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Sobre a Face Visivel No Orbe Da Lua

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  • Plutarco

    Obras MoraisSobre a Face Visvel no Orbe da Lua

    Traduo do grego, introduo e notas deBernardo Mota

    Universidade de Lisboa

  • Autor: PlutarcoTtulo: Obras Morais. Sobre a Face Visvel no Orbe da Lua

    Traduo do grego, introduo e notas: Bernardo MotaEditor: Centro de Estudos Clssicos e Humansticos

    Edio: 1/2010

    Coordenador Cientfico do Plano de Edio: Maria do Cu FialhoConselho Editorial: Jos Ribeiro Ferreira, Maria de Ftima Silva, Francisco de Oliveira, Maria do Cu Fialho, Nair Castro Soares

    Director tcnico da coleco / Investigador responsvel pelo projecto Plutarco e os fundamentos da identidade euroPeia: Delfim F. Leo

    Concepo grfica e paginao: Rodolfo Lopes

    Obra realizada no mbito das actividades da UI&DCentro de Estudos Clssicos e Humansticos

    Universidade de CoimbraFaculdade de Letras

    Tel.: 239 859 981 | Fax: 239 836 7333000447 Coimbra

    ISBN: 9789898281302ISBN digital: 9789898281319

    Depsito Legal: 309397/10

    Obra Publicada com o Apoio de:

    Classica Digitalia Vniversitatis Conimbrigensis

    Centro de Estudos Clssicos e Humansticos da Universidade de Coimbra

    Reservados todos os direitos. Nos termos legais fica expressamente proibida a reproduo total ou parcial por qualquer meio, em papel ou em edio electrnica, sem autorizao expressa dos titulares dos direitos. desde j excepcionada a utilizao em circuitos acadmicos fechados para apoio a leccionao ou extenso cultural por via de elearning.

    Volume integrado no projecto Plutarco e os fundamentos da identidade europeia e financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia.

    Todos os volumes desta srie so sujeitos a arbitragem cientfica independente.

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    Introduo 7

    1. Estrutura do Dilogo. Datao. Local. Personagens 72. Contexto Cientfico 123. Nota sobre as Edies Disponveis e Utilizadas 174. Bibliografia 19

    Sobre a Face ViSVel no orbe da lua 25

    Anexos 103

    1. Alguns Esquemas e Figuras Geomtricaspara Ilustrar o Sobre a Face 105

    2. Presena de Plutarco em textos do Sculo XVI e XVII 108

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    introduo1

    1. Estrutura do dilogo. Datao. Local. Personagens.

    O opsculo Sobre a face visvel no orbe da Lua um dilogo includo na obra Moralia de Plutarco (920a945e). O incio do texto est mutilado e no se pode saber qual a dimenso que desapareceu; a estariam, provavelmente, as indicaes relativas data e local, tanto da composio, como da aco dramtica. Ao longo da obra, apenas um passo refere o cenrio envolvente: no incio do captulo

    1 Este trabalho nunca teria sido possvel sem o constante apoio de Delfim Ferreira Leo (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra), que leu o manuscrito e deu inmeras sugestes, nem sem a reviso dos contedos cientficos levada a cabo por Henrique Leito (Faculdade de Cincias da Universidade de Lisboa). A ambos deixo expresso o meu agradecimento. Agradeo tambm a Andr Mota o desenho das figuras includas nos anexos finais e a Rodolfo Lopes as suas sugestes relacionadas com a formatao do texto final. Comecei a traduo ainda estava em Portugal, mas a maior parte do trabalho foi feita j em Berlim, com uma bolsa de PsDoutoramento generosamente concedida pela Fundao Alexander von Humboldt.

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    24, os participantes na discusso, que davam um passeio, decidem sentar-se2. Noutro passo (931 D-E), refere-se um eclipse total do Sol ocorrido pouco tempo antes de o dilogo tomar lugar e que fez as estrelas surgir no cu3. Em torno deste momento astronmico criou-se uma vasta literatura; no entanto, no se pode ter absoluta certeza de que Plutarco refere um acontecimento real; por outro lado, admitindo que aconteceu realmente, difcil identific-lo com preciso sem conhecimento do local onde ele ter sido observado. Ainda assim, tendo em conta que a maior parte dos participantes na discusso tem maior afinidade com Roma, provvel que se trate do eclipse total ocorrido em Roma a 5 de Janeiro de 75 d.C., por volta das 15h20m. E tudo4.

    Algures depois desse acontecimento astronmico, um grupo de amigos discute a natureza da Lua, das

    2 Lmprias afirma nesse passo: Acabmos de relatar, disse eu, tudo o que foi dito naquela conversa e no nos escapou da memria. Agora altura de dar a palavra a Sila, ou melhor, de lhe exigir que conte a sua narrativa, pois foi esta a condio imposta para ter sido admitido como ouvinte. Se vos parece bem, faamos uma pausa no nosso passeio e sentemo-nos nos bancos para o presentearmos com uma plateia sentada. A sugesto foi aceite, mas, depois de nos sentarmos, Ton afirmou...

    3 Lmprias que diz: Concedei-me que nada do que pode suceder ao Sol mais semelhante ao seu ocaso do que um eclipse. Para tal basta que vos recordeis da conjuno de astros que ocorreu recentemente e que, tendo comeado logo a seguir ao meio-dia, deixou ver muitas estrelas em todas as partes do cu e deu atmosfera a aparncia do crepsculo.

    4 Para uma discusso sobre as diferentes propostas de datao e localizao (tanto da aco dramtica, como da composio da obra), veja-se Harold Cherniss, The Face on the Moon..., pp. 8-14 e Luigi Lehnus, Il volto della Luna..., pp. 30-31 e 181-183.

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    suas manchas, da sua posio no universo e demais assuntos relacionados. Entre eles encontrase Lmprias, irmo de Plutarco, que tem a funo de narrador e, ao mesmo tempo, moderador do dilogo. Encontramolo desempenhando a mesma funo em outros dilogos dos Moralia, como no De Defectum Oraculorum. No De Facie ele defende as teses acadmicas acerca da Lua (cf. 922 F) e combate ferozmente a doutrina estica. Outras quatro personagens parecem ser figuras histricas e trs delas so mencionadas em outros dilogos de Plutarco: Sila, um Cartagins; Ton, o gramtico, fillogo e literato do grupo (cf. 923 F, 938 D, 940 A); Lcio, originrio da Etrria e aluno do pitagrico Moderato. O ltimo o orador que preenche mais espao no dilogo depois de Lmprias e os dois partilham a defesa da doutrina acadmica. Alm destes, tambm Menelau pode ser identificado com o famoso matemtico, autor de uma obra sobre esfricas que s sobrevive numa verso rabe e cujas observaes astronmicas feitas no tempo de Trajano so utilizadas por Ptolomeu, que o cita explicitando o nome. Os restantes trs participantes no devem ser reais. Aceitase geralmente a interpretao de A. O. Prickard, de que o nome de Apolnides forjado por Plutarco para denominar um representante do pensamento dos matemticos, pois o nome remete imediatamente para o grande matemtico grego Apolnio de Perga (c. 200 a.C.). Aristteles expe a teoria peripattica dos corpos celestes e, tal como o seu nome indica, um representante da escola aristotlica. Frnaces surge como o representante da escola estica5.

    5 Para uma descrio das personagens do dilogo: A. O. Prickard,

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    O incio do dilogo est perdido, como se referiu acima, e a parte que sobrevive comea a meio de uma frase de Sila, que parece chegar e interromper uma conversa que j estava em curso. O ponto de partida do dilogo tem de ser reconstitudo, por isso, a partir de indicaes fornecidas ao longo texto. Em 921 F e 929 B, ficamos a saber que um amigo dos presentes deu uma conferncia, ou algo parecido, sobre o tema genrico da Lua e das suas manchas, a que se seguiu algum tipo de discusso (diatribe). Lmprias e Lcio estavam presentes, mas no Sila, Apolnides, Ton ou Frnaces, sem que se possa inferir algo a respeito de Aristteles ou Menelau6. Sila terse juntado ento ao grupo e, considerando que a discusso enveredara por temas mais prximos da mitologia, e tendo ele prprio um mito para contar a respeito que prefere deixar para o fim, pede que se expliquem melhor as teorias cientficas sobre o satlite terrestre e se resuma a discusso anterior.

    O dilogo tal como subsiste tem, portanto, duas partes distintas. A primeira trata de tpicos cientficos (125), a segunda constituda pelo mito que Sila tem para contar (2630). O contedo do opsculo como se segue. Sila intervm e pede que se resuma o contedo da discusso que antecedera a sua chegada, decidese tomar em considerao as questes cientficas sobre a Lua e s no fim as sobrenaturais (1); seguese a discusso sobre a mancha da Lua e sobre a natureza da Plutarch on the Face..., pp. 56; Harold Cherniss, The Face..., pp. 38; Luigi Lehnus, Il volto della Luna..., pp. 2830.

    6 Harold Cherniss, The Face..., pp. 1516.

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    lua, se ela um corpo semelhante Terra ou se de fogo, como as estrelas (25); Frnaces toma a palavra e faz notar que a teoria dos Acadmicos provoca um paradoxo, pois defendem que a Lua pesada mas permanece suspensa no cu; Lcio nota que a Terra tambm est suspensa (6); Lmprias resume os absurdos que derivam da teoria estica da tendncia para o centro, para que Lcio possa preparar melhor a sua argumentao (715); a doutrina peripattica revista e atacada (16); debatido o problema da Meialua, acompanhado de uma digresso sobre catptrica, que procura explicar como se pode compatibilizar a doutrina da reflexo da luz e dos raios visuais com a iluminao lunar (1718); Lcio tenta provar que a Lua tem de ter a natureza da Terra por meio de uma anlise do fenmeno dos eclipses lunares e solares (1920); discutese a colorao da Lua eclipsada (21), a dimenso dos montes lunares (22) e a razo por que no se v a imagem do Sol na Lua (23); os pargrafos 24 e 25 tratam da questo da habitabilidade da Lua. A segunda parte constituda pelo mito escatolgico, que explica o papel da Lua no ciclo de vida das almas (2630). Este mito contado em terceira mo, porque Sila informa que o ouviu de um estranho, que o ter ouvido por sua vez dos servidores de Crono. O mito possui uma introduo geogrfica (26) e uma parte propriamente escatolgica (2730), cujas fontes tm sido discutidas7. Esta complexidade na

    7 Entre as fontes possveis contamse Plato, Posidnio e Xencrates. Sobre o assunto, vejase Harold Cherniss, The Face..., pp. 23 e ss. Para as fontes que Plutarco utilizou para concepes especficas que introduz ao longo do mito, vejase as notas de

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    estrutura do dilogo inusitada em Plutarco e tem sido realada.

    2. Contexto cientfico

    Este no o espao indicado para proceder a uma anlise de pormenor sobre as fontes e influncia do De Facie. Ainda assim, importante oferecer uma viso de sntese dos autores e obras fundamentais presentes no dilogo de Plutarco e cuja leitura alarga a interpretao deste.

