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Guilhermino “Bambino” 54 anos português vive há 39 anos na Mouraria AGOSTO — DEZEMBRO · 2012 ASSOCIAÇÃO RENOVAR A MOURARIA WWW.RENOVARAMOURARIA.PT DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Rosa Maria 04

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Jornal do bairro da Mouraria, editado pela ARM. Direcção de arte: Armanda Vilar

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Guilhermino “Bambino”54 anosportuguês vive há 39 anos na Mouraria

AGOSTO — DEZEMBRO · 2012 ASSOCIAÇÃO RENOVAR A MOURARIAWWW.RENOVARAMOURARIA.PTDISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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Novo mapa propostoFreguesias actuais

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Mouraria

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Freguesiade Santa Maria

Maior

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Nova Freguesia

Parque das Nações

Freguesias que se fundem numa nova

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S. Francisco Xavier + BelémCampo Grande + S. João de Brito + AlvaladeAlto Pina + S. João de DeusS. Sebastião da Pedreira + FátimaSanto Condestável + Santa IsabelS. Mamede + S. José + Coração de JesusAnjos + Pena + S. Jorge de ArroiosS. João + Penha de FrançaS. Vicente + Graça + Santa EngráciaMártires + Sacramento + S. Nicolau + Castelo + Madalena + Santa Justa + Sé + Santiago + S. Miguel + S. Cristóvão e S. Lourenço + S. Estevão + Socorro Mercês + Sta Catarina + Encarnação + S. PauloLapa + Santos + PrazeresCharneca + Ameixoeira

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Freguesias que se mantêm

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S. Domingos de Ben�caBen�caCampolideAjudaAlcântara

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PenaSão José

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Sacramento

EncarnaçãoSantaCatarina

Mártires

São Paulo

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Santiago

São Vicente de Fora

Graça

SantoEstevão

São Cristóvãoe

São Lourenço

Cidade de Lisboa84,4 km2

GRANDES NÚMEROS

Residentes

Famílias

Edifícios habitacionais

Alojamentos

564 657

234 451

53 387

293 162

Sta Maria Maior4,1 km2

GRANDES NÚMEROS*

Residentes

Famílias

Edifícios hab.

Alojamentos

*Dados relativos à proposta de Unidade de Gestão,referentes a 2001, apurados com base

em sub-secções estatísticas do Instituto Nacional de

Estatística (INE)

Fonte: Bases para um Novo Modelo de Governação da Cidade de Lisboa (CML) Infogra�a: Paulo Oliveira

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N

2 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

reportagem

A dança das freguesias

texto Ana Filipa Fernandes e Nuno Franco

infografia Paulo Oliveira

O veto do Presidente da República à reforma administrativa de Lisboa é mais um episódio na já longa novela da reorganização das freguesias na cidade. A proposta prevê grandes mudanças e por isso mesmo gera ódios e paixões. Pelo meio há falta de informação entre os moradores. No mapa proposto, a Mouraria iria juntar-se a Alfama, Castelo e Baixa. Doze freguesias numa só: Santa Maria Maior.

Em Julho de 2011, e quase sem discussão pública, foi votado o projecto da reforma admi-nistrativa de Lisboa, reforma essa que já não se fazia há

mais de 50 anos. Entre diálogos e mani-festações, e após a Assembleia Municipal ter aprovado por maioria (em Abril deste ano) o projecto-lei sobre a reorganização administrativa da capital, o Presidente da República decidiu, a 24 de Julho passa-do, não promulgar e devolver o diploma à Assembleia da República. Cavaco Silva pediu que sejam “esclarecidas todas as dúvidas” sobre os limites territoriais dos concelhos de Lisboa e de Loures e deixa ainda uma crítica à forma como o proces-so foi desenvolvido, frisando que “a qua-lidade e o rigor na produção das leis são um imperativo da maior importância”.

O veto do Presidente da República é mais um episódio deste processo, que há muito se arrasta e promete estar para durar.

Segundo a proposta apresentada pela Câmara Municipal de Lisboa, esta refor-ma pretende enfatizar os princípios de descentralização e de valorização do po-

der local, ambicionando dotar as fregue-sias de mais competências e meios ade-quados. De acordo com o documento, passariam a ser competências das juntas a limpeza das vias e dos espaços públi-cos, a atribuição de licenças de ocupação do espaço público, a gestão de equipa-mentos sociais, a promoção de projectos de intervenção comunitária e apoio a actividades culturais e desportivas, en-tre outras.

Sob o mote de que mais competên-cias e meios requerem unidades políticas de maior dimensão, surge a proposta de um novo mapa da cidade. Das actuais 53 freguesias, Lisboa passaria a ter 24, com o objectivo de equilibrar a dimen-são populacional das várias freguesias, eliminando-se assim discrepâncias en-tre freguesias com 400 eleitores e outras com 45 mil.

12 freguesias numa sóQuanto à realidade da Mouraria, e de acor-do com a proposta inicial, sugere-se que as freguesias do bairro se fundam com as circundantes, fazendo convergir 12 fre-guesias numa só, baptizada com o nome

d e Santa M a r i a Maior. Este espaço, que agre-garia cerca de 14 mil eleitores, incluiria as actuais freguesias do Sacramento, Santa Jus-ta, Santiago, São Cristóvão e São Lou-renço, Socorro, São Miguel, Mártires, São Nicolau, Sé, Madalena, Castelo e Santo Estevão.

Com esta reorganização do território, Alfama perde quatro freguesias, o Caste-lo, a freguesia que lhe dá nome, a Mou-raria fica sem duas freguesias e a zona da Baixa vê desaparecerem cinco.

Durante o período de consulta e dis-cussão da proposta, pouca movimen-tação houve entre os cidadãos. No dia da sessão para discussão pública pro-movida pela Assembleia Municipal, o espaço para o público encontrava-se vazio e o tempo foi ocupado a esgrimir opiniões contrárias, ficando questões fundamentais sem resposta, ou melhor, sem formulação.

Esta junção de freguesias não é pacífi-

ca, prin-cipalmen-

te no interior dos partidos. A

previsível bipolari-zação do voto é uma das

razões que motiva mais críticas. Sur-giram há meses, um pouco por todo o lado, cartazes, pancartas e bandeirolas reclamando contra esta mudança. Um grupo de cidadãos fez circular um abai-xo-assinado que já recolheu um número considerável de assinaturas.

Dúvidas e certezas dos presidentes de juntaPor outro lado, alguns presidentes de junta, mais ou menos conformados, reclamam uma mudança, mas com menos ambição. Manuel Medeiros, presidente da Junta de Freguesia de Santa Justa (PS) não esconde as suas inquietações. Embora reconheça al-gum sentido numa nova distribuição de competências entre a Câmara Mu-nicipal e as juntas de freguesia, não lhe parece aceitável a junção de mais do que cinco freguesias.

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S. Francisco Xavier + BelémCampo Grande + S. João de Brito + AlvaladeAlto Pina + S. João de DeusS. Sebastião da Pedreira + FátimaSanto Condestável + Santa IsabelS. Mamede + S. José + Coração de JesusAnjos + Pena + S. Jorge de ArroiosS. João + Penha de FrançaS. Vicente + Graça + Santa EngráciaMártires + Sacramento + S. Nicolau + Castelo + Madalena + Santa Justa + Sé + Santiago + S. Miguel + S. Cristóvão e S. Lourenço + S. Estevão + Socorro Mercês + Sta Catarina + Encarnação + S. PauloLapa + Santos + PrazeresCharneca + Ameixoeira

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Cidade de Lisboa84,4 km2

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Sta Maria Maior4,1 km2

GRANDES NÚMEROS*

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Famílias

Edifícios hab.

Alojamentos

*Dados relativos à proposta de Unidade de Gestão,referentes a 2001, apurados com base

em sub-secções estatísticas do Instituto Nacional de

Estatística (INE)

Fonte: Bases para um Novo Modelo de Governação da Cidade de Lisboa (CML) Infogra�a: Paulo Oliveira

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Agosto — Dezembro, 2012 — 3 罗萨玛丽亚

O executivo da junta emitiu um pare-cer desfavorável relativamente à reforma proposta. Manuel Medeiros entende que “a vastidão e heterogeneidade dos ter-ritórios que a futura freguesia de Santa Maria Maior ambiciona incluir é de difícil integração, não se adequando às neces-sidades e interesses das populações em causa, com o principal risco da perda da gestão de proximidade até aqui criada”.

Além da perda da proximidade entre eleito e eleitor, as inquietações do presi-dente prendem-se com questões de fun-do, como a localização da sede, a inexis-

tência de infraestruturas adequadas na área da futura Santa Maria Maior, a pró-pria delimitação e futuro do património de cada junta, para não falar da afectação dos recursos humanos.

Haverá a descentralização de serviços pela área da nova freguesia, no sentido de atenuar a quebra de proximidade? A localização da sede vai reflectir esta preo cupação? Questões que permane-cem até ao momento sem resposta.

Os moradores perguntam ao pre-sidente para onde é que ele vai ou “onde posso assinar a petição contra a reforma?”

Já Maria João Correia, presidente da Junta de Freguesia do Socorro (PS) é uma entusiasta da ideia: “As freguesias tal qual existem hoje estão completa-mente desenquadradas da realidade de Lisboa. Não se trabalha para 200 pesso-as da mesma forma que se trabalha para três mil, sete mil ou 10 mil. Temos de pensar noutra escala.” A autarca desva-loriza o veto presidencial - “ teve a ver com o mapa, que ia errado” - e acredi-ta que a reforma administrativa “é uma questão de tempo”.

A falta de informação dos moradoresQuando questionados sobre a possível junção das freguesias, os moradores do bairro não escondem a sua preocupação e reclamam informação. “Vai dar muito mais trabalho aos moradores porque as coisas não estão estruturadas. Há infor-mação, mas não há brochuras”, adver-te José Graça, 66 anos. Este morador da

freguesia de São Cristóvão acredita que, com a implementação des-ta reforma, “o atendimento vai ficar mais complicado”.

A localização, até agora indefinida, da sede da futura freguesia não deixa nin-guém tranquilo. América Mendonça, 80 anos, questiona: “Agora vai ser muito complicado. Como é que eu vou à jun-ta lá em cima?” Preocupação partilhada por Maria José Luís, 68 anos, moradora no Socorro: “Espero que a nova junta de freguesia não seja na Graça, porque é muito longe.”

Ninguém fica indiferente ao futuro que esta reforma antevê, nem os que se socorrem da junta para atestados, licen-ças e outros apoios, nem os que sentem que “esta junta não lhe tem servido para nada”, e muito menos os que vêem nesta reforma uma melhoria no desempenho e rigor do poder local.

Mas a contestação foi bem visível, por exemplo, no passado dia 31 de Março. Uma manifestação convocada pela Asso-ciação Nacional de Freguesias juntou 200 mil pessoas de todo o país, e dos mais di-versos sectores sociais e políticos, num sonoro protesto, o que confirma a falta de consenso que esta reforma adminis-trativa traz consigo.

Não se trata apenas de uma transfor-mação na configuração administrativa da cidade ou na resposta diária às ne-cessidades da população. Sendo uma freguesia muito mais do que uma área funcionalmente delimitada, levanta-

se a questão da sua matéria pri-

mordial – os mora-dores – e da percepção

emocional que estes têm do lugar. “Acho que não se perde a iden-tidade”, defende Maria João Correia. “As pessoas da Mouraria não deixam de ser da Mouraria. As de Alfama não deixam de ser de Alfama. Também não vai passar a haver uma marcha [popu-lar] de Santa Maria Maior. A reforma administrativa tem só a ver com com-petências”, acrescenta.

Serão os moradores capazes de reco-nhecer o seu lugar pelo novo nome ou permanecerá o Socorro ou São Cristóvão como nomes de uma identidade estabe-lecida? “As pessoas vão aceitar a nova junta de freguesia”, acredita José Graça. Para Maria José Luís, é “uma questão de a pessoa se habituar à nova freguesia”.

Poder-se-á gerar alguma aproxi-mação entre freguesias até então in-diferentes ou vão acentuar-se fissuras e rivalidades?

O tempo o dirá. Certo é que o veto do Presidente da República, embora por ra-zões alheias à Mouraria, foi bem acolhido no bairro.

O assunto está agora nas mãos dos deputados. Ana Catarina Caldeira

. Nota:—.:.—

O mapa aqui reproduzido foi ela-borado antes do veto presidencial

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crónica notícias4 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

PARTIR/CHEGARSusana Moreira Marques jornalista

1. Porque vivo perto do rio e ouço diariamente os barcos, fa-cilmente fico obcecada com a ideia de partir de Lisboa. Foram sempre outras as cidades que me pareceram portos de chega-da. Quando vim do Porto em 1994 – ano de Lisboa capital eu-ropeia da cultura, início de uma era –, Lisboa não me parecia o ponto de chegada mas o ponto de partida: para um mundo maior que existiria algures, além da barra do Tejo, mas que pa-recia não estar ao meu alcance sem primeiro passar por aqui.

2. Em 2005, ano de atentados terroristas no metro, final de uma era, cheguei àquela que era a cidade mais cosmopolita da Europa. “Chegar” era o verbo que definia Londres: bastava chegar para se sentir que se tinha feito uma conquista. Ao final de cinco anos, ainda não tinha acabado de chegar; e ainda que tivesse ficado em Londres, como milhões de outros imigrantes, talvez nunca acabasse de chegar.

3. Qualquer um pode sentir-se exilado quando volta para a sua terra; e até um povo inteiro, em determinado momento, se sente exilado na sua terra. Sinto-me frequentemente expatria-da mas a culpa talvez não seja de Lisboa mas minha. Em 2010, esperei encontrar Lisboa como a tinha deixado, ligeiramente aborrecida mas confortavelmente previsível. Não esperei en-contrar uma Londres em escala mais pequena, onde “chegar” tinha passado a ser um verbo fundamental para milhares de pessoas que entretanto se tinham lançado a modificar a cida-de sem autorização. As línguas diferentes, os rostos diferen-tes eram-me estranhos e simultaneamente familiares. Seriam também familiares à própria cidade, trazendo memórias muito distantes, de quando Lisboa era ainda um centro no mundo, circa século XVI.

4. Em Londres, quando vivia no bairro de Whitechapel, ob-servava os muçulmanos mais idosos entrarem e saírem da grande mesquita, sentarem-se de cócoras ao longo do mercado na rua principal vendo passar o final do seu tempo, e pensava que não era, Londres, uma boa cidade para velhos. Em Lisboa, recentemente, fui convidada para uma festa, não muito longe de minha casa, onde não havia quase brancos e ninguém mais velho do que eu – as adolescentes tinham-se vestido a precei-to, os rapazes ensaiavam truques de dança junto do palco im-provisado, e a energia era tanta que não se percebia como é que podia estar contida num pequeno quintal junto da Mouraria. Es-távamos em 2011, ano zero do mal-estar europeu, e já era óbvio que não era esta a melhor cidade para jovens, ainda menos para jovens que não fossem brancos. Esse muro que fechava o quin-tal, ainda que deixando passar a música, tinha já a aparência de uma fronteira e seria difícil viver de um lado e do outro.

5. 2012. Lisboa será a cidade de nascimento da minha filha e parece-me que já estão ligadas e que devo ter sonhos para a cidade como tenho para ela. Sonho então que no dia em que ela quiser partir para o mundo, o mundo quererá chegar a Lisboa. Para isso, é preciso primeiro ter uma utopia da qual ser capital. Sem se querer definir facilmente, sem saudosismos, a cidade vibrante e ambiciosa começará na Mouraria.

2011. No futuro, o local irá acolher um espaço para crianças, jovens e idosos, numa extensão da Junta de Freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço. No início houve o acompanhamento, por parte destes profissionais, da demolição de pequenos edifícios de habitação e da decapagem mecânica dos níveis de aterro superficiais. A esta fase, seguiu- -se uma de escavação arqueológica manual, numa área de 80 m2. Em relação ao que foi descoberto durante estas fases, há a salientar várias estruturas em pedra, possivelmente da época moderna (entre meados do século XV e o século XVII) e contemporânea. Entre outras descobertas, destaca-se o espólio cerâmico, nomeadamente uma grande quantidade de faiança, cerâmica comum e vidrada. Parecem existir alguns materiais da época medieval islâmica mas, antes de poder afirmá-lo com certeza, é necessário avaliar as peças.O trabalho neste largo continua, com o acompanhamento das escavações mecânicas, uma vez que não foi possível escavar toda a área manualmente, por motivos de segurança.

Espaços públicosAs intervenções nos espaços públicos são variadas e abrangem o adro da Igreja do Socorro, a Rua Marquês de Ponte de Lima, a Rua João do Outeiro, o Largo da Rosa, a Rua das Farinhas, o adro da Igreja de S. Cristóvão e o Beco dos Surradores. Os arqueólogos da Era – Arqueologia, Conservação e Gestão do Património explicam que nas cotas de afectação da obra, isto é, nas profundidades até às quais é permitido escavar, já houve um revolvimento do solo, por exemplo para instalar condutas de água e gás. Isto faz com que tudo o que seja encontrado esteja já bastante revolvido, o que dificulta a contextualização e datação do material que tem sido encontrado, nomeadamente pedaços de cerâmica e azulejos. É, no entanto, possível afirmar que serão objectos posteriores ao terramoto de 1755. No adro da Igreja do Socorro não foi encontrado nada, nem na Rua João do Outeiro, mas no Beco dos Surradores foram descobertas duas ou três estruturas destruídas que serão provavelmente restos de edifícios do século passado. As sondagens de diagnóstico prévio às obras permitiram identificar ossadas no adro da Igreja de S. Cristóvão e esqueletos no Largo e Rua da Achada, mas neste momento não estão a ser feitas intervenções nesses locais. Na altura dos procedimentos preliminares foi identificado um pedaço da Muralha Fernandina na Rua de Marquês Ponte de Lima, achado este que levou a que se alterasse o local de passagem de uma conduta. MD

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Achados arqueológicos na Mouraria

Há história na Mouraria. As obras de requalificação que estão a ter lugar no bairro, ao abrigo do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), não estão só a dar nova vida aos edifícios e às ruas desta zona da cidade. Estão também a permitir a descoberta de importantes achados arqueológicos nos terrenos intervencionados. Os arqueólogos do Museu da Cidade, da Era – Arqueologia, Conservação e Gestão do Património e da Neoépica – Arqueologia e Património estão a realizar escavações em locais como a Casa da Severa, o Largo dos Trigueiros e vários locais públicos e as descobertas são a prova de como a Mouraria pertence a uma “área de potencial valor arqueológico elevado”, tal como descrito no Plano Director Municipal de Lisboa.

Casa da SeveraOs arqueólogos do Museu da Cidade descobriram, ao lado da Casa da Severa e no seu interior, estruturas relacionadas com uma construção que provavelmente remonta ao século XII, altura em que foi criada a Comuna da Mouraria através do foral concedido por D. Afonso Henriques. A estrutura terá sofrido remodelações em séculos posteriores. Está previsto que seja derrubada e que no seu lugar seja criado o Sítio do Fado. Para além desta habitação, foram ainda descobertos alguns pedaços de cerâmica e metais. Os arqueólogos acreditam que a Mesquita Pequena que existia na Mouraria estaria localizada nas imediações deste espaço. A validar esta tese está o facto de ter sido descoberta, há alguns anos, uma pia de abluções na Rua João do Outeiro, que está em exposição no Museu da Cidade.

Largo dos TrigueirosO trabalho no número 10 deste largo tem estado a ser conduzido pelos arqueólogos da Neoépica – Arqueologia e Património desde Novembro de

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Agosto — Dezembro, 2012 — 5

DANÇAS COM SONHOSBaptista-Bastos jornalista e escritor

«Nunca deixes de sonhar», disse o Velho. «E, sobretudo, nunca deixes que te roubem os sonhos.» Estavam sentados junto ao rio, num isolado banco de ma-deira que escapara à demolição do armazém. Era um bom local para se observar o movimento dos vapores a rumar, incessantemente, de uma para a outra mar-gem. O Rapaz, junto ao Velho, seguia, com o olhar, as viaturas que circulavam na ponte, deixando um ruído cavo. Quase de minuto a minuto, um avião aproxi-mava-se do aeroporto. Contou alguns, até que o número deixou de o interessar. O céu apresentava nuvens largas e claras. Algumas formavam cirros: pareciam flocos de algodão, e dava gosto vê-los.

«Os antigos diziam que, quando as nuvens se juntam assim, significa que, amanhã, há sardinha», disse o Velho.

O Velho estava, aparentemente, muito feliz. A barba rala, a boca desdentada, os olhos miudinhos e vivos, o sorriso arteiro e malicioso reflectiam o grau de contentamento interior. Colocara a cana de pesca com destreza, prendera-a a uma pequena argola de ferro, aguardava que o peixe picasse. O Rapaz sentara-se junto a ele, trazia um jornal desportivo, preparava-se para o ler, apreciava o si-lêncio. O Velho cumprimentara-o imediatamente ao sentar-se. «Estudas ou tra-balhas?», perguntou o Velho. «Nem uma coisa nem outra.» Não demonstrava empenho em esclarecê-lo. No entanto, simpatizava com o interlocutor. «E o se-nhor, que faz?» Entrava na barra um transatlântico: soberbo, imponente. «Pes-co e sonho», disse o Velho. «Sobretudo, sonho.» Soltou um risinho, ergueu-se do banco, perscrutou a linha de pesca; depois, detidamente, as águas do rio.

«O sonho é uma mentira que nos conta uma verdade», disse. Voltou a sentar-se e, como se percebesse o que estava para lá do visível, foi dizendo: «Quando não estou bem deixo logo se sonhar. Ah!, e que coisas sonho? Ora, que sou um aventureiro nos mares da China, que piloto um avião cheio de miúdos, o avião avaria-se mas eu consigo salvar os miúdos. Também sonho muito com mulheres. Com as que tive e com aquelas que amei longamente e à distância. Às vezes, contemplo as raparigas, sobretudo na primavera, e as raparigas, na primavera, desabrocham, não sei se me faço entender, desabrocham e é um regalo vê-las como flores em botão, um regalo! Mas depois envergonho-me. Sou velho e envergonho-me.»

O Rapaz sorri, levemente irónico, está agora curioso com a conversa. Per-gunta: «A velhice dói? É triste envelhecer?» Silêncio; depois: «Há tristezas muito maiores.» «Quais?» «A morte dos outros.»

Neste momento três homens e uma mulher passam a correr no molhe, sal-tam por cima da cana de pesca, vão ofegantes. A mulher tem para aí quaren-ta anos, ancas largas, seios fortes. O Velho examina-a. «Bela mulher», diz. «Aquilo é que é uma mulher. Agora, são muito magras, não achas?» O Rapaz não acha. O Rapaz acha que a mulher a correr é uma mulher muito gorda e que as mulheres devem ser secas. O Velho encolhe os ombros, desdenhoso. Diz: «Sempre gostei muito de mulheres. E por gostar muito de mulheres, sentia, por vezes, a necessidade de gostar de mais do que de uma mulher. Agora, agora é só olhar. E sonhar, bem entendido.»

Há imenso tempo que passava o tempo naquela parte onde o rio forma uma laçada. Descia a calçada, logo após o almoço, aprontava os bretes para os pás-saros e a cana para os peixes, dormitava. Épocas houve em que se estendia à sombra dos ulmeiros, os peixes picavam, os pássaros caíam na armadilha, e ele não ligava nenhuma, ficava assim, a sentir o céu, as brisas que evolaram perfu-mes a salsugem e das flores silvestres. Depois, o baldio foi alterado: demolições e construções novas, discotecas e bares e restaurantes.

O mundo mudava e aqueles territórios que lhe pertenciam deixavam de pos-suir qualquer significado pessoal. E, então, assaltavam-no as saudades de locais onde nunca estivera, de épocas antiquíssimas em que não vivera. Todos os seus tinham morrido, muitos deles antes do tempo normal. Fazia-lhe falta, a mulher: até das suas quezílias mortificantes e árduas. E entendera que a mulher é a me-tade de qualquer coisa que se ignora mas que se procura.

«O peixe está a picar», avisou o Rapaz.Ergueu-se pesadamente, puxou a linha, tirou o peixe do anzol, jogou-o ao rio,

ficou a esquadrinhar a corrente ligeira das águas. Voltou a sentar-se:«Faz-se tarde», disse. O Rapaz olhou-o:«Dormitou um bocadinho.»O Velho arrumou os apetrechos de pesca, guardou os bretes num saco de

lona, voltou-se e disse:«Não te esqueças: quando os sonhos se negam a ir-se embora, baila com eles.»O transatlântico rumava para o Mar da Palha.

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Carlos Nunes Wrestling Team em 3º lugar no lugar no Campeonato 2011

A Carlos Nunes Wrestling Team - da secção de Lutas Olímpicas do Grupo Desportivo da Mouraria - classificou-se em 3º lugar no Campeonato Nacional de Equipas 2011, no passado mês de Março. Encontram-se já abertas as inscrições para o próximo ano. Os interessados (a partir dos seis anos) poderão escolher um dos seguintes horários: 3ª, 5ª ou 6ª feira, das 18h30 às 20h. A secção de Lutas Olímpicas inclui as modalidades luta greco-romana, luta livre olímpica e grappling-submission. Contactos: Travessa da Nazaré, nº 9, tel.: 218 870 058 / tlm.: 962 819 832; [email protected]

Mural de histórias do fado

Os prédios que ladeiam as Escadinhas de S. Cristóvão estão mais vivos e alegres. A intervenção foi dinamizada pelo Movimento Os Amigos de S. Cristóvão (MASC), um grupo de seis amigos que moram na Mouraria. O resultado foi um mural concebido por vários artistas - Hugo Makarov Martins, Mário Belém, Nuno Saraiva, Pedro Soares Neves, União Artistas do Trancão e Vanessa Teodoro - cuja inspiração se baseou em fotografias da Noite de Fado Vadio, iniciativa também dinamizada pelo MASC, em Outubro de 2011, que possibilitou angariar fundos para o projecto. No mural estão pintados excertos de fados populares e cruzam-se figuras do passado (como a Severa

e o fadista Fernando Maurício) com algumas pessoas da comunidade: a D. Elvira Igrejas, o Sr. Franklin e o pároco Edgar Clara. Para realizar esta intervenção no bairro, foi necessária a autorização da EPUL (Empresa Pública de Urbanização de Lisboa), entidade à qual pertencem os prédios cujas paredes foram pintadas, e a obtenção de licenças por parte da Junta de Freguesia de S. Cristóvão e S. Lourenço. As Tintas CIN também apoiaram o projecto.Os elementos do MASC apelaram à participação da comunidade, convidando a população a trazer uma trincha ou um rolo e a juntar-se ao grupo de artistas e dinamizadores. NF

Martim Moniz terá novo centro de saúde

A previsão é de que abra portas durante 2013 e sirva a Mouraria e toda a zona da Baixa de Lisboa.A Unidade de Saúde do Martim Moniz tem uma área de mais de mil metros quadrados e estará localizada no piso térreo do empreendimento “Residências do Martim Moniz”, da responsabilidade da EPUL (Empresa Pública de Urbnaização de Lisboa).Terá capacidade para atender cerca de 18 mil cidadãos, a maior parte constituída pelos actuais utentes da Extensão de Saúde de São Nicolau, e por utentes de outras unidades envelhecidas da zona. Ao nível dos cuidados de saúde primários, a população da Mouraria é servida pelo Centro de Saúde da Graça, e pela extensão de São Nicolau.

A assinatura do contrato promessa de compra e venda do equipamento entre a EPUL e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo decorreu a 29 de Junho. A cerimónia contou com as presenças do ministro da Saúde, Paulo Macedo, e do presidente da autarquia, António Costa.De acordo com as declarações feitas na cerimónia oficial, a nova unidade custará cerca de dois milhões de euros.A Unidade do Martim Moniz é um dos sete novos centros de saúde que irão ser construídos em Lisboa nos próximos anos. NF

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6 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

sabia que…

Originalmente no nº 50 do Poço do Borra-tém, actualmente no nº 25, há mais de 53 anos encontramos o Hospital das Camisas. José e Fátima Aguiar recebem o Rosa Maria com atenção e solicitude. No R/C à entra-da, escadas em pedra dão um ambiente de frescura, fazendo imediatamente esquecer o pó das obras e o guindaste que tomaram de assalto a rua, escondendo este hospital

por entre andaimes e redes de protecção. É acolhedor e familiar.

