TesePinho

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CINCIAS DA EDUCAO

    PROGRAMA DE PS GRADUO EM EDUCAO DOUTORADO EM EDUCAO:

    ENSINO DE CINCIAS NATURAIS

    ATIVIDADES EXPERIMENTAIS: DO MTODO PRTICA

    CONSTRUTIVISTA

    Jose de Pinho Alves Filho

    Prof. Dr. Maurcio Pietrocola Orientador

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da

    Universidade Federal de Santa Catarina para obteno do grau de Doutor em Educao

    Florianpolis (SC)

    2000

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    AGRADECIMENTOS

    O tom de impessoalidade do discurso literrio de um trabalho reflete a frieza do contexto da justificao, imposto pelos cnones estabelecidos. A formalidade do texto esconde e, faz perder no tempo, a riqueza do processo de produo e de convivncia dos diferentes personagens do contexto da descoberta. Contexto permeado pelo, desafios, angstias, alegrias, afetividade, enfim, a infinidade de sentimentos inerentes ao seres humanos. Abro esta pgina com muito carinho para render minha gratido e para registrar a humanidade dos personagens que, de alguma forma, participaram da noosfera de minha descoberta. Ao Prof. Dr. Maurcio Pietrocola pela conduo crtica e profissional com que me orientou. Ao colega de Departamento Maurcio Pietrocola, pelo constante incentivo e apoio. Ao Menino (Maurcio) por dividir humanidade. A Profa. Dra. Edith Saltiel, que me orientou por ocasio do estgio na Frana. A Famlia Da Ros (Silvia, Marco, Zezo e Igi) pela acolhida e guarida em terras distantes, recheadas de carinho. Aos Professores do Programa de Ps-Graduao em Educao pela presena e auxlio constante. A minha Turma de Curso, conhecida Turma do Coletivo pelas horas de discusso e crescimento intelectual. Aos colegas do Departamento de Fsica pela oportunidade. Aos ex-alunos e alunos por serem fonte de inspirao e objetivo de profisso. Aos meus queridos pais pela Vida. Ao meu filho Caio pelo ouvido.

    A todos vocs Muito Obrigado.

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    quela que: Como Colega incentivou seguir. Como Profissional exerceu a crtica. Como Amiga ofereceu o ombro. E como Companheira reparte a vida.

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    Para ti T, com meu amor e carinho.

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    SUMRIO

    Agradecimentos I Dedicatria II Sumrio ........................................................................................................ III Resumo .......................................................................................................... VII Abstract ...................................................................................................... VIII APRESENTAO ........................................................................................... 1 Cap. 1- A literatura escolar do ensino mdio

    e o laboratrio didtico no Brasil ................................................. 1. Introduo ................................................................................................... 2. Os livros Didticos do ensino mdio brasileiros ........................................ 3. A era dos projetos de ensino de Fsica ........................................................ 3.1. O PSSC ...................................................................................................... 3.2 O Projeto Harvard ...................................................................................... 3.3. O Projeto Nuffield........................................................................................ 3.4. O Projeto Piloto............................................................................................ 3.5. O que os projetos deixaram ........................................................................ 4. Os projetos brasileiros ................................................................................... 4.1. Os antecedentes .......................................................................................... 4.2. FAI .............................................................................................................. 4.3. O PEF ......................................................................................................... 4.4. O PBEF ....................................................................................................... 5. O GREF Uma alternativa ............................................................................ 6. Laboratrios didticos: tipos e metodologia .................................................. 6.1. Laboratrio de Demonstraes ................................................................... 6.2. Laboratrio Tradicional .............................................................................. 6.3. Laboratrio Biblioteca ................................................................................ 6.4. Laboratrio Fading .................................................................................. 6.5. Laboratrio Prateleira de Demonstrao .................................................... 6.6. Laboratrio Circulante ................................................................................ 6.7. laboratrio de Projetos ................................................................................ 6.8. Laboratrio Divergente ............................................................................... 6.9. Laboratrio Programado ............................................................................. 6.10. Laboratrio de mltiplas aes (Saad) ..................................................... 7. Registrando a poca ....................................................................................... 8. Bibliografia do Captulo 1 .............................................................................

    10 10 13 25 26 31 35 36 41 44 44 49 51 56 60 64 65 66 68 69 70 70 71 72 73 75 77 80

    Cap. 2 - As investigaes sobre o laboratrio didtico no Brasil ................. 1. Introduo ....................................................................................................... 2. Construindo categorias de anlise ..................................................................

    2.1. Categoria das Proposies ...................................................................... 2.2. Categoria das Prescries Experimentais ............................................... 2.3. Categoria das Tcnicas de Construo ................................................... 2.4. Categoria da Mdia ................................................................................. 2.5. Categoria Outros ....................................................................................

    3. Os eventos nacionais ...................................................................................... 3.1. O primeiro SNEF ...................................................................................

    85 85 87 88 90 91 92 92 96 96

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    3.2. O II SNEF ............................................................................................ 3.3. O III SNEF ........................................................................................... 3.4. O IV SNEF ........................................................................................... 3.5. O V SNEF ............................................................................................. 3.6. O VI SNEF ........................................................................................... 3.7. O VII SNEF .......................................................................................... 3.8. O VIII SNEF ........................................................................................ 3.9. O IX SNEF ........................................................................................... 3.10. O X SNEF .......................................................................................... 3.11. O XI SNEF ......................................................................................... 3.12. O XII SNEF ........................................................................................ 3.13. O XIII SNEF ....................................................................................... 3.14. Anlise dos SNEFs ............................................................................... 3.15. Os Encontros de Pesquisa em Ensino de Fsica ................................... 3.16. O III EPEF .......................................................................................... 3.17. O IV EPEF ........................................................................................... 3.18. O V EPEF ............................................................................................ 3.19. O VI EPEF ........................................................................................... 3.20. Anlise dos trabalhos dos EPEFs ......................................................... 3.21. O I ENPEC ...........................................................................................

    4. Os peridicos nacionais ................................................................................. 4.1. A Revista Brasileira de Ensino de Fsica ............................................... 4.2. O Caderno Catarinense de Ensino de Fsica ............................................

    5. Bibliografia do Captulo 2 ..............................................................................

    97 98

    102 102 104 106 109 109 111 112 113 114 116 124 126 127 128 129 133 137 139 139 140 146

    Cap. 3 - Experincia e Experimentao ......................................................... 1. Introduo ...................................................................................................... 2. Elaborando o senso comum ........................................................................... 3. Estabelecendo uma referncia ....................................................................... 4.O germe da experimentao moderna ............................................................ 5. Francis Bacon, uma nova referncia ............................................................. 6. Ren Descartes, uma opo ........................................................................... 7. Galileu Galilei, a opo moderna .................................................................. 8. A ttulo de sntese .......................................................................................... 9. Bibliografia do Captulo 3 .............................................................................

    149 149 153 160 170 176 181 183 191 200

    Cap. 4 - Anlise do laboratrio didtico luz da Transposio Didtica .. 1. Introduo ...................................................................................................... 2. A tradio do laboratrio didtico ................................................................. 3. Transposio Didtica: um instrumento de anlise .......................................

    3.1. Consideraes gerais ............................................................................. 3.2. O saber sbio .......................................................................................... 3.3. O saber a ensinar .................................................................................... 3.4. O saber ensinado .................................................................................... 3.5. As regras da Transposio Didtica .......................................................

    4. Interpretando o laboratrio didtico luz da Transposio Didtica .......... 5. Bibliografia do Captulo 4 .............................................................................

    203 203 205 217 217 223 225 229 234 240 248

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    Cap. 5 - Atividade experimental: uma alternativa na concepo construtivista .................................................................................................... 1. Introduo ...................................................................................................... 2. O laboratrio na concepo construtivista .................................................... 3. Ambiente escolar e suas relaes .................................................................. 4. Atividade experimental: uma proposta na concepo construtivista ............ 5. Operacionalizando a atividade experimental ................................................ 6. Categorias das atividades experimentais ......................................................

    6.1. Atividade experimental histrica .......................................................... 6.2. Atividade experimental de compartilhamento ...................................... 6.3. Atividade experimental modelizadora .................................................. 6.4. Atividade experimental conflitiva ......................................................... 6.5. Atividade experimental crtica .............................................................. 6.6. Atividade experimental de comprovao ............................................. 6.7. Atividade experimental de simulao ...................................................

    7. Consideraes finais ..................................................................................... 8. Transpondo os muros da academia ............................................................... 9. Bibliografia do Captulo 5 ............................................................................

    251 251 256 259 262 266 270 271 274 276 279 281 282 283 287 194 298

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    RESUMO

    Um estudo analtico sobre o laboratrio didtico de Fsica realizado fazendo uso de trs fontes [livros-texto didticos at 1950, projetos de ensino de Fsica estrangeiros e nacionais e investigaes apresentados nos Simpsios de Ensino de Fsica (SNEF) e nos Encontros de Pesquisadores de em Ensino de Fsica (EPEF)] procurando caracterizar a concepo de ensino de laboratrio predominante. realizada uma discusso sobre a experincia como instrumento socialmente aceito para a elaborao do conhecimento vulgar e sobre a experimentao, instrumento historicamente construdo para a produo do conhecimento cientfico, buscando determinar o papel de cada uma delas no ensino de Fsica. Utilizando da Transposio Didtica como instrumento de anlise, localizada a razo epistemolgica da presena do laboratrio no ensino e caracterizado o mtodo experimental como seu objeto de ensino. A partir da adoo de uma concepo epistemolgica construtivista para o ensino de Fsica, proposta a atividade experimental (AE) como um novo instrumento de ensino. Sua funo ser mediadora do dilogo construtivista (didtico) entre professor, estudante e conhecimento cientfico. Nesta tica, foram elaboradas categorias de atividades experimentais, associadas aos diferentes momentos do dilogo, sem carter ou configurao prescritiva.

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    ABSTRACT

    Physics didactic laboratory is the subject matter of an analytical study

    that makes use of three sources [didactic textbooks up to 1950, foreign and national projects of Physics teaching and investigations presented in the national symposia of Physics teaching (SNEF - Simpsio Nacional de Ensino de Fsica) and researchers' encounters in Physics teaching (EPEF- Encontro de Pesquisadores em Ensino de Fsica)] in an attempt to characterize the mainstream concept of laboratory teaching. A discussion is made about experience as a socially accepted instrument for the elaboration of common knowledge and about experimentation as a historically built instrument for the production of scientific knowledge, in order to establish the role that each of them play in Physics teaching. Using of the Didactic Conversion as an analytic tool, the epistemological reason for the inclusion of laboratory activities in the teaching process is identified and the experimental method is characterized as its teaching object. Starting from the adoption of a constructivist epistemological conception for Physics teaching, experimental activity (AE) is proposed as a new teaching instrument. Its function is to be the connecting link in the constructivist (didactic) dialogue between teacher, student and scientific knowledge. From this point of view; categories of experimental activities were elaborated, associating such activities to the different moments of the dialogue, without any prescriptive character or configuration.

  • APRESENTAO

    POR QUE O LABORATRIO DIDTICO ? A eleio de um tema para investigao pelo investigador est

    subordinada, de modo geral, a um conjunto de influncias e instncias que transcendem a presente discusso. No entanto, dentro deste conjunto acredito existir um motivo preponderante no ato da escolha: a seduo do tema.

    Abrindo mo de outros argumentos, atendi o canto sedutor do tema

    laboratrio didtico, movido por uma histria que se inicia no tempo de estudante de graduao e se prolonga no exerccio profissional. Para mim, a seduo nasceu no curso de graduao, quando em diferentes momentos tive oportunidade de desenvolver atividades de laboratrio. Alm das disciplinas formais de laboratrio encontrei, principalmente, atravs de um curso oferecido a secundaristas1 pela instituio em que estudei (IFUFRGS) 2, uma excelente ocasio para o trabalho experimental. Este curso denominava-se Teorias Bsicas para Secundaristas.

    Dentre os vrios objetivos do curso (semestral) um deles era ensinar a

    Fsica, de uma forma diferenciada daquela lecionada nas escolas e, ao mesmo tempo, oferecer um espao para os estudantes de Fsica desenvolverem habilidades didticas, pois cabia aos graduandos a responsabilidade de lecionar o contedo, sob superviso de um professor. O curso se dividia em trs momentos: aulas tericas, aulas de problemas e aulas de laboratrio. Estas ltimas eram novidade tanto para os cursistas como tambm para os estudantes novatos de graduao, pois se diferenciavam dos experimentos realizados nas disciplinas formais de laboratrio. O livro texto adotado era o projeto PSSC3, o que permitia cumprir mais um dos objetivos do curso: treinar os futuros professores para aplicar o projeto PSSC. 1 O curso secundrio conhecido atualmente como ensino mdio. 2 IFUFRGS Instituto de Fsica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 3 PSSC Physical Science Study Committee, texto de Fsica na forma de projeto de origem americana, que comentaremos mais adiante.

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    A preparao das aulas de laboratrio para este curso favoreceu o

    treinamento e reconhecimento de experimentos, equipamentos e instrumentos de medida. Com o passar do tempo, desenvolvi habilidades e adquiri uma prtica que veio facilitar, posteriormente, eventuais modificaes e at proposies de novos experimentos para serem utilizados no curso. Alm do todo o equipamento do PSSC que estava disposio para atividades criativas, tinha-se ainda as caixas Bender4 com todos os seus dispositivos e componentes. Com total liberdade de ao, sob orientao dos veteranos, ocorria o aprendizado no manuseio dos equipamentos, junto com discusses de novas propostas de montagens experimentais. De iniciante, o tempo me fez veterano, mas sem deixar de brincar no nosso laboratrio, continuando o aprendizado.

    Nova oportunidade surge quando, terminada a graduao, ingressei no

    Grupo do PEFProjeto de Ensino de Fsica, no IFUSP em So Paulo, onde trabalhei junto ao subgrupo responsvel pelo volume de Eletricidade. Novamente estava desenvolvendo experimentos e material experimental que fariam parte do Projeto. No mesmo IFUSP, tambm trabalhei na Prateleira de Demonstrao5 de Eletricidade, um laboratrio de apoio para as aulas de teoria e tambm para os estudantes realizarem experimentos extraclasse. Ainda vinculados ao IFUSP, tive uma oportunidade mpar de acompanhar o nascimento da pesquisa formal em ensino de Fsica no Brasil, quando em 1973 ali era institudo o Mestrado em Ensino de Cincias Modalidade Fsica.

    Posteriormente, em meados da dcada de 70, ingressei no Departamento

    de Fsica da UFSC e de imediato assumi as disciplinas de Instrumentao para o Ensino de Fsica I e II, as quais leciono ainda hoje com outros colegas. Quase trs dcadas de profisso, duas delas ministrando a disciplina de Instrumentao para o Ensino de Fsica, me permitiram acompanhar de maneira muito prxima o ensino de Fsica na escola mdia e as modificaes decorrentes das diferentes legislaes. No s por fora das contingncias profissionais, mas por interesse 4 Caixas Bender eram conjuntos experimentais, fabricados pela Ind. e Com Bender Ltda. 5 A Prateleira de Demonstrao ser comentada adiante.

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    particular, sempre participei dos encontros, simpsios e seminrios sobre ensino de Fsica, particularmente aqueles relacionadas formao de professores e ao ensino mdio.

    importante um esclarecimento em relao disciplina de

    Instrumentao para o Ensino de Fsica, incorporada ao Currculo Mnimo do CFE para o curso de Licenciatura em Fsica, desde 19626. Esta disciplina tem como objetivo instrumentalizar o futuro professor para a prtica da docncia, principalmente no uso do laboratrio didtico. Sua introduo no currculo obrigatrio da Licenciatura ocorre no momento em que o PSSC estava sendo traduzido para o portugus aqui no Brasil.

    interessante registrar que a disciplina de Instrumentao nunca

    alcanou um programa definido nas vrias instituies que mantm um curso de licenciatura em Fsica. Disciplinas como as Fsicas Bsicas, as Mecnicas, Eletromagnetismo, Estrutura da Matria, etc., por serem mais antigas e tradicionais, j estabeleceram um consenso relativo a seus programas e at a uma bibliografia bsica. Quando da implantao da disciplina de Instrumentao, o texto referncia era o projeto PSSC, que ocupou esta posio por cerca de uma dcada. Este foi o perodo de maior uniformidade no programa da disciplina. Com o passar do tempo, surgiram restr ies ao PSSC e os outros projetos que passaram a ser utilizados na disciplina acabaram com a tnue uniformidade do programa de Instrumentao.

    No incio dos anos 70, o movimento dos projetos de ensino de Fsica

    nacionais, a chegada do tecnicismo e outras proposies metodolgicas foram levadas para discusso na disciplina de Instrumentao, mudando seu perfil disciplinar. Muito importante neste processo de mudana do programa de Instrumentao foi a implantao do mestrado em Ensino de Cincias no IFUSP. As discusses sobre temas de pesquisa em ensino, lideradas pelos mestrandos e pelos membros dos diferentes grupos de pesquisa em ensino, lentamente vo criando um espao para a introduo de novos temas. O 6 Currculos Mnimos dos Cursos de Nvel Superior. MEC/CFE. Braslia, 2 ed. 1975, p.236. (Parecer 296/62 de 17/12/1962).

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    crescimento do nmero de pesquisadores em ensino, a maior divulgao de trabalhos cientficos da rea e novas publicaes fizeram crescer significativamente o material bibliogrfico, possibilitando novas proposies programticas da disciplina. Particularmente, nas instituies cujo corpo docente conta com mestres e doutores, estes tm preferncia no momento da atribuio das aulas desta disciplina. Isto faz com que cada professor pesquisador, de certo modo, enfatize determinados temas de pesquisa para discusso. Mas, independentemente da variedade ou diversidade dos temas tratados, um deles sempre foi e sempre ser mantido: o laboratrio didtico. As discusses ligadas ao laboratrio didtico abrangem desde as suas diferentes modalidades at o planejamento de experimentos e a produo de equipamentos alternativos. Este fato faz do laboratrio didtico um tema quase intocvel dentro do programa da disciplina.

    No fugindo regra, tambm fiz do laboratrio didtico tema discusses

    em Instrumentao, por vezes com demasiada nfase. Tipos de experimento, alternativas de material, carter e funo do experimento, proposies de novas metodologias para aulas de laboratrio foram discutidas e, algumas vezes, testadas e implantadas. Um destaque deve ser dado s dissertaes e teses sobre laboratrio que, junto com os artigos e publicaes, forneciam subsdios s argumentaes a respeito das vantagens e desvantagens do uso do laboratrio didtico no ensino de Fsica no ensino mdio. Em suma, o laboratrio didtico sempre teve destaque em meus programas da disciplina por dois motivos, no meu entendimento, importantes: primeiro, os licenciandos somente tinham cursado as disciplinas de laboratrio, cuja nfase era o desenvolvimento de habilidades experimentais, a obteno de boas medidas, a anlise e interpretao de dados. Em segundo, a disciplina de Instrumentao com sua caracterstica hbrida, isto , reviso de contedo e concepes de ensino, era o espao ideal para discutir o laboratrio didtico do ponto de vista pedaggico, mostrando a importncia de seu uso no ensino de Fsica.

    No incio dos anos 80, o paradigma construtivista passa a orientar as

    investigaes em ensino. Investigaes sobre concepes alternativas, mudana conceitual, resoluo de problemas, entre outras, passam a dar o norte da linha

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    de investigao. O laboratrio didtico, por sua vez, continua sendo objeto de investigaes a respeito de metodologias, abordagens, prescries da maneira de utilizar um experimento, tcnicas de construo de equipamentos e uso de softwares, estes ainda de forma bastante tmida. No que concerne construo de equipamentos, a dcada de 80 foi bastante criativa, particularmente para os sucateiros (entre os quais me incluo): professores que se dedicavam confeco de material de laboratrio com sucata ou material alternativo. Esta modalidade de trabalho experimental, onde o aluno construa seu prprio equipamento, foi bastante difundida e teve um nmero expressivo de adeptos. Este movimento, se assim podemos cham-lo, tinha caractersticas muito ativistas e sua inspirao terica ainda eram os antigos projetos de ensino, nacionais e estrangeiros.

    Ao mesmo tempo, o laboratrio didtico assume o papel de instrumento

    de pesquisa, em especial junto aos investigadores que procuravam mapear as concepes alternativas dos alunos relativas a vrios conceitos fsicos.

    O acompanhamento das pesquisas em ensino de Fsica fazendo delas

    fontes de discusso em sala de aula, no fizeram com que diminusse a nfase nas discusses sobre o laboratrio didtico no ensino mdio. Entretanto, nos ltimos anos, minhas crenas e convices sobre o laboratrio didtico comearam a titubear. Atravs de conversas com colegas e constataes junto aos ex-alunos, passei a fazer uma auto-avaliao e esbocei algumas concluses que para mim, professor da disciplina, eram preocupantes.

    As discusses sobre o laboratrio didtico na disciplina de

    Instrumentao no fizeram aumentar, entre os formados na UFSC, o nmero de professores que conseguiram incorpor- lo na sua prtica pedaggica de mane ira convicta e conseqente; no entanto, o discurso a favor de seu uso permanecia.

    O encaminhamento dado nas discusses em classe e a argumentao terica utilizada no foram suficientemente fortes para convencer os licenciandos a adotar o laboratrio didtico. A motivao dos alunos era o argumento mais utilizado.

    As pesquisas relativas ao laboratrio didtico encontradas na literatura

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    apresentam, na maioria das vezes, somente metodologias e/ou abordagens especficas, muitas delas de difcil aplicabilidade em qualquer escola, ou apenas oferecem sugestes para construo de novos equipamentos, novas montagens experimentais, etc.

    Estas concluses me colocaram a pensar! Era necessrio um repensar,

    uma reflexo mais profunda e sistemtica da funo real do laboratrio didtico no processo ensino-aprendizagem em Fsica. Era preciso procurar justificativas tericas capazes de convencer o futuro professor do papel do laboratrio no processo de ensino-aprendizagem. E, no caso de no encontr- las, era imprescindvel aceitar o desafio e constru- las.

    Acredito ter esclarecido o porqu da opo em realizar um trabalho sobre

    o laboratrio didtico. De certa forma, mesmo com um atraso aparente, a questo ainda oportuna e candente. Mesmo porque estou convencido de que o laboratrio didtico, da forma como tratado e entendido, no cumpre sua funo e sua mera participao no processo ensino aprendizagem deixa muito a desejar. Como no h consenso e sistematizao a respeito do assunto, sustentarei que necessrio encontrar argumentos, sejam eles pedaggicos, psicolgicos ou epistemolgicos, que componham o cimento de uma construo terica que justifique o papel do laboratrio didtico.

    imprescindvel que o laboratrio didtico tenha uma estrutura terica

    que o justifique pois caso contrrio, no ser possvel a erradicao da idia de que o laboratrio didtico seria uma panacia. Tal concepo impregnou o prprio conceito de laboratrio didtico e se imps atravs de uma tradio.

    Quero esclarecer que o objeto de minha investigao o laboratrio

    didtico que faz parte do ensino formal, de uso nas escolas, direcionado e dirigido pelo professor a sua classe. No quero me referir aos laboratrios, salas de demonstraes, museus etc., que fazem parte de um contexto mais informal, cujo mrito e importncia so enormes. O estudo ser restrito ao laboratrio didtico formal dirigido ao ensino mdio. Outrossim, o termo laboratrio didtico no est sendo utilizado para caracterizar o espao fsico, entendido

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    tradicionalmente como o local onde se realizam experimentos. O termo ser utilizado no sentido lato de ensino experimental e dir respeito s prticas desenvolvidas nesse espao e em outros.

    A presente investigao se constituiu em cinco etapas ou captulos,

    onde o primeiro captulo foi dedicado a uma retrospectiva de textos escolares dirigidos ao que hoje chamado de ensino de mdio. Como ponto de partida, escolhi o ano de 1950 por caracterizar um perodo ps-guerra, com o fortalecimento da hegemonia americana nos pases ocidentais e uma poca que precede o movimento inovador no ensino de cincias atravs dos grandes projetos.

    Quatro grandes blocos subdividem o captulo, cada um dedicado

    anlise dos textos escolares mais representativos de um certo perodo na escola brasileira. Iniciamos com os livros didticos tradicionais da dcada de 50, procurando os indicadores da presena do laboratrio didtico e de seu funcionamento. O segundo bloco faz uma retrospectiva dos projetos estrangeiros, com especial dedicao queles que mais influenciaram o ensino de Fsica no Brasil. Iniciamos com o movimento renovador do ensino de Cincias nos Estados Unidos em 1955, que deu origem ao PSSC. Seguem-se os projetos Harvard (americano) e Nuffield (ingls). Tambm foi dada uma ateno particular ao projeto Harvard pela peculiaridade de seus objetivos serem antagnicos ao seu congnere americano PSSC. O bloco encerrado com o Projeto Piloto, de responsabilidade da UNESCO, desenvolvido no Brasil no binio 1963-64 em So Paulo. O terceiro bloco dedicado aos projetos nacionais (PEF, FAI e PBEF), todos elaborados em So Paulo no perodo de 1970-75. O ltimo bloco foi reservado para as pesquisas sobre o laboratrio didtico realizadas no Brasil. A tica que permeou esta anlise foi direcionada ao diagnstico de como se justificava o papel do laboratrio didtico nos textos e projetos para o ensino mdio. Este captulo adota um discurso um tanto descritivo, pois a inteno era oferecer um pouco mais do que uma simples anlise crua. