Roca109

Embed Size (px)

Citation preview

CONGELAOProf. Roberto de Oliveira Roa Departamento de Gesto e Tecnologia Agroindustrial Fazenda Experimental Lageado, Caixa Postal, 237. F.C.A. - UNESP - Campus de Botucatu CEP 18.603-970 - BOTUCATU - SP [email protected]

Na carne congelada, a atividade microbiana paralisada, a enzimtica, bem como a velocidade de reaes qumicas substancialmente reduzida. A congelao um excelente mtodo de conservao da carne porque ocorrem alteraes menores do qualquer outro mtodo de conservao de alimentos.

1- Velocidade da congelaoA velocidade de congelao afetam as propriedades fsicas e qumicas da carne. Geralmente so descritas como congelao lenta e congelao rpida (Figura 1). Congelao lenta Durante a congelao lenta, a temperatura do produto permanece prximo ao ponto de congelao inicial durante bastante tempo (Figura 1). A gua extracelular se congela mais rapidamente que a intracelular, porque tem uma menor concentrao de solutos. Durante a congelao lenta maior o perodo de cristalizao (P.C.) ocorrendo numerosos cristais de gelo extracelulares que se perdem facilmente como gotejamento durante a descongelao. A velocidade de congelao est em torno de 0,05 C/minuto. Congelao rpida Durante a congelao rpida, a temperatura do produto crneo a ser congelado cai rapidamente abaixo do ponto de congelao inicial. A congelao rpida da carne causa menos efeitos prejudiciais do que a congelao lenta. A velocidade de congelao est em torno de 0,5 C/minuto. 1

Figura 1- Curvas de congelao, mostrando as velocidades relativas de congelao a diferentes temperaturas (FORREST et al., 1979)

2- Mtodos de congelaoOs produtos de carne podem ser congelados por diversos mtodos industriais: ar imvel, congelao em placas, congelao com circulao forada de ar, imerso ou asperso de lquidos e congelao criognica.

Figura 2 - Curvas de congelao de cubos de carne de 15,24cm a -62 C e a -17C (PRICE, J.F., SCHWEIGERT, B.S, 1994). Congelao em ar imvel 2

O processo em que o ar apresenta-se imvel o mtodo menos eficiente, pois a congelao lenta. Os congeladores domsticos, e mesmo os congeladores de alguns frigorficos trabalham baseados na congelao por ar imvel. As temperaturas destes congeladores oscilam entre -10 a -30C. Devido a lenta velocidade de congelao dos congeladores domsticos no aconselhvel congelar grandes quantidades de carne simultaneamente. Congelao em placas O meio que transfere calor neste mtodo o metal. As bandejas que contem os produtos ou as superfcies planas dos produtos crneos so colocadas diretamente em contato com as placas ou estantes do congelador. A temperatura do congelador de placas tambm varia de -10 -30C. Neste mtodo, s podemos congelar peas delgadas de carne. A velocidade de congelao por esse mtodo ligeiramente maior do que ar imvel (Figura 2). utilizada para a congelao de blocos de 30Kg de recortes de carne para utilizao nas indstria de embutidos. Congelao em corrente de ar o mtodo mais empregado na indstria de carnes. So utilizados tneis ou salas equipadas com ventiladores. O ar constitui o meio de transferncia de calor, mas como se movimento rpido, a velocidade que se transfere calor muito mais rpida do que os congeladores com ar imvel. Este mtodo tambm conhecido como congelao rpida, congelao brusca, congelao em tneis e congelao em corrente. A velocidade do ar de 5 a 6 m/s e a temperatura de -30C mais prtica e econmica para a indstria. Imerso e asperso de lquidos um mtodo pouco utilizado para congelao de aves. Os produtos a serem congelados devem ser acondicionados em filmes plsticos. Os lquidos empregados para esse tipo de congelao no devem ser txicos, apresentar viscosidade baixa, ser relativamente barato, de ponto de

3

congelao baixo e de grande condutividade trmica. Podem ser utilizados salmouras (cloreto de sdio), glicerina e glicis (propilenoglicol). Congelao criognica Para a congelao criognica podem ser utilizados a imerso direta, asperso de lquido ou circulao de vapor criognico. So utilizados o nitrognio em forma lquida ou gasosa, o dixido de carbono e ocasionalmente o xido nitroso lquido.