O comentário de um cliente originou o original nome. Ao renovar uma camisa na Rovil, fábrica de camisas e fardamentos, árvore da qual brotou este ramo, o senhor exclamou com satisfação: “isto é um au-têntico hospital das camisas!”

José Aguiar passou grande parte da sua

vida na Mouraria. Veio de Braga ainda na mocidade e reside há 53 anos em Lisboa. Recém-chegado respondeu a dois anún-cios de emprego: um para os armazéns do Chiado e outro para a Rovil, acaban-do por ficar nesta última. Começou bem cedo por angariar clientes de loja em loja e porta-a-porta pela Baixa e arredores, praticamente sem conhecer a cidade de Lisboa. Divulgação, publicidade e o que hoje se chama marketing. “Trazia grande carteira de encomendas!”, comenta com orgulho. Funcionário da Rovil, ascende a proprietário após a doença do patrão, que lhe propõe que tome as rédeas do negó-cio. Fundada em 1950, partilha o pátio com a Junta de Freguesia de S. Justa, e tem na confecção e nos arranjos as prin-cipais actividades.

E talvez por a camisa ser uma peça de roupa transversal a todas as classes so-ciais, profissionais, rurais ou urbanas e estados de espírito, na lista de utentes

Hospital muito peculiar trata saúde de camisas

reportagem

texto Diogo Paetafotografia MG de Saint Venant

deste hospital figuram nomes sonantes como Artur Agostinho, Costa Gomes ou Fernando Pessa. Nos tempos áureos ha-via muita e ilustre clientela, de políticos a futebolistas.

De kalasiris a camisaEsta peça de vestuário fundamental acompanha-nos desde a antiguidade egípcia. A camisa como hoje a conhece-mos, terá sido o resultado da evolução da kalasiris, espécie de túnica usada pe-los dois sexos, talhada em círculo, en-fiada pela cabeça e caindo em pregas até ao tornozelo. Por sinal, indumentária bem visível e actual, nas culturas mu-çulmanas que têm nesta zona da cidade sítio de eleição. Numa época em que a massificação de lojas de pronto-a-vestir introduzem a ne-cessidade de mudança quase automática do guarda-roupa, em tempos não muito distantes, virar fatos, colarinhos e pu-nhos de camisa eram prática constante. Havia inclusivamente peças de vestuário que transitavam para a geração seguinte. “Antes era mais a procura, filas intermi-náveis à porta e 10 costureiras internas a trabalhar arduamente”, recorda José Aguiar, contando também que hoje ape-nas tem 3 costureiras externas.

Mas se o hábito se perdeu, de vez em quando lá aparece quem queira recupe-rar uma peça velha. E se a crise coloca a economia numa camisa de 11 varas, pela quantia de 11,50€ arranjos de colarinho e punhos, dão uma vida nova à nossa melhor camisa.

Esta personalização é um dos factores determinantes da clientela que procura os engenhos do casal Aguiar. Para além dos clientes também já receberam ou-tro tipo de solicitações. Conta o Sr. José que a denominação de Hospital já ori-ginou situações curiosas: “já recebi na loja candidaturas de pessoal de enfer-magem”, conta entre sorrisos. “Assim como certa vez alguém me perguntou: ‘o que fazem às radiografias?’” De mo-mento vai estando assegurada a recupe-ração saudável, e o melhor tratamento para as camisas mais combalidas.

No Beco das Farinhas, um livro esculpido na pedra, marcava a fronteira entre São Lourenço e São Cristóvão? Colocado em 1770 (MDCCLXX), o baixo relevo em forma de livro aberto tem a capa e a contracapa viradas para o Beco. Em letras cuneiformes, podemos ler no seu portugês ar-caico: FREGª DE S CHRISTOUAO (no lado esquerdo) e FREGª DE S LOURENCO (no lado direito). Este artístico e original marco administrativo marcava a linha

divisória entre as paróquias de S. Lourenço e S. Cristóvão, cuja funda-ção remonta ao século XIII. As duas partes do livro parecem funcionar como pontos de orientação: para norte, as terras do antigo Morgado de

S. Lourenço e para sul S. Cristóvão com a sua grande igreja. Com 242 anos, o velho livro ainda resiste ao tempo e aviva-nos a memória sobre as paróquias fundadoras da cidade de Lisboa. Pedro Santa Rita

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Agosto — Dezembro, 2012 — 7

reportagem

texto Samuel Alemãofotografia Armanda Vilar

A fé de Maria (nome fictício), 42 anos, é maior do que apenas aquela resumida num velho exemplar de bolso da Bíblia, amarrotado e cheio de nódoas, que ela vai lendo a pouca distância da sua cara franzida e envelhecida. Sentada numa parte do andaime que cobre um prédio em reabilitação, numa esquina no cora-ção do Intendente, espera que o final da manhã de quarta-feira lhe traga algum cliente. Esta ex-ajudante de cozinha do Hospital Curry Cabral dedica-se à pros-tituição, há um ano e meio, desde que a empresa prestadora de serviços com a qual tinha vínculo a dispensou. Ela gostava mesmo que fosse concretizado o anunciado projecto de abertura, na Mouraria, da safe house (“casa segura”). Agora denominado In Mouraria, será um espaço para integração social de mulheres com percursos semelhantes – para isso, beneficiarão de apoio psicológico, de saú-de, jurídico e formação e inserção social. “Era uma forma de ajudar as pessoas que andam nesta vida”, diz Maria sobre a ideia, tornada pública em Fevereiro e que deverá ter instalações no rés-do-chão de um dos novos blocos de apartamentos da EPUL, no Martim Moniz, até ao fim do ano.

PolémicaAntes disso, a polémica ofuscou o essen-cial. Tudo por causa de uma palavra: bor-del. Foi a sua menção pela comunicação social, aquando do estudo da criação da safe house, que veio turvar uma ideia lançada por duas instituições, a Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor (OSIO) e o Grupo Português de Activistas sobre Tratamento do VIH/SIDA (GAT), no âmbito do Programa de Desenvolvimento Comunitário da

Mouraria. Entre as múltiplas valências anunciadas do novo centro de apoio co-munitário a mulheres e homens - que já começou a funcionar provisoriamente nas instalações da OSIO, na Rua Antero de Quental -, uma saltou à vista de mui-tos: a possibilidade de as mulheres ali po-derem realizar a sua actividade, evitando assim todo o risco e desconforto decor-rentes da prática nos moldes actuais. Uma forma de eliminar a perigosidade da rua e o domínio explorador de proxene-tas. Mas tal ideia, que era apenas uma das componentes do projecto, acabou por ser tomada pelo todo, desvirtuando o essen-cial. “Vai abrir um bordel na Mouraria”, anunciou-se um pouco por todo o lado. Um porto seguroOra, tal possibilidade, depois da celeuma causada, já não está incluída no projecto In Mouraria – até porque a Câmara Mu-nicipal de Lisboa não estaria muito recep-tiva à ideia, ao contrário do que foi suge-rido. As restantes incumbências de apoio às prostitutas e aos toxicodependentes, mantêm-se porém como parte integrante do programa dessa casa idealizada pelas Ir-mãs Oblatas e pelo GAT. “O cerne da pro-posta mantém-se e vai no sentido de que a autarquia ceda um espaço que funcio-ne como lugar onde as mulheres possam encontrar-se e apoiar-se mutuamente, discutindo os seus problemas e recebendo auxílio de diversa ordem. No fundo, algo que funcione como um porto seguro”, ex-plica Luís Mendão, presidente do GAT. O responsável lamenta que se tenha criado um clima psicológico à volta da proposta da qual a generalidade das pessoas rete-ve apenas a imagem da “criação de um prostíbulo”. “O objectivo foi sempre o de

proporcionar um lugar seguro e a possibi-lidade de lá se realizar trabalho sexual era apenas isso, nem sendo sequer para imple-mentar agora”, diz.

A realidade é que, auscultando a opi-nião da comunidade, essa foi a ideia que ficou. Mesmo entre as prostitutas que frequentam o Intendente, o consenso parece algo distante, resultado também da escassa informação que lhes terá che-gado. Sendo elas as principais beneficiá-rias da safe house, parecem saber muito pouco sobre o projecto. “Não concor-do, a maioria da mulheres gosta de es-tar aqui na rua”, diz, em tom ríspido e sem tirar os olhos do telemóvel, Lara, 29 anos e três de actividade. Sentada num banco, Isabel, 50 anos e três décadas a vender o corpo, concorda, embora re-conheça a utilidade de uma iniciativa de apoio social mais ampla. “O que eu gostava é de ter Segurança Social”, con-fessa, logo secundada por Lara: “Sim, o que eu queria mesmo era fazer descon-tos. Então não temos também de pagar o IVA e fazer a declaração do IRS pela internet? Porque é que não nos deixam fazer descontos?”. A única ideia parti-lhada por todas estas mulheres parece ser a de que existe outra dignidade na actividade “lá fora, noutros países”.

Ajudar todosQuem as conhece bem é Rosa Riveiro, 48 anos, dona de uma lavandaria no epicen-tro da zona de prostituição e espécie de anjo-da-guarda improvável destas mu-lheres, a quem dá preservativos tirados de um saco guardado sob o balcão da loja. Sobre a In Mouraria, diz: “É controverso. Tudo o que vem para dignificar as pesso-as e ajudar a melhorar a sua vida é bom.

Mas corre-se o risco de se estigmatizar as prostitutas. Seria mais interessante haver uma casa de apoio social aberta a toda a população, prostitutas, toxicode-pendentes ou outros”. Rosa acha, no en-tanto, que estas mulheres devem ser alvo de “um trabalho exaustivo”. Tese seme-lhante à defendida por Luís Mendão, que prescreve o alargamento do círculo de apoio a outros grupos. Edgar Clara, pá-roco de São Cristóvão e São Lourenço e Nossa Senhora do Socorro concorda: “É muito importante ter estruturas para acolher e apoiar as pessoas, independen-temente da sua condição moral”.

A moral depende também das postu-ras individuais. E nas ruas da Mouraria existem opiniões díspares sobre a safe house. Como a de António Carolas, 70 anos, para quem faz sentido dar apoio a seropositivos, mas não tanto às prostitu-tas. Pelo menos, no bairro, que “já está muito marcado com essa etiqueta”. “É um mau exemplo para as crianças”, de-fende. Maria Santos, 65 anos, concorda com a ideia, “porque todos precisam de segurança”. Já a sua mãe, Maria de Lurdes, 84 anos, gostava que as pessoas fossem ajudadas, mas tem algumas dúvi-das. “Nunca vi o bairro tão degradado”, queixa-se. O consumo de drogas e a falta de limpeza das ruas preocupam-na mais. O mesmo pensa o comerciante António Barroso, 59 anos, com estabelecimento aberto na Rua do Benformoso há quatro décadas, para quem o projecto “será posi-tivo, se servir para ajudar as mulheres a sa-írem dessa vida. Agora, para instituir o que já existe, não vale a pena”. A nova versão da proposta está a ser estudada e a Câmara Municipal de Lisboa deverá, até ao fim do ano, ceder o espaço no Martim Moniz.

Casa Aberta no Martim Moniz

罗萨玛丽亚

Ao In Mouraria, local de apoio social a prostitutas e toxicodependentes, foi colado o rótulo de “bordel”. A ideia inicial, que previa a possibilidade de as mulheres lá receberem clientes, caiu.

Mas tudo o resto mantém-se e será viável provavelmente até ao fim do ano. Por enquanto, as Irmãs Oblatas acolhem o projecto.

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8 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

A Mouraria está de cara lavada. Está mais bonita, mais ama-da, mais digna. Já não há carros no Largo dos Trigueiros, a Rua Marquês de Ponte de Lima tem um piso novo, na casa da Severa, futuro Sítio do Fado, já quase se podem ouvir as guitarras e o Intendente estende a passadeira aos grandes da música portuguesa. Cheira a mudança, sente-se a mudança. Mas as retroescavadoras espalhadas pelo bairro não devem desviar-nos do essencial. Sim, o essencial, o de sempre, o difícil, o que não se resolve alindando fachadas. Os edifícios degradados, a solidão dos velhos, a pobreza, a prostituição, a toxicodependência.

A ânsia de pôr a Mouraria no mapa, de fazer dela o novo bairro chique popular da cidade, pode comprometer as pro-messas da intervenção comunitária. A reabilitação do eixo Mouraria-Intendente tem tido também a preocupação de olhar para as pessoas, de as convocar para a mudança. Para concretizar esse compromisso, foi elaborado o Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria, num processo inédito entre a Câmara Municipal de Lisboa e as associações locais. Mas o trabalho com as pessoas no bairro, tentando resolver problemas complexos e antigos, exige estar próxi-mo, ouvir e dar tempo. E o tempo das populações nem sem-pre coincide com a urgência do poder económico e do poder político. A intervenção no Intendente é um exemplo disso. O largo foi – finalmente - devolvido ao bairro e à cidade, mui-tos lisboetas visitam-no pela primeira vez, mas não é preciso ser-se um génio para perceber que esta é uma zona mui-to apetecível para o negócio imobiliário. O preço do metro quadrado vai certamente subir, empresários irão cobiçar o tesouro agora redescoberto. Esperemos que as pessoas não sejam esquecidas e que os problemas que ali moram há dé-cadas não sejam varridos para debaixo do novo pavimento do largo.

está bem!

Nem só de fadistas vive a Mouraria.

No mural de S. Cristovão tanto

brilha a Severa como o Padre Edgar.