    As ideias sobre a Lua que se formaram na antiguidade clssica encontram-se dispersas por muitos autores, desde filsofos a poetas, oradores, compiladores de miscelneas, cientistas, entre outros8. No entanto, os contedos propriamente cientficos encontraram lugar em duas disciplinas onde se aplicavam metodologias muito diferentes: a filosofia natural e a matemtica. Havia zonas de interseco e pontes de comunicao entre estes dois mundos. Uma delas , precisamente, o De Facie.

    Muitas das teses revolucionrias sobre a Lua foram desde logo defendidas pelos filsofos pr-socrticos. Os fragmentos que restam das suas obras ilustram bem a variedade de hipteses que o esprito cientfico grego produziu. Entre eles surgiram as hipteses de que h sis e luas, ou mundos, em nmero infinito (Xenfanes

    Harold Cherniss ad locum (p.e., para a relao entre alma, intelecto e corpo, veja-se a nota c da p. 197).

    8 Para uma sntese sobre o pensamento antigo sobre a Lua, veja-se, p.e., Sophie Lunais, Recherches sur la lune... e Claire Praux , La lune dans la pense grecque...

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    de Clofon floruit c. 540 a.C.; Anaxgoras, 500428 a.C.); de que a Lua de natureza gnea (Anaxmenes, que morreu c. 500 a.C.), composta de ar e fogo (Parmnides; c. 515 a.C.) ou da mesma natureza que a Terra (Anaxgoras afirma mesmo: a Lua feita de Terra e possui plancies e ravinas); de que a Lua reflecte a luz do Sol (Empdocles, Anaxmenes).

    Depois dos prsocrticos, surgem variadas escolas com doutrinas prprias sobre a Lua. A influncia dos textos de Plato e da Academia no dilogo evidente, e muitos passos parecem firmemente ancorados em leituras do Timeu. A escola peripattica tambm oferece um corpo doutrinrio de influncia extraordinria. No De Caelo de Aristteles h uma breve referncia Lua, mas integrada numa mais vasta concepo de universo que vigorou at revoluo astronmica dos sculos XVI e XVII. nesta obra que se encontra mais sistematicamente exposta a teoria de que a Terra um corpo singular no universo e que o nico lugar de gerao e corrupo; ao contrrio de todos os outros corpos, que so perfeitos e imutveis9. Finalmente, os Esticos e as suas doutrinas merecem ateno especial ao longo do De Facie. Uma vez que no sobreviveram os trabalhos de astronomia dos seus maiores representantes, ganham uma relevncia especial, que de outra forma

    9 Importantes so tambm os comentrios a esta obra, pois coligem, muitas vezes, argumentos alternativos. Vejase, a ttulo de exemplo, o importante comentrio de Simplcio, algumas partes do qual foram j traduzidas e publicadas no mbito do projecto Ancient Commentators on Aristotle, coordenado por Richard Sorabji.

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    no teriam, o texto de Cleomedes (Sobre os movimentos circulares dos corpos celestes) e os fragmentos reunidos na obra Stoicorum Veterum Fragmenta10. Particularmente importante a figura de Posidnio de Apameia, que, no sculo I a.C., imprimiu um novo vigor escola Estica. O contedo dos seus fragmentos reconhecvel nos textos de Cleomedes e Plutarco, por isso tem sido considerado uma fonte importante da doutrina estica11.

    O De Facie no evita, por outro lado, referir os textos onde a Lua estudada de um ponto de vista matemtico. Cita-se o nome de Hiparco, o maior astrnomo grego anterior a Ptolomeu, de quem no resta qualquer obra. Alguns tpicos pertencentes chamada pequena astronomia so analisados em pormenor: duas enunciaes do tratado Sobre os tamanhos e distncias do Sol e da Lua de Aristarco de Samos so citadas textualmente e a primeira proposio da catptrica euclidiana (provavelmente na verso de Hero) discutida em pormenor12.

    10 Para o texto de Cleomedes, veja-se Todd, Robert B.; Bowen, Alan C., Cleomedes Lectures on Astronomy: A Translation of the Heavens, University of California Press, 2004; para os fragmentos dos Esticos, veja-se Arnim, Hans Friedrich August von, Stoicorum Veterum Fragmenta, 4 vols., Stuttgard, Teubner, 1964 (reimpresso da primeira edio, de 1924).

    11 Os fragmentos desta importante figura encontram-se editados em I. G. Kidd; L., Edelstein, Posidonius. The Fragments, Cambridge University Press, 1972.

    12 Os textos da chamada pequena astronomia incluam o Sobre a esfera em movimento, de Autlico; a ptica e os Fenmenos de Euclides; as Esfricas e o Sobre os dias e as noites, de Teodsio; e o Sobre os tamanhos e distncias do Sol e da Lua. Estes tratados so, de facto, de dimenso relativamente pequena, mas no essa a razo por que pertencem pequena astronomia. Entendia-se, isso sim,

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    Nenhum outro texto antigo, contudo, apresenta uma sntese das questes fsicas relacionadas com a Lua, como ela nos aparece no Sobre a face visvel no orbe da Lua. O texto no um tratado cientfico, mas uma composio literria, onde se pode encontrar um repositrio das ideias que a populao instruda possua sobre astronomia e sobre a Lua em particular. Acima de tudo desafia muitas ideias presentes no De Caelo de Aristteles e prope muitas hipteses alternativas.

    O texto foi lido com entusiasmo pelos construtores da cincia moderna. Kepler discutiuo, traduziuo, comentouo. Newton viu nele as razes antigas da sua lei da gravitao. Os textos de astronomia portugueses dos sculos XVI e XVII utilizamno como fonte. Para essa influncia no escapar ao leitor desta traduo portuguesa, acrescentei quatro anexos no final, que dela mostraro um vislumbre.

    Finalmente, o opsculo de Plutarco foi utilizado tambm para estabelecer teses inovadoras em histria e filosofia da cincia. Em 1975, o filsofo da cincia Paul Feyerabend publicou uma obra famosa e provocadora, intitulada Against Method, em que exps uma teoria do desenvolvimento cientfico que assenta em quatro teses:

    o anarquismo terico mais susceptvel de a) encorajar o progresso do que as alternativas respeitadoras da lei e da ordem;

    que serviam de introduo grande astronomia, ou seja, sntese ptolomaica que o Almagesto (vejase Thomas L. Heath, Aristarchus of Samos the Ancient Copernicus, Oxford, Clarendon Press, 1913, pp. 317 e ss.).

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    o nico princpio que no inibe o progresso : b) qualquer coisa serve;a cincia avana quando utilizamos hipteses que c) contradizem teorias solidamente confirmadas; estas hipteses fornecem dados que no poderiam ser obtidos de outro modo;no h ideia, por mais antiga e absurda, que no seja d) susceptvel de melhorar o nosso conhecimento13.

    Estas teses levaram-no a apresentar uma definio de conhecimento diferente daquela a que estamos habituados:

    O conhecimento assim obtido no uma srie de teorias auto-consistentes convergindo numa perspectiva ideal; no uma aproximao gradual da verdade. antes um sempre crescente oceano de alternativas mutuamente incompatveis (e talvez at mesmo incomensurveis), forando cada teoria isolada, cada conto de fadas particular, cada mito concreto que faz parte da coleco, os restantes, a uma expresso mais conseguida, e contribuindo o conjunto, atravs deste processo de competio, para o desenvolvimento da nossa conscincia. Nada est definitivamente estabelecido, nenhuma concepo pode ser omitida da concepo geral. em Plutarco ou Digenes Larcio e no em Dirac ou von Neumann que encontramos os modelos de um conhecimento desta espcie no qual a histria da cincia se torna parte inseparvel da prpria cincia []14

    13 Existe uma traduo portuguesa desta obra, de Miguel Serras Pereira (Relgio dgua, 1993), as citaes sero feitas com base nesta edio.

    14 Paul Feyerabend, Contra o Mtodo, p. 36. A expresso em destaque est assim no original.

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    O case study a partir do qual Paul Feyerabend constri esta sua teoria o da revoluo galileana e um dos textos mais discutidos na sua obra , precisamente, o De Facie.

    O principal valor da obra de Plutarco reside, portanto, na sua singularidade e heterodoxia, na especificidade e amplitude dos tpicos que trata e na sua capacidade intrnseca para alicerar novos modelos astronmicos e fsicos.

    3. Nota sobre as edies disponveis e utilizadas

    O De Facie est conservado em apenas dois manuscritos, cuja relao muito discutida. possvel que um deles seja cpia do outro, por via de uma terceira cpia intermdia onde tero sido inseridas algumas emendas pelo prprio copista15. O texto sobrevivente apresenta muitas lacunas, constituindo um desafio filolgico para classicistas e um desafio de imaginao para o leitor. Para o tradutor, tratase, acima de tudo, de um quebracabeas. Utilizar uma s edio pode estreitar a leitura do texto, mas recorrer a muitas multiplica as alternativas de tal forma que rapidamente se mergulha num imenso oceano de possibilidades difcil de manejar. Com muito poucas modificaes, seguimos o texto estabelecido por Harold Cherniss (Harvard University Press, 1957), que acompanhado por um excelente aparato filolgico e

    15 Os manuscritos so o Grec. 1672 (sc. XIV) e o Grec. 1975 (sc. XV) da Bibliothque Nationale.

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    possui um conjunto fabuloso de notas, pois o autor no se coibiu de consultar estudiosos contemporneos de reconhecido mrito para as questes mais tcnicas16. Para ganhar amplitude na interpretao do texto, consultei as edies de Daniel Wittenbach (Oxford, 1797), P. Raingeard (Paris, 1935), M. Pohlenz (Leipzig, 1955), H. Grgemanns (Zrich, 1968). Com muita pena, no pude utilizar a edio de Xylander, to relevante pelo uso que dela fizeram Kepler e Newton. O prprio Kepler, como j se referiu, acabou por traduzir o opsculo de Plutarco no final da sua vida, tendo-lhe acrescentado inmeras notas, muitas de cunho filolgico, muitas mais, preenchidas com a mais interessante anlise cientfica. Foi um prazer ler as diferentes tradues quando precisei de clarificar sentidos. Foram particularmente teis as tradues latinas de Wittenbach e de Kepler (tanto a prpria traduo, como as suas notas). A traduo inglesa de A. O. Prickard tornou-se uma das minhas preferidas. A de Luigi Lehnus beneficia dos trabalhos anteriores. Poucas falhas se lhe podem identificar, seno que por uma ou duas vezes se tenta afastar do texto estabelecido por Cherniss, mas sem que da tire algum proveito.

    16 Assim, por exemplo, na nota b da p. 128 (nota a 933 C), indica uma consulta a O. Neugebauer, a fim de determinar os tempos mximos de um eclipse utilizando os nmeros de Ptolomeu para o dimetro aparente da Lua e da sombra da Terra, bem como os de Gmino para a velocidade. O seu a seu dono: muitas das notas desta traduo portuguesa encontraram suporte nas de H. Cherniss.

