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SacerdoteS 22

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Corpo preso, mente livre

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Capítulo 22 – Corpo preso, mente livre

Kanoles e Karnar decidiram ir até as Montanhas Gêmeas para tentar ajudar Elkens e os outros. Este é o primeiro dia após a conversa com Valmar, o rei de Roldur, e agora estão caminhando por entre as árvo-res da floresta Almaren, fazendo o caminho inverso. Kanoles argu-mentou que eles não precisavam voltar pela floresta, podiam sair pela muralha agora que foram liberados pelo rei, mas o domador de demô-nios não lhe deu ouvidos. Disse apenas que precisariam de uma carona para chegar mais rapidamente às Montanhas Gêmeas. Kanoles não entendeu o que ele quis dizer, mas mesmo assim assentiu. Já se sentia mais seguro ao andar ao lado do domador de demônios. Estavam andando sobre o grandioso tapete de folhas douradas. A misteriosa e bela música que percorria por entre as árvores voltou a ser ouvida por Kanoles, ainda sem que ele tivesse certeza de que realmen-te a ouvia. Após horas caminhando por Almaren, Karnar finalmente parou e disse: — É impossível. Creio que somente Demonddur conheça o caminho. — Para onde exatamente está querendo nos levar? – perguntou Ka-noles. – Sei que não estamos seguindo para a saída… — Não, não estamos. Não estou tentando sair da floresta ainda. Primeiro preciso encontrar o vale Niruden, onde fica aquela ruína em que encontrei a coroa que os espíritos de Almaren me deram. — Por que vamos voltar para lá? – perguntou Kanoles surpreso. – Precisamos ir atrás de Elkens o quanto antes. — Você se lembra daqueles demônios alados que vimos protegendo as ruínas? Os valadurs… precisamos de um deles para irmos mais rápido até Netai e Ketai. O tempo é curto e precisamos ser rápidos para aju-

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dar Elkens e os outros. Com a ajuda de um valadur chegaremos lá em pouco tempo. — Pretendia domar um daqueles demônios? – exclamou Kanoles se assustando com a forma simples com que Karnar dizia aquilo, com uma calma tão grande que parecia que aquilo era a coisa mais simples do mundo. Os valadurs eram do tamanho de dragões, porém, muito mais rápidos que eles. Tinham asas enormes e rasgadas, e um grande esporão na cauda. O pescoço era tão comprido quanto fino e sua pele era negra. O grito de um valadur era ouvido de muito longe e assusta-va a qualquer um. — Não pretendia – respondeu Karnar. – Pretendo! E depois que eu domá-lo e sairmos desta floresta, vou mandar Shidra entregar uma mensagem para Elkens e Mifitrin aonde quer que eles estejam. Kanoles não entendia exatamente o que Karnar estava querendo di-zer, pois o domador de demônios era muito misterioso. Karnar estava mexendo em suas vestes procurando por algo, até que finalmente en-controu. — Aqui está – disse ele exibindo algo nas mãos. — O que é esse pedaço de papel velho? — Esse pedaço de papel velho é um dos pergaminhos básicos que um domador de demônios deve ter – o pergaminho continha um símbolo em destaque, uma espécie de rosa dos ventos, indicando várias direções opostas e atribuindo outros símbolos para cada uma delas. Instanta-neamente os olhos de Karnar ficaram completamente brancos, como Kanoles já havia se acostumado a ver, então ele fez um gesto de mãos esticando o pergaminho entre seus dedos. – Esse pergaminho pode atrair certos tipos de demônio, desde que se saiba onde ele se encontra. Como os valadurs estavam protegendo as ruínas, suponho que ainda estejam lá, então com certeza um deles virá até nós.

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Kanoles ficou apenas observando. Enquanto o pergaminho permane-cia esticado entre os dedos do domador, Karnar sussurrava algo in-compreensível ao vento. No segundo seguinte uma chuva formou-se sobre a floresta e das gotas de água surgiu Shidra. Ao longe, Kanoles pôde ouvir o grito de um valadur se aproximando com incrível veloci-dade. Shidra já se preparava para a luta e fazia a chuva ficar cada vez mais forte. Uma verdadeira batalha seria travada entre o demônio aquático e o demônio alado, mas Karnar continuava agindo calmamente. Kanoles recuou alguns passos, só por precaução…

4º Cavaleiro da Magia – Kam Arma Branca – Coroa dos Espectros

Vinte anos atrás, Zander estava em seu escritório, no ápice da Torre Espiral, junto à Kam. Este, um General da Magia com nove pingen-tes, é o conselheiro do Guardião, quem lhe ajuda a resolver os proble-mas com sábios conselhos. E mais uma vez Zander recorria ao seu amigo para debaterem um dos problemas que lhe estava incomodando. — As coisas realmente não estão boas – Zander dizia. ‒ Dos nove colares, apenas cinco estão em uso. Tenho apenas cinco Cavaleiros na minha guarda agora: Kaiser, Bulque, Shiron, Magai e Alain. Mais cedo ou mais tarde Alain me entregará seu colar para que possa se de-dicar aos seus assuntos; quando isso acontecer vou ficar com quatro Cavaleiros, menos da metade. Isso sem mencionar Shiron, que não me respeita como Guardião. Reconheço as habilidades dele como Cavalei-ro, é sem dúvidas o mais forte, mas ele está por conta própria e não

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posso contar com ele. O que sugere que eu faça para resolver isso, Kam? Do outro lado da mesa de Zander, sentado numa cadeira defronte a ele, Kam analisava a situação. Realmente não era bom um Guardião ficar com sua guarda tão reduzida quanto Zander estava. Alguma coisa precisava ser feita. — As armas brancas que estão em desuso são as garras, a coroa, o bá-culo, e o escudo e, assim que Alain desistir de ser um Cavaleiro, a mar-reta também será acrescentada a esta lista. Para o escudo e a marreta o senhor mesmo pode indicar os protetores que julga serem merecedores de portarem essas duas armas, pois elas dificilmente desaprovam uma escolha. Já o báculo e as garras costumam escolher seus novos porta-dores por conta própria e isso pode levar décadas para acontecer. Mas o problema maior continua sendo a Coroa dos Espectros. Zander deu um longo suspiro enquanto ouvia Kam, pois o General apenas confirmava que a situação deles não era muito favorável. En-quanto Kam pensava em uma solução, Zander espalhou uma pilha de relatórios que estavam diante dele e passou a folhear um por um, em-bora na realidade não estivesse prestando atenção alguma ao que fa-zia. Logo Kam teve uma idéia: — Pelo histórico dos Cavaleiros que já foram portadores das garras, acredito que elas façam a escolha baseada nos protetores ágeis, com habilidades de luta corpo a corpo. Acredito que o caráter não influa muito quando se trata desta arma. Podemos fazer competições entre os Generais diante das garras, até que ela escolha alguém. Zander aprovou a idéia imediatamente. — Se uma das armas em desuso obter um novo Cavaleiro, as outras ficarão tentadas a fazer o mesmo. O escudo e a marreta não têm mui-ta influência sobre as outras armas…