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FICHA TÉCNICA Direcção: Associação Renovar a Mouraria Direcção gráfica: Armanda Vilar Edição: Ana Luísa Rodrigues, Maria João Amorim e Oriana Alves Redacção: Adriana Freire, Ana Castro, Ana Catarina Caldeira, Ana Filipa Fernandes, Ana Luísa Rodrigues, António Henriques, Carla Maurício, Inês Andrade, João Madeira, Marie-Line Darcy, Maria João Amorim, Margarida Duarte, Mourad Ghanem, Nuno Franco, Nuno Saraiva, Oriana Alves, Pedro Adega, Pedro Santa Rita, Sara Ludovico e Sónia Ramalho Colaboraram neste número: Ana Jara, Armanda Vilar, Baptista Bastos, Diogo Paeta, Joana Grilo, João Seixas, Lucinda Correia, Regina Nogueira, Samuel Alemão, Sónia Ramalho e Susana Moreira Marques Fotografia: Adriana Freire, Ana Catarina Caldeira, Armanda Vilar, Camilla Watson, Duarte Coelho, MG de Saint Venant e Sónia Ramalho Ilustração: Antònia Tinture, Hugo Henriques e Nuno Saraiva Infografia: Paulo Oliveira Agradecimentos: Adolfo Castro, IELT - Instituto dos Estudos de Literatura Tradicional, família Sique, Museu do Fado, SOU, Movimento e Arte e Teatro da Garagem Propriedade: Associação Renovar a Mouraria Redacção, Administração e Publicidade: Beco do Rosendo, nº 8, 1100-460 Lisboa, Telf: 218 885 203, Telm: 922191892, [email protected] Impressão: Funchalense – Empresa Gráfica S.A. Distribuição: Associação Renovar a Mouraria Versão digital: www.renovaramouraria.pt Direcção comercial: Associação Renovar a Mouraria Fonte: Leitura gentilmente cedida por DSTYPE Depósito legal: 310085/10 Periodicidade: BianualTiragem: 10000 exemplares Número quatro, Agosto de 2012 CAPA: Camilla Watson

Claro, já o nome dá a entender que não é um jornal como os outros. E não é. Não tem ponta de institucionalidade, não tem (nem nas referências às lojas)

O fado da Mouraria é de faca e alguidar, mas também de pratos e tesouras. As minhas primeiras incursões foram a um restaurante já esquecido, ali no cimo do Beco dos Surradores, as segundas foram directas ao Cantina Baldracca, depois habituei-me a cortar o cabelo em casa de uma amiga que vivia ali perto do Cantinho do Aziz, onde também comia. Claro que cedi às Tentações de Goa e ao famoso chinês clandestino. Do fundo do meu palato, obrigado Mouraria.Ricardo Severo

O espaço público da Rua da Mouraria é ocupado com regularidade por carroscomo se se tratasse de um lugar de estacionamento. Isto verifica-se em dias e horário fora do permitido. Estando a Junta de Freguesia do Socorro e a Polícia situadas na mesma rua, é no mínimo absurdo…Também se verifica o mesmo, além das questões de legalidade e segurança, na zona limitada do Largo do Terreirinho.Aproveito para perguntar ou informar que o site da Junta está vazio,seria urgente que os seus responsáveis tivessem em consideração que é

Mouraria: que mudança queremos?

está mal!

Os pilaretes da Rua Marquês de Ponte de Lima, e de outras ruas

do bairro, mal nos deixam passar. Teremos

de fazer uma dieta forçada?

ponta de espírito comercial, não tem fotografias ideologicamente estudadas ou estudadas de outro modo que não seja a estética do momento, tem (e isto é muito raro) uma escrita séria mas que escorrega como um bom vinho; está atento aos lugares belos que, por isso, merecem preservação cuidadosa, e mais atento ainda às pessoas e aos seus lugares de vida, belos ou menos. Oxalá não perca nunca estas duas perspectivas. Muitos parabéns a todos os que o fazem.Beijos e parabéns.Alberto Pimenta

absolutamente importante que os fregueses estejam mais e melhor informados sobre o presente e o futuro da Freguesia. Apesar das dificuldades que possam sentir, é com certeza possível ultrapassar estas pequenas barreiras… comunicantes.Agradeço a atenção.José Narciso

editorial

cartas dos leitores

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Agosto — Dezembro, 2012 — 9

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RoTa DAS Tasquinhas E ResTauranTes DA Mouraria

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Clélia Pondja29 anosmoçambicana recém chegada à Mouraria

a fazer doutoramento

em Antropologia

DEZEMBRO — MARÇO · 2011/12

ASSOCIAÇÃO RENOVAR A MOURARIA

WWW.RENOVARAMOURARIA.PT

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Depois de uma consulta popular para a escolha do nome da Casa Comunitária da Mouraria, os sócios da Associação Renovar a Mouraria foram a votos e es-colheram chamá-la MOURADIA – Casa Comunitária da Mouraria.

Uma feliz união entre as palavras Mouraria e moradia. Porque este pro-jecto tem mesmo como objectivo que ali as pessoas se sintam em casa, em jeito de moradia, já que o Beco do Rosendo permite esquecer que estamos no centro da cidade. Aqui, à semelhança de outras ruas do bairro, ainda se brinca na rua, não existem carros e as conversas demo-

ram-se em frente às portas de entrada para as casas dos vizinhos.

As obras estão prestes a terminar e a Casa Comunitária da Mouraria está quase pronta para abrir as suas portas à comu-nidade. Em meados de Setembro, e de-pois de um longo processo de reabilita-ção deste edifício camarário arrendado à ARM, a população da Mouraria e de Lis-boa vai poder usufruir de um vasto con-junto de actividades e serviços.

Alfabetização para todos, língua e cultura portuguesas para imigrantes, apoio ao estudo e apoio ao cidadão, tempos livres para todos, concertos e

exposições são algumas das iniciativas previstas. Bem como serviços de saúde ligados às medicinas alternativas, re-sultante de uma parceria com o grupo “Saúde Para Todos”.

Para além destas actividades, a MOU-RADIA tem também as portas abertas para receber propostas de actividades e colaborações, quer de outras organiza-ções quer de particulares.

Na MOURADIA os projectos são de to-dos e para todos, transversais a todas as idades, apostando num enriquecimento intergeracional e intercultural.

Com dois andares, a MOURADIA 8 e a

MOURADIA 10, correspondendo aos nú-meros de porta, dão para um espaço ex-terior, o Beco do Rosendo, onde também irão desenvolver-se actividades, promo-vendo uma utilização do espaço público mais intensa.

Para abrir os apetites, a MOURADIA vai oferecer petiscos do mundo, à mis-tura com oficinas de música e dança, bailes, festas de aniversário para todas as idades, oficinas de DJ para famílias e muito, muito mais.

A data de inauguração e a programação de Setembro estarão brevemente dispo-níveis em www.renovaramouraria.pt. IA

Rota de comes e bebes do mundoDe Angola à Índia, de Portugal a Goa, do Alentejo ao Algarve. Todas as rotas se cruzaram no Largo da Rosa, para dar início à Rota das Tasquinhas e Restaurantes da Mouraria.21 de Julho foi brindado com uma tarde de festa e de ingredientes especiais, dinamizada pela Associação Renovar a Mouraria. Um saboroso pontapé de saída a esta Rota, que tem como objectivo dar fôlego ao comércio da restauração na Mouraria.Foram muitos os estabelecimentos que se juntaram nesta mostra de degustação, animados pelas vozes de Ana Maurício e Ruca Fernandes, acompanhados pelos músicos António Parreira e Guilherme Carvalhais. O evento contou com a presença do Presidente da Câmara Municipal

de Lisboa, António Costa, e foi apresentado pelo actor Alexandre Ovídio.A Rota, essa, fica no nosso bairro! E é fácil de identificar: todos os restaurantes aderentes têm uma placa a assinalar (na foto).Está também a ser distribuído pela cidade um folheto com o mapa e localicação de todos os restaurantes e tasquinhas. O convite é que venham à Mouraria experimentar os sabores do mundo! IA

Muda o Bairro

da Mouraria

vamos juntar-nos e fazer da Mouraria um bairro ainda mais bonito?

Muda o Bairro da Mouraria é um Concurso de ideias para as áreas de requalificação do espaço público, ambiente e ecologia

Basta juntar um grupo de 5 pessoas, escolher um projecto para o bairro e concorrer

mais informações em:mudaobairrodamouraria.wordpress.com Associação Renovar a Mouraria: Beco do Rosendo, nº8;T: 922 191 892; E: [email protected]

com o apoio:

MOURADIA, a Casa Comunitária da Mouraria abre portas em Setembro

Um prémio em forma de azulejoOs azulejos foram o mote para a primeira distinção atribuída ao Rosa Maria - Jornal da Mouraria. O trabalho “Mouraria desenhada a azulejo” recebeu uma Menção Honrosa na categoria Divulgação do Prémio S.O.S Azulejos.O artigo, publicado no último número do jornal, traçava um percurso pelas ruas do bairro, sempre com o olhar posto nos azulejos, denunciando também a degradação que em muitos casos este património é alvo. Parabéns à Marie-Line Darcy, autora do artigo, e à Marie-Gabrielle, que fez as fotos. AR

14 — Rosa Maria Dezembro — Março, 2011/12

Dezembro — Março, 2011/12

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reportagem

Mouraria desenhada a azulejo

texto Marie-line Darcytradução Carlos Tomé Sousafotografia MG de Saint Venant,a partir de azulejos da fábricaViúva Lamego

Plumas, flores, frisos coloridos, folhagens petrificadas no seu próprio movimento, em

composições que redesenham as fachadas da cidade. Estão ao alcance da mão, em todos os sentidos do termo. Antes de se estabelecer e

nos conferir identidade, a geometria azulejar da tradição portuguesa viajou de outro lugar.

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罗萨玛丽亚

E m Lisboa temos tendência a caminhar olhando para baixo: perante pedras da calçada mal unidas, dejetos de animais e todo o tipo de obstáculos, toda a atenção é pouca. Mas há aí um certo erro, pois em Lisboa a beleza está nas fachadas. E é uma pena não reparar nos dois pavões magníficos e imponentes sobre as pare-des do prédio de gaveto que foi Prémio Valmor de 1908, na esquina do largo do Intendente com a avenida Almirante Reis. O azul intenso da sua plumagem destaca-se nesse tapete de flores verme-lhas: animais elegantes parecem desafiar o tempo e os transeuntes. A sua presença não é assim tão espantosa como parece à primeira vista: as avenidas novas que bordejam a Mouraria foram construí-das no início do século XX. A arte em voga na altura dava pelo nome de «Arte Nova» e celebrava a natureza. Ricas mo-radias burguesas da época revestiam-se de frisos coloridos, onde predominam as flores e as folhagens. De ambos os la-dos da Almirante Reis, estes motivos só esperam que os transeuntes apressados admirem esses trabalhos em cor que sur-gem aqui e ali sob os céus de Lisboa.Quem por aqui passa, deixando os

pavões condenados à sua imobilidade, encontrará em seguida a fachada azul e branca da Viúva Lamego. Esta parte do edifício continua a pertencer à fábrica de cerâmica, mas foi transformada em resi-dência para estudantes estrangeiros. A Viúva Lamego existe desde 1849 e insta-lou-se no bairro da Mouraria, uma zona da cidade que acolheu os ateliês de ola-ria. A fábrica ocupou todo o quarteirão e rapidamente ganhou uma boa reputação pelos seus azulejos concebidos segundo o espírito da época. Os proprietários de-cidiram então adornar a fachada da loja no lado do largo do Intendente: vasos a transbordar de flores, as suas persona-gens e o seu pequeno macaco guloso fa-zem desta uma das casas azulejadas mais famosas de Lisboa. Os trabalhos que de-correm neste largo não devem impedir as pessoas de transpor a porta da loja: num cenário de azulejos decorativos empilha-dos, compradores italianos de cócoras compõem, com a ajuda da vendedora, um painel de azulejos cujo destino final

pode muito bem ser uma cozinha na Tos-cânia, Itália.

A ser esse o caso, trata-se, de certo modo, de um regresso às origens, uma vez que seria uma técnica de fabrico e decoração azulejar introduzida no sécu-lo XVI em Portugal, a majólica italiana, a contribuir fortemente para o arranque da produção dos azulejos em grande escala. A majólica simplificou o processo de fei-tura de faianças cobrindo-as de esmalte branco. As cores deixaram de se mistu-rar, sendo possível fazer azulejos mais rapidamente. Curiosamente, a majólica chegaria primeiro a Sevilha, introduzida pelo artista italiano Francesco Niculoso Pisano. Antes disso já os italianos tinham promovido a sua técnica na Flandres, um território que era então uma província espanhola, tendo os obreiros flamengos introduzido por seu lado a majólica na Península Ibérica. E foi graças a este pe-queno desvio que Portugal passaria a co-brir paredes inteiras com painéis colori-dos a um preço vantajoso, embelezando os edifícios até então pouco adornados.

Quem caminhar pela Mouraria terá de esquivar-se por entre os buracos e as obras do largo do Intendente até chegar ao número 84 da rua da Mouraria onde se encontra o antigo colégio dos Meninos Órfãos. Esta visita permite-nos dar conta da importância do azulejo e do seu papel por vezes pedagógico. As escadas que dão acesso até ao quinto andar do edifício – construído no século XIII e modificado no XIV – são uma espécie de banda de-senhada gigante, em azul e branco, re-presentando cenas marcantes dos antigo e novo testamentos. Passando o átrio, deparamo-nos com esse tesouro, datado do século XVII, para ser apreciado.Os azulejos da Mouraria não escapa-

ram todos ao vandalismo e ao roubo. De entre os mais belos mas infelizes exem-plos, figura o do Palácio da Rosa, cujos numerosos painéis dos séculos XVIII ao XX foram removidos. A SOS azulejos (ver caixa) conseguiu identificar rapi-damente algumas dessas obras de arte e recuperá-las. Este palácio será transfor-mado em hotel de charme pelo que di-ficilmente veremos os azulejos nas suas paredes originais.

Nos últimos 20 anos, o roubo de azu-lejos multiplicou-se por influência de dois fenómenos. A pressão urbanísti-ca e a necessidade de demolir os velhos imóveis para construir segundo os novos padrões de conforto levaria à destruição de painéis de grande valor; acresce o facto de que, cada vez mais procurados por turistas e por coleccionadores, estes painéis têm agora um valor de mercado bastante tentador. Na Mouraria, como no resto de Lisboa, podemos constatar as cicatrizes deixadas nas fachadas pelos azulejos arrancados. Mas são em grande parte os mosaicos das fachadas do bairro que lhe conferem identidade. A colina da Mouraria está ali, acessível, a todos aque-les que pretendem tomar o seu tempo, admirando as fachadas naive [estilo feito sem preparação académica], os painéis novo-ricos, as pérolas de flores «Arte Nova», as figuras dos santos protetores – nascidos depois do tremor de terra de 1755 para proteger as casas – ou os tape-tes geométricos das fachadas das lojas.

