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1 Revista da Escola de Música da UEMG Ano V - n. 7 - Novembro 2010

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Revista da Escola de Música da UEMGAno V - n. 7 - Novembro 2010

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Conselho Editorial

Antônio Carlos Guimarães UFSJ - São João del-Rei, Minas Gerais

Felipe de Oliveira AmorimFEA - Belo Horizonte, Minas Gerais

Guilherme PaolielloUFOP - Ouro Preto, Minas Gerais

Luciana Monteiro de CastroUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Mary Angela BiasonMuseu da Inconfidência - Ouro Preto, Minas Gerais

Maria Betânia Parizzi FonsecaUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Oilian José LannaUFMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Paulo Henrique Campos SilvaUEMG - Belo Horizonte, Minas Gerais

Regis DupratUSP - São Paulo

Rodrigo Miranda de QueirozUCONN - Storrs Mansfield, Connecticut, USA

REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7ISSN: 1679-9003

Publicação da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMGCampus de Belo Horizonte

[email protected]

Elaborada por: Marcos Antônio de Melo Silva - Bibliotecário CRB/6: 2461

Modus : revista da Escola de Música da UEMG / Universidade do Estado de Minas Gerais – Ano 5, n. 7, (novembro 2010) – Barbacena MG : EdUEMG, 2008. 82 p.

Semestral. ISSN 1679-9003.

1. Música – Periódicos. I. Universidade do Estado de Minas Gerais. II. Título.

CDU: 78

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Revista da Escola de Música da UEMGAno V - n. 7 - Novembro 2010

ISSN: 1679-9003

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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7ISSN: 1679-9003

Editor responsávelJosé Antônio Baêta Zille

Capa e Projeto gráficoLaboratório de Design - UEMG

ESCOLA DE MÚSICA DA UEMG

Rua Riachuelo, 1.321 - Padre EustáquioBelo Horizonte - CEP: 30720-060

DiretoraGislene Marino Costa

Vice-DiretorRogério Bianchi Brasil

Coordenador do Centro de PesquisaArmon Sávio Reis de Oliveira

EdUEMGEDITORA DA UNIVERSIDADEDO ESTADO DE MINAS GERAIS

Preparação de Textos e RevisãoDaniele Alves Ribeiro

DiagramaçãoMarco Aurélio Costa Santiago

http://[email protected](32) 3362-7385 - ramal 105

UNIVERSIDADE DO ESTADODE MINAS GERAIS

ReitorDijon Moraes Júnior

Vice-ReitoraSantuza Habras

Pró-Reitora de Ensino e ExtensãoRenata Vasconcelos

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-graduaçãoLuzia Gontijo Rodrigues

Pró-Reitor de Planejamento, Gestão e FinançasAntônio Dianese

Diretor Geral do Campus de Belo HorizonteRogério Bianchi Brasil

Tiragem: 400 exemplaresRevista semestral

Linha editorial

A revista MODUS é uma publicação semestral editada pelo Centro de Pesquisas da Escola de Música da UEMG com o propósito de estimular a reflexão e a atuação crítica em contextos culturais diversos. Procura ser um agente catalisador do desenvolvimento da produção e do intercâmbio de conhecimentos relacionados à música. Dentro dessa perspectiva, abrange a produção de cunho científico, teórico ou histórico, que envolve a musicologia e as áreas que colocam a música, direta ou indiretamente, frente à educação, tecnologia, performance e outros sistemas de linguagem.

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editorial

a ForMaÇÃo do CaMPo artÍStiCo-MUSiCaleM MiNaS BarroCaDomingos Sávio Lins Brandão, Raissa Anastásia de Souza Melo

NorMaS Para PUBliCaÇÃo

SUMÁrio

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eNtre a CeNa e o SoM: UMa aBordaGeM doCaValo MariNHo PerNaMBUCaNoJuliana Macedo Carneiro, Moacyr Laterza Filho

o USo do PÍFaro iNdUStrialiZado NaiNiCiaÇÃo de CriaNÇaS À FlaUta traNSVerSalAlberto Sampaio

aSPeCtoS da aPreNdiZaGeM de ViolÃoFora doS CoNteXtoS eSColareSFernando Macedo Rodrigues

eStUdo CoMParatiVo do teMPo deaQUeCiMeNto VoCal eM CaNtoreS PoPUlareSCristina de Souza Gusmão, Roberta Bahia Pereira, Luciana Lemos de Azevedo, Maria Emilia Oliveira Maia

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editorialNos últimos dez anos, o ensino e a pesquisa em música, assim como as práticas relacionadas a ela, evoluíram significadamente no Brasil. No âmbito do ensino, as escolas de música cresceram e multiplicaram-se. Naturalmente, quantidade e qualidade não caminharam no mesmo ritmo. Temos hoje, em nosso país, um quadro multifacetado no qual núcleos de excelência se misturam a escolas de caráter duvidoso, escolas pseudomodernas – com uso de ferramental tecnológico, mas com metodologias ultrapassadas – e ainda, aquelas guardiãs do retrocesso – nas quais as ementas dos programas mantêm inalteradas há décadas, ignorando qualquer possibilidade de renovação.

Já no campo da pesquisa, nossa comunidade também experimenta notável crescimento. Acompanhando os eventos anuais da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) tem-se um bom retrato do desenvolvimento dessa área. Porém, todo esse vigor vem junto com alguns efeitos colaterais. Muitas escolas, para atender às pressões institucionais, têm se desviado de seus principais objetivos. Além disso, em meio à diversidade, sem dúvida saudável, prolifera a produção de irrelevâncias que, em certa medida, isola a escola que se volta para si mesma, despreocupada com a construção coletiva do conhecimento.

Não são, portanto, poucos os desafios de uma revista acadêmica como a Modus. Devemos lidar com esse contexto positivo de desenvolvimento, porém, marcado por paradoxos e ambiguidades. Ao fomentar a produção acadêmica, devemos encorajar a reflexão crítica. Ao disseminá-la, devemos abrir espaço para temas pertinentes e provocativos. Sob essa perspectiva última e certos da importância da construção coletiva do saber, procuramos apresentar artigos que, enquanto apresentam conhecimentos renovadores, o faz na esperança de instigar uma reflexão constante e construtiva.

Domingos Sávio Lins Brandão e Raissa Anastásia Souza Melo nos remetem à Minas Colonial do século XVIII para analisar o processo de transformação da organização social dos músicos e as condições de produção, distribuição e consumo da música daquele período. Segundo os autores, isso permitiu o surgimento de um conjunto estilístico musical ímpar.

Juliana Macedo Carneiro e Moacyr Laterza Filho investigam os elementos formais, cênicos e musicais do tradicional folguedo popular nordestino, “Cavalo Marinho”.

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Para tal, analisam, de forma mais atenta, como a música e os elementos cênicos dialogam entre si ao mesmo tempo em que buscam identificar as contribuições que a músicas traz para a evolução da textura cênica do folguedo.

Alberto Sampaio busca demonstrar que o pífaro possui características que facilitam o aprendizado inicial dos principais aspectos técnicos da flauta e, portanto, pode ser usado com crianças nos estágios iniciais da aprendizagem da flauta transversal.

Fernando Macedo Rodrigues aborda a aprendizagem do violão desenvolvida exclusivamente fora do ambiente formal de ensino musical. Para tal, o autor descreve o processo de aprendizagem inicial autônomo utilizado pelos participantes de um projeto patrocinado pela Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte em 2006.

O grupo de pesquisadoras Cristina de Souza Gusmão, Roberta Bahia Pereira, Luciana Lemos de Azevedo e Maria Emilia Oliveira Maia apresenta o resultado de uma pesquisa que procurou verificar a validade de um tempo apropriado para o aquecimento vocal para cantores que atuam no universo do canto popular.

A Modus, como sempre, agradece ao seu valioso conselho editorial e, naturalmente, aos colaboradores deste número. Esperamos sempre contar com suas participações, bem como de todos que possam e queiram contribuir para que a Modus continue a atingir seus objetivos.

José Antônio Baêta ZilleEditor

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REVISTA MODUS – ANO V / Nº 7 – Belo Horizonte – NOVEMBRO 2010 – p. 9-30

A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICALEM MINAS BARROCA

Domingos Sávio Lins Brandão

Mestre em Sociologia e doutorando em História pela Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG), professor de História da Música, Estética da Música, Flauta Doce e Musicologia na Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), coordenador do Núcleo de Acervos do Centro de Pesquisa e Diretor do Festivitas - Grupo de Música Antiga da mesma escola. Em 2009 recebeu a

homenagem de Personalidade da Música Antiga em Minas Gerais,na II Semana de Música Antiga da UFMG.

[email protected]

Raissa Anastásia de Souza Melo

Bacharel em Música com habilitação em flauta transversal pela Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), mestre em Música pela Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG) e professora de História da Música Brasileira no

Departamento de Artes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes).

[email protected]

ResumoO presente artigo tem como objetivo analisar o processo de transformação da organização social dos músicos em Minas Colonial durante o século XVIII, bem como as condições de produção, distribuição e consumo da música e o relacionamento dessas condições com as “formas abertas do barroco”, que prevaleceram em Minas e permitiram o surgimento de um conjunto estilístico musical sui generis, homólogo aos vários gostos de uma sociedade multifacetada.

Palavras-chave: Música colonial mineira; barroco; campo artístico.

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ModUSA FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICALEM MINAS BARROCA

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Introdução

Em nossos estudos sobre música e sociedade em Minas Colonial, constatamos que uma variedade de “gostos musicais” estiveram aqui “reunidos” (BRANDÃO, 2000). Ao analisar as obras dos músicos mineiros setecentistas, verificamos que numa sociedade barroca de formas abertas (THEODORO,1992,1997) e socialmente multifacetada como a mineira do século XVIII, diversos tipos de sensibilidades musicais foram suscitados. Para a nossa terra não foram transplantados apenas modelos de uma arte sacra barroca e pré-clássica. Mas, além disso, modelos que remontam ao arcaico moteto renascentista e à construção de uma concepção mineira ao gosto da tradição de cantilenas religiosas, cantadas pelos fiéis ainda hoje, e obras que revelam “não-observâncias” aos cânones musicais setecentistas europeus.

Tais evidências – especialmente as “não-observâncias” – se encontram presentes, por exemplo, em diversas obras do compositor Manoel Dias de Oliveira e na Sonata n.º 2 - batizada de Sabará - composta para teclado, a única do gênero do período colonial brasileiro encontrada até a presente data e que em seus três movimentos apresenta vários “gostos reunidos”, como o rococó, o clássico e o pré-romântico, com claras alusões ao sturn and drang. Como exemplo do gosto arcaico, citamos as obras reunidas no chamado “Manuscrito de Piranga”, que pertence ao Acervo do Maestro Chico Aniceto, que hoje se encontra sob a guarda do Centro de Pesquisa da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Trata-se de um manuscrito do início do século XVIII e que se encontra atualmente em fase de editoração para publicação em um futuro próximo.

Enfim, por caminhos diversificados, encontramos um verdadeiro conjunto estilístico musical sui generis, homólogo aos vários gostos de uma sociedade multifacetada e de uma organização social de músicos que pouco tinha do sistema de corporação de ofício, ainda predominante em várias regiões da Europa.

A atividade musical passou por processos de transformações em direção à formação de “campo artístico” desde os primórdios da formação dos núcleos urbanos em Minas no século XVIII. Considerando que “as práticas musicais devem ser entendidas como práticas artísticas e culturais, como manifestação de uma determinada sociedade, como um dispositivo agregado e funcional em seu tempo histórico” (MONTEIRO, 2010, p. 79), propomos ampliar, para três momentos, a periodização estabelecida por Curt Lange em seu clássico texto “A música barroca” (1985). A atividade dos músicos em Minas Colonial, primeiro momento: Período de formação (1700 - 1750), um segundo, período de transição (1750 - 1760), e um terceiro, período de consolidação e formação do campo artístico (1760 - 1810).

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Novembro de 2010 Domingos Sávio Lins Brandão,Raissa Anastásia de Souza Melo

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Período de formação (1700 - 1750)

O primeiro período já se manifestava durante a ocupação inorgânica da região das minas pela população ávida de riqueza. A música aparece então como um importante elemento de coesão social. Fazemos uso do trabalho do historiador Geraldo Dutra de Moraes, que encontrou documentos preciosos no Arquivo do Conselho Ultramarino (MORAES, 1975). Mesmo lamentando a falta de minúcias quanto a sua citação documental, aproveitamos sua pesquisa para revelar dados importantes, relativos ao período inicial de povoamento de Minas1. Segundo um dos documentos estudados por ele, Frei Francisco de Monte Alverne, em 1720, deixa seu testemunho sobre os cânticos religiosos e profanos entoados durante a áspera jornada e observações sobre os instrumentos musicais, agrupamentos de músicos e cantores.

Ouvia-se, à noite, o canto sentimental e sofrido dos menestréis, acompanhados dos acordes de suas violas e saltérios extravasando em versos improvisados, de contexto amoroso e telúrico. [...] As sessões musicais se repetiam durante o transcorrer da longa e exaustiva viagem, proporcionando, aos conjuntos, prática e melhor harmonia instrumental [...]. Da convivência cotidiana dos componentes, surgia uma amizade e comunhão de propósitos, a ponto de músicos adventícios jamais se separarem, dirigindo-se e instalando-se no mesmo núcleo do povoamento (MORAES, 1975, p. 8-10).

No mesmo documento, também está registrada a presença da música dos escravos, que “entoavam também melancólicas cantigas, em consonâncias bárbaras do dialeto banto. Invocavam a proteção de seus orixás, através de danças e volteios de caxambu, acompanhados do chocalhar e batidas compassadas dos pés” (MORAES, 1975, p.10).

A narrativa acima chama a nossa atenção para importantes aspectos histórico-musicais, pois observamos, em meio à turba, não só a presença da música religiosa erudita europeia e da música popular tocada na viola, mas também da música de origem africana. Em meio àquela multidão heterogênea, não somente os músicos e os cantores já desempenhavam funções essenciais, mas também diversos membros do grupo, em sua incerta aventura: seja executando em suas violas versos profanos improvisados; seja executando composições mais elaboradas em grupo, dirigindo ou sendo dirigidos por um regente, seja, no caso dos negros, executando suas cantigas acompanhadas de instrumentos de percussão.

1 Curt Lange, por esta deficiência de Geraldo Dutra, chega a qualificar as descobertas do mesmo como “livre fantasia” em artigo publicado no jornal Estado de Minas. LANGE, C. Minhas viagens pela música colonial mineira. Estado de Minas, Belo Horizonte, 15 de ago. 1979. Caderno de Cultura, p. 8.

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Aqui, a arte dos sons também se configura como um emblema cultural, funcionando como um instrumento de solidariedades grupais, ou melhor, de coesão social. Uma solidariedade mais estreita, pois a música, com seu incrível poder de presença, possibilita uma intercomunicação entre os indivíduos, como se levasse a uma “fusão parcial das consciências”, podendo agir, dessa forma, como um amálgama social. As observações de Durkheim sintetizam a ação da arte ordenada num processo de exaltação coletiva.

Sem dúvida, como um sentimento coletivo não pode exprimir-se coletivamente senão com a condição de observar certa ordem que permita o concerto e os movimentos de conjunto, esses gestos e esses gritos tendem por si próprios a se ritmar e a se regularizar; daí, os cantos e as danças (DURKHEIM, 1989, p. 271).

Em outras palavras, poderíamos chamar esse primeiro momento de um tipo de “emoção estética”, é um momento contagioso, no qual o gozo interior é tão intenso que um indivíduo não pode guardá-lo apenas para si, sentindo a necessidade de compartilhá-lo, comunicá-lo, senti-lo em comum. Ainda mais em se tratando da música, que apela para um “tempo psicológico”, se dirige ao tempo fisiológico e até visceral, ou seja, para um total envolvimento psicofisiológico do ouvinte (LEVI-STRAUSS, 1991, p. 25). Por isso mesmo, a emoção estética musical é criadora de solidariedade. Principalmente nesse momento, quando então os indivíduos se encontram numa terra estranha, isolados de suas normas e sanções sociais, a música vem evocar-lhes os seus vínculos culturais.

Naturalmente, essa música também se reveste dum aspecto de festa e diversão, bem dentro do espírito barroco que se instalou em Minas, aquele das formas abertas, que permite múltiplas manifestações culturais paradoxais e institui verdades em diferentes planos. É o Barroco que Roberto da Matta considera como possuidor da seguinte característica:

da capacidade de relacionar (ou pretender ligar com força, sugestividade e inigualável desejo) o alto com o baixo; o céu com a terra; o santo com o pecador; o interior com o exterior; o fraco com o poderoso; o humano com o divino e o passado com o presente [...] (DA MATA, 1991, p. 16).

Esse espetáculo de múltiplas manifestações, marcado pelo pluralismo cultural e observado nos inícios do povoamento marcará o modus-vivendi do Barroco “instituído” em Minas por todo o século XVIII.