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— Mas a coroa tem! Se a coroa entrasse em ação, se ela elegesse um novo Cavaleiro para usá-la, as outras apressariam suas escolhas. Elas ficariam tentadas a entrarem no jogo. Zander concordou com a opinião de Kam, embora isso não resolvesse problema algum. — E quem ousaria colocar a coroa? – perguntou Zander descrente de que isso fosse acontecer. ‒ A coroa geralmente deixa que os candidatos venham até ela, pois ela preza a coragem, mas quem de nossos Gene-rais teria coragem de ser testado por ela? Que mente resistiria usar a coroa sem enlouquecer? Kam não respondeu. Realmente as chances de alguém suportar o po-der da coroa eram mínimas… Pela terceira vez Elkens atravessou um dos portais e se viu em um lu-gar completamente desconhecido. O verde das folhas e o colorido das flores encontrados no jardim de Briluem ficaram para trás, sendo substituídos por uma única cor: branco. Encontravam-se em uma enorme catedral, com o teto muito alto e abobado. Tudo era incrivel-mente branco, desde os mínimos detalhes. Várias imagens estavam espalhadas por todos os lados, do chão ao te-to, desde quadros até grandes esculturas. A Catedral Alva era o quar-to templo, mas Elkens não conseguia encontrar o seu defensor. Levou alguns segundos até que finalmente o encontrasse. Ele estava sentado em modo indiano no meio da catedral. Estava com os olhos fechados, o que fez Elkens ter uma idéia; tocando levemente seu colar se comu-nicou telepaticamente com Meithel: Ele não percebeu que estamos aqui. Vamos atacar de surpresa… — Não! – disse Meithel sem se preocupar se o Cavaleiro podia ouvi-lo. – Este homem sabe de tudo, Elkens, inclusive tudo o que aconte-

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ceu desde que entramos aqui. Kam é conhecido por ser um dos poucos protetores capazes de se manter no quinto nível de concentração o tempo todo. É isso que o permite saber de qualquer coisa que está acontecendo dentro dos Domínios da Magia. É impossível atacá-lo de surpresa. Elkens olhou mais atentamente para o quarto Cavaleiro. Reparou que até mesmo o ar em torno dele era diferente. A magia fluía em seu cor-po de forma surpreendente, criando uma aura de energia à sua volta. Foi então que Elkens viu que o Cavaleiro sequer estava sentado sobre o chão, ele levitava centímetros acima dele. — Mas não se preocupe – disse Meithel sorrindo, então começou a andar na direção do Cavaleiro sem se importar em ser atacado. Então ele ergueu seu tom de voz e se dirigiu ao homem de branco: ‒ Kam, meu velho amigo. Que bom ver que eles não conseguiram te machu-car… Enquanto Meithel percorria a grande distância que o separava de seu amigo, Elkens permaneceu imóvel, temendo que Meithel pudesse estar enganado. Um rápido brilho chamou a atenção de Elkens para algo que Kam estava usando: uma bela coroa branca, adornada com três pequenos fragmentos de cristal. A coroa lhe passava pela fronte, então se escondia por debaixo de seus cabelos. Elkens logo percebeu que aquela era a arma branca de Kam, pois reparou que a magia fluía da coroa também. Uma rápida manifestação de magia na coroa de Kam comprovou os receios de Elkens: — CUIDADO MEITHEL! Mas já era tarde. A crença de Meithel de que seu amigo continuava sendo um bom Cavaleiro o impediu de raciocinar rápido o suficiente para se defender ou fugir. O espectro brilhante de um guerreiro conju-

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rou-se da coroa de Kam, assim como um fantasma, então correu con-tra Meithel e o atacou com os punhos. Meithel foi jogado ao chão, mas, ao atingi-lo, o espectro desapareceu. Elkens correu de encontro a Meithel, ajudando-o a se levantar do chão. Meithel parecia em choque. Seu olhar estava petrificado e ele não demonstrava qualquer reação. Não conseguia aceitar que estava sendo atacado por um de seus melhores amigos dentro dos Domínios da Magia, aquele a quem sempre recorreu quando precisava de ajuda ou de conselhos. — Não… não você, Kam. Isso tem que ser mentira… não acredito que você também tenha traído a Magia e se aliado à Mon… Mas não houve resposta alguma. Kam continuava sentado no chão com os olhos fechados, indiferente ao fato de que havia mais alguém ali e que estava falando com ele. Meithel ainda não conseguia aceitar. Um dos mais respeitados Cavaleiros da Magia, aquele com o maior in-telecto entre todos os nove, o mais sábio de todos, como isso podia ter acontecido? — Meithel – chamou Elkens ao seu lado. – Você tem que entender que Kam é nosso inimigo e precisamos lutar contra ele. — Não, Elkens – ele protestou. – Sei que há uma razão por trás de tudo isso. Posso aceitar que qualquer Cavaleiro tenha nos traído, me-nos aquele que certo dia me disse que a vida perdia o sentido quando se saía do curso. Kam preferia morrer a estar do lado de Mon. Nesse momento o poder da coroa voltou a se manifestar e mais dois espectros de luz surgiram à frente do Cavaleiro que permanecia senta-do. Os espectros avançaram contra Elkens e Meithel, novamente es-pectros de antigos guerreiros. Elkens tocou seu colar rapidamente e conjurou o escudo da Alma em volta dos dois, mas o escudo não adi-

