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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE LETRAS E LÍNGUAS RICARDO COSTA SALVALAIO LÍRICAS IMBOLADAS NUM MUNDO CÃO. ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE CANÇÕES DE ZECA BALEIRO VITÓRIA 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE LETRAS E LÍNGUAS

RICARDO COSTA SALVALAIO

LÍRICAS IMBOLADAS NUM MUNDO CÃO. ANÁLISE

SOCIOLÓGICA DE CANÇÕES DE ZECA BALEIRO

VITÓRIA

2010

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RICARDO COSTA SALVALAIO

LÍRICAS IMBOLADAS NUM MUNDO CÃO. ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE CANÇÕES DE ZECA BALEIRO

Trabalho apresentado à disciplina Trabalho de

Conclusão de Curso, ministrada pelo Professor Paulo

Roberto Carvalho, do curso de Licenciatura em Língua

Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa da

Universidade Federal do Espírito Santo, como pré-

requisito para obtenção de grau.

VITÓRIA

2010

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RICARDO COSTA SALVALAIO

LÍRICAS IMBOLADAS NUM MUNDO CÃO. ANÁLISE

SOCIOLÓGICA DE CANÇÕES DE ZECA BALEIRO

Trabalho apresentado à disciplina Trabalho de Conclusão de Curso, ministrada pelo Professor Paulo Roberto Carvalho, do curso de Licenciatura em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade Federal do Espírito Santo, como pré-requisito para obtenção de grau.

Aprovado em ___ de julho de 2010.

EXAMINADOR ______________________________________ Prof. Paulo Roberto Carvalho Departamento de Línguas e Letras Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

VITÓRIA

2010

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família por estar presente em todos os momentos da minha vida.

Agradeço ao meu orientador Paulo Roberto Carvalho e ao professor Vitor Cei.

Ao cantor e compositor Zeca Baleiro, por servir de inspiração e discutir em suas criações

nosso tempo, também agradeço.

Agradeço aos amigos Cleibson Freitas, Thiago Felisbino, Marxwel Pantaleão, Carlos

Alexandre, Jin Carlos, Jocilane Rubert, José Domingos, Luiz Alberto Mantovani, Lorrany

Martins e todos da Turma “A vida como ela é”.

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“Mundo velho e decadente mundo

Ainda não aprendeu a admirar a beleza

A verdadeira beleza

A beleza que põe mesa

E que deita na cama

A beleza de quem come

A beleza de quem ama

A beleza do erro puro do engano da imperfeição”

(Zeca Baleiro in Salão de beleza)

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RESUMO

Este trabalho tem por objetivo a análise sociológica de letras de músicas do cantor e

compositor Zeca Baleiro. A exegese tem como suporte algumas das temáticas mais

recorrentes na referida obra, a saber: o consumismo, o individualismo e o amor

como produto.

Palavras-chave: Música Popular Brasileira. Crítica Literária. Análise Sociológica.

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SUMÁRIO

1. Introdução .................................................................................... 8

1.1 Fundamentação teórica ................................................................. 9

1.2 Letra de música também é poesia? ............................................. 10

2. Análises das canções................................................................ 12

2.1 Babylon: minha religião é o consumo .......................................... 12

2.2 Piercing: tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a

minha dor..................................................................................... 16

2.3 Você só pensa em grana: dinheiro pode comprar seu amor ........ 21

3. Considerações finais................................................................. 24

4. Referências ................................................................................ 25

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1 Introdução

José Ribamar Coelho Santos, o Zeca Baleiro, nasceu dia 11 de abril de 1966 em

Arari - MA. O cantor e compositor, desde muito cedo, adorava doces e guloseimas,

por esse motivo ganhou de amigos de faculdade o apelido de “Baleiro”. Tempos

depois, Zeca abriria uma loja de doces, a “Fazdocinhá”.

Além da influência do rádio do pai, onde conheceu Sérgio Sampaio, Bob Dylan, Luiz

Gonzaga, Fagner, é notório em seu trabalho o universo do baião, do samba, do

cordel, entre outros. A partir da década de 1980, o cantor circula pelo meio cultural

do Maranhão e participa de alguns festivais pelo Brasil. Já nessa época, era

constante em suas composições a fusão de sons, ritmos e temas, característica que

permeia sua obra como um todo.

Contudo, o reconhecimento só viria na década de 1990, em São Paulo. Zeca Baleiro

dividia o aluguel de um apartamento com um amigo, o também cantor e compositor

Chico César. Em 1997, lança seu primeiro CD Por onde andará Stephen Fry?, que

teve produção de Marco Mazzola. Nesse mesmo ano, participa do CD MTV

Acústico, da cantora Gal Costa, fato que alavanca sua carreira. No ano seguinte,

recebe vários prêmios por seu CD, adquirindo assim o reconhecimento da crítica e

do público.

