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An´ alise espectral de s´ eries temporais Prof. Dr. Ricardo Luiz Viana Departamento de F´ ısica Universidade Federal do Paran´a Curitiba, Paran´a, Brasil 20 de mar¸co de 2013 1 Defini¸c˜ oes Atransformada deFourier de uma fun¸c˜ao (s´ erie temporal) f (t), definida em −∞ <t< +(“dom´ ınio do tempo”) ´ e 1 definida como F (ω)= F{f (t)} = 1 2π +−∞ dxf (t)e iωt , (1) e, em geral, uma fun¸c˜ao complexa da frequˆ encia ω. A transformada inversa da fun¸c˜ao F (ω), com −∞ <ω< (“dom´ ınio da frequˆ encia”) ´ e definida como f (t)= F 1 {F (ω)} = 1 2π +−∞ dωF (ω)e iωt . (2) Um resultado importante ´ e o teorema integral de Fourier, que resulta dire- tamente da aplica¸c˜ao das defini¸ c˜oes da transformada e transformada inversa deumafun¸c˜ao: f (t)= 1 2π +−∞ +−∞ dt f (t )e (tt ) . (3) e corresponde ` a representa¸ c˜aodeumafun¸c˜ao f (t) n˜ao peri´odica em termos de ondas harmˆ onicas (seno e cosseno) infinitamente extensas (−∞ <t< ), cada qual de frequˆ encia ω diferente, tal que −∞ <ω< . A integral de 1 Essasdefini¸c˜ oes na literatura mudam bastante conforme os autores. N´ os utilizaremos asdefini¸c˜ oes do Butkov [1]. 1

Spectrum Dente de Serra

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Descrição em série de fourier da função dente de serra....

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  • Analise espectral de series temporais

    Prof. Dr. Ricardo Luiz Viana

    Departamento de FsicaUniversidade Federal do Parana

    Curitiba, Parana, Brasil

    20 de marco de 2013

    1 Definicoes

    A transformada de Fourier de uma funcao (serie temporal) f(t), definida em < t < + (domnio do tempo) e 1 definida como

    F () = F{f(t)} = 12

    +

    dxf(t)eit, (1)

    e e, em geral, uma funcao complexa da frequencia .A transformada inversa da funcao F (), com < < (domnio

    da frequencia) e definida como

    f(t) = F1{F ()} = 12

    +

    dF ()eit. (2)

    Um resultado importante e o teorema integral de Fourier, que resulta dire-tamente da aplicacao das definicoes da transformada e transformada inversade uma funcao:

    f(t) =1

    2

    +

    d

    +

    dtf(t)ei(tt). (3)

    e corresponde a representacao de uma funcao f(t) nao periodica em termosde ondas harmonicas (seno e cosseno) infinitamente extensas ( < t

  • Fourier (3) permite que pacotes de onda espacialmente limitados possamser representados por essa superposicao de ondas planas infinitas.

    Em outras palavras, a transformada de Fourier F () indica o conteudode frequencias presentes na serie, ou a contribuicao relativa da frequenciade cada onda superposta no pacote f(t). Como F () e complexa, podemosescreve-la na forma

    F () = |F ()|ei(), (4)onde |F ()| e () sao ditas amplitude e fase do modo de frequencia .Costuma-se trabalhar, tambem, com a chamada densidade espectral de potencia,ou simplesmente espectro de potencia, definida como

    P () = |F ()|2 = F ()F (). (5)

    2 Exemplos de transformadas de Fourier

    Inicialmente vamos considerar um impulso do tipo funcao delta de Dirac,aplicado no instante t = t0

    2

    f(t) = (t t0). (6)

    Usando a propriedade de filtragem da funcao delta, a transformada de Fouriersera

    F () =12

    dt eit(t t0) =2 eit0 , (7)

    cuja fase e () = t0 e o espectro de potencia e constante para todo :

    P () =1

    2, (8)

    que interpretamos dizendo que o impulso aplicado em t0 e a superposicaode infinitas ondas do tipo seno e cosseno de frequencias < < , talque cada onda contribui da mesma forma para a superposicao. Ou ainda,que a energia do impulso esta distribuida de maneira uniforme em todasas frequencias do espectro.