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Salientamos também que, há 200 anos, a execução de uma peça musical era um momento de grande expectativa, pois a sua existência se dava num momento único em que o músico a interpretava, conferindo-lhe uma extrema efemeridade e conseguindo mobilizar a atenção de todos os interessados. Para nós que hoje “respiramos” música, é difícil compreender a força cultural aglutinadora de uma execução musical ao vivo num ambiente aparentemente hostil. Como bem observou Harnoncourt sobre a função da música em nossos dias, “hoje ela [a música] se tornou um simples ornamento que permite preencher noites vazias [...], ou quando ficamos em casa, com a ajuda de aparelhos de som, espantar ou enriquecer o silêncio criado pela solidão” (HARNONCOURT, 1988, p. 13). Nossos antepassados consagravam todas as suas forças e todo o seu amor, como também suas riquezas, para construir o templo de sua devoção. Davam muito mais atenção a um instrumento musical ou cerimonial com música do que ao seu próprio conforto. Isso é bem ilustrado pela compra de um órgão em Sabará, em 1775, pela Irmandade do Carmo, por “trezentos mil réis” (LANGE, 1965), ou seja, não foram poupados enormes esforços pelos irmãos para levantar a quantia necessária para a compra do instrumento, “simplesmente”, com o objetivo de abrilhantar o ritual.

Numa sociedade assim, o campo de atuação profissional para o músico era abundante, pois a música era indispensável, como respirar. Muito diferentemente de nossa percepção atual, ela era bem fruída de diversas formas. Principalmente a música religiosa, estando inserida no aparato barroco, tornava-se aquele momento supremo de suspensão de rotina:

[...] aquilo que agrada mesmo e entra pelos olhos e até pelos narizes e pelos ouvidos, é o vulto ostentoso dos templos barrocos, é o aparato e a graça dos altares, é a riqueza e a arte impressiva das imagens, é o brilho e a cor das alfaias, é o cheiro capitoso e ascético dos incensos, dos círios acesos, das flores e dos ramos benzidos, é a solenidade e a elegância dos gestos litúrgicos do altar, é a pompa e a ocorrência dos triunfos e das procissões, e acaba sendo uma excelente música nativa [...] (CARRATO, 1968, p. 29).

Era, na verdade, um espetáculo, aquilo que nasce e perece no momento de sua execução.

Voltemos aos primórdios da atividade musical. Nos templos, ainda em fase de construção, quando nem mesmo havia o altar-mor ou as laterais, a música já era uma condição previamente requerida. Nunca é demais evocar a vista do governador Dom Pedro de Almeida à São João del-Rei em 1717. Um texto de Samuel Soares de Almeida, conservado em arquivo sanjoanense (NEVES, 1987, p. 16), relata com

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detalhes a recepção oferecida pelo Senado da Câmara ao governador. A marcha da comitiva, desde a entrada da vila até a igreja matriz, foi regada “ao som de uma música organizada pelo Mestre Antonio do Carmo” e, na igreja, foi entoado o “Te deum” solene a dois coros.

Em Vila Rica, a chegada do Conde Assumar mereceu também do capitão-mor Henrique Lopes a compra de três negros “charameleyros”, que custaram quatro mil cruzados, e sua agregação ao conjunto já existente, no qual se vestiam ricamente. Em Prados, em 26 de setembro de 1716, “se fez a festa do glorioso San Miguel, de meio dia, de forma do termo em frente ao coal fez de custo o que se segue: [...]; a música se deo 43 oytavas de oiros; [...]” (CAMPOS FILHO, 1989, p. 621). Em Sabará, o historiador Zoroastro Viana Passos faz referência à festa do Divino e à festa do Espírito Santo, em1711, com a presença da “banda de música” e danças (REZENDE, 1989, p. 632). Em Vila Rica, os livros de receitas e despesas do Senado da Câmara, já em 1721, informam a contratação de Bernardo Antônio como responsável pela música daquele ano (LANGE, 1966, p. 17). Já nos primeiros livros de receita e despesas das Irmandades e nos livros de acórdão do Senado da Câmara, de 1715-1716 e 1720, aparece um número apreciável de cantores e instrumentistas nas diversas festas (LANGE, 1966, p. 9).

A atividade musical era livre desde os primeiros tempos. As companhias de músicos, os regentes compositores e seus companheiros ou mesmo um músico individualmente, como no caso dos organistas, desempenhavam seus ofícios de acordo com as flutuações e necessidades sociais. Atuavam para as Irmandades Religiosas e para os Senados das Câmaras. No caso destes, os serviços de música eram outorgados por um convênio chamado de obrigação, que era um tratado direto entre o senado e o diretor do grupo musical. É provável que entre os músicos e as irmandades também se estabelecesse uma “obrigação”. Quanto ao músico individual, era assinado entre eles e a irmandade, um contrato, como no caso dos organistas.

É muito provável que a “poética musical” também fosse livre. A não existência de ordens religiosas em Minas, a distância das terras lusitanas e as “formas abertas” do barroco possibilitaram tal liberdade não somente referente às letras das composições musicais, mas também das “solfas”, conforme observaram os prelados que aqui estiveram na primeira metade do século.

Pois bem, o bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei Antônio de Guadalupe, em visita pastoral a Minas, em 1726, ficou surpreendido com o “Te deum” cantado na matriz do Pilar, referindo-se à qualidade e perfeição comparáveis à música da metrópole. Ao mesmo tempo, o prelado inquietou-se com a licenciosidade de certas programações,

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mandando uma carta queixa a El Rei, em que se referia aos aspectos “profanos e indecentes” presente não só nas encenações de comédias e óperas, mas também no texto e na música utilizada nas festividades religiosas. Além do mais, perguntava o sacerdote que “contraponto sensualista” é esse dos “compositores sem escola”? (MONTEIRO, 2006, p. 7). O bispo, diante dessa situação, nomeia em cada comarca um “vedor”, designado como “mestre de capela”, que por tal função recebia um salário anual (LANGE, 1966, p. 9). O mesmo acontece em 1743, quando o bispo do Rio de Janeiro, Dom Frei João da Cruz, em visita a Minas, numa pastoral datada de 20 de abril, adverte os fiéis contra o excesso de festas e comédias (ÁVILA, 1978). Em Conceição do Mato Dentro, em sua segunda visita a Minas, 1745, o mesmo bispo proíbe, sob pena de excomunhão, “comédias, óperas, bailes, máscaras, touros ou entremesses” (ÁVILA, 1978, p. 29).

Infelizmente, não possuímos nenhuma documentação que revele o que eram tais excessos. Porém, se tomarmos por base as descrições de festejos religiosos na Bahia, na mesma época, é possível que entendamos melhor as preocupações dos prelados. Um viajante francês, La Gentil, descreve os festejos natalinos numa igreja da Bahia, onde “um grupo de jovens freiras, numa tribuna, cantou canções jocosas com acompanhamento de harpas e tamborins numa balbúrdia extremamente cômica, durante a qual as religiosas abandonaram-se a uma dança frenética” (CACCIAGLIA, 1986, p. 20). Tais atos ainda foram seguidos por um relatório de uma das freiras sobre as aventuras galantes dos oficiais da corte do vice-rei (CACCIAGLIA, 1986, p. 20). O mesmo francês, numa festa de São Gonçalo do Amarante, em 4 de fevereiro do ano seguinte, descreve que, ao redor da igreja, “um grupo de bailarinos dançava freneticamente, ao som de vários instrumentos” (CACCIAGLIA, 1986, p. 20). Segundo ele, na chegada do vice-rei, os sacerdotes, escravos e demais gritavam a todo pulmão “Viva São Gonçalo” e, ainda, dentro do próprio templo, havia danças frenéticas e diversões em que uns jogavam pequenas estátuas de santo nos outros, além de, em volta da igreja, terem sido levantadas várias tendas cheias de mulheres com costumes fáceis (CACCIAGLIA, 1986).

Claro que a música e as festividades em Minas não sofreram abalos significativos com a ação dos prelados no tocante à organização musical. O próprio Senado da Câmara de Vila Rica, em 1728, incentiva a participação das irmandades nas festas de São João, “com bandeiras, músicas e danças na forma de costume” (MORAES, 1975, p. 19). O Áureo Trono Episcopal nos mostra que a folia andava à solta. Nas Devassas do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, são vários os processos que tentavam coibir os excessos nas festas religiosas e nos saraus. Dentre vários, podemos citar, por exemplo, uma festa do Divino em Ouro Preto, no ano de 1738, quando vários padres seculares, moradores daquela cidade, andavam num

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carro “tocando violas e, entre eles, uma negra chamada Vivência, cantando vestida de homem. Vivência cantava o ‘arromba’ e outras modas da terra, as mais desonestas” (MELLO; SOUSA, 2004, p. 228).

O próprio Estado não só permitia tais manifestações como também as estimulava, pois a festa barroca, em várias partes da Europa, é a arte da corte. Leoni afirma que:

A música era um dos elementos que constituíam o arsenal de representações do Antigo Regime. Nas sociedades de corte européias, a música foi elemento obrigatório nas manifestações organizadas para engrandecer e mostrar maior triunfo do soberano quando de suas aparições públicas. Em Portugal, o poder da Igreja misturado ao poder secular do monarca através do Padroado também se valia dos mesmos artifícios no rito católico. Apesar de não se comparar em suntuosidade com as demais cortes da Europa, a corte portuguesa seguia o modelo continental dessas representações. Nas celebrações a presença do corpo místico do rei era assinalada através da música, mesmo em terras distantes (LEONI, 2007, p. 9, grifo nosso).

Porém, acrescentamos que em Minas Colonial, as manifestações do Antigo Regime assumem uma coloração reconceptualizada. Essa reconceptualização se manifesta nas festas ruidosas, quando as manifestações de alegria tendem a transgredir o decoro do catolicismo tridentino e a diminuir a tensão da organização da sociedade mineira, pois todos caíam na “folia”. Não se tratava de uma inversão da ordem, mas de um tensionamento da ordem, necessário para a própria manutenção da organização social existente em Minas. O “espírito” barroco era perfeitamente compatível com as múltiplas manifestações que aqui, no nosso caso, se expressavam nas festas seja através da música religiosa, tendo como matriz a estética europeia resignificada, que se configurava através de um “contraponto sensualista de compositores sem escola” (CARRATO, 1965, p. 124), seja através de modas de viola ou dos batuques de origem africana: “o Barroco é um jogo, como transgressão consentida e vigiada. Ele transgride toda a intenção (canônica) mas sabe-se até quando e porque transgride” (NEVES, 1986, p. 69). Ainda mais que,

no Brasil colonial, particularmente, a articulação de culturas fez surgir características próprias, em ocasiões e espaços de audiências também característicos; reorganizou formas de relacionamento profissional e diletante e, sobretudo, formou uma coletividade de ouvintes/espectadores singular (MONTEIRO, 2010, p. 80).

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Período de transição (1750 - 1760)

A segunda fase tem seu início quando o primeiro bispo de Mariana, Dom Frei Manoel da Cruz, tenta fazer cumprir as determinações de seu antecessor Dom Antônio de Guadalupe, logo após sua posse. Conforme comenta o monsenhor Cônego Trindade, “Fuão Messias, Mestre de Capela em Vila Rica, punha nas igrejas músicas teatrais, profanas, em que nada havia de sacro” (BRANDÃO, 1993, p. 99). O piedoso bispo da Ordem de São Bernardo encontrou diversas dificuldades para impor suas ordenações, não só com relação aos músicos, mas também com relação ao próprio cabido, considerando-se a devassidão dos costumes do clero.

A esse respeito, vale registrar a documentação da Inquisição de Lisboa, Arquivo Nacional – Torre do Tombo – sobre as práticas de sodomia entre o clero e os músicos. Um dos documentos, de 1747, registra a acusação contra o padre José Ribeiro Dias, de que ele mantinha “atos desonestos de molícia e atos nefandos sodomíticos” (BRANDÃO, 1993, p. 99) com os músicos Carlos de São Caetano, Manoel Ramos, harpista, pardo forro, Francisco Messias, João Alves de Vila Rica e João Boquinha, rabequistas (BRANDÃO, 1993, p. 99).

Ainda sobre a inquisição, vale à pena apresentarmos as informações que gentilmente nos foram enviadas pelo citado antropólogo, extraídas de um documento datado de 1749, tendo em vista sua raridade e o fato de tratar-se do músico Antônio do Carmo2, um dos primeiros a aparecer nas documentações sobre a música mineira colonial: “Perante o Comissário do Santo Ofício de Mariana, Pe. Félix Simões de Páscoa, aparece o músico Antônio do Carmo, natural da Ilha Terceira, Açores (BRANDÃO, 1993, p. 99). “Para desencargo de sua consciência”, confessou que pecara sodomiticamente, agente e “pacienta”, com diversos rapazes. Ele revela ainda que em dezembro de 1747, na festa de São José dos Pardos, em Congonhas do Campo,

se deitara na cama com outros músicos rapazes, por muitas vezes, e com eles estava com brincos desonestos, fazendo pulsões nas mãos dos ditos rapazes, e outras vezes por entre as pernas, e eram os seguintes músicos: João Antunes, mulatinho; Filipe Nunes3, pardo, filho de Domingos João Antunes; Tomás Espírito Santo, ajudante do Tenente, que principiava a

2 Antônio do Carmo é um dos primeiros músicos citados nos antigos documentos como responsável pela música oficial de um evento. Em 1717, ele foi responsável pela música de cortejo de recepção ao Conde de Assumar em sua visita à São João del-Rei. Entre os anos de 1738 e 1752, ele atuou para diversas Irmandades de Vila Rica. No ano de 1749, ele aparece diante da Inquisição para confessar atos sodomíticos, de onde sua procedência é revelada: Ilha Terceira, Açores.3 Esse músico aparece, esporadicamente, como rabequista no rol de músico do Senado da Câmara de Vila Rica entre os anos de 1762 e 1778.4 Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, 20º Caderno do Nefando, fl. 89, 1749, Liv 145. Torre do Tombo, Lisboa, Portugal

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ser paciente. [...] e que todas as vezes estava esquentado com aguardente e com pitar4 (BRANDÃO, 1993, p. 99-100).

Voltando às resoluções do bispo sobre a prática musical nos templos, no Códice das Provisões da Diocese da Mariana, há a designação dos responsáveis pela música: mestre de capela, padre Gregório dos Reis Melo; organista, padre Manoel da Costa; chantre, padre Alexandre Nunes (cantor-mor). Dom Frei Manuel da Cruz, inclusive, em 13 de maio de 1751, dirige-se a El-Rei, em carta, com a mesma queixa de seu antecessor: achava muita profanidade e indecência nas peças musicais e avisava que os papéis de música seriam examinados para serem executados.

Dou conta a Vossa majestade, que meu predecessor dom frei Antônio de Guadalupe, que Deus haja, vindo visitar pessoalmente esta Capitania das minas, achou nas músicas que se cantavam nas festividades da igreja tanta profanidade, e indecência tanto nas letras, como na solfa por serem quase todos os músicos homens pardos ordinariamente viciosos [...] proibiu com graves penas aos mestres da capela, não levassem coisa alguma pelas tais licenças [...]; para evitar porém as profanidades, e indecência da música mandou por uma provisão, que não cantassem papéis alguns de música nas igrejas, e capelas sem serem revistos assim no latim, como nas letras, e solfa em observância ao Concílio Tridentino, determinando em cada comarca um revedor, que vulgarmente se chama mestre da capela (LEONI, 2008, p. 305-306).

Os músicos, entretanto, não se conformavam com as intervenções do bispo. Sob a liderança do regente Francisco Meixa, levanta-se a oposição à revisão da música pelos vedores. E dom Frei Manoel da Cruz afirma:

Este regimento se observou em todo este bispado desde então até o presente, que haverá mais de vinte anos sem contradição alguma dos músicos, e só agora em Vila Rica Francisco Mexia solteiro, e homem pardo, mal procedido e revoltoso, recusas mandar rever os seus papéis desprezando o determinado no regimento, e as minhas ordens, que são as mesmas que expediram os meus antecessores, para observância do tal regimento [...] (LEONI, 2008, p.306; LANGE, 1966).

Tanto a “letra como as solfas” eram consideradas inadequadas para os serviços religiosos. Dom Manuel, diante do repertório exíguo, manda trazer de Lisboa cantos gregorianos e peças no melhor estilo orquestral europeu. Segundo Neves, “é

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remetido de Portugal um caixote contendo livros gregorianos e música polifônica para missas, matinas, vésperas, ofícios fúnebres e novenas” (NEVES, 1997, p. 17). Tal atitude já tinha sido tomada anteriormente, pois há notícias que em 1741 chegou a Minas partituras dos renascentistas Orlando de Lassus e Palestrina e de compositores seiscentistas e setecentistas como Frescobaldi, Monteverdi, A. Scarlatti, Lully, Rameau e Pergolesi (NEVES, 1997, p. 17). Ações semelhantes foram também tomadas posteriormente: em 1788, o frei Antônio de Castro Moreira enviou para Mariana composições de Mozart, Haendel, Purcell e Byrd (LANGE, 1967; REZENDE, 1989; NEVES, 1997; MONTEIRO, 2006).

A resposta de El-Rei ao bispo, em 1752, veio serenar um clima de tensão entre os músicos, apesar do prelado insistir em controlar a música: “Me parece dizer-vos que os prelados não podem gravar os vassalos com imposições novas; [...] recomendo-vos levanteis estas opressões [...]” (REZENDE, 1989, p. 582).

Discórdias entre músicos e prelados aconteceram também em outras partes da colônia. Em Itu, por exemplo, em 1749, a câmara escreveu ao rei de Portugal e queixou-se de que o bispo de São Paulo privilegiava o cantor Francisco Vaz Teixeira, mestre de capela daquela vila, em detrimento de outros profissionais. O rei, ao responder, recomenda ao bispo que informe sobre o assunto. Dois anos depois, o bispo responde que os músicos continuarão a ser designados por ele (DUPRAT, 1985).

