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  • 8/8/2019 sapos_tolentino

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    Bruno Tolentino

    OS SAPOS DE ONTEMA POLMICA TOLENTINO-CAMPOS

    pau puro!TOLENTINO TRAZ DE VOLTA A PESTE CLSSICA

    om mais de 40 anos deatividade potica, e mais

    de 40 livros publicados, doisteros dos quais dedicados traduo de poesia, tenhobagagem literria abismal-mente superior do despre-

    zvel e obscuro articulista,meu desafeto, um salta-pocinhas internacional, - tolodoente e cretino, ou numa spalavra-valise: Tolentino!

    Dear Mr. Tontolino:I trust youll let it be

    if Ive mispelled, latinoshave always confused me,

    Whats all the fuss about?Whos been tampering with an

    ashId so pointedly left out?

    Who is this pompous ass?

    e are not impressed. Senos ativermos ao ver-

    nculo de tantos fascculos,a nudez do sapo-rei apenascmica. Se nos estendermos leitura competente daslnguas que anuncia conhe-

    cer, a coisa mais sria, uma indigente intrujice queno passaria no exame vesti-bular de Oxford.

    C W

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    A farsa como Histria

    1arx pode ter sido umaCassandra que nodeu certo, mas numponto acertou em

    cheio: a Histria que se tenta repetiracaba em farsa. O chamado Con-cretismo foi uma delas. A idiamesma de vanguarda talvez jno se preste a outra coisa. Em todo

    caso, o certo que estas ltimasdcadas, enquanto se agredia ainteligncia brasileira por todos oslados, em poesia pretendeu-se mas-carar indigncia de inspirao einabilidade artezanal mediante umextico receiturio pretensamentenovo. No h, nunca houve novi-dade alguma nos maneirismos eludismos das civilizaes em crise,como o atestam, entre tantos sinto-

    mas alhures, os jogos florais de ro-manos e gregos in extremis. Passa-do o pice de cada projetocivilizatrio em via de esgotamento,surgiu sempre ao longo da Histriauma pletora de exoterismos prpriosa entreter uma iluso de liberdade

    enquanto no chegam os brbaros.Como na obra-prima de Cavafy

    sobre o tema, ou na ode de RicardoReis sobre os jogadores de xadrez, o

    que todos esses estados de transetm em comum invariavelmenteum mesmo grau de vacuidade exis-tencial e idolatria esteticista, nasci-dos do pnico ante o real e traduzi-dos em impotncia ante alinguagem. O poeta ento, sem falacomo o menino ante a nudez da

    M

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    maja, ato contnuo diviniza-a: maisainda que do desejo sem meios, sempre do sacro pavor que nasce aidolatria. O culto da linguagem a

    coisificao totmica da deusa nua.1

    Quando a linguagem de uma tribodeixa de ser instrumento natural decomunicao para tornar-se objetode manipulao pelo nefito, que

    j foi entronizada como fim em simesma. Promovida a assunto, notarda proclamada meta supremado ofcio de dizer. Subitamente jno lhe cabe significar seno a simesma, e no mais ao ser, vida, aomundo. Este, alis, o primeiro quesome, como a insignificncia que ante o toten-em-si, a celebrada ereverenciada meta linguagem: outenslio vira amuleto, o amuleto divinizado e o carro solenementeempurrado para adiante dos bois.2

    1 Na antologia Poesia Concreta (Litera-tura Comentada, 1982) o Concretismoa uma certa altura descrito como toten

    para se us cr ia do res e ta bu pa ra seus

    leitores e o poema como verdadeirautopia ... sem valor de troca; quanto aseu consumo pelo leitor, apela-se maisadiante para uma sua boa vontadeldica. Em suma, a coisificao idlatrada escrita e o esprito depl ay -g ro un d.2Na mesma antologia (a cura de IumnaMaria Simon e Vincius Dantas) l-seainda que o poema deixa de expressare representar um universo de sentimen-tos e emoes exteriores a ele, parapresentificar uma realidade viva e au-tnoma - a realidade em si do poema.

    Anos antes, em Teoria da Poesia Con-creta (Duas Cidades, 1975) Haroldo deCampos, citando Gomringer, explicava:O poema concreto uma realidade emsi, no um poema sobre... Como noest ligado comunicao de conte-dos e usa a palavra como material decomposio e no como veculo de

    Desde o Renascimento a ideologiavem substituindo o mundo-como-talpelo mundo-como-idia numa varie-dade inesgotvel de frmulas, mas

    esta particular perverso apresentaa vantagem de combinar cacoetesmilenares com um sotaque de mo-dernidade todo especial. Comefeito, a frmula imbatvel, poisaparece como um solipsismo queabolisse precisamente o eu, retiran-do-lhe a subjetividade em favor deuma cobiada divindade secular: orelativismo mascarado em objetivi-dade. Esta ltima, numa sbita es-pcie de imanncia iluminativa ento atribuida ao novo toten, alinguagem-em-si; o que s os deusespossuiriam, a apathea da objetivida-de, o novo dolo passa a encarnarneste pobre mundo de incertezas.Por outro lado, a incerteza do fugazcabe como uma luva ao monstrengo:ao indizvel divinizado corresponde asinuosidade dos fenmenos. Pelaensima vez na Histria, volta-se aconstatar embasbacado que a spide

    da linguagem pode danar to oumais rpido que as aparncias fugi-tivas, que delcia!

    Antiqussimo

    jogo de afliesadolescentes

    interpretaes do mundo objetivo, suaestrutura seu verdadeiro contedo.

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    O que aconteceu entre ns comfumos de novidade foi mais umainstncia desse antiqussimo jogo deaflies adolescentes,3 no passou

    disto apenas, de um deslocamentodo essencial para o suprfluo, deuma coisificao divinizatria domeio como fim. No caberia maisescrever poemas, mas compor, me-lhor ainda, propor poticas. Em vezdo bolo pronto, uma infindvel expo-sio de receitas e ingredientes,todos, alis, com seu mofo particularseparado do bolor acusatrio dosoutros em nome de uma supostasuperioridade intrnseca. Foi semprerevelador, de resto, que em temposde gagueira pnica o trocadilho vin-gasse solta: o esboo da serpen-te ociosa compraz-se em seus nsmais bvios. E se o poema, como otodo vivo que , atreve-se a nada tera ver com uma pomposa sugestode intenes entre exotricas efuturas, como se no falasse, oupior ainda, falasse do que, no sendoele-mesmo, pertencesse ao odioso

    reino do real, esse desmanteladorincurvel de conjeturas... Passadoo susto e expulso o intruso, volta-se ordem plcida das prateleiras, o

    jogo continua. De gro de mostardade uma f natural, de ato de confi-ana vital no verbo humano, de mi-crocosmo dessa mesma humanida-de, o poema intimado a tornar-sepicadeiro de bolso, tabuleiro de xa-drez, tubo de ensaios de uma ociosi-

    dade vazia de sentido. Assim foi, aum certo nvel ao menos, com

    3 A sens ib il id ad e agor a pr esen te mais a de um transeunte enervado quelana seu testemunho annimo, misturade gesto enigmtico e de deboche, doque a de um poeta... cf. Obra citada .