A obra em questão é múltipla. Nela, encontram-se inúmeros intertextos, temas, sons,

imagens. Sua música deriva da fusão de ritmos brasileiros (Samba, Baião, Frevo)

com ritmos internacionais (Rock, Pop e Música Eletrônica). As letras contêm, de

forma inteligente, humor e poesia. Talvez uma possível “definição” da obra do

compositor seria “mistura”. Misturas de ritmos, culturas, temas, músicas, poemas.

Pretendemos, assim, nesse estudo analisar sociologicamente letras de músicas do

cantor e compositor. Destarte, apresentar os vários recursos utilizados e como as

canções dialogam com a época em que estão inseridas. Para isso, separamos três

eixos temáticos em três canções de Baleiro, a saber: o consumismo, o

individualismo e o amor como produto. Recorrendo às ferramentas da análise

sociológica, apresentaremos aspectos literários e sociais das canções.

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1.1 Fundamentação teórica

Uma obra sempre trará consigo características de determinada época. Sempre

retratará, discutirá o ethos, as regras, a ordem social da época em que está

implicada. A produção de Zeca Baleiro está inserida entre o fim do século XX e o

início do século XXI.

A música de Baleiro representa muito bem a pós-modernidade, haja vista que além

de cultivar a diversidade cultural nacional, apresenta o homem do século XXI, a crise

do individuo e as relações com o seu meio social. Assim sendo, mister se faz o

estudo da literatura, da canção popular e dos fenômenos sociais impregnados nas

formas artísticas estudadas.

Essa argumentação tem como base, no que tange ao estudo de canções, artigos de

Nelson Barros da Costa, Nelson Ascher e o livro Letras e letras da MPB, de Charles

A. Perrone. Quanto à análise sociológica, recorremos ao livro Literatura e sociedade,

de Antonio Candido. Dito isto, consideramos que a análise sociológica se caracteriza

pela abordagem das condições que mostram a realidade social do fato literário sem

cair num reducionismo sociologizante. Assim sendo, a interpretação social da lírica

não pode ter em mira a posição social ou a inserção social dos interesses das obras

ou até de seus autores, o social aqui atua “como fator da própria construção

artística, estudado no nível explicativo e não ilustrativo” (CANDIDO, 2000, p.7).

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1.2 Letra de música também é poesia?

Em certos países, como EUA ou França, uma letra de canção dificilmente será

considerada como poesia, já na Inglaterra, muitos letristas são considerados poetas,

tais como John Lennon, Paul McCartney e Morrissey. No Brasil, ainda não há um

consenso:

De um lado, vanguardistas, muito da universidade e a esquerda, em geral, que dizem que aquilo que Caetano ou Chico fazem é poesia; de outro, escritores e críticos literários e poeticamente conservadores acham essa idéia escandalosa. (ASCHER, 2002)

A partir de Noel Rosa, a canção popular se tornou algo mais literário, algo que as

pessoas começaram a prestar mais atenção. Por exemplo, o poeta modernista

Manuel Bandeira considerava o verso Tu pisavas nos astros distraída, da canção

Chão de estrelas, que tem letra de Orestes Barbosa, como um dos mais bonitos da

Língua Portuguesa.

A contribuição de Orestes Barbosa para o desenvolvimento da música popular urbana é o mais importante exemplo de poetas que atravessaram fronteiras artísticas no inicio deste século. (PERRONE, 1988, p.18)

Desde a bossa nova, entretanto, muitos poetas se adentraram no mundo da canção,

como o poeta cantor Vinicius de Moraes. Nessa tradição, usando um exemplo atual,

podemos citar Arnaldo Antunes, cantor, compositor, artista plástico e poeta com

livros publicados. Nas décadas de 1960 e de 1970 (época de maior criatividade de

Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e que a relação entra música e poesia

teve maior efervescência) vários escritores se aventuraram como letristas: Chacal,

Cacaso, Geraldo Carneiro, Waly Salomão, Torquato Neto, Aldir Blanc.

É sabido que nem toda letra de música é poesia, depende da produção, pois letra e

poesia funcionam através de processos distintos, apesar de lidarem com a mesma

matéria prima, a palavra:

A perspectiva da canção não é a da literatura, embora em certos casos ela possa até superá-la em termos formais. A canção é a poesia em seu disfarce mais simples, mais despido e direto. Vide a sofisticação dos versos de Caymmi, Noel e Cartola, pra ficar em poucos exemplos. (BALEIRO apud SOUZA, 2007, p.23-5)

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O poeta inglês Adrian Mitchell, na introdução do livro de poemas e letras O canto do

pássaro-preto, de Paul McCartney, revela:

Os esnobismos ainda persistem; basta estudar as mais respeitáveis antologias e alguém poderia pensar que poesia é apenas para intelectuais e acadêmicos. [...] freqüentemente há diferença entre um poema e uma letra de música. As letras tendem a ser menos concentradas, em parte porque uma canção tem que funcionar instantaneamente, e em parte porque as palavras precisam deixar espaço para a música respirar, deixar tempo para o trabalho musical. Numa boa canção, letra e música dançam juntas, por isso precisam de espaço para dançar. (MITCHELL, 2001, p.18-19)

Como já elencado, a partir do começo do século XX vários compositores usavam em

suas letras muitos recursos literários, como a intertextualidade, a metáfora.