A vontade de controlar a música em Minas, por parte das autoridades do clero, transcorre pela década de 1750 : o bispo nomeia alguns censores, como, por exemplo, em 1750, um mestre de capela para comarca do Serro Frio e, no mesmo ano, transfere o padre Gregório dos Reis Melo para a comarca de Sabará, também como mestre de capela. Em 1753, o padre Julião da Silva Abreu é feito mestre de capela da comarca do Rio das Mortes. No livro das provisões do bispo, datado de 1752 a 1775, estão contidas as orientações que os mestres de capela deveriam observar: não é permitido que se cantem nas missas composições de mestres profanos “ou outras que não sejam antífonas, salmos, hinos, graduais” (BRANDÃO, 1993, p. 101).; os papéis deverão ser examinados; “não se cantem músicos alguns, ou se levantem tons de salmos e antífonas, Ofícios Divinos, sem a aprovação do dito Mestre de Capela, no qual mandamos debaixo de excomunhão” (BRANDÃO, 1993, p. 101-102). Em outro documento, dirigido às autoridades portuguesas, em 1753, o mestre de capela da Catedral de Mariana (vale observar que o mestre de capela da Sé era nomeado pelo bispado) solicita que, na catedral e filiais, só eles e seus músicos cantassem (REZENDE, 1989).

A fase de transição é marcada, portanto, pelas tentativas mais incisivas de disciplinar

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a produção musical por parte do bispado, segundo “os padrões permitidos e tolerados pela Igreja” (MONTEIRO, 2006) e pela tentativa de organização dos músicos para resistir às ações do prelado.

Período de consolidação e formação do campo artístico (1760 – 1810)

A terceira fase se inicia quando o próprio Senado da Câmara de Vila Rica, em 1760, implanta outra maneira de contratar a música para as festividades anuais. Nos primeiros tempos, como já salientamos, os serviços de música eram outorgados por um convênio chamado de “obrigação”, tratado direto entre o senado e o diretor do grupo musical. A partir de 1760, é instituído o Sistema de Arremates através do qual os grupos de músicos “disputavam” o serviço anual. O vencedor tinha como obrigação apresentar a lista dos componentes de seu grupo: cantores e instrumentistas. Era o “rol” dos músicos. Era obrigação também do vencedor apresentar uma garantia do serviço, levando ao Senado um colega fiador, caso fosse impedido. O habitus individualista aqui prevaleceu, inclusive com o incentivo do próprio poder público.

O historiador Boschi (1988) sustenta que, embora submetidos à legislação, o controle profissional de artistas e artífices pelo Estado não era rígido. A regulamentação do Estado vinha posteriormente, pois as atividades profissionais se desenvolveram desde os primórdios do povoamento, ao sabor das circunstâncias. Sendo assim, os artífices e os artistas estavam submetidos às flutuações e às demandas do mercado consumidor, pois deles não era exigida qualquer tipo de licença para a atuação profissional. Eles nem mesmo se organizavam em corporações de ofício como no reino e no litoral do Brasil, o que permitia aos consumidores acesso direto aos mesmos. Portanto, era o músico compositor e/ou regente (aquele que cria uma obra e /ou rege um grupo de instrumentistas, o “dono do compasso”) o responsável pela condução da dinâmica do processo de produção, difusão e consumo da música. O caráter do habitus individualista do “compositor/regente”, controlador exclusivo do produto e do processo de trabalho musical, é um sinal marcante do processo de autonomia do nosso campo artístico musical.

Como bem se observa no rol dos músicos apresentado ao Senado da Câmara de Vila Rica para a arrematação dos serviços da música nos festejos oficiais anuais (LANGE, 1967), de tempos em tempos, um novo maestro e seu grupo - formado segundo a conveniência - vencia a concorrência num arremate público realizado pelo Senado da Câmara. Procedimento observável não só em Vila Rica, mas também em outras cidades. Em momento algum aparecem referências a corporações de ofícios nos moldes medievais, que negociavam as atividades musicais com as autoridades

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públicas e fiscalizavam a atuação dos profissionais. Havia, sim, companhias de músicos com estatutos próprios, em alguns casos rivais entre si, às quais os músicos se associavam livremente. Essas companhias disputavam as arrematações públicas dos serviços com Senado da Câmara, conforme já salientamos, ou serviços religiosos com as mesas das Irmandades, ou ainda saraus, “festas de casa”, folias, cantatas, ladainhas, funerais.

Havia também os músicos que se agregavam em torno de um líder, temporariamente, conforme as necessidades que se impunham. Podemos citar, por exemplo, o “Registro do Rol dos instrumentos de vozes”, de 1775 (LANGE, 1967), o arremate para as festas oficiais foi o maestro Manoel Lopes da Rocha com um grupo de mais de dez músicos. No mesmo ano, para as cerimônias do Nascimento da Sereníssima Princesa, aparece outro grupo também de músicos como arrematante, tendo como regente o compositor Francisco Gomes da Rocha. Porém, esse contava com alguns instrumentistas e cantores que já estavam no grupo anterior, por exemplo, Felipe Nunes, no rabecão; Caetano Rodrigues da Sylva, na rabeca; Ignácio Parreyras Neves como tenor e Julião Pereira Machado como “bayxa”. No grupo anterior, Gomes da Rocha desempenhava apenas a função de cantor, no registro de contralto.

Alguns músicos preferiam se associar em torno de um regente, em orquestras mais ou menos fixas. As bicentenárias orquestras de São João del-Rei se enquadram perfeitamente nesse modelo: em torno do “mestre” Manoel Custódio de Almeida, se reuniam mais de três companheiros. Aliás, com ele foi feito um contrato através do qual lhe eram pagas quarenta oitavas de ouro divididas em partes iguais, em 1755. Com o “mestre” José Joaquim de Miranda foi ajustado o serviço musical para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário em 1776. No primeiro caso, o pagamento foi dividido igualmente entre o regente e seus companheiros. Há casos em que aparece nitidamente um emolumento maior para o “regente”. É o caso da peça “Filho abandonado”, levada à cena em janeiro de 1811, na Casa da Ópera de Vila Rica, pelo que o regente João de Deus de Castro Lobo recebeu a quantia de 900 réis e os demais músicos 750 réis (FRIEIRO, 1984).

Um documento de 17675 nos dá, com muita clareza, as dimensões das obrigações dos músicos para com um grupo livremente formado e não centralizado na figura de um regente, que inclusive não permitia a colaboração de seus membros com outros, pois, em seu compromisso, estava prevista punição para aquele que colaborasse com o tal de Manoel Coelho Lião. O documento foi assim assinado

5 Casa Setecentista, Setor de Arquivo Histórico, Mariana, MG - 2º Ofício, Códice 267, auto 6585.

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por dez músicos e registrado em cartório, tendo o efeito de um compromisso onde são definidas as sentenças para quem desrespeitar alguma de suas cláusulas. Os principais pontos são:

- Comprometiam-se a não participar de qualquer função em que atuasse Manoel Coelho Lião ou qualquer pessoa de sua família. Se alguém o fizesse, deveria pagar duas oitavas de ouro a cada um dos demais. Seria aquele um regente rival? É o que parece, pois Manoel Coelho aparece no livro de receitas e despesas da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição de Mariana, no ano de1755, recebendo a quantia de 20$ 000 (vinte mil réis) por seus serviços.

- Se algum deles acertasse algum trabalho, deveria convidar todos os outros e dividir o pagamento entre aqueles que dele participassem, depois de descontados os custos.

- Não se poderia ajustar festas fiadas. Se alguém quisesse, poderia doar apenas a parte do pagamento que lhe cabia.

- Se fosse ajustada uma festa e o ajustante dissesse que era de graça (porém não era), ele deveria abrir mão de sua parte e o pagamento seria distribuído somente entre os outros. Se o ajustante recebesse o pagamento, ele teria de devolvê-lo e pagar a quantia de cem oitavas para ser repartida aos demais.

Como se vê, era uma “companhia” de músicos que regia a si própria. Na maioria dos casos, não havia um regente responsável, podendo os serviços ser tratados com qualquer um dos membros do grupo. No caso dos grupos que arrematavam os serviços oficiais, as orquestras eram formadas em caráter transitório, guiadas pelo termo do contrário de arrematação temporário. Em se tratando de serviços prestados para as irmandades, tanto os grupos musicais de caráter mais permanente como os de caráter mais transitório poderiam atuar, sendo escolhidos aqueles cujas propostas financeiras fossem mais convenientes. Convém observar, porém, que as orquestras de caráter mais permanente de que temos notícias são poucas: além do grupo marianense e das duas de São João del-Rei, uma em Prados e outra em Vila Rica – a da Matriz do Pilar – as duas atuando em princípios do século XVIII; ainda outra, atuante no teatro da última cidade.

A noção de “mestre”, aquele que deveria ter uma “carta de habilitação”, obtida com a aprovação em exame prestado diante de “juiz” do seu ofício, mesmo que não fosse caráter rígido, não existia para os músicos. O aprendizado inclusive se fazia de um modo em que nada lembra um regime de corporação de ofício. Não havia um processo de treinamento sistemático ou ritualístico. A própria demanda de trabalho

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se encarregava da seleção dos músicos.

Na Europa, na mesma ocasião, principalmente no terceiro quartel do século XVIII e particularmente em Viena, na Áustria - o grande centro produtor e irradiador de música da época - a posição social do músico estava distante das liberdades que seus colegas mineiros desfrutavam. O jovem músico, logo que terminava seus estudos, provavelmente só encontraria trabalho tocando na orquestra particular de uma família rica ou nobre ou sendo professor particular. Esses trabalhos muitas vezes eram acompanhados de deveres da natureza doméstica. Guiseppe Sammartini, oboísta e compositor competente, por exemplo, trabalhou para o Príncipe de Gales não só como músico, mas também como mordomo (GALWAY, 1987). Anúncios como o publicado no Wiener Zeitung de 23 de junho de 1789 ilustram como os músicos eram tratados, como verdadeiros serviçais em Viena.

Precisa-se de um valet-de-chambre músico. Precisa-se de um músico que toque bem piano, saiba cantar e seja capaz de lecionar ambas as matérias. Este músico deverá exercer também as funções de valet-de-chambre. Aos que desejam aceitar esta função, pedir informações no primeiro andar da pequena casa Colloredo, no. 982 em Weihburggasse (LANDON, 1990, p. 27).

Haydn e o jovem Mozart ainda ocupavam uma posição social correspondente à dos servos. Seus papéis eram de servir às necessidades de diversão de seus senhores. Era a corte ou a Igreja que determinava a função da música. A música estava a serviço de poderes incontestáveis. Alguns músicos, como Haydn, tiveram sorte com seus patrões. Apesar da condição subalterna de músico da corte, a música de Haydn trouxe a ele e a seu senhor tanta fama que ele se tornou um membro da família muito favorecido. Seu trabalho repartia-se em compor música para o uso doméstico, peças para ocasiões importantes, óperas para o teatro da corte, encontrar cantores e executantes necessários e ensaiá-los, tratar dos instrumentos, fazer arranjos e copiar a música, dirigir e ensaiar os músicos e tratar de todos os problemas relacionados com eles. No entanto, o compositor palaciano, trabalhando por encomenda e satisfazendo os gostos estabelecidos, não deixava de ser um criado de categoria superior. Mozart, na sua irreverência, detestava Salzburg, porque enquanto esteve na corte do Arcebispo, devia comer com os criados, “seus iguais em categoria, cujas conversas o aborreciam” (RAYNOR, 1981, p. 337).

Não só os compositores, mas também os cantores e os instrumentistas careciam de segurança nesse sistema social. Para um príncipe, dispensar um músico era uma simples medida de economia. Eram mal pagos e seus proventos eram arbitrariamente negados.

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A situação era um pouco melhor para aqueles que conseguiam empregos municipais. No entanto, o trabalho era igualmente árduo. A sorte sorria para os músicos somente em Paris e Londres, onde podiam tornar-se empresários e empregar outros. Um dos mais famosos empresários foi o compositor e violinista Johann Peter Salomon, que morava em Londres e em 1790, segundo um jornal inglês, ao visitar Viena, resolveu contratar Haydn e Mozart. O violinista empresário conseguiu levar apenas Haydn.

Constamos, portanto, que em Minas Barroca, sob o incentivo do próprio Estado, notadamente no caso da música, processa-se a “autonomização” do campo artístico tal como acontecia na Europa em passos lentos. A ação dos músicos se configura, naquele momento, como expressão das transformações da função do sistema de produção musical enquanto um bem simbólico. Seguiremos aqui, para ilustrar tal processo, os passos de Bourdieu (1982) nas suas observações sobre a transformação da produção artística europeia nos finais do século XVIII e nos princípios do período Romântico.

Podemos afirmar que os legisladores do campo artístico musical em Minas Colonial eram os próprios músicos e não outras instâncias do poder, muito embora fossem incentivados também pelos senados das câmaras. Sendo assim, por analogia com a lógica do processo de autonomização que estava acontecendo no Velho Mundo, no mesmo momento histórico, estabelecemos os seguintes princípios que confirmam tal desenvolvimento em Minas no final do século XVIII:

- O público consumidor da música era socialmente diversificado, pois não era a aristocracia e nem a Igreja que patrocinava e dirigia a arte, mas sim os senados das câmaras, empresários de óperas e especialmente as irmandades legais, que propiciavam aos grupos musicais (produtor do bem simbólico) condições de organização autônoma economicamente e de legitimação da própria atividade musical. Cardoso, ao comentar o trecho de um texto de Lange, enfatiza esse aspecto.

Quando Curt Lange afirma que a atividade musical não era baseada na iniciativa clerical ou oficial, quer dizer que não era a Igreja, com seus arcebispados e suas catedrais, que contratava a maioria dos músicos, mas as irmandades, que eram congregações de leigos, profissionais liberais que se reuniam em torno de determinada devoção. No caso da iniciativa oficial, ou seja, aquela incentivada pelo Poder Público, quer dizer que este, de maneira distinta da que ocorria em Portugal, não mantinha orquestras pagas regulares, isto é, não existiam músicos funcionários públicos (CARDOSO, 2008, p. 39).

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- Constituiu-se um corpo de produtores musicais cada vez mais numerosos, pois observamos a ação de uma enorme quantidade de regentes, compositores, instrumentistas, cantores de coros e solistas, além de empresários que se dedicavam à produção de espetáculos operísticos e teatrais. Vale a pena evocar as observações do magistrado Teixeira Coelho ao visitar Minas em 1780:

aqueles mulatos que não se fazem absolutamente ociosos, se empregam no exercício de músicos, os quais são tantos na Capitania de Minas que certamente excedem em número dos que há em todo reino [...] Mas em que interessa ao Estado este aluvião de músicos?6

- O caráter secular das instâncias de consagração da música (irmandades legais, senados e empresários ligados à produção de espetáculos teatrais e operísticos) permite reconhecer que a atividade musical era como uma arte regida por normas autônomas internas, o que resultava num relacionamento dos músicos com sua clientela através de práticas pouco corporativas (contratos anuais, sistemas de arremates).

- Correlata à autonomização da produção musical, observamos a constituição de uma categoria de músicos profissionais, socialmente distinta e com anseios de ascensão na pirâmide social, que buscavam não submeter completamente sua produção aos ditames do catolicismo oficial. Porém, o campo artístico ainda não era completamente autônomo, os músicos não eram completamente livres, pois não podiam evitar que sua arte servisse, nas festas e cerimônias, de instrumento de exaltação da monarquia portuguesa. Basta constatar que o Senado da Câmara de Vila Rica realizou uma “licitação” em 1792 para a composição e execução da música destinada ao “Te deum” pelo malogro da Inconfidência Mineira. A arrematação foi vencida pelo rabequista Manoel Pereyra de Oliveira por dezoito oitavas de ouro.7

- A música em Minas, no período em questão, não possuia ainda um valor completamente estético, pois ela, inserida no aparato barroco, ainda desempenhava funções antigas. O campo artístico no século XIX completou sua autonomização quando a arte conseguiu ser reconhecida enquanto uma atividade de valor próprio, emancipando-se das ligações com a corte e a Igreja.

- A demanda do campo artístico musical não estava submetida a um público anônimo. Porém o público, no caso das irmandades e do Senado da Câmara,

6 Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ano VIII, fasc. I/II, p. 561-562.7 “Ata da Arrematação”, Revista do Arquivo Público Mineiro, ano II. p. 39 e 40

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relacionava-se de uma maneira impessoal com os músicos, já que lhes era permitida uma competição através de sistemas de arremates e apresentações de propostas para serviços musicais. Dessa forma, era o músico quem organizava as leis de mercado de seus bens simbólicos. Diferentemente de seus colegas na Europa, que ainda se encontravam submetidos ao sistema de mecenato, típico do Antigo Regime que, somente a partir do pedido de demissão de Mozart ao seu mecena, o Arcebispo Colloredo de Salzburgo, em 8 de junho de 1781, começa efetivamente a se transformar.

É um acontecimento de grande importância na história da música. Porque Mozart decidiu então não procurar outro lugar e conservar sua liberdade. Foi a primeira vez que um músico sem fortuna escolheu ser independente e aceitou o risco de se tornar inteiramente responsável por sua vida (CANDÉ, 1982, p. 98).

