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RICOEUR – O CONFLITO DAS INTERPRETAÇÕES Existência e Hermenêutica (p. 05-26) O enxerto do problema hermenêutico no método fenomenológico Breve evocação histórica Investigação: dar um sentido aceitável a noção de existência I – Origem da hermenêutica - O problema hermenêutico começa antes da fenomenologia de Husserl: enxerto tardio - (1) Se colocou primeiro nos limites da exegese, no quadro de uma disciplina que se propõe a compreender um texto, um problema de interpretação; - No que isto diz respeito a filosofia? A exegese implica uma teoria do signo e significação - A hermenêutica não poderia permanecer uma técnica de especialistas; ela põe em jogo o problema geral da compreensão - (2) filologia clássica e ciências históricas: Schleimarcher e Dilthey quando o problema hermenêutico torna-se filosófico. Dar as ciências do espírito uma validade comparável a das ciências da natureza. Propriamente torna-se epistemológico: crítica do conhecimento histórico - A compreensão histórica coloca, assim, em jogo todos os paradoxos da historicidade: como é que um ser histórico pode compreender historicamente a história? Como é que a vida ao exprimir-se pode objetivar-se? II – O Enxerto da hermenêutica na fenomenologia - Dois modos de fazer isto: via longa e via curta - Via curta: ontologia da compreensão de Heidegger. Rompe com as discussões de método e aplica-se imediatamente ao plano da ontologia do ser finito, para aí tomar o compreender como modo de ser e não como modo de conhecimento. - Inversão súbita da problemática: desde a questão das condições em que um sujeito compreende um texto ou a história para a questão o que é um ser cujo ser consiste em compreender? - Ricoeur propõe seguir um caminho mais longo, via considerações linguísticas e semânticas. - Via longa: tem também a como ambição levar a reflexão ao nível de uma ontologia, mas faz isto gradualmente, seguindo os requisitos da semântica e depois da reflexão. O desejo de ontologia é o que move o empreendimento proposto - Sobre a ontologia da compreensão: remontar das Investigações lógicas de Husserl até Ser e Tempo de Heidegger: partir de Husserl e reinterpretá-lo em termos heideggerianos

Resumo Existencia e Hermeneutica

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RICOEUR – O CONFLITO DAS INTERPRETAÇÕESExistência e Hermenêutica (p. 05-26)

O enxerto do problema hermenêutico no método fenomenológicoBreve evocação históricaInvestigação: dar um sentido aceitável a noção de existência

I – Origem da hermenêutica- O problema hermenêutico começa antes da fenomenologia de Husserl: enxerto tardio- (1) Se colocou primeiro nos limites da exegese, no quadro de uma disciplina que se propõe a compreender um texto, um problema de interpretação;- No que isto diz respeito a filosofia? A exegese implica uma teoria do signo e significação- A hermenêutica não poderia permanecer uma técnica de especialistas; ela põe em jogo o problema geral da compreensão- (2) filologia clássica e ciências históricas: Schleimarcher e Dilthey quando o problema hermenêutico torna-se filosófico. Dar as ciências do espírito uma validade comparável a das ciências da natureza. Propriamente torna-se epistemológico: crítica do conhecimento histórico- A compreensão histórica coloca, assim, em jogo todos os paradoxos da historicidade: como é que um ser histórico pode compreender historicamente a história? Como é que a vida ao exprimir-se pode objetivar-se?

II – O Enxerto da hermenêutica na fenomenologia- Dois modos de fazer isto: via longa e via curta- Via curta: ontologia da compreensão de Heidegger. Rompe com as discussões de método e aplica-se imediatamente ao plano da ontologia do ser finito, para aí tomar o compreender como modo de ser e não como modo de conhecimento.- Inversão súbita da problemática: desde a questão das condições em que um sujeito compreende um texto ou a história para a questão o que é um ser cujo ser consiste em compreender?- Ricoeur propõe seguir um caminho mais longo, via considerações linguísticas e semânticas.- Via longa: tem também a como ambição levar a reflexão ao nível de uma ontologia, mas faz isto gradualmente, seguindo os requisitos da semântica e depois da reflexão. O desejo de ontologia é o que move o empreendimento proposto- Sobre a ontologia da compreensão: remontar das Investigações lógicas de Husserl até Ser e Tempo de Heidegger: partir de Husserl e reinterpretá-lo em termos heideggerianos- Necessidade de sair dos problemas da teoria do conhecimento e da dicotomia sujeito objeto, interrogando-se sobre o ser, e antes é preciso interrogar sobre o ser do Dasein, o ente que tem compreensão de ser, compreensão aqui entendida não enquanto modo de conhecimento, mas como modo de ser.- Qual o auxílio da fenomenologia de Husserl? O último Husserl contribui para a substituição da ontologia da compreensão a uma epistemologia da interpretação, mas o primeiro é altamente suspeito: ele elabora uma teoria idealista da intencionalidade e da significação- É contra o primeiro Husserl idealista que se edificou uma teoria da compreensão- Heidegger: A questão da historicidade não é aquela do conhecimento histórico concebido como método, ela designa o modo como o existente está com existentes. A compreensão não é réplica a explicação naturalista, ela é a maneira de ser de entes particulares, ou seja, é um aspecto do projeto do Dasein e sua abertura ao ser- Não importando a força desta ontologia fundamental, Ricoeur pretende trilhar outro caminho para tratar do problema da hermenêutica na fenomenologia. Duas razões:- (1) Problemas: Como fundamentar a ciência história? Como arbitrar o conflito de interpretações rivais? A ontologia fundamental passa por alto estes problemas; na verdade, ela dissolve-os. Heidegger quis subordinar o conhecimento histórico a compreensão ontológica, mas não mostra como a compreensão histórica é derivada da originária. (2) Além disto, a compreensão que é o resultado da analítica é a mesma em que este ser compreende o ser, não há uma descrição deste ente nele mesmo e

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daí seguir a compreensão como um modo de ser- Saída para estes impasses em Heidegger: não é pela linguagem que a compreensão se exerce?!- Substituir a via curta da analítica do Dasein pela via longa preparada pelas análises da linguagem- Como acessar a existência através do desvio semântico? A compreensão das expressões multívocas e simbólicas é um momento da compreensão de si; a abordagem semântica ainda junta-se com uma abordagem reflexiva.- A hermenêutica descobre um modo de existir que é de ponta a ponta ser-interpretado. Só a reflexão leva as raízes ontológicas da compreensão, e isto acontece na linguagem e através do movimento da reflexão

III – Plano semântico (análise da linguagem)- É primeiro e sempre na linguagem que vem exprimir-se toda a compreensão ôntica ou ontológica- Elemento comum que se encontra da exegese a psicanálise (que são teorias interpretativas): arquitetura do sentido, a que se pode chamar de duplo sentido ou múltiplo. É na semântica do mostrado-escondido, na semântica das expressões multívocas que vejo restringir-se a análise da linguagem- Proponho chamar simbólica a essas expressões multívocas- Simbolo: toda estrutura de significação em que um sentido direto, literal, designa por acréscimo um outro sentido indireto, figurado, que apenas pode ser apreendido através do primeiro. Este é o campo da hermenêutica: expressões de duplo sentido- Interpretação: trabalho do pensamento que consiste em decifrar o sentido escondido no sentido aparente- Campo semântico: símbolo e interpretação- Segue um certo número de tarefa:

- a) enumeração das expressões simbólicas/formas simbólicas- b) criteriologia: fixar a constituição semântica das formas aparentadas- c) estudo dos processos de interpretação: metodologias de interpretação, ou seja, a forma de

interpretação é relativa a estrutura teórica do sistema hermenêutico considerado- Resumo: começa pela investigação da extensão das formas simbólicas e pela análise das estruturas simbólicas, confronta-se os estilos hermenêuticos e por uma crítica dos sistemas de interpretação, relacionando a diversidade dos métodos com a estrutura das teorias correspondentes. Está preparado assim a tarefa mais elevada: a arbitragem entre as pretensões totalitárias de cada interpretação

IV – Plano reflexivo (compreensão de si)- A etapa intermediária rumo a existência é a reflexão, ou seja, vínculo entre a compreensão dos signos e a compreensão de si. É no si que temos a possibilidade de reconhecer um existente- Toda a interpretação se propõe vencer um afastamento, uma distância, entre a época cultural passada a qual pertence o texto e o próprio intérprete (atual)- A hermenêutica deve ser enxertada na problemática do Cogito também, não somente na teoria da significação das Investigações lógicas- Transforma-se profundamente a problemática do Cogito, ele se despedaça, mas ele se enriquece e se aprofunda através do recurso a hermenêutica. - Recuperação do Cogito via a interpretação: duas razões:- a) o Cogito cartesiano que se apreende diretamente é uma verdade tão vã quanto invencível: a reflexão é uma intuição cega se não é mediatizada pelas expressões nas quais a vida se objetiva- O cogito apenas pode ser reaprendido através do desvio de uma decifração aplicada aos documentos da vida- b) O Cogito é um lugar vazio que desde sempre foi preenchido por um falso Cogito: a consciência supostamente imediata é uma consciência falsa (mestres da suspeita). É preciso juntar a critica a consciência falsa a toda redescoberta do Cogito nos documentos da vida; uma filosofia da reflexão deve ser completamente o contrário de uma filosofia da consciência

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- Assim, a reflexão deve serduplamente indireta: a existência se atesta nos documentos da vida; a consciência é primeiramente consciência falsa e por isso precisa elevar-se através da crítica corretiva da má compreensão para a compreensão

V – Etapa existencial- Como encontrar a problemática da existência?- A ontologia da compreensão para o procedimento de Ricoeur que avança indiretamente e gradualmente, permanece apenas como um horizonte, uma mira- Uma ontologia implicada, quebrada, ainda é uma ontologia- (1) Primeira pista: reflexão filosófica sobre a psicanálise. O que ela contribui para uma ontologia?

- a) destituição da problemática clássica do sujeito como consciência: a crítica da consciência aponta para a ontologia; contestação da pretensão da consciência em erigir-se como origem do sentido. A crítica ao narcisismo leva a descoberta do enraizamento da linguagem no desejo, nas pulsões

- b) restauração da problemática da existência como desejo: colocar de novo a questão a respeito da relação entre linguagem e vida, sentido e energia. A existência é desejo e esforço. Esforço para sublinhar a energia positiva e o dinamismo; Desejo para designar a falta e privação. O Cogito não é um ato pretensioso que era inicialmente, a pretensão de pôr a si mesmo; manifesta-se como já posto no ser.- A problemática da reflexão ultrapassa a problemática da existência pela interpretação: decifrando as manhas do desejo que se descobre o desejo na raiz do sentido e da reflexão- É pôr detrás de si mesmo que o Cogito descobre qualquer coisa como uma arqueologia do sujeito- A existência que a psicanálise descobre é a do desejo, a existência como desejo.- (2) Outra hermenêutica: inspirada na Fenomenologia do espírito. A origem do sentido não está atrás do sujeito, mas para frente dele- A psicanálise propõe uma regressão em direção ao arcaico, a fenomenologia do espírito propõe um movimento segundo o qual cada figura encontra seu sentido na seguinte, a consciência assim é puxada para fora de si, para frente de si. Temos aqui uma teleologia do sujeito.- A filosofia permanece uma hermenêutica, ou seja, uma leitura do sentido escondido no texto do sentido aparente. A tarefa da hermenêutica é mostrar que a existência só se oferece a palavra, ao sentido e a reflexão, procedendo a uma exegese continua de todas as significações que vem a luz no mundo da cultura. A existência somente se torna um si apropriando-se deste sentido que reside nas obras, instituições, monumentos de cultura onde a vida do espírito esta objetivada- (3) Fenomenologia da religião: enquanto fenomenologia é somente descrição de ritos, cultos, crença. A retomada reflexiva do trabalho interpretativo leva mais longe: na compreensão através dos signos do sagrado, o homem opera o mais radical desapossamento dele próprio que é possível conceber. Estabelecimento de uma escatologia. Encara o totalmente outro.- Cada uma das hermenêuticas, mesmo sendo opostas, apontam em direção das raízes ontológicas da compreensão. Cada uma diz a seu modo a dependência do si a existência

- psicanálise na arqueologia do sujeito- fenomenologia do espírito na teleologia das figuras- fenomenologia da religião nos signos do sagrado

- A ontologia aqui proposta não é separável da interpretação. Não é uma ontologia triunfante, mas militante e quebrada- As hermenêuticas rivais não são meros jogos de linguagem. Para a filosofia linguística, todas as interpretações são igualmente válidas- Pode-se articular estas diferentes funções existenciais numa figura unitária? Na dialética entre arqueologia, teleologia e escatologia anuncia-se a estrutura ontológica suscetível de reunir as interpretações discordantes no plano linguístico. A figura coerente do ser que somos nós só é possível nesta dialética das interpretações.- A existência da qual a filosofia hermenêutica pode falar permanece sempre uma existência interpretada- A ontologia é a terra prometida para uma filosofia que começa pela linguagem e reflexão.