As letras de canção são mais diretamente comparáveis com a lírica não musical através dos recursos retóricos e das figuras de linguagem (PERRONE, 1988, p.13)

No entanto, há recursos pertinentes à poesia que não podem ser utilizados na

canção, assim como o inverso também ocorre.

A canção exige uma tripla competência; a verbal, a musical e a lítero-musical, sendo esta última a capacidade de articular as duas linguagens. [...] pode-se arriscar que certamente a canção não é exclusivamente texto verbal, nem exclusivamente peça melódica, mas um conjugado das duas materialidades. (COSTA, 2003, p. 107-8).

Por fim, fica implícito que a questão de letra ser ou não poesia é de ordem de estilo.

Apesar da obra de Zeca Baleiro ser rica tanto em letra quanto em melodia, nossos

sentidos dão destaque às letras das canções, tendo em vista que consideramos

suas criações verdadeiras obras poéticas.

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2 Análises das canções 2.1 Babylon: minha religião é o consumo

Zygmunt Bauman, assim como muitos teóricos da pós-modernidade, vai acentuar

que nossa sociedade vive a “cultura de consumo”, onde o homem tem como uma

das atribuições do capitalismo o consumo de bens materiais e simbólicos. Com isso,

tudo se relacionará ao consumo, que é um mecanismo global que forma as relações

dos indivíduos na pós-modernidade. Ademais, neste subcapítulo, vamos nos ater em

analisar a canção Babylon, que pertence ao álbum Líricas, de 2000, por versar

acerca das relações do consumo com a vida contemporânea. Fixemos nosso olhar

na canção Babylon:

Baby!

I'm so alone

Vamos pra Babylon!

Viver a pão-de-ló

E möet chandon

Vamos pra Babylon!

Vamos pra Babylon!...

Gozar!

Sem se preocupar com amanhã

Vamos pra Babylon

Baby! Baby! Babylon!...

Comprar o que houver

Au revoir ralé

Finesse s'il vous plait

Mon dieu je t'aime glamour

Manhattan by night

Passear de iate

Nos mares do pacífico sul...

Baby!

I'm alive like

A Rolling Stone

Vamos pra Babylon

Vida é um souvenir

Made in Hong Kong

Vamos pra Babylon!

Vamos pra Babylon!...

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Vem ser feliz

Ao lado deste bon vivant

Vamos pra Babylon

Baby! Baby! Babylon!...

De tudo provar

Champanhe, caviar

Scotch, escargot, rayban

Bye, bye miserê

Kaya now to me

O céu seja aqui

Minha religião é o prazer...

Não tenho dinheiro

Pra pagar a minha yoga

Não tenho dinheiro

Pra bancar a minha droga

Eu não tenho renda

Pra descolar a merenda

Cansei de ser duro

Vou botar minh'alma à venda...

Eu não tenho grana

Pra sair com o meu broto

Eu não compro roupa

Por isso que eu ando roto

Nada vem de graça

Nem o pão, nem a cachaça

Quero ser o caçador

Ando cansado de ser caça...

Ai, morena! Viver é bom

Esquece as penas

Vem morar comigo

Em Babylon...

Na primeira estrofe do texto, o eu lírico evoca a amada (baby) a irem para Babylon

(Babilônia), já que ele está muito só (i’m so alone) no lugar em que está. O convite é

argumentado pelas comidas privilegiadas da elite (pão-de-ló e möet chandon) a fim

de provar que Babylon é um locus ideal para se viver feliz. O poeta retoma o convite

na segunda estrofe, mostrando um possível modo de vida que não se preocupa com

o amanhã, ou seja, que só visa o momento presente (carpe diem). Interessante

notar, quanto ao título, que o termo baby (amada) é radical da palavra inglesa

Babylon (Babilônia). O título em inglês, ao invés de português, e as outras

expressões em francês já apontam para a mundialização dos produtos culturais.

Babylon seria um

[...] símbolo de entidade plausível, símbolo do poder econômico globalizado. É inevitável não reconhecer na canção a figura da Babilônia, a grande

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prostituta, descrita por São João no livro de Apocalipse como ‘cidade forte’ e ‘grande’, hábitat de mercadores enriquecidos e de reis devassos. Entretanto, ao contrário da Babilônia que se tornou nas culturas judaico-cristãs um inimigo arquetípico do povo de Deus, o poeta a encara como locus do prazer e da estabilidade, onde necessidades são supridas dentro da lógica do mercado. (SANTOS, 2009, p. 40)

O primeiro verso da terceira estrofe traz consigo a tônica da canção (prazer em

consumir). O eu poético pode comprar o quiser, dá adeus a ralé e elenca outros

prazeres de Babylon. Aqui, notamos que Babylon é o locus do prazer imediato, este

centrado no consumismo exacerbado. De acordo com Zygmunt Bauman em

Modernidade Líquida, o individuo pós-moderno utiliza-se do ato de comprar para se

livrar do mal e assim sentir-se bem:

Há, em suma, razões mais que suficientes para ‘ir às compras’. Qualquer explicação da obsessão de comprar que se reduza a uma causa única está arriscada a ser um erro. As interpretações comuns do comprar compulsivo como manifestação da revolução pós-moderna dos valores, a tendência a representar o vício das compras como manifestação aberta a instintos materialistas e hedonistas adormecidos, ou como produto de uma ‘conspiração comercial’ que é uma incitação artificial (e cheia de arte) a busca do prazer como propósito máximo da vida, capturam na melhor das hipóteses apenas parte da verdade. Outra parte, e necessário complemento de todas essas explicações, é que a compulsão-transformada-em-vício de comprar é uma luta morro acima contra a incerteza aguda e enervante e contra um sentimento de insegurança incômodo e estupidificante. (BAUMAN, 2001, p.95)

Nas três estrofes seguintes, o poeta revela que vive como uma pedra a rolar (“I’m

alive like a Rolling Stone”) e que a vida é uma lembrança feita em Hong Kong.

Também enumera outros argumentos de que sua vida é ruim, que sua vida não tem

valor algum. Ele reúne um número de costumes, comidas, objetos da elite, que ele

pode usufruir (Champanhe, Caviar, Scotch, Rayban), de novo se esquiva da ralé

(“bye, bye miserê”). Inferimos, por esse trecho, que nossa sociedade (consumista ao

extremo), está ligada à complexidade humana. Desse modo, envolve seus valores,

vontades, ethos e necessidades numa escala muito grande. Na pós-modernidade, a

estetização da vida e o triunfo do signo mostram a subordinação da produção ao

consumo sob a égide de marketing, com uma ascensão muito grande da concepção

de produto, do design e das ferramentas de comunicação do marketing. Na sexta

estrofe, há também uma alusão à maconha (“Kaya now to me”). Kaya é como os

jamaicanos se referem à maconha.

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O eu lírico sugere que o paraíso pode ser em Babylon e que sua religião é o prazer.

Babylon seria uma espécie de Pasárgada para o poeta. Um lugar em que ele pode

tudo: “[...] a grande fissura no pensamento do poeta não está em reconhecer a

possibilidade de entrar num ‘mundo de prazer’, pois o cristianismo e outras religiões

já se incumbiram disso” (SANTOS, 2009, p.43). Por essa estrofe, notamos

claramente que o discurso religioso, outrora muito poderoso, não tem força alguma

na pós-modernidade. Com isso, a ética do eu poético é moldada somente pelo

sistema capitalista, que dita modas, os costumes, e que, sobretudo, consegue

vender um discurso mais atrativo que a religião e/ ou a ciência. O poeta, nessas seis

estrofes, tentou convencer sua amada (baby) de que Babylon é o melhor locus para

se viver. Para tal, apresentou inúmeros bens materiais e vantagens do referido lugar.

Nas duas estrofes seguintes, o poeta apresenta o seu mundo, que

conseqüentemente é o da amada (baby) também. Ele o faz de forma altamente

negativa, mostrando cruelmente suas mazelas. Essa também é uma forma de

argumentar a favor de Babylon, locus do prazer estabilizado. Basicamente, as duas

estrofes versam sobre a falta de dinheiro do eu poético, que por não ter grana, não

tem droga, merenda nem boas roupas. O sujeito cansa da vida sem poder aquisitivo

e revela que vai por a alma à venda. Para descrever Babylon, ele cita pão-de-ló,

möet chandon, champagne, caviar, scotch, escargot, rayban, kaya, já para descrever

seu hábitat (caótico, por sinal), aponta para pão, cachaça, droga, falta de grana,

comida e vestes. Todos esses elementos do seu dramático mundo negam Babylon,

que é um si negação do outro. Os versos “Vou botar minh’alma à venda” e “Quero

ser o caçador/ Ando cansado de ser caça...”, resumem as duas referidas estrofes. O

primeiro reforça a ineficiência do discurso religioso na pós-modernidade. Por seu

turno, o segundo afirma a força do sistema capitalista nos nossos dias. A nona e

última estrofe retoma à problemática da primeira estrofe. O poeta tenta convencer a

amada (baby, morena) que viver é bom, isso tudo depois de negar sua realidade nas

estrofes anteriores. O convite novamente é feito e o eu lírico também solicita que a

amada esqueça as penas. Essa estrofe reafirma as seis primeiras, nestas o poeta

positivamente descreveu Babylon. Por fim, o sujeito reafirma a vida chamando a

amada para morar no paraíso do consumo.