Uma gaivota não voaA gaivota parece levantar voo por cima do número 30 da Rua das Olarias em três azulejos azul e branco que remetem para o rio tão próximo da cidade, e o desígnio portuário de Lisboa. O proprietário des-te edifício recebeu estes azulejos como presente de aniversário. Quando decidiu restaurar o imóvel, decidiu colocar essa ave sobre a porta de entrada. «É bonita, não é?» pergunta com grande sorriso, contente por poder agradar com o voo da ave quem passa ali. Nada se sabe da sua origem, a não ser que já esteve num an-tiquário. A gaivota das Olarias é um sím-bolo da paixão dos portugueses pelo azu-lejo, uma espinha dorsal de uma história fabulosa. Na Mouraria, é fácil perdermo-nos descobrindo esse imenso mosaico que cobre as fachadas. E encontrando a gaivota podemos seguir à descoberta dessa história.

Programa de Investigação e Salvaguarda do Azulejo de Lisboa (PISAL)Face às ameaças que pesam sobre o património azulejar – 25 por cento dos azulejos de Lisboa terão desaparecido desde 1980 – a Câmara Municipal de Lisboa criou o PISAL, para identificar e preservar os azulejos. O objectivo principal consiste em fotografar o património público e criar um banco municipal do azulejo. Esta operação começou na Madragoa em 2010, bairro onde uma carta de

risco identifica os casos prioritários e os painéis mais ameaçados. As operações alargar-se-ão depois a Alfama, seguindo-se a Mouraria. Para cada zona a autarquia vai criar três instrumentos: a carta do azulejo, a carta de risco e a carta das patologias [doenças dos materiais]. A Câmara prevê ainda o estabelecimento de acordos com diferentes instituições e associações, de modo a sensibilizar

para a riqueza do património azulejar e dar formação neste campo. Foi assinado um protocolo com a Polícia Judiciária (PJ) para facilitar a identificação dos azulejos encontrados após roubo. A Câmara organizou os primeiros encontros do património azulejeiro

em Novembro último. O PISAL, dirigido por Teresa Bispo, dispõe de 40 técnicos.

SOS AzulejoCriada em Fevereiro de 2008, a SOS Azulejo é gerido pelo Museu da PJ e tem por função lutar contra o roubo e venda ilícita de azulejos. Privilegia uma abordagem preventiva. O Projeto SOS Azulejo conta com o apoio de brigadas especializadas da

PJ e da GNR e uma das formas de atuação é feita através da divulgação na Internet dos painéis que foram alvo de furto. A identificação dos azulejos removidos e a sua presença no espaço virtual da net permitirá, espera esta entidade, contrariar vendas ilegais. A SOS Azulejo aconselha os habitantes a fotografar o seu património azulejar

e desmultiplica-se em ações de informação com vista à criação de arquivos deste património: a criação da base municipal de dados sobre o azulejo ajudará em parte a cumprir esse desejo.

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Arquitectura para as crianças do bairroForam sete meses de intensa actividade que terminaram a 5 de Junho com um Percurso Performático pelas ruas da Mouraria. Pela mão da ARTÉRIA, crianças entre os 6 e os 10 anos da Escola

Básica do 1º Ciclo da Madalena acompanharam a reabilitação da sede da ARM, no âmbito do Serviço Educativo do Edifício- -Manifesto. A Escola da Madalena, inserida na rede da Esco-la Intercultural, reúne alunos de mais de 15 nacionalidades. O objectivo foi trabalhar as relações entre a Arquitectura, as artes e o espaço urbano da Mouraria, em parceria com as associações Gato que Ladra e Renovar a Mouraria.

Os alunos trabalharam em actividades que visaram desper-tar a curiosidade, o afecto e respeito pelo património edifica-do: produziram viagens fotográficas pelo bairro, projectaram plantas funcionais, construiram maquetes, desenharam mapas de percursos diários, imaginaram sinalética e sapatos especiais para percorrer o bairro e escreveram narrativas em livros sem palavras. Imaginaram com o corpo e os sentidos a transforma-ção do edifício, acompanhando ao mesmo tempo as transfor-mações da Mouraria. Entre Novembro e Dezembro deste ano, a ARTÉRIA e a Renovar a Mouraria estarão na Ordem dos Ar-quitectos, com uma exposição e uma conferência sobre o Edi-fício-Manifesto, apresentando o projecto, o Serviço Educativo e o documentário realizado em parceria com a Ar.Co. Haverá ainda um programa de visitas guiadas para arquitectos e será lançado um livro-memória sobre o processo. AJ e LC

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10 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

João Seixas

Entre ser gueto e ser mundoA Mouraria era um gueto. Um subúrbio da cidade, durante séculos e séculos. Li-teralmente: uma sub-urbe, urbe de se-gunda senão mesmo de terceira. Onde se punham ou iam parar os mais pobres, os mais indesejados, os mais perseguidos. Os mouros. Onde se sofria sem condi-ções e sem atenções. Uma mouraria.

Os que mandavam tratavam a Moura-ria como ‘resto’, onde tudo podia caber, bater, servir. Em políticas de polícia e de intendentes, lá ia a Mouraria a toque de caixa. Em políticas de urbanização e de higienização, lá ia meia Mouraria abaixo. Em políticas de reorganização social e co-mercial, lá iam os restos para a Mouraria.

Habituada ao sofrimento, a Moura-

ria continuou a viver. A viver Lisboa, perfeita e absoluta caricatura de Lisboa. Malhava o sofrimento: era trabalhadora. Cantava o sofrimento: era fadista. Afas-tava o sofrimento: era pecadora. Afagava o sofrimento: era familiar. E assim, tra-balhadora, fadista, pecadora e familiar, a Mouraria foi-se abrindo, ao sol do século e à sombra do castelo. Primeiro devagar e depois depressa, abrindo-se em cada vez mais gentes e em cada vez mais cores.

Hoje, nas suas escolas, há uma beleza de mundo, de futuro, de esperança. Em múltiplas línguas. A Mouraria era um gue-to. Está a deixar de ser. Agora é sobretu-do mundo. Como sempre foi, aliás – mas agora ainda mais. Porque agora é mundo que pensa, que reage, que se une, que propõe e que toma parte central do seu destino nas suas próprias mãos. É gran-de a mudança de hoje na Mouraria, meus senhores. É sempre grande a mudança quando se toma o destino nas mãos.

A Câmara ajudou, é certo. Ainda bem. Mas não é essa a sua função? Ir para o ‘gue-to’ da cidade, gueto que afinal é mundo, revela, da parte da presidência da câma-ra, uma demonstração de futuro e, em si-multâneo, de respeito. De atenção.

O tomar o destino nas mãos tem pro-jecto. E dos bons. Intitula-se ‘Há vida na Mouraria’ e até ficou em primeiro lugar no Orçamento Participativo de Lisboa. O que é uma excelente notícia, para a Mou-raria e para a cidade inteira. Porque foi construído numa conjugação de ideias vindas de mais de 20 diferentes agen-tes – associativos, públicos e privados, Juntas de Freguesia, Câmara Municipal. Porque surge de uma estratégia prévia

ensaio

Vieram do Punjab, no noroeste da Ín-dia, mas não ao mesmo tempo. Primeiro chegou o pai, Singh, 40 anos, há 11 em Portugal. Durante o dia, trabalha como servente nas obras, à noite vende flores. A restante família juntou-se-lhe há sete anos: a mãe, Amarjit, que tem 42 anos, e os três filhos. A mais velha, Rajwinder Kaur, entrou este ano para a faculdade e é um orgulho para a família aos 21 anos. Fala com desembaraço e vivacidade, quer ser economista. Conta que uma das suas ambições era viajar e conhecer ou-tro país para além da sua terra natal. Os outros dois filhos do casal, ambos na esco-la, são rapazes: Gurpreet, 12 anos e Gurjit, 11 anos. Os três têm dupla nacionalidade. A geração anterior, os avós, além de outros parentes, ficaram na Índia.

A Mouraria é, para eles, um lugar tranquilo e, a partir da rua de São Lou-renço, onde vivem, falam com toda a gente. Dizem gostar muito de Portugal mas são unâni-mes quando declaram que, na sua vida futura, esperam poder regressar ao Punjab.

Se fosse preciso uma prova de como a religião que seguem, a religião Sique, é importante, bastaria olhar para uma das partes da sua casa mais bem arranjadas ecoloridas, o local do altar. Falam do profundo respeito que todas religiões lhes merecem e no seu altar com-

colectivamente discutida (O Plano de Desenvolvimento Comunitário da Mou-raria), que já incluía propostas de mui-tos cidadãos. Porque tem ambições de chegar ao colectivo sem necessitar de se ancorar em ‘grande obra’ (um pavilhão, uma piscina, uma estátua), antes se ma-nifestando nos quotidianos de cada habi-tante e passeante. Porque este é um bairro que conjuga grande diversidade e riqueza humana com precariedade urbana, mos-trando, afinal, uma força cívica maior que a larga maioria dos bairros mais qualifi-cados da cidade. De gueto para mundo, a Mouraria mostra caminhos.

O projecto propõe acções que incen-tivarão à melhoria das relações inter-pessoais e à valorização do património imaterial do bairro. Envolvendo as suas gentes, desenvolvendo actividades e em-pregos, atendendo à inclusão dos mais desfavorecidos, formando conhecimen-tos e saberes. O projecto percebe que há novas formas e culturas de viver a cida-de, e procura ampliar o associativismo e a cidadania, aproximando os espaços de cada indivíduo dos espaços da cidade. Para, com muita cor, construir comuni-dade. Comunidade que é mundo.

Com exemplos tão bons como este há boas razões para acreditar que se pode-rá ampliar a qualidade da cidadania e a qualidade da governação. Dos direitos e dos deveres de ambos. Tirando a admi-nistração da cidade, também ela, do seu gueto. E abrindo-a ao mundo. Isto pare-ce-me pão quente para a faminta boca da nossa sociedade nestes tempos de crise; de crise da própria confiança e da própria democracia. O nosso futuro será sem dú-

vida melhor se em cada bairro, em cada cidade, conseguirmos construir, através de uma série de princípios e direitos cen-trais – democracia, diversidade, aber-tura, responsabilidade – movimentos abertos e partilhados. Onde os diferen-tes cidadãos se sintam responsáveis por estratégias e projectos colectivos, assim se sentindo parte plena das dinâmicas da sua cidade e do seu bairro. Uma cumpli-cidade em constante metabolismo.

Nos tempos que aí vêm – na verdade, nos tempos que já aí estão – vamos preci-sar muitíssimo deste sentido de comuni-dade. Do reconhecimento da força da jun-ção de laços fracos – laços diversos, claro. Laços que fazem mundo. Continua então, Mouraria. Continua a ser trabalhadora, fa-dista, pecadora e familiar. Mas agora, tam-bém planeadora, pensadora, comunitária. Colectiva. Se eras gueto, agora és mundo.

João Seixas é investigador no Instituto de Ciências Sociais - ICS. Doutorado em Geografia Urbana pela Universidade Autónoma de Barcelona e em Sociologia do Território e do Ambien-te pelo ISCTE, desenvolveu a sua tese em torno da governação contemporânea das cidades europeias, com o enfoque na ci-dade de Lisboa. Tem exercido actividade como professor e consultor, coordenando projectos de investigação no âmbito das tendências contemporâneas na política das cidades, e das lógicas de desenvolvimento urbano e regional. Tem editados diversos textos e trabalhos nestas áreas, bem como estu-dos sectoriais para a autarquia de Lisboa.

A famíliaSique

texto António Henriques e Armanda Vilar

fotografia Camilla Watson

pósito há, por exemplo, imagens católi-cas, como a da Nossa Senhora de Fátima. Todos os domingos se encaminham para a igreja de Odivelas, para rezar. Na igreja, realizou-se, em meados de abril passado, a grande cerimónia que é a iniciação na ordem Khalsa, a celebração da criação da sua religião, festa aberta a todas as reli-giões, em que todos são bem-vindos.

A sua religião, que é justamente ori-ginária do Punjab, proíbe a ingestão de álcool, o consumo da carne e o corte do cabelo e da barba, muito mal vistos pelos mais ortodoxos. Nos seguidores da sua re-ligião, os homens usam o apelido Singh (Leão) e as mulheres Kaur (Princesa). Os filhos e a filha do casal ainda não decidi-ram entrar para a comunidade sique, por-que não querem que sejam os pais a esco-lher com quem eles devem casar.

A igreja é o centro de irradiação de pas-seios, conversas e de diversão com outros

membros da comunidade. Os mais jovens podem brin-car com outras crianças e almoçam, jantam e rezam juntos. O Martim Moniz é o centro das compras desta família. Para terem acesso às roupas tradicionais só mes-mo vindo da Índia. Aqui não há sítio para as comprar. Na escola, as roupas ocidentais cedem o lugar às belas vestes tradicionais, guardadas para estar em casa e para ir à igreja.

retratos do quotidiano

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Agosto — Dezembro, 2012 — 11

publicidade罗萨玛丽亚

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COLECÇÃO MUSEU DO FADO - FOTO DE LUÍS CARVALHAL

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destaque14 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

texto e fotografia Sónia Ramalho

Sozinhos em casaOs dados do Instituto Nacional de Estatística dão que pensar: Portugal tem mais de um milhão e duzentos mil idosos a viverem sós ou na companhia de outros idosos. Na Mouraria, o Centro Social Polivalente de São Cristóvão e São Lourenço presta auxílio aos idosos que necessitam de cuidados. Mas alguns ainda fazem questão de manter a sua autonomia para fazer face à solidão.

texto Sónia Ramalhofotografia Sónia Ramalho

Não é a idade, não é a saúde e muito me-nos é o 4º andar sem elevador e de es-cadas íngremes que impedem Maria Manuela de sair de casa. É a falta de in-teresse por tudo o que se passa na rua.