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antou de nada. Os espectros o atravessaram e atingiram os dois Sa-cerdotes, desaparecendo em seguida. — O seu escudo não adiantará de nada – Meithel explicou ao se re-cuper do golpe. O que está nos atacando são apenas espectros, não têm almas. A coroa de Kam é capaz de recriar a forma e o poder de qual-quer ser vivo que seu dono tenha conhecimento, mas é apenas um re-flexo do verdadeiro ser, então desaparece logo após nos atacar. Kam não é capaz de mantê-los por muito em combate, mas em contraparti-da pode conjurar quantos espectros desejar. Elkens olhou para seu amigo e perguntou: — Alguma idéia de como podemos derrotá-lo? Meithel olhou para Elkens e balançou a cabeça negativamente. En-quanto isso Kam conjurava mais espectros para atacá-los… Kalimuns, Sáturan e Cronos eram os únicos agora dentro dos Palácios do Guardião, nos Domínios do Tempo. Todos os outros que estavam participando da Convocação Elementar haviam saído para fazer ou descobrir algo. Eles já haviam discutido tudo o que era necessário, mas não podiam fazer mais nada enquanto não descobrissem o que se pas-sava exatamente nos Domínios da Magia. Sabiam que tudo o que es-tava acontecendo lá estava sendo influenciado por Mon, mas não sa-biam exatamente quais eram os objetivos dele. Mon estava preso em uma outra dimensão, separada de Gardwen, por isso o mundo estava seguro, mas essa dimensão onde ele está preso é a mesma onde estão os Domínios dos três Elementos, porém os Domínios estão fechados para o resto da dimensão, e Mon está preso do lado de fora. As fronteiras de cada Elemento é o que mantém Mon afastado. Os grandes sábios dos Elementos sabem que Mon pretende atravessar as fronteiras dos

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Domínios da Magia e através deles conseguir voltar novamente ao mundo, mas ninguém sabia como exatamente ele pretendia fazer isso. — É por isso que Mon seduziu os nove Cavaleiros da Magia a passar para o lado dele – dizia Cronos ao Mestre e ao Guardião da Alma. – Para conseguir entrar nos Domínios da Magia ele precisa que alguém lá de dentro o ajude. — Concordo com você Cronos – disse Kalimuns sem surpresas. – Mas tenho certeza que somente os nove Cavaleiros da Magia não teriam forças para romper as fronteiras dos Domínios da Magia, que são tão bem reforçadas… — Mas foi por isso que ele isolou a Magia – Sáturan explicou. – Com esse isolamento todos os Elementos enfraquecem, inclusive as frontei-ras da Magia. Mon conseguirá entrar por lá se não fizermos nada. — Mas ainda assim creio que os nove Cavaleiros da Magia não teri-am poder suficiente para isso. Mesmo sendo mais fácil corromper a Magia por ser o Elemento mais jovem, suas defesas são dezenas de vezes mais resistentes que as do Tempo e da Alma juntos… ‒ conti-nuou Kalimuns, mas parou ao ver a expressão de medo no rosto do Guardião da Alma. — Você tem razão Kalimuns – disse ele pesaroso. – E é isso que me leva a crer que Mon conseguiu um aliado muito mais poderoso que os Nove Cavaleiros. — Quem seria? – perguntou Cronos surpreso. — Esse é o problema Cronos – Sáturan respondeu. – Não faço idéia… Nesse momento a conversa foi interrompida, pois as grandes portas escancararam-se fazendo grande barulho e por elas passou Arkas, o Mensageiro do Tempo. Ele correu agitado em direção aos três. Parecia realmente assustado.

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— O que houve Arkas? – perguntou Cronos pondo-se em pé. — Os portais… ‒ começou ele com a respiração arfante. – Todos os quatro portais paralelos para os Domínios da Magia estão abertos. Além do portal no deserto Arkver que Elkens e os outros abriram, os outros três portais se abriram de repente. — Você viu quem abriu? – perguntou Sáturan seriamente. — Não senhor – respondeu Arkas. – Os portais foram abertos por dentro e não pude ver quem fez isso. Eu tentei entrar, mas… Arkas parou de repente. Parecia prestes a contar algo muito impor-tante, porém terrível. — Fui impedido de entrar. Há vigias de Mon em todos os quatro por-tais e eles não nos deixam entrar nos Domínios da Magia. — Quem são os vigias? – Kalimuns perguntou. — Não sei. Eles agem nas sombras e não se mostram abertamente, mas não creio que sejam kenrauers. — E agora Sáturan? – Cronos voltou-se para o Guardião da Alma. – Isso é um bom ou mau sinal? — É muito bom os portais estarem abertos, mas o fato de estarem sendo vigiados por Mon é realmente ruim. Não podemos saber exata-mente o que está acontecendo – então sorriu inesperadamente – mas lá no fundo eu sei que a abertura dos portais não estava nos planos de Mon. Parece que temos mais aliados lá dentro do que esperávamos. — Corram – gritou Yusguard. Ele e seus homens ainda estavam no portal do deserto Arkver, aguar-dando algum sinal dos que estavam lá dentro, mas havia algo muito estranho acontecendo. O céu escureceu-se momentaneamente e ele sen-tiu que alguém estava saindo dos Domínios da Magia através do por-tal, mas não viu ninguém além de uma sombra. Várias outras sombras

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surgiram e então avançaram contra o príncipe de Covarmen, e foi por isso que ele gritou para seus homens. Ouviram-se quatro assobios e no segundo seguinte Sangrento, o dra-gão de Yusguard, estava ali, seguido pelos outros três dragões. São e salvos no ar, sobre seus dragões, um dos homens perguntou à Yus-guard: — O que são aquelas coisas? — Não sei, mas olhem: estão protegendo o portal e nos atacaram por estar perto. São vigias! — E agora, o que faremos? — Continuaremos aqui – respondeu Yusguard prontamente. – Há coisas ruins acontecendo e Elkens, Meithel, Laserin e Gauton estão lá dentro. Ficaremos aqui até que eles venham nos buscar.

♦ O próximo espectro conjurado por Kam foi uma enorme fera, que avançou galopando contra Elkens e Meithel. O Sacerdote da Magia utilizou o feitiço da levitação para escapar, levando Elkens junto. — Não podemos continuar assim – disse Elkens. – Precisamos atacar ao invés de ficarmos apenas fugindo. — Não há como, ele não nos dá brecha para atacá-lo. Elkens conjurou uma grande esfera de luz rubra mas, assim como aconteceu das outras vezes que tentou, o feitiço foi bloqueado por um espectro e não atingiu o Cavaleiro da Magia. Assim que Elkens e Meithel voltaram ao chão, outro espectro estava pronto para atacá-los, e então avançou. Dessa vez era novamente o espectro de um antigo guerreiro, munido de sua espada. Rapidamente Meithel conjurou sua espada de luz branca e enfrentou o espectro, que