3- Modificao e danos Cristais de gelo H formao de cristais de gelo em todas as temperaturas abaixo de congelao. Atravs da formao de cristais, h possibilidade de ruptura celular. A velocidade lenta de resfriamento (at -2C) causa formao de cristais de gelo exterior clula (intercelular). Esta formao de gelo produz cristais grandes que incham e causam uma separao fsica das fibras. Estes empurram as clulas formando sulcos alternados (ranhuras) nas fibras e cristais de gelo. Pelo descongelamento, muitos fluidos intercelulares so perdidos na forma de gotejamento. Na congelao rpida os cristais formados so intracelulares e pequenos, e no descongelamento so facilmente reabsorvidos pelos componentes celulares. Os alimentos congelam-se dentro de uma grande variao de temperaturas dependendo da concentrao de sais e gua em suspenso coloidal na clula. A velocidade de congelamento depender da quantidade de gua livre presente dentro da clula, e a gua livre na clula congelar de acordo com a quantidade de sais dissolvidos naquela gua. Na carne, -1C, tem-se cerca de 20% de gua transformada em gelo, -10C,

aproximadamente 90% e -18C quase 100% (Figura 3).

4

Figura 3- Curva de congelao de uma carne com perodo de cristalizao e porcentagem de gua congelada. Desnaturao e presso osmtica A desnaturao resultante de cristais intercelulares provavelmente maior que aqueles cristais intracelulares. H alguns indcios que a osmose pode acompanhar os passos iniciais do congelamento das clulas causando uma desnaturao dos componentes celulares, antes que o equilbrio osmtico seja alcanado no ponto de congelamento. Quando a gua sai da clula, uma certa quantidade de protenas solveis em gua, peptdeos, aminocidos, cido lctico, purinas, vitaminas e sais estaro presentes no suco exsudato durante o descongelamento. Contaminao microbiana Grande parte dos microrganismos no crescem abaixo de 0C, enquanto que leveduras podero crescer at -10C. O efeito da congelao uma pequena reduo no nmero, seguido de um efeito prolongado e menos drstico de morte, porm h certas bactrias em que o efeito da temperatura baixa o de simples inibio do crescimento e multiplicao, at que surjam condies favorveis para o desenvolvimento bacteriano. A congelao, portanto, no tem grande valor como medida destinada a tornar prpria para o consumo humano uma carcaa infectada por 5

bactrias patognicas. O Bacillus anthracis pode resistir a temperatura de 130C, enquanto que os microrganismos do grupo das salmonelas podem resistir -185,5C por 3 dias e j foram encontrados bacilos da tuberculose viveis em carcaas congeladas -9,4C por mais de 2 anos. O vrus da aftosa pode permanecer em condies de sobrevivncia por 76 dias se as carcaas de animais abatidos durante o perodo de incubao da doena forem resfriados ou congeladas imediatamente aps a matana. Em condies semelhantes, o vrus da peste suna pode permanecer infectante na medula ssea por 73 dias, j constatada a presena desse vrus na carne suna congelada por 1.500 dias. Infestaes parasitrias O congelamento constitui um excelente mtodo para o tratamento da carne afetada por parasitas. A carne suna afetada com Cysticercus cellulosae pode tornar-se incua submetendo-a por 4 dias a uma temperatura de -10C -7,7C, enquanto que carcaas bovinas com Cysticercus bovis podem tornar-se incuas se mantidas por 3 semanas a uma temperatura no superior -10C. Os cistos de Trichinella em sunos so destrudos em 20 dias temperatura de -15C ou congelao rpida por 24 horas -17,7C. Queimaduras pelo frio ou por congelao Um dos principais problemas em carnes frescas congeladas (rins, fgado, carne de frango) a queimadura pelo frio. Consiste na desidratao da superfcie exposta com perda de cor. um processo de sublimao (em que o gelo muda para vapor) da gua da superfcie do produto durante o congelamento e armazenamento. A cor da superfcie tende a ficar descorada e, em condies de queimadura extrema ocorre superfcies amareladas e defeitos de textura (mole, esponjosa, apresentando partes emurchecidas). Associado com esta condio h uma mudana de sabor e odor, bem como perda de nutriente e de peso, podendo alcanar de 3 a 7%. Para evitar a queimadura