    Seja, agora, a funcao constante f(t) = C, para < t < . Usando arepresentacao integral da funcao delta, a sua transformada de Fourier e

    F () =12

    dt eit =2 (). (9)

    2Esta pancada pode ser encarada como o limite de uma forca impulsiva quando asua largura tende a zero e sua altura tende a infinito.

    2

  • -4 -2 0 2 4t

    -1,5

    -1

    -0,5

    0

    0,5

    1

    1,5

    f(t)

    Figura 1: Funcao dada por (12) com 0 = e N = 3.

    ou seja, uma funcao delta centrada em = 0. Analogamente, a transformadade Fourier da exponencial complexa ei0t e

    2( + 0).

    As transformadas de Fourier do seno e cosseno sao, portanto, dadas por

    F{cos0t} =

    2[( + 0) + ( 0)] , (10)

    F{sin0t} = i

    2[( + 0) ( 0)] . (11)

    Uma onda plana (infinita), como f(t) = cos(0t), tem duas frequencias as-sociadas, em = 0 e = 0. Convencionalmente uma frequencia posi-tiva (negativa) indica uma rotacao da fase da onda no sentido anti-horario(horario). Portanto usualmente so consideramos as frequencias positivas naanalise de uma serie temporal. 3

    Poderamos argumentar que, na pratica, nao existem ondas planas perfei-tas, pois ha sempre um comeco e um fim para o trem de ondas. Vamos,pois, considerar uma onda de frequencia 0 que inicia em ti = N/0 etermina em tf = N/0. No intervalo tf ti ha N ciclos da onda [Fig. 1]:

    f(t) =

    {

    sin(0t), se |t| < N/0,0, se |t| > N/0.

    (12)

    3Como, nesse caso, as transformadas de Fourier sao distribuicoes, nao se pode computaro espectro de potencias pois o produto de duas funcoes delta num mesmo ponto nao e bem-definido.

    3

  • 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    0

    0,1

    0,2

    0,3

    0,4

    P(

    )

    Figura 2: Espectro de potencias para a funcao dada por (12) com 0 = eN = 3.

    A transformada de Fourier dessa onda finita e

    F () =2i2

    N/0

    0

    sin0t sintdt,

    A integral acima pode ser efetuada analiticamente, e o espectro de potenciaassociado e

    P () =1

    2

    sin[

    N0

    (0 )]

    2(0 )

    sin[

    N0

    (0 + )]

    2(0 + )

    2

    (13)

    Se 0 1 e 0 o segundo termo e desprezvel pois

    sin[

    N(2)

    ]

    2(2)=

    sin 2N

    4= 0

    de modo que o espectro de potencias, nesse limite sera aproximadamente[Fig. 2]

    P () 18

    sin2[

    N0

    (0 )]

    (0 )2(14)

    Este espectro de potencias tem um pico principal de largura

    = 0 =0N,

    4

  • e centrado em 0, com altura

    P (0) =N2

    820,

    e varios picos secundarios de altura relativamente desprezvel em ambos osflancos. Quando o pacote aumenta de tamanho N cresce, de forma que alargura do pico principal cai com 1/N mas a sua altura aumenta com N2,de forma que, quando N o pico principal tende a uma funcao delta em = 0 (e os picos secundarios desaparecem).

    3 Transformada discreta de Fourier

    Na pratica, uma serie temporal x = f(t) nunca e uma funcao contnua de t,pois os valores de x somente sao medidos em instantes discretos de tempot = t0, t1, t2, . . .. Teremos, entao, um conjunto de valores tambem discretosda variavel x

    xj = x(t = tj), (j = 0, 1, 2, . . .N 1)

    ondetj = jt

    e

    t =1

    fmax

    sendo fmax a frequencia de amostragem. Por exemplo, se um aparelho medeuma certa variavel dinamica com fmax = 10kHz entao t = 10

