), tais artigos representam um marco temporal e

situacional no reconhecimento de direitos diferenciados, uma vez que apresentam uma

compreensão de cultura aproximada das conceituações antropológicas, com a inclusão de

critérios de etnicidade e cidadania.

Ainda se destaca a importância da incorporação do estatuto das “terras

tradicionalmente ocupadas”, definido constitucionalmente2, como fundamental para a

reprodução física e cultural desses grupos. De fato, o significado da expressão “terras

tradicionalmente ocupadas” vem se ampliando com mobilizações dos movimentos

indígenas, quilombolas e de extrativistas, que emergiram em identidades coletivas que

carregam consigo territorialidades específicas, etnicamente construídas (ALMEIDA,

2004: 40).

2 Conforme disposto no artigo 231 da Constituição Federal, §1º - “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.”

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Foi acordado e aberto a adesões durante a reunião das Nações Unidas realizada no

Rio de Janeiro em junho de 1992, como instrumento de direito internacional, a Convenção

Diversidade Biológica (CDB). Dois dispositivos são importantes no que tocante a questão

da transmissão dos benefícios aos grupos locais, são eles:

O art. 8(j) solicita aos Estados-membros da convenção que "de acordo com

sua legislação nacional, respeitem, preservem e mantenham o conhecimento, as

inovações e as práticas das comunidades indígenas e locais que incorporam estilos de

vida tradicionais relevantes para a conservação e o uso sustentado da diversidade

biológica e que promovam sua aplicação mais ampla com o assentimento e envolvimento

dos detentores desses conhecimentos, inovações e práticas e encoragem o compartilhar

equitativo dos benefícios resultantes da utilização desses conhecimentos, inovações e

práticas".

O artigo 15, que garante aos Estados a soberania sobre seus recursos

genéticos e trata dos modos de lhes facilitar o acesso, estipula, entre outras coisas, a

necessidade de consentimento prévio fundamentado. Cabe aos Estados-membros da

Convenção darem esse consentimento, e a CDB não menciona os mecanismos internos

para obtê-lo. Pelo art. 8(j), não há dúvida de que o assentimento prévio e informado das

comunidades indígenas e locais deve ser obtido com relação aos conhecimentos,

inovações e práticas.

Outo marco significativo foram as Convenções Internacionais ratificadas pelo

Estado brasileiro, com ênfase na Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho – OIT. Em 2004, por meio de Decreto, o governo brasileiro promulga a

Convenção 169, que reconhece como critério fundamental os elementos de

autoidentificação dos “povos e comunidades tradicionais”. O item 2 do Art. 1. afirma que

a “consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério

fundamental para determinar os grupos aos quais se aplicam as disposições da presente

Convenção”. Para Shiraishi Neto (2007:45), a autoidentificação é uma das conquistas

mais importantes da Convenção, uma vez que não define a priori quem são os povos

indígenas e tribais, mas estabelece as condições para tal, ou seja, a Convenção se aplica

a grupos: “cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores

da coletividade nacional, e que estejam regidos total ou parcialmente por seus próprios

costumes ou tradições, ou por legislação especial.”

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A Convenção reforça a lógica de atuação dos movimentos sociais e aplica o

conceito de “terras tradicionalmente ocupadas”, orientada principalmente por fatores

étnicos e pelo advento de novas identidades coletivas. Com isso, reconhece a existência

de grupos organizados com base em identidades próprias, em vez de simples

agrupamentos de indivíduos que compartilham algumas características raciais ou

culturais.

No tocante à cultura, em Conferência Geral da Organização das Nações Unidas

para Educação, a Ciências e a Cultura, celebrada em Paris em outubro de 2005, foi

acordada a Convenção para a Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões

Culturais. A Convenção pela Diversidade Cultural (CDC), como ficou conhecida, é um

documento jurídico de validade internacional, que orienta e legitima os países na

elaboração e na implementação de políticas culturais próprias, necessárias à proteção e

promoção de suas expressões culturais, e estabelece medidas de proteção daquelas

manifestações vulneráveis e ameaçadas, com especial atenção à cultura de minorias e dos

povos indígenas e tradicionais.

Foi também informado todo o reconhecimento jurídico-formal que as

comunidades tradicionais possuem, dando-se ênfase na Comissão Nacional de

Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, criada por Decreto

Presidencial em 13 de julho de 2006, bem como na Política Nacional de Desenvolvimento

Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, promulgada aos 7 de fevereiro de

2007, no decreto nº 6.040. Por isso, reforçou-se a importância da organização dos povos

e comunidades tradicionais, para que esse público reafirme sua identidade através do

mapeamento e de mobilizações sociais próprias, além de ressaltada a importância das

instituições de apoio a esses processos, com ênfase para o Ministério Público.

Já entre os anos de 2008 e 2010, foi construído e implementado o Plano Prioritário

de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com pactuação

entre os diversos órgãos federais e entes federativos. Também já estão em execução pelas

diversas pastas governamentais envolvidas, várias ações e programas nos Planos

Plurianuais 2012-2015, como também já foram criadas várias instâncias governamentais

e de controle social nas diversas unidades da federação voltadas ao atendimento de Povos

e Comunidades Tradicionais. Em trâmite na Câmara dos Deputados, está o Projeto de Lei

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(PL) 7.447, que “estabelece diretrizes e objetivos para as políticas públicas de

desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais”.

Em âmbito estadual, em janeiro de 2014 foi promulgada a Lei n 21.147, que cria

a Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

Tradicionais de Minas Gerais, tendo esta sido discutida como um novo patamar na escala

de conquistas pelo reconhecimento e garantia de direitos no âmbito estadual.

Durante o “Seminário Nacional de Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade:

Agregação de Valor e Consolidação de Mercados Sustentáveis”, em junho de 2008 em

Brasília, foi elaborado o Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da

Sociobiodiversidade. Esse teve como principal objetivo desenvolver ações integradas

para a promoção e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, com

agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. Entre os objetivos

específicos, um ponto importante, foi a consolidação e fortalecimento da organização

social e produtiva dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e

agricultores familiares.

“Minha faculdade é a de planta medicinais”. Esta afirmação de um dos

participantes da Oficina exemplifica o grande saber sobre a biodiversidade que essas

comunidades possuem, o que leva a discussão de outro conflito que envolve essas

comunidades, além do conflito agrário. Os saberes desses grupos, por sua riqueza, são

hoje disputados pelas indústrias farmacêuticas, só que a lei sobre a proteção da

propriedade intelectual é relacionada ao direito individual. Assim, como o território, o

saber desses é coletivo e ancestral, ficando desprotegido por não se encaixar nessa lei.

Por isso, foi exposto a importância da proteção e preservação desses saberes pela própria

comunidade, com o cuidado em relação à usurpação ou expropriação dos mesmos,

sobretudo no que tange a patentes.

No âmbito da educação, a Lei das Cotas (Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012)

obriga as universidades, institutos e centros federais a reservarem para candidatos cotistas

metade das vagas oferecidas anualmente em seus processos seletivos. A distribuição das

vagas da cota racial é feita de acordo com a proporção de índios, negros e pardos do

Estado onde está situado o campus da universidade, centro ou instituto federal, segundo

dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa, por

exemplo, que um Estado com um número maior de negros terá mais vagas destinadas a

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esse grupo racial. O único documento necessário para comprovar a raça é a

autodeclaração. Em junho de 2014 foi aprovada a Lei n 13.005, que institui o Plano

Nacional de Educação – PNE, e pelo Art. 8o “Os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os

planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias

previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei”:

§ 1o Os entes federados estabelecerão nos respectivos planos de educação

estratégias que:

II - considerem as necessidades específicas das populações do campo e das

comunidades indígenas e quilombolas, asseguradas a equidade educacional e a

diversidade cultural; [...] 7.26) consolidar a educação escolar no campo de

populações tradicionais, de populações itinerantes e de comunidades indígenas

e quilombolas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e

comunitários e garantindo: o desenvolvimento sustentável e preservação da

identidade cultural; a participação da comunidade na definição do modelo de

organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas

socioculturais e as formas particulares de organização do tempo; a oferta

bilíngue na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, em

língua materna das comunidades indígenas e em língua portuguesa; a

reestruturação e a aquisição de equipamentos; a oferta de programa para a

formação inicial e continuada de profissionais da educação; e o atendimento em

educação especial;[...] 12.5) ampliar as políticas de inclusão e de assistência

estudantil dirigidas aos (às) estudantes de instituições públicas, bolsistas de

instituições privadas de educação superior e beneficiários do Fundo de

Financiamento Estudantil - FIES, de que trata a Lei no 10.260, de 12 de julho de

2001, na educação superior, de modo a reduzir as desigualdades étnico-raciais

e ampliar as taxas de acesso e permanência na educação superior de estudantes

egressos da escola pública, afrodescendentes e indígenas e de estudantes com

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou

superdotação, de forma a apoiar seu sucesso acadêmico;

Foram também apresentadas e discutidas na Oficina algumas estratégias

direcionadas ao atendimento dos Povos e Comunidades Tradicionais, como:

Realização de audiências públicas;

Apresentação de projetos de leis;

Construção de agendas de pactuação com os governos Federal, Estadual e

Municipais;

Construções de cartografias sociais e mapeamento dessas comunidades;

Criação de ações e programas nos Planos Plurianuais;

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Quanto ao Plano Plurianual em vigor, foi sancionado na Lei n 12.593, DE 18 de

janeiro de 2012, que no Art. 4o O PPA 2012-2015 tem como algumas de suas diretrizes:

I- a garantia dos direitos humanos com redução das desigualdades sociais,

regionais, étnico-raciais e de gênero; a promoção da sustentabilidade

ambiental; a valorização da diversidade cultural e da identidade nacional; a

excelência na gestão para garantir o provimento de bens e serviços à sociedade

e o crescimento econômico sustentável. Encontrando disposto no anexo II, estar

disposto como estratégia:

OBJETIVO: 0760 – Ampliar e qualificar sistemas de produção de base ecológica

e orgânica da Agricultura Familiar e de Povos e comunidades Tradicionais de

modo a ofertar à sociedade produtos diversificados, diferenciados e sem

contaminantes, gerando renda às famílias e melhorando a qualidade de vida e

alimentação.

Na sequência, foram exploradas, a partir dos marcos legais apresentados, a

construção de políticas regulatórias pelo acesso institucionalizado aos territórios

tradicionais, sendo discutidas possibilidades e limites das figuras jurídicas de Terras

Indígenas, Territórios Quilombolas, Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS,

Projetos Agroextrativistas, Concessão do Direito Real de Uso, esta última relacionada à

regulamentação de terras da UNIÃO, a cargo Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Dentre outras.

Assim, no período vespertino do dia 08 de novembro de 2014, foi apresentado o

vídeo “Um olhar sobre os Quilombos no Brasil: O Quilombo do Gurutuba”, reforçando

aspectos como vínculo territorial, produção, organização social e parentesco, expressões

culturais, geopolítica, dentre outros implícitos no conceito de quilombo e extensivos aos

povos e comunidades tradicionais em geral.

Depois da apresentação e discussão do vídeo, iniciou-se a exposição do conceito

de Quilombo, colocando todo seu processo de invisibilização, reconhecimento e

formação, ligado à história agrária brasileira, passando da Lei Áurea (Lei Imperial n.º

3.353), sancionada em 13 de maio de 1888, às leis que transformaram as posses em

propriedades privadas (leis de terras), até os marcos legais de garantia de direitos (CF e o

Decreto 4887). Outro fator de extrema importância para o conceito de Povos e

Comunidades Tradicionais, e assim também, para o conceito de Quilombo, é o conceito

de identidade.

A questão indentitária também compreende uma forma de apresentação das

comunidades que expressa a maneira como determinado grupo social se vê e é visto pelos

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outros, a partir de algumas características e modos próprios de viver. Essas características,

ou esses marcadores diacríticos da identidade coletiva fazem com que o grupo se destaque

no contexto por suas especificidades. Como consequência, segundo Rocha (2010) a

afirmação da identidade social frente ao outro, fortalece os vínculos de pertencimento a

uma coletividade e amplia a solidariedade entre os sujeitos. Ou seja, a identidade está

ligada estreitamente à diferença, mas ao mesmo tempo são processos distintos. Assim, a

emergência dos povos e comunidades tradicionais nos permite descrevê-los como

etnicidades, uma vez que são grupos que, através do processo de interação, classificam e

constroem oposições sociais e simbólicas, diferenciando-se dos outros ou criando

fronteiras identitárias.

De acordo com Cardoso de Oliveira (2006), a etnicidade compreende duas

dimensões. A primeira é estabelecida nas relações entre grupos culturais minoritários e a

sociedade envolvente, e a segunda na interação entre grupos culturais diferentes que

atuam em contextos culturais comuns. Esta segunda dimensão é abordada por muitos

autores, que enfatizam o caráter contrastivo da identidade étnica, buscando uma não

essencialização das culturas, abordagem comumente atribuída aos culturalistas norte-

americanos.

A figura do mediador, individual e institucional, é de grande relevância no

processo de (des) invisibilidade da identidade (COSTA, 2010) e do seu reconhecimento,

no sentido de possibilitar-lhes o acesso às informações que, pelo contexto das relações de

poder e dos interesses políticos e econômicos locais são inviabilizadas. O acesso a esse

conhecimento sobre “direitos étnicos” tem possibilitado o estabelecimento de diálogo

com instâncias do Governo e o estabelecimento de articulações entre os movimentos

sociais na defesa desses direitos, sobretudo dos direitos territoriais. A possibilidade de

luta pela terra e pela titulação da mesma, assim como outros direitos, emerge através da

invocação e reconhecimento da identidade de “povos e comunidades tradicionais”. A

identidade então incorpora aspectos políticos e passa a se expressar no campo das relações

de poder, pressionando por mudanças na sociedade brasileira e mineira.

Assim, pode-se notar como coloca Costa Filho (2014), que os grupos etnicamente

diferenciados estão resguardados quanto ao direito à diferença, à autodefinição e

autodeterminação, e de exercerem o extrativismo e a agricultura familiar de forma a mais

autônoma possível. Ou seja, fica garantida a proteção do Estado, não obstante os riscos

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de encapsulamento de dinâmicas e categorias identitárias a partir do seu reconhecimento

e inclusão sociopolítica, e a morosidade do poder executivo em consolidar o Estado social

preconizado pela Constituição de 1988.

Por isso, é de se considerar a importância de oficinas sobre Direitos dos Povos e

Comunidades Tradicionais, como mediador no conhecimento e reconhecimento desses

grupos como portadores de etnicidade. O autor supracitado classifica como sendo cinco

os critérios de autoafirmação identitária desses grupos, estes: pelo critério étnicorracial,

como os povos indígenas, as comunidades quilombolas ou “remanescentes de

quilombos”, os povos ciganos, os povos de terreiro, dentre outros; a partir da ligação com

algum bioma ou ecossistema específico, como os geraizeiros ou povos do cerrado, os

caatingueiros ou povos da caatinga, os pantaneiros (povos do pantanal dos estados do

Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul); por uma atividade laboral predominante que

figura como marca identitária, como os seringueiros, os castanheiros, os açaizeiros, os

pescadores artesanais, as quebradeiras de coco babaçu, as catadoras de mangaba, os

apanhadores de flores sempre vivas, os marisqueiros, dentre outras; pelo tipo de ocupação

e uso do território, em decorrência de circunstâncias histórico-conjunturais, como os

retireiros do Araguaia (criadores de gado na solta, em retiros), os faxinalenses (moradores

de faixas de terra no Paraná que cultivam a erva-mate, extraem o pinhão e criam suínos

na solta), as comunidades de fundos e fechos de pastos na Bahia (que vivem do

extrativismo de frutos da caatinga, da criação de caprinos e ovinos na solta, praticando o

uso comum do território), os ilhéus (moradores de ilhas litorâneas que consorciam a pesca

com o cultivo e o extrativismo); e finalmente, por motivos culturais, como a família

circense, os congadeiros, os maracatus, dentre outros. (COSTA FILHO, 2014: 6)

No que se refere à identidade Quilombola, primeiramente, sua imagem esteve

ligada à ideia de isolamento e reminiscência de um passado histórico. Imagem esta,

decorrente de um processo de invisibilidade social e estigmatização racial, como

consequência da história da escravidão no Brasil. A problemática fundiária é de extrema

importância para se entender o processo de invisibilidade, de exclusão e expropriação que

essas comunidades sofreram e ainda sofrem. Principalmente quando confrontam os

grupos de poder econômico da sociedade nacional e a racionalidade instrumental do

Estado. Os conflitos territoriais surgem como demarcação de fronteiras, não só no sentido

do espaço físico, mas também simbólico, cosmológico, de lógicas diferenciadas de

conceber e se apropriar o território.