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2.2 Piercing: tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha

dor

Na produção de Zeca Baleiro, uma das temáticas mais abordadas é o individualismo

exagerado da sociedade pós-moderna. O cantor revela em muitos de seus textos a

efemeridade e o esvaziamento das relações sociais e as conseqüências disso, como

a solidão, a comunicação escassa e as relações interpessoais superficiais ao

extremo. Baleiro compõe sobre o homem que vive num “momento histórico marcado

pela superação de limites através do conhecimento e, contraditoriamente, pelo

conseqüente retrocesso no que diz respeito às relações humanas” (SOUZA, 2007,

p.45). Aqui, leremos e estudaremos a composição Piercing, que tem o individualismo

exacerbado como tônica. Fixemos nosso olhar na canção Piercing, que se encontra

no álbum Vô Imbolá, de 1999:

"Quando o homem inventou a roda

logo Deus inventou o freio,

um dia, um feio inventou a moda,

e toda roda amou o feio"

Tire o seu piercing do caminho

Que eu quero passar

Quero passar com a minha dor

pra elevar minhas idéias não preciso de incenso

eu existo porque penso tenso por isso insisto

são sete as chagas de cristo

são muitos os meus pecados

satanás condecorado na tv tem um programa

nunca mais a velha chama

nunca mais o céu do lado

disneylândia eldorado

vamos nós dançar na lama

bye bye adeus gene kelly

como santo me revele como sinto como passo

carne viva atrás da pele aqui vive-se à mingua

não tenho papas na língua

não trago padres na alma

minha pátria é minha íngua

me conheço como a palma da platéia calorosa

eu vi o calo na rosa eu vi a ferida aberta

eu tenho a palavra certa pra doutor não reclamar

mas a minha mente boquiaberta

precisa mesmo deserta

aprender aprender a soletrar

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Não me diga que me ama

Não me queira não me afague

Sentimento pegue e pague

emoção compre em tablete

Mastigue como chiclete

jogue fora na sarjeta

Compre um lote do futuro

cheque para trinta dias

Nosso plano de seguro

cobre a sua carência

Eu perdi o paraíso

mas ganhei inteligência

Demência, felicidade,

propriedade privada

Não se prive não se prove

Dont't tell me peace and love

Tome logo um engov

pra curar sua ressaca

Da modernidade essa armadilha

Matilha de cães raivosos e assustados

O presente não devolve o troco do passado

Sofrimento não é amargura

Tristeza não é pecado

Lugar de ser feliz não é supermercado

O inferno é escuro

não tem água encanada

Não tem porta não tem muro

Não tem porteiro na entrada

E o céu será divino

confortável condomínio

Com anjos cantando hosanas

nas alturas nas alturas

Onde tudo é nobre

e tudo tem nome

Onde os cães só latem

Pra enxotar a fome

Todo mundo quer quer

Quer subir na vida

Se subir ladeira espere a descida

Se na hora "h"o elevador parar

No vigésimo quinto andar

der aquele enguiço

Sempre vai haver uma escada de serviço

Todo mundo sabe tudo todo mundo fala

Mas a língua do mudo ninguém quer estudá-la

Quem não quer suar camisa não carrega mala

Revólver que ninguém usa não dispara bala

Casa grande faz fuxico quem leva fama é a senzala

Pra chegar na minha cama tem que passar pela sala

Quem não sabe dá bandeira quem sabe que sabia cala

Liga aí porta-bandeira não é mestre-sala

E não se fala mais nisso

Mas nisso não se fala...

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O rap Piercing se inicia com uma citação cheia de trocadilhos recitada pelo próprio

Zeca Baleiro. Nela, há críticas à moda e ao conceito de belo e de feio. O ritmo da

canção é acelerado como o próprio ritmo da vida. O refrão aparece logo no principio:

“Tire o seu piercing do caminho que eu quero passar/ Quero passar com a minha

dor”. Neste refrão há um intertexto com o verso Tire o seu sorriso do caminho que eu

quero passar com a minha dor, da canção A flor e o espinho, de Nelson Cavaquinho,

Guilherme de Brito e Alcides Caminha. O refrão é afirmativo, impositivo, uma ordem

de fato. O objeto piercing pode metaforizar tanto umbigo quanto boca, haja vista que

são nestes locais onde o piercing geralmente se encontra, além de serem estes os

locais do amor e/ ou do ato sexual. Nota-se aí o caráter individualista do eu lírico,

que impõe um ato de prazer próprio. Dessa maneira, só existe o prazer individual e

suas as ordens. A comunicação entre os indivíduos é precária. Assim, não há

alteridade por parte do eu poético. Na primeira estrofe, percebemos a angústia de

um ser solitário no hábitat em que se encontra. É um ser que também não tem

referências:

Herdeiro do homem moderno que suportava sua condição humana de restrições e privações apoiando-se (primeiro) na religião e (depois) na ciência, o individuo da contemporaneidade vive num contexto em que a religião já não é mais uma verdade nem um conforto absoluto, e a ciência não corresponde mais às suas expectativas. Assim, desprovido de seus grandes pilares de sustentação resta a este homem tentar transformar a realidade na qual vive através do conhecimento, da hipermodernização. Todos os feitos, portanto, não preenchem o vazio deixado pelos discursos que antes garantiam ao homem a sensação de bem-estar. Devido a isso, sobra um espaço que será preenchido pelo discurso da mídia, pelo consumismo exacerbado e pela necessidade desenfreada de notoriedade, exclusividade, destaque. (SOUZA, 2007, p.46)

O sujeito inicia a estrofe criticando a religião (“Pra elevar minhas idéias não preciso

de incenso”), citando a frase penso, logo existo do filósofo e matemático francês

René Descartes. É um ser tenso, como sua época, e que por isso mesmo insiste.