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após alguns segundos tentando ferir Meithel, desapareceu assim co-mo todos os outros. — Não vamos poder vencer dessa maneira – disse Meithel. – Aos poucos nossa magia vai se extinguindo, mas Kam ainda tem centenas de espectros para nos atacar. Atrás de Kam estava o altar com o grande arco de pedra, que era o portal que os levaria até o quinto Cavaleiro. Mas o portal ainda esta-va fechado, pois precisariam do colar de Kam ou de algum Cavaleiro superior para abri-lo. Seria impossível atravessar o portal sem derrotar Kam. Mas foi então que algo aconteceu. Uma luz envolveu o arco de pedra às costas de Kam; o portal estava se abrindo. Elkens não entendeu o que estava acontecendo, e Meithel pensou que Kam finalmente fosse ajudá-los, mas logo descobriu que isso não era verdade. Alguém apare-ceu sob o arco de pedra e assim eles entenderam que o portal foi aberto por um Cavaleiro superior a Kam. — Aquele é Magai ‒ informou Meithel indicando o homem sobre o altar. – O quinto Cavaleiro da Magia. O Cavaleiro permaneceu parado sob o portal, então se dirigiu a Kam, que também permaneceu imóvel. — Livre-se logo desses insetos, Kam, e deixe de brincar. Há coisas mais importantes para se fazer agora. Pela primeira vez Elkens ouviu a voz de Kam, e ele se surpreendeu. Era a voz calma de alguém muito sábio. — Qual é o problema, Magai? — Fomos traídos, Kam. Alguém roubou todas as faces do Cristal de quatro Faces que tínhamos e abriu todos os portais que estavam tran-cados…

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Elkens, agora é a nossa chance, disse Meithel telepaticamente ao amigo. Não podemos perder mais tempo com Kam. Aproveite que o portal está aberto e siga em frente. Eu te dou cobertura. Elkens olhou para seu amigo e perguntou: — Tem certeza que pode enfrentar Kam sozinho? — Vai. Não há tempo a perder… Enquanto os Cavaleiros conversavam, Elkens correu a toda velocida-de. Teria de passar por dois Cavaleiros para atravessar o portal e não sabia como faria isso, mas sabia que tinha de ser feito. O Cavaleiro que estava sob o portal percebeu o que ele estava fazendo e então dis-parou inúmeras fagulhas contra Elkens, que iriam perfurar todo o seu corpo. Nesse instante Meithel conjurou uma luz branca que encheu toda a Catedral Alva e cegou aos quatro. Elkens sentiu o seu corpo levantar-se no ar e voar rapidamente em direção ao portal. Meithel estava uti-lizando a luz para que não soubessem onde atacar e estava fazendo Elkens voar para se esquivar dos ataques e para ir mais rápido. Porém, da mesma forma inesperada como Elkens teve seu corpo levan-tado no ar, segundos após ele estava caindo, e assim que atingiu o chão toda a luz que enchia a catedral desapareceu. Automaticamente olhou para trás; Meithel estava inconsciente no chão, pois acabara de ser atacado por um espectro de Kam. Elkens estava sozinho agora e precisava atravessar o portal a todo custo. Já havia passado por Kam, mas ainda havia Magai bloqueando seu caminho. Assim que ele se preparou para atacar Elkens, o Sacerdote utilizou um simples feitiço da Alma para despistar seu inimigo: refle-xos da alma. No mesmo instante Magai viu centenas de pessoas diferentes correndo ao seu encontro e não pôde localizar Elkens no meio de tanta gente.

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Todas aquelas pessoas que apareceram eram as vidas passadas de Elkens, e os ataques de Magai não faziam nada, pois eram apenas vi-sões. Enquanto corria entre suas vidas passadas, Elkens viu de relance os olhos de uma delas. Só pôde ver os olhos, pois havia muitos reflexos correndo ao seu lado, mas teve certeza de que já vira aqueles olhos. Eram profundamente azuis. Inconscientemente Elkens parou de cor-rer e tentou ver de quem eram aqueles olhos, mas ele não pôde mais lo-calizá-lo, pois logo aquele reflexo se misturou no meio de tantos ou-tros e Elkens não o viu mais. Então voltou a correr, mas sem deixar de pensar naquela sua vida passada que o surpreendera tanto. Todos os reflexos corriam ao seu lado, como se imitassem os seus mo-vimentos, por isso o quinto Cavaleiro ficava confuso e não sabia quem atacar. Então finalmente Elkens conseguiu passar ao lado de Magai e atravessar o portal. Ele conseguiu… Mifitrin estava sentada à beira da Nascente Brilhante, nos Domínios do Tempo. Estava sentindo-se extremamente inútil, pois fora impedi-da de ir até os Domínios da Magia ajudar Elkens. A Guerreira procu-rou seu tutor mais algumas vezes desde que ele a proibiu de ir ajudar seus amigos e aconselhou a ele que montassem um grupo de busca, pois precisavam ao menos ir resgatar Elkens e os outros, mas ele não acei-tou. Mifitrin não podia fazer nada para ajudar seus amigos, apenas rezar pela vida deles, assim como havia aprendido com Stemon. — Mifitrin? Ela assustou-se ao ouvir aquela voz e se levantou rapidamente.

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— Você aqui? – perguntou ela surpresa. – O que veio fazer? Onde está o Elkens? Gauton mirou Mifitrin por alguns segundos através de seus óculos de armação redonda. Não conseguia dizer a ela que ele fora forçado a trair Elkens e os outros, então ficou sem respostas. — Me diga Gauton, o que aconteceu com eles? Onde eles estão? — Por favor, acalme-se Mifitrin. Eu vim sozinho até aqui. Elkens, Meithel e Laserin ainda estão nos Domínios da Magia… A surpresa que Mifitrin teve em ver Gauton ali a impediu de reparar, mas agora ela percebia que Gauton estava muito machucado. — O que aconteceu com você Gauton? Está todo ferido… — Eu tive que me redimir por algumas coisas erradas que fiz – res-pondeu ele dando um leve sorriso forçado. – Roubei os cristais dos Cavaleiros da Magia e abri todos os portais que estavam trancados. Mas Mon não queria que os portais fossem abertos, então os vigias tentaram me matar… Mifitrin sorriu, apesar de todas as suas preocupações. — Eu vim aqui para lhe dizer algo, Mifitrin – continuou Gauton adquirindo um tom preocupado. – Nesse instante Elkens e Meithel estão enfrentando sozinhos os Cavaleiros da Magia… — Eu sei… ‒ disse Mifitrin com sua voz falhando e Gauton chegou a jurar que viu a sombra de uma lágrima em seu olho; mas estava en-ganado. No momento, Mifitrin ainda encontrava-se incapaz de cho-rar. – Mas eu não posso ir ajudá-los… — Então eles irão morrer, Mifitrin! Eles não têm a menor chance de passar por todos os Cavaleiros para salvar o Guardião. — Diga isso na Convocação Elementar, Gauton – Mifitrin pratica-mente lhe implorou. – Diga a eles que precisamos ir ajudar Elkens!