Tirando as idas ao supermercado ou ao cemitério para visitar os familiares que já partiram - em particular a filha que recorda entre lágrimas de saudade – aos 81 anos Maria Manuela pouco sai de casa. “Para quê? Te-nho tanto para me entreter aqui”, diz enquanto olha para Xaninha, a gata que herdou da filha e actual-mente a sua única companheira. De acordo com da-dos divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em Fevereiro de 2012, em Portugal mais de um

milhão e duzentos mil idosos vivem sós ou em compa-nhia de outros idosos, reflectindo um fenómeno cuja dimensão aumentou 28% ao longo da última década. A população idosa, com 65 ou mais anos, residente em Portugal é de 2,023 milhões de pessoas, representando cerca de 19% da população total e na última década, o número de idosos cresceu cerca de 19%.

Apoio domiciliárioLisboa é a região do país onde se verificam as mais ele-vadas percentagens de idosos a viverem sós, cerca de 22%, e Maria Manuela faz parte deste número. Des-de tenra idade que foi habituada a fazer vida em casa, primeiro quando vivia com a mãe e mais tarde porque

o marido – que conheceu no seu primeiro baile - não gostava que ela andasse na rua. “Sempre fui habituada a estar por casa, ora a cuidar da minha sogra e do meu marido, ora da minha mãe, da minha filha e mais tar-de do meu neto”. Hoje em dia a casa está vazia, “mas não me faz diferença, já estou habituada”, diz enquanto mostra os panos de cozinha e as toalhas bordados à mão e que faz para se entreter enquanto vê o tempo passar.

Não gosta de passear, não gosta de ouvir música ou de dançar, e muito menos sente necessidade de receber as visitas domiciliárias que o Centro Social Polivalente de São Cristóvão e São Lourenço disponi-biliza aos idosos da Mouraria. “É uma resposta social que consiste na prestação de cuidados individualiza-

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Agosto — Dezembro, 2012 — 15

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罗萨玛丽亚

Companhia Limitada: arte ao domicílioPara quem não encontra forças ou já não tem ânimo para sair de casa, o projeto Companhia Limitada é uma alternativa para ter um pequeno contacto com o mundo das artes. Com direcção artística de Madalena Victorino, o Companhia Limitada (sete pequenas danças-memórias para sete pequenas casas) tem como público as pessoas que vivem em alguns bairros de Lisboa, paredes meias com a solidão. De Abril a Junho, um grupo de estudantes/artistas visitaram sete pessoas – Belmiro, Olga, Sílvia, Florinda, Barros e Sofia – entre a Mouraria e a Baixa antiga de Lisboa e apresentaram os seus espectáculos em quartos, cozinhas, escritórios ou pequenas salas. A iniciativa partiu do SOU, associação cultural sem fins lucrativos cuja ac tividade se centra na formação, criação e programação artística e está inserida no Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM). SR

Mais informações aqui: soumovimentoearte.wordpress.com

dos e personalizados no domicílio dos utentes quan-do estes, por motivo de doença, deficiência ou outro impedimento não possam assegurar, temporária ou permanentemente, a satisfação das suas necessida-des básicas e/ou as actividades da sua vida diária”, explicou por email ao Rosa Maria Isilda Geraldo, di-rectora do Centro Social Polivalente de São Cristóvão e São Lourenço. Este centro foi criado em 1996, fruto de uma parceria entre a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, como enti-dade gestora. Segundo Isilda Geraldo, entre as prin-cipais dificuldades sentidas pelos idosos da Mouraria estão as “diversas barreiras arquitectónicas, tanto dentro das habitações, como nas ruas. As condições habitacionais (a maioria das casas não tem casa de banho) também são um obstáculo à melhor prestação do apoio, sobretudo quando os níveis de dependência dos idosos tendem a aumentar”.

Mas Maria Manuela não se deixa convencer. “Não quero companhia. E também não me interessam as actividades que fazem no Centro de Dia, não tenho feitio para essas coisas. Fui muito habituada a estar só com os meus, em casa, e não tenho diálogo. Sinto-me bem assim”, assegura. Apesar disso, “às vezes sinto falta dos antigos vizinhos. Agora são pessoas novas e os novos não ligam aos velhos. Não têm paciência”.

Centro Social Polivalente de São Cristóvão e São Lourenço—Capacidade: 60 utentes—Serviço de Apoio Domiciliário com capacidade para 80 utentes—Residência Temporária com capacidade para 10 utentes—Projecto de Apoio à Comunidade com capacidade para 40 utentesCuidados prestados:— Prestação de cuidados de higiene e conforto pessoal— Colaboração na prestação de cuidados de saúde sob supervisão de pessoal qualificado— Manutenção de arrumos e limpeza da habitação estritamente necessária à natureza do apoio a prestar— Confecção de alimentos no domicílio e/ou apoio na distribuição das refeições— Acompanhamento das refeições

Teatro, uma arma contra a solidão Desde 2005 que o teatro Taborda, na Costa do Castelo, é a casa da companhia Teatro da Garagem. Mas para além dos trabalhos que desenvolve profissionalmente, a companhia orienta ainda clubes de teatro dirigidos a crianças, adolescentes e idosos da comunidade.

O objectivo é despertar o gosto pelo teatro e pelas práticas artísticas. Para Maria João Vicente, “era importante para as pessoas elas próprias terem uma experiência alargada do que é um espectáculo teatral”. A directora de produção e co-responsável pelo serviço educativo da companhia defende que “isso é importante para construir uma sociedade melhor e é mais útil para a formação do público do que estar sempre a fazer palestras só para uma elite que já se interessa por esse assunto”.

O facto de o Teatro Taborda se encontrar junto de uma população muito envelhecida, fez surgir com ainda mais premência o Clube de Teatro Sénior. Neste momento, o grupo conta com 34 participantes e vai já no terceiro espectáculo. A 30 de Junho estreou o mais recente projecto “Quem Somos Nós?”, depois de “A minha rua” e de “Não sei se chegarei vivo à estreia”.

O grupo ensaia uma vez por semana. Mas sob o pretexto do espectáculo trabalha-se também outro lado crucial para o bem-estar das pessoas, que se tornam inactivas e perdem qualidade de vida cedo de mais. Nuno Ribeiro, actor e actual responsável pela coordenação do Clube de Teatro Sénior, explica: “Por exemplo, fazemos exercícios de aquecimento físico e exercícios de

memória. Portanto, através do teatro e com o objectivo de construir um espectáculo trabalham-se muitas competências que é importante serem trabalhadas nessas idades. É também bom que trabalhem, por exemplo, o exercício de discussão. As pessoas acabam por ter uma atitude muito passiva a nível discursivo, não discutem temas, não exercitam trabalho crítico.”

Este clube nasceu também de uma parceria com a junta de freguesia e com o Centro de Dia do Socorro, tendo-se depois alargado às restantes freguesias envolventes. O Teatro da Garagem assume este projecto como uma missão de serviço público, sendo que todos os clubes são de cariz gratuito.

Mas tal não impede que alguns membros do Teatro Sénior tenham já participado em trabalhos profissionais remunerados da companhia. Regina Nogueira

Teatro da Garagem Rua da Costa do Castelo, 75, 1100-178 LisboaTel: 21 885 41 [email protected]

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texto Mourad Ghanem | desenho Hugo Henriques

mouraria, ontem e hoje16 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

“Ah pescaaaada liiinda! Ah cachuuuucho liiiindo! Há cá peeeiiiixe espaaada!”.A voz de América Mendonça – conhecida como a Amé-rica da Mouraria – chegava longe no bairro. “As minhas freguesas costumavam dizer ‘tens uma voz mais mavio-sa do que um canário. Vinha eu nos Lagares e já te ouvia a apregoar!”Também havia uma buzina… que soava quando o carro de América, vindo do Cais do Sodré, desaguava no Lar-go do Terreirinho. Foi frente ao número 34 que durante décadas vendeu peixe. “Passei frio, chuva e sol, sempre ali a vender”, conta. Nessa época tinha uma espécie de padiola, onde colocava quatro caixas cheias de peixe. A banca mó-vel também ajudava nas alturas de aperto: “A polícia andava atrás da gente, à paisana ou fardados. Então quando era preciso pegávamos na padiola e nas caixas. Os vizinhos ajudavam a fugir e a esconder tudo dentro das casas.”Aventuras passadas no mesmo lugar desta fotografia, captada por um turista estrangeiro. América recorda a ocasião: “Ele tirou a foto à gen-te e eu disse ‘já que está a tirar, mande uma cópia’. Tudo por gestos, que ele não entendia português. Demos as moradas e ele mandou.”Não sabe a data precisa – talvez por volta de 1970 -, mas descreve os fotografados na perfeição. Todos, menos ela, já faleceram. “O da boi-

1970/2012na a alcunha dele era o ‘Cabra Alta’, porque era muito alto e muito malandro”, explica América, continuan-do a enumerar: “Ao meu lado estava um senhor que era chófer de praça. Depois a ‘Lurdes do Benfica’, que era toda benfiquista. Os outros dois moravam no Pátio da Ermegilde, ali na Rua da Amendoeira. Eu aqui estava com uma cabeça de pescada na mão.”América começou a vender peixe aos nove anos, com a canastra. Tal como a mãe, nasceu e viveu na Mouraria e ganhou a vida como varina. “Tive uma infância difícil, mas nunca passei fome por-que vendíamos peixe. Houve muita gente daqui que

passou fome”, conta América. “O meu pai foi para o Brasil e a minha mãe criou-nos sozinha. Aqui ela era conhecida como a ‘Maria dos Bo-los’, porque quando era bem miúda ia para a porta do cinema Piolho vender bolos.”América Mendonça, hoje com 80 anos, sente-se respeitada no seu bairro, apesar de este estar bem diferente. Recorda a proximidade en-tre vizinhos e as madrugadas de Verão ao relento na Rua da Amendo-eira, para combater o calor insuportável dentro das casas pequenas. Deixou a venda peixe há uns 15 anos. Altura em que, com o marido, começou a correr ceca e meca em excursões. Para conhecer mundo e para apoiar os jogos de futebol do seu Benfica.

ANA

CATA

RINA

CAL

DEIR

A

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mouraria nas artes

Agosto — Dezembro, 2012 — 17

mouraria, rua a rua

Cidade, sangue e mistérioEm O Último Cabalista de Lisboa, Richard Zimler transporta-nos para um passado longínquo e sombrio da história de Por-tugal. A acção desenrola-se no início do século XVI, quando acontece o massacre dos judeus em Lisboa, e está centrada numa família judaica, surpreendida pela morte misteriosa de um dos seus mem-bros. Com os pés e olhos de Berequias Zarco, o narrador, percorremos as ruas e vielas de uma cidade ensanguentada. Acompanhado muitas vezes por Farid, o seu amigo muçulmano, Berequias passa por diversas zonas de Lisboa antiga, e se

uma grande parte da acção se passa em Alfama, as incursões pela Mouraria tam-bém são relatadas. É nesta zona que os dois amigos vão procurar o pai de Farid, desaparecido naqueles dias atrozes do ano de 1506. Procuram-no numa mes-quita secreta que “fica no segundo andar de uma oficina de ferreiro, perto do anti-go bazar mourisco” (p. 243). “… uma fa-bricante de anzóis desdentada (…) num árabe que amalgama todas as consoan-tes, diz-nos ter visto Samir [o pai] a rezar em cima do seu tapete azul na encosta abaixo do castelo.” (p. 332) Acompanha-mos, expectantes, a sua fuga do Rossio, onde as chamas das fogueiras que ali ar-diam eram alimentadas pelos corpos dos judeus. Os seus passos afastam-no desse lugar: “Dali podia ver que nos encontrá-vamos numa rua lateral, a uns cinquenta passos do Rossio, já na Mouraria.” (p.104) E é aí que, nos telhados, perseguido por

cristãos, atira para o chão um fidalgo que o ameaça matar.

Mais tarde, um muçulmano ajuda-o e empresta-lhe um albornoz, uma in-dumentária árabe. “Cheguei ofegante à porta da Mouraria, sob o olhar de des-prezo de duas sentinelas a cavalo. Mas com as roupas que envergava, aqueles representantes da Coroa nunca ousariam tocar-me; as violências contra antigos muçulmanos seriam vingadas com igual tratamento aos cristãos que se encon-travam nas mãos dos turcos no norte de África.” (p. 109)

E foi desta cidade, onde era possível encontrar gente de diferentes proveni-ências e credos, que Berequias fugiu para Constantinopla, receoso da crescente in-tolerância vivida no reino de D. Manuel I.

[As páginas indicadas referem-se à edição: Richard Zimler, O último cabalista de Lisboa. Lisboa: BIS, 2010]

Era uma vez uma rua que antes de o ser, foi um esteiro do rio Tejo. Pelo braço do rio, navega-vam pequenas barcas e faluas…

A realidade fluvial inspirou, desde muito cedo, a lenda: segundo esta, nas proxi-midades do que é hoje o Salão Lisboa, erguia-se um pequeno cais onde em 1173 desembarcaram os restos mortais de São Vicente. O Santo vinha do Cabo Sacro, no Algarve (depois S. Vicente) e fazia-se transportar numa barca conduzida por dois corvos. Quando em 1373/75 é ergui-da a porta norte da muralha fernandina, S. Vicente (padroeiro de Lisboa), em-presta-lhe definitivamente o seu nome. Hoje podemos encontrar a placa come-morativa da muralha no prédio que faz esquina com as Escadinhas da Saúde.

Também de história está a Rua da Mouraria cheia. Por este antigo caminho chegava-se às referidas portas de São Vicente, que abriam o vale da Mouraria à buliçosa cidade de Lisboa e onde à entrada se pagavam portagens. Fora de portas, encostados à muralha, viviam os mouros forros desde 1147: os mesmos que, impedidos de entrar na cidade depois do pôr do sol, sob pena de castigos corporais, deram o seu nome à rua da Mouraria. Com a expansão urbana da cidade, as muralhas e as portas foram sendo arrasadas - mas a velha porta de S. Vicente sobreviveu até 1961, sob o nome de Arco do Marquês do Alegrete. Precisamente o arco que constituía a rectaguarda da porta monumental.