O músico em Minas Barroca, além de dominar as leis de seu mercado produtor, também se sentia relativamente autônomo para não se submeter totalmente aos ditames da estética musical europeia contemporânea a eles. As obras musicais aqui compostas eram exemplos de uma variada gama de estilos, indo da música modal renascentista, passando pelo Barroco e pelo Pré-classissismo, Pré-operismo e a “não observância” dos cânones vigentes no Velho Mundo. Tais estilos eruditos conviviam com as modinhas, de caráter mais popular, e com os lundus, um gênero de música europeia e africana, resignificado, que também fazia parte do métier do músico profissional, já que era muito consumida em saraus e festas. Dessa forma, poderíamos afirmar que os modelos musicais eram europeus, mas, para além deles, ocorreu um processo de “resignificação estética”. Nada melhor que as considerações de Chartier para bem caracterizar a situação da música e dos músicos nesse processo.

A força dos modelos culturais dominantes não anula o espaço próprio de sua recepção. Sempre existe uma brecha entre a norma e o vivido, o dogma e a crença, as normas e as condutas. Nessa brecha se insinuam as reformulações e as resistências, os desvios, as apropriações e as resistências (CHARTIER 2009, p.46 e 47).

Numa sociedade em que seu campo artístico se encontrava num processo de autonomização, instituições nos moldes de corporações de ofícios só podiam se tornar inoperantes. As Irmandades de Santa Cecília fundadas na ocasião da instalação do bispo de Mariana (REZENDE, 1989) devem ter atuado apenas como devocionais. Não há notícias de um funcionamento profissional e atuante de tais irmandades em Minas. As Irmandades de Santa Cecília, com um caráter regulamentador da

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profissão, só foram instituídas em Minas em 1816/1817 com dom João VI. Este, com a corte, trouxe a burocratização do Estado português para as terras brasileiras. A música, que até então estava aberta aos empreendimentos individuais e buscava autonomizar seu próprio campo de ação, no século XIX, buscou sua legitimação através da proteção de amparos legais.

Considerações finais

“As formas abertas do barroco” que prevaleceram em Minas no período colonial permitiram o desencadear do processo de formação de um “campo artístico” em que a organização social dos músicos se processava homóloga à organização social multifacetada da capitania e à própria produção das obras musicais. Obras que pertenciam ao campo da estilística europeia, porém resignificadas, transmudadas, reconceptualizadas num contínuo jogo circular entre modelos oriundos da matriz e as representações, práticas e apropriações sociais e estéticas que aqui prevaleciam. Minas Barroca, num processo de mestiçagem cultural, encontrou seu modo próprio de organizar e fazer música.

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BOUR DIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1982.

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CARDOSO, A. A música na corte de D. João VI. São Paulo: Martins Fontes, 2008

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Domingos Sávio Lins Brandão,Raissa Anastásia de Souza Melo

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The formation of the artistic andmusical field in baroque Minas Gerais

AbstractThe present article has how I aim to analyse the process of transformation of the social organization of the musicians in Minas Colonial during the century XVIII as well as the conditions of production, distribution and consumption of the music and the relationship of these conditions with the open forms of the rut that prevailed in Minas, which allowed the appearance of a stylistic musical sui generis, homologous set to several tastes of a multifaceted society.

Keywords: Colonial mineira music; baroque; artistic field.

A FORMAÇÃO DO CAMPO ARTÍSTICO-MUSICALEM MINAS BARROCA

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ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DOCAVALO MARINHO PERNAMBUCANO

Juliana Macedo Carneiro

Licenciada em Educação Musical pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Co-fundadora do Teatro da Figura, em que é atriz e diretora. Musicista integrante (intérprete e compositora) do grupo de música instrumental Cataventoré.

[email protected]

Moacyr Laterza Filho

Doutor em Literaturas de Língua Portuguesa e mestre em Teoria da Literatura.Pianista e cravista, professor da Escola de Música da Universidade do Estado de

Minas Gerais (UEMG) e da Fundação de Educação Artística.

[email protected]

ResumoEste trabalho trata da investigação acerca de elementos formais, cênicos e musicais do Cavalo Marinho da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Folguedo popular do nordeste, que inclui teatro, dança, música e poesia, o Cavalo Marinho tem sido fonte de estudo de pesquisadores de várias áreas. Além disso, serve de inspiração estética para encenadores, músicos, poetas e artistas-plásticos brasileiros e estrangeiros. Nosso olhar se detem em analisar mais amiúde como a música dialoga com os elementos cênicos e contribui para a evolução da textura cênica como um todo, aspecto ainda pouco explorado.

Palavras-chave: Cultura popular; folclore; música; teatro.

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Abrindo o terreiro

O Cavalo Marinho é uma manifestação da cultura tradicional da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Localmente é chamado de brinquedo, sambada ou folguedo. Agrega indissociavelmente o teatro, a música, a dança e a poesia. Possui características cênicas específicas, estando no limiar entre espetáculo de rua e brincadeira popular. Brincar, para os participantes, é um misto de tocar, cantar, representar, jogar.

Brincadores ou folgazões são os atuantes da brincadeira, sejam eles os músicos ou figureiros (aqueles que “botam figuras”). As figuras são as “personagens”. Um Cavalo Marinho, que pode durar até dez horas, terminando ao amanhecer, possui cerca de 70 delas. Oliveira (2006) as divide em humanas, animais, fantásticas e bonecos. Essas personagens são caracterizadas de diversas maneiras: ora homens com rostos pintados como Mateus, Bastião e Catirina; ora “atores” mascarados como o Soldado da Gurita, o Empata Samba, a Véia do Bambu; ora animais e seres fantásticos como o boi, a onça, a burrinha, o cavalo, o parece-mas-não-é (que são também bonecos), e ora os bonecos em si que representam figuras humanas de tamanho desproporcional como a Margarida e o Zé Pequenino.

Este trabalho só foi possível, primeiramente, pelo encantamento que a pesquisadora Juliana Macedo viveu em uma brincadeira no mês de dezembro de 1999, na cidade de Olinda, Pernambuco. Outro fator imprescindível foi o contato da pesquisadora com os mestres e artistas locais, mais especificamente Manoel Salustiano (falecido em 2008), Biu Alexandre e seu filho Agnaldo, e o rabequeiro Luís Paixão, com quem ela pôde vivenciar momentos raros de uma música instintiva, viva e criativa.

Música

A música é elemento indispensável numa apresentação de Cavalo Marinho, pontuando os vários momentos do brinquedo. Ela perpassa toda a brincadeira: apresentando ou interagindo com as figuras (“toadas dramáticas”), nas partes instrumentais e vocais que não estão ligadas a figuras (“as toadas soltas”), no elemento rítmico (pulsação da dança e métrica poética).

A música é um fator importante para sustentar uma brincadeira de cavalo-marinho durante muitas horas ou uma noite inteira. [...] É usada para estruturar o tempo e o sabor da performance, a fim de manter a atenção da assistência e de conservar a energia dos brincantes (MURPHY, 2006, p. 105).

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O conjunto de executantes musicais da brincadeira, chamado de banco – denominado assim por que os músicos se sentam num banco de madeira –, é composto por rabeca, um pandeiro (membranofone), um “mineiro” ou ganzá (chocalho de metal - idiofone) e dois “bages” (ganzá ou reco-reco feito de taboca – idiofone raspador). Há um vocalista principal - que na maioria dos casos é o pandeirista ou o tocador de bage - e os outros vocalistas de apoio, que respondem ao canto principal seja cantando em uníssono, seja produzindo intervalos de terças, quintas e oitavas. As vozes secundárias não são padronizadas.

A rabeca ou “rebeca” é uma espécie de violino rústico, artesanal, confeccionado por artesãos da região. É considerado pelos artistas como o instrumento do brinquedo mais difícil de ser tocado. Sem a rabeca, uma brincadeira não acontece.

No Cavalo Marinho, as rabecas são de quatro cordas, afinadas em intervalos de quinta, com padrão de afinação determinado pelo próprio músico, de acordo com o vocalista principal do brinquedo. Murphy define três afinações básicas (FIG. 1).

FIGURA 1 - Diferentes afinações da rabecaFonte: MURPHY, 2008, p. 63.

Entre os instrumentos de percussão, o pandeiro talvez seja o mais importante na brincadeira. Utiliza-se, no Cavalo Marinho, o pandeiro de dez polegadas com cobertura sintética, geralmente de produção industrial, dotado de timbre relativamente mais agudo.

A “bage” é um tipo de reco-reco. Confeccionada pelos próprios integrantes do folguedo. Ela é feita de taboca, que é uma espécie de bambu mais fino. São sulcados anéis em toda a sua extensão e depois são feitos quatro cortes longitudinais. Ao serem raspados por uma baqueta, produzem um som estridente.

O ganzá - ou “mineiro”, como é chamado na região - tem forma cilíndrica com peças roliças dentro. Ao ser chacoalhado, ele emite um som que complementa as células rítmicas das bages. É de “origem africana, e muito difundido no Brasil” (ANDRADE, 1989, p. 239).

Além dos instrumentos musicais tradicionais usados - rabeca e percussão -, podemos mencionar ainda outras fontes sonoras importantes para a formação de uma textura própria e peculiar: o apito do capitão, as bexigas de boi cheias de ar, os adereços de

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personagens que emitem som, a fala/sonoridade onomatopaica de algumas figuras, além dos “trupes” (padrões de movimento que utilizam a batida forte com os pés no chão).

As bexigas são mesmo as bexigas de boi, limpas e secas, depois cheias com ar e amarradas. Ao serem percutidas no corpo, geram um som volumoso e grave, contras-tando com o pandeiro, que emite um som mais agudo. Funcionam também como adereço de Mateus e Bastião, as figuras das mais importantes da brincadeira.

O apito, geralmente de produção industrial, tem papel fundamental de reger entradas, saídas e coreografias. É usado somente pelo mestre da brincadeira.

Enredo

O enredo do Cavalo Marinho trata de aspectos relativos à vida camponesa, à cultura de cana-de-açúcar e aos elementos de origem religiosa. Dramatiza a relação entre patrão e empregado, conflitos cotidianos, figuras comprometidas com a ordem e autoridade social, vendedores, ambulantes, escravos, caboclos e figuras do imaginário popular, míticas ou necessárias à evolução da trama. Cada figura possui passos específicos (“pisadas”), versos falados (“loas”) e uma música tocada e cantada (toadas).

No desenrolar da brincadeira, se articulam, de forma cômica, elementos sociais, morais e religiosos amalgamados no que poderíamos chamar de ritual da festa, do riso e da representação teatral. Os brincantes possuem grande liberdade para improvisar rimas e adivinhações, jogar com o banco e com o público, transformar em brincadeira qualquer interferência do momento. O elemento cômico é uma tônica constante na brincadeira.

Oliveira (2006) define três instâncias principais para entender a dinâmica do brinquedo e de como o cômico se dá: a da festa, a do jogo e a do riso. Esses elementos estão na ancestralidade da manifestação humana, sendo encontrados em todas as sociedades humanas.

No Cavalo Marinho, observamos, ainda, o fenômeno do prazer, do divertimento como fim em si ou até como veículo de escape de problemas sociais através do corpo, da arte, da brincadeira. Oliveira (2006) chama esse fenômeno de “corpo prazenteiro” e o liga à noção de festa.

A busca ou redescoberta deste corpo prazenteiro que ri, que goza, que se diverte e que ama, traz à tona esta noção, determinada

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por nós de ancestralidade festiva, na qual o homem suporta e redimensiona seu cotidiano através da prática da festa, da brincadeira e do jogo, criando e fixando formas espetaculares que subvertem as estruturas rígidas das normas do dever-ser (MAFFESOLI, 19851 apud OLIVEIRA, 2006, p. 44).

O jogo (HUIZINGA, 19932 apud OLIVEIRA, 2006) possui quatro características marcantes e principais que o definem. A primeira é a liberdade, a segunda é o divertimento e a terceira é um intervalo da vida real que, integrado à própria vida, interrompe os mecanismos de desejo e a necessidade das atividades cotidianas. A quarta característica é seu tempo e espaço limitados, com estabelecimento de início, meio e fim. Situa-se entre o plano individual e coletivo, na representação ou na luta para se adquirir algo e também na criação de uma lógica própria para acontecer. Podemos encontrar esses mesmos elementos na festa e nos eventos espetaculares. “Por espetacular deve-se entender uma forma de ser, de se comportar, de se movimentar, de agir no espaço, de se emocionar, de falar, de cantar e de se enfeitar” (PRADIER, 1999, p. 24).

Entre a cena e o som

Função

A música ao vivo, ou o músico fazendo parte do jogo cênico e dramático, está na origem do teatro e das manifestações populares com teor dramático. Tragtenberg afirma:

É importante ter em mente que a chamada música aplicada ou trilha sonora, que designo genericamente como música de cena, é resultado de uma tradição que remonta aos primórdios da expressão artística humana. Ela se insere numa tradição que no ocidente, já mesmo antes dos dramas gregos, dramatizava temas retirados do Antigo Testamento (TRAGTENBERG, 1999, p. 17).

Segundo esse autor, a “música de cena não é a música em estado puro, mas em estado dialógico, o que não a impede de ter a sua porção de livre especulação” (TRAGTENBERG, 1999, p. 89). Para ele, essa música se articula basicamente de dois modos: como “fenômeno acústico” e como “elemento referencial dentro da narrativa”. Ele ainda classifica as principais funções da narrativa sonora, que são

1 MAFFESOLI, M. L´ombre de Dionysos. Paris: Librairie dês Méridiens, Klincksieck et Cie, 1985. 2 HUINZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 1993.

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apoio, contraste e voz paralela.

No caso da comédia e também do teatro popular, a narrativa sonora tem principalmente a função de apoio, com o “uso referencial e gestual do som” (TRAGTENBERG, 1999, p. 34). Observamos vários momentos do brinquedo onde a função de apoio acontece: parece-nos claro que o som da bage remete ao trote de um cavalo ou tem a função de mover algo, fazer andar. A célula rítmica básica do pandeiro é alterada em termos de acentuação e divisão rítmica para enfatizar e compor sonoramente o bater dos pés no chão do brincador. Nos momentos de dança, a música também cumpre essa função.

Outro fator relevante é o uso da transformação de objetos cotidianos em instrumentos sonoros, deslocando, assim, o objeto de seu contexto e uso originais. Para Tragtenberg (1999), o instrumento-adereço caracteriza-se pelo desempenho integrado de diferentes funções – sonoras, dramáticas e coreográficas – a partir de um mesmo objeto. Aqui citamos dois exemplos claros: a bexiga usada por Mateus e a vara de bambu da figura do Pisa Pilão.

Peguemos o caso da bexiga: ela tem a dupla função citada por Tragtenberg (1999): a “transformação do objeto” (uma bexiga de boi que vira instrumento) e a de “instrumento-adereço” – a partir do momento em que é instrumento, o uso da bexiga tem a função de bater, assustar com seu barulho e ao mesmo tempo dar a sonoridade grave do conjunto musical, substituindo uma “zabumba” ou bumbo, muito comuns em formações musicais populares.

A figura do Pisa-Pilão é o outro exemplo. Ele representa um trabalhador que soca grãos de milho ou café. Ele entra em cena com uma vara de bambu grossa e faz repetidas vezes a ação de socar. Esse socar é feito no ritmo da toada e produz também um som grave.

Outra articulação de apoio, ou voz paralela, também classificada por Tragtenberg (1999), é a do som como elemento referencial dentro da narrativa, trazendo uma carga simbólica e relacionando esse som emitido a um estado de espírito da figura, por exemplo. É o caso da rabeca, que, em três momentos bem distintos, toca, acompanhando a voz sem o uso da percussão: na Toada de Reis, na Toada do Caboclo de Arubá e na Toada do Boi ou Aboio. São esses os fragmentos do brinquedo no qual a atmosfera da brincadeira se modifica e o andamento musical passa de mais rápido (recorrência maior dentro da brincadeira) para mais lento, também as frases musicais são mais longas.

Acreditamos que o “brincador” do Cavalo Marinho, além de seguir formalmente uma tradição, articula materiais a partir de um movimento natural, gestual,

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improvisacional e que está em relação com a lógica de jogo da cena. O músico também improvisa, principalmente a partir do gesto do atuante.

Gênero

A partir da análise de material coletado em vídeo, no Cavalo Marinho Estrela de Ouro, encontramos basicamente cinco gêneros musicais: toada, baiano, “incelença”, marcha e aboio. O “côco” é mencionado por estudiosos como outro gênero do Ca-valo Marinho, mas não o encontramos especificamente no material coletado. Esses gêneros citados são encontrados em praticamente todos os grupos de Cavalo Ma-rinho da Zona da Mata Norte pernambucana.

Andrade em seu Dicionário Musical Brasileiro define: “Toada – Cantiga. Sem forma fixa. Se distingue pelo caráter no geral melancólico, dolente, arrastado” (ANDRADE, 1989, p. 518).

Baiano – Dança brasileira. Mais ou menos o mesmo que samba e provavelmente originado deste. Na minha viagem de 1928 pude notar que o povo em geral, no Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, quando falava em baiano se referia a uma dança não cantada (ANDRADE, 1989, p. 35).