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    4. Bibliografia

    Edies e tradues consultadas do De Facie (por ordem cronolgica inversa):

    Sobre la cara visible de la luna, Vicente Ramn Palerm, in Obras Morales y de Costumbres IX, Madrid, Gredos, 2002.

    Il volto della luna, Intro. di Dario del Corno, trad. e note di Luigi Lehnus, Milano, Adelphi, 1991.

    Plutarch. Das Mondgesicht, Herwig Grgemanns, Zrich, 1968.

    Concerning the Face which Appears in the Orb of the Moon, Harold F. Cherniss, in Plutarch. Moralia, vol. XII, Harvard University Press, 1957 (Loeb Classical Library).

    De Facie in Orbe Lunae, M. Pohlenz, in Plutarchi Moralia, vol. 5, fasc. 3, Leipzig, Teubner, 1955.

    Le Peri tou Prosopou de Plutarque, texte critique avec traduction et commentaire par P. Raingeard, Paris, Belles Lettres, 1934.

    Plutarch on the Face which appears on the Orb of the Moon, transl. A. O. Prickard, Winchester and London, 1911.

    Plutarchi Chaeronensis Moralia, tomi IV, pars II, Daniel Wittenbach, Oxonii, Typographeo Clarendoniano, 1797 (o De facie ocupa as pp. 721-828).

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    Francofurti a. M., Heyder und Zimmer, 1870, pp. 76124 (no pude consultar e edio em: Kepler, J., Gesammelte Werke, hrsg. v. W. von Dyck und M. Caspar, Mnchen 1937ss).

    Outras Fontes

    Arnim, Hans Friedrich August von, Stoicorum Veterum Fragmenta, 4 vols., Stutgard, Teubner, 1964 (reimpresso da primeira edio, de 1924).

    Casini, Paolo, Newton: The Classical Scholia, History of Science 22, 1984, pp. 158.

    Heath, Thomas L., Aristarchus of Samos the Ancient Copernicus, Oxford, Clarendon Press, 1913.

    Heiberg, I. L; Menge, H., Euclidis Opera omnia, vol. VII, Leipzig, Teubner, 1915.

    Kepler, J., Astronomiae Pars Optica, in Chr. Frisch (ed.) Joannis Kepleri Astronomi Opera omnia, vol. II, Francofurti a. M., Heyder und Zimmer, 1859, pp. 1399 (no pude consultar e edio em: Kepler, J., Gesammelte Werke, hrsg. v. W. von Dyck und M. Caspar, Mnchen 1937ss).

    Kidd, I. G.; Edelstein, L., Posidonius. The Fragments, Cambridge University Press, 1972 (da autoria de I. G. Kidd, surgiram, na mesma editora, dois volumes de comentrios aos fragmentos de Posidnio, em 2004, e um volume de traduo, em 1999).

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    Schmidt, Wilhelm, Heronis Alexandrini opera quae supersunt omnia, vol. 2: Mechanica et Catoptrica, Teubner, 1900.

    Todd, Robert B. and Bowen, Alan C., Cleomedes Lectures on Astronomy: A Translation of the Heavens, University of California Press, 2004.

    Estudos (seleco):

    Adler, Maximilian, Quibus ex fontibus Plutarchus libellum De facie in Orbe Lunae hauserit, diss. Phil. Vind. X, 1910, pp. 85180.

    Casini, Paolo, Plutarco, Galileo e la faccia della Luna, Intersezione: Rivista di Storia delle Idee 4, 1984, pp. 397404.

    Cherniss, H., Notes on Plutarchs De Facie in Orbe Lunae, Classical Philology 46, 1951, pp. 137158.

    Coones, Paul, The Geographical Significance of Plutarchs Dialogue, concerning the Face Which Appears in the Orb of the Moon, Transactions of the Institute of British Geographers, New Series, Vol. 8, No. 3 (1983), pp. 361372.

    Domini, Pier Luigi, Science and Metaphysics: Platonism, Aristotelianism, and Stoicism in Plutarchs On The Face of the Moon, in John M. Dillon, A. A. Long (eds.), Studies in Later Greek

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    Gallo, Italo ( a cura di), Plutarco e le scienze Atti del IV Convegno Plutarcheo (GenovaBocca di Magra, 2225 aprile 1991), Genova, Sagep, 1992, (coll. I Libri di Giano Genova).

    Grgemanns, Herwig, Untersuchungen zu Plutarchs Dialog De Facie in orbe lunae, Heidelberg, Carl Winter Universittsverlag, 1970.

    Leito, Henrique (Com. Cient.), Sphaera Mundi: A Cincia na Aula de Esfera. Manuscritos Cientficos do Colgio de Santo Anto nas Coleces da BNP, Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, 2008.

    Lunais, Sophie, Recherches sur la lune: Les auteurs latins de la fin des Guerres Puniques la fin du rgne des Antonins, Leiden, Brill, 1979.

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    Septiembre de 1997), Sevilla, Libros Prtico, 1998, pp. 283-294.

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    920b1. Sila referiu as seguintes palavras1: Com efeito, isso diz respeito ao meu mito e nele tem a sua origem. Contudo, gostaria primeiro que me esclarecessem se preciso retomar as opinies em voga sobre a face da Lua. Eu retorqui2: E como no, se foi

    1 A tradio manuscrita apresenta uma lacuna logo ao incio e impossvel determinar com preciso a poro de texto que falta. O contexto tem de ser reconstitudo, portanto, a partir de indicaes fornecidas ao longo do dilogo. Em 921 F e 929 B, ficamos a saber que um amigo dos presentes deu uma conferncia, ou algo parecido, sobre o tema genrico da Lua e das suas manchas, a que se seguiu algum tipo de discusso (diatribe). Lmprias e Lcio estavam presentes, mas no Sila, Apolnides, Ton ou Frnaces, sem que se possa inferir algo a respeito de Aristteles ou Menelau (Harold Cherniss, The Face..., pp. 1516). Sila terse juntado ento ao grupo e, considerando que a discusso enveredara por temas mais prximos da mitologia, e tendo ele prprio um mito para contar a respeito, que prefere deixar para o fim, pede que se expliquem melhor as teorias cientficas sobre o satlite terrestre e se resuma a discusso anterior. O texto do manuscrito E comea com uma sequncia de palavras que no fazem qualquer sentido, mas ecoam o incio de outro passo dos Moralia (Quaest. Conui. 3, 4); o copista do manuscrito B, lembrado deste trecho, parece ter corrigido o texto em conformidade para lhe dar algum significado.

    2 O narrador do dilogo Lmprias, irmo de Plutarco, como fica patente mais frente, em 937 D, 940 F e 945 D. Nem sempre

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    por causa dos problemas que nelas encontrmos, que camos naquele tipo de coisas? Tal como as pessoas afectadas por doenas crnicas desesperam de remdios comuns e regimes habituais e se convertem a rituais de purificao, amuletos e sonhos; da mesma maneira, quando os argumentos comuns, reputados e habituais, no convencem ao tratar alegaes difceis de examinar e de ultrapassar, torna-se necessrio experimentar outros mais extravagantes, e no desprezar os cantos dos antigos, mas recit-los para ns prprios, sem pretenses artsticas, para, por meio deles, provar a verdade.

    2. Vs, sem rodeios, que absurda a tese daquele3 que afirma que o aspecto exterior da Lua deriva de uma deficincia da vista, a qual, por fraqueza, cede ao brilho dela (a isto chamamos encandeamento), sem reparar que isto devia antes acontecer em relao ao Sol, cuja luz nos ataca e atinge como um raio. Assim tambm Empdocles explicita, algures, a diferena entre ambos, em expresso inspirada:

    o Sol de raios aguados e a Lua apaziguadora,4

    esta identificao ficou esclarecida. Por exemplo, na sua traduo do dilogo, Kepler considerava que o prprio Plutarco era o narrador.

    3 Ignora-se quem possa ser o visado deste trecho.4 Para citaes de poetas antigos fragmentrios, veja-se as

    colectneas especiais de fragmenta usualmente referidas (John Powell, August Nauck, etc.). Pelo seu carcter pioneiro em relao aos filsofos pr-socrticos, relembramos as obras de Hermann Alexander Diels, Die Fragmente der Vorsokratiker, Berlin, 1903 (obra depois revista por Walther Kranz: Berlin, Weidmann 1952); Doxographi Graeci, Berlin, 1879 (e depois sucessivamente reimpressa).

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    com este verso querendo referir o carcter conciliador, jovial e calmante desta. Em seguida, o autor desta opinio apresenta a razo por que uma vista tremida e fraca no produz qualquer distino de formas na Lua, mas apenas detecta um brilho constante e pleno no orbe desta, enquanto os que possuem uma viso apurada e robusta a observam mais distintamente, discernem melhor as marcas distintivas da sua face e se apercebem melhor das suas variaes. O contrrio, penso, devia suceder. Se uma deficincia da vista que a enfraquece e produz uma imagem fictcia, quanto mais fraco se encontra o objecto afectado pela deficincia, mais ntida devia aparecer a imagem. O contraste bem vincado tambm refuta totalmente o argumento, pois no se v uma sombra contnua e misturada; pelo contrrio, Agesinax descreveua muito bem, afirmando:

    Toda ela resplandece rodeada de fogo e, no meio,mais azul que lpislazli, brilha o olho de uma rapariga,com as suas salincias lnguidas; tudo isto surge no seu aspecto.

    Na verdade, as partes sombrias rodeiam e insinuamse nas que resplandecem, comprimindoas, e sendo comprimidas e recortadas, por sua vez, por estas; e de tal forma se entrelaam umas nas outras, que o traado da figura se torna uma pintura. Todas estas coisas pareciam ser apresentadas plausivelmente, Aristteles, contra o vosso Clearco5. A verdade que

    5 Lmprias referese discusso anterior, que agora relata.

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    ele vos pertence, por se ter tornado companheiro do antigo Aristteles, ainda que modificando muitas das doutrinas do Liceu.

    3. Apolnides tomou a palavra e perguntou qual era a opinio de Clearco. Eu retorqui: Qualquer outra pessoa que no tu poderia ignorar um argumento nascido na casa da geometria, por assim dizer. Ele afirma que aquilo a que chamamos face constitudo por imagens do grande mar espelhadas e reflectidas na Lua, pois no s o o raio visual, quando reflectido em diversos lugares, seria capaz de atingir coisas que no se vem em linha recta, como tambm a prpria Lua-cheia seria, de todos os espelhos, o mais perfeito e lmpido, devido sua superfcie plana e sem asperezas, e ao seu brilho6. Tal como pensais que o arco-ris aparece numa nuvem que adquire, aos poucos, um polimento hmido e algum nvel de condensao, quando o raio visual se reflecte na direco do Sol, assim tambm Clearco considerou que o mar exterior avistado na Lua, no na regio em que est, mas no stio a partir de onde o raio visual inflecte para o mar exterior e o mar exterior reflectido para ns. Novamente, como algures disse Agesinax:

    6 A mesma teoria referida em outros autores antigos, como, por exemplo, em cio 2, 30.1 (Doxographi Graeci, p. 361 b 10-13), e por diversos autores at ao sculo XIX. Veja-se uma curta descrio histrica da teoria em Philip J. Stooke, Mappaemundi and the Mirror in the Moon, Cartographica 29.2 (1992), pp. 20-30.