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— Não, Mifitrin. Você sabe tão bem quanto eu que eles não permi-tirão isso. Só você pode ajudá-los, Mifitrin. Você é a única que po-de… Mifitrin baixou a cabeça e ficou pensativa. Não sabia o que fazer, pois por mais que fugisse para ajudar Elkens, seria perseguida e toma-riam seu colar. Não havia nada que pudesse fazer. — Mifitrin – chamou Gauton mais uma vez. – Elkens vai morrer se você não ir ajudá-lo. Eles precisam de você, Mifitrin! Assim que Elkens atravessou o portal, o quinto Cavaleiro fechou o portal e foi atrás dele. Nesse instante Meithel recobrou os sentidos e levantou-se. Ainda não iria se render. Lutaria até o fim. Já havia so-frido as dores de enfrentar Mudriack, seu melhor amigo, e estava dis-posto a fazer o mesmo com Kam. Desta vez não foi um ou dois espectros que foram conjurados por Kam. Dezenas deles foram conjurados e atacaram Meithel. O Sacer-dote da Magia conjurou uma barreira, mas assim que ela foi derruba-da, Meithel conjurou inúmeras esferas que atacaram os espectros ra-pidamente, além de lutar também com sua espada de luz branca. Dessa vez Kam não pararia de atacar enquanto Meithel não fosse derrotado, pois o quinto Cavaleiro havia dito que eles estavam preci-sando agilizar os planos. Meithel não teve trégua, pois Kam conjura-va espectros sem parar, e assim que um desaparecia, dez eram conju-rados em seu lugar. Por alguns minutos Meithel atacou com toda a força e agilidade que tinha, mas logo começou a se cansar e sua magia foi se esgotando, mas os espectros não paravam de correr em sua direção para atacá-lo. Quando Elkens utilizou o reflexos da alma para atravessar o portal surgiram dezenas de pessoas ali, mas esse número não era nada com-

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parado à quantidade de espectros que haviam agora. Eles avança-vam aos montes contra Meithel e este foi massacrado por eles. Quan-do estava extremamente ferido foi que os espectros foram diminuindo de número, até que somente um espectro correu ao encontro de Meithel. A vista de Meithel estava obscurecida pelo sangue de seus ferimentos e ele não pôde ver que aparência tinha o último espectro, mas ele sabia que era esse espectro que daria o golpe de misericórdia. Ele estava ajoelhado no chão, com ferimentos no corpo todo, apenas esperando o ataque do último espectro. Então ele chegou, ficou a fren-te de Meithel e… — Olá Meithel! – o espectro disse, inesperadamente. Meithel ficou muito assustado. O espectro não o atacou, apenas o cumprimentou, e Meithel conhecia perfeitamente aquela voz. Ele lim-pou a vista e surpreendeu-se: o espectro que estava parado a sua fren-te tinha a forma do próprio Kam. — Kam? – perguntou Meithel surpreso. – O que está havendo? O espectro sorriu e Meithel viu que realmente era seu amigo. — Meithel, vá embora. Vá para o mais longe que puder e nunca mais retorne aos Domínios da Magia – era uma ordem. Em seu escritório, Zander ouviu uma forte explosão; sabia que o som vinha lá de baixo, por isso se levantou de sua cadeira e seguiu para a grande parte de vidro que ficava ao fundo do escritório. De lá olhou para baixo e enxergou a confusão que se formava no pátio diante da entrada da Torre Espiral. Havia um protetor sozinho, provavelmente o responsável pela explosão, e a sua volta se formava um círculo de outros protetores que chegavam para ver o que estava acontecendo.

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Não demorou mais que alguns segundos para que Zander ouvisse em sua mente: Zander, era a voz de Kaiser, um de seus Cavaleiros. Temos problemas aqui em baixo… O Guardião nem se deu ao trabalho de responder. Utilizando-se da habilidade de teletransporte, desapareceu de seu escritório, reapare-cendo dentro do círculo de protetores curiosos e ficando de frente pra o protetor responsável pela confusão. Quando o encarou e descobriu quem era, Zander sentiu um aperto em seu coração. — Kam? O seu General e mais precioso conselheiro estava ali, diante dele, gri-tando sem controle; Zander ficou em dúvida se era por dor ou por rai-va. Parecia um misto dos dois. Os olhos de Kam estavam arregalados e desfocados e havia neles um incomum tom vermelho. Quando o olhar de Kam recaiu sobre Zander, cresceu dentro dele uma fúria desmedida e, num repentino movimento dos braços, causou uma segunda explo-são. Por estar muito próximo, Zander foi jogado de costas no chão do pátio. Foi então que o Guardião enxergou a Coroa dos Espectros na testa de seu querido conselheiro. — Kam, o que você fez? – perguntou Zander, mesmo sabendo que di-ficilmente seria ouvido. Era exatamente por este motivo que ninguém ousava colocar o coroa, pois é raro aquele que resiste ao seu poder. Pa-ra aqueles que têm a ousadia de arriscar, há apenas três conseqüências possíveis: morrer, enlouquecer, ou tornar-se um Cavaleiro da Magia. E neste momento, Kam parecia ter enlouquecido, o que fazia com que as pernas de Zander tremessem. Mas ainda era cedo para saber; apa-rentemente Kam havia acabado de colocar a coroa, então ainda estava recebendo o primeiro impacto dos poderes da coroa. Ainda teriam de esperar para ver como seu cérebro iria reagir.