6

pelo frio deve-se utilizar embalagem prova de umidade durante o armazenamento. Escurecimento sseo O escurecimento sseo um estado induzido pela congelao e descongelao de frangos. Patos, gansos e galinhas raramente apresentam. Aps a congelao e descongelao, as reas musculares adjacentes aos ossos apresentam um aspecto escuro antes do cozimento. Durante o cozimento, a cor vermelha muda para marrom ou cinza, e em casos graves negra. A cor vermelha se deve hemoglobina presente na medula do osso, que relativamente poroso nas aves jovens. Durante o processo culinrio a hemoglobina se oxida dando a colorao escura. O escurecimento sseo no afeta o sabor, odor e textura, porm constitui um srio problema de aspecto. Realizando um pr-cozimento antes da congelao, reduz este problema. Rigor da descongelao O msculo congelado na fase de pr-rigidez origina um tipo de rigormortis mais acentuado que se desenvolve na fase de descongelao. Aps o descongelamento deste msculo, h encurtamento de at 40% do

comprimento original em poucos minutos, e a perda de peso por exsudao pode atingir 25% em seis horas, determinando uma dureza extrema carne. Este encurtamento denominado "contrao por descongelao", ou "rigor da descongelao". Ocorre da mesma forma que o encurtamento pelo frio e tem sua causa na liberao de ons clcio com presena de concentraes ainda elevadas de ATP. O armazenamento durante 100 dias a -20C da carne congelada em pr-rigor ainda produz o "rigor da descongelao".

7

Rancidez oxidativa o maior obstculo para o armazenamento de carne por longos perodos (Tabela 3). Carnes com elevadas quantidades de cidos graxos insaturados so mais suscetveis ao aparecimento de rancidez oxidativa, produzindo odores desagradveis. O sal atua como proxidante das gorduras.

4- Durabilidade da carne congeladaA durao do armazenamento da carne congelada varia com a espcie e com o tipo de produto e influenciada pela temperatura do congelador, pelas flutuaes da temperatura e pela qualidade dos envoltrios utilizados. De maneira geral, pode-se prolongar a vida de armazenamento de carne congelada, diminuindo a temperatura de armazenamento. A maioria das alteraes qumicas como a rancidez oxidativa poderiam ser eliminadas abaixando a temperatura -80C, porm tais temperaturas no so economicamente viveis. recomendado a utilizao de temperaturas inferiores -18C. A maioria dos frigorficos operam com temperaturas na faixa de -18 -30C. Flutuaes de temperaturas devem ser evitadas para reduzir a formao de grandes cristais de gelo e perdas por gotejamento. A durao de tempo em que a carne congelada pode ser armazenada mantendo qualidades aceitveis depende tambm do grau de saturao de graxa. Tendo em vista que a graxa de sunos e aves so mais insaturadas do que a de bovinos e ovinos, so tambm mais suscetveis s alteraes oxidativas (rano). Portanto, o tempo de armazenamento para carne de sunos e aves menor do que para bovinos e ovinos (Tabela 3). A

diminuio gradual do sabor e odor durante o armazenamento em congelao se deve em primeiro lugar a oxidao dos lipdeos. A durabilidade da carne depende tambm de processos ou tratamentos utilizados antes da congelao: cura, defumao, pr-cozimento, cortado em fatias ou cubos e presena de aditivos (Tabela 3). O sal fomenta o desenvolvimento da rancidez e os produtos processados que contm sal 8

possuem uma durabilidade limitada sob congelao. No recomendado congelar produtos curados e defumados, mas se j foram congelados, devero permanecer nestas condies por um perodo relativamente curto. Os produtos fatiados que contm sal (bacon) no devem ser congelados, porque o ar incorporado durante a fatiao e o efeito do sal, leva ao aparecimento de rano em poucas semanas. As novas exigncias da alimentao familiar tem determinado um aumento da produo de alimentos pr cozidos que se armazenam e distribuem em estado congelado. Os produtos pr-cozidos durante o armazenamento sob congelao desenvolvem o aroma de

superaquecimento e s vezes guardam relao direta com a temperatura e o tempo de aquecimento. Pode-se prolongar a vida sob congelao destes produtos crneos pr-cozidos utilizando invlucros e gases inertes como o nitrognio. A eliminao do oxignio na embalagem responsvel pelo maior perodo de armazenamento.

Tabela 3- Tempo mximo de armazenamento de carnes.

PRODUTO vaca ovelha suno (fresco) suno (curado)* fgado, corao, lngua** aves embutidos*** FORREST et al., 1979

-12 C 4 3 2 0,5 2 2 0,5

-18 C 6 6 4 1,5 3 4 2

-24 C 12 12 6 2 4 8 3

-30 C 12 12 8 2 4 10 4

* No recomendado congelar bacon em fatias; **No recomendado congelar crebro (miolo); *** No recomendado congelar certos embutidos e produtos de salsicharia.