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    ou do imenso mar bravio que diante de ns se estendenum espelho flamejante surge a imagem.

    4. Apolnides ficou deliciado e disse: Como original e inovador o aparato desta proposta, prpria de um homem de especial audcia e gnio; mas como procedeste sua refutao? Eu disse: Em primeiro lugar, embora o mar exterior possua uma natureza una e seja um oceano com uma correnteza unssona e ininterrupta, o reflexo das manchas negras na Lua no una, mas como se tivesse istmos e a parte brilhante definisse e delimitasse a parte escura. Daqui se segue que, visto que cada lugar se encontra separado e possui a sua prpria fronteira e visto que, alm disso, a sobreposio das partes luminosas s partes escuras assume a aparncia de altura e profundidade, fica reproduzida com grande semelhana a imagem dos nossos olhos e lbios, de tal forma que, ou se supe que h mais mares exteriores separados por istmos e continentes, o que inconcebvel e falso, ou, havendo apenas um mar, no plausvel que a sua imagem reflectida surja to espartilhada. Na tua presena, tornase mais prudente perguntar do que declarar, se possvel que, tendo a terra habitada largura e comprimento, qualquer raio visual reflectido na Lua chegue at ao mar, mesmo os raios visuais daqueles que navegam nesse mesmo grande mar e daqueles que nele habitam, por Zeus, como os habitantes da Britnia, e mesmo que a Terra, como afirmais, no desempenhe o papel de centro em relao rbita da Lua7. Cabe

    7 Hiparco de Niceia (194120 a.C.), o mais importante

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    te a ti estudar isto, mas no te pertence a ti nem a Hiparco, estudar a reflexo dos raios visuais, quer seja na Lua, quer seja em geral8. Com efeito, embora Hiparco fosse homem com capacidade de trabalho, muitos no aprovam a sua teoria da viso, que parece exigir uma mistura com composio homognea, ao contrrio de um jogo de atraco e repulso de tomos, como imaginava Epicuro. Por outro lado, Clearco no concordaria connosco em supor que a Lua um corpo pesado e slido, em vez de um astro etreo e possuidor de luz prpria, como afirmais9. Ora, uma Lua desta natureza s poderia refractar e desviar o raio visual, de tal forma que a reflexo no teria lugar. E se algum nos refutar, perguntaremos como pode suceder que o reflexo do mar seja semelhante a um rosto apenas na Lua e no seja observado em nenhum dos restantes astros de igual natureza. No entanto, o que seria verosmil era que o raio visual sofresse o mesmo efeito em todos, ou ento, em nenhum. Mas deixemos estas coisas de lado e tu, disse eu olhando para Lcio, relembra o que foi apresentado em primeiro lugar.

    astrnomo anterior a Ptolomeu, construiu um modelo que explicava as irregularidades do movimento da Lua por meio de crculos excntricos; ou seja, no seu modelo, o centro do crculo correspondente rbita da Lua no coincidia com o centro da Terra. Trata-se de uma inovao em relao ao modelo homocntrico de Eudoxo.

    8 Porque um tpico que pertence fsica e no matemtica.9 A posio peripattica de que a Lua etrea e luminosa

    associada a Apolnides e Aristteles e devia ter sido apresentada e discutida previamente. A posio acadmica representada por Lmprias e Lcio (cf. 923 A, 926 C, 928 C e 931 A-C).

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    5. Ao que Lcio disse: Antes, para no parecermos insultar grosseiramente Frnaces, omitindo a doutrina Estica, sem lhe dedicarmos sequer uma palavra, diz pelo menos alguma coisa a este senhor, que supe que a Lua constituda por uma mistura de ar e fogo inofensivo, e, em seguida, afirma que a imagem na Lua toma forma quando o ar escurece, tal como sucede quando o mar calmo se eria. Eu retorqui: elegante, Lcio, o facto de mascarares aquilo que implausvel com palavras favorveis. No fez tanto o nosso companheiro de conversa10; antes afirmou, o que inteiramente verdade, que eles esmurram a Lua, cobrindoa de manchas e ndoas negras, chamandoa ao mesmo tempo rtemis e Atenas, e fazendo dela uma mistura e um magma de ar sombrio e de fogo de cor de carvo em combusto lenta, desprovida de cintilao e de brilho prprio, antes um corpo indistinto sempre cheio de fumo e causticado pelo fogo como aqueles raios que os poetas designam como desprovidos de luz e plenos de fumo11. Contudo, um fogo de cor do carvo em combusto lenta, como estes consideram que o da Lua, no perdura nem tem consistncia se no arranja matria slida que o proteja e alimente ao mesmo tempo; isto observam melhor que alguns filsofos, aqueles que brincam e dizem que Hefesto chamado coxo porque o fogo sem madeira, tal como os coxos sem bordo, no progride. Portanto, se a Lua fogo, como pode ter todo este ar? Aquela regio, que vemos girar l em cima, no

    10 Vejase a nota 1.11 Cf. Odisseia, 23, 330 e 24, 539; Hesodo, Teogonia, 515;

    Pndaro, Nemeias, 10, 71.

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    o lugar do ar, mas de uma substncia mais nobre, cuja natureza rarefazer e inflamar todas as coisas. E se tivesse ar, como podia este impedir que o fogo o transformasse em ter e transfigurasse noutra forma; ou como podia ele conservarse e coabitar com o fogo durante tanto tempo como se tivesse sido encaixado no mesmo stio e a preso para sempre por meio de pregos? Se algo tnue e sem forma, no pode permanecer estvel, mas dispersase. Por outro lado, no pode tornarse slido se est misturado com fogo e se no est misturado com humidade ou Terra, pois apenas pode tornarse slido por meio destas coisas. Alm disso, a velocidade incendeia o ar nas pedras e no chumbo frio, quanto mais o ar incluso em fogo que rodopia com tal velocidade12. Mostramse descontentes para com Empdocles, que considera a Lua uma massa de ar congelado como granizo rodeado pela esfera de fogo. No entanto, eles prprios dizem que a Lua uma esfera de fogo que contm ar distribudo aqui e ali e no aceitam a ideia de que esta mesma esfera possui depresses, abismos ou cavidades, como as que so admitidas por aqueles que a consideram como um corpo semelhante Terra; contudo, evidente que supem que o ar assenta na sua superfcie convexa. Ora, isto absurdo no que toca estabilidade e contraditrio com o que se observa durante a Luacheia, pois neste perodo no devia haver uma definio do ar negro e sombrio; o ar devia tornarse sombrio, quando oculto, ou brilhar uniformemente,

    12 Cf. Aristteles, Sobre o Cu, 289 a 1932 e Meteorologia, 341 a 1719.

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    quando a Lua captada pelo Sol. Tambm entre ns, nas depresses e cavidades da Terra, onde os raios de Sol no chegam, o ar permanece sombrio e sem claridade, enquanto o que est l fora derramado em redor da Terra tem brilho e resplandece de cor. A razo que o ar, devido sua falta de consistncia, adaptase a qualquer qualidade e influncia e sobretudo, se tangente luz (para utilizar as vossas palavras)13, e lhe toca ao de leve, alterase progressivamente e fica todo iluminado. Isto vem mesmo a jeito para aqueles que, na Lua, empurram o ar para as cavidades e precipcios, e refutavos completamente a vs, que, no sei como, fazeis dela uma mistura de ar e fogo e uma esfera de natureza homognea, pois no possvel que uma sombra permanea na sua superfcie quando o Sol ilumina com a sua luz todo o recorte da Lua que ns distinguimos com os nossos olhos.

    6. Ainda estava a falar quando Frnaces me interrompeu: Aqui est de novo a velha estratgia da Academia para nos refutar; cada vez que se metem a falar com outros, no oferecem qualquer arrazoado das ideias que eles prprios defendem, mas mantm os interlocutores na defensiva, a no ser que eles se transformem em acusadores. Ora bem, hoje no me fareis sair em defesa dos Esticos contra as vossas acusaes, antes de vs prprios prestardes contas por virardes o mundo do avesso. Ento Lcio disse, rindo

    13 A doutrina estica, e Lmprias dirigese a Frnaces como representante desta escola.

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    se: Meu caro, s peo que no interponhas uma aco contra mim por impiedade, como Cleantes14 pensou que os Gregos deviam fazer contra Aristarco de Samos15, sob pretexto de que ele movera o corao do mundo ao tentar salvar os fenmenos supondo que o cu permanece imvel e que a Terra se move ao longo de uma rbita oblqua16, ao mesmo tempo que gira em redor do seu eixo. Ns prprios no apresentamos qualquer proposta alternativa17. Mas aqueles que consideram que a Lua como a Terra, carssimo, como podem eles virar tudo do avesso mais do que vs18, que fixais a Terra aqui mesmo, suspensa no ar? Ela, que muito maior que a Lua, como mostram os clculos dos matemticos que, durante os eclipses, por meio dos trnsitos da Lua atravs da sombra, calculam a sua dimenso pelo tempo que est oculta19. Com efeito, a sombra da Terra fica

    14 Cleantes de Asso (?331232 a.C.) foi sucessor de Zeno na direco da escola estica e escreveu um tratado contra Aristarco.

    15 Sobre a vida e obra deste importante astrnomo, vejase Thomas L. Heath, Aristarchus of Samos the Ancient Copernicus, Oxford, Clarendon Press, 1913. Viveu provavelmente entre 310 e 230 a.C. e foi discpulo de Estrato de Lmpsaco, que sucedeu a Teofrasto como director da escola peripattica em 288 ou 287 a.C. conhecido por ter proposto um modelo heliocntrico, mas a nica obra que dele se conservou, e que exerceu uma enorme influncia ao longo da histria, foi o seu tratado intitulado Sobre os tamanhos e distncias do Sol e da Lua, a que se alude por diversas vezes ao longo deste dilogo.

    16 Ou seja, ao longo da eclptica.17 Ns referese aos Acadmicos, ou seja, aos defensores na

    natureza terrestre da Lua.18 Vs referese aos Esticos.19 Cf., p.e., Aristarco, Sobre os tamanhos e distncias do Sol, e da

    Lua; Cleomedes, Sobre os movimentos circulares dos corpos celestes, 2, 1 (existe uma recente excelente traduo inglesa com comentrio:

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    progressivamente menor ao estenderse debaixo de uma fonte de luz que maior que a prpria Terra. Que a parte de cima da sombra mais fina e estreita no escapou sequer a Homero, como se diz, que chamou noite afiada por causa da forma pontiaguda da sombra20. Contudo, apanhada nesta parte da sombra durante os eclipses, a Lua s escapa com dificuldade percorrendo um espao que tem trs vezes a sua prpria dimenso21. Imagina quantas Luas cabem na Terra, se a Terra lana uma sombra que tem como largura mnima o dimetro de trs Luas. Mesmo assim, receais que a Lua possa cair, ao passo que, a respeito da Terra, provavelmente squilo vos ter persuadido de que Atlas

    permanece de p, estando o pilar do cu e da Terraapoiado nos seus ombros, fardo difcil de suportar;22

    ou ento estais persuadidos de que, embora por debaixo da Lua corra um ar ligeiro, incapaz de sustentar por ele mesmo uma massa slida, j a Terra sustentada por

    Robert B. Todd, Alan C. Bowen, Cleomedes Lectures on Astronomy: A Translation of the Heavens (Hellenistic Culture and Society), University of California Press, 2004). Deve notarse que havia desacordo entre Esticos sobre se a Terra seria mais pequena ou maior do que a Lua. Cf., p.e., cio, 2, 26.1.