Excelência (Incelença) – Cantiga fúnebre cantada nos velórios do nordeste. Segundo Renato Almeida, as excelências ou “incelências” são cantadas ao pé do defunto, enquanto os benditos são cantados à cabeceira (ANDRADE, 1989, p. 207).

Marcha – Gênero de composição caracterizada pela escrita em compasso binário, ou mais raramente quaternário, com o primeiro tempo forte, acentuado, principalmente instrumental. [...] no Brasil passou de passos militares a dança (ANDRADE, 1989, p. 307).

Nesse Cavalo Marinho, a marcha não é apenas instrumental e a encontramos no momento do Baile do Divino com a temática de pedir licença para brincar no terreiro em louvor a Nossa Senhora da Conceição e na cena da Véia do Bambu.

Sobre o aboio, Andrade faz um extenso estudo que basicamente o classifica como advindo da voz de chamado ou de acalmar, “ôoooo”, “êeeee”. No caso do Ca-valo Marinho, aboio é feito no fim da brincadeira. O que se vê é a inflexão “Ê boi!”. Não observamos, porém, a ênfase em certa característica muito comum em cantos de

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aboio e que consiste no prolongamento das vogais e de sua utilização melismática.

Para os “brincadores”, as toadas estão mais ligadas à sua função na brincadeira que ao seu gênero específico. Vilar (2001) classifica basicamente duas: “toadas soltas”, que podem ser instrumentais ou com letra, e “toadas de figura”, que, como o próprio nome diz, são executadas durante a apresentação das figuras.

FIGURA 2 - Exemplo de Baiano. Instrumental.Fonte: GONÇALVES, 2001, p. 23

FIGURA 3 - Toada do Boi ou aboioFonte: MURPHY, 2008, p. 75

Musicalidade da cena

Propomos aqui um olhar sobre a composição cênica como um todo para compreender como a musicalidade acontece, em termos do evento sonoro (som), em relação ao visual (gesto) e o sensorial (ritmo), este último, latente ou não.

Podemos verificar algumas pontes entre som, cena e movimento no fluxo dramatúrgico do Cavalo Marinho pernambucano, bem como a gama sonora presente na estrutura da manifestação e principalmente como esta sonoridade está em relação com o corpo que dança, toca, fala e ri. É através desses elementos que se constrói uma textura sonora peculiar, uma musicalidade que se ouve no contexto da cena, para a cena e com a cena. Sabemos que a música pode ser observada como elemento independente e autônomo, mas ressaltaremos a sua complexidade quando inserida nesse contexto plurilinguístico.

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Podemos dizer que, na brincadeira, a música é o elemento de ligação, aglutinador e unificador do brinquedo. Ao mesmo tempo, podemos acrescentar que o elemento plástico – o corpo do brincador, seus deslocamentos, pausas e danças – é extremamente relevante. A evolução das figuras, mais do que pelas palavras, se dá pelo corpo, dança, ações. Aqui, talvez, esteja a importância fundamental da música: ela é necessária para esse corpo que “dança” a fim de “dramatizar”. Podemos ainda mencionar certa circularidade e constância da música. Essa mesma característica é observada no espaço cênico. A brincadeira acontece numa roda. Estabelece aí um diálogo contínuo entre as linguagens corporal, espacial e musical.

Para Meyerhold3, a música é como "uma corrente que acompanha os deslocamentos do ator sobre o espaço cênico e os momentos estáticos de seu jogo" (MEYERHOLD, 19734 apud PICON-VALLIN, 1989, p. 35). Segundo Picon-Vallin, a música para Meyerhold não é um pano de fundo, mas um sistema de interpretação e dramaturgia, um ponto de apoio para a composição cênica, um não-naturalismo, pois coloca em cena um ritmo que difere do cotidiano.

Castilho aponta que “a musicalidade, ou sensação musical de um espetáculo, resulta da forma como se articulam suas partes e seus movimentos; e que o principal elemento aglutinador para este fim é o ritmo” (CASTILHO, 2007, p. 01). A autora prossegue dizendo que:

Ao reconhecermos essa organização rítmica/dinâmica, estamos de certa forma valorizando o esforço de organização do artista, que produz em nós, intencionalmente, uma sensação de movimento – ou da ausência dele. Seu trabalho consiste exatamente em dominar os meandros de tempo e espaço, moldando-lhes a forma, ritmo, pulsação, intensidade etc., quer seja na dança, na arquitetura, na literatura, conforme sua habilidade na articulação entre suas partes, sejam elas movimentos, linhas ou palavras. Por isso levanto aqui a hipótese de ampliar o termo musicalidade para designar, enfim, a habilidade de articular intencionalmente os signos da obra artística (CASTILHO, 2007, p. 02).

A noção de ritmo é algo que está presente em qualquer apresentação cênico-teatral. De fato, ritmo, pulsação ou dinâmica são termos recorrentes na dinâmica da preparação de obras cênica: mesmo que de uma forma intuitiva, a noção rítmica é

3 Vsevolod Meyerhold (1874-1942), diretor, encenador, pedagogo teatral. Foi ator do Teatro de Arte de Moscou quando foi discípulo de Stanislaviski4 MEYERHOLD, V. Écrits sur le théâtr. v. I, L’Age d’Homme:1973, pág. 66.

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algo que perpassa a de criação e composição na atividade teatral.

No Cavalo Marinho, observamos que o ritmo muitas vezes se mantém no corpo do figureiro, sendo que seus movimentos e ações estão em constante relação com essa rítmica, como se aquilo que é artifício (música) se tornasse natural no seu corpo, mesmo em momentos de pausa gestual. Pela experiência, improvisação e jogo, o ritmo se mantém. Na utilização dos objetos cênicos isso também acontece.

Abaixo, eis um quadro de análise com algumas das partes do brinquedo.

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Espaçocênico

QUADRO 1 Eventos cênicos e sonoros

A

Primeira parte:pisadas

Espaçogestual

(das figuras)

Voz - fala ouonomatopeia

Músicainstrumental

e/ou vocal

B

Segunda parte:entrada Mateus

(momento 1:chamada)

C

Segunda parte:entrada Mateus

(momento 2:evolução

cumprimento)

D

Segunda parte:entrada Mateus

(momento 3:diálogo)

Indefinido;Dinâmico.

Dinâmico;Abertura da roda para entrada da

figura.

Definido;Fecha a roda;

Estático.

Definido;Estático.

Várias pessoas em linha, intercalando

com livre;Avanços e recuos;

Plano alto;Dinâmico.

Uma pessoa com trajetória livre, mas

avançando com direção definida.

-

Estático. Figura e capitão parados, ao

lado do banco.

Pausa

-

Rarefeitos: gritosonomatopeicos de

cumprimento.

Falas e gritosde boa noite.

Apito do capitão. Iníciodo baiano: música mais rápida e movida para

dançar. Intercalado com cantada e instrumental. Batidas dos pés no chão.

Baiano de entrada para chamar Mateus. Música mais rápida e movida.

Cantada.

Baiano. Música mais rápida e movida.

Cantada.

-

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A título de exemplo, transportemos os conceitos relacionados à textura musical e o apliquemos para a relação cênico-musical. Assim, analisando a tabela acima e o brinquedo como um todo, vemos que ele tende à polifonia, pois relaciona, num mesmo espaço-tempo, materiais distintos e autônomos. Nas chamadas B, podemos observar uma monodia, um material sonoro (fala e grito ou o banco), com o espaço cênico e gestual estáticos.

Cada linguagem tem suas especificidades, é certo. Porém, acreditamos ser possível, através de alguns parâmetros e definições musicais, fornecer elementos para uma análise cênica, sobretudo em se tratando de sua importância dentro de algum fenômeno artístico específico.

A investigação das manifestações populares e de seus elementos é de extrema importância para o entendimento das relações cênico-musicais. Essa investigação pode fornecer elementos e materiais contidos em formas espetaculares seculares que dialogam vivamente com processos artísticos contemporâneos.

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ENTRE A CENA E O SOM: UMA ABORDAGEM DOCAVALO MARINHO PERNAMBUCANO

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Juliana Macedo Carneiro,Moacyr Laterza Filho

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Between scene and sound: an approachof the Cavalo Marinho of Pernambuco

AbstractThis work deals with the investigation about formal elements of the performing and musical art of the “Cavalo Marinho” from the coastal forest area of the state of Pernambuco. Popular Folguedo (revelry) of the Brazilian northeast, this musical drama tradition includes theater, dances, music and poetry. The Cavalo Marinho has been a source of study for researchers of several areas and inspiration for theatre directors, musicians, poets and Brazilian and foreign fine artists. The analysis dealt with the importance of the music as a vehicle for dialogue with the theatrical elements and how it contributes to the evolution of the theatrical texture of the performance, a subject little explored.

Keywords: Popular culture; folklore; music and theater.

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O USO DO PÍFARO INDUSTRIALIZADO NAINICIAÇÃO DE CRIANÇAS À FLAUTA TRANSVERSAL

Alberto Sampaio

Mestre em Música e bacharel em Flauta Transversal pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); especialista em Música Brasileira pela Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Professor dos cursos de bacharelado e licenciatura da UEMG e professor na Fundação de Educação Artística e escola de música Flutuar Orquestra de Flautas,

que também dirige.

[email protected]

ResumoO presente artigo propõe o uso do pífaro industrializado na primeira etapa de aprendizagem (iniciação) de crianças na flauta transversal. Demonstramos que o pífaro possui características que facilitam o aprendizado inicial dos principais aspectos técnicos da flauta. As características particulares do pífaro, em alguns casos específicas, mas em outros casos análogas às da flauta transversal, fazem dele um instrumento adequado e propício para o ensino da flauta em seu estágio mais inicial. Assim, este trabalho aponta para o desenvolvimento de uma nova metodologia de ensino.

Palavras-chave: Flauta transversal; pífaro; crianças.

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Introdução

O presente artigo é fruto do primeiro capítulo de nossa dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 2005, intitulada: “A iniciação infantil à flauta transversal a partir do pífaro: repertório, aspectos técnicos e recursos didáticos”. Nessa pesquisa estudamos a iniciação de crianças à flauta transversal e propusemos a utilização da flauta pífaro nas primeiras etapas de aprendizagem. Abordamos, em profundidade, os quatro principais aspectos técnicos trabalhados na fase de iniciação, a saber: a maneira de segurar o instrumento, a emissão do som (a embocadura e o sopro), os ataques com golpes de língua e o dedilhado (mecanismo). Para se trabalhar cada um desses aspectos em consonância com as diretivas da área de educação musical – como a diversidade e a criatividade – selecionamos e elaboramos várias “ferramentas” didáticas, isto é, muitos materiais e atividades.

Para a montagem de um repertório amplo e diversificado, apropriado à iniciação com o pífaro, selecionamos e analisamos 35 músicas, priorizando as brasileiras. Cada uma delas foi analisada por tópicos, avaliando o seu potencial didático. Com o intuito de se estabelecer parâmetros referenciais que pudessem propiciar uma noção de progressividade no repertório, definimos 28 aspectos técnico-musicais e seus respectivos fatores de complexidade. A dissertação apresenta, ainda, dois importantes recursos didáticos que foram elaborados e desenvolvidos para a iniciação ao instrumento: as gravações de acompanhamento (todas as músicas do repertório foram gravadas em um CD) e as partituras-gráficas (que utilizam grafias não-convencionais).

No entanto, não é exatamente nesse repertório, nem tampouco nesse material didático que nos deteremos aqui, mas tão somente nos aspectos particulares do pífaro como instrumento de iniciação à flauta transversal, mostrando analogias e diferenças entre os dois instrumentos.

A flauta transversal e a criança

Para as crianças, sobretudo as pequenas (com idade entre cinco e nove anos), a flauta transversal é um instrumento muito grande, pesado e de difícil equilíbrio. Por ser tocada transversalmente e com uma postura assimétrica - com deslocamento dos braços à direita do eixo central do corpo - a flauta geralmente causa desconfortos corporais, podendo inclusive provocar torções e tensões musculares que são, obviamente, indesejáveis. Na fase inicial de aprendizagem, frequentemente, as crianças têm dificuldades para sustentar o instrumento na posição própria para tocá-lo e, por isso, costumam levar algum tempo para se adaptarem de forma razoável.

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Diante de tal problema, uma solução encontrada por alguns fabricantes foi a substituição do bocal de formato convencional por um bocal-curvo, semelhante ao de uma flauta-baixo. O uso desse bocal propicia às crianças um melhor posicionamento de seus braços: o esquerdo já não necessita mais deslocar-se excessivamente em direção à esquerda (permanecendo com o antebraço à frente do tronco) e o direito não precisa mais ficar muito esticado lateralmente.

Porém, um bocal-curvo avulso, que pode ser encaixado em uma flauta de modelo normal, é fabricado apenas no exterior e a um preço considerado caro para os padrões brasileiros.

Atualmente, existem também flautas transversais que são projetadas especificamente para crianças. Além de possuir o bocal-curvo para diminuir seu tamanho e peso, elas não incluem as duas chaves da parte final do instrumento, que se chamam “pés”. Por esse motivo, sua nota mais grave é o ré e não o dó. Outra característica muito interessante é o formato diferente das chaves. Para que a criança não precise abrir tanto os dedos, foram incluídos “adendos adaptadores” que ficam sobrepostos mais lateralmente com relação às chaves normais de uma flauta padrão, que ficam bem acima dos furos do tubo.

Apesar de serem utilizadas em diversos países, as flautas transversais projetadas para crianças ainda são raríssimas no Brasil. A razão disso é seu preço relativamente alto. Há que se considerar, também, o fato de que em pouco tempo a criança cresce e passa a tocar em um modelo normal, exigindo a substituição do primeiro instrumento.

Porém, o preço de uma flauta transversal convencional – especialmente as de suficiente qualidade – é também elevado para os padrões econômicos da maioria da população brasileira. Mesmo que as condições financeiras da família sejam boas, como se trata de um investimento considerável, é perfeitamente compreensível que os pais relutem na hora da compra de um instrumento com receio de que seus filhos, em um futuro próximo, desistam de continuar o estudo.

O pífaro para a iniciação

Diante desse contexto, uma alternativa, levando-se em conta a realidade brasileira, é a utilização da “flauta pífaro” industrializada no início do processo de aprendizagem, anteriormente ao trabalho com a flauta transversal convencional. Esse período inicial poderá variar, dependendo do caso, de alguns meses a pouco mais de um ano. O pífaro industrializado tem demonstrado ser um grande facilitador no processo de iniciação à flauta transversal. Os bons resultados observados na

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contínua experiência didática com o pífaro1 permitem-nos afirmar que, devido às suas características, ele é um catalisador para o desenvolvimento de crianças na fase inicial de aprendizagem. Isso porque ele ameniza algumas das dificuldades inerentes a essa fase, propiciando aos principiantes uma sensação de maior naturalidade e familiaridade com o instrumento. Além disso, ao mudarem para a flauta transversal, as crianças não costumam sentir nenhum tipo de ruptura que abale a fluência natural de seu desenvolvimento musical. Pelo contrário, o momento de mudança é, frequentemente, sentido como uma conquista, um marco, um novo impulso.

Com o intuito de evitar qualquer tipo de mal entendimento, é importante que se faça uma diferenciação entre o pífaro industrializado e os pífanos, pífaros e/ou pifes, que são instrumentos artesanais populares típicos do Nordeste brasileiro. No Dicionário Musical Brasileiro de Mário de Andrade, os termos pífaro, pífano e pife são tratados como sinônimos: “Pífaro (s.m.) – Instrumento de sopro, nome genérico que indica flauta vertical ou transversal, de bambu ou de metal, sem chaves e geralmente com seis orifícios; também chamado de gaita (no Nordeste), pífano e flautim” (ANDRADE, 1999, p. 398). Já a flauta pífaro, objeto central de nossa pesquisa, é uma flauta industrializada, cujo material de fabricação é o plástico.

O pífaro industrializado possui um tamanho pequeno, semelhante ao de uma flauta doce soprano. Diferencia-se, porém, deste instrumento, essencialmente, por seu bocal. A flauta pífaro é dividida em duas partes, cabeça e corpo, que são encaixáveis. O bocal (cabeça) possui um pequeno porta-lábio, semelhante ao de uma flauta transversal. O corpo do instrumento possui oito orifícios e não apresenta nenhuma chave ou mecanismo. Diferentemente dos pifes artesanais, o industrializado possui um orifício destinado ao dedo polegar da mão esquerda. A escala (posição e tamanho dos furos) foi projetada para a tonalidade de dó maior. Como o flautim, o pífaro soa exatamente uma oitava acima da flauta transversal: sua tessitura abrange a extensão, que vai do dó-4 até o mi-6.

O preço de um pífaro é bastante baixo, similar ao de uma simples flauta doce soprano de plástico, e ele encontra-se à venda em lojas especializadas em instrumentos musicais. Se comparado ao valor de uma flauta transversal, o custo não ultrapassará a casa dos 3%. Encontram-se à venda no Brasil pelo menos duas marcas de pífaro industrializado: Yamaha e RMV (de fabricação brasileira), de design e qualidade praticamente iguais. No exterior esse instrumento é comumente chamado de yamaha-fife.

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1 Há cerca de 20 anos, o pífaro vem sendo adotado no Centro de Musicalização Infantil da Escola de Música da UFMG. Além dessa escola, utilizamos o instrumento também durante todo esse tempo, em outras instituições de ensino como, por exemplo, na Fundação de Educação Artística e, mais recentemente, em um projeto de cunho sociocultural intitulado Projeto Vila Aparecida, realizado por essa fundação.