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Tremendamente preocupado com o destino de seu fiel amigo, Zander caminhou até ele e segurou em seus ombros. Um ato praticamente im-pensado, que não serviria para nada, mas o Guardião esperava apenas passar confiança ao amigo, queria mostrar-lhe que não estava sozi-nho. Os olhos anormalmente vermelhos de Kam encararam Zander e ele soltou mais um grito que mesclava raiva e dor. Imediatamente após gritar, Kam passou a atacar com um terrível poder que Zander sabia vir da coroa. Ele estava atacando apenas com a mente, atacan-do a mente de Zander. O Guardião tentou levantar barreiras em sua mente para se proteger, mas as investidas de Kam eram tão poderosas que sua mente era invadida e atacada sem resistência alguma. Tentando resistir aos constantes ataques de Kam, Zander olhou de re-lance para o lado e viu quando Kaiser liderava outros Cavaleiros na tentativa de se aproximar de Kam sem que ele percebesse e nocauteá-lo. — PÁREM ONDE ESTÃO! – Zander ordenou. — Vamos nocauteá-lo, senhor – disse Kaiser prontamente. – Não iremos feri-lo, eu prometo, apenas deixá-lo inconsciente. Ele está fora de controle… — Se o poder da coroa for interrompido agora sua mente não resisti-rá, entrará em colapso – respondeu Zander mantendo sua palavra. Não iria voltar atrás; ninguém iria atacar Kam. Kam agora juntou aos gritos de dor e raiva uma risada completamente insana. O poder da coroa estava enlouquecendo-o cada vez mais. Kam não resistiria. — Vamos Kam – Zander implorava, ainda segurando os ombros do amigo e suportando os terríveis ataques da mente. ‒ Você consegue Kam, sei que consegue… Vamos, tente manter o controle… Sei que está me ouvindo.

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Kam gritou ainda mais alto e gerou mais duas explosões, mas o Guardião não soltou seu braço. De repente seus dois ouvidos passa-ram a sangrar, e foi então que Zander chegou a achar que o cérebro do General não iria suportar mais. — Concentre-se Kam… Você vai conseguir… concentre-se, vamos… Lágrimas escorriam pelo rosto do General, revelando que lá no fundo, bem longe, ele ainda estava consciente. Mas a dor era insuportável e por isso ele gritava cada vez mais alto. Após um último grito de gelar o coração, e de mais uma forte explosão, finalmente tudo acabou. Kam caiu de joelhos no chão, sendo amparado por Zander. O Guar-dião tentou desesperadamente reanimar seu General até que ouviu sua voz abalada: — Oi… A voz de Kam estava terrivelmente fraca, mas não havia dúvidas de que ele estava bem. Zander sorriu, aliviado, e enxugou as lágrimas que também escorriam por seu próprio rosto. — Fiquei com medo de perder meu conselheiro… — Está me devendo uma – Kam respondeu. — Sim – Zander concordou, rindo como uma criança. ‒ Sim, estou em dívida com você, Cavaleiro.

♦ — Senhor – Mifitrin chamou no Pátio da Antúnia, onde estava seu tutor. – Senhor Manjourus, me espere. O General do Tempo esperou sua pupila e, assim que ela se aproximou, ele falou com o mesmo tom com que falara com Mifitrin das outras vezes:

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— Sinto muito, Mifitrin, mas mantenho minha palavra e digo que você não tem autorização para deixar os Domínios do Tempo… — Não é por isso que vim falar com o senhor – ela o interrompeu. – Vim para lhe entregar isso. Mifitrin retirou seu colar de Guerreira do próprio pescoço e ofereceu-o a Manjourus. — O que isso significa? – perguntou ele perplexo. – Não vou pegar seu colar! Mifitrin então forçou Manjourus a segurar seu colar e disse: — Muito obrigada por ter me treinado. O senhor me tornou uma boa Guerreira, mas não preciso mais de seus ensinamentos. — O que pretende com isso, Mifitrin? – perguntou ele, segurando o colar de Guerreira que pertencia a ela. — O senhor sabe que antes de treinar para ser uma Guerreira com o senhor, eu treinei para ser uma Sacerdotisa. Eu era uma Guerreira porque tinha mais pingentes nesse colar e também porque havia desis-tido de ser uma Sacerdotisa. Mas chegou a hora de eu voltar a ser o que Morton me pediu. Vou procurar o Mestre Kantus e vou exigir o meu colar de Sacerdotisa do Tempo novamente. — Tem certeza que é isso que quer? – perguntou Manjourus. – Quer desistir de ser uma Guerreira do Tempo? — Sim, eu tenho certeza, senhor. Obrigada por seus ensinamentos, mas a partir de hoje eu volto a ser uma Sacerdotisa do Tempo. Eu fui impedida de ir até os Domínios da Magia porque era uma Guerreira, mas sendo uma Sacerdotisa poderei ir livremente, assim como Elkens e Meithel. Ela deu as costas a quem foi seu tutor por algum tempo, deixando Manjourus perplexo sob a Antúnia. Após algum tempo, porém, ele sorriu e disse baixinho:

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— Essa é a Mifitrin que conheço. Vá Mifitrin, vá ajudar seus ami-gos. Eles precisam de você, Sacerdotisa Mifitrin… — O que está dizendo Kam? – perguntou Meithel. – Eu não vou embora e você sabe disso. — VÁ EMBORA, MEITHEL! – ordenou o espectro do quarto Ca-valeiro, irritando-se. — NÃO – Meithel insistiu. — Muito bem – disse o espectro de Kam voltando ao seu tom de voz normal. – Não queria que você se machucasse mais, mas vejo que será inútil. Então está na hora de você compreender algumas coisas. — É isso mesmo que eu quero – disse Meithel. – O que está aconte-cendo aqui nos Domínios da Magia? O que aconteceu com você e Sha-nara e todos os outros? — Quero que você entenda Meithel – começou Kam – que todos os Cavaleiros que enfrentou até agora não são inimigos. Nenhum dos que enfrentou são inimigos, nem mesmo eu. Acontece que todos nós esta-mos sendo controlados por um poderoso feitiço. — Quem? Quem está controlando vocês? — Kaiser, o Cavaleiro-Líder. — O quê? – perguntou Meithel perplexo. — Sei que será difícil de acreditar nisso, mas é a verdade… Você, me-lhor que ninguém, deve saber que eu jamais trairia a Magia, você me conhece… E Meithel realmente o conhecia. Acreditou em cada palavra que ou-viu: — Quer dizer que o nono Cavaleiro está controlando todos vocês? Foi ele quem os forçou a se voltarem contra o Guardião da Magia e a aprisioná-lo?

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— Isso mesmo – respondeu Kam. – Mon conseguiu convencer Kai-ser a ajudá-lo e todos nós estamos sendo forçados a seguir sua vonta-de. Meithel estava perdido. Primeiro Gauton disse que os Nove Cavalei-ros é que estavam controlando todos os demais, agora um dos Cavalei-ros estava dizendo que apenas o Cavaleiro-Líder é que estava contro-lando a todos. Mas ele não tinha como duvidar disso, pois ele sabia que aquele espectro representava seu amigo de verdade. — Meithel – Kam o chamou. – Eu vou te pedir algo: chegue até o Guardião e o liberte. Precisamos que o Guardião seja libertado para que ele nos ajude a repelir as forças de Mon dos Domínios da Magia. Só ele pode nos salvar… — Eu vou fazer isso Kam. Prometo a você que vou salvar o Guar-dião. — E eu acredito em você… Agora você precisa me derrotar… — O quê? – perguntou Meithel perplexo. — Meithel, não há outra maneira. Eu só pude lhe contar tudo isso porque Kaiser não tem controle total sobre nossas mentes, apenas so-bre nosso corpo. Mas por mais que eu queira te ajudar, Kaiser ainda tem controle sob meu corpo e se você tentar passar por mim eu irei atacá-lo. — Eu não posso te atacar Kam, não sabendo que você continua leal à Magia… — É preciso, Meithel, caso contrário você não conseguirá derrotar Kaiser. Eu estou protegido contra qualquer ataque seu, portanto você deve fazer com que os meus espectros me ataquem. Você deve fazer com que os meus próprios espectros voltem até mim, assim não terei como me defender. Eu me atacaria sem problemas, mas são necessários vários espectros para me derrotar, portanto só você pode fazer isso.

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Depois que passar por mim, não hesite em derrotar os outros Cava-leiros, pois todos eles querem ser derrotados para impedir os planos de Kaiser e de Mon… Neste momento o espectro de Kam desapareceu, e Meithel estava no-vamente sozinho. Lá na frente, o verdadeiro Kam passava a conjurar outros espectros com a ajuda de sua coroa. Meithel precisava pensar num jeito de fazer os espectros voltarem contra seu amigo. Kalimuns, Sáturan e Cronos ainda estavam nos Palácios do Guar-dião, aguardando que alguém trouxesse uma novidade, mas não vinha ninguém. Todos estavam se empenhando muito para conseguir algo, mas não estava sendo fácil entender os planos de Mon. — Tudo o que queríamos há alguns dias era que os portais para os Domínios da Magia fossem abertos – começou Cronos – mas agora que alguém os abriu não podemos entrar lá… — Devemos esperar que as coisas caminhem – disse Kalimuns. – Te-mos que esperar que consigam alguma notícia de Mon ou que decifrem algo novo nos pergaminhos ancestrais. Se entrarmos lá agora teremos de lutar contra os nove Cavaleiros da Magia, e isso apenas adiantará o Desequilíbrio Elementar. Temo por Elkens e Meithel que estão lá agora, lutando sozinhos… Dizer isso em voz alta era praticamente inadmissível. Eles jamais de-veriam permitir que os Sacerdotes iniciassem uma guerra contra os Cavaleiros da Magia, mas todos sabiam que isso já havia acontecido. Permitir que um Elemento enfrentasse outro é arriscado demais, mas nas atuais circunstâncias ficar de braços cruzados é ainda pior. — Mas eles têm mais chances de vencer do que nós, Kalimuns – disse Sáturan. – Os Cavaleiros subestimam os Sacerdotes, por isso creio que não estejam utilizando todo o seu poder contra os dois.

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— Por que diz isso? – perguntou Cronos. – Você realmente acha que os Cavaleiros serão derrotados por subestimar Elkens e Meithel? — Sim, Cronos, eu acredito nisso. Tenho certeza absoluta de que os Cavaleiros não estão usando seus colares para atacar Elkens e Meithel, pois se utilizarem os colares correm o risco de serem punidos por eles a qualquer momento. — Mas eles ainda têm as armas brancas! – disse Cronos. — Exatamente. Elkens e Meithel estão enfrentando os Cavaleiros, mas estes estão apenas usando suas armas brancas. Sei que as armas são muito poderosas, mas elas também são muito vulneráveis. — Mas então quer dizer que se pudéssemos entrar lá agora vencería-mos facilmente? — Não, se entrássemos lá eles se sentiriam ameaçados e tenho certeza que escolheriam usar os colares, mesmo correndo o risco da punição. Pela segunda vez em poucas horas, a conversa dos três foi interrompi-da quando as portas do palácio foram abertas de repente. Pela porta passou Mifitrin, que corria alegre até eles. — Desculpe interrompe-los – disse ela educadamente – Mas preciso saber onde está o Mestre do Tempo Kantus. — Desculpe Mifitrin – disse Cronos – mas não há como você falar com ele neste momento. — Por quê? – perguntou decepcionada. — Todos os Mestres estão reunidos em estágio supremo de concentra-ção, onde não podem ser incomodados. Eles estão tentando manter as fronteiras dos Domínios intactas, a fim de impedir que Mon entre nos Domínios. — Quando eu posso falar com ele? — Ele deve nos trazer um relatório em algumas horas – disse Ka-limuns. – Mas por que exatamente você deseja vê-lo?

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Mifitrin sorriu por um momento antes de responder: — Tomei uma decisão muito importante. Acabo de entregar meu colar de Guerreira a Manjourus. Voltarei a ser uma Sacerdotisa do Tempo. Todos olharam surpresos para ela, mas não disseram nada, então ela continuou: — Creio que como Sacerdotisa vocês não possam me impedir de ir até os Domínios da Magia ajudar Elkens e Meithel. Kalimuns olhou para ela e sorriu. — Você tem razão Mifitrin, mas deve estar ciente de que não deve ir até lá com o objetivo de lutar, e deve apenas lutar em último caso. Vo-cê me entendeu? — Entendi – respondeu ela prontamente. – Meu objetivo é resgatar Elkens, Meithel e Laserin e, se possível, descobrir o que se passa por lá. Apesar de dizer isso, não era o que Mifitrin pretendia. Assim que che-gasse lá ela iria enfrentar os Cavaleiros da Magia ao lado de Elkens e Meithel e chegaria até o Guardião da Magia, a quem pretendia sal-var. Kalimuns viu isso na alma da nova Sacerdotisa do Tempo, mas sorriu e ficou em silêncio, pois era exatamente isso que Morton lhe disse algumas horas atrás. Ele disse que Mifitrin lutaria e que, jun-tamente com Elkens e Meithel, realizaria a Elemantísses; porém, os únicos que sabiam disso eram Morton e Kalimuns. As peças finalmen-te estavam se encaixando… Dezenas de espectros de feras e guerreiros antigos foram conjurados por Kam e correram contra Meithel. O Sacerdote da Magia se prepa-rou para criar a barreira mais forte que já criara, uma que se compa-rasse às poderosas fortalezas criadas pelos Generais. Com essa barreira ele iria deter os espectros e fazê-los voltar contra Kam.

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Quando os espectros estavam muito próximos, Meithel liberou a ma-gia concentrada e criou uma grande barreira branca a sua frente, a maior que já criara em toda a sua vida. Os espectros que estavam mais a frente se chocaram com a barreira, e Meithel sentiu uma grande for-ça empurrando-o para trás. — Eu vou cumprir a promessa que fiz a você, Kam – ele gritou. – NÃO VOU SER DERROTADO! Numa fúria repentina Meithel liberou toda a magia que corria em su-as veias e utilizou toda a força do colar. Os espectros atacavam inu-tilmente a barreira, que a cada segundo ficava maior e mais resistente, e aos poucos foram recuando, sendo empurrados pela barreira de Meithel. Agora ele iria vencer, sabia disso. Em pouco tempo sentiu todas as forças abandonarem seu corpo e se concentrarem na barreira. Final-mente chegou a seu limite, e a barreira se manteve estável. Porém, por mais que a barreira estivesse forte, aquele era seu limite, mas para Kam o limite não estava próximo. Mais e mais espectros estavam sen-do conjurados e Meithel não suportaria manter a barreira muito tem-po. Logo o grande número de espectros já não estava podendo ser con-tido por uma só barreira, e Meithel foi perdendo. — EU… NÃO… VOU… PERDER! – gritou Meithel furioso, mas nesse momento a barreira partiu-se em vários pedaços e desapare-ceu. As centenas de espectros avançaram contra Meithel e o atingiram. Ele foi pisoteado e atacado por muito tempo e, somente quando caiu, foi que Kam parou de atacá-lo. O Cavaleiro da Magia levantou-se de onde estava sentado e deu as costas ao corpo de Meithel. Não havia porque permanecer ali, pois

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Meithel morreria a qualquer momento e não haveria mais de quem proteger aquele lugar… — A compaixão de Mifitrin a cega para a realidade – disse Cronos pesaroso. – É muito corajosa por tudo que está fazendo, mas ela não entende que quando chegar aos Domínios da Magia, Elkens e Meithel provavelmente estejam mortos. — Você está errado Cronos – disse Sáturan repreendendo-o com seve-ridade. – Não é a compaixão de Mifitrin que a faz acreditar que po-derá salvar seus amigos, é a esperança. Justamente a esperança que você deveria ter, pois está nos pergaminhos ancestrais que será neces-sária muita esperança se quisermos vencer Mon. — É isso mesmo – Kalimuns concordou com seu Guardião. – Da úl-tima vez que consegui contato com Elkens, ele já havia derrotado dois Cavaleiros. — Tudo bem – consentiu Cronos. – Mas você quer que eu acredite que eles conseguirão vencer todos os nove Cavaleiros? Até mesmo para nós isso não seria tão fácil… — Realmente o poder que eles adquiriram até agora não é suficiente para se derrotar os Cavaleiros – disse Kalimuns. – Para derrotá-los, Elkens, Meithel e Mifitrin terão de realizar milagres. Terão de domi-nar um poder nunca visto antes. Elkens já usou esse poder três vezes, mas ainda não tem controle sobre ele. Até mesmo Meithel chegou a usar levemente este poder, embora nem tenha percebido. Tenho certeza que Meithel e Mifitrin também irão despertar esse poder em breve… — De que poder você está falando? – perguntou Cronos sem enten-der, mas não foi Kalimuns quem respondeu, foi Sáturan: — Esse poder é o Novo Elemento! O Elemento que, segundo os per-gaminhos ancestrais, nascerá para nos ajudar a enfrentar Mon.

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— Mas esse Elemento irá nascer logo? – perguntou Cronos. — Nascerá no mesmo momento em que Mon for libertado da outra dimensão. Mas ele está surgindo aos poucos, nas pessoas como Elkens, que dão suas vidas para enfrentar Mon. Por isso, quando Elkens mais precisou, o Novo Elemento despertou nele e lhe deu forças para con-frontar os Cavaleiros. Kam abriu o portal com seu colar e estava indo ao encontro do quinto Cavaleiro. Precisava acabar com Elkens que havia conseguido passar por ele de forma tão repugnante, mas Kam sabia que provavelmente o quinto Cavaleiro já devia ter acabado com ele. — Espere Kam. Ainda não terminamos! Kam virou-se surpreso e viu Meithel levantando-se do chão. Não era possível que ele, mesmo quase morto, ainda encontrara forças. Mas foi então que Kam percebeu: havia muita força no corpo de Meithel. Uma estranha energia verde envolvia seu corpo; uma energia diferente de qualquer coisa que tivesse visto, pois apesar de poderosa, não pare-cia ser magia. Era algo muito mais forte e puro que a magia. A energia verde que emanava do seu corpo era assustadora, irracional. — Eu prometi a você Kam que eu salvaria o Guardião da Magia da mão de vocês, e é isso que eu vou fazer. Kam não disse nada, apenas ficou de frente para Meithel e concen-trou-se em sua coroa; logo dezenas de espectros surgiram a sua frente e correram contra Meithel. Precisava acabar com isso de uma vez por todas. Meithel ficou de frente para os espectros e colocou as duas mãos para frente, como se quisesse segurá-los. A energia verde que envolvia seu corpo acompanhou seus braços e formou uma barreira a frente de Meithel, muito mais forte do que a que ele criara minutos antes.

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Os espectros aumentavam de número a cada segundo, mas não con-seguiam atravessar a nova barreira de Meithel que agora era verde ao invés de branca. Era verde, não representando a Magia e sim o Novo Elemento da Vida, o Elemento que havia despertado no coração de Meithel também. — Como eu disse Kam, cumprirei minha promessa. Me desculpe, mas eu preciso derrotá-lo agora. Meithel deu um grito que ecoou por todo o salão e, com seu grito, todo o estranho poder que fora acumulado em seu corpo se liberou. A bar-reira de luz verde a sua frente explodiu com tamanha intensidade que fez os espectros recuarem correndo, contra Kam. Meithel observou Kam não fazer nada para se defender ou mesmo fu-gir, pois sua sabedoria lhe dizia que havia perdido. Em um segundo os espectros estavam sobre ele e o jogaram vários metros longe, onde caiu inconsciente. Kam fora derrotado por seus próprios espectros, que de-sapareceram após atacá-lo. Agora sim Meithel havia vencido. Ele caminhou cautelosamente até o portal, que fora aberto há pouco pelo próprio Kam. Meithel não entendia direito o que foi aquela ener-gia que o ajudou, mas não queria pensar nisso agora. O que ele queria era atravessar logo o portal e ajudar Elkens.

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