    20 P.e. em Ilada, 10, 394.21 Esta medida corresponde razo Terra/Lua que Hiparco

    prope, e no relao entre o dimetro da sombra e o dimetro da Lua, a que Hiparco atribui o valor de 2,5 e Aristarco, de 2 (Harold Cherniss, The Face, p. 57, n. d; Luigi Lehnus, em Il volto della luna, p. 127, n. 47).

    22 Prometeu Agrilhoado, 351352.

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    pilares com alicerces de ferro, como diz Pndaro23. por isso que o prprio Frnaces no tem qualquer receio de que a Terra caia, mas tem pena dos Etopes e dos Taprobanos, que habitam sob a rbita da Lua e sobre os quais pode cair tamanho peso. Contudo, salvam a Lua de cair, o seu prprio movimento e a velocidade da sua revoluo, tal como os projcteis colocados numa funda so impedidos de cair por causa do seu movimento rotativo. Cada coisa dominada pelo seu movimento natural, a no ser que seja desviado por outra coisa qualquer. Por isso, o peso no consegue fazer cair a Lua: porque a sua aco anulada pelo movimento rotativo. Teramos mais razo para nos admirarmos, se ela permanecesse totalmente imvel e estacionria como a Terra. Ora, se a Lua tem uma excelente razo para no cair para aqui, seria justo pensar, pelo contrrio, que s o facto de ter peso devia fazer a Terra moverse, visto que nenhum outro movimento a afecta; alm disso, ela mais pesada que a Lua, no s por ser maior, mas mais ainda, porque a Lua se ter tornado ligeira por causa da aco do calor e do fogo. Em resumo, das coisas que dizes parece tirarse a concluso de que a Lua, se fogo, ainda precisa mais de terra e matria onde se possa alicerar e fixar, e por meio da qual possa conservar e animar a fora da sua chama, pois impossvel imaginar um fogo capaz de se manter aceso sem combustvel; no entanto, afirmais que a Terra permanece imvel, sem alicerces ou razes. Ento, Frnaces ripostou: Mas claro que ela ocupa o lugar prprio e natural que lhe

    23 Fragmento proveniente de um poema perdido de Pndaro.

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    pertence, o ponto central, que aquele no qual se comprimem todas as coisas que tm peso e inclinao natural, e para onde se dirigem e convergem de todas as partes. Toda a regio superior, pelo contrrio, se recebe algum objecto terrestre que lhe arremetido com violncia, imediatamente o expulsa para a nossa regio; ou seja, deixao ir para o local para onde o faz descer, a sua inclinao natural.

    7. Neste momento, desejando eu que Lcio tivesse tempo para refrescar a sua memria, interpelei Ton e perguntei: Qual dos trgicos, Ton, afirmou que os mdicos

    com remdios amargos expurgam a blis amarga?24

    Avanando Ton com o nome de Sfocles, eu disse: Somos obrigados a permitirlhes este procedimento; pelo contrrio, no devemos dar ouvidos a filsofos, quando desejam refutar paradoxos com paradoxos e combatem as mais estranhas ideias criando outras mais absurdas e estranhas ainda, como estes que propem a deslocao para o centro. Que paradoxo no est envolvido nesta teoria? No est envolvido o de que a Terra uma esfera, apesar de possuir to grandes profundezas e alturas e irregularidades25? No o de que os habitantes do hemisfrio oposto vivem agarrados Terra

    24 Citao de uma tragdia de Sfocles que se perdeu.25 Esta era uma objeco habitual teoria peripattica e estica

    de que o elemento terrestre tende naturalmente para o centro do Universo.

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    como vermes da madeira ou lagartos virados de cabea para baixo? Ou que ns prprios no permanecemos perpendiculares em relao Terra quando andamos, mas ficamos inclinados e balanamos como fazem os brios26? No, que pedras incandescentes de mil talentos levadas atravs das profundezas da Terra param quando chegam ao centro sem que nada as detenha ou sustenha; ou, se porventura a velocidade que levam na descida as faz ultrapassar o centro, do a volta e retornam por si mesmo? No, que bocados de meteoritos de cada lado da Terra no se deslocam para baixo continuamente mas caem na Terra e penetramna, de fora para dentro, escondendose no centro? No, que uma violenta corrente de gua levada para baixo, ao chegar ao ponto central (que eles prprios consideram incorpreo), se detm suspensa ou gira em torno dele, numa oscilao que no pra nem parar nunca? Nem mentindo a si mesmo poderia algum forar a sua inteligncia a aceitar como possveis quaisquer destes factos27. Seria fazer o que est em cima estar em baixo e todas as coisas ao contrrio: tudo o que est entre ns e o centro passaria a estar em baixo e tudo o que est para baixo do centro

    26 As pessoas erguemse perpendiculares a planos tangentes esfera da Terra, mas estes planos no so paralelos entre si, ou seja, desviamse da normal a um plano absoluto; por outras palavras, as pessoas esto inclinadas umas em relao s outras, embora no o estejam em relao linha que as une ao centro da Terra.

    27 Nem mentindo a si mesmo reproduz uma expresso difcil de traduzir devido sua extrema conciso. O texto pretende dizer que mesmo que uma pessoa quisesse imaginar teoricamente que aqueles factos se poderiam verificar, no o conseguiria fazer, de to contrrios verdade eles so.

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    passaria a estar, por sua vez, em cima; de tal maneira que, se uma pessoa, em sintonia com a Terra, tivesse o seu umbigo no centro dela, ento teria, ao mesmo tempo, a cabea e os ps virados para cima! E se escavasse um buraco sua frente, a sua parte de baixo estaria virada para cima e s poderia sair do buraco escavando de cima para baixo! Mais: se se imaginasse que algum viria ao seu encontro, dirseia que os ps de ambos estariam virados para cima, e assim estariam de facto!

    8. Ora, so estes monstruosos paradoxos que transportam e carregam aos ombros28, e no numa pequena bolsinha a tiracolo, mas no atrelado cheio de bugigangas de um qualquer charlato, por Zeus! E ainda dizem que os outros brincam, quando dizem que a Lua Terra e a colocam l em cima e no no lugar onde est o centro. Contudo, se verdade que todos os objectos com peso convergem para um ponto e que todas as suas partes se comprimem na direco do seu prprio centro, ento a Terra apropriase dos objectos com peso tomandoos como partes de si mesma, no por ser o meio do Universo, mas como um todo que atrai as suas partes; e a tendncia para baixo dos objectos ser prova, no de que a Terra est no meio do Cosmo29, mas de que os objectos atirados da Terra e que voltam a descer na sua direco possuem uma afinidade e coeso com ela. Assim como o Sol atrai para si as partes de que composto, assim tambm a Terra recebe como suas

    28 A referncia aos Esticos.29 Os Esticos distinguiam o Universo do Cosmo: o primeiro

    englobaria o segundo e o vazio infinito que o rodeia.

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    as pedras que possuem como propriedade intrnseca o movimento para baixo, da que cada uma delas acabe por se conjugar e misturar com ela. Contudo, se existe um objecto que no tenha sido originalmente atribudo Terra para depois lhe ser arrancado, mas que, por alguma razo, possua uma constituio independente e uma natureza prpria, como estes homens sustentam a propsito da Lua, o que que o impede de estar separado e permanecer coeso, atraindo e compactando todas as suas partes? A verdade que no est provado que a Terra est no meio do Universo, e a maneira como as coisas nesta parte do mundo se encontram concentradas e compactadas na direco da Terra permite formar uma ideia verosmil do modo como as coisas, naquela parte, convergem para a Lua, nela permanecendo. Quanto a quem concentra numa zona os objectos pesados de natureza terrestre e os considera parte de um corpo, no compreendo porque no submete mesma lei as coisas leves, mas permite tantos aglomerados de fogo separados e no concentra os astros todos num ponto, nem considera evidente que deve haver um corpo comum a todos os objectos gneos e que possuem uma tendncia natural para cima30.

    30 O passo muito interessante pelo que tem de precursor em relao a uma teoria da gravidade que abrange todos os corpos. Para a ligao do passo a Newton, vejase, no fim, o anexo 2 D. Vrios autores tentaram tambm relacionlo com o pensamento de Coprnico sobre o tema da gravitao, exposto no prlogo do seu De Revolutionibus, mas sem sucesso (vejase: Dilwyn Knox, Copernicuss Doctrine of Gravity and the Natural Circular Motion of the Elements, Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, vol. 68 (2005), pp. 157211).

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    9. Mas vs31, meu caro Apolnides, dizeis que uma imensa distncia separa o Sol da circunferncia superior e que por cima do Sol, mas por debaixo das estrelas fixas e a enormes distncias uns dos outros, se movem Vnus, Mercrio e os restantes planetas. Pensais, alm disso, que o Cosmo no possui em si espao ou extenso para objectos com peso e de natureza terrestre. J vs que ridculo negarmos que a Lua Terra por estar separada da regio inferior, para depois afirmarmos que uma estrela, embora a vejamos afastada tantos milhares de estdios da circunferncia superior, como se estivesse mergulhada no abismo. Dos astros at ela, c em baixo, a distncia to grande, que ningum consegue exprimir a sua medida por meio de palavras, e os nmeros no vos chegam a vs, matemticos, quando a tentam calcular. Quase raspa na Terra e gira muito perto dela. Como diz Empdocles,

    Gira como o eixo de um carro, que em torno 32.

    Muitas vezes nem sequer consegue passar alm da sombra da Terra, embora esta se estenda num espao curto por ser muito grande a fonte de luz; mas gira to perto (quase parece que a Terra a consegue levar ao colo), que chega a ver a luz do Sol ser interceptada pela Terra, a no ser que se erga acima deste lugar sombrio, terrestre

    31 Aluso aos matemticos e astrnomos em geral, aqui representados por Apolnides.

    32 Aqui, uma lacuna torna a citao de um segundo verso de Empdocles ilegvel.

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    e nocturno que propriedade da Terra. Por esta razo, penso, somos obrigados a admitir que a Lua est dentro dos limites da Terra, uma vez que est no alinhamento das suas extremidades33.