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O pífaro possui semelhanças significativas em relação à flauta transversal:

• A forma de emissão sonora e o tipo de embocadura do pífaro são idênticos aos da flauta. Tanto o nível de pressão de sopro como o trabalho de controle do fluxo da coluna de ar funcionam de maneira semelhante nos dois instrumentos. Podemos afirmar ainda que ambos possuem praticamente o mesmo nível de dificuldade para a emissão. Se comparado ao flautim de madeira, instrumento de mesmo tamanho, o pífaro é mais fácil para um iniciante, sobretudo em seu registro grave;

• em toda a extensão do pífaro, os dedilhados das notas dentro da escala diatônica de dó maior são idênticos aos da flauta transversal. Consideramos pertinente destacar que essa afirmativa inclui os dedilhados das notas dó e ré do registro médio, diferentemente da flauta doce que possui outros dedilhados para essas notas. Além disso, os dedilhados do dó#, tanto o médio quanto o agudo, são os mesmos da transversal;

• ao tocar o instrumento, o posicionamento básico das mãos, ou seja, a maneira de se segurar o pífaro, é equivalente ao da flauta transversal. Nesse sentido, podemos especialmente destacar o tipo de contato que acontece na mão esquerda, notadamente na base do dedo indicador (fator que gera uma firmeza), e, por outro lado, na mão direita, as posições dos dedos polegar e mínimo;

• os golpes de língua também funcionam de forma idêntica em ambos os instrumentos;

• o timbre do pífaro possui uma proximidade razoável com o timbre característico da flauta transversal em seus registros médio e agudo.

Em comparação com a flauta transversal, o pífaro possui qualidades importantes que favorecem os primeiros contatos da criança com o instrumento. Ressaltamos os seguintes aspectos que os diferenciam:

• Devido a seu pequeno tamanho - praticamente a metade de uma flauta transversal - e peso reduzido, o pífaro apresenta maior facilidade para a criança segurar o instrumento, proporcionando-lhe maior comodidade e equilíbrio;

• por ser de plástico, o pífaro pode, sem problemas, cair no chão, bater em outros objetos, arranhar, molhar etc. Disso surge um ambiente de maior soltura e naturalidade, características altamente desejáveis na fase inicial de contato com um instrumento, sobretudo, em se tratando do universo infantil.

A única desvantagem, por assim dizer, em se começar com o pífaro é que, assim

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como acontece no aprendizado da flauta doce, o aluno precisa, com os dedos, fechar completamente os orifícios do corpo do instrumento, pois uma mínima fresta pode comprometer a emissão do som. Iniciar com o pífaro exige, portanto, um pouco mais da coordenação motora fina das mãos e uma maior sensibilidade nas pontas ou polpas dos dedos. É preciso dar atenção a esse aspecto, principalmente na medida em que se vai aprendendo as posições das notas mais graves. Isso demanda um número maior de dedos em contato com pífaro, fechando cada orifício. Algumas crianças, especialmente as menores, podem levar algum tempo para adquirir tal nível de destreza.

Outro aspecto que diferencia a iniciação realizada com o pífaro refere-se ao nível de dificuldade de emissão das notas mais graves do instrumento. Uma característica da acústica da flauta transversal é a sua tendência natural à diminuição de volume sonoro à medida que as notas se tornam mais graves. No pífaro, por outro lado, esse problema pode ser considerado relativamente pequeno. Não há dúvidas de que também exista alguma perda de volume, mas emitir a nota dó grave no pífaro é bem mais fácil do que na flauta transversal. Um aluno que inicia diretamente neste segundo instrumento, levará um tempo maior para conseguir tocar de maneira consistente, conforme se pode constatar na “pergunta” de Artaud: “[...] por que atormentar o aluno com o dó sustenido e o dó natural graves se, seis meses mais tarde, esses problemas se resolverão por si mesmos, com o sopro mais firme e a embocadura mais segura?” (ARTAUD, 1995, p. 10).

Finalmente, é importante acrescentar que, se por um lado, o pífaro pertence à família da flauta transversal por possuir semelhanças quanto à forma de emissão, à maneira de segurar e ao dedilhado, por outro, ele compartilha com a flauta-doce algumas das qualidades que fazem dela um excelente instrumento para a iniciação de crianças à música: seu tamanho e leveza, sua resistência a quedas e a pequenos acidentes (podendo inclusive se molhar), além de preço acessível.

Conclusão

Por todas as razões apresentadas nesse artigo, podemos concluir que o pífaro é um instrumento que prepara e precede, de forma adequada, a iniciação infantil à flauta transversal. Assim, cremos estar clara a pertinência do desenvolvimento de uma metodologia de ensino que o utilize como possibilidade real e eficaz, levando em consideração aspectos específicos da realidade e da cultura brasileira e apresentando materiais didáticos, atividades e repertório adequados, criativos e diversificados. Nesse sentido, acreditamos que exista um grande potencial para a multiplicação do uso do pífaro no Brasil. Assim, uma nova proposta surge como sopros de vitalidade.

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The usage of the yamaha-fife as anintroductory tool to the flute for children

AbstractThe current article proposes the use of pífaro flute (Yamaha-fife) in the first stage of children’s introduction to transverse flute learning. This paper demonstrates that, because the pífaro has facilitating characteristics to the learning of the transverse flute, main aspects of the flute technique could be developed. Pífaro’s specific features, sometimes different, but in other cases similar to the transverse flute, make it suitable and favorable to the pedagogy of the flute in its earliest stage. This paper points, thus, to the development of a new teaching methodology.

Keywords: Flute; yamaha-fife; children.

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ASPECTOS DA APRENDIZAGEM DE VIOLÃOFORA DOS CONTEXTOS ESCOLARES

Fernando Macedo Rodrigues

Bacharel em Violão, com especialização em Didática Musical; mestre em Práticas Musicais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é professor e coordenador do curso de Licenciatura em Música com habilitação em Instrumento ou Canto da Escola de Música da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Atua como violonista e guitarrista em diversos grupos em Belo

Horizonte.

[email protected]

ResumoEste artigo1 descreve os procedimentos utilizados pelos participantes do projeto Arena da Cultura de 2006, ao começar a tocar os instrumentos violão e guitarra. Nesta pesquisa, utilizamos o método qualitativo, ou naturalístico, bem como técnicas etnográficas de coletas de dados. A proximidade de familiares e/ou pares que já tocavam influenciaram na escolha e no desenvolvimento do aprendizado do instrumento. Como recursos adicionais dessa aprendizagem, ressaltamos a utilização da linguagem de cifras, de fitas de videocassete e do processo de “tirar músicas de ouvido”. Dentre as principais conclusões, destacamos que os entrevistados foram ensinados por pessoas de seu convívio e aprimoraram sua percepção musical, o que proporcionou maior desenvolvimento em sua aprendizagem no violão.

Palavras-chave: Aprendizagem de violão; aprendizagem musical não-formal e informal.

1 Resumo da dissertação: “Tocar violão: um estudo qualitativo sobre os processos de aprendizagem dos participantes do Projeto Arena da Cultura”, defendida em maio de 2007 no Programa de Pós-Graduação em Música da UFMG – Mestrado, sob a orientação da professora doutora Walênia Marília Silva.

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Introdução

O violão é um dos instrumentos de grande popularidade no Brasil. Hoje em dia, sua presença pode ser notada em shows, concertos, reuniões de amigos, escolas e nos mais diversos espaços e estilos musicais. Devido, em grande parte, à sua populariade e praticidade, muitas pessoas escolhem o violão com a intenção de começar a tocar um instrumento. A aprendizagem desse instrumento pode ser observada em diversos ambientes, com diferentes níveis de ensino. De uma maneira geral, podemos destacar as aulas particulares de instrumento, as aulas em escolas formais de música e as que acontecem em ambientes fora do contexto escolar.

Em 2006, fomos convidados a realizar uma oficina e um workshop de violão e guitarra no projeto Arena da Cultura, patrocinado pela Fundação Municipal de Cultura, em Belo Horizonte. O projeto foi implementado em 1998, gratuito, direcionado a um público de baixa renda - sem acesso às escolas de música da cidade - e com a proposta de uma ação extensa nas nove administrações regionais de Belo Horizonte, englobando oficinas de Artes Cênicas, Artes Plásticas e Música.

Observamos que os participantes desse projeto, em sua maioria, já estavam compondo e tocando seus instrumentos em atividades nas suas comunidades. Muitos deles nunca haviam frequentado aulas regulares de música ou de instrumento. De que maneira essas pessoas aprenderam a tocar?

O objetivo principal desta pesquisa consistiu em obter esclarecimentos que pudessem ser agregados aos estudos já existentes sobre a aprendizagem musical em ambientes externos à escola, em especial a aprendizagem de violão desenvolvida exclusivamente fora do ambiente escolar de ensino musical.

Historicamente, esse tema vem despertando o interesse de vários estudiosos e/ou educadores musicais, dentre os quais Green (2001), Gohn (2003), Feichas (2006) e Libâneo (2007) – de uma forma mais abrangente. Corrêa (2000), Willie (2003) e Rodrigues (2004), que trataram do aprendizado do violão de uma forma mais específica. No entanto, além da fundamentação nos estudos mencionados, para atingir os objetivos deste trabalho, faz-se necessário atentarmos para a utilização de alguns conceitos referentes ao aprendizado fora dos contextos tradicionais de ensino musical, os quais são descritos a seguir.

Educação musical formal, não-formal e informal

Há várias interpretações para os termos da aprendizagem musical que acontece fora

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dos ambientes da escola tradicional de música. Autoaprendizagem, aprendizagem informal e não-formal são algumas definições associadas a essa aprendizagem, não havendo, por parte dos autores, unanimidade quanto à utilização de tais conceitos. Há um consenso entre pesquisadores ao associar o termo “aprendizagem formal” ao ensino sistematizado que ocorre em escolas e instituições de ensino musical (GREEN, 2001; GOHN, 2003; WILLE, 2003; RODRIGUES, 2004; FEICHAS, 2006; LIBÂNEO, 2007).

Green (2001) e Feichas (2006) utilizam o termo “informal” para delimitar aquela aprendizagem que ocorre fora do ambiente escolar. Há autores que separam as definições dessa aprendizagem em dois conceitos: informal e não-formal. Esses autores destacam a atitude intencional (não-formal) ou não intencional (informal) por parte do aprendiz na busca pelo seu aprendizado. Sendo esse um fator diferencial na definição dos termos (LIBÂNEO, 2007).

Como educação intencional, o autor separa as modalidades em educação formal, que seria “aquela estruturada, organizada, planejada intencionalmente, sistemática, sendo que a educação escolar convencional seria o exemplo típico” (LIBÂNEO, 2007, p. 88); e educação não-formal, constituída por “aquelas atividades que possuem caráter de intencionalidade, mas pouco estruturadas ou sistematizadas, onde ocorrem relações pedagógicas, mas que não estão formalizadas” (LIBÂNEO, 2007, p. 89).

Como não intencional, Libâneo (2007) destaca o termo “educação informal”, que “considera mais adequado para indicar uma modalidade de educação que resulta do ‘clima’ onde os indivíduos vivem, pois não existem metas ou objetivos preestabelecidos conscientemente” (LIBÂNEO, 2007, p. 90).

A pesquisa foi realizada adotando os conceitos de educação formal, não-formal e informal desenvolvidos por Libâneo (2007).

Metodologia

Para observar e compreender os processos e recursos utilizados para a aquisição de conhecimento prático nos instrumentos violão e guitarra, foi necessária uma aproximação com os participantes do projeto Arena, em 2006. A proximidade conduz o processo de investigação para um estudo naturalístico ou qualitativo do objeto a ser estudado. Essa modalidade de pesquisa “envolve a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a situação estudada, enfatiza mais o processo do que o produto e se preocupa em retratar a perspectiva dos participantes” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 13).

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Tal pesquisa desenvolveu-se com o auxílio das técnicas etnográficas de coletas de dados, como observação participante, questionários, entrevistas semiestruturadas e análise documental. O questionário padronizado foi elaborado a partir dos modelos utilizados por Corrêa (2000) e Rodrigues (2004) e distribuído a todos os 55 participantes das oficinas de violão e workshops de guitarra no projeto Arena da Cultura.

No cruzamento das respostas, foi possível apontar 22 pessoas que já tocavam sem nunca frequentar aulas de instrumento e estavam aptas para participar da entrevista. Foram realizadas nove entrevistas semiestruturadas, gravadas em áudio, com a finalidade de aprofundar as questões em relação ao aprendizado e identificar os procedimentos utilizados para que ele fosse possível. Queiroz (1988) define as histórias de vida como sendo “o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu” (QUEIROZ, 1988, p. 20).

As entrevistas realizadas foram observadas e analisadas primeiramente levando em conta os comentários de cada entrevistado para, num momento seguinte, agrupá-los em categorias e, assim, delinear seus processos de aprendizagem (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 221).

Os dados obtidos com questionários, entrevistas, observação participante e análise documental podem ser comparados pela consistência da informação e também checados por meio desses procedimentos, associados com a revisão bibliográfica. A triangulação das informações é definida como a “verificação de um dado obtido através de diferentes informantes, em situações variadas e em momentos diferentes” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 52). Como resultado, as entrevistas podem confirmar e apoiar informações recolhidas nos questionários, e os dados das observações podem ser confrontados com os dados das entrevistas (FEICHAS, 2006, p. 33).

Processos de aprendizagem identificados entre os participantes

Através dos depoimentos, observamos que todos os entrevistados tiveram a oportunidade de maior proximidade com pessoas de seu convívio que têm ou tiveram algum contato com música. São pais, irmãos, tios, primos, colegas de escola, vizinhos que, quando estavam tocando, podiam despertar interesse naqueles que observavam e que talvez gostassem de aprender a tocar violão. Algumas dessas pessoas próximas aos entrevistados se colocaram à disposição para dar mais informações referentes ao instrumento, estimulando os interessados a iniciar e/ou aprofundar seu aprendizado.

Quando uma pessoa decide tocar violão, as músicas que servirão de referência

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inicial provavelmente serão aquelas que escutou e reconhece. Temos aí um pequeno exemplo de “enculturação”, definido como um processo através do qual um indivíduo é influenciado pela cultura na qual está imerso. De acordo com Silva (1995), podemos considerar como enculturação musical “o aprendizado que acontece como resultado de nossa exposição aos produtos musicais de nossa cultura durante a infância, junto com a aquisição de habilidades em reproduzir pequenas canções” (SILVA, 1995, p. 85).

Segundo Green, “está claro que os adultos e outras pessoas próximas, inclusive irmãos e amigos, têm um efeito profundo nos modos nos quais as crianças e jovens são musicalmente enculturados” (GREEN, 2001, p. 22). A autora ainda cita como exemplo pesquisas no campo da psicologia musical, sugerindo que o apoio familiar de vários tipos é um dos fatores cruciais para a formação de músicos eruditos.

No âmbito da música popular, a autora obteve resultados semelhantes em seu estudo: “a probabilidade é que os pais cumprem um papel proeminente na formação dos músicos populares” (GREEN, 2001, p. 24). Isso, de acordo com a autora, é devido à ênfase que é dada no aprendizado das práticas em música popular nas famílias. Porém, ela ressalta a necessidade de novas pesquisas para a verificação desse fato.

Através dos relatos, foram observadas duas situações de aprendizagem:

a) uma pessoa ensina à outra ou a várias pessoas, o que, no âmbito desta pesquisa, chamamos de “aprendizado vertical”;

b) aquele que ensina em um momento coloca-se na posição de aprendiz em um momento seguinte, o que promove um compartilhamento de informações que chamamos de “aprendizado horizontal”.

Na primeira situação, temos uma pessoa assumindo o papel momentâneo e inconsciente de professor, ensinando movimentos necessários para realizar os acordes e/ou ritmos no violão. A outra pessoa se coloca no papel de aprendiz, também de maneira inconsciente, ou seja, sem delinear essa interação como uma aula específica de música.

Essas situações nos levam à seguinte reflexão: todos os entrevistados relataram que nunca tiveram aulas de violão ou guitarra, mas, em suas declarações, comentaram sobre situações nas quais havia sempre alguma pessoa tocando violão e, inconscientemente, mostrando como tocar. Eles (os entrevistados) não identificavam essas situações como aulas, nem a pessoa que estava tocando como professor. Esses momentos são encarados muito mais como uma ajuda e/ou coleguismo daquele que sabe tocar para com aquele que quer aprender do que aulas propriamente ditas.

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Consideramos então que os entrevistados aprenderam a tocar com outras pessoas, familiares ou colegas, mas não se submeteram a aulas de violão.

Ao longo dos relatos, observamos a existência de uma relação entre o início do aprendizado do violão e pessoas do convívio familiar - amigos e colegas. Primeiramente entre familiares, quando houve o contato inicial com o instrumento em situações em que os entrevistados viam pessoas tocando em reuniões ou encontros familiares. O acesso ao instrumento era facilitado, sempre havia um instrumento na própria casa ou na de parentes e vizinhos. Assim, os futuros aprendizes não precisavam comprar um violão para começar a aprender. Esse aprendizado teve o consentimento e o incentivo daqueles que já tocavam, e, em alguns casos, esses violonistas mostravam os primeiros acordes e ritmos para aqueles que desejavam aprender.