    aquela idolatria paralisante de ordemabstrata e de cunho conceitual-autoritrio que teve incontveis no-mes no crepsculo da antiguidade

    clssica e se chamou por aqui van-guarda, concretismo, praxis, etc.A um certo nvel, digo, porque a

    um outro nunca passou de vulgarimpostura. Tanto mais bvia comotal, quanto surgiu paradoxalmente noinstante mesmo em que a poesia noBrasil atingia enfim a um patamarde universalidade que todas as civili-zaes em todas as eras chamaramde clssico. O espantoso, pois, oflagrantemente artificial, no eraapenas que os gaguejos oracularesde Noigandres nascessem dosainda recentes bocejos parnasians-ticos e abarrocados de trs autoresem nada distintos da mediocridademorna da gerao a que de fatopertencem em estilo, mentalidade eflego: o nati-morto balbucio de 45.4

    4No havia diferena alguma, fossequalitativa, fosse de dico, vocabulrio,

    sintaxe ou sensibilidade, entre os mo-oilos de No ig an dres e o p ior qu e fu-megava o resto do calibre 45; atestava-oo estilo penteadeira-de-velha do Sr.Augusto de Campos em 1953:em gla-romas de amil e penubis / (...) / comestas mornas flores de oroms / mori ge-rantes ou cansadas coras so algu-mas das incontveis prolas cedias comque se adornava ento a musa solteiro-na do futuro enrag... Ou, a do irmomais velho mesma poca, em seu maispuro estilo me-segura-que-eu-vou-ter-

    um- troo: Filomela de azul metamor-foseado / zeni th de marf im onde o cr is-pado / anse io se arbi tra / (. .. ) / xadrezde estrelas, salamandras de incndio /(...) / princesa plenilnio desse reino /de vus alseos: o ar. / (...) / astronomiade que so rions de pena / Lusbellibra-se sobre o abismo... etc., etc. Em

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    PRLOGO

    Surpreendente era que erguessemas auto-excitadas cabeotas justa-mente quando Bandeira, Drummond,Ceclia, Jorge, Murilo e Cabral ele-

    vavam nossa lira a cimos que atento desconhecia. Com a maturi-dade de cada um daqueles mestres,espcie dos quatro primeiros, nossaMusa ascendia a uma nova medidade grandeza, a par com as maisaltas vozes europias e continentais.Pela primeira vez desde a eruporomntica (quando corremos atrsde Victor Hugo e Lord Byron, e node Leopardi, Hoederlin ou Keats,alas!) tivemos fartamente, de 1930a 1960, uma voz potica ao nvel docoro universal de nossos inevitveismodelos externos.

    Nada parecia preludiar, menosainda convid-lo a uma descons-truo, um abstruso ascetismo nocorpus recente (e to frgil ainda!)da linguagem de uma raa que sedespia enfim de exterioridades esentimentalidades para por a nu oprprio estofo da alma. Ao contr-

    rio! Com Claro Enigma (1951) e

    nota ao ditirambo em sete partes e umadzia de estrofes de igual calibre e teor,o imantado versejador de lantejoulasque em seguida relegaria Bandeira,Drummond e Jorge de Lima margemdo processo cultural informava-nostratar-se - como no? - de um poemasobre o poema... Mas notvel mesmoera o decano da banda, Sr . Pignatari, emcujo estilo debutante-descarrilhada o

    inolvidvel cansada cornucpia entrefestes de rosas murch as efetivamenteresumia a tripartite arte num nico ver-so-emblema. Como se pode ver sapos

    j foram pombos / nas madrugadas deoutrora... (cf. Poesia Concreta, nota1) .

    adjacncias, o nervo da interrogaometafsica nos trpicos abria amplose profundos espaos para uma ver-dadeira perquirio do ser, final-

    mente possvel com a superao daobsesso telrica e a conquista deum idioma prprio, a um tempo den-so e abrangente, capaz de encasulara reflexo do universal em suasinfinitas possibilidades. Mestre Ban-deira por mais de 30 anos purificarao idioma da modernidade, universali-zara-o e aclimatara-o, interiorizandoo olhar que pesa o mundo, limpandoo horizonte emotivo-verbal para quenele se movessem, tanto o gigantedrummundiano da interrogao dedipo, quanto a reconstituida silhu-eta de um Orfeu recobrado ba-cante e dado Histria: CecliaMeireles codificara a tradio maisperene, tornara lmpida sua historici-dade e dera-lhe razes nativas pelaprimeira vez paralelas s da metro-pole da lngua, mas enfim livresdela. entre A Rosa do povo(1945) e o Romanceiro da Incon-

    fidncia (1953) que nossa lricafunda definitivamente a parte da

    Histria em solo nosso.Como se no bastasse, havia

    mais, claro. Jorge de Lima rein-ventara, no tanto ao Orfeu infladoe semiforme como acabara impres-so em 1953, mas ao soneto, essehai-cai da msica conceitual doOcidente. O surpreendente alagoa-no, menos artfice mas to grande

    artista quanto o Bandeira e oDrummond sonetistas, no dispensa-ra o rfico de pensar em quatorzeversos, mas o confrontara lavacandente da metfora a um tempo

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    barroca e moderna.5 Tudo somado,em todo caso, Jorge amalgamara,seno com gua de fonte ao menoscom fora de torrente, as tabatingas

    palpitantes da tribo. Sbito, j noera imprescindvel importar. Peri e oTamoio tinham enfim sua prole ma-dura, nosso Guararapes poticotriunfava de Pernambuco s MinasGerais, das Alagoas ao Morro Carade Co. E Murilo Mendes tampoucodeixava por menos, cumpre notar.