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O significado que a terra possui para essas comunidades, o que se estende também

para os demais Povos e Comunidades Tradicionais, não é regido pelo utilitarismo e pelo

direito da propriedade individual e sim pela apropriação comunal, pelo direto

consuetudinário. De acordo com Almeida (1988):

[...] Se verificam formas de posse comunal, remete às regras de um direito

consuetudinário que prescreve métodos de cultivo em extensão que podem ser

utilizadas à vontade por cada grupo familiar, sem exigência de áreas contíguas

ou de ter o conjunto de suas atividades produtivas confinadas numa parcela

determinada. Delineiam-se domínios de caráter comunal, que não pertencem

individualmente a nenhum grupo familiar e que são vitais para sobrevivência do

conjunto de unidades familiares, tais como: cocais, babaçuais, fontes d’água,

igarapés, pastagens naturais e reservas de matas (...)(ALMEIDA, 1988:44).

Não há um reconhecimento jurídico das formas solidárias de cooperação familiar,

que exercem essas comunidades, que não se encaixam no âmbito dos direitos de

propriedade individual e nem são propriedade pública. O interessante nessas formas é o

fato de se aliar “domínios de usufruto comunal com regras de apropriação privada”

(ALMEIDA, 1988:44), ou seja, alguns domínios do território são regidos pelo uso

coletivo e outros pelos usos individuais, como a roça, a casa e o quintal, que são

apropriados pela unidade familiar. “Alguém falou: vocês deram suas terras para o Estado

e o Estado pode tomar”, esse foi o relato de um dos participantes em relação ao processo

de regularização das terras de sua comunidade quilombola, no que a situação pode ser

explorada, esclarecendo que o Estado neste caso não tem nenhum interesse de tomar as

terras de comunitários, o que ocorre comumente é que o INCRA se imite na posse das

propriedades, na medida em que elas vão sendo desapropriadas e, quando do término do

processo, o INCRA emite o título e procede ao registro imobiliário da totalidade das terras

da comunidade a favor da Associação Quilombola, e que, os comunitários, como

associados, são donos de uma corporação de terras. O título é coletivo, proindiviso,

inalienável, imprescritível, impenhorável, mas embora seja coletivo e de todos, permite

que cada família e seus descendentes usufruam em condições de igualdade, de parcelas

do território, seja para uso particular da unidade familiar (áreas de moradia, roça, etc),

seja para uso coletivo da comunidade (áreas de solta de gado, de extrativismo, de coleta,

destinadas a atividades rituais, etc.).

Historicamente essas áreas de apropriação comunal têm sido denominadas como

terras de santo, terras de irmandade, terras de herança, terras de ausente, terras de índio e

terra de preto. Essas denominações remetem às especificidades e diferenciações em cada

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umas delas, mas mantém como característica comum as formas de apropriação dos

recursos baseadas na articulação entre uso coletivo e uso individualizado do grupo

familiar.

O processo de formação dos quilombos não está sempre marcado pelo isolamento,

o que tem sido evidenciado pela existência de muitos quilombos formados a poucos

metros da casa grande, quando não em contextos urbanos e periurbanos, ou ainda em

terras aposseadas por núcleos familiares ancestrais, ou ainda em glebas de terras

adquiridas por famílias negras e constituição de espaços de autonomia e liberdade, enfim,

os quilombos têm sido conformados de várias maneiras. A formação dos quilombos é

também consequência da decadência das grandes propriedades, à medida em que o poder

dos grandes fazendeiros enfraquece, e aumentava a autonomia dos agregados.

O principal marco nesse processo foi a Constituição de 1988, com a aprovação do

art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que reconhece o direito ao

território pelas comunidades negras rurais, utilizando a denominação de “remanescentes

de comunidades de quilombo”, ou seja, um termo que remete ao passado, à sobrevivência.

Mas, na verdade, o que a história dessas comunidades revela é a construção de uma

autonomia que se encontrou ameaçada pela expropriação das suas terras. Sendo

reconhecidos como remanescentes de quilombos, esses sujeitos se voltam para o passado,

para sua historicidade, num processo de rearranjos sociais e reafirmação cultural, e para

a construção de projetos de futuro. O termo “remanescentes” é complicado, como analisa

Almeida (2002), pois deixa de lado fatores como a construção da autonomia desses

grupos e suas dinâmicas culturais.

Reconhece-se o que sobrou, o que é visto como residual aquilo que restou, ou seja,

aceita-se o que já foi. O referido autor julga que, ao contrário, se deveria trabalhar com o

conceito de quilombo considerando o que ele é no presente. “Não é discutir o que foi, e

sim discutir o que é e como essa autonomia foi sendo construída historicamente.”

(ALMEIDA, 2002: 53)

Mas, como coloca Arruti (1997), o termo quilombola assume uma positividade,

ao mesmo tempo em que assume um caráter político de luta pelo reconhecimento dos

direitos territoriais. Com efeito, o uso da noção em ambos os casos, implica, para a

população que assume (indígena ou negra), a possibilidade de ocupar um novo lugar na

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relação com seus vizinhos, na política local, diante dos órgãos e políticas governamentais,

no imaginário nacional e, finalmente, no seu próprio imaginário. (ARRUTI, 1997: 21).

A identificação da comunidade como quilombola pode expressar uma adaptação

da mesma ao modo de ver da sociedade nacional, como forma de integração a ela, do

modo e do jeito que esta determina, mas, ao mesmo tempo, expressa a afirmação do seu

direito territorial através da única via legitima atualmente de reconhecimento desse

direito. Aqui o estigma torna-se positivo, como os termos negro, preto, como

reconhecimento de uma identidade política. Arruti (1997) se refere a isso como

“plasticidade identitária”.

A emergência das “comunidades remanescentes de quilombos” nos permite

descrevê-las como etnicidades, uma vez que são grupos que através do processo de

interação, classificam e constroem oposições sociais e simbólicas, diferenciando-se do

outro ou criando fronteiras identitárias.

Ainda que os conteúdos culturais possam variar no tempo, e no espaço, e na

própria origem dos indivíduos que venham a compor o grupo étnico, a análise deve recair

sobre os mecanismos de criação e/ou manutenção de uma forma organizacional que

prescreve padrões unificados de interação e que regula quem faz e quem não faz parte do

grupo, além das relações entre aqueles que fazem parte, entre estes e aqueles que não

fazem. (ARRUTI, 1997: 26)

As “comunidades remanescentes de quilombos” são, portanto, grupos sociais cuja

identidade étnica os distingue do restante da sociedade brasileira; sua identidade é base

para sua organização, sua relação com os demais grupos e sua ação política. O Grupo de

Trabalho da ABA sobre Terra de Quilombo (apud O’Dwyer, 2002) afirma que

contemporaneamente, o termo quilombo vem sendo ressemantizado para designar a

situação presente de várias comunidades negras em diferentes regiões do Brasil :

O termo não se refere mais a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação

temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados

ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma, nem sempre

foram construídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas,

sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de

resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e

na consolidação de um território próprio... (: 18).