Sempre com espírito de competição e com o ímpeto desejo de vencer/subir na vida

a qualquer preço. Os versos iniciais vão evocar incessantemente à religião. É

exposto que Cristo tem sete chagas e o poeta, vários pecados, assim como o fato de

Satanás ter um programa de TV, comprovando, como já elencado, que religião e

ciência não são mais verdades absolutas ao ser pós-moderno. Também, há

referências negativas ao inferno (“Nunca mais a velha chama”) e ao céu (“Nunca

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mais o céu do lado”). Ao invés de cantar/dançar na chuva, o eu lírico prefere dançar

na lama e dá adeus ao diretor dos filmes Singin’ in the rain (Cantando na chuva) e

It's Always Fair Weather (Dançando nas nuvens), Gene Kelly. Desse modo, reforça a

idéia do caos no mundo em que está inserido. Nos versos seguintes, a religião é

retomada em forma de crítica. O poeta critica o catolicismo ao revelar que não tem

papas na língua e não traz padres na alma. Ao parafrasear o verso Minha pátria é

minha língua, da canção Língua, de Caetano Veloso, o poeta mostra toda sua falta

de patriotismo e seu exacerbado modo de pensar em si próprio (“Minha pátria é

minha íngua”). Contudo, é notório que ele conhece o mundo exterior e não se

conhece (“Me conheço como a palma da platéia calorosa”). Pela citação Eu tenho a

palavra certa pra doutor não reclamar da canção Avôhai, de Zé Ramalho,

compreende-se que o eu poético é dotado de conhecimentos específicos, possui o

instinto de competitividade, entretanto, não há espaço em sua vida para outro ser.

Os três versos finais revelam que a mente desse sujeito precisa aprender a soletrar

(aprendizado básico), embora ele seja dotado de vários conhecimentos, ou seja, é

um homem que pouco sabe em se tratando de relações afetivas ou de si mesmo.

A segunda estrofe, por seu turno, versa sobre a fragilidade das relações afetivas.

Aqui, tudo gira em torno do dinheiro, que é o mediador de todas as relações na vida

contemporânea. Nos seis primeiros versos, o eu poético aponta que não quer ser

amado, querido, afagado. Sugere, dessa forma, um sentimento pegue e pague, uma

relação baseada em bens monetários. O amor, então, é um produto a ser consumido

e que pode tranquilamente ser jogado fora como chiclete. Mais adiante, veremos

que o consumismo é retomado (“Eu perdi o paraíso, mas ganhei inteligência/

Demência, felicidade, propriedade privada”). Velhos discursos, como “peace and

love”, são refutados. O ser em questão afirma “não me diga paz e amor”. É um

sujeito que nega “tudo” para se afirmar como “nada”. Desconsidera discursos

religiosos, científicos, ideológicos, entre outros, ao chamar a modernidade da

“Matilha de cães raivosos e assustados”. O poeta considera o homem pós-moderno

estressado e de pouco raciocínio, se aproximando assim dos animais. O mundo

seria um circo de feras. Essa relação entre presente e passado (pós-modernidade e

modernidade) é vista no verso “O presente não devolve o troco do passado”.

Hutcheon pondera:

O que o pós-modernismo faz, conforme, seu próprio nome sugere, é confrontar e contestar qualquer rejeição ou recuperação modernista do

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passado em nome do futuro. Ele não sugere nenhuma busca para encontrar um sentido atemporal transcendente, mas sim uma reavaliação e um diálogo em relação ao passado à luz do presente. Mais uma vez, daríamos a isso o nome de ‘presença do passado’. (HUTCHEON, 1991, p.39)

Fechando a estrofe, os três últimos versos retomam ao consumismo. O eu poético

critica o fato de certos sentimentos como “sofrimento” ou “tristeza” serem vistos

como coisas ruins, já que são sentimentos naturais ao homem. A critica é

direcionada aos homens que só se sentem felizes ao consumir. O consumismo

como cura para as dores a as mazelas é altamente refutado pelo sujeito (“Lugar de

ser feliz não é supermercado”).

A tônica da terceira estrofe é o discurso cristão. Num tom esperançoso, o eu lírico

descreve o céu e o inferno. Nesse discurso, o ser vive num inferno (Terra) e

pretende ser salvo, ir para o céu (Divino). Interessante notar que o inferno é descrito

com o verbo no presente, já o céu é descrito com o verbo no futuro. O inferno é

escuro, não tem nada, enquanto o céu será divino, com anjos, “Onde tudo é nobre e

tem nome”. Há uma referência a segunda estrofe no trecho “Onde os cães só latem

pra enxotar a fome”. Se na segunda estrofe, os cães da Terra (inferno) eram

raivosos e assustados, no céu os cães só latem quando precisam se alimentar. Por

fim, a quarta estrofe vai lidar com a mesma questão do refrão, a falta de

comunicação. Fechando o texto, a referida estrofe trata da contradição que é uma

“sociedade em que a comunicação em grande escala é uma realidade, mas a

comunicação nas micro-esferas sociais, ou seja, a verdadeira comunicação entre os

indivíduos é nula” (SOUZA, 2007, p.48).

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2.3 Você só pensa em grana: dinheiro pode comprar seu amor

Encerrando as análises das canções, vamos ter como foco, neste subcapitulo, a

música Você só pensa em grana. Nessa peça, o amor é tão somente um produto a

ser consumido, como alerta Zygmunt Bauman:

O desvanecimento das habilidades de sociabilidade é reforçado e acelerado pela tendência, inspirada no estilo de vida consumista dominante, a tratar os outros seres humanos como objetos de consumo e a julgá-los, segundo o padrão desses objetos, pelo volume de prazer que provavelmente oferecem e em termos de seu ‘valor monetário’. (BAUMAN, 2004, p.96)

Assim sendo, consideremos a letra da canção Você só pensa em grana, que

pertence ao disco Líricas, de 2000:

Você só pensa em grana

Meu amor!

Você só quer saber

Quanto custou a minha roupa

Custou a minha roupa...

Você só quer saber

Quando que eu vou

Trocar meu carro novo

Por um novo carro novo

Um novo carro novo

Meu amor!...

Você rasga os poemas

Que eu te dou

Mas nunca vi você

Rasgar dinheiro

Você vai me jurar

Eterno amor

Se eu comprar um dia

O mundo inteiro...

Quando eu nasci

Um anjo só baixou

Falou que eu seria

Um executivo

E desde então eu vivo

Com meu banjo

Executando os rocks

Do meu livro

Pisando em falso

Com meus panos quentes

Enquanto você rir

No seu conforto

Enquanto você

Me fala entre dentes

Poeta bom meu bem

Poeta morto.

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Na primeira estrofe da canção, o poeta já apresenta a principal característica da sua

amada: o fato dela apenas se importar com o dinheiro. Logo depois, vai revelar que

a amada somente é preocupada com o valor de suas vestes e com o seu carro.

Assim, de inicio, já notamos que a amada não se preocupa com eu lírico e sim com

o que ele representa monetariamente. Dando seqüencia, na terceira estrofe, as

características da amada são reforçadas pelo sujeito. A amada destrói os poemas

que ganha do eu poético, porém nunca destruiu dinheiro. O poeta também alerta

para o fato de que se ele comprar tudo terá todo amor da sua musa consumista.

Zygmunt Bauman em Amor Líquido revela: “Os outros são avaliados como

companheiros na atividade essencialmente solitária do consumo, parceiros nas

alegrias do consumo, cujas presença e participação ativa podem intensificar esses

prazeres” (BAUMAN, 2004, p.96). Ou seja, a amada tem o poeta como unicamente

um parceiro de consumo. O “discurso amoroso” da musa é o inverso do que propõe

Roland Barthes:

O discurso amoroso não é desprovido de cálculos: eu raciocino, faço contas às vezes, seja para obter determinada mágoa, seja para representar interiormente ao outro, num movimento de humor, o tesouro de engenhosidades que esbanjo a troco de nada em seu favor (ceder, esconder, não magoar, divertir, convencer, etc.). Mas esses cálculos são apenas impaciências: não há pensamento de um lucro final: o Gasto está aberto, ao infinito, a força deriva, sem finalidade (o objeto amado não é uma finalidade: é um objeto coisa, não um objeto fim). (BARTHES, 1988, p. 117)

O “amor” da “deusa da grana” é relacionado ao lucro, aos interesses materiais. A

amada, desse modo, busca moda e consumo, ou seja, as lógicas do mundo

capitalista. Isso fica claro ao notarmos que a amada não considera a função social

do sujeito (Poeta) e até despreza-o ao rasgar os poemas que ganha. A musa

consumista é altamente influenciada pelo status social, tendo em vista que

desconsidera o oficio de poeta.

Na quarta estrofe, o eu poético vai apresentar algumas características de sua vida.

O primeiro verso é um intertexto com Drummond: “Quando eu nasci, um anjo torto/

desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”. O eu lírico

assume uma posição de gauche (torto) no mundo, pois um anjo lhe revelou que o

sujeito seria um executivo (profissão de alto prestigio) e isso não aconteceu na

realidade. O eu poético faz uma comparação entre sua vida e a da amada ao dizer

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que pisa em falso com seus panos quentes enquanto a musa ri confortavelmente.