    5Tudo isto escaparia retrica do Sr.Haroldo de Campos que, em artigo no

    Dir io de So Paulo de 5/6 /1955 o re-sumia como o lirismo annimo e an-dino, o amor s formas fixas do vago(...) a redescoberta do soneto guisade dernier cri (...) preguioso anseioem prol do domingo das artes, remansoonde a poesia, codificada em pequeni-nas regras mtricas e ajustada a umsereno bom tom formal (...) pudesse

    ficar margem do processo cultural.At hoje o articulista no se mostroucapaz de um nico soneto, no se digacom a alta voltagem dos que no s deram

    aqueles trs mestres modernistas, maspor vago , annimo ou andino qu efosse; mas j se mostrava capaz dedecidir por si s o que fosse esse pro-cesso cultural, a cuja margem relegavanossos dois maiores poetas junto com aespetacular reinveno jorgeana dasecular forma toscana. Ignor ava tam-bm, entre bem mais que at hoje no dsinais de hav er descoberto, que a me-lhor poesia inglesa, de Aud en a Hill,nutria-se, como sempre o fizera e faria(scorn not the sonnet!), daquela msi-

    ca conceitual que nunca deixou de revi-fic-la. Deixava igualmente de notar queat mesmo Montale acabava de reins-taurar os famigerados 14 versos em La

    Bufera e altro , culminao de sua obrapotica, ela sim, revolucionria, por toinstauradora e moderna quanto clssicano mais amplo sentido do termo.

    De Poesia Liberdade (1944) aTempo Espanhol (1959) densidade,ritmo e espao davam-se as mospara dar asas prprias linguagem

    arraigada no dia-a-dia, aquela mes-ma que Mrio de Andrade tantohavia imaginado sem alcanar.6 EJoo Cabral, nos Poemas Reunidosde 1954, sobretudo da Fbula de

    Anfon ao Co sem plumas, mine-ralisava o indizvel, dava-lhe corpo emsica longe ainda das montonaslogofonias do conceito. No, nadapedia ou deixava prever um colap-sus linguae a nascer da compulsoauto-biogrfica de alguns ilumina-dos... Norte-sul-leste-oeste da ln-gua madre, revificada pela ascenointerior da Musa, da Musa local, auma to buscada identidade prpriaante o desafio da universalidade, osanos 50, nosso meio do caminho,no pediam um pedra de plsticoimportada, nem tinham porque pas-sar a campo de pouso de implumesaves exticas, no instante mesmoem que eram enxotados de vez os

    papagaios cassianistas.

    26Manuel Bandeira no fugira a esseproblema crucial que comprometeu arealizao potica marioandrad ina; com aaguda clareza do poeta-crtico, diagnos-ticara-o lapidarmente como uma deslo-

    cao do imaginrio, uma fatal falta decho sob todo o seu projeto lrico: lin-guagem artificial, porque uma sntesee sistematizao literria pessoal demodismos dos quatro cantos do Brasil ( pgina 134 de Apresentao da Poe-sia Brasileira, Casa do Estudante do

    Bras il , 1953) .

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    PRLOGO

    No obstante, aqui comea atriste histria cujo pfio desfechoeste ensaio autopsia e este livro

    celebra. Porque, face mais altaplenitude de nosso verso em quatrosculos, comeara a arregimentar-se a legio dos ressentidos. Os re-provados no vestibular da universali-dade contestavam no apenas asregras do jogo, mas a legitimidademesma da arte nacional em seu toanelado zenith. Os sem lugar naHistria pregavam o golpe de esta-do que pusesse o mundo-como-idiano lugar do real. E a agitao conta-giava: arauto da mais recente per-verso da sempre preciosa seita doscristos novos do Conceito, MarioFaustino, dos altos de sua pgina noSuplemento Dominical do Jornaldo Brasil perdia de vez as

    A seita doscristos-novos

    do conceito

    estribeiras. Tratava-se de um jovemautor cujo nico livro, o recm pu-blicado O homem e sua hora, emseus cerca de 700 decasslabosregulares (quase todos brancos,exceto pelos oito sonetos entre osvinte e um poemas da coletnea)

    enxertava a dico de Jorge deLima a um lastro discursivo algomrmoreo, de cunho conceitual-idealista, embora assaz pessoal.Eivado de exotismos, mais pungenteque pujante, seu verso correto, maspouco dctil, afastava-se tanto da

    fluncia do demtico quanto dolxico contemporneo, privilegiandoa dico cultista a servio de umaviso herica da Histria. Esta, em

    seu cerne um paganismo apesomenos a uma ideologia que a umanostalgia, parecia porejar sobretudode sexual undertones de um cunhofrancamente alternativo. Mais ima-turo e audaz que propriamente in-ventivo, havia ainda assim no irre-quieto piauiense precocementefalecido aos 32 anos uma foraoriginal evidente: nos melhoresmomentos de seu Opus 1 e nicorevelara-se um poeta de flego, toimpresivisvel quanto promissor.Tornara-se tambm um polemista deverve e ampla influncia em suapgina do Jornal do Brasil, Poesia-experincia (1956-58). Desafortu-nadamente, aps canibalisar gulo-samente sobretudo ao Jorge de In-veno de Orfeu, descobrira ocaleidoscpio cubista do velho Ezra(jovem autor, passara uns meses nosEE.UU.), que comearia a decalcar

    em textos experimentais, nosquais pouco mais conseguia alm deneologizar seu flrido lexico e intro-duzir um frisson de fragmentaoarbitrria em seu incorrigvel pendorgongrico.

    Pois bem; por ocasio da Primei-ra Exposio Concreta no Rio deJaneiro, j o sanguineo rapaz sehavia tornado uma espcie de papa-doc da vanguarda local, e saudava a

    chegada da trindade papal novaavignon sismtica, slouchingtowards Bethelhem to be born...7

    7O aterrador sarcasmo do clebre versode Yeats talvez no caiba mal aqui: comsua revigorao do mtico pelo coloquial(slouching: arrastando-se desengona-

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    Em artigo de janeiro de 1957, ei-loque apresentava encomiasticamenteos novos Jas a insurgirem-searmados da paulicia desvalida um

    quarto de sculo aps 32, como sede fato se tratasse do to esperadoSecond Coming: A poesia no