    10. Deixa de lado as estrelas fixas e os outros planetas e observa com ateno o que Aristarco demonstra no tratado Sobre os tamanhos e distncias: que a distncia do Sol maior do que dezoito vezes mas menor do que vinte vezes a distncia da Lua Terra34. Ora, o autor que indica a estimativa mais elevada afirma que a distncia de ns Lua de cinquenta e seis vezes o raio da Terra. Este raio de quarenta mil estdios, mesmo num clculo moderado; e, se calcularmos a partir destes valores, o Sol est a mais de quarenta milhes e trezentos mil estdios da Lua35. O seu peso fla afastarse para to longe

    33 A metfora tem escapado aos tradutores e comentadores. Esta a definio de raio visual na Catptrica de Euclides, obra cannica para esta parte da matemtica, que estudava a reflexo de raios visuais e que discutida em maior pormenor mais abaixo, no captulo 17 (um raio visual uma linha recta, na qual todos os pontos intermdios se sobrepem s extremidades [ou seja, os pontos intermdios esto no alinhamento das extremidades]; para uma edio do texto, vejase I. L Heiberg e H. Menge, Euclidis Opera omnia, vol VII, Leipzig, Teubner, 1915, pp. 287290). Neste caso, uma das extremidades seria o vrtice do cone formado pela sombra da Terra, a outra seria a prpria Terra. Tudo o que est no meio, seria, de alguma maneira, elemento terrestre, e como a Lua passa pela sombra da Terra, ainda que ocasionalmente, participaria da natureza da Terra.

    34 Aristarco, Sobre os tamanhos e distncias do Sol, e da Lua, proposio 7 (=Thomas L. Heath, Aristarchus of Samos, pp. 376381).

    35 Ignorase quem possa ser o autor desta estimativa mais elevada e difcil dar hoje em dia uma medida correspondente

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    do Sol e aproximarse at to perto da Terra, que, se distribuirmos propriedades de acordo com a localizao, o espao e a parte que pertence Terra reclama para si a Lua; e tornase uma questo jurdica saber a qual das duas devem pertencer os bens e pessoas terrestres, tomando em ateno laos familiares e de amizade. Penso que no erramos, quando, ao mesmo tempo que concedemos esta altura e distncia s coisas chamadas superiores, tambm deixamos, para as coisas chamadas inferiores, alguma altura e espao de manobra, como o que existe entre a Terra e a Lua. Tanto imoderado o que chama superior apenas superfcie mais extrema do cu, e inferior a tudo o resto, como intolervel o que restringe o que inferior Terra e, sobretudo, ao seu centro, pois alguma extenso deve ser concedida a ambas as coisas, visto que a dimenso do Cosmo assim o permite. Quanto pretenso de que tudo o que est afastado da Terra , s por isso, superior e celeste, uma outra pessoa pode responder por seu turno que tudo o

    porque se ignora a medida do estdio que serviu de base ao clculo. sempre til chamar ateno para o facto de que muito comum referir a questo da descoberta da medida do permetro da Terra, citando Eratstenes entre outros, mas isolandoa da teoria astronmica que lhe d um alcance maior. A verdade que os antigos conseguiram reduzir o problema da dimenso do Universo a um problema mais simples de medio do dimetro da Terra porque estabeleciam relaes entre as distncias dos diversos astros; bastava depois determinar a relao entre uma das distncias e a dimenso da Terra para se poder formar uma ideia da medida de todo o Universo. Para uma breve introduo ao assunto, o leitor remetido para a j citada obra de Thomas L. Heath (Aristarchus of Samos) e para a obra de Albert Van Helden (Measuring the Universe: Cosmic Dimensions from Aristarchus to Halley, University of Chicago Press, 1986).

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    que se encontra afastado da circunferncia das estrelas fixas , s por isso, inferior.

    11. Genericamente, em que sentido est a Terra situada no meio, e no meio de qu? A verdade que o Universo infinito, e ao infinito no compete ter um meio, visto que no possui um princpio ou um fim; alm disso, o meio tambm uma espcie de limite, e o infinito desprovido de limites. Quem declara que a Terra est no meio, no do Universo, mas do Cosmo, ingnuo, se no percebe que o prprio Cosmo est envolto nos mesmos paradoxos, pois o Universo no deixou um meio para o Cosmo; este movese no vazio infinito deriva, errante, em direco a nada que lhe sirva de lar; ou ento pra, se encontra uma outra razo para permanecer quieto que no a natureza do lugar. O mesmo se pode conjecturar, tanto a respeito da Terra, como da Lua: que uma permanece imvel aqui e a outra se move ali, mais devido a uma diferena de alma e natureza, do que a uma diferena de localizao. Alm de tudo isto, observa se algo mais no lhes escapou36. Se tudo o que de uma maneira ou outra se encontra fora do centro da Terra est em cima; ento, nenhuma parte do Cosmo se encontra em baixo e a Terra, e tudo que est sobre ela, e todos os objectos que rodeiam e contornam o centro, esto em cima; em baixo s est uma coisa, que aquele ponto incorpreo, obrigado a contraporse a toda a natureza do Cosmo, a ser verdade que o que est em baixo se ope na natureza ao que est em

    36 Aos Esticos.

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    cima. E no s isto que produz um absurdo: os corpos pesados37 acabam por perder a razo da sua tendncia de queda para aqui, pois no h qualquer corpo em baixo para onde se desloquem e no provvel, nem sequer o defendem esses homens, que aquele centro incorpreo tenha uma fora tal que atraia todas as coisas mantendoas agrupadas sua volta. Pelo contrrio, totalmente absurdo e contrrio aos factos que todo o Universo seja o que est em cima e que o que est em baixo no seja nada mais do que um limite incorpreo e sem dimenses; mais razovel o que dizemos: que uma vasta e extensa regio foi dividida entre o que est em cima e o que est em baixo.

    12. No possvel38, mas imaginemos, se quiseres, que os movimentos de objectos terrestres no cu so contrrios natureza; com serenidade devemos admitir, sem tragdias, mas com calma, que isto no indica que a Lua no seja Terra; mas antes, que ela Terra num stio indevido. Da mesma maneira, o fogo do Etna encontrase abaixo da Terra contrariando o que seria natural, mas fogo; e o ar concentrado debaixo das peles ligeiro e voltil por natureza, mas est relegado, por fora, a um lugar que no lhe pertence por natureza. E, por Zeus, a prpria alma, disse eu, no se junta ao corpo contra as leis da natureza, sendo ela veloz e este lento, ela gnea

    37 A tradio chama a estes corpos os graves. No usamos esta terminologia, porque no tradicional a designao antagnica os leves.

    38 Frmula que serve, nos textos de matemtica grega, para introduzir uma prova por reduo ao absurdo.

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    e este frio, ela invisvel e este sensvel, como costumais dizer? Por causa disto negaremos que existe uma alma no corpo ou que o intelecto, coisa divina que percorre, em voo instantneo, todo o cu, a terra e o mar, se ligou carne, aos nervos e medula, sob influncia do peso, da densidade e de mil afeces, aps condensao? E este vosso Zeus, no , na sua natureza original, um grande fogo ininterrupto, que agora se v abatido, subjugado e transformado, tendo assumido e assumindo ainda a forma de todas as coisas, no decurso das suas transformaes? Assim sendo, v e verifica, meu amigo, se, ao mudares de lugar e removeres cada coisa para o stio que lhe pertence por natureza, no estars a criar um sistema filosfico que inclui a dissoluo do Cosmo e introduz na realidade a Discrdia de Empdocles; mais ainda, se no estars a levantar os antigos Tits e Gigantes contra a Natureza e a reclamar a importncia daquela mtica e terrvel desordem e confuso, separando tudo o que pesado daquilo que leve.

    A no mais se distingue a face brilhante do Sol,nem a bravia vitalidade da Terra, nem o mar,

    como diz Empdocles; a Terra no tomava parte no calor, nem a gua no ar, nem os corpos pesados estavam em cima, nem os leves em baixo; pelo contrrio, separados, hostis e solitrios, os princpios de todas as coisas no aceitavam combinaes nem associaes entre si, mas evitavamse, viravamse as costas e cumpriam os seus movimentos prprios e individualistas. Estavam no

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    estado em que esto as coisas onde Deus est ausente, como afirma Plato39, ou seja, no estado em que se encontram os corpos abandonados pela alma e pela mente. Assim estavam as coisas at que o Desejo invadiu a Natureza providencialmente, com a chegada do Amor, Afrodite e Eros, como dizem Empdocles, Parmnides e Hesodo40. Isto fez com que as coisas, ao mudarem de lugar e tomarem propriedades umas das outras; ao serem submetidas, umas s leis do movimento, outras, s da imobilidade; ao serem foradas a ceder e a mudar do que lhes era natural para o que seria melhor, conseguissem produzir um todo harmnico e solidrio.

    13. Se nem uma s parte do Cosmo se encontra disposta contranatura, mas todas permanecem na sua posio natural, sem precisar, ou sem ter necessitado alguma vez, de qualquer mudana de lugar ou rearranjo, ento no vejo que uso possa ter a Providncia, ou do que Zeus, o arteso supremo e pai demiurgo se possa considerar o criador. Um exrcito no precisaria de oficiais, se cada soldado conhecesse o seu posto e posio e o momento em que os deveria defender e manter; no haveria necessidade de jardineiros ou construtores, se a gua subisse, por impulso natural, por onde lhe compete subir, at s coisas que dela precisam, e as irrigasse com a sua corrente, ou se os tijolos, traves e pedras, seguindo a sua inclinao e propenso natural, encontrassem a

    39 CF. Timeu, 53 B.40 Alguns fragmentos de Empdocles e Parmnides podem ser

    relacionados com esta afirmao. Em Hesodo, o mesmo est dito em Teogonia, 120.

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    devida disposio e ocupassem o seu devido lugar. Ora, se esta viso elimina a Providncia, e se, por outro lado, a disposio das coisas, bem como a sua distribuio, pertence a Deus, como pode causar admirao que a natureza tenha sido disposta e ordenada de tal forma que aqui haja fogo e ali astros; ou que aqui esteja fundeada a Terra e ali em cima a Lua, submetida a um domnio mais forte que o da natureza: o da razo? Se se admite que todas as coisas seguem a sua inclinao natural e se movem de acordo com a sua propenso natural; ento, nem o Sol, nem Vnus, nem qualquer dos restantes astros, poder moverse circularmente, pois a tendncia natural dos objectos leves e gneos moveremse para cima, e no em crculo. Mas se a natureza consente uma variao de acordo com o local, de forma que o fogo, embora nos parea levado daqui para cima, logo que chega ao cu, gira, acompanhando o movimento rotativo deste; como pode causar admirao, que tambm os objectos pesados e de natureza terrestre ali chegados se alterem, e o novo ambiente os force a um novo tipo de movimento? No aceitvel que o cu prive os objectos leves da sua tendncia de subida em conformidade com a natureza, mas no consiga impor o seu domnio aos objectos pesados e s coisas que tm tendncia para descer; muito pelo contrrio, em ambos interveio com a mesma fora, e colocou a natureza de ambos ao servio do que melhor.