    4s = 0, 1ms.Sendo N o numero de pontos da serie temporal, entao a duracao (ou ta-manho) da serie e tmax = Nt. [Fig. 3(a)] A transformada discreta deFourier (DFT) desta serie de pontos e outro conjunto de pontos no domnioda frequencia

    xk = x(f = kf)

    onde a resolucao em frequencia e uma funcao do tamanho da serie temporal[Fig. 3(b)]

    f =1

    tmax

    A discretizacao da definicao (1) para a transformada de Fourier sera

    xk =1N

    N1

    j=0

    xjei2jk/N , (t0 t tmax = Nt), (15)

    5

  • Figura 3: (a) Serie temporal e (b) espectro de potencia. Extraida de [2].

    enquanto a transformada de Fourier inversa sera

    xj =1N

    N1

    k=0

    xkei2jk/N ,

    (

    0 f fmax =1

    t

    )

    , (16)

    O espectro de potencias para a DFT sera

    P (f) = |xk|2, (17)

    e sera sempre simetrico em relacao a chamada frequencia de Nyquist [Fig.3(b)]

    fN =1

    2fmax. (18)

    Por este motivo, e comum fazermos o grafico de P versus f apenas para ointervalo 0 f fmax/2.

    A frequencia de Nyquist e a maior frequencia possvel que pode ser obtidaa partir de uma dada frequencia de amostragem. Se nao houver frequenciassuperiores a fN na serie original, ela podera ser reconstruida de forma exataa partir dos pontos amostrados. Entao a escolha de uma frequencia de amos-tragem adequada prende-se a maxima frequencia que se quer (ou que se pode)determinar num certo sinal.

    6

  • Figura 4: A frequencia de Nyquist e a maior frequencia possvel que podeser obtida dada uma certa frequencia de amostragem.

    Temos um exemplo na figura 4, que considera N pontos na serie temporale 0 t tmax = 1, com resolucao temporal t = 1/N e frequencia deamostragem e fmax = N . Os valores da frequencia sao separados de f =1 e a frequencia de Nyquist e N/2. Uma serie constante esta associada,como vimos, a um pico na frequencia f = 0 (perodo infinito). O modo(ou harmonico) de menor frequencia que cabe nessa serie tem frequenciaf = 1, assim como modos de frequencia f = 2, 3, etc. O modo de maiorfrequencia que cabe na serie tem frequencia igual a de Nyquist N/2, poisnao e possvel incluir modos de frequencia maior, a nao ser que diminuamost, o que exigiria tambem aumentar a frequencia de amostragem. Entaoprecisamos de, no mnimo, dois pontos por ciclo para reconstruir um mododa serie temporal.

    Na determinacao computacional da DFT para uma serie temporal comN pontos ha um total de N2 termos a serem computados, ou seja, o tempode computacao da DFT e proporcional a N2, o que limita bastante a suautilizacao quando N e grande. Nesses casos, e mais conveniente empregaro algoritmo de transformada rapida de Fourier (FFT), proposto em 1965pelos matematicos Cooley e Tukey, e para o qual o tempo de computacao eproporcional a N log2N . No entanto, para usarmos a FFT, N deve ser uma

    7

  • potencia de 2. Na pratica, quando isso nao acontece ou truncamos a seriepara um valor de N inferior a potencia inferior de 2 mais proxima, ou entaocompletamos a serie com zeros ate a potencia superior de 2 mais proxima.Nestes casos N = 2p e a razao entre os tempos de computacao usando DFTe FFT e

    tDFTtFFT

    =N2

    N log2N=

    22p

    p.2p=

    2p

    p=N

    p

    Por exemplo, para N = 1024 = 210 temos que

    tDFTtFFT

    =1024

    10 100,

    ou seja, a FFT e cerca de cem vezes mais rapida do que a DFT.Tanto a DFT como a FFT podem ser implementadas por meio de algo-

    ritmos bastante conhecidos na literatura. Uma forma eficiente de faze-lo, noambiente Linux, e usar o software XMGRACE que tem, ainda, a vantagemde permitir a apresentacao dos resultados na forma de graficos. Os exemplosa serem vistos a seguir utilizaram este software.