Por esse trecho, infere-se a dicotomia existente na canção. De um lado, temos o

poeta, que não se preocupa tanto com bens materiais e busca ser amado pelo que é

e não pelo que possui monetariamente. Suas ações são baseadas nas relações

pessoais, na coletividade. De outro, a amada, a qual visa o status social a qualquer

preço e cujas ações são baseadas no interesse, no ganho financeiro. No final da

estrofe, temos novamente uma refutação da amada em relação à posição social do

sujeito (Poeta). A musa capitalista diz, entre dentes: “Poeta bom meu bem poeta

morto”. Sendo assim, a musa desconsidera não só o oficio do poeta como também

sua pessoa e que sua imagem representa pra sociedade em geral. Zygmunt

Bauman conclui:

Os valores intrínsecos dos outros como seres humanos singulares (e assim também a preocupação com eles por si mesmos, e por essa singularidade) estão quase desaparecendo da vista. A solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado consumidor. (BAUMAN, 2004, p.96)

Desse modo, a canção Você só pensa em grana retoma a canção Piercing, por

mostrar o amor unicamente como produto a ser consumido e por revelar um ser

individualista que é problemático em se tratando de relações interpessoais.

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4. Considerações finais

No cancioneiro de Zeca Baleiro, inúmeras temáticas são abordadas, tais como a

solidão, a perda de identidade, o individualismo, o consumismo exacerbado, o amor

como produto, entre outras. É um artista que dialoga com os problemas de sua

época (pós-modernidade) de forma irônica, descontraída e sarcástica. Para tal,

Baleiro usa e abusa dos recursos sonoros, métricos, lingüísticos e literários numa

salada musical neotropicalista. Mesmo reconhecendo sua importância na Música

Popular Brasileira, devo admitir que a referida produção ainda é pouco estudada na

Academia (foram feitos apenas duas dissertações e alguns artigos). Este artigo, de

certa forma, também teve o objetivo de sanar essa assertiva. Nesta argumentação,

foram selecionadas três canções de Baleiro, a saber: Babylon (em que vimos a

questão do consumismo), Piercing (questão do individualismo) e Você só pensa em

grana (questão do amor como produto). Nesse sentido, analisamos as três referidas

canções sociologicamente à luz da obra Literatura e sociedade, de Antonio Candido

e das ideias de Zygmust Bauman. Em todas as análises pudemos perceber o perfil

do homem pós-moderno e o perfil da época como um todo. Destarte, em Babylon,

nos é apresentado um homem a mercê do consumismo, que idealiza um paraíso do

consumo e tenta de todas as formas convencer a amada a fugir para lá. Trata-se de

um homem sem referências da terra em que vive. Já na canção Piercing, temos um

homem individualista que só age em prol do seu bel prazer. Estamos diante de um

ser cujas ações estão voltadas unicamente para si e para a ascensão social a

qualquer custo. Por fim, na música Você só pensa em grana, o eu lírico sofre as

duras penas de não ser reconhecido poeta pela musa e pelo fato dela somente visar

o consumo, as coisas materiais. A amada, nesse caso, mede o valor das pessoas

por aquilo que elas possuem monetariamente.

Assim sendo, podemos inferir através das analises que Zeca Baleiro expõe, discute

e critica a época que vive. Misturando o presente, o passado, a Internet, a falta de

amor, o consumo, como se sua obra fosse uma “crônica retrato” da pós-

modernidade, um registro lírico da triste realidade, o que confirma assim sua

importância artística.

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4. Referências

ASCHER, Nelson. Letra de música é ou não é, enfim, poesia? Folha de São

Paulo On Line Ilustrada, São Paulo, 5 de out. 2002. Disponível em: http:

//www.1.folha.uol.com.br/

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Hortênsia

dos Santos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.

BAUMAN, Zygmust. Modernidade líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de

Janeiro: Zahar, 2001.

-----------. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar, 2004.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária.

8ª Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2000.

COSTA, Nelson Barros de. As letras e a letra: o gênero canção na mídia literária.

In: DIONISIO, A.P.; MACHADO, A.R.; BEZERRA, M.A. (Orgs). Gêneros textuais e

ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003, p. 107-121.

HUTCHEON, Linda. Poética da pós-modernidade: história, teoria, ficção. Rio de

Janeiro: Imago, 1991.

MITCHELL, Adrian. Introdução. In: MCCARTNEY, Paul. O canto do pássaro-preto.

Tradução de Márcio Borges. São Paulo: Geração Editorial, 2001.

PERRONE, Charles A. Letras e letras da música popular brasileira. Tradução de

José Luiz Paulo Machado. Rio de Janeiro: Elo, 1988.

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SANTOS, Cristian J. Oliveira. Babel (Confusão ou salvação?): religiosidade,

secularização e mercado em Babylon, de Zeca Baleiro. In: Revista Ciências de

Religião – História e Sociedade, Vol. 7, Nº 1, 2009, p. 28- 49.

SOUZA, Ana Paula Nascimento de. Pet shop Mundo contemporâneo: o nosso

tempo através do olhar de Zeca Baleiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.

Discos:

BALEIRO, Zeca. Líricas. São Paulo: MZA Music, 2000 (1 CD).

------------. Vô Imbolá. São Paulo: MZA Music, 1999 (1 CD).