    Brasil estava precisando, deses-peradamente, de um aconteci-mento escrevia o moo... Note-seque estvamos no ano de Duas

    guas e Grande Serto: veredas,e que Bandeira mal acabara de dar luz seu Itinerrio de Pasrga-da... Mas nada disso o comovera ouinstruira, e o rapaz tonitruava quenossa lira andava urgentementenecessitada de um shake up...Pouco antes de exigir a milk shake

    for her, como na famosa repartidade Bette Davies em All about Eve,comunicava-nos que: ...um grupo

    damente) serve de contraste instrutivo retrica de estandarte e poeira de estan-te que, em lexico como em sintaxe, uniade fato o new look do piauiense ao

    estilo intrnseco dos paulistanos (com-pare-se o que se segue nota 4). Faus-tino publicava os seguintes versos noSDJB de 22/10/56: Cavossonante escu-do nosso / palavra panacia / ornadode consolos e compensas / no sabulosomar na salsa areia /(...) / a fraga esti-lhaamos nus sem pele / estrelorienta-dos rumo-ns/ (. ..) / e em violetas meviolentam - frutos / NO!: pois intil be-lo (sic) tenho sido / e do bembelo heirido / o feiobom ferido / (...) / Foi-se naespuma - foice de escuma sega / meu

    pe sc o o no do so e pe l gi cos de us es /conspiram contra mim, jogam-me emilhas / que no so minhas... No, noeram mesmo, eram de Jorge de Lima aestragar tudo sob a maquiagem domoo, a intrometer-se nos Piauan Can-tos l de seu alm, sorrindo margemdo processo hist rico...

    de trs rapazes, dois dos quaisirmos... (sabem que) Mallarm ePound (so) mais importantes

    para o progresso da poesia que

    Eliot e Baudelaire. No se priva-va de garantir-nos tampouco que ostrs liamdireito! o alemo e ou-tros centro-europeus (e ele, comoos leria?) assim como os america-nos (sic) e os ingleses. A impor-tncia disto, a aceitar que fosse umfato, ficava por conta da nova es-ttica: dado que no tnhamos emcasa com quem aprender a escreverpoesia em portugus, importar erapreciso... Merquior, Marly e euentreolhvamo-nos perplexos: comque ento a isto se chamava revo-luo nas letras ptrias?! Alas!com semelhantes chutes e esno-bismos cosmopolitas bocs ia-seprenunciando o ainda incipienteFebeap letrado. Porque eu, forone , jamais notei em Faustino umaaptido lingustica to ampla e finaque lhe permitisse avaliar, menosainda avalizar, a alheia, bem ao

    contrrio... que haviam soltado a Ezra

    Pound do hospcio e ele zz! man-dava-o para c... At porque nin-gum mais queria em parte algumathe wretched, tedious man / in the

    House of Bedlam, segundo a agu-dssima evocao que dele fez LaBishop, em Visits to St. Elizabeths(1950). J por essa poca a decli-nante Gerao de 1945 havia mal

    entendido tudo. No geral sem ognio de seus predecessores, semgrande cultura e sem credencialespecfica ante a Histria, aquelesrapazes que raramente acertaramuma cadncia imaginavam trazer devolta ptria lira uma suposta sole-

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    PRLOGO

    nidade perdida... Curioso, pois quemais haviam feito aqueles mestres?!Quem precisava de lies de gra-vitas, de limpidez, de elegncia for-

    mal? Certamente no os autores deBelo Belo (1947),Livro de Sonetos(1948) ou Retrato Natural (1949).Menos ainda o criador de Jos(1942), da Bruxa (1945), de LuisaPorto (1947). No, aqueles rapazesno haviam lido com muita atenoseno os sinais dos tempos a che-gar-lhes do hospcio poundiano coma data vencida havia dcadas, masem socorro de seus festes de

    penubis e oroms...

    Do Titanic de papel oportuna

    reinveno da roda

    No de espantar que, uma vezevidenciado o mofo na prosdia deseus primeiros livrecos sem graa e

    sem eco, nossos Marx Brothers sepropusessem como vingana a in-ventar a roda. Porque assim foicomo, encurralado no naufrgiogeral do Titanic de papel de seuscompanheiros de primeira viagem -os demais invertebrados de 45 - trsdentre os mesmos, quando o fra-casso lhes subiu cabea, julga-ram achar no eureka poundiano umsalva-vidas: metamorfosearam-se

    em fnix de jornal para salvar apoesia, proclamando a morte doverso com a mesma cara de jaca-rand com que Nietzsche anunciaraa de Deus.

    Mas, defuntssimo Senhor, queverso seno o deles poderia estar

    morto no Brasil dos anos 50? Dequem seno de Drummond saa Aluta corporal de Ferreira Gullar em1954? Onde seno sombra do

    Orfeu de Jorge espoucava no anoseguinte O Homem e sua Hora, omelhor que faria jamais o mesmoFaustino, em transe ideogrmico apartir de 56? A que fontes seno smais castias bebera Otvio Mora, oadolescente que nos dava em 1956

    Ausncia viva, talvez a mais belaestria potica desde A cinza dashoras? Quem melhor que Cecliainformava a bela Explicao de

    Narciso que Marly de Oliveira pu-blicava dois anos depois? E no s,a lista to longa quanto irrespond-vel. Edmir Domingues mesmo, 45 ouno, certamente no necessitava deum urgente boca-a-boca para queseu verso vivesse, livre que nasciade lusbis alseos, morigerantesglaromas & cansadas rosas mur-chas. Ele e incontveis outros, notleast a inclassificvel Maria daSadade Cortezo, cujo O danado

    destino de 1956, exemplar quaseeliotano de clssica limpidez, nemtoda uma banda dodecafona fariadanar com menos elegncia anteos educados prncipes deAgedor,wherever that was to be found.. .A ela devo muito, muitssimo, comoa todos os acima reverenciados,

    jovens ainda quando eu comeava aser jovem. Velhos mesmo, velhos dematusalmicas e parnasianas can-

    seiras, s nossos empoeirados saposde ontem, desde ento reafinandoem vo seus surrados realejos emunssono para, na zoeira, probir atudo e a todos de existir. Mas aludi auma Histria que se teria repetidoaqui como farsa. Qual foi? Ora, qual

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    outra seno a idia de reeditar 22em 55? 8 Pois vamos quele solertemal entendido.

    Uma revoluo faz-se sempre, e jpor etimologia, no sentido de umretorno a algo perdido, ou descura-

    do. Na arte da poesia ela se fazurgente, e por assim dizer inevitvel,a cada vez que a linguagem poticase afasta perigosamente da lnguacorrente. Quando se torna um lin-guajar, prprio apenas a educarprncipes em Agedor com filome-melas coras murchas; quandoresvala num sistema fechado designos e convenes, a linguagemprofunda de um povo comea a

    8Na introduo 1a. edio de Teoria daPoesia Concreta.: Textos Crticos e

    Mani festos (Duas Cidades, 1975), o triorevolucionrio gabava-se de haverretomado o dilogo com 22, interrom-

    pido por uma contra-reforma co nv en -cionalizante e floral (sic). Para almdeste curios o ato-falho, a nostlgicaciume ira dos morigerantes no expli-cava quem dos seis grandes e dos seisestreantes acima citados teria sido res-ponsvel por esse lapso; ficvamos

    sabendo apenas que a educao dopr ncipe, aquele fino operrio do azulem Agedor, estivera ameaada at queos trs grandes de Noigandres varres-sem para a margem do processo cultu-ral as baboseiras contra-reformistas deDrummond, Bandeira, Ceclia, Jorge,Murilo e seus jovens turcos. Ufa!

    anquilosar-se e a evaporar-se e faz-se imperativo traz-la de voltaquela que sua fonte e referncia:a fala, a lngua como de fato se fala.