    4 Analise espectral de series temporais

    4.1 Series numericamente geradas

    4.1.1 Modos puros

    Inicialmente vamos considerar uma harmonico puro

    y(t) = sin(2ft)

    onde t e medido em segundos e f = /2 e a frequencia, medida em Hertz(Hz) [Fig. 5]. O respectivo espectro de potencias, ou seja, o grafico de P (f)versus f , mostra um pico de largura finita em f = 1Hz, como esperado.A largura finita e uma consequencia da finitude da serie temporal, comoja tivemos oportunidade de ver anteriormente. Se a duracao fosse infinita(tanto para t positivo como negativo) o pico tenderia a uma funcao delta.Da mesma forma, um harmonico com f = 2Hz tera um pico nesta frequenciapara o respectivo espectro de potencias [Fig. 6].

    Uma situacao interessante ocorre quando superpomos harmonicos de frequenciasdiferentes, como f = 1Hz e 2Hz [Fig. 7]:

    y(t) = sin(2ft) +1

    2sin(4ft),

    8

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -1

    -0,5

    0

    0,5

    1y(

    t)

    y(t) = sen(2*pi*f*t)f = 1.0 Hz

    0 1 2 3 4 5frequncia (Hz)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 5: Um harmonico de frequencia f = 1Hz e seu respectivo espectrode potencias.

    0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -1

    -0,5

    0

    0,5

    1

    y(t)

    y(t) = sen(2*pi*f*t)f = 1.0 Hz

    0 1 2 3 4 5frequncia (Hz)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 6: Um harmonico de frequencia f = 1Hz e seu respectivo espectrode potencias.

    9

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -2

    -1

    0

    1

    2

    y(t)

    y(t) = 1.0*sen(2*pi*f1*t)+0.5*sen(2*pi*f2*t)f1 = 1.0 Hz, f2 = 2.0 Hz

    0 1 2 3 4 5frequncia (Hz)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 7: Mistura de dois harmonicos de frequencias f = 1Hz e 2Hz e seurespectivo espectro de potencias.

    O espectro de potencias correspondente nao so da os picos de frequencia naslocalizacoes corretas, mas tambem a altura dos mesmos informa a contri-buicao de cada harmonico ao sinal resultante, como tambem pode ser vistona figura 8, onde mostramos o mesmo sinal, mas com as contribuicoes tro-cadas:

    y(t) =1

    2sin(2ft) + sin(4ft),

    4.1.2 Series periodicas

    Ate agora consideramos harmonicos puros, onde podemos identificar umnumero finito de picos de frequencia. No entanto, em geral funcoes periodicastem um numero eventualmente muito grande, mesmo infinito, de picos defrequencia. Por exemplo, na Fig. 9 representamos uma onda quadrada deperodo T = 1s, ou uma frequencia principal f1 = 1Hz.

    y(t) =

    {

    1, se 0 < t < 0, 5,

    1, se 0, 5 < t < 1.(19)

    Para usar o algoritmo FFT e necessario, como vimos, que o numero depontos da serie seja uma potencia de 2. Usamos N = 210 = 1024, de modoque, para uma serie com duracao total tmax = 10s temos t = 10/1024 e,portanto, uma frequencia de amostragem e fmax = 102, 4Hz. O espectro

    10

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -2

    -1

    0

    1

    2y(

    t)

    y(t) = 0.5*sen(2*pi*f1*t)+1.0*sen(2*pi*f2*t)f1 = 1.0 Hz, f2 = 2.0 Hz

    0 1 2 3 4 5frequncia (Hz)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 8: Mistura de dois harmonicos de frequencias f = 1Hz e 2Hz e seurespectivo espectro de potencias.

    0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -1,5

    -1

    -0,5

    0

    0,5

    1

    1,5

    y(t)

    Onda quadrada de perodo 1 sfrequncia de amostragem: f

    S=102,4 Hz

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50frequncia (Hz)

    0,0001

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 9: Onda quadrada de perodo 1s e seu respectivo espectro depotencias.