A Rua da Mouraria tem a sua história ligada à alimentação de Lisboa: por esta rua circulavam todos os dias, madrugada dentro, toneladas de vegetais, legumes e frutas em carroças e carretas, conduzidas pelos saloios e hortelões do termo da cidade. Atravessando o arco, seguiam para a Praça da Figueira, conhecida como o “estomâgo dos lisboetas” e demolida pelo camartelo em 1949. Quanto às carroças e carretas, descansavam nas cocheiras que ficavam nos becos, situados a norte da Rua da Mouraria: o Beco da Barbadela era um deles.

No lado oposto às Escadinhas da Saúde, construídas à custa da muralha que por ali passava, encontramos a Igreja de Nª Sra. da Saúde, a única sobrevivente das sucessivas demolições na baixa Mouraria. A igreja começou por se chamar S. Sebastião da Mouraria até meados de seiscentos: mandada erguer em 1506, pela Irmandade da Guarnição dos Artilheiros de Lisboa, a ermida tinha como orago S. Sebastião; promessa ou pagamento desta, não o podemos afirmar - sabemos apenas que o santo era considerado o advogado de

Deus, junto dos homens no combate às pestes que então grassavam no reino. Rapidamente convertida em igreja, a velha ermida torna-se, em 1596, sede paroquial da nova freguesia de S. Sebastião da Mouraria do oitavo bairro de Lisboa. Meio século depois, com a construção da Igreja de Nª Sra. do Socorro, o nome da freguesia muda. Já sem honras de paróquia, a velha Igreja de S. Sebastião, acolhe no seu altar a figura de Nª Sra da Saúde: a chegada da santa, para além de mudar o nome da igreja, inaugura uma das mais castiças e tradicionais procissões da cidade de Lisboa, que os versos do fado ilustram: Há festa na Mouraria é dia de procissão da nossa Sra. da Saúde.

Calcorreando a rua para norte, encontramos o velho Colégio dos Meninos Órfãos, também conhecido através dos tempos como Colégio de Jesus e Ermida da Guia. Este colégio foi um verdadeiro depósito e fornecedor de figuras de santos de e para muitas igrejas da Mouraria: do colégio saiu, em meados de seiscentos, a figura de Nª Sra. da Saúde. Com a sua reconstrução após o terramoto de 1755, o pórtico de

entrada manuelino ficará invertido para a posteridade: os capitéis no chão e os pilares para cima são a demonstração de que os pedreiros também se enganam…

Aqui se preparavam os desafortunados meninos órfãos para acompanharem os sacerdotes nas suas missões envangelizadoras por África e Ásia. Em 1810, os meninos mudam-se para a recém criada Casa Pia da correcção da Corte, no Castelo de S.Jorge.

Contíguo à Igreja da Sra. da Saúde, encontramos, desde os anos oitenta, o Centro Comercial da Mouraria. Pese embora o pecado original da sua arquitectura constituir um atentado ao bom gosto, hoje em dia o centro tornou--se um símbolo da diversidade étnica e cultural que se vive na Mouraria. Uma mistura de centro comercial à ocidental com praça e bazar à oriental insuflou aqui uma atmosfera muito particular, onde as mercadorias comercializadas cheiram a culturas e continentes distantes.

Para as memórias deste mesmo local ficou o famoso Teatro Apolo, demolido em 1957. Neste teatro, em 1906, a actriz Palmira Torres encarnou uma certa Severa, baseada no romance do escritor Júlio Dantas. Do outro lado da rua, frente ao quarteirão do malogrado teatro, desemboca a Rua do Capelão, morada onde viveu e morreu, sem sacramentos, a verdadeira Severa, o mito fundador do fado.

texto Margarida Duarte

罗萨玛丽亚

texto Pedro Santa Rita

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18 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

beco do imaginário

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Sonoplastia Nuno Morão

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E contou uma história de quando era pequeno e sonhava ter um animal de estimação. Mas os únicos bichos que o pai de Rodolfo admitia lá em casa eram os que se comiam: frango fricassé, robalo grelhado, entrecosto assado com batatas, etc. E o pequeno Rodolfo passou a infância desejando um companheiro de pêlos, penas ou barbatanas, que não chegava.

Até que chegou o dia do seu décimo aniversário e toda a família teve a mesma ideia. O pai comprou-lhe um periquito, a avó trouxe na cesta um gato, o avô escondeu na banheira um crocodilo, a irmã embrulhou um sapo na dobra da saia e a mãe esperava-o no

primeiro andar com um cachorrinho. Quando Rodolfo chegou, o pássaro chilreou, o gato lançou-se sobre a gaiola, que se abriu deixando escapar o pássaro directamente para a goela felina. E foi então que desatou o cão escada abaixo em perseguição do gato, mas a coleira prendeu-se na cómoda e morreu enforcado, enquanto o gato

fugido pela janela morria atropelado. Assustado, o sapo saltou corredor fora em direcção à casa de banho e à boca do crocodilo, que, para melhor o trincar, se inclinou na banheira, acabando por se desequilibrar e cair na sanita, desaparecendo nos subterrâneos da cidade. E assim foi como Rodolfo teve e perdeu cinco bichos num só dia.

Numa tarde de Junho de 2012, quando os meninos do Espaço Ambijovem da freguesia do Socorro ali chegaram como

habitualmente vindos da escola, eis que os esperava Rodolfo Castro, autonomeado “o pior contador de histórias do mundo”.

Esclarecida a origem argentina do estranho sotaque do visitante, e contabilizados os dedos no ar de todos os ausentes, Rodolfo pôde então começar.

Ósca

r, 8

anos

Harmandeep, 7 anos

Marlisa, 5 anos

Rand

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4 a

nos

Sattam, 4 anos

texto Oriana Alves

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Agosto — Dezembro, 2012 — 19 罗萨玛丽亚

Rafael, 12 anos

Terminada a história dos animais de estimação, será preciso ainda mais um esforço para convencer a audiência de que se trata do pior contador

de histórias do mundo. Rodolfo não se dá por vencido e passa

de imediato à história de Rodolfa, uma menina que passava os dias sentada no sofá, frente à televisão.

O contador desdobra-se em esgares de aborrecimento para demonstrar como Rodolfa se enfadava diante do aparelho: boceja, enrola o cabelo, baba-se e tira macacos do nariz (a fingir, claro) que enrola, atira ao ar e engole, entre outras habilidades do género. Até que se ouve mugir... mas, por mais que Rodolfa procure, não consegue descobrir de onde vem o mugido. Algumas piruetas depois, Rodolfa descobre que o barulho vem do comando da televisão. Incrédula, espreita para dentro do rectângulo e, no seu micro interior, descobre uma vaca, que ali ficou aprisionada quando se preparava para participar num concurso televisivo e que só conseguiria libertar-se caso Rodolfa (e os meninos ali presentes) mugisse convictamente, e foi tal a convicção do muuuuugido que a vaca voou comando fora e quando aterrou na terra ficou com o rabo preso, tão preso que ninguém a conseguiu desenterrar e, com o tempo, a vaca transformou-se numa flor: uma flor de vaca.

Quem por ali passava não acreditava que aquela flor fosse, na realidade, uma vaca. Da mesma maneira que nenhum dos ouvintes, presentes e ausentes, acreditou nesta história, ou talvez só o suficiente para fazerem os belos desenhos que aqui podemos ver.

Esta rubrica tem o apoio do IELT - Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (FCSH-UNL) www.ielt.org www.rodolfocastro.com

Beatriz, 9 anos

Marcello, 8 anos

Ana, 11 anos

Margarida, 8 anos

Ana Raquel, 11 anos

Page 20: Rosa Maria 04

20 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

fotoreportagem

fotografias Adriana Freire Ana Catarina Caldeira,

MG de Saint Venante Sónia Ramalho

1] D. Laurinda na R. de S. Cristóvão2] Deslocação da fonte, Largo dos Trigueiros3] Rua do Benformoso4] Obras no Largo da Guia5] Reordenação do acesso pedonal na Rua das Farinhas

1]

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Agosto — Dezembro, 2012 — 21

agenda cultural

Associação Renovar a Mouraria Beco do Rosendo nº 8T. 922 191 [email protected] —4, 26 Ago 10h Mouraria, 900 anos de História, da sua origem bairrista à actualidademulticultural-11 Ago 10h Visita à Mouraria ChinesaPonto de encontro: Ig. Sra da Saúde,Martim Moniz10€ —Visitas CantadasMuseu do Fado / ARM Julho, Ago, Set 18h30-4 AgoDesgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias-5 Ago António Pinto Basto e 2 músicos-10 Ago Ana Maurício, António Parreira e Guilherme Carvalhais-11 Ago Cristiana-12 Ago Desgarradas - Nuno de Aguiar e Luisa Soares-17 Ago Desgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias, Ricardo Parreira e Guilherme Carvalhais-18 AgoAntónio Pinto Basto e 2 músicos-19 AgoJaime Dias, Ricardo Parreira e Guilherme Carvalhais -24 AgoTeresa Tapadas -25 AgoDesgarradas - Nuno de Aguiar e Luisa Soares -26 AgoDesgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias -31 AgoArtur Batalha

-1 SetTeresa Tapadas Ricardo Parreira e Guilherme Carvalhais -2 SetDesgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias -7 SetDesgarradas - Nuno de Aguiar e Luisa Soares-8 SetCristiano de Sousa -9 SetAna Sofia Varela e 2 músicos -14 SetDesgarradas - Nuno de Aguiar e Luisa Soares Ricardo Parreirae Guilherme Carvalhais -15 SetDesgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias -16 Set Maria Amélia Proença -21 SetDesgarradas - Nuno de Aguiar e Luisa Soares-22 SetDesgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias -23 SetAna Maurício -28 SetGisela João e 2 músicos (HM música - / Helder Moutinho - ) -29 Set Desgarradas – Conceição Ribeiro e Pedro Galveias , Ricardo Parreira e Guilherme Carvalhais

-30 Set Artur Batalha -Ponto de encontro:Ig. Sra. da Saúde, Martim MonizEntrada gratuita

Casa da AchadaLargo da Achada nº11T. 218 877 090—HoráriosSeg, qui e sex 15h — 20hSáb e Dom11h — 18hwww.centromariodionisio.orgEntrada gratuita—Até 24 SetExposição: Ver Agora Melhor O Mais DistantePintura de Mário Dionísio com textos de Regina Guimarães—Seg 18h30 Ciclo a Paleta e o Mundo III—Ciclo de Cinema - Quem Canta, Seus Males Espanta Jul — SetTodas as Seg, 21h30—13 AgoMary Poppins, de Robert Stevenson—20 AgoO submarino amarelo de Georg Dunning —27 AgoA Flauta Mágica de Ingmar Bergman —3 SetA Última Valsa de Martin Scorsese—

10 SetOs canibais de Manoel de Oliveira—17 SetÉ sempre a Mesma Cantiga de Alain Resnais—24 SetSweeny Todd, de Tim Burton

Arquivo Municipal de Lisboa Núcleo FotográficoRua da Palma nº 246 T. 218 844 060—HoráriosTer—Sex – 10h — 19h00 (última entrada às 18h)Aberto 1º e 3º sáb/mês 10h — 17h—19 Jul - 01 SetExposição “As Varinas“, de Joshua BenolielGaleria (piso 0)Entrada gratuita—10h e 14h – Seg a SexServiço educativoMarcação de actividadesT. 21 8844060—

Actividade de Verão“Jogo do Kivo” Crianças 6 / 12 anosGratuito—Álbum animadoPedaços de LisboaActividades temáticas sobre a fotografiaPré-escolar / até 6 anos —Retrato químico da cidadeOficina do riscoJogo da memória de LisboaAté 6 anos —No âmbito do Passaporte Escolar, o Arquivo Municipal disponibiliza transporte gratuito às escolas públicas do ensino básico do 1º ciclo mediante reserva antecipada e sujeito a confirmação.

Bar Anos 60Largo do Terreirinho, 21T. 218 873 444www.facebook.com/baranos60Encerra às Segs.—Todas as primeiras quintas-feiras/mês Noite de fadosSexMúsicas do mundo ao vivoSábMúsica portuguesa ao vivo

Galeria ColoridaRua Costa do Castelo, 63 (Escadinhas Marquês de Ponte de Lima, 1 – A)T. 351 21 885 33 47www.colorida.pt/HoráriosTer—Sex 14h30 - 19hSáb 14h — 19h—Inauguração de exposições quinzenalmente.

Crianças e Jovens

Castelo de S. Jorge T. 218 800 [email protected]—11h - 5 Ago, 2 Set, 7 OutPrograma domingos em famíliaJogos em família 3,5 € / M/5

Aqui perto

Castelo de S. Jorge T. 218 800 [email protected]—Diariamente, 21h30Lisboa, Quem És Tu?10h às 17h—À Descoberta do CasteloProjecção multimédia3º dom/mês—(inscrição prévia)Danças com História

Museu do Fado—Até 26 Ago O Fado no CinemaExposição

Museudo Teatro RomanoPátio do Aljube, 5 LisboaT. 218 820 320Horários Ter - dom 10h — 13h e 14h — 18hEncerra aos feriados Entrada gratuita

No Bairro

Café da GaragemAlém de acolher a companhia Teatro da Garagem desde 2005, o Teatro Taborda, ao Castelo, tem um renovado espaço de lazer que oferece uma vista única sobre Lisboa, o Café da Garagem. Uma janela aberta para as costas da cidade, da Graça à Nossa Senhora do Monte, da Mouraria ao Martim Moniz. Aberto de terça a domingo, a partir das 18h, para comer uma sopa ou uma tosta, sozinho ou acompanhado, com as colinas da cidade por cenário.

é integrar “passado e presente, tecnologia e criatividade, história e património”. Os bilhetes variam entre os 12,5€ e os 65€. O preço de algumas entradas inclui a iniciativa “Sabores de Lisboa”. Peixinhos da horta, pataniscas de bacalhau e pastéis de nata são algumas das iguarias servidas. Espetáculo diário, no Castelo de S. Jorge, de Março a Outubro. Informações: www.lisboawhoareyou.com

罗萨玛丽亚

Lisboa, quem és tu? Espectáculo da autoria de António Jorge Gonçalves que recorre exclusivamente à imagem (desenho digital) e aos sons da música portuguesa. De Buraka Som Sistema a Amália Rodrigues, a proposta

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salmoura22 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

texto e fotografiaAdriana Freire

passatempos7 DiferençasAs duas imagens parecem iguais, mas na verdade contêm 7 diferenças entre si. Descubra-as.