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Outro principal marco nesse processo foi o Decreto 4887, de 20 de novembro de

2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação,

demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos

quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias , em

seu art. 2°, estabelece:

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnico-

raciais, segundo critérios de auto-definição, com trajetória histórica própria,

dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade

negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

Na oficina, o conceito de Quilombo foi explicitado de maneira que a dimensão

territorial estivesse intrinsecamente ligada à questão da identidade étnica, das relações de

parentesco e compadrio, da liberdade e autonomia, da solidariedade (trocas de dias, trocas

de trabalho, mutirão, ajdutórios, etc.), à memória, à liberdade sociorreligiosa.

Em seguida foi realizada dinâmica em grupo lançando os seguintes

questionamentos: “Quem somos? Quais problemas enfrentamos? O que temos feito para

solucioná-los?”. Foram formados cinco grupos para discussão, troca de experiências e

construção conjunta de textos.

Após apresentação dos resultados dos grupos, foi informado que a Lei nº

10.639/2003 estabelece na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em

seus dois artigos 26-A e 79-B, que o ensino sobre cultura e história afro-brasileiras deve

ser trabalhado em sala de aula e especifica que o ensino deve privilegiar o estudo da

história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e

o negro na formação da sociedade nacional. Os artigos ainda determinam que tais

conteúdos devem ser ministrados dentro do currículo escolar, em especial nas áreas de

educação artística, literatura e história brasileiras. Foi incluído no calendário escolar, o

Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro.

No final do dia, os comunitários foram informados sobre algumas políticas

públicas como: os incentivos recebidos pelos governos municipais para estruturação das

equipes e serviços do Programa Saúde da Família - PSF - e Saúde Bucal, os programas

da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) voltados à agricultura familiar,

notadamente o Programa de Aquisição Alimentos - PAA; o Programa Minha Casa Minha

Vida; o programa Bolsa Família, com atendimento prioritário e ilimitado à famílias

quilombolas, respeitadas as condicionalidades; as garantias previdenciárias aos

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quilombos e comunidades tradicionais (quilombola é segurado especial); as isenções

tributárias (a exemplo da não necessidade de pagamento do Imposto Territorial Rural –

ITR), dentre outras.

Em relação às comunidades representadas na oficina, duas delas já estão em

processo de reconhecimento como Comunidades Quilombolas e com o processo

avançado de regularização fundiária: a comunidade de Três Barras, de Conceição do Mato

Dentro e a comunidade de Ausente, do município de Serro. O que se observou no tocante

a oficina foi um interesse e motivação dos outros participantes, no reconhecimento de

suas comunidades como tal, devido às suas semelhanças e lutas comuns.

No terceiro e último dia, 09 de outubro de 2014, a oficina contou com a presença

das Antropólogas Drª. Ana Beatriz Vianna Mendes e Drª. Ana Flávia Moreira Santos,

ambas da UFMG. Primeiramente, foi exposto, pela fala da Drª. Ana Beatriz, a questão

das comunidades atingidas por Unidades de Conservação da Natureza de Proteção

Integral, no caso específico do Parque Nacional da Serra do Cipó, que foi criado com o

intuito de proteger a fauna e flora, da bacia de captação do rio Cipó e das belezas cênicas

da região. Para isso, houve um processo de desocupação das comunidades que ali

habitavam, as quais seriam indenizadas, o que não ocorreu em muitos casos.

A imposição de leis que visam conservar de modo vertical a biodiversidade3

desconsidera a possibilidade de coexistência harmoniosa entre homem e natureza. Esta

dicotomia serve atualmente como base para a criação e manutenção de unidades de

conservação (UC’s). Nesta perspectiva, as políticas ambientais de criação de UC’s apesar

de levar o nome conservacionista, apresentam um caráter preservacionista quando se

tratam de Unidades de Proteção Integral, como é o caso dos parques. Estas UC’s de

proteção integral tem promovido uma relação conflituosa entre os ocupantes tradicionais

dessas áreas e os órgãos e instituições que visam a proteção desses espaços. Usualmente,

a implantação das UC’s é feita de modo arbitrário, ocupando territórios tradicionalmente

ocupados por populações rurais e impedindo a utilização dos recursos naturais presentes

na localidade.

Grande parte das UC’s no território brasileiro foram e são formadas a partir de

decretos presidenciais que se baseiam em uma visão tutelar e preservacionista da fauna e

3 Nesta parte do relatório, contamos com a contribuição da antropóloga e professora da UFMG Dr. Ana

Beatriz Vianna Mendes.

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flora. A primeira regulamentação dos parques nacionais no Brasil se deu através do

decreto nº 84017 de 1979, que atribuiu ao Estado a propriedade das terras das UC’s e

apresenta diretrizes para a produção de um manejo ecológico adequado. Esse plano de

manejo, apesar de ser constituído de acordo com as especificidades de cada UC, é

influenciado pelo padrão preservacionista estadunidense, que não propõe um diálogo com

comunidades que habitam e habitavam os espaços anteriores à delimitação das UC’s de

proteção integral (HAESBAERT, 2007).

As unidades de conservação são classificadas e ordenadas de duas maneiras, são

elas: de proteção ambiental integral e de uso sustentável. As RDS (Reservas de

Desenvolvimentos Sustentáveis), assim como as RESEX’s (Reservas Extrativistas), são

unidades de conservação de proteção ambiental de uso sustentável, ou seja, visam agregar

o uso do território e a ocupação humana. Já as UC’s de proteção integral, como os

parques, estações ecológicas e reservas biológicas, tem como premissa a preservação da

natureza e a exclusão de qualquer forma de uso pelo homem dos recursos naturais de seu

território, bem como excluem a própria presença humana permanente, sendo apenas

permitido pesquisa e visitação.

Após o decreto nº 4340, do ano de 2000, que cria e regulamenta o SNUC (Sistema

Nacional de Unidades de Conservação da Natureza) tornou-se obrigatória a consulta

prévia e pública aos moradores locais para a formação das UC’s. Contudo, estudos

(BRITO, 2003; VIANNA, 2008; MENDES, 2009; SIMÕES, 2010; CREADO, 2006,

2012; BARRETO FILHO, 2001, 2004) apontam que boa parte das unidades de

conservação foram criadas sem que estes estudos e consultas prévias fossem realizadas.

Ainda de acordo com decreto n° 4340, as comunidades locais devem ser retiradas

de dentro dos limites dos Parques Nacionais (PARNAs), reassentadas e indenizadas pelo

Estado. Enquanto isto não é feito, a regulamentação obriga a construção de um termo de

compromisso entre o órgão gestor e a comunidade, acordando regras comuns que

possibilitam a conservação ambiental em harmonia com os modos de reprodução material

e imaterial das comunidades preexistentes no local onde será implementado os PARNAs.

Por volta da segunda metade da década de 1960, iniciaram-se as primeiras

discussões a respeito da criação de um Parque na região Serra do Cipó. Essa ideia foi

levantada pelos cientistas que estudavam a Serra do Cipó e iniciaram um movimento em

prol de sua proteção (ICMBio, 2009) baseados no reconhecimento de sua “extraordinária

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beleza cênica e riqueza ecológica” (SOCT/CETEC, 1982: 6). Como resultado deste

movimento, a criação do Parque Estadual da Serra do Cipó (PE Cipó) foi decretada, em

1975, em uma área de 27.600ha que abrange os municípios de Itambé do Mato Dentro,

Jaboticatubas, Morro do Pilar e Santana do Riacho. Contudo, o governo de Minas Gerais

só autorizou a realização de estudos objetivando a consolidação fundiária da unidade no

ano seguinte.

Diversos estudos apontam que esse cenário de criação de áreas protegidas sem a

execução de estudos sobre seus aspectos ecológicos e socioculturais era comum no Brasil,

fato que só foi proibido com a promulgação do SNUC, em 2000, que definiu como dever

a realização de tais estudos (MENDES, 2011). Para Dourojeanni (2002), estudos sobre

os custos relacionados à consolidação fundiária dessas UCs também deveriam ser

obrigatórios, já que, dentro do contexto de criação de Parques, existe uma promessa de

indenização da população residente que, no entanto é morosa e pode demorar anos até ser

efetivada (RIBEIRO & DRUMOND, 2013).

Os estudos para a consolidação do PE Cipó foram iniciados em 1978, pela

Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC), tendo sido custeados pelo

Fundo Nacional de Apoio ao Desenvolvimento Urbano através do Convênio FNDU nº

15/1977, celebrado entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano, a Empresa

Brasileira de Turismo e a Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(SOCT/CETEC, 1982).

Um convênio como esse, que não contou com a participação do IBDF, sinaliza

que o ideal de Parque que baseou a criação do PE Cipó estava muito mais relacionado

com as necessidades urbanas, sobretudo o turismo, do que com a conservação do

ambiente natural local. O próprio Relatório das principais atividades realizadas para a

implementação do Parque Estadual da Serra do Cipó define o PE Cipó como uma

“unidade de educação, lazer e conservação”, o que reafirma que a preservação ambiental

era o último de seus propósitos, e enquadra como objetivo principal do referido Convênio

o desenvolvimento dos projetos “Grutas” e “Parque Estadual da Serra do Cipó” que

visam, principalmente, adequar a infraestrutura da área denominada “Ciclo do Diamante”

para melhor atender às necessidades de lazer da população da Região Metropolitana de

Belo Horizonte, conforme Exposição de Motivos nº 025, aprovada pelo Excelentíssimo

Senhor Presidente da República em 2 de fevereiro de 1977. (SOCT/CETEC, 1982: 2)

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Em 1981, o IBDF criou uma comissão para verificar a viabilidade de transformar

o PE Cipó em Parque Nacional, o que pode ter sido um dos resultados do Parque Estadual

nunca ter sido implantado. Apesar deste fato, a criação do PE Cipó contribuiu para a

proteção da biodiversidade local, uma vez que os estudos realizados pela CETEC para

sua criação, juntamente com o grande volume de estudos botânicos e zoológicos

existentes sobre a região, embasaram a criação do Parque Nacional da Serra do Cipó

(PARNA Cipó).

O PARNA Cipó foi criado através do Decreto 90.223, de 1984, abrangendo uma

área de 33.800ha, que, apesar de não ter seguido exatamente os mesmos limites do PE

Cipó (legalmente ainda em vigor), contava na época de sua criação com cerca de 40% de

suas terras adquiridas pelo poder público federal (ICMBio, 2009). Segundo o Plano de

Manejo do Parque, a aquisição desses 40% de terras foi responsável por reduzir o

potencial conflito fundiário da unidade, percebido, de forma geral, como o principal

conflito que surge devido a processos de criação de UCs de Proteção Integral (ICMBio,

2009). Através do Decreto 94.984 de 30 de setembro de 1987, foi decretada a

desapropriação do restante das terras contidas dentro dos limites do PARNA Cipó,

conforme constado no memorial descritivo de seu decreto de criação. Esse Decreto

declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, áreas de terras e benfeitorias,

integrantes do perímetro abrangido pelo Decreto nº 90.223, de 25 de setembro de 1984.

Segundo o Plano de Manejo do Parque, do total de terras que tiveram de ser

adquiridas para a criação da unidade, metade foi feita através de processos amigáveis. A

outra parte precisou ser desapropriada via processos judiciais (ICMBio, 2009b). Nesse

momento houve uma mudança na legislação brasileira que só permitia a desapropriação

de terras mediante a apresentação de suas escrituras. Como muitos dos moradores

ocupavam a região através do regime de posse (sem possuir a escritura de propriedade da

terra), o valor de suas indenizações passou a ser bem menor do que aquele pago a outros

moradores anteriormente, já que apenas as benfeitorias dessas famílias eram passíveis de

indenização (ICMBio, 2009c). Outros fatores complicadores foram a instabilidade

econômica da época, cuja desvalorização constante da moeda fez com que as

indenizações fossem sendo corroídas; além da situação de alguns proprietários/posseiros,

que envolvem terras a serem inventariadas e desavenças familiares. Além desses fatores,

os moradores alegam que somente os grandes fazendeiros foram indenizados, pois, além

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de melhor instruídos sobre os procedimentos legais vigentes, eles possuíam poder

aquisitivo que os permitiram pagar bons advogados.

Todos esses fatores fizeram com que parte dos processos de desapropriação

permaneçam ainda em aberto, sendo que moradores e ex-moradores do território tido

atualmente como PARNA Cipó estão ainda hoje reivindicando seus direitos. Entre eles

encontram-se, principalmente, as indenizações justas por suas terras e, enquanto tais

indenizações não são realizadas, a garantia de que possam utilizar suas terras

tradicionalmente ocupadas de modo a assegurar seus modos de vida. Contudo, assegurar

esse direito de uso sem prejudicar a conservação do patrimônio ambiental ainda não é

tarefa fácil, tampouco um pensamento consensualmente existente entre os fazedores de

políticas públicas e gestores ambientais.

A questão fundiária do PARNA Cipó torna-se mais complexa devido à

desconexão temporal existente entre a abertura dos processos de desapropriação e suas

implicações. Para o ICMBio, desde a abertura desses processos, surgiram versões sobre

o cenário de consolidação fundiária do PARNA Cipó que “de tão repetidas, passaram a

ser consideradas ‘verdades’, culminando em um sentimento geral para as famílias

atingidas de que o Estado não pagou as indenizações devidas” (ICMBio, 2009c: 313).

Uma dessas versões que se tornaram verdades seria a fama de que o Estado não efetuou

o pagamento das indenizações devidas, o que prejudicou a imagem dos órgãos ambientais

perante a população local (ICMBio, 2009b).

Essa fama é tida, assim, como infundada, uma vez que o levantamento fundiário

realizado à época comprovou que os valores foram encaminhados à Justiça, só não sendo

repassados aos desapropriados, em casos da existência de inventários ainda não realizados

ou de proprietários que não concordaram com os valores propostos e recorreram. Nesse

sentido, o Plano de Manejo do PARNA Cipó atribui a responsabilidade do não

recebimento das indenizações por essas pessoas a elas mesmas, inclusive nos casos em

que elas não concordaram com os valores de indenização propostos pelo Estado. O Plano

de Manejo, contudo, alega que houve diversas tentativas de se divulgar a complexidade

da situação para que problemas sociais não fossem causados (ICMBio, 2009b).

Segue trecho da recomendação feita pelo Ministério Público Federal à gestão do

PNSCi:

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Diante do exposto, requer o Ministério Público Federal:

a) seja declarada a nulidade absoluta do processo em relação ao Espólio de

[nome de morador] e aos proprietários de benfeitorias localizadas na área

objeto de desapropriação;

b) seja o ICMBio notificado a se abster de realizar qualquer ato voltado à

remoção dos moradores que ainda residem na área inserida nos limites do

Parque Nacional da Serra do Cipó. (MPF, 2013: 9).

Embora parte dessa premissa seja verdadeira, o MPF alega ser preciso investigar

melhor a situação, pois alguns ex-moradores podem já ter sido indenizados, porém, o fato

dos valores terem sido pagos por precatória (em parcelas) pode gerar esse sentimento

entre as famílias de que elas não receberam os valores devidos. Ainda segundo o MPF, é

preciso confirmar também se os representantes legais desses proprietários/posseiros

repassaram os valores indenizados a seus clientes e se, no caso das propriedades em

espólio, esses valores foram distribuídos entre os herdeiros.

Diante desse caos fundiário, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão gestor das unidades de conservação

federais à época, passou boa parte das décadas de 1980 e 1990 sem conseguir controlar

os usos dentro do Parque, pois não tinha o direito de intervir nas propriedades que não

haviam sido indenizadas, já que estas ainda eram de fato particulares (ICMBio, 2009c).

Visando reverter essa situação, o IBAMA solicitou, em 1989, a imissão de posse do

território delimitado pelo PARNA Cipó (MPF, 2013), tendo sido esta obtida na segunda

metade da década de 1990 (ICMBio, 2009b) . Contudo, injustiças foram identificadas

também neste processo.

O MPF alega que houve irregularidades na citação de proprietários de terras no

processo de regularização fundiária do PARNA Cipó, sendo que alguns deles só tomaram

conhecimento da ação quando foram notificados pelo IBAMA para se retirarem do

terreno, o que já enquadra como nula a imissão de posse ganha pelo órgão ambiental

(MPF, 2013).