    11

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -0,5

    0

    0,5

    1

    1,5

    2

    y(t)

    Onda dente de serra de perodo 1 sfrequncia de amostragem: f

    S=102,4 Hz

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50frequncia (Hz)

    0,0001

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 10: Onda dente de serra de perodo 1s e seu respectivo espectro depotencias.

    de potencia correspondente tem, alem do pico na frequencia principal, picosem todas os harmonicos fn = nf1, com n = 3, 5, 7, .... Observe que o eixohorizontal vai ate a frequencia de Nyquist fN = fmax/2 = 51, 2Hz. Asalturas dos picos dos harmonicos caem exponencialmente com n (e comumusarmos a escala logaritmica para o eixo horizontal a fim de evidenciar ospicos menores). De fato, se consideramos a serie de Fourier de uma ondaquadrada da forma (19) teremos apenas coeficientes que variam com 1/npara n mpar. Ha, ainda, picos bem menores (amplificados artificialmentegracas a escala logartmica) e que sao considerados artefatos da finitude daserie (uma especie de rudo numerico).

    Outro exemplo de funcao periodica e uma onda dente de serra de perodo1s [Fig. 10

    y(t) = 1, 5t, (0 < t < 1) (20)

    cujo espectro de potencias tem picos nao so na frequencia fundamental (f1 =1Hz) como em todos os demais harmonicos fn = nf1, n = 2, 3, . . .. Comefeito, o desenvolvimento em serie de Fourier da funcao (20) tem coeficientesde Fourier que variam com 1/n para todos os valores inteiros de n. O mesmoverifica-se numa onda dente de serra de perodo 0, 5s [Fig. 11]: observa-se afrequencia principal f1 = 2Hz e harmonicos fn = nf1 em 4Hz, 6Hz, etc.

    12

  • 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10tempo (s)

    -0,6

    -0,4

    -0,2

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    y(t)

    Onda dente de serra de perodo 0,5 sfrequncia de amostragem: f

    S=102,4 Hz

    0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50frequncia (Hz)

    0,0001

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 11: Onda dente de serra de perodo 0, 5s e seu respectivo espectro depotencias.

    4.1.3 Series aleatorias

    O chamado ruido branco e uma serie gerada aleatoriamente, ou seja, pormeio de um gerador de numeros randomicos entre 0 e 1, por exemplo, comuma probabilidade uniforme nesse intervalo. O chamado gerador mnimo dePark e Miller utiliza a seguinte expressao para a produzir numeros aleatorios{xi} uniformemente distribuidos no intervalo [0, 1]:

    xi+1 = axi (modm) (21)

    onde a = 75 = 16807 e m = 231 1 = 2147483647 (a prescricao modm significa tomar a parte fracionaria da divisao do numero por m). Estegerador precisa que especifiquemos o valor inicial x0 (chamado semente dogerador). Se executarmos (21) duas vezes com a mesma semente teremosexatamente a mesma sequencia de numeros aleatorios 4. Alem disso, ha umacerta recorrencia no algoritmo: depois de um numero - muito grande masnao infinito - de iteracoes, repetem-se os numeros iniciais. Por estas razoes,geradores como (21) sao chamados de pseudo-aleatorios. O gerador (21) eimplementado pela rotina ran1 da Ref. [3].

    Na Fig. 12 mostramos uma serie aleatoria (ruido branco) obtida pelogerador (21) com N = 1024 pontos, e o respectivo espectro de potencias.Este ultimo nao tem pico algum, ao inves disso uma banda larga em todas

    4Uma forma de evitar isso seria escolher um valor de x0 determinado, por exemplo,pelo relogio do computador.

    13

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    y(t)

    y(t) = ran1(.) srie aleatria (ruido branco) com N = 1024 pontos

    0 10 20 30 40 50frequncia (Hz)

    0,001

    0,01

    0,1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 12: Serie aleatoria (rudo branco) com N = 1024 pontos e seu respec-tivo espectro de potencias.

    as frequencias do espectro (ate a frequencia de Nyquist). O nome ruidobranco vem justamente do fato que e um sinal composto de contribuicoes detodas as frequencias do espectro, tal qual a luz branca e uma superposicaode todas as frequencias do espectro visvel. As mesmas caractersticas saoobservadas se aumentarmos o numero de pontos da serie [Fig. 13].