9

5- DescongelaoA descongelao da carne pode ser efetuada com ar frio (em cmaras frigorficas ou refrigerador domstico), com ar levemente aquecido, com gua circulante ou microondas. A carne tambm pode ser submetida a preparao culinria sem ser descongelada. A quantidade de gotejamento depende do mtodo de congelao e descongelao bem como da temperatura da carne durante o armazenamento sob refrigerao e de suas flutuaes. Em um experimento realizado por HONIKEL & HAMM (1985), congelando com embalagem vcuo, amostras de carne por 4 dias a -25C (Figura 4), foi observado que aps 6 horas do descongelamento (temperatura a -1C), as amostras congeladas e descongeladas rapidamente apresentavam menor perda de suco exsudado, seguida pelas amostras de carnes submetidas ao congelamento rpido / descongelamento lento; congelamento lento /

descongelamento lento e congelamento lento / descongelamento rpido. Trs dias aps o descongelamento, a perda de suco foi menor nas amostras submetidas ao congelamento rpido / descongelamento rpido; seguida por congelamento lento / descongelamento rpido; congelamento rpido / descongelamento lento e congelamento lento / descongelamento lento. Os resultados demonstram, de forma sinttica, que a carne um material biolgico complexo, na qual qualquer variao experimental no resfriamento, congelamento e descongelamento pode apresentar resultados diferentes.

10

Figura 4 - Perda de peso aps o congelamento e descongelamento de amostras de carne bovina (HONIKEL, K.O. & HAMM, R., 1985). 1 - amostra sem congelar 2- congelamento rpido (5C/min.) e descongelamento rpido (1C/min.) 3- congelamento lento (0,05C/min.) e descongelamento rpido (1C/min.) 4- congelamento rpido (5C/min.) e descongelamento lento (0,03C/min.) 5- congelamento lento (0,05C/min.) e descongelamento lento (0,03C/min.)

6- RecongelaoA recongelao constitui outro fator problemtico, porque causa maiores alteraes nos tecidos e maior perda por gotejamento durante a descongelao. Ao arrastar nutrientes solveis em gua, reduz tanto o valor nutritivo como a qualidade sensorial. A recongelao no recomendada mesmo como uma medida para salvar o produto, principalmente se desconhecido o tempo e a temperatura que este produto foi mantido descongelado. BibliografiaCOLLIN, D. La carne y el frio. Madrid: Paraninfo, 1977. 199p. FORREST, J.C., ABERLE, E.D., HEDRICK, H.B., JUDGE, M.D., MERKEL, R.A. Fundamentos de ciencia de la carne. Zaragoza: Acribia, 1979. 363p. GIRARD, J.P. Tecnologa de la carne y de los productos crnicos. Zaragoza: Acribia, 1991. 316p. JASPER, W., PLACZEK, R. Conservacin de la carne por el fro. Zaragoza: Acribia, 1980. 131p. HONIKEL, K.O., HAMM, R. Enfriado, congelado y descongelado: aspectos coloidoqumicos de la calidad de la carne. Fleischwirtsch., espanl, v.1, p.46-53, 1985. LAWRIE, R. Cincia de la carne. Zaragoza: Acribia, 1984, 310p.

11

LAWRIE, R. Developments in meat science - II. London: Elsevier, 1985. 295p. NOSKOWA, G.L. Microbiologia de las carnes conservadas por el frio. Zaragoza: Acribia, 1978. 111p. ORTNER, H. The effect of chilling on met quality. Fleischwirtsch, Frankfurter, v.69, n.4, p.593-597, 1989. PRICE, J.F., SCHWEIGERT, B.S. Cincia de la carne y de los productos crnicos. Zaragoza: Acribia, 1994. 581p. ROA, R.O. Tecnologia da carne e produtos derivados. Botucatu: Faculdade de Cincias Agronmicas, UNESP, 2000. 202p. ROA, R.O., BONASSI, I.A. Temas de tecnologia da carne e produtos derivados. Botucatu: Faculdade de Cincias Agronmicas. 1981. 129p. (mimeogr.) ROA, R.O., BONASSI, I.A. Alguns aspectos sobre alteraes post-mortem, armazenamento e embalagens de carnes. In: CEREDA, M.P., SANCHEZ, L. coord. Manual de armazenamento e embalagens : produtos agropecurios. Piracicaba: Ceres, 1983. cap. 7, p. 129-152.

12