    Wordsworth e Coleridge no tinhamoutra meta em mente, nem Pound eEliot um sculo mais tarde. Cavafyno foi grande por outra razo. Un-garetti e Montale tampouco. Ou emEspanha a Generacin del 98.Nesse sentido nosso Modernismo,s antpodas do de Dario, fora umsalutar e revolucionrio esforo, epor isso mesmo um triunfo. Longede So Paulo (em que um Andradese extratificara em estrofisar umcoloquialismo inexistente e o outrosucumbira s piadinhas do minima-lismo mental de circunstncia) 9, omovimento quase que natural, emtodo caso em combusto expont-nea, de 22, havia restituido a lingua-gem potica fala natural da tribo,revigorado as formas e os ritmosprprios musicalidade inerente lngua, sem prejuzo de seu comr-cio com o sensvel, o imediato, o

    real. Feito isto, restaurara a balada,a redondilha, o soneto; e esplendi-

    9Seria ainda Manuel Bandeira a darnome e medida aos boizinhos sagradosda paulicia minimalista. Em sua Ap re-sentao (cf. nota 5) resumia assim aarte oswaldiana: pe qu enos tr ec hos de

    pr osa qu e or de na em verso- livre (.. .)menos por inspirao do que paraindicar novos caminhos (...) versos deum romancista em frias, de um homem

    muito preocupado com os problemasde sua terra e do mundo, mas... expri-mindo-se ironicamente, como se esti-vesse a brincar. Com efeito, s que abrincadeira no acabara, a ampliaovalorativa do mini-toten de 22 se fariaindispensvel fabricao de novasminiaturas la Leminski, entre tantas...

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    damente sobretudo este, que Ban-deira, Drummond e Jorge haviamresgatado ao torniquete parnasianoe, os dois primeiros, devolvido

    inveno ao nvel da fala corrente;para alm, no para aqum, da qual,o terceiro o levaria a um rodopiorfico at ento indito em portu-gus. Enfim, outra vez tornavam-sepossveis todas as reinvenes ine-rentes riqussima tradio poticalusofnica.

    Quanto histria da gralha, ouda farsa tentando fazer-se passarcomo Histria, seria apenas umaidia, espcie de exame de segundapoca do Modernismo radical detrs dcadas antes. Mas este haviacumprido perfeitamente sua funohistrica e perdido sua razo de serao livrar do colete o idioma nobre erevigorar o discurso criador reapro-ximando-o do vigor coloquial dalngua. A nova receita, no entanto,para justificar sua oportunidade (ouseu oportunismo?) negava tudo isso.10 Propunha um movimento revolu-

    cionrio pertinente apenas s ca-beas de ogiva gtica de seus arcai-santes e estrangeirados inventores,auto-proclamados cibernticos, masem verdade neo-romnticos retar-datrios em busca de redeno:Aristteles chamou tragdia a

    purificao de uma paixo peri-gosa atravs de uma libertao

    10 O velho alicerce formal e silogstico-

    discursivo, fortemente abalado nocomeo do sculo, voltou a servir deescria s runas de uma potica com-

    promet id a (sic), hbr ido anacrnico decorao atmico e couraa medieval.cf. Augusto de Campos: Poesia Concre-ta, in Suplemento Dominical do Jornaldo Brasil aos 12/5/56.

    veemente... Trgico s para eles, oedpico dilema dos moos (basica-mente a frustrao de haver perdidoo pioneiro barco e no saber nadar

    por escassez de flego lrico, bova-rismo de provncia e forma mentisretrico-floral), a revoluo poreles proposta, e quase imposta fora de bastonadas e embustes,era, alm de proto-fascista em suainspirao e molde, sobretudo des-cabida porque abstrata, arbitrria,intil. No se propunha a socorreruma lngua abandonada por sualinguagem profunda, mas a imporuma linguagem de gabinete, umdialeto grfico, ao mais sadio e plenomomento da lngua. Que o tenham,esse linguajar, travestido de mo-dernosidades e excentricidades im-portadas, e revestido de exotismos,populismos, trocadilhos, truquesgraficmicos, pedanteria professorale erudio de chusma de peridico,em nada o tornou menos incuo, oumenos ftuo. E pelo simples fato deque poesia e lngua nunca se haviam

    dado to bem entre ns quanto aosmeados deste sculo.

    Este aspecto da farsa, alis, sem-pre me impressionou. Que o maisrico e original instante da poesia noBrasil, os anos de apogeu e refina-mento de trs dcadas de Moder-nismo, fosse no apenas ignorado,mas negado e caluniado pela spicatrindade, parece-me hoje um casoexemplar em favor da tese bloomia-

    na sobre a angstia da influncia.11 Incapazes de resolver esse tor-mento pela superao do modeloedpico - j que no tinham, nenhum

    11cf. Harold Bloom, The Anxiety of Influ -ence (Knopf of New York, 1970).

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    PRLOGO

    dos trs rapazes, poesia alguma afazer, como se viu - a aristotlicalibertao veemente s se podiamanifestar atravs do assassinato

    tribal do arqutipo, j no mais daidentidade, mas da prpria naturezado modelo ante o qual o nefitofalira...

    O assassinatodo arqutipo e osuicdio coletivo

    A fria contra a palavra em favor(notem bem) da idia reveladora,elle en dit long; no artigo de 1955acima referido, o mesmo Sr. Au-gusto de Campos, como que esque-cido daqueles glaromas de amil e

    penubis e outras incandescnciasflorais ainda to prximas quantomornas, investia contra a intros-

    peco debilitante e denunciavaas palavras como meros veculos

    indiferentes, sem vida sem perso-nalidade sem histria - tmulos-tabus com que a conveno in-siste em sepultar (ateno!) aidia. A velha frmula no falha:quando o mundo-como-tal desautori-za ou rejeita uma auto-imagem,torna-se insuportvel e faz-se im-prescindvel sua substituio pelomundo-como-idia. Jean Cocteaudizia que os homens se suicidam

    porque no conseguem ser poetas; aidia da morte do verso no mo-mento mesmo de seu apogeu, foiexportada para a nao pela trinda-de em pnico como uma induo aosuicdio coletivo: avec nous le d-luge...