    Uma situacao bastante comum em aplicacoes e um sinal periodico corrom-pido parcialmente pela adicao de ruido branco. Por exemplo, considerandoum modo puro cuja amplitude varia aleatoriamente de acordo com um gera-dor como o dos exemplos anteriores

    y(t) = R(t) sin(2ft)

    onde R(t) e uma serie de ruido branco como a representada em (12) [Fig.14]. O espectro de potencia tem um pico distinto em f = 1Hz superposto auma banda larga devido a amplitude aleatoria.

    4.1.4 Series caoticas

    Series temporais caoticas sao parecidas com series aleatorias, no sentidode que ambas carecem de regularidade. Por esse motivo, sao frequente-mente confundidas. No entanto ha uma diferenca fundamental entre elas:as series estocasticas, como o ruido branco, sao aleatorias, ao passo que asseries caoticas sao determinsticas, ou seja, sao geradas a partir de siste-mas dinamicos. A caracterstica que identifica o comportamento caotico e

    14

  • 0 2 4 6 8 10tempo (s)

    0

    0,2

    0,4

    0,6

    0,8

    1

    y(t)

    y(t) = ran1(.) srie aleatria (ruido branco) com N = 4096 pontos

    0 50 100 150 200frequncia (Hz)

    1e-05

    0,0001

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 13: Serie aleatoria (rudo branco) com N = 4096 pontos e seu respec-tivo espectro de potencias.

    0 2 4 6 8 10tempo (s)

    -1

    -0,5

    0

    0,5

    1

    y(t)

    y(t) = ran1(.) *sin(2*pi*f*t)f = 1.0 Hz com N = 1024 pontos

    0 2 4 6 8 10frequncia (Hz)

    0,0001

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    Figura 14: Modo senoidal de frequencia f = 1Hz corrompido por ruidobranco com N = 1024 pontos e seu respectivo espectro de potencias.

    15

  • 0 10 20 30 40 50t

    -20

    -10

    0

    10

    20

    x

    x0=-5,0001

    x0 = -5,0

    Sistema de Lorenzsigma = 10, r = 28, b = 8

    t = 17,0

    Figura 15: Series temporais caoticas para as equacoes de Lorenz obtidas apartir de duas condicoes iniciais muito proximas.

    a dependencia sensvel as condicoes iniciais: duas condicoes iniciais muitoproximas levam a comportamentos futuros cuja diferenca mutua cresce ex-ponencialmente com o tempo. Isso leva, a longo prazo, a impossibilidadepratica de prever o estado do sistema, pois as condicoes iniciais do mesmotem sempre uma certa incerteza associada, e portanto duas condicoes ini-ciais muito proximas podem ser indistinguveis, e o comportamento futuroimprevisvel. Esse comportamento, tambem chamado efeito borboleta, foiilustrado pelo meteorologista americano Edward Lorenz pela seguinte ale-goria: o bater das asas de uma borboleta no Brasil poderia provocar umtornado no Texas!

    De fato, um dos modelos paradigmaticos no estudo da dinamica caoticadescreve a formacao de ventos na atmosfera e consiste em tres equacoesdiferenciais acopladas, as chamadas equacoes de Lorenz [4]:

    dx

    dt= 10(y x), (22)

    dy

    dt= x(28 z) y, (23)

    dx

    dt= xy 8

    3z, (24)

    As equacoes de Lorenz, devido a sua nao-linearidade (presenca de produ-tos cruzados) nao tem solucao analtica. A integracao numerica deste sistemade equacoes, a partir de uma certa condicao inicial (x(0), y(0), z(0) leva a tres

    16

  • 0 10 20 30 40 50t

    -20

    -10

    0

    10

    20

    x

    Lorenzr = 28,0

    0frequncia

    0,001

    0,01

    0,1

    1

    psd

    (u.a

    .)

    N = 1024 pontosN = 4096 pontos

    Figura 16: Serie temporal caotica para as equacoes de Lorenz e o respectivoespectro de potencia.

    series temporais x(t), y(t) e z(t), para as quais a resolucao temporal e igualao passo de integracao (suposto constante). Na Fig. 15 mostramos a seriex(t) para os primeiros 50 tempos de integracao, para duas condicoes iniciaismuito proximas: x(0) = 5, 0 e x(0) = 5, 0001. Observamos que, duranteos primeiros tempos, a evolucao das solucoes geradas por x(0) e x(0) e prati-camente indistinguvel mas, a partir de t = 17 as duas solucoes separam-se etem evolucoes independentes uma da outra, caracterizando o comportamentocaotico.

    O espectro de potencia de um sinal caotico, como o da Fig. 16 apresentauma banda larga, de modo analogo ao ruido branco, o que evidencia a aperio-dicidade de ambas as series. Por esse motivo, infelizmente, a analise espectralnao consegue distinguir series aleatorias como o ruido branco e series caoticasdeterminsticas. Na verdade, como a analise de Fourier e uma ferramenta li-near, ela realmente pode nao ser adequada em fenomenos nao-lineares, comoo comportamento caotico. Para distinguir caos de ruido branco precisamosde outros tipos de caracterizacao dinamica, que fogem ao escopo destas notasde aula (uma descricao detalhada pode ser encontrada em [2], por exemplo).

    4.2 Series experimentais

    Devido as notaveis propriedades demonstradas para series numericamenteobtidas, o espectro de potencias e particularmente util na identificacao dasfrequencias e na propria caracterizacao dinamica de um sinal experimental.

    17

  • Figura 17: Aparato experimental usado na experiencia do tanque anelargirante (preenchido com uma solucao de agua e glicerol) descrita por E.R. Weeks (Univ. Texas at Austin). O lquido e injetado e sugado pelosorifcios I e O, respectivamente. As dimensoes sao d = 8, 1cm, r1 = 10, 8cm,r2 = 43, 2cm, h = 20, 3 a 17, 1cm. A frequencia angular de rotacao do tanquevaria entre 0 a 4Hz. Extrado de http://www.physics.emory.edu/~weeks/research/tseries1.html.

    Vamos apresentar, nessa secao, resultados experimentais obtidos por EricR. Weeks no laboratorio de caos experimental do Departamento de Fsicada Universidade do Texas em Austin. A descricao completa dos resultadose os proprios dados obtidos no experimento podem ser acessados no stiohttp://www.physics.emory.edu/~weeks/research/tseries1.html.

    O experimento consiste em medir a velocidade num determinado ponto dofluxo de um lquido num tanque na forma de um anel girando com frequenciaangular constante, que pode variar entre 0 e 4 rotacoes por segundo. O lquidoe bombeado para dentro e para fora do tanque. A frequencia de amostragemdos dados e fmax = 10Hz e a velocidade num dado ponto do tanque e medidaem cm/s.

    Inicialmente vamos considerar um sinal periodico (com 16384 pontos) eseu respectivo espectro de potencia [Fig. 18]. Observamos uma frequenciafundamental de f = 0, 144Hz, correspondendo a um perodo de 7s, e dois

    18

  • 0 5000tempo (s)

    2,7

    2,8

    2,9

    3

    3,1

    3,2

    3,3

    v (c

    m/s

    )

    velocidade da gua no tanque anularsrie peridica (freq. de amostragem = 10 Hz)

    0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5frequncia (Hz)

    1e-06

    0,0001

    0,01

    1

    psd

    (u.a

    .)

    f=0,144 Hz 2f=0,288 Hz3f=0,432 Hz

    Figura 18: Velocidade do lquido no tanque anular e o respectivo espectro depotencias.

    harmonicos de frequencias 2f = 0, 288Hz e 3f = 0, 432Hz. A rigor, ha umnumero infinitamente grande de harmonicos presentes, mas apenas estes tressao mostrados na figura.

    De forma geral, num sinal periodico ha uma frequencia fundamental f1e seus harmonicos nf1, com n = 2, 3, . . .. No entanto, pode haver duasfrequencias fundamentais no sistema f1 e f2, que sao incomensuraveis, ouseja, a razao entre as frequencias f2/f1 e um numero irracional (nao pode serescrito na forma de um racionalm/n, ondem e n sao numeros inteiros primosentre si). Um sinal desse tipo e chamado quase-periodico, um exemplo doqual e mostrado na Fig. 19.