SOLUÇÕES

Projector+fita1-Altura do candeeiro do tecto2-Cor dos sapatos da mulher3-Coprimento da fita por baixo dos pés do homem4-Comprimento do fio de suporte do quadro da parede5-Divisórias da janela6-Boca da mulher7-Latgura da tela do projector

A oferta gastronómica da Mouraria está cada vez melhor. Na nova pastelaria bangladeshiana, Sundorbon Sweets, podemos encontrar os mais variados doces e também uma grande oferta de pratos salgados da fascinante cozinha indiana: caril, Dhall, Byriani, ou pastéis de legumes. Qualquer prato pode ser consumido no local ou levado para casa a preços bastante acessíveis. Mas a melhor experiência que se pode ter neste local e que recomendamos vivamente é o pequeno almoço de inspiração indiana: um pratinho de caril de vegetais acompanhado de roti

acabado de fazer e, para beber, lassi, simples ou de manga.A chefiar a cozinha está Mr. Kamal Shikdar, que reside em Lisboa há cerca de um ano e fala inglês com um acentuado british accent, mercê da sua estadia de três anos em Londres. Kamal estudou cozinha no Bangladesh, antes de se aventurar a partir para a Europa. Diz que “tudo foi fácil” quando aqui chegou e gosta muito de viver em Lisboa, que tem “um clima fantástico”. O sonho de Kamal é um dia ter o seu próprio restaurante.

E a Índia aqui tão perto

Chicken Biryani

1 frango1 k de arroz basmati4 copos de água0,5 dl de óleo vegetal2 cebolas1 colher de sopa de pasta de alho1 colher de sopa de gengibre ralado2 tomates1 colher de chá de canela1 colher de sobremesa de sementes de cardamomo3 cravinhos1 colher de sopa de cominhos em pó1 colher de sopa de açafrão das índias (tumérico)chili em pó2 folhas de louro

Cortar o frango em pedaços muito pequenos. Picar as cebolas e refogá-las no óleo. Quando começarem a ficar moles, juntar a pasta de alho, o gengibre ralado e o tomate picado. Acrescentar as especiarias e o louro. Tapar e deixar em lume brando cerca de cinco minutos. Juntar o frango e deixar cerca de quinze minutos ou até o frango estar quase cozido. Adicionar o arroz depois de lavado em várias águas. Mexer bem e deixar cozer em lume esperto. Quando o arroz estiver quase cozido, diminuir o lume e deixar tapado por mais cinco minutos. Desligar o lume e cobrir a panela com papel de alumínio, vedando bem. Colocar a tampa por cima do papel e deixar por mais dez ou quinze minutos. Este é o “truque” para que o arroz fique solto. Servir com uma boa salada de tomate, alface, pepino e cebola, temperada com vinagreta.

Gulab Jamum

2 cháv. de leite em pó1 cháv. de farinha3 colheres de sopa de óleo ou de ghee1 copo de águaóleo para fritar

para a calda500 g de açúcar0,5 l de água

Numa tigela grande colocar o leite em pó, a farinha, o óleo e a água. Com as mãos, misturar tudo muito bem até obter uma massa consistente. Modelar em bolas com cerca de cinco centímetros de diâmetro ou então dar a forma que se quiser. Fritar em temperatura média, agitando, para fritarem por igual. Estão prontas quando ficarem douradas. Para a calda, levar o açúcar e a água ao lume e deixar em lume esperto cerca de 30 minutos. Colocar a calda por cima dos fritos e levar ao frio. Quem gostar pode ainda rechear os fritos com natas batidas.Nota: Ghee é uma manteiga clarificada muito utilizada na cozinha indiana e que pode ser comprada nas mercearias orientais da Mouraria.

Sundorbon SweetsRua do Benformoso, 222, Lisboa

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vox mourisco na dobra das palavras Agosto — Dezembro, 2012 — 23

inha-d’alhos, diz-nos O Li-vro de Panta-gruel, bíblia das cozinheiras portuguesas, é uma mari-nada: junta-se vinagre, alhos esmagados, pi-menta, cravi-nho, sal, louro, azeite q.b. e, em querendo, algum colorau

e rodelas de cebola crua. Alternativamente, o vinagre dá lugar ao vinho branco ou tinto. A vinha-d’alhos dá sabor, conserva e amacia as fibras das carnes. Envolve--se nela, horas antes da panela, coelho, carne de por-co, fígado (como nas tão lisboetas iscas), e, na ilha da Madeira, também a “espada”, o nome local do peixe-espada. Nalguns pratos aparece pontuada de malague-ta, em sabores mais quentes que possivelmente vêm em torna-viagem... Sabe-se que da vinha-d’alhos tra-dicionalmente lusa nasceu o vindaloo goês, dissemina-do universalmente na cozinha indiana, e que pelo meio da viagem das palavras e sabores terá sido vindalho. Conta-se que a carne de porco era embarcada no tempo das naus envolvida na marinada conservadora feita de produtos da terra portuguesa. Ao aportar no Oriente era acrescentada de especiarias locais, algumas bem pican-tes, e cozinhada à maneira de lá.

Entrevistas e fotografiaAna Luiza Rodrigues

texto Sara Ludovicob.i. português Ana Castroilustração Antònia Tinture

Uma língua é uma espécie de rio: move-se, troca de águas, flui, estende-se em grandes lagos ou demora-se em vastas zonas pantanosas. Estes movimentos podem ser testemunhados pelas palavras que uma língua recebe e oferece. Para inaugurar esta rubrica do Rosa Maria, dedicada às viagens feitas pelas palavras dentro e fora da língua portuguesa, começaremos por lembrar um legado linguístico do árabe.

罗萨玛丽亚

Vai ficar mais bonito, todo arranjadinho. Deviam era pôr plantas e árvores na rua para alegrar o bairro. E também uma bandeira portuguesa aqui no Largo da Rosa. Vamos a Espanha e outros países e há bandeiras em todo o lado.

Maria Helena Carvalho, 64 anos, moradora

na Rua Marquês de Ponte de Lima

A gente tem esperança que as obras dêem mais alma ao bairro e atraiam turistas. Mas os comerciantes ficaram com menos estacionamento. Só há dois ou três lugares junto à igreja e como não estão sinalizados, as pessoas

estacionam ali. E os pilaretes são muito altos: por exemplo, se as pessoas vão com sacos de compras, têm de ir pela estrada, não cabem no passeio.Carlos Antunes, 61 anos, comerciante, morador na Rua

São Cristóvão

Incomoda um bocado mas acho que vai valer a pena. Acho que vai melhorar a circulação nas ruas do bairro. Mas é preciso ter cuidado também… os carros começaram a circular aqui mais depressa. Passam aqui

na rua a grande velocidade.Vanda Moura, 35 anos, moradora na Rua das Farinhas

Espero com curiosidade o resultado das obras, acho que vai ser benéfico. Mas há coisas que falham completamente: puseram um pilarete mesmo à minha porta, quando podiam desviá-lo. Puseram a calçada a um nível que se calhar quando

chover pode entrar água aqui para dentro da loja. Outra situação preocupante é não haver, na rua que atravessa o bairro, hipótese para um carro se desviar, em caso de necessidade. Se houver um acidente, por exemplo, a rua fica bloqueada. Arlindo Tomás Rodrigues, 64 anos, comerciante

Rua de São Cristóvão

Que expectativas tem em relação às obras no bairro?

Para a obra que é deviam ter mais pessoal. Os trabalhadores andam sempre de um lado para o outro e nunca acabam o que começam. Aqui na rua disseram que iam pôr pedras novas e afinal vão pôr outra

vez as pedras que já cá estavam. Pelo que ouvimos, tem havido muitos entraves: ou é um cano mal posto ou uns degraus que não ficam bem. As ruas ficarem sem trânsito é uma boa ideia – antes estavam sempre cheias de carros.Cátia Mendes e Maria José Craveiro, moradoras na Rua João

do Outeiro

Acho que vai trazer mais turistas. Os banquinhos no Capelão, onde vai ser a Casa da Severa, ficaram muito giros. Expectativas agora é para o quarteirão dos Lagares. Aquilo está abandonado há muito tempo. Espero que seja um

espaço para idosos e jovens, alternativo aos cafés.Ana Rita Sousa, 33 anos, moradora no Largo das Olarias

As obras estão mais demoradas do que deviam. Com as alterações ao projecto já não se percebe bem o que se pretende: se é melhorar as condições de acessibilidade dos moradores, ou uma operação de embelezamento para tornar

o bairro apetecível a quem vem de fora. Com casas a cair é estranho que só se queiram endireitar as ruas. A Mouraria está na moda – o que se pretende com isso não sei. Os responsáveis pela requalificação deviam ter mais contacto directo com os moradores.Youri Paiva, 27 anos, trabalhador na Casa da Achada

Acho que estão a correr bem. Há moradores que se calhar não estão a gostar porque já não há espaço para os carros… mas tem de ser, as pessoas também tinham de passar e é bom ter os passeios mais larguinhos.

Maria Joaquina Brandão, 68 anos, moradora no Beco do Castelo

B.I.Concanim (língua canarim ou goês)

Número de falantes no mundo: 3,6 milhõesVariedades: bardeskari (gomantaki), brâmane sarasvat, chitpavani (konkanasths), daldi (nawaits), kudali (malvani), daldi e chitapavaniFamília*:Indo-europeia; Indo-iraniana; Indo-ariana; da zona sul (o concanim é primo em segundo grau do guzerate, do hindi e do bengali)Geografia: Uma das línguas oficiais da Índia e a língua oficial do estado de Goa, falada maioritariamente na costa ocidental indianaSistema de escrita: alfabeto latino e kannadaRanking: 93ª língua mais falada no mundo

*As línguas, como as pessoas e as espécies de animais e plantas, têm família (e apelidos!): pais, irmãos, tios, primos mais próximos e mais afastados, avós, bisavós e tetravós... todos descendendo de um antepassado comum e com diversos ramos (sub-famílias).

Fontes: www.ethnologue.com

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banda desenhada de Nuno Saraiva

entrevista

24 — Rosa Maria Agosto — Dezembro, 2012

“Hoje a Mouraria é onde tudo acontece”A Mouraria está emtransformação. Há menos carros no interior do bairro, ruas recuperadas e espaços com mais vida. Mas há ainda promessas por cumprir, reconhece a presidente da Junta de Freguesia do Socorro, Maria João Correia.

Como é que a população da Mouraria está a ver a requalificação do bairro? Está bastante agradada. Pessoas que aqui viveram toda a vida, e que vêem a Casa da Severa a ser recuperada, olham para o largo da Severa como um espaço onde podem passar uma tarde. A Rua da Guia está a sofrer a intervenção do piso e vai ficar reabilitada. O interior do bairro estava cheio de veículos. Isso hoje não acontece. O bairro está todo em trans-formação, e as pessoas estão contentes.O Presidente da República, Cavaco Sil-va, visitou o bairro recentemente. Pou-

cos dias antes, algum do edificado foi como que ‘lavado’. Não lhe parece que se tentou esconder a degradação?Foi a primeira vez que um Presidente da República aqui passou. Foi com grande entusiasmo que as pessoas o receberam. Compreendo a pergunta, mas não vejo a questão dessa forma. Acho que quando temos convidados em nossa casa quere-mos sempre mostrar o melhor. E foi isso que tentámos fazer. Ficámos todos a ga-nhar: a Mouraria ficou falada de um dia para o outro por boas razões. Um dos objectivos do QREN Mouraria é a criação de um equipamento para crianças e idosos, numa extensão da Junta do Socorro. Há previsões para o início da obra?Infelizmente, não. Já questionei várias vezes a Câmara e têm-me dito que a obra vai avançar. O projecto existe, o equipa-mento no papel é lindíssimo, mas o pa-pel não me diz nada. Porque continuo a ter crianças a frequentar um espaço pe-quenino. Não é digno. As nossas crian-ças não podem ser esquecidas. Quais as razões desse atraso?Questões burocráticas. Continuamos a aguardar, não vamos é desistir. E as obras do futuro espaço infantil da Rua do Capelão, quando terão início? Esse espaço está ocupado com um esta-leiro de obras. Assim que deixar de o ter, o parque infantil avança.

O bairro precisa de uma creche. Existe algum projeto?Está falado, também com o executivo camarário. Não nos foi prometido nada, mas estamos confiantes de que possa acontecer. A Mouraria está a crescer a olhos vistos. Os pilaretes que foram colocados no âmbito do novo ordenamento do trân-sito forçam muitas vezes as pessoas a andar na estrada. Como resolver isto? É uma crítica que nos tem chegado. Muitas vezes as pessoas que estão a fazer a obra não têm a sensi-bilidade para estas coisas. E a flexibilidade muitas vezes não existe. Temos conseguido, numa ou outra situação, mi-nimizar o problema. Obviamente que os pilaretes tiraram luga-res de estacionamen-to, mas quanto a mim, a bem da população.Qual o balanço que faz das obras de requalifica-ç ã o d o L a r g o do Intendente?F o i u m a ob r a q u e tardou em

começar, mas traz-nos bastantes benefícios.A requalificação tem sido transversal. Começou no Intendente, mas tem vin-do a descer até à Mouraria. E tem havi-do uma sintonia quase perfeita, porque houve a preocupação de englobar todas as pessoas que estavam envolvidas no processo. Quer os comerciantes, quer inclusivamente as prostitutas que ali trabalhavam. Obviamente que há ou-tras coisas que se podem fazer, mas o eixo da Almirante Reis foi uma zona es-

quecida durante muitos anos. As pes-soas estavam descrentes. Viram

outros bairros serem reabilita-dos - Alfama, Castelo, Bairro Alto - e achavam que a Mou-raria nunca iria ser requali-ficada. Esse trabalho tam-bém tem vindo a ser feito, o

de desconstruir a ideia de que aqui nada aconte-

ce. Hoje a Mouraria é onde tudo acontece. Como é que vê a Mouraria daqui a cinco anos? Vejo-a como um sí-tio muito agradável para se viver. Estão a ser criadas as infra-estruturas. Mais vale tarde do que nunca.

entrevista e fotografia Ana Catarina Caldeira