No momento em que o aprendizado está acontecendo, com a presença de uma pessoa mostrando como tocar, três aspectos importantes devem ser destacados:

a) a coordenação motora responsável pelos movimentos necessários para tocar com ambas as mãos;

b) o aspecto visual. O aprendiz observa a região do violão utilizada e o que o violonista faz para tocar, tentando imitar os movimentos que estão sendo feitos;

c) o aspecto auditivo. O aprendiz está escutando o resultado sonoro dos movimentos realizados pelo violonista enquanto este toca. A audição também é responsável pela verificação, pois num momento seguinte, o aprendiz observa se o som está igual àquele que foi tocado pelo violonista.

No momento do aprendizado, esses três aspectos funcionam conjuntamente em tentativas e erros: o aprendiz observa, tenta fazer e, se não conseguir o mesmo resultado sonoro, efetua novas tentativas, seguindo o procedimento até tocar de maneira semelhante ao que ouviu.

Recursos utilizados na aprendizagem

Após o contato inicial com o instrumento e seguindo a decisão de começar a tocar violão, os entrevistados empregaram procedimentos que auxiliaram no início do aprendizado, a saber:

a) utilização de músicas cifradas, obtidas em revistas ou pela internet; b) fitas de videocassete/DVD;

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c) auxílio de pessoas próximas/grupos e bandas; d) utilização do processo de “tirar músicas de ouvido”.

É importante salientar que não há uma hierarquia de valores na sequência dos procedimentos citados.

Revistas com cifras

Dentre os nove entrevistados, oito relataram que em seu aprendizado tiveram contato com cifras por meio de publicações específicas para tal fim (revistas de cifras) e, mais recentemente, pela internet. “Os sites se tornam diferentes bibliotecas, e é possível acessá-las, sem custo, comparando versões, ou quando algo não é encontrado, buscando outras fontes” (CORRÊA, 2000, p. 153).

Nas revistas, as cifras aparecem acima da letra da música e a sua localização indica o momento mais próximo que se deve tocar o acorde para que ele coincida com a letra. Para isso, o executante deverá ter o conhecimento prévio do ritmo e da melodia da música que ambiciona tocar. Acompanhando a letra da música, a maioria dessas revistas traz gráficos do braço do violão com indicações de números que correspondem aos dedos e cordas que devem ser pressionadas para tocar aquele acorde específico. Não há uniformidade para a apresentação desses gráficos, ficando a cargo da editora de cada revista sua padronização.

Os violonistas, ao usar as cifras, podem apenas identificar a letra com a posição a ser feita, sem associá-la a conceitos teóricos de formação de acordes. Por exemplo: a letra A remete à posição que corresponde ao lá maior. O iniciante, possivelmente, não fará essa associação, ele não dará o nome de lá maior para a letra A porque essa informação não está descrita na revista. Então, ele fará somente a associação com a forma correspondente à posição A.

Fitas de videocassete

O videocassete e, mais recentemente, o DVD fazem parte do desenvolvimento tecnológico citado por Gohn (2003). De acordo com o autor, a informação em vídeo “tornou-se uma importante referência, substituindo parcialmente a necessidade da presença física no local da realização musical” (GOHN, 2003, p. 19).

Uma das principais características destacadas no uso do vídeo é a possibilidade de manipulação da imagem e do som. A pessoa poderá assistir na hora que for mais conveniente, alterar a velocidade da exibição ou repetir trechos que chamaram a sua

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atenção, tanto no aspecto visual quanto no aspecto sonoro, para uma observação detalhada.

Entretanto, para a certificação dessas possibilidades do aprendizado pela utilização de meios visuais como videocassete e DVD, novas pesquisas necessitam ser realizadas.

Grupos e bandas

Conforme já mencionado, a presença de familiares e amigos exerceu considerável influência sobre o aprendiz, auxiliando tanto na escolha do instrumento quanto no início e desenvolvimento do aprendizado dos entrevistados.

Podemos destacar como outro ambiente de aprendizagem a reunião de colegas para tocar músicas afins, o que, na maioria das vezes, acaba dando origem a grupos musicais amadores.

De acordo com Corrêa (2000), “as bandas representavam um espaço significativo para trocas de aprendizagens do violão e guitarra. Muitas vezes serviam também de motivação e justificativa para se dedicarem ao estudo do instrumento” (CORRÊA, 2000, p. 143).

Robson , um dos entrevistados, relatou sua experiência como convidado de um colega músico para um ensaio de sua banda. Naquela oportunidade, ele procurava observar como o guitarrista estava tocando, na tentativa de aprender a fazer da mesma forma. Passou, então, a prestar atenção nos movimentos da mão esquerda e na região do braço da guitarra, onde determinado solo era realizado, com o intuito de aprender como fazer - aprendizado não-formal. Em um momento seguinte, com maior disponibilidade, ele tentava realizar os mesmos movimentos em casa para conseguir tocar como o guitarrista do ensaio.

Vemos descrito aqui um processo básico de observação, tentativa de repetição, erro/acerto. O aprendiz elege seu objeto de referência e o copia, tentando obter a maior proximidade possível com sua performance musical.

Tirando músicas de ouvido

Essa categoria emergiu inicialmente no questionário com a pergunta: Qual(is) material(is) você utilizou no início do seu aprendizado? Uma das alternativas indicadas era: CDs/fitas cassete (tirar músicas de ouvido). Posteriormente, a categoria foi dividida em subcategorias nas quais discutimos os diferentes materiais e procedimentos utilizados no início da aprendizagem através dessa prática.

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A expressão “tirar músicas de ouvido”, citada nesta pesquisa, refere-se à tentativa do aprendiz de “reproduzir no violão/guitarra um determinado trecho musical utilizando a audição proveniente de uma fonte sonora gravada, como, por exemplo, CDs, DVDs e músicas no computador” (GREEN, 2001, p. 24). Essa autora destaca que a audição, de uma maneira geral, “é uma atividade crucial para todos os músicos” (GREEN, 2001, p. 24). Na aprendizagem, a audição associa-se à visão e à coordenação motora, orientando o que estamos ouvindo ou tocando.

Vale ressaltar que “tirar músicas de ouvido” pode ser definido como técnica de aprendizagem quando o universo estudado contempla apenas iniciantes. Porém, é senso comum que essa prática constitui um meio legítimo de músicos experientes trabalharem musicalmente, pois “tirar músicas de ouvido”, “transcrever” uma música ou “fazer notação” musical de uma determinada composição é recurso comum e necessário à atividade do músico em geral. Para efeito dos estudos desta pesquisa, foi considerado o caráter didático dessa prática como instrumento de aprendizagem de iniciantes, não retirando dela seu mérito como ferramenta usual entre músicos profissionais.

A seguir, são descritos procedimentos enfatizados nas entrevistas sobre os processos de tirar músicas de ouvido. Essa metodologia assume maior ou menor grau de destaque de acordo com a percepção que cada entrevistado tem desse procedimento.

Audição como referência: tocando e comparando

Com o CD e a revista com a cifra (acordes) da música que deseja em mãos, o aprendiz necessita inicialmente afinar o violão “junto com o CD”, isto é, fazer com que as alturas dos acordes, indicados na cifragem da revista, correspondam às alturas do CD.

Nesse sentido, ele compara aquilo que está tocando com o que está ouvindo. Se achar que não está parecido, tentará novamente até que consiga tocar de uma forma semelhante à música. Nesse processo de comparações e novas tentativas, durante seu empenho para conseguir reproduzir os aspectos rítmicos e melódicos da música, há um desenvolvimento prático no instrumento e também na percepção musical do aprendiz.

Simplificação na substituição dos acordes desconhecidos

Quando alguns dos entrevistados encontravam nas músicas acordes com dissonâncias ou com sonoridades diferentes daquelas conhecidas, eles procuravam simplificar esses acordes, retirando as dissonâncias e/ou executando somente o acorde básico, sem nenhuma nota acrescentada, no sentido de facilitar sua tocabilidade.

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Os acordes dissonantes eram substituídos por acordes conhecidos e que possuíam uma sonoridade próxima àquela procurada. A música, como descrito no relato de Cláudia, “[...] não ficava igualzinha, [...] mas dava pra tocar”. Devemos destacar que foram percebidos os acordes que estavam de acordo com a música e os que poderiam ser tocados, mas que não representavam a mesma sonoridade dos acordes originais. Nenhum entrevistado deixou de tocar alguma música por não reconhecer ou não saber tocar algum acorde, pois sempre se buscava elaborar uma versão de execução facilitada da música.

Buscando sonoridades: nota, power chord, acorde maior ou menor

Observamos nesse procedimento o mesmo processo de tentativas/erros e comparação descrito anteriormente. Ao escutar um acorde, Robson tocava uma nota no violão, nas cordas graves, e deslizava o dedo pelo braço do instrumento na tentativa de encontrar a nota que se igualasse à nota fundamental do acorde que estava ouvindo. Quando encontrava a fundamental, ele montava, a partir dessa nota, um power chord3. Com o objetivo de completar a sonoridade que ouviu, Robson tocava a partir do power chord um acorde maior ou um menor, experimentando “[...] encaixar, modulando ele para maior ou menor”, escolhendo aquele acorde que, segundo sua percepção, possuísse uma sonoridade mais próxima do original. E assim, através de tentativas e erros, ele comparava a sonoridade que estava tocando com sua referência sonora, decidindo-se por qual acorde utilizar.

Tirando músicas com acordes já conhecidos

Márcio experimentava os acordes que já conhecia na música que estava tentando tocar e comparava, a fim de verificar se nessa música havia algum desses acordes. Ele comenta que “[...] normalmente o rock e o pop-rock são quatro ou cinco acordes no máximo, não tem muita mudança [...]”. O fato de possuir poucos acordes é uma característica dos estilos citados, geralmente no âmbito dos acordes maiores, menores e maiores com 7ª menor, não possuindo tensões como 9ª, 11ª e 13ª. Assim, sua execução no violão fica facilitada. Nesse sentido, houve uma transferência de aprendizagem: Márcio experimentava adaptar o material que conhecia - como acordes, por exemplo - a uma música que não sabia tocar.

Elegendo trechos a serem tirados de uma música

Reinaldo enfatiza a maneira como dividia a música em partes, com o objetivo de tirar cada parte de uma vez, seguindo assim até o final da música. Ele destaca a repetição de cada parte – “[...] aí eu tentava fazer aquilo mais de três vezes [...]”

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– como forma de aprender a sequência dos acordes e do ritmo da música. Após repetir este procedimento em todas as partes determinadas, “[...] eu pegava a música todinha e tocava junto com o CD”, certificando-se de que aquilo que estava tocando coincidia com o que ouvia. Com a possibilidade de repetir um trecho qualquer desejado, através desses recursos, o aprendiz tem a oportunidade de fazer correções nas partes em que a execução não está semelhante ao CD e voltar, caso queira, a tocar o trecho novamente.

Nos procedimentos descritos (simplificação na escolha dos acordes; busca por uma sonoridade – qual acorde usar; tirar as músicas com acordes já conhecidos e elegendo trechos a serem tirados), a audição tem um papel importante, sendo a principal referência na comparação entre diferentes fontes sonoras. Na tentativa de “tirar uma música de ouvido”, há uma mistura desses processos, pois eles não são excludentes e podem acontecer concomitantemente, em maior ou menor grau, dependendo da habilidade e da percepção do aprendiz.

Conclusão

O objetivo desta pesquisa foi identificar os procedimentos adotados por alguns participantes do projeto Arena da Cultura na sua aprendizagem de violão. Através dos relatos dos entrevistados, procuramos reconstruir os acontecimentos ligados às experiências vividas na aprendizagem do instrumento.

Em relação aos procedimentos na aprendizagem do violão, podemos ressaltar que, inicialmente, foi através do ambiente familiar que os entrevistados tornaram-se musicalmente enculturados (GREEN, 2001, p. 22). As primeiras referências musicais sobre o que escutar vieram da família. Dos nove entrevistados, seis relataram que alguém na sua família tocava violão. Eram pais, irmãos, tios e primos que geralmente tocavam nos encontros familiares, propiciando ao aprendiz uma oportunidade de ver e ouvir alguém tocando o instrumento. Posteriormente, essas referências musicais foram ampliadas através do convívio com seus pares, amigos, vizinhos e colegas de escola.

Em todas as situações de aprendizagem, seja no convívio com familiares ou no contato com seus pares, notamos que não houve menção, por parte dos entrevistados, a uma aula ou a alguma situação que a caracterizasse. Nenhum dos entrevistados associou aquele que está mostrando como fazer a alguém que exerce o papel do professor e aqueles que estão aprendendo aos que exercem o papel dos alunos. Apesar de não identificarem aqueles momentos como aula, os entrevistados foram efetivamente ensinados a tocar. Dessa forma, concluímos que, através da proximidade com pessoas que estão tocando, podem surgir o desejo e a oportunidade de iniciar um

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aprendizado no violão.

Podemos reconhecer a importância da presença de um orientador, introduzindo, supervisionando, corrigindo e direcionando o desenvolvimento das habilidades musicais do aprendiz. Normalmente, esse papel é exercido exatamente pelo professor de violão, definido como a pessoa mais adequada para o ensino do instrumento. Conforme evidenciam os relatos dos participantes da pesquisa, esse papel foi assumido por alguém “não habilitado” e não reconhecido como professor, mas que, na prática, exerceu exatamente essa função. Isso só reforça a hipótese de que, na verdade, em nenhum dos casos estudados, houve autodidatismo puro.

No processo de “tirar músicas de ouvido”, observamos uma multiplicidade de procedimentos que variavam de acordo com o nível de percepção de cada entrevistado. Houve unanimidade em relação à ideia de que, no início da aprendizagem, não conseguiam “tirar músicas de ouvido”. Os participantes relataram que, com a prática, começaram a identificar alguns acordes ou partes de uma música. Conscientemente ou não, com o passar do tempo, “tirar músicas de ouvido” deixou de ser um problema.

A aquisição de conhecimento musical ocorreu sem o vínculo ao ensino formal do instrumento. Esse fato demonstra que, mesmo existindo múltiplos procedimentos que viabilizam a prática do violão, a persistência e a perseverança dos entrevistados em aprender a tocar foram significativas para que o aprendizado ocorresse. Além disso, durante a busca pelo conhecimento, a percepção musical dos aprendizes entrevistados foi aperfeiçoada. E com a prática do violão e a compreensão dos possíveis materiais a serem utilizados, o objetivo inicial desses aprendizes (que era tocar violão) foi atingido. Isso nos permite considerar as possibilidades de adaptação e/ou aproveitamento desses mesmos procedimentos pelos educadores musicais como forma de auxílio na metodologia de ensino.

Sendo assim, podemos considerar válidos os processos de aprendizagens identificados nessa pesquisa (informais e não-formais) não como únicos, mas como possíveis ferramentas para facilitar o aprendizado do violão. O desafio é aproveitar as oportunidades oferecidas por esse processo de aprendizagem que ocorre fora dos contextos formais do ensino institucionalizado da música, agregando seu potencial didático ao ensino musical formal.

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Aspects of learning acousticguitar outside school contexts

AbstractThis article describes the procedures used by the participants of the “Arena da Cultura” Project, in 2006, when they begun playing the acoustic and electric guitar. In this research, it was used the qualitative or naturalistic method and etnografic techniques of data collections. The contact with relatives and friends who play guitar had influence over their choice and development of learning. Additional resources of this learning stood out: the use of the language of chords, as well as the use of video-tapes and “catching music by ear”. The main conclusions were that the participants learnt how to play with their relatives and friends and there were an improvement in their musical perception and a development in their guitar learning.

Keywords: Informal and non-formal acoustic guitar learning; guitar learning.

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ESTUDO COMPARATIVO DO TEMPO DEAQUECIMENTO VOCAL EM CANTORES POPULARES

Cristina de Souza Gusmão

Fonoaudióloga graduada pela FEAD/Minas - Centro de Gestão Empreendedora, especialista em Voz pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Graduada em música com habilitação em canto pela Universidade do Estado de Minas Gerias (UEMG). Atualmente, trabalha com assessoria e consultoria para profissionais da voz. É cantora integrante do Grupo Experimental de Ópera (GEL)

da UEMG, professora de canto e preparadora vocal.

[email protected]

Roberta Bahia Pereira

Fonoaudióloga graduada pela FEAD/Minas, especialista em Voz pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Atriz e professora de expressividade. Atualmente, trabalha na reabilitação vocal de profissionais da voz.

[email protected]

Luciana Lemos de Azevedo

Graduada em Fonoaudiologia, doutora e mestre em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG); especialista em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com aperfeiçoamento em Audiologia pela Faculdade Metodista Isabela Hendrix (Famih); especialista em Voz pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia (CFFa) e certificada pelos Métodos de Tratamento Vocal Lee

Silverman e Lessac-Madsen. Atualmente, é professora adjunta III da PUC Minas.

[email protected]

Maria Emilia Oliveira Maia

Fonoaudióloga graduada pela FEAD/ Minas; especialista em Voz pelo Centro de Estudos da Voz (CEV) - São Paulo, graduada em Psicologia pela Universidade Fundação Mineira e Educação e Cultura (Fumec/BH), especialista em Psicologia Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia. Atua em atendimento clínico com

assessoria e consultoria ao profissional da voz.