    14. Se somos obrigados a abandonar as noes e opinies que nos dominam para falarmos com segurana

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    sobre o que realmente acontece, claro que nenhuma parte de um todo possui, em si mesma, qualquer ordenao, posio, ou movimento que algum possa chamar simplesmente natural. No entanto, quando cada parte, seja pelo seu movimento, reaco, actuao ou transformao, se torna til e conveniente para com aquilo que lhe deu o ser e em vista do qual existe e foi criada, de tal maneira que contribui para a sua preservao, harmonia e fora, ento, podemos dizer que possui o seu lugar, movimento e disposio naturais. Por exemplo, o Homem, que foi gerado de acordo com as leis da natureza, supondo que algum ser o foi, possui em cima o que mais pesado e terrestre, sobretudo na parte da cabea, e no meio o que mais quente e gneo; dos dentes, uns nascemlhe em cima, outros em baixo, mas nem uns nem outros nascem contrrios natureza; to pouco se pode dizer que o fogo que brilha em cima, nos olhos, seja natural, por oposio ao que flameja no estmago ou no corao; pelo contrrio, ambos esto dispostos de forma til e conveniente. Observa a natureza, como diz Empdocles,

    dos bzios e das tartarugas com duras carapaas,

    (e de todos os bivalves, podemos acrescentar)

    e neles vers Terra situada flor da pele;

    contudo, o elemento de pedra no pressiona nem esmaga a constituio fsica daquilo a que est sobreposto, nem

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    o calor se dissipa, por sua vez, voando para a regio superior devido sua leveza; de alguma maneira, encontramse unidos um ao outro e organizamse de acordo com a natureza de cada um.

    15. Assim sucede tambm com o Cosmo, se que um ser vivo. Em muitos stios tem terra e noutros, fogo, gua e ar, no como resultado de uma fora repulsiva, mas de um arranjo racional. Os nossos olhos tambm no esto na parte superior do corpo por fora da sua leveza, nem o nosso corao desceu ou resvalou para o peito por causa do seu peso, mas porque era melhor que ambos assim estivessem dispostos. No pensemos de forma diferente a respeito das partes do Cosmo, ou seja, que a Terra est situada aqui, para onde o seu peso a fez escorregar, ou que o Sol, como pensava Metrodoro de Quios41, foi empurrado para a regio superior por causa da sua leveza como uma pele insuflada, ou que os outros astros obtiveram os lugares em que esto, porque inclinaram o fiel da balana com diversos pesos. Pelo contrrio, a razo prevalece: as estrelas cumprem a sua revoluo como olhos luminosos fixados no rosto do Universo, o Sol distribui e dispersa para fora de si calor e luz, como o corao faz com o sangue e a respirao; a Terra e o mar tm como funo natural servir o Cosmo,

    41 O Metrodoro de Quios aqui mencionado foi um atomista, aluno de Demcrito. Na sua concepo do Universo, o Sol o corpo mais afastado da Terra, seguindose a Lua; entre a Lua e a Terra orbitariam ento as estrelas e planetas (cf. De Placitis, 889b; ou seja, cio, 2, 15.6). No deve ser confundido com o homnimo epicurista, Metrodoro de Lmpsaco.

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    como os intestinos e a vescula servem um ser vivo. Quanto Lua, situada entre o Sol e a Terra como o fgado ou outro rgo mole est entre o corao e os intestinos, transmite para aqui o calor que vem de cima e envia para cima as exalaes da nossa regio, depois de as digerir, purificar e refinar na sua esfera. Ignoramos, contudo, se o elemento terrestre e slido que h nela til para outros fins. Em todo o caso o melhor domina a necessidade. Que probabilidade atribuiremos s teorias que estes apresentam42? Afirmam que a parte luminosa e tnue do ter, por ser rarefeita, deu origem ao cu, e que a parte densa e compacta deu origem s estrelas, e que, de entre estas, a Lua o corpo mais inerte e turvo. Contudo, podemos ver que a Lua no se encontra separada do ter; pelo contrrio, ela movese no muito ter que ainda se encontra a toda a sua volta; alm disso, tem ainda muito em baixo dela, que onde os mesmos afirmam que se movem as estrelas cadentes e os cometas43. Assim sendo, cada um dos corpos encontra o seu equilbrio, no por meio da tendncia que lhe confere o seu peso ou leveza, mas de acordo com outra lgica.

    16. Tendo dito isto, estava para dar a palavra a Lcio, para se passar demonstrao da nossa teoria, quando Aristteles, com um sorriso, disse: So todos testemunhas de que a refutao apresentada foi toda dirigida contra os que supem que a Lua , em si mesma, semignea e, ao mesmo tempo, afirmam que todos os

    42 Mais uma vez, a expresso estes referese aos Esticos.43 O texto diz cometas (ou seja, os que possuem cabeleira) e

    cometas com barba.

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    corpos em geral possuem, por si mesmos, determinada tendncia, uns para baixo, outros para cima. Nem por acaso vos ocorreu que possa haver algum que afirme que os astros se movem em crculo de acordo com a natureza, e que so feitos de uma substncia superior aos quatro elementos, de forma que eu fui poupado a sarilhos44. Lcio tomou a palavra e disse: Meu caro amigo45: quando mencionas, tu e os teus, que os astros e todo o cu so constitudos por uma substncia pura e transparente e desprovida de qualquer alterao qualitativa que se move num crculo em perptua revoluo, duvido que algum vos ataque, apesar das mil dificuldades envolvidas na vossa doutrina. Porm, quando o vosso raciocnio desce e toca na Lua, j no capaz de assegurar nela a impassibilidade e a beleza do corpo celeste. Mesmo que deixemos de lado as suas outras irregularidades e diferenas, o prprio rosto que ela apresenta tem de surgir devido a uma qualquer alterao da sua substncia ou a uma mistura com uma outra substncia qualquer. Ora, o que misturado sofre sempre uma alterao, pois perde a sua pureza ao ser infectado por algo que lhe inferior. O torpor da Lua, a sua falta de impulso, o seu calor fraco e desmaiado, caractersticas que, segundo on46,

    no amadurecem a uva negra;

    44 Esta a posio aristotlica (cf., p.e., De Caelo, 269 a 218).45 O texto apresenta aqui uma pequena lacuna. Faltam as

    primeiras palavras de Lcio, mas o sentido no se perde.46 Poeta lrico e trgico, cujo floruit se situa no sculo V a.C. O

    verso pertence a uma obra sua que se perdeu.

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    como as justificaremos seno pela sua fraqueza e alterao, caso possa haver alterao num corpo eterno e celeste? Em sntese, meu amigo Aristteles, assumindo que a Lua como a Terra, ento um objecto belo, ilustre e elegante, mas como estrela, ou luz, ou corpo divino e celeste, temo bem que seja disforme, inconveniente e uma mancha para uma reputao imaculada, a ser verdade que a nica de entre a multido dos astros que esto no cu que revolve recebendo a sua luz de outro corpo,

    de olhar sempre fixado nos raios do Sol,

    como diz Parmnides. O nosso amigo foi aplaudido quando, no seu discurso, demonstrou a proposio de Anaxgoras, de que o Sol coloca a sua luz na Lua47. Eu no falarei sobre as coisas que aprendi de vs ou convosco, mas passarei de bom grado aos pontos seguintes. Pois bem, no plausvel que a Lua se ilumine por ser atingida e atravessada pelo brilho do Sol, tal como sucede com o vidro ou o gelo; to pouco plausvel que se ilumine devido a uma concentrao de brilho ou acumulao de raios, como sucede quando as tochas aumentam a sua luminosidade. Se assim fosse, ou seja, se a Lua, por causa da sua fraca densidade, no tapasse nem ocultasse o Sol, mas deixasse passar a luz dele; ou se, por outro lado, a luz que existe ao redor da Lua se tornasse brilhante e fosse alumiada por combinao com a do Sol; ento veramos a Luacheia no s no incio do ms, mas

    47 Mais uma vez se faz referncia discusso anterior.

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    tambm a meio do ms, pois durante uma conjuno no poderamos imputar a causa da sua invisibilidade s suas oscilaes e desvios, como nas fases de Meialua, Lua gibosa ou quarto crescente. Como diz Demcrito,

    estando alinhada com o objecto que a ilumina,ela acolhe e recebe o Sol48

    de tal forma, que seria razovel esperar que ela se tornasse visvel e que ele brilhasse atravs dela. Contudo, isto est muito longe de suceder, pois a Lua permanece invisvel nessa altura e tapa e oculta o Sol muitas vezes. Como diz Empdocles,

    os seus raios mantm afastados, desde o cu at Terra, nela lanando a escuridonuma extenso semelhante que tem a Lua de olhos brilhantes49,

    tal como se a luz casse na direco da noite e das trevas, e no na direco de um outro astro. Quanto explicao de Posidnio, de que a profundidade da Lua no conduz a luz do Sol atravs dela at ns, ela manifestamente refutada pelo facto de que o ar, embora ilimitado e

    48 A expresso tem carcter ertico e reala o aspecto feminino da Lua e o masculino do Sol. Demcrito de Abdera foi outro conhecido atomista (c. 460370 a.C.).

    49 Texto incerto e cujo sentido difcil de compatibilizar perfeitamente com o que se diz de seguida. Vejase nota interessantssima de Luigi Lehnus (Il volto della Luna, p. 141 n.126) que reala o facto de Empdocles no reconhecer a forma cnica da sombra projectada pela Lua durante um eclipse.

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    muito mais profundo do que a Lua, totalmente iluminado e brilha por causa dos raios solares50. Resta a teoria de Empdocles, de que a luz que vemos na Lua resulta da reflexo do Sol nela. Por isso, no chega at ns nem calor nem brilho, como seria de esperar que chegasse, se houvesse ignio produzida pelo encontro das duas luzes51. Tal como as vozes, depois de reflectidas, produzem um eco mais dbil do que o som original, e o impacto final dos projcteis, depois de um ricochete, mais fraco;

    assim, depois de atingir o vasto orbe da Lua, o raio52

    reverte para ns mais desmaiado e suave, porque a reflexo dissipa a sua fora.

    17. Sila ento tomou a palavra e disse: Sem dvida que esta teoria tem aspectos credveis, mas ter sido apresentada a mais forte das objeces possveis, ou ela escapou ao nosso companheiro?. Do que falas?, disse Lcio, Referes-te dificuldade respeitante Meia-lua? Precisamente, disse Sila, pois tem algum fundamento o argumento, segundo o qual, assumindo que a reflexo se faz em ngulos iguais, quando a Meia-lua se encontra

    50 Aqui, como ao longo do texto, o termo profundidade parece sinnimo de densidade. No fica esclarecido, pela citao, o pensamento de Posidnio sobre a reflexo da luz do Sol na Lua. Posidnio de Apameia (floruit c. 135-51 a.C) foi um filsofo estico de grande influncia, a cujas aulas Ccero assistiu, enquanto jovem. Das suas obras restam apenas fragmentos.