    Sedutor convite, a julgar pelarapidez com que a arca se encheude toda espcie de animais doscampos... So much for that, o dil-

    vio no veio e a farsa expirou notwith a bang, but a whimper, ogemido moribundo da saparia parna-siana mal recauchutada. A Histrianada teve a ver com isso e o sculoafinal acaba melhor do que come-ou. Porque, como sempre o casoem tempos de crassa usurpao etruculncia normativa, a poesia sefz, continuou a ser feita apesar daocupao do espao exterior pelomais reles esprito de prosa: o sem-pre cannico, inevitvel prosasmodas variegadas ditaduras do mundo-como-idia. Aos cimos em que semove o esprito, o poeta, o albatroz,o falco e a claridade, os miasmasdo charco pseudo-conceitual nochegam, l o exoterismo program-tico no pode desvirtuar, poluir ouimpedir nada. Foi perfeitamentepossvel ao poeta nato, a um Ferrei-ra Gullar, a uma Adlia Prado, a um

    Alberto da Cunha Melo, a um Ro-mano de SantAnna, a uma Marlyde Oliveira, a um Jairo Jos Xaviere a alguns outros, ignorar a pseudo-revolucionria sapincia e construirsuas obras a partir da grande he-rana do Modernismo, absorvida nocorpo vivo de uma tradio quenunca andara to bem de sade.Tutto sommato, a farsa no repetiua Histria, pensando bem. Tratou de

    macaque-la e, como o processocultural todo seu que era, deu-se margem dela, como se d umespetculo de circo largo da vidanormal de uma cidade. Afinal, nuncase conseguiu instalar um charconuma praa central, ou perifrica

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    PRLOGO

    que seja. Talvez por isso o Anhan-gaba continue seco...

    3E no obstante o estrago foi con-

    sidervel. que toda agitao artifi-cial e estril confunde, dispersa ouparalisa um elemento indispensvela qualquer sedimentao cultural: obom escritor de segundo escalo, deporte mediano, fruto da excelnciado esforo, da dedicao ao estudo,

    do suor do talento e no do gnio. ele que, paradoxalmente, sustm asaltitudes do gnio de uma raa, em-basa-as maneira da cordilheiraerguendo, sustentando seus cumes.A solido destes ltimos no podeser, no tem porque ser total, ela ttica apenas. Sem a variedade deseus pares, o lobo solitrio poucomais que um desgarrado, por grandee pungente que seja seu uivo, seuprotesto precisamente contra esseisolamento, sempre anti-natural e,enquanto dure, uma perda para to-dos. Com efeito, os momentos deci-sivos nas grandes culturas do Oci-dente foram aqueles em que todauma mirade de talentos menoressuperou a platitude da mediocridade,que toda outra coisa, e circundoucom naturalidade suas figuras deproa. A slida nave de uma cultura feita do lenho tosco, mas confi-

    vel, do que um povo tem de maisprximo, mais familiar, mais saud-vel. Os altos mastros no se erguemdo nada, mas de um amplo convsdo mesmo lenho. Navegar preciso,mas toda uma raa que o faz,quem gvea, quem bssola,

    quem proa e quem popa - e aoleme, aos cordames, aos remos. Ainvisibilidade da tripulao nunca mais que aparente, sua presena

    miuda condio indispensvel aobom destino da empresa, da aventu-ra.

    Pois como imaginar Bandeira semRibeiro Couto, Dante Milano, Joa-quim Cardozo, Ronald de Carvalho emuitos mais, na verdade os outrostodos! Ou Graciliano sem Lins doRego e Marques Rebelo, ou Claricesem Lcio Cardoso e CornlioPena? Nem Drummond pensvelsem Mrio e Oswald, sem Abgar eHenriqueta! Nem Jorge de Limasem Asceno ou Bopp... Mas osexemplos so passveis de confuso.No se trata de mtua influncia,trata-se daquela participao quaseannima no que em Weimar sechamava Stimmung. E onde seperceberia melhor essa atmosfera,do que no mundo germnico? Quefoi o Sturm und Drng seno umestado de esprito entre pares, um

    stato danimo antes de tudo? Taiscomo Goethe e Schiller, nossos doisgigantes romnticos erguem-semuito bem nos ombros de mais qua-tro, seis, dez companheiros de jorna-da; sem contar, claro, os hoje es-quecidos e ento indispensveissemi-annimos que sabiam o queeles sabiam, que o serviam cada um altura do prprio porte, mas semruptura ou descontinuidade. Em tal

    contexto, a exumao de Sousn-drade, a mulher barbada do Roman-tismo brasileiro, um inesperadoaporte da saparia a esta tese, justa-mente uma sua irnica ilustrao: oexcntrico nunca passa disso.

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    PRLOGO

    No teria havido nem mesmonossa sorridente trindade parnasianasem a sociedade de versejadores aque sorria, slida at mesmo quando

    emoldurava os rebeldes. A essa luz,Cruz e Sousa, Alphonsus e at oparaibano de gnio no eram alheiosa um caldo de cultura que altera-vam, certo, mas sem o qual soinimaginveis. E assim por diante.

    A vida do espritocomo reverncia

    audcia e f

    O que se est buscando dizer que,qualquer que seja o nvel dos acer-tos e erros de um seu momento ououtro, uma cultura no se faz semque a mdia daqueles que nela atu-am seja capaz de juizo intelectualresponsvel e, de acordo ou noquanto precisa hierarquia dos valo-res que acumulou, conhea-os e,

    reverencie-os ou critique-os, mostre-se altura de faz-lo a partir de umpadro comum de lucidez e partici-pao. A principal condio da vidado esprito, seu teste sempre reno-vado, essa capacidade de servir opassado com reverncia, o presentecom audcia e o futuro com f. Noh nem pode haver civilizao semesses exerccios em humildade, esselento avanar de joelho dobrado e

    olho aberto. E bom e justo queassim seja, pois uma certa unidadena diversidade ou, se preferem, oreverso dessa frmula banal, sem-pre existiu e serviu de garantia aoamadurecimento de uma arte e deuma tribo. De que modo dar um

    sentido mais puro lngua que ums homem, ou dois, ou mesmo trs,falam sozinhos?

    Ora, foi nesse sentido que a arre-gimentao exclusivista, o raio dosZeuses do pntano de carteirinhacaiu sobre a unidade da raa comouma vassourada no crebro. A chu-va sobre Dana foi dourada como aterebentina que dilui as cores. Suainteno? Dispersar. Desinformar,desviar, empolar e entortar. Seuefeito? A tragdia criminosa que sempre arregimentar os nefitoscontra a tribo, contra a possibilidade,a legitimidade mesma daquela sabe-doria sempre embutida (talvez embanho-maria, mas so what?) naauto-conscincia como no subcons-ciente da taba. A dose do curareimportado, obsessiva e matraqueada

    como a receita da salvao, nuncadisse do qu exatamente salvava oscoitados que a gargarejavam. Asuposta morte do verso no sal-vava ningum de escrever mal,como se viu com seus prpriosarautos... Salvava-os, isto sim, do

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    PRLOGO

    bom-senso, do consenso, da humil-dade de tomar por adquirido o direito(e o dever!) de pensar e sentir ecriar tendo em vista as linhas mes-

    tras de uma sensibilidade tornadanatural fora daquelas peridicascrises de convergncia que fazemo acervo de uma literatura, de umpovo, de uma identidade nacional.

    Quem paga opato sempre o

    patinho feio

    Fora exatamente o que fizera oModernismo, chegado de baixoaos cumes da poesia do pensamen-to, que inaugura sua plenitude com oDrummond do ps-guerra, mas quetraz em seu estofo os sonetos deJorge e os ritmos de Bandeira, ografismo lrico de Ceclia e as mine-raes mentais de Joo Cabral.

    Mas no seriam eles, os grandes,os indeformveis, a pagar a conta.A ave depenada no nunca o cis-ne na hora rsea em que o horizontee o alm o chamam. o ganso sel-vagem, o marreco solto, o patinhofeio que ningum sabe ainda o quevai ser. Foi o escritor mediano emformao que bebeu a terebentina edefinhou, virou minimalista ou menosainda. Foi o jovem que Jove alou s

    pretensas alturas do novo Olimpo elargou no charco ideogramtico,confuso e s, pattico e arrependidotarde demais. Foi todo um acervo,fulgurante j, mas incipiente ainda,que, penosamente construido du-rante a primeira metade de um s-

    culo decisivo, viu-se de repenteacusado, caluniado, desautorizado,exilado das atenes como tradi-o, sendo esta, claro est, equaci-

    onada com represso... Foi aquelefrgil triunfo em agoniante suspenseque os hunos do make it newbombardearam de fora, ao abrigo dequalquer revide pela carapaa deinsensibilidade ao belo e dio ao realque os enxoviava e resumia.12 Omassacre do tenro, do mediano, doingnuo, foi o legado de Herodesdos inovadores a uma culturanunca antes to frtil, porque haviapouco admiravelmente renovada. Econseguiram demolir, no a Casa,que vai bem, obrigado, mas o pesso-al da manuteno, a quem trocavamos materiais da vida... Drummond,que logo o percebeu, caricaturou-omuito bem, como uma advertncia,

    12Veja-se como, em Soneterapia, o Sr.Augusto de Campos, trinta anos apss e u s morigerantes penubis e glaro-mas receitava ptria lira seu novo

    Elixir da Longa Vida, marca 1982:Drummond perdeu a pedra: dru m-mundano / Joo Cabral entrou pra

    Ac ademia / custou mas de scob ri ramque Caetano / era o poeta (como eu jdizia). Ao desrespeito ao Poeta Maior,homem que ter sido tudo menos mun-dano, soma-se o despeito adolescente Casa de Machado de Assis. E o elixir barato, venda no Caneco , ltimagora do make it new. O populismo caicomo uma luva ao demagogo. O artistafalido detesta a arte, essa ingrata que

    no o quiz e ele atira com facilidade aopopulacho pela mo dos disk jockeys. Odio ao belo, ao legtimo, ao high brow,ao indispensvel acervo de um povoque sua linguagem profunda, suapoesia, faz sempre o mesmo itinerrio:passa pelo embuste e vai cair no sam-bdromo. De quatro...

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    mas o fiat se fez e, se no desfeztudo o que quiz, embaralhou oquanto se expunha ao canto dassereias que J. Alfred Prufrock sabi-

    amente no quiz ouvir: Drls?amor em vidrotil, coitos de mo-dernfold, que a lana interflexnos separe em clavilux, vipaxondalit camabel camabel o valeecoa... E pronto - plkx!

    E o canibal instala seu banquetede ossos, o sapo engorda, o charcose faz charcuteria e o verso morrede no nascer, de no poder ou noquerer mais saber se poderia ou noter nascido, querer nascer. Essaconta, paga ao longo de quatro d-cadas pelos desvalidos de uma raasob agresso num pas ocupado, ossapos do DOI-CODI vanguardistadevem-na a uma nao hoje ampu-tada.

    A amputaodos alicerces vitais

    de uma cultura

    E amputada no de seus cumes egnios, mas de algo igualmente vital:de seu intelectual annimo, de seuleitor atento, de seus talentos media-nos, mas dedicados, cultos, operan-tes. O torturado at paralisia nospores da moda foi o aluno esfora-do do real, o humilde guardio da

    tradio, o artezo obscuro dosveios provados, o cultor do tesourocomum de um povo. Ele que foisubmetido lavagem de crebro domarketing ideolgico, ele quebebeu a terebentina e entrou emcoma balbuciante. Ele, logo ele, o

    ingnuo heri sem nenhuma culpa, oque serve de base a toda uma cultu-ra e foi amordaado no primeiroandar e atirado aos pores de uma

    poesia que podia ter sido e que sefoi.Coitado, o editor que me pediu

    este livrinho, este semi-panfleto, noesperava mais que um jaccuse

    jocoso, mas a hora grave. Pensonaqueles meus irmos poetas que sedeixaram abortar por falta de quemos defendesse, contra si mesmos, senecessrio. Nunca fora to necess-rio aos mais velhos, aos venerveisvencedores, insugir-se, instruir, afir-mar, e ningum abriu a boca. Ma-nuel mesmo, o grande Manuel, con-tentou-se em mostrar que tambmpodia fazer o novo, caso lhe

    desse na telha. Drummond lanou

    suas farpas, como vimos acima, masno argumentou, no pensou empblico. Dona Ceclia tinha ouvido

    falar por alto, como suas virgensloucas, do desamor, da tristeza dodesamor vida e arte, que setravestia em douta baderna, mas

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    PRLOGO

    limitou-se a suspirar ante seu ci-preste do Cosme Velho: que te

    julgue o tempo sbio: / entre osespinhos a rosa, / entre as pala-

    vras teu lbio. Murilo fizera pru-dentemente as malas assim queJorge juntou-se a Ismael Nery naglria do Senhor, e fora rezar emSan Pietro pelo que j no lhe im-portava mais, ou nem tanto. Resta-vam Vincius e Joo Cabral, o queno teria sido pouco, se o primeirono tivesse emigrado para dentro deum violo e um copo de scotch, e ooutro no se tivesse deixado subor-nar pela bajulao batrquia.