[email protected]

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Introdução

A voz é a marca registrada da personalidade humana. Por meio dela, identifica-se uma das características mais importantes do ser: a qualidade vocal, a “carteira de identificação”, que torna cada indivíduo um ser único.

Se for comparada a voz cantada com a falada, percebe-se que são bem distintas; isso se deve ao controle central diverso no cérebro e à distinta movimentação da musculatura laríngea.

A voz cantada é considerada uma das mais belas formas de expressão, mas para isso é imprescindível que o cantor esteja em condições psicoemocionais favoráveis para que facilite o controle da modulação vocal durante a apresentação musical. Há necessidade, também, de que ele pratique o aquecimento vocal, que é fator importante para os ajustes vocais (COSTA; SILVA, 1998).

Vale ressaltar ainda que a anatomia e fisiologia da voz variam de indivíduo para indivíduo e são, do mesmo modo, fundamentais e determinantes para a qualidade vocal no canto.

Ao se tratar do canto popular, pode-se dizer que apresenta características de uma fala espontânea, natural, carregada de sotaques regionais do estilo cantado. Com relação às técnicas vocais praticadas no canto, existem muitas divergências entre o canto popular e o erudito, principalmente no que se refere à utilização do apoio diafragmático, à abertura da boca e à articulação. A técnica do erudito depende exclusivamente do ar subglótico para gerar a intensidade necessária, além da

ResumoO objetivo desta pesquisa foi averiguar se existe um tempo adequado para o aquecimento vocal no canto popular. Foram selecionados 10 cantores de baile que se submeteram à análise acústica da voz cantada pré e pós-aquecimento vocal. O tempo proposto para o aquecimento foi de 15 e 30 minutos realizados em momentos distintos. O parâmetro analisado foi o valor em Hz da frequência fundamental. Os dados foram analisados e comparados pré e pós-aquecimento vocal. Verificou-se que o tempo mais adequado para esse grupo de cantores foi o aquecimento vocal de 30 minutos.

Palavras-chave: Cantor; voz; aquecimento vocal; análise acústica.

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ressonância, do jogo melódico, da agilidade e da grande necessidade de harmônicos. Enquanto que no canto popular, a técnica privilegia a compreensão do texto cantado e a expressividade, sendo necessária a precisão articulatória, não exigindo tanta impostação nem mesmo intensidade privilegiada (FILHO, 1997).

Outra característica bem comum quando se fala em canto popular é o fato dos cantores de bailes usarem a voz de maneira inadequada, pois querem tentar atingir ao máximo a qualidade vocal dos cantores que admiram, adquirindo, na maioria das vezes, o abuso vocal (ZAMPIERI; BEHLAU; BRASIL, 2002).

É de conhecimento geral que o cantor tem o poder de levar alegria e despertar sentimentos com sua voz e, para isso, nota-se a importância do aprimoramento na comunicação verbal e não-verbal. Treinamentos específicos para a voz são essenciais para qualquer ser humano, principalmente em se tratando de profissionais da voz como os cantores, classificados como tal porque utilizam a voz como instrumento de trabalho (FERREIRA et al, 1995).

A fonoaudiologia ressalta a importância da prática do aquecimento vocal especialmente em relação à voz profissional. Todavia, a prática do aquecimento é mais frequente entre os atores de teatro do que entre os cantores populares. Já entre os cantores que atuam como coralistas, a prática do aquecimento depende diretamente da formação e da direção que acompanha o coral (FILHO, 1997).

Esse fato ocorre, porque a maioria desses profissionais não possui as informações necessárias quanto aos cuidados e preservação da saúde vocal, principalmente sobre a importância do aquecimento e desaquecimento da voz, dicção, maus hábitos, dentre outros. A falta do conhecimento sobre a classificação vocal no canto também pode ocasionar uma disfonia funcional que, segundo Behlau e Pontes (1995), é a utilização da voz que foge de seu padrão vocal normal.

Costa e Silva (1998) relatam a importância do aquecimento vocal antes de uma apresentação musical, afirmando que há melhora na coordenação e resistência vocal, favorecendo maior componente harmônico e diminuindo a sobrecarga. Os autores consideram ainda o desaquecimento vocal como fator primordial para a voz, ocorrendo rápida recuperação em relação à fadiga, promovendo melhor saúde e longevidade vocal. Esses fatores proporcionam resultados valiosos para os profissionais da voz, o que diminui a ocorrência de maus hábitos e abuso vocal.

Esses mesmos autores relatam a importância do aquecimento vocal antes das performances como fator primordial para o cantor, independente da demanda ou

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Cristina de Souza Gusmão, Roberta Bahia Pereira, Luciana Lemos de Azevedo, Maria Emilia Oliveira Maia

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estilo musical, considerando que ele deve destinar 10 minutos para os exercícios básicos de aquecimento. Relatam também que o aquecimento vocal não está relacionado aos anos de aula de canto, nem mesmo ao conhecimento dos músculos que estão sendo ativados, mas sim à forma como os músculos estão sendo utilizados no ato de cantar.

Aydos e Hanayama (2004) também expõem sobre a necessidade da realização do aquecimento vocal através de exercícios respiratórios e vocalizes antes da utilização ativa da voz. Propõem que os exercícios de aquecimento vocal ocorram, em média, durante quinze minutos com o objetivo de favorecer a adução correta das pregas vocais, contribuindo para a qualidade vocal mais harmônica e agradável. Além disso, melhora a projeção vocal, favorece ganho de intensidade e facilita a movimentação dos músculos cricotireóideo e tireoaritenóideo durante as variações de frequência.

Em outro estudo, de Pinho e Tsuji (1996), foram avaliados sete cantores e três cantoras pré e pós-aquecimento vocal a fim de verificar as variações nos efeitos do aquecimento vocal. Foi constatado que todos os indivíduos sentiram diferença positiva após o mesmo.

Silva, Faria e Barbosa (2005) defendem que o cantor priorize sempre o aquecimento e o desaquecimento nas apresentações musicais, devendo utilizar exercícios personalizados que priorizem suas dificuldades.

A importância de aquecer e desaquecer o instrumento de trabalho é relatada por Duarte, Pastrelo e Campiotto (1996). Os autores sugerem a realização de exercícios vocais durante 30 minutos antes da performance musical.

Já Quintela, Leite e Duarte (2008), em uma pesquisa de aquecimento com cantores líricos, afirmaram que o tempo de aquecimento utilizado pelos mesmos foi de aproximadamente 30 minutos.

A eficácia do aquecimento vocal também foi descrita no estudo de Behlau (2001). Ele verificou redução do escape aéreo através da glote, favorecendo melhor qualidade da voz.

Outros autores como Costa e Silva (1998) sugerem exercícios específicos para o aquecimento vocal como, por exemplo, exercícios de inspiração e expiração, de movimentos cervicais, de sons vibrantes em escalas ascendentes e descendentes, ressonantais dentre outros.

Para Beuttenmuller (1995), o aquecimento vocal não se restringe a exercícios de escalas ascendentes e descendentes, mas também exercícios que favoreçam melhor

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ajuste corporal, buscando harmonia entre a posição dos pés, mãos e ombros, proporcionando melhor emissão vocal.

O desaquecimento vocal, do mesmo modo, é considerado de extrema necessidade para o cantor, pois promove o restabelecimento da tensão vocal e diminuição da fadiga (BEHLAU, 2001; DEDIVITES; BARROS, 2002).

Costa e Silva (1998) afirmam que para o desaquecimento, se faz necessário pelo menos 5 minutos de silêncio total após a atividade vocal. Eles ainda recomendam exercícios de sons vibrantes em escalas descendentes com frequência e intensidade moderada, massagem na região cervical e de cintura escapular.

Pinho (2001) completa que o desaquecimento vocal favorece o retorno da voz falada, devendo ser realizado com margem de tempo reduzida em relação ao aquecimento a fim de recuperar os músculos que tiveram maior desgaste durante o canto.

A determinação de um tempo adequado para a realização do aquecimento vocal ainda causa muitas discussões entre professores de canto e fonoaudiólogos, pois não há comprovação científica quanto ao tempo ideal de aquecimento vocal para o canto. Na literatura, há algumas sugestões com relação ao tempo utilizado por determinados profissionais. Porém, as referências, até agora, são restritas em relação à voz profissional, especialmente no que se refere ao canto popular (STERCHELE, 1999; FERREIRA, 1998).

Descobrir o tempo específico de aquecimento vocal é de suma importância para quem trabalha como profissional da voz, principalmente em se tratando de cantores que a utilizam como instrumento de trabalho de forma intensa, quando há maior desgaste energético e muscular.

A busca pela melhor técnica no canto ainda é foco de diversas pesquisas que procuram desvendar os mistérios da fisiologia aplicada à voz cantada, buscando rendimento vocal, favorecendo a saúde da voz e consequentemente a estética (ROSA, 2003; BEZERRA et al, 2008).

O presente estudo pretendeu verificar qual seria o tempo adequado para preparar a musculatura da laringe para a grande demanda vocal no canto popular.

Material e método

Este projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Mater Dei, com o registro no CEP de número 103.

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O grupo estudado foi constituído por dez cantores que atuam em bandas de bailes na cidade de Belo Horizonte e região metropolitana, sendo quatro (40%) do sexo masculino e seis (60%) do feminino, com idade mínima de 21 e máxima de 42 anos (média=28.0). Todos os cantores selecionados para a pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Esta pesquisa foi realizada no Centro de Gestão Empreendedora de Fonoaudiologia (CEFF – Centro Fead de Fonoaudiologia). Foi solicitado a todos os cantores que produzissem vogal [a] em registro modal, o qual foi registrado para posterior análise acústica, para isso foi utilizado o software Vox Metria v.1.1 ®. A gravação foi realizada antes e após o aquecimento vocal de 15 e de 30 minutos. A gravação da vogal [a] foi realizada duas vezes: uma antes e outra após o aquecimento vocal. Vale ressaltar que cada cantor foi submetido ao aquecimento vocal individualmente.

Todos os indivíduos selecionados foram submetidos a dois diferentes tempos de aquecimento vocal, sendo o primeiro de 15 minutos e o segundo de 30. Para determinar os tempos de aquecimento para o estudo, optou-se por fazer a média de tempo utilizado normalmente por cinco professores de técnica vocal que foram consultados, pois além da restrição de informações sobre o tema, há ainda na literatura, divergências quanto ao tempo ideal de aquecimento vocal.

Cada cantor foi avaliado em dois momentos. No primeiro momento, os cantores emitiram a vogal [a] e se submeteram ao aquecimento vocal durante 15 minutos, utilizando uma lista de exercícios propostos e conduzidos pelas pesquisadoras. Em seguida, foi gravado novamente a vogal [a]. Na semana seguinte, os próprios cantores se submeteram ao mesmo procedimento, utilizando 30 minutos de aquecimento vocal e a mesma lista de exercícios, mas com o tempo maior de execução para cada um.

Os exercícios de aquecimento vocal visaram os parâmetros de relaxamento cervical, da região da cintura escapular e de órgãos fonoarticulatórios, vibração de mucosa, modulação com escalas musicais ascendentes e descendentes, articulação, ressonância, projeção vocal e suavização da emissão.

Para que pudéssemos atingir o objetivo deste estudo, ou seja, averiguar o tempo adequado para o aquecimento vocal, as gravações foram realizadas sempre nos mesmos horários, no turno da tarde. Isso porque nesse período do dia, as pregas vocais apresentam-se edemaciadas, o que dificultaria a execução dos tons agudos.

Para o aquecimento vocal, foi utilizado teclado Yamaha PSR – 410 (seis oitavas).

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Para a coleta dos dados, foram utilizados computador Celleron 500 MHz, microfone cardióide (unidirecional) Lesson HD 75 conectado diretamente ao computador e posicionado lateralmente à distância de cinco centímetros da boca de cada participante e o software Vox Metria, versão 1.1 para a análise acústica ®. O parâmetro avaliado, na análise acústica, foi a média da frequência fundamental. Sendo considerado melhora, o aumento da frequência fundamental após o aquecimento.

Resultados

Houve aumento da frequência fundamental de 50% dos cantores após 15 minutos de aquecimento vocal. Já após 30 minutos de aquecimento, 90% deles obtiveram melhora. Esses dados estão ilustrados na TAB 1.

TABELA 1Média da frequência fundamental pré e pós-aquecimento vocal

Amostra

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Pré-aquecimento

15 minutos

194,24 Hz

134,64 Hz

119,54 Hz

166,77 Hz

211,2 Hz

126,79 Hz

229,82 Hz

243,08 Hz

166,22 Hz

205,39 Hz

Pós-aquecimento

15 minutos

203,49 Hz

133,46 Hz

140,75 Hz

220,92 Hz

199,81 Hz

121,7 Hz

211,52 Hz

236,51 Hz

191,91 Hz

216,01 Hz

Pré-aquecimento

30 minutos

206,3 Hz

140,53 Hz

105,82 Hz

166,99 Hz

186,97 Hz

128,23 Hz

258,49 Hz

228,19 Hz

164,98 Hz

191,25 Hz

Pós-aquecimento

30 minutos

212,01 Hz

145,84 Hz

118,55 Hz

246,55 Hz

199,39 Hz

131,63 Hz

249,85 Hz

276,81 Hz

172,6 Hz

203,08 Hz

Discussão

O resultado positivo observado em 50% dos cantores após aquecimento vocal de 15 minutos e em 90% dos cantores após o aquecimento de 30 minutos sugere a eficácia e a importância do aquecimento antes da performance musical. Houve aumento da frequência fundamental em ambos os tempos, promovendo uma voz mais aguda, sendo esse aspecto considerado positivo para o presente estudo.

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Vale ressaltar que o único indivíduo que não teve melhora após 30 minutos de aquecimento, também, não obteve melhora após 15 minutos de aquecimento. Talvez fosse necessário um tempo ainda maior de aquecimento vocal para esse indivíduo.

Com o fato de a grande maioria da população pesquisada (90%) ter obtido melhora quando submetida ao aquecimento de 30 minutos, pode-se inferir que o tempo maior de aquecimento é mais eficaz e está de acordo com estudos de Duarte, Pastrelo e Campioto (1996) e Quintela, Leite e Daniel (2008). Esses autores sugerem que os cantores destinem 30 minutos para os exercícios de aquecimento vocal.

Conclusão

Levando em consideração o grupo de cantores que participou da pesquisa, foi possível concluir que a frequência fundamental aumentou, significando uma melhora para ambos os sexos após o aquecimento vocal de 15 e 30 minutos. Sendo mais notória a melhoria após o aquecimento de 30 minutos.

Assim, neste estudo, fica clara a importância e eficácia do aquecimento vocal independente do tempo proposto. Além disso, o mesmo deve ser sempre realizado respeitando o indivíduo, visto que o cantor é um ser único com particularidades e necessidades individuais.

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REFERÊNCIAS

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DUARTE, M. D; PASTRELO, A. C.; CAMPIOTTO, A. R. O atendimento terapêutico a cantores na Santa Casa de São Paulo. Acta Awho, São Paulo, v. XV, n. 4, p.198-204, Out./Dez. 1996.

FERREIRA L. P.; et al. Voz profissional - o profissional da voz. São Paulo: Pró-Fono, 1995.

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FILHO, O. L. (Ed.) Tratado de fonoaudiologia: atuação fonoaudiológica no trabalho com cantores. São Paulo: Roca, 1997.

PINHO, S. M. R. Tópicos em voz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A., 2001.

PINHO, S. M. R.; TSUJI, D. H. Avaliação funcional da laringe em cantores. Artigo de atualização. Acta Awho, v. XV, n. 2, p. 87-93, Abr./Jun.1996.

QUINTELA, A. S.; LEITE, I. C. G.; DANIEL, R. J. Práticas de aquecimento e

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desaquecimento vocal em cantores líricos. HU Revista, Juiz de Fora, v. 34, n. 1, p.41-46, Jan./Mar. 2008.

ROSA, L. L. Vibrato sertanejo: análise acústica e correlatos fisiológicos no trato vocal. Tese (Mestrado em Ciências da Saúde ) - Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.

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STERCLELE R. (Ed.) Coleção sociedade brasileira de fonoaudiologia. Atualização em voz, linguagem, audição e motricidade oral. São Paulo: Frôntis Editorial, 1999.

ZAMPIERI, S. A.; BEHLAU M.; BRASIL, O. O. C. Análise de cantores de bailes em estilo de canto popular e lírico: perceptivo-auditiva, acústica e da configuração laríngea. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, São Paulo, v. 68, Mai. 2002.

AbstractThe objective of this research was to observe if there is and adequate time for vocal warm-up exercises in pop-ular singing. Methodology: 10 dancing show singers were selected and submitted to singing voice acous-tic analysis before and after vocal warm-up exercises. The time suggested to vocal warm-up was between 15 to 30 minutes, performed at distinct moments. The parameter analysed was the Hertz unit (Hz) of the fundamental frequency. These measures were com-pared and analysed both before and after vocal warm-up exercise. Conclusion: It has been concluded that the most appropriate period for such singers was the warm-up exercise of 30 minutes.

Keywords: Singer; voice; vocal warm-up exercise; acoustic analysis.

Comparative study of vocalwarm-up period for pop singers

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Esta revista foi composta em Belo Horizonte para aEditora da Universidade do Estado de Minas Gerais - EdUEMG

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