Em mais uma tentativa de solucionar as pendências fundiárias do PARNA Cipó,

entre 2003 e 2004, a gestão da unidade ocupou-se em reunir documentos contidos em

cartórios e processos de desapropriação, a fim de verificar a real situação dos pagamentos

das indenizações (ICMBio, 20009c). O trabalho culminou em ordem judicial que retirou

uma família de sua casa de dentro do Parque, ocasião em que, segundo relatos de

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moradores e funcionários da unidade, houve uso abusivo da força e descaso por parte do

Estado, uma vez que os membros dessa família foram deixados em um posto policial

abandonado às margens da MG-010, sem ter outro local para ir.

A ação de transferência compulsória de moradores presente na política brasileira

causa uma série de problemas éticos, sociais, econômicos, políticos e culturais, sendo

considerada como “em total descompasso com a letra e o espírito da Constituição Federal

de 1988 [...] destoando, ademais, das diretrizes estabelecidas em conferências

internacionais sobre a proteção do meio ambiente” (MPF, 2003: 5).

Ao todo, cinco famílias mantêm o uso das residências dentro dos limites do

PARNA Cipó, quatro delas em caráter de moradia fixa, nas chamadas Zonas de Ocupação

Temporária (ZOT) definidas pelo Plano de Manejo da unidade, em uma região

denominada como Bocaina, porém mais conhecida como Retiro (ICMBio, 2009c). O uso

do território por parte dessas famílias é limitado conforme as especificações próprias da

ZOT, o que não as agrada por inviabilizar algumas de suas práticas de reprodução sociais

e culturais. Esses e outros impasses, causados pelas diferentes visões dos atores

envolvidos no contexto apresentado (legislações afins, moradores locais e servidores do

órgão gestor) geram um cenário de conflito ambiental que permanece em aberto.

O PARNA Cipó exemplifica a cisão entre as tutelas ambiental e cultural do

Estado, existindo três cenários políticos de implantação de tais tutelas, quando

sobrepostas em um mesmo território: A) ambas são conciliadas; B) há maior ênfase em

uma com relação à outra; e C) uma delas é completamente negligenciada (MENDES,

2011).

Esses cenários indicam que a criação de UCs pode afetar a reprodução

sociocultural de populações locais que passam a ter seus modos de vida tradicionais

ameaçados (MPF, 2003). Tal discussão é de suma importância para a manutenção de um

Estado Democrático de Direito, que visa não só a proteção de seu patrimônio ambiental

para o usufruto de toda a sociedade, mas também deve garantir os direitos das populações

que ocupam/ocupavam esses espaços agora objeto de proteção especial.

Contudo, a interpretação desses cenários depende de alguns fatores, sendo um

deles a subjetividade de se avaliar a implantação dessas tutelas, o que quer dizer que, um

mesmo caso avaliado, pode apresentar mais de um cenário dependendo de quem o avalia

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(MENDES, 2011). Essa subjetividade é presente, pois os atores envolvidos assumem

diferentes posicionamentos relacionados à sua própria concepção sobre cada um dos bens

tutelados. Também influenciam nessa avaliação os diferentes contextos histórico-

institucionais e os graus de consolidação política ao qual estão submetidas cada tutela; e

como esses dois fatores foram construídos a partir das ações de grupos sociais, passados

e presentes. Essa variação de opiniões sobre a implementação dessas tutelas ainda pode

ser influenciada não apenas pelas percepções de quem faz a avaliação, mas também para

quem essa avaliação é feita (GERHARDT, 2008).

Por fim, atualmente é possível perceber em nossa sociedade uma maior

consciência quanto ao valor dos ambientes naturais preservados, contudo dentre os atores

que lutam para proteger esse patrimônio natural existem diferentes interesses, por vezes

conflitantes (DRUMMOND et al., 2010). Isso significa que não existe um consenso da

sociedade sobre as formas de se efetuar a conservação do ambiente natural. Sendo assim,

os vários sentidos dados a uma UC representam “uma tradução de imagens sob o viés das

percepções individuais sobre as relações do ambiente e da sociedade” (PIMENTEL et al.,

2011: 145).

Após essa breve digressão sobre o Caso do PARNA Serra do Cipó, retomamos a

sequencia da Oficina, quando a Drª. Ana Flávia Moreira, falou sobre os impactos dos

empreendimentos da mineração no município de Conceição do Mato Dentro, enfatizando

os aspectos negativos causados nas comunidades atingidas, como a questão da poluição

da água; do ar; expropriação; indenização irrisória; encurralamento, violência,

assoreamentos dos córregos; o não cumprimento das condicionantes do processo de

licenciamento; trabalho escravo nos alojamentos das empresas, dentre outros.

Toda a América Latina tem sido impactada por uma economia extrativista, da qual

o setor minero-metalúrgico tem se destacado4. Neste início de século, alguns

pesquisadores denominam de boom da mineração o aumento da demanda e dos preços no

mercado mundial do minério de ferro. Sendo que essa tendência tem se dado, em grande

parte, devido às importações da China, que é responsável pelo consumo de 60% de todo

o minério de ferro comercializado no mundo. No Brasil, a expansão da atividade de

extração de minério de ferro é marcada por projetos de exploração de larga escala com

4 Nesta parte do relatório, contamos com a contribuição da antropóloga e professora da UFMG Dr. Ana

Flávia Moreira Santos.

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grandes investimentos financeiros, que se justificam como impulsores da economia,

dentro de um modelo desenvolvimentista. As jazidas ferríferas brasileiras representam a

quinta maior reserva mundial, equivalente a 7% das reservas totais, sendo que em 2012,

o minério de ferro foi responsável por 69% do valor total da produção mineral do país

(BARCELOS et al, 2014).

Segundo Malerba (2012) na última década a indústria extrativista aumentou sua

participação no PIB brasileiro de 1,6%, em 2000, para 4,1% em 2011. A autora também

cita que a reformulação do papel do Estado trouxe mudanças importantes para o país.

Após as políticas neoliberais que ocorreram na América Latina no final do último século,

os governos reformularam as estratégias de desenvolvimento dos países com o intuito de

ampliar os direitos sociais e de estabelecer uma maior autonomia em relação às potências

hegemônica. Assim:

O Estado passa a reforçar seu papel como indutor do desenvolvimento

capitalista através de um forte investimento em alguns setores econômicos para

os quais destina as prioridades de financiamento, subsídios e infraestrutura

logística (transporte, energia). (MALERBA, 2012:11)

Dessa forma, ao mesmo tempo, que o Estado passa a induzir o desenvolvimento

econômico, busca através do controle do excedente produzido por setores econômicos,

como a mineração, viabilizar políticas de inclusão social e de diminuição das

desigualdades. Entretanto, ressalta Malerba, como resultado, prevalece uma política

estatal que mesmo com maior controle dos recursos naturais, não transforma a

distribuição desigual dos impactos negativos da exploração dos recursos sobre

populações historicamente vulneráveis. Como também, não consegue se livrar das

pressões do campo econômico referentes à inserção do país na economia global

(MALERBA, 2012).

Barcelos et al (2014) indica que para o período 2012-2016 estima-se que as

empresas irão investir no país mais de US$ 45 bilhões na abertura de novas minas, haverá

ampliação das minas existentes e aprimoramento da infraestrutura de apoio, como

ferrovias, minerodutos e portos. Este é o cenário atual de expansão do setor minero-

metalúrgico por toda a América Latina, e de grande aumento da atividade mineraria no

Brasil do século XXI. Verifica-se então, no país, a consolidação de movimentos pró-

mineração, que alia grandes interesses do poder político e econômico através do projeto

de lei PL 1610/96. Este propõe regularizar a exploração mineral em terras indígenas, bem

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como de um novo marco regulatório para a mineração, que para Milanez (2012) “tem um

forte caráter setorial e neodesenvolvimentista” (: 47).

A mineração como apropriação de territórios pelo capital (WANDERLEY, 2012)

proporciona disputas por um espaço ao mesmo tempo rico em recursos naturais de alto

valor de mercado, que são também patrimônios territoriais de grupos tradicionais. A

exploração mineral provoca uma gama de transformações socioambientais, espaciais,

econômicas, culturais e políticas. Segundo Wanderley (2012), o processo de

planejamento da mineração representa:

as perdas sobre os bens materiais e simbólicos, as terras e as próprias vidas das

populações afetadas são desvalorizadas ou até mesmo ignoradas, juntamente

com os custos ambientais, em favor de um pseudo “interesse de utilidade

pública”, que se sobressai a todos os outros direitos sobre a terra.

(WANDERLEY, 2012:93)

O Observatório de Conflitos de Mineração da América Latina (OCMAL) afirma

que estão registrados em todo o continente mais de 211 conflitos provocados pela

mineração, e aliado a isso a violação dos direitos humanos e a criminalização dos

movimentos sociais que lutam pelo reconhecimento dos impactos e dos atingidos pela

atividade minerária. Da mesma maneira, no Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas

Gerais do GESTA/UFMG, os conflitos promovidos pela atividade mineraria se destacam

em quantidade. Zhouri (2014) chama a atenção que atualmente, estão em curso

prospecções de minério de ferro com vistas a uma nova onda de exploração mineraria

baseada em moderna tecnologia, que permite a exploração em larga escala de itabiritos

com baixo teor de ferro, como na região da Serra do Espinhaço. Para a autora, essa região

se consolida como uma “nova fronteira da mineração” no estado de Minas Gerais, onde

se construiu o projeto Minas-Rio, da multinacional Anglo American.

Trata-se de um complexo minerário que engloba uma mina para extração de

minério de ferro e uma unidade de beneficiamento nos municípios de Conceição do Mato

Dentro e Alvorada de Minas. Além de uma adutora de água com captação no rio do Peixe,

no município de Dom Joaquim, o maior mineroduto do mundo, com 525 km, que se

estende até São João da Barra (RJ), passando por 32 municípios, e o terminal de minério

de ferro do Porto de Açu.

A licença de operação da mina e do mineroduto foi concedida em setembro de

2014. Já o Projeto Morro do Pilar, da empresa Manabi, prevê extração de minério de ferro

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na região de Morro do Pilar e instalação de um mineroduto de 511 km de extensão. Além

da construção de um terminal portuário em Linhares, na costa do estado do Espírito Santo,

tendo sido a licença Prévia da mina concedida em novembro de 2014. Há também

programados para a região, o Projeto Serpentina da empresa Vale, que prevê mineração

em Conceição do Mato Dentro e outro mineroduto até Itabira, bem como a expansão do

Projeto Minas-Rio da empresa Anglo American, possuindo, pretensões de exploração

mineraria com abertura de lavra no município de Alvorada de Minas, e no município do

Serro.

Análogos às características do movimento de capital descrito por Milanez (2012,

p. 30), tais projetos obedecem à recente trajetória de globalização da atividade mínero-

metalúrgica, determinada pela expansão das empresas. Além de novas áreas e melhores

reservas disponíveis, como também estão associados à construção de minerodutos para

escoamento da produção, direcionada ao mercado externo.

Iniciado em 2007, o processo de licenciamento ambiental do Projeto Minas-Rio

avançou nos anos subsequentes, a despeito dos sérios questionamentos à viabilidade

socioambiental do empreendimento, como o desconhecimento da magnitude do

empreendimento pelas populações afetadas e sua exclusão na definição das medidas a

serem adotadas para reparação dos impactos. Houve também a ampliação e

potencialização dos problemas ambientas causados pelo empreendimento e a

inviabilização do modo de vida das comunidades atingidas (BECKER & PEREIRA,

2011). Com a licença de operação concedida em 2014, os problemas relativos aos

impactos ambientais provocados e as possíveis reparações aos danos, bem como o

reconhecimento da totalidade das comunidades atingidas não foram

solucionados/considerados.

Segundo Zhouri (2014: 85), “a flexibilização das normas do licenciamento e a

ineficácia na fiscalização das obras abrem ainda brechas para a insurgência, em geral, de

ações arbitrárias e violentas na localidade”. As comunidades rurais atingidas de

Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, ambientalistas, ONGs e pesquisadores

universitários tem denunciado os impactos sociais, culturais e ambientais provocados

pelo empreendimento, assim como as estratégias adotadas pelo empreendedor e por

órgãos ambientais, sobretudo no que se refere à postura de intimidação e repressão da

empresa para com a população local e a violações de direitos humanos. Também

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denunciam irregularidades e falhas no processo de licenciamento ambiental, como a

carência de estudos técnicos relativos às comunidades atingidas, e a fragmentação da

concessão da Licença de Instalação em Fase 1 e Fase 2, como forma de favorecer o

cronograma da empresa, em detrimento mesmo do cumprimento de condicionantes.

Destacou-se que foi neste contexto de conflito que ocorreu a “Oficina de

Formação Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais”, e entre as questões

apresentadas, discutiu-se a implantação de megaempreendimentos minerários e suas

implicações para as comunidades tradicionais. Considera-se de grande importância essa

discussão para o contexto regional, de grande diversidade sociocultural, que já convive

com empreendimentos de mineração, como o Projeto Minas-Rio e o Projeto Morro do

Pilar Minerais, como também se prepara para receber outros.

Os processos administrativos de licenciamento ambiental pressupõem

“diagnóstico sobre o modo de vida das comunidades rurais, com suas redes de parentesco,

sua economia interdependente, sua relação com o meio”. E, comunidades que são “não

raro, tradicional e etnicamente definidas, não encontram ressonância entre os

instrumentos institucionalizados da regulação ambiental” (ZHOURI. 2014:91). Daí o

deslocamento compulsório das populações atingidas e a permanência de comunidades

locais, que perdem sua forma de reprodução social devido aos impactos negativos do

empreendimento. Desencadeia-se também um processo autoritário e violento por parte

do Estado e do empreendedor, de expropriação dos territórios e comprometimento do

modo de vida tradicional das comunidades.

O conhecimento dos direitos e das políticas públicas que já existem destinadas às

comunidades tradicionais, como, o direito à regularização territorial, passa a ser, então,

fundamental nesses processos arbitrários de licenciamento ambiental, no sentido que são

exteriores às populações locais e resultam de relações de forças entre os diferentes grupos

que integram o Estado (PACHECO DE OLIVEIRA, 1999). Também deve ser

considerada de grande relevância para a implantação desses processos de licenciamento,

o direito das comunidades impactadas de terem acesso a informações sobre o

empreendimento, seus direitos e prerrogativas.

Nos estudos (DIVERSUS, 2011 e LUME, 2013), realizados em âmbito dos

processos de licenciamento ambiental, que já estão em andamento, bem como realizados

por perícia do Ministério Público Federal (SANTOS 2008, 2009, 2010), afirma-se que há

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na região, presença significativa de “comunidades negras tradicionais”. Como destaca

Santos (2008) a autodeclaração quilombola é um processo autorreflexivo, através do qual

a comunidade, por categorias que lhes são próprias, retraça sua trajetória histórica e seu

sentimento de pertencimento a uma coletividade, visando a apropriação de uma

classificação legal, que se torna autodesignativa. Para a autora, vários são os contextos

capazes de desencadear o processo de autorreconhecimento - que, antes de mais nada,

supõe o contato das comunidades com a categoria legal e o conjunto de direitos que ela

demarca. Assim como:

a própria implantação do empreendimento e o licenciamento ambiental

conformam um contexto propício a esses processos, na medida mesma em que

instigam as comunidades a se conscientizarem de suas situações, a trocarem

informações entre si, e a procurarem seus direitos. (SANTOS, 2008:5)

Assim, a desconsideração destas comunidades tradicionais, como ocorre nos

instrumentos institucionalizados da regulação ambiental em processos de licenciamento,

produz como efeito a invisibilização desses sujeitos de direitos, e a desconsideração das

manifestações socioculturais – seus modos de criar, fazer e viver – que deveriam ser

protegidas pelo Estado Brasileiro. Um dos encaminhamentos importantes surgidos na

Oficina é a necessidade do mapeamento das comunidades tradicionais da região. É

indispensável que o governo saiba onde estão essas comunidades, quem são as pessoas

que nelas vivem e como vivem, pois uma vez conhecidos e identificados os povos e

comunidades tradicionais situados nas áreas impactadas pelos empreendimentos, deverão

ser construídos e efetivados procedimentos adequados de consulta prévia e informada aos

mesmos, tal como previsto na legislação afeta à temática. Bem como deverão ser

considerados os seus modos de ser e de viver, seus territórios, e seus patrimônios material

e imaterial para qualquer intervenção política-administrativa do Estado que poderá afetá-

los.

Como proposta de fortalecer a organização social, realizou-se uma dinâmica sobre

os tipos de liderança. Os participantes da oficina foram divididos em três subgrupos, todos

com a orientação de construir uma árvore. O primeiro foi liderado por uma liderança tipo

“autoritária”, o segundo por uma liderança laissez-faire, e o último por uma liderança

“democrática”. Após os trabalhos em grupo, constatou-se que os resultados do primeiro

grupo (liderança autoritária) foram pífios, dando sinais de rigidez, pobreza quanto aos

detalhes e na conversa com os submetidos ao primeiro líder, ficou clara falta de respeito

à opinião dos seus membros, falta de participação e a ausência de diálogo. Já no segundo

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grupo, a relação entre líder e liderados foi mais satisfatória, mas ainda apresentava sinais

de falta de orientação, falta de foco, falta de participação; a falta de condução do líder

gerou uma insegurança para os membros do grupo e não houve um resultado satisfatório.

Já no terceiro grupo, sob a coordenação de uma liderança democrática, houve bastante

diálogo, incentivo e participação de todos no processo, a árvore surgiu com muita

expressividade, rica em pormenores e cheia de vida. A reflexão favoreceu a compreensão

da necessidade de espaços de discussão, da importância de ouvir o outro e de todos se

reconhecerem enquanto parte do todo. A dinâmica também favoreceu a interação entre

os indivíduos e é a partir desse ponto que se estrutura o social e o cultural, numa ação

recíproca de mudar e ser mudado, mantendo a comunhão de valores, costumes e

fortalecendo a identificação e a unidade grupal.

Por fim, os encaminhamentos foram construídos e aprovados em três partes:

primeira, em relação ao mapeamento das comunidades dos municípios de Conceição do

Mato Dentro, Serro e da Serra do Cipó; segunda, a questão da mineração e as

comunidades atingidas, assim como as estratégias a serem utilizadas para amenizar o

impacto desses empreendimentos; e terceira, as preocupação e estratégias a serem

estabelecidas junto às comunidades atingidas por Parques, tanto em relação ao município

da Serra do Cipó, quanto ao município de Serro. Seguem os encaminhamentos da Oficina

Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais – Conceição de Mato Dentro 07 a

09 de novembro de 2014.

Mapeamento:

1) Que sejam mapeadas as comunidades tradicionais da região de Conceição

de Mato Dentro, Serra do Cipó, Serro (complementação), Morro do Pilar, Alvorada de

Minas e Dom Joaquim;

2) Que seja replicada a oficina na região, possibilitando a participação de

outras comunidades e maior número de comunitários;

3) Que seja ampliada a articulação dos atingidos pela Mineração da região de

CMD para outras regiões (Alvorada de Minas), notadamente para a região do Serro, área

de expansão da Anglo American;

4) Que seja realizada uma oficina específica na região sobre políticas públicas

voltadas aos direitos de povos e comunidades tradicionais;

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5) Que sejam realizadas ações de assessoramento às comunidades

tradicionais em processo de reconhecimento formal e de regularização fundiária.

Mineração:

1) Iniciativas que articulem um maior número de comunidades atingidas pela

mineração em CMD e o coletivo REAJA;

2) Iniciativas de fortalecimento das comunidades tradicionais do Médio

Espinhaço;

3) Moção de repúdio à aprovação da LO da Anglo e LP Manabi – em desrespeito

aos direitos, modos de ser e viver e à qualidade de vida das comunidades tradicionais;

4) Reconhecimento de todos os impactos, danos e sofrimentos causados;

reconhecimento de todos os atingidos e garantia da recomposição de suas condições de

vida e de reprodução sociocultural;

5) Moção de repúdio sobre disponibilidade de água: que as autoridades tomem as

devidas providências para a garantia de acesso à água, em qualidade e quantidade

suficiente, assegurando as condições de vida e produção das comunidades atingidas pelo

mineroduto da Anglo American, bem como relacionada à aprovação de novo mineroduto

na Sub-bacia do Santo Antônio/Rio Doce, num quadro de escassez de água;

6) Que sejam efetivadas as consultas prévias e informadas nas comunidades

afetadas sobre os empreendimentos e seus impactos, em conformidade com o que

estabelece a Convenção 169 da OIT;

7) Garantia de real exercício de contraditório nos licenciamentos, da liberdade de

pesquisa, da livre informação; sem que parceiros sejam ameaçados (caso reunião

Manabi);

8) Realizar ações específicas nas comunidades de Morro do Pilar e Santo Antônio

do Rio Abaixo.

Parque Nacional da Serra do Cipó e Parque Estadual da Serra do Intendente:

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1) Oficina ou reunião específica para informação-participação-empoderamento

das comunidades atingidas pelo Parque Serra do Intendente e Parque Nacional da Serra

do Cipó, seja na conformação atual e nas possíveis expansões;

2) Carta exigindo a realização do Termo de Compromisso com os moradores e

usuários do PNSCi e PNI;

3) Audiência Pública discutindo a questão de populações tradicionais e parques –

específicas e uma geral (Parna Sempre Vivas; Parna Cipó; Parque Estadual do Intendente,

Parque Estadual do Itambé, Parque Estadual de Serra Negra);

4) Que qualquer medida/atividade a ser realizada na área ainda ocupada pelas

populações do nos seja precedida de consulta efetiva (conforme determina 169 da OIT);

5) Que sejam efetivadas as consultas prévias e informadas nas comunidades

afetadas sobre os empreendimentos e seus impactos, em conformidade com o que

estabelece a Convenção 169 da OIT;

6) Encaminhamento de representação junto a Defensoria Pública da União e MPF

para avaliar o ajuizamento de Ação Civil Pública exigindo indenização por danos

materiais e morais às famílias expulsas pelo PNSCi e outros;

Por último, houve uma avaliação da oficina, sendo esta aprovada pelos

representantes das comunidades, que colocaram a necessidade da realização de outras

oficinas de caráter informativo e formativo. O resultado foi considerado como sendo

positivo e satisfatório por todos os presentes. Sendo que, o processo de empoderamento

e reconhecimento das comunidades foi bastante instigado e, a julgar pelo nível de

participação dos envolvidos, a oficina se mostrou muito exitosa. E para terminar a oficina,

foi apresentado um filme documentário da comunidade quilombola de Três Barras.

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6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Como se depreende deste relatório, o mapeamento das comunidades na região

metropolitana de Belo Horizonte propriamente dito teve início perifericamente, tendo

sido definido e aprimorados a metodologia de trabalho, bem como lançadas as estratégias

de construção de parcerias, incluso o Ministério Público, mobilização e articulação

comunitária, bem como as estratégias do mapeamento propriamente dito. No momento,

estamos estudando um recorte que apresente viabilidade temporal e orçamentária para

consecução das etapas previstas pelo Projeto.

Esperamos que no relatório final possamos apresentar dados quanti-qualitativos

relativos às comunidades propriamente ditas, bem como tenhamos construído condições

de continuidade do Projeto, que possibilite e resulte não só no reconhecimento efetivo da

sociodiversidade do Estado de Minas Gerais, inclusa a RMBH, mas também e sobretudo,

o empoderamento de comunitários, suas organizações representativas e de apoio, visando

ao pleno exercício dos seus direitos individuais e coletivos.

À superior consideração,

Belo Horizonte, 14 de Janeiro de 2015.

Aderval Costa Filho

Coordenador do Eixo “Comunidades Tradicionais” do Programa Cidade e

Alteridade / Coordenador do Projeto “Mapeamento de Povos e Comunidades

Tradicionais em Minas Gerais: visibilização e inclusão sociopolítica”

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