    As duas frequencias fundamentais correspondem aos picos principais emf1 = 0, 077Hz e f2 = 0, 097Hz. Ha muitos outros picos, mas todos elescorrespondem a combinacoes lineares destas frequencias fundamentais, naforma geral

    mf1 + nf2

    onde m e n sao inteiros positivos ou negativos. Por exemplo, ha picos emfr1 f2 = 0, 02Hz (caso m = 1 e n = 1), 2f1 = 0, 154, f1+ f2 = 0, 174Hz,2f2 = 0, 1964, etc. Um outro sinal quase-periodico e mostrado na Fig. 20,com frequencias fundamentais diferentes f1 = 0, 043Hz e f2 = 0, 069Hz.Este ultimo, em particular, tem uma aparencia muito similar a um sinalcaotico.

    A analise espectral e util para distinguirmos entre uma serie quase-periodicae uma serie caotica, pois esta ultima tem um espectro de potencias que possui

    19

  • 0 5000 10000tempo (s)

    2

    2,5

    3

    3,5

    4

    4,5

    5

    v (c

    m/s

    )

    velocidade da gua no tanque anularsrie quase-peridica (freq. de amostragem = 10 Hz)

    0 0,1 0,2 0,3frequncia (Hz)

    1e-06

    0,0001

    0,01

    1

    psd

    (u.a

    .)

    f1 = 0,077 Hz

    f2 = 0,097 Hz

    f1+2f

    2 = 0,271 Hz

    f1+f

    2 = 0,174 Hz

    f1-f

    2 = 0,02 Hz 2f

    1+f

    2 = 0,251 Hz2f1 = 0,154 Hz

    2f2 = 0,194 Hz

    Figura 19: Velocidade do lquido no tanque anular e o respectivo espectro depotencias.

    0 1000 2000 3000 4000 5000tempo (s)

    2,5

    3

    3,5

    4

    4,5

    v (c

    m/s

    )

    velocidade da gua no tanque anularsrie quase-peridica (freq. de amostragem = 2,5 Hz)

    0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3frequncia (Hz)

    1e-06

    0,0001

    0,01

    1

    psd

    (u.a

    .)

    f1 = 0,043 Hz

    f2 = 0,069 Hz

    f1+2f

    3 = 0,207 Hz

    f1+f

    3 = 0,125 Hz

    f2-f

    1 = 0,026 Hz 3f

    3= 0,246 Hz2f3 = 0,164 Hz

    2f2 = 0,138 Hzf3 = 0,082 Hz

    f3-f

    1 = 0,039 Hz

    Figura 20: Velocidade do lquido no tanque anular e o respectivo espectro depotencias.

    20

  • 0 5000 10000tempo (s)

    2

    2,5

    3

    3,5

    4

    4,5

    5

    v (c

    m/s

    )

    velocidade da gua no tanque anularsrie catica

    0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3frequncia (Hz)

    0,0001

    0,01

    1

    psd

    (u.a

    .)

    f = 0,153 Hz

    Figura 21: Velocidade do lquido no tanque anular e o respectivo espectro depotencias.

    banda large, ao passo que um sinal quase-periodico tem um conjunto grandede picos individualizados. Um exemplo de serie caotica pode ser visto na Fig.21, cujo espectro de potencia tem um pico mais saliente em f = 0, 153Hzsuperposto a uma banda larga.

    Referencias

    [1] E. Butkov, Fsica Matematica (Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1978).

    [2] N. Fiedler-Ferrari e C. P. C. do Prado, Caos Determinstico, uma In-troducao (Ed. Edgard Blucher, Sao Paulo).

    [3] Press et al. Numerical Recipes: The Art of Scientific Computing (Cam-bridge University Press, Cambridge, 1999)

    [4] E. N. Lorenz, Deterministic nonperiodic flow, Journal of the Atmosphe-ric Sciences 20 (2): 130141 (1963).

    21