Role Zinho

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  • 8/12/2019 Role Zinho

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    JUVENTUDE EM MOVIMENTO

    O rolezinho da juventude nas ruas do consumo e do protesto Os rolezinhos levarampara dentro do paraso do consumo a afirmao daquilo que esse mesmo espao lhesnega: sua identidade perifrica. Se quando o jovem vai ao shopping namorar ou

    consumir com alguns amigos ele deve fingir algo que no , com os rolezinhos eleafirma aquilo que !por Renato Souza de Almeida

    Os jovens tm criado formas cada vez mais interessantes de manifestao. Desde asjornadas de junho de 2013 que levou s ruas milhares de brasileiros at oschamados rolezinhos que tambm vm colocando centenas em circulao seinstalou uma crise na anlise daqueles que insistiam em afirmar uma possvel apatiadessa gerao juvenil.Sair de rol... significa dar uma circulada despretensiosa pela vila ou pela cidade.

    possvel dar um rol de trem, de nibus ou a p. Geralmente, o rol est ligado ao lazer

    ou a alguma prtica cultural. Sai de rol o pichador, o skatista, o caminhante... O quevem chamando a ateno de muita gente como um simples gesto de sair e circular deforma livre tem ocupado um papel central nas principais mobilizaes juvenis na cidadede So Paulo nos ltimos tempos.

    No por menos que o estopim das manifestaes de junho foi a luta do MovimentoPasse Livre (MPL). O passe livre uma reivindicao em favor da possibilidade de darum rol sem que a catraca e o tributo que a acompanha possa impedir. Quando aPolcia Militar decidiu impedir o rol de uma pequena multido na Avenida Paulista(ainda antes de as manifestaes se alastrarem como chama pelo pas), alguns diasdepois uma imensa quantidade de pessoas tomou o Largo da Batata e seguiu de rol

    para a mesma Avenida Paulista, para o Palcio dos Bandeirantes e para muitas outrasruas da cidade. O direito a dar um rol foi a principal reivindicao daquele histricomovimento de junho de 2013.Quem no mais jovem e sempre morou nas periferias de So Paulo, com rarasexcees, vai se recordar que a rua era o espao por excelncia da sociabilidade, dolazer e da convivncia. Com a chegada do asfalto, vieram tambm muitos carros e seinstituiu como verdade o discurso de que a rua lugar perigoso e violento. Para muitosadultos, as polticas culturais s se justificam se for para tirar os jovens das ruas. Paraos jovens, ao contrrio, suas aes culturais s tm fora e sentido quando acontecem narua, no espao pblico.A condenao da rua como espao da violncia veio acompanhada da chegada dos

    shopping centers tambm s periferias. Muita gente vai ao shopping tentar encontrar umvazio deixado pelo fim das ruas. Para alm do consumo, busca-se num shopping umpasseio mais livre, solto, e a possibilidade de encontro com pessoas de fora do crculomais prximo, familiar. No entanto, esse encontro no acontece. Tampouco a livrecirculao. As pessoas s encontram uma multido sem rosto e corao nos dizeresdos Racionais MCs , e a circulao no interior do shopping no pode ocorrer de formalivre e espontnea. Ela tem regras claras e rgidas: os pobres podem circular peloshopping, contanto que finjam pertencer a outra classe social. Mesmo que circulem noshopping sem recursos para consumir, eles devem desejar consumir. Da mesma forma,os negros podem circular pelo shopping tranquilamente, desde que finjam ser brancosnas vestimentas, nos cabelos, no comportamento etc.

    Os rolezinhos em shoppings da periferia ou das reas abastadas , que se tornaramum fenmeno neste vero, tm caractersticas muito semelhantes com os pancades de

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    rua realizados de forma espontnea e congregam um nmero significativo de jovens quese renem, sobretudo, em torno da expresso cultural do funk. O polmico e famigeradofunk um dos principais mobilizadores dos jovens na metrpole paulistana. E um dossegredos da sua fora no est necessariamente no apelo sexual de algumas msicas ouna sua batida envolvente, mas na forma como ressignificou as ruas para esses jovens.

    No dia em que tem pancado, a rua nossa! E se a rua nossa, pode -se fazerqualquer coisa, inclusive no fazer nada... E, se o som de preto, de favelado e,quando toca, ningum fica parado, no h necessidade de fingir ser outra coisa, comoexigem os shoppings centers. Ao contrrio, um momento de afirmao dessa mesmaidentidade perifrica.

    Nesse sentido, estar no shopping no local que a sociedade estabeleceu para substituira rua bastante provocador. Os rolezinhos levaram para dentro do paraso doconsumo a afirmao daquilo que esse mesmo espao lhes nega: sua identidade

    perifrica. Se quando o jovem vai ao shopping namorar ou consumir com alguns amigosele deve fingir algo que no , com os rolezinhos ele afirma aquilo que ! E quando fazessa afirmao ele revela a contradio na lgica dos shopping centers. Ou seja, os

    rolezinhos pem por terra a aparente circulao livre e o espao aberto que os shoppingsdizem proporcionar. Quando o jovem afirma, por meio do rolezinho, sua identidade denegro e pobre, a contradio se evidencia e a polcia acionada, e to logo o paraso doconsumo e do prazer se revela como o inferno do preconceito racial e da violncia.Esses jovens que hoje mobilizam os rolezinhos so intitulados gerao shoppingcenter, consumista, por parte dos mais velhos. Porm, a prtica dos rolezinhos nosshoppings est revelando a contradio mais aguda desse espao que tentou tomar olcus simblico da rua. Nos rolezinhos, os jovens no so consumidores, mas

    produtores. Produzem um novo jeito de circular pelo shopping. Produzem uma prticacultural que se contradiz com esse lugar. Produzem contradio e desordem no sistema.E produzem uma nova gramtica poltica ao afirmar sua classe num espao que existe

    para neg-la. significativo que os rolezinhos nos shoppings se iniciem num momento em que um

    projeto de lei que proibia as festas de rua, sobretudo os bailes funks, apresentado porrepresentantes da bancada da bala, se encontrava para sano ou veto do prefeito. O

    prefeito vetou. Mas as ruas ainda esto longe de pertencer aos jovens. Por isso, osrolezinhos continuaram e aumentaram. Os jovens querem as ruas de volta. O pancado s um exemplo dessa demanda. Para demonstrarem que o desejo dos shoppings deassumir o lugar da rua fracassou, os jovens resolveram levar a rua para dentro dos

    prprios shoppings e escancararam a luta de classes na cidade. como se o povo noestivesse mais na rua para exigir seus direitos. A prpria rua virou um direito que esses

    jovens exigem.Uma das respostas encaminhadas pelo governo federal por conta das manifestaes dejunho foi a aprovao, no ms de agosto, do Estatuto da Juventude. Entre os novosdireitos apontados em seus artigos, alguns enfatizam a importncia da circulao emobilidade dos jovens, seja no espao urbano ou no campo. Esse direito, ao lado dodireito produo cultural e da ampliao dos espaos pblicos de lazer, est no centrodas reivindicaes dos jovens, seja nos rols nos shoppings ou nas jornadas das grandesavenidas.

    Renato Souza de Almeida

    Mestre em Antropologia, professor da Faculdade Paulista de Servio Social (Fapss), assessor doInstituto Paulista de Juventude (IPJ) e coordenador do Programa de Valorizao de IniciativasCulturais (VAI) da Secretaria Municipal de Cultura de So Paulo.