    51 A da Lua e a do Sol.52 Verso de Empdocles.

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    no meio do cu53, a luz que dela provm no chega Terra, mas passa ao lado desta. Com efeito, se o Sol est no horizonte e toca com os seus raios na Lua, ento, por causa da igualdade dos ngulos na reflexo, cair no limite oposto e no nos iluminar, caso contrrio, ser enorme a distoro e a variao do ngulo, o que impossvel54. Mas, por Zeus, disse Lcio, tambm isto foi mencionado, e olhando para o matemtico Menelau enquanto falava, continuou: Sinto vergonha de, na tua presena, meu caro Menelau, refutar uma

    53 Harold Cherniss refere, com base em Kepler (na nota 19 da sua traduo), que a expresso no meio do cu se refere ao crculo mximo perpendicular eclptica. A expresso a reflexo fazse em ngulos iguais referese primeira proposio da Catptrica de Euclides, e outra maneira de dizer que o ngulo de incidncia igual ao ngulo de reflexo.

    54 O texto parece citar uma proposio de um qualquer tratado astronmico, feita por reduo ao absurdo. Indica o princpio que se vai contradizer, enuncia a proposio, conclui constatando o absurdo. No possui construo, mas isto natural porque neste momento os participantes na discusso esto a passear (cf., mais abaixo, o incio do captulo 24). Para uma justificao para a ausncia de construo e de figura em outra prova geomtrica dada por Lcio, vejase o final deste mesmo captulo, em 930 E. Este problema da Meialua descrito tambm por Cleomedes (Sobre os movimentos circulares dos corpos celestes, 2, 4). Luigi Lehnus (Il volto della Luna, p. 142 n. 133) defende que o problema repousa num conhecimento imperfeito da catptrica esfrica e que In realt (novilunio a parte) la luna in ogni fase riflette da ogni dato punto la luce solare alla terra. Contudo, dito desta forma, a explicao permanece incompleta. A verdadeira soluo para o problema est em que a reflexo na Lua difusa e no regular; ou seja, a superfcie irregular da Lua reflecte a luz como uma parede, e no como um espelho (cf., mais abaixo, a explicao oferecida no captulo 23, em 936 E). To pouco a ideia que se tinha da natureza fsica da luz no tempo de Plutarco ajudava a solucionar o problema. Para perceber melhor qual o argumento referido no dilogo, vejase o anexo 1.

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    proposio matemtica considerada fundamento de toda a catptrica, mas necessrio dizer que a proposio toda a reflexo fazse em ngulos iguais no evidente em si mesma, nem um facto admitido55. refutada no caso de espelhos convexos56, quando o ponto de incidncia do raio visual produz imagens maiores em relao ao observador. refutada tambm em espelhos duplos, quando estes se inclinam um em direco ao outro e produzem um ngulo interior, de forma que as suas superfcies mostram uma imagem dupla; so produzidas quatro imagens, ao todo, de um s objecto, duas invertidas, na parte de fora das superfcies, duas outras, direitas, na profundidade dos espelhos57. Plato explica por que razo isto sucede58. Diz ele que, quando o espelho elevado em ambos os lados, os raios visuais trocam a reflexo porque passam a cair no lado oposto. Logo, se, dos raios, uns voltam directamente para ns das superfcies planas, e outros s revertem para ns

    55 Costuma interpretarse este passo como uma resposta formulao textual da demonstrao desta proposio que se encontra na Catptrica de Hero (vejase Wilhelm Schmidt, Heronis Alexandrini opera quae supersunt omnia, vol. 2: Mechanica et Catoptrica, Teubner, 1900, p. 314).

    56 Harold Cherniss (The Face.., p. 107 n. e) chama a ateno para que o texto se refere a espelhos cilndricos, e no esfricos.

    57 O nmero de imagens produzidas neste caso, ou seja, quando se juntam dois espelhos planos numa aresta, depende do ngulo formado por ambos. O nmero de imagens obtido pela frmula matemtica n=360/x1, onde n representa o nmero de imagens e x, o ngulo formado pelos espelhos.

    58 Plutarco parece referirse a Plato, Timeu, 46 BC, mas enganouse ao ler o texto porque, neste passo, Plato descreve um espelho cncavo cilndrico e no um espelho plano dobrado (Harold Cherniss, The Face..., p. 109 n. a).

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    depois de carem nos lados opostos dos espelhos, ento, no possvel que toda a reflexo se faa em ngulos iguais. Isto leva alguns a entrar em conflito com os matemticos e a pensar que refutam a igualdade dos ngulos de incidncia e de reflexo utilizando como prova, precisamente, os raios reflectidos da Lua para a Terra, pois consideram este facto muito mais credvel do que aquela teoria. Admitamos, no entanto, por cortesia para com a to amada geometria, que aquela lei vlida59. Em primeiro lugar, lcito pensar que se aplica apenas a espelhos perfeitamente polidos. A Lua, por sua vez, possui tantas irregularidades e rugosidades, que os raios provenientes de um corpo enorme embatem em relevos de considervel dimenso que recebem contrareflexos e difuses de luz uns dos outros, reflectindo e entrelaandose por toda a parte. A reflexo misturase com a prpria reflexo, que chega at ns como se fosse produzida em muitos espelhos. Em segundo lugar, mesmo que assumamos que as reflexes na superfcie da Lua se fazem em ngulos iguais, no impossvel que os raios, ao percorrer um to grande intervalo, sofram fracturas e deflexes, misturando e desviando a luz. Alguns provam mesmo, por meio de um desenho, que muitos dos raios [provenientes da Lua] chegam Terra ao longo de uma recta traada a partir da curvatura mais afastada de ns; contudo, no foi possvel construir a figura geomtrica enquanto falava e diante de tantos ouvintes.

    59 Hoje a lei mantmse como pilar da ptica, sendo apresentadas diversas solues para as objeces lanadas por Lcio.

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    18. Em geral, disse ele, admirome que aduzam60 como argumento as questes da Meialua brilhando sobre a Terra e depois as das fases gibosa e crescente. Se a massa da Lua que o Sol ilumina fosse de natureza etrea ou gnea, o Sol no lhe deixaria um hemisfrio que, como podemos observar, est sempre na sombra e sem iluminao; pelo contrrio, mesmo que, ao percorrer o seu circuito, lhe tocasse nem que fosse num bocadinho s, toda ela se iluminaria, alterandose completamente medida que a luz se disseminasse por toda a parte. O vinho que toca a superfcie da gua ou a pinga de sangue que cai num lquido tingem de vermelho todo o fluido no momento do seu contacto; o ar, como dizem, preenchido com a luz solar, no por causa de emanaes ou raios misturados com ele, mas por uma alterao e transformao devida ao impacto e contacto com a luz; ento, como podem crer que uma estrela em contacto com outra, ou que a luz em contacto com a luz, no se mistura nem produz uma combinao totalmente homognea nem produz qualquer alterao, apenas iluminando a parte da superfcie que toca? Com efeito, o crculo que o Sol traa na Lua e que a sua revoluo faz moverse nesta, ora coincidindo com o crculo que separa a parte visvel da invisvel, ora estando perpendicular a ele, cortandoo e sendo por ele cortado61, e que nela produz as fases gibosa e crescente, ao variar a inclinao e disposio da parte iluminada em relao

    60 Os Esticos.61 A esta linha chamamos terminador. Tratase da linha

    imaginria que separa a parte iluminada da Lua da sua parte escura.

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    parte sombria, prova, sem margem para dvidas, que a iluminao lunar no deriva de mistura, mas de contacto; no de concentrao de raios provenientes de duas origens, mas de emisso externa. Visto que a Lua, no apenas brilha, como tambm envia para aqui a imagem do seu brilho, ela d assim mais fora ao nosso argumento sobre a sua essncia, pois no h reflexo em algo rarefeito ou subtil e no fcil imaginar a luz a ricochetear em luz ou o fogo, em fogo; pelo contrrio, aquilo que capaz de produzir repercusso ou reflexo compacto e slido, para que possa sofrer um impacto e repelilo62. O mesmo Sol que o ar deixa passar sem resistncia ou impedimento, reflectese sobremaneira em madeira, pedra e roupas que lhe so expostos. Tambm vemos a Terra ser iluminada da mesma maneira. No deixa passar os raios at s suas profundezas, como a gua, nem espalharemse por toda a parte, como o ar; antes, tal como o crculo do Sol avana sobre a Lua, interceptando uma parte dela, assim tambm avana sobre a Terra, iluminando sempre uma parte semelhante nesta, e deixando a outra parte na escurido, pois a parte iluminada de ambos os corpos parece maior do que um hemisfrio. Permitime utilizar a linguagem da geometria, sob a forma de uma proporo: dados trs corpos iluminados pela luz do Sol a Terra, a Lua, e o ar, observamos que a Lua no iluminada como o ar mas

    62 Todo este assunto igualmente discutido por Cleomedes; no entanto, Cleomedes inverte o raciocnio, partindo do princpio de que a Lua rarefeita, ou pouco densa, para refutar o argumento da reflexo (Sobre os movimentos circulares dos corpos celestes, 2.4, 101102).

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    como a Terra; mas coisas que sofrem os mesmos efeitos por causa do mesmo agente possuem necessariamente a mesma natureza.

    19. Enquanto todos aplaudiam Lcio, eu disse: Parabns por teres aplicado uma bela proporo a um belo argumento; impossvel enganareste em relao ao que te pertence. Ele sorriu e disse: J agora, podemos apresentar uma segunda proporo, para podermos demonstrar que a Lua semelhante Terra, no s porque ambas sofrem os mesmos efeitos provocados pelo mesmo agente, mas tambm porque as mesmas coisas produzem o mesmo efeito no mesmo objecto. Concedeime que nada do que pode suceder ao Sol mais semelhante ao seu ocaso do que um eclipse. Para tal basta que vos recordeis da conjuno de astros que ocorreu recentemente e que, tendo comeado logo a seguir ao meiodia, deixou ver muitas estrelas em todas as partes do cu e deu atmosfera a aparncia do crepsculo63. Se no vos lembrais, aqui o nosso Ton citar Mimnermo, Cdias, Arquloco e, alm destes, Estescoro e Pndaro, que deploram, durante os eclipses, o roubo do mais brilhante astro e a chegada da noite a meio do dia, ou ainda, o raio de Sol que trilhou o caminho das trevas; e acrescentar a todos estes Homero, que afirma: os rostos dos homens cobremse de noite

    63 Tem sido muito debatida a data da ocorrncia deste fenmeno, se que Plutarco se refere a algum eclipse real. O que ocorreu a 5 de Janeiro de 75 a.C. o mais provvel e constitui um terminus post quem, tanto para a aco dramtica, como para a elaborao do dilogo.

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    e escurido, e o Sol desapareceu do cu, ou ainda, falando a respeito da Lua e deixando entender que isto sucede naturalmente quando um ms termina e outro comea64. De resto, penso que a preciso matemtica transformou em conhecimento fivel e seguro a ideia de que a noite a sombra da Terra e o eclipse do Sol a sombra da Lua quando entra no nosso raio de viso. Quando o Sol se pe, deixamos de o ver por interposio da Terra; quando se eclipsa, deixamos de o ver por interposio da lua. Ambos so casos de encobrimento: no prdosol, o encobrimento feito pela Terra; no eclipse, pela Lua, que intercepta o raio visual com a sua sombra. fcil ver o que se segue deste raciocnio. Se o efeito semelhante, os agentes so tambm semelhantes, pois necessrio que sejam os mesmos agentes a causar