    Um 18 Brumriocomo estratgia da

    subverso dos valores

    Porque, ao contrrio do que pro-clamaram os atrevidos sapos - e at

    hoje o repetem seus aclitos apari-sionados na ideologia - Joo Cabralde Melo Neto no era nosso maiorpoeta vivo, menos ainda o guia-mapa da poesia do porvir. Um ttuloe outro evidentemente cabiam porlongevidade de triunfo e nitidez deestilo a Manuel Bandeira, nossopoeta exemplar ; ou ento, por tudoisso e muito mais, a Carlos Drum-mond de Andrade, nosso poeta mai-or quase que por antonomsia. Oqual, verdade, j ento esmaecia,dedicava-se j ento crnica, ao

    faits divers do quotidiano ou aomemorialismo de almanaque, comoo fustigava Mrio Faustino. Sim, ofazendeiro do ar mudava-se para osub-solo, mas no deixava por isso

    de ser oprimus inter paris, o poetamaior, o modelo, como afinal ficousendo. Mas Joo Cabral de MeloNeto aceitou a coroa surrupiada

    pelos sapos, Simplcio gostou dapiada... Leonizado pelos papas dopntano, deu-lhes seu aval de tercei-ro napoleo... Vestindo a carapuasem necessidade - e sem efeitoalgum alis - o usurpador do barroterepublicano invertia tudo, at mesmoo sentido da imagem de Dante, efazia per vilt il gran rifiuto . Semefeito algum, entenda-se bem, parans, para aqueles poucos que

    fazem a cultura de uma poca ,como na lisonja que me fez Bonne-foy. Para estes no houve nuncadvida alguma de quem fosse defato il maestro di collor che san-no. Mas para a vtima confusa doassalto ao verso e realidade oembuste foi fatal. Este, o patinhofeio de sempre, entrou no espetomade in Perdizes segundo a receitado hospcio de Saint Elizabeth, paravirar ora o porrete dos sapos, ora o

    cetro usurpado do poeta-diplomata.E foi o que se viu.

    Felizmente o que hoje se v soas inglrias ruinas de papelo de umshow que acabou em menos quenada. Com efeito, o novo parto damontanha em revoluo intestinaresulta apenas no roedor elegacodas prprias entranhas. J h maisde vinte anos, quando do aniversriodo cinquento, pgina 215 d'O

    Modernismo (Perspectiva, 1972)Affonso vila, em nome de tantosmutils of the esthetic war(A.A.Alvares), chorava o tramontardo projeto vanguardista tous azi-muts: "O Modernismo no conse-guiu evitar que estruturas ana-

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    crnicas continuassem a prevale-cer (...) ressurgindo pouco de-

    pois numa arte acomodada" (leia-se: Claro Enigma, Belo Belo,

    Morte e Vida Serverina, VidasSecas, Inveno de Orfeu, Gran-de Serto: Veredas, Laos deFamlia e outras anacrnicas aco-modaes...). E o lamento conclua:"Apesar do radicalismo com quealgumas propostas bsicas desa-

    fiaram o tempo, o movimento noteve fora bastante para impedirque, num estgio subsequente,

    fosse desenvolvida uma literaturaclassicizante ".

    Que pena! Enquanto isso, no restodo mundo, de Responsibilities a

    Anabase, da Jeune Parque aosFour Quartets, dos Campos deCastilla aos Sonette an Orpheus,

    dos Ossi di Sepia ao Lord Weary'sCastle, chegava-se sem lamrias aoDu Mouvement et de lImmobilitde Douve de Yves Bonnefoy, aoThe Less Deceivedde Philip Larkin,ao King Log de Geoffrey Hill, aoSpte Gedichte de Paul Celan,

    aportava-se sem perda de substn-cia ou forma s aporias da Histriaoutra vez e sempre clssicas. Adiferena que no mundo civilizado,

    sem capitanias gerais, ningum so-nhou "conseguir evitar" que sefizesse arte nenhuma, nem se la-mentou de no ter "fora bastante

    para impedir que"se desenvolves-se a grande arte classicizante deontem, de hoje e de sempre...

    Sim, a hora grave, quae seratamen. No importa, a arte tem umtempo acima e alm das cronologias,uma dimenso retroativa que seudom peculiar. No se perde o pas-sado, impossvel ao artista noredim-lo, no salv-lo de seus es-combros meramente circunstanciais.Seferis o diz esplndidamente, virgi-lianamente: quem quer que notenha amado amar / na luz. Luzhistrica e lrica, corprea e intem-poral, luz anglica e negra, elatraz em si todo o passado comocategoria do presente perpetuo aque Paz deu um ttulo lmpido e mais

    que nunca atual. Nosso poetasabortados, suicidados, programadose ideogramados, habitam o versovivo de hoje e de sempre. Assimcomo as formas e ritmos naturais sensibilidade de um povo, assimcomo o decasslabo, a redondilha, acesura, o soneto, assim tambm osumo agnico do gnio de uma raa impessoal, indestrutvel.

    A ressurreio inevitvel e se faz

    por si mesma

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    OS SAPOS DE ONTEM

    PRLOGO

    possvel, sim, mas no se faz ur-gente, restaurar a limpa paisagem deuma poesia que poderia ter sido e

    que no foi, porque ela no morreu,porque nada morre, a morte - espe-cialmente a do verso - no existe.Nunca existiu, diz-nos Yeats nofecho magistral daquela sua torre,The Tower, que pus em portugusnos confins do meu Os Deuses De

    Hoje13 porque tem tudo a ver co-nosco, com nosso aqui-e-agora. Ahora grave e a torre nossa, in-destrutvel, towering high sobre ocampo e o horizonte, capaz de reti-rar ao batrquio veneno at mesmoseu poder de haver envenenado. Aressurreio do verso no se fazneces-

    sria porque sua vida contnua,inevitvel, esplendorosa e naturalcomo a inteligncia musical de umaraa que pensa. A lngua que Ca-mes sagrou e legou-nos, a lingua-gem que os mestres de 22 arraiga-ram na inteligncia nacional de umavez por todas, nunca teve nada atemer dos falecidos marqueteiros deontem, sempre de ontem como tudo

    13Bruno Tolentino, Os Deuses De Hoje,Poesia 1964-94 (Record, 1995)

    o que as Parcas nos fazem ver vol-tado para o crepsculo. Arrebol seu apelido. Sapo seu nome. Deontem.

    BRUNO TOLENTINOItaipu, Julho de 1995

    (Obs.: Esta verso em PDF contmapenas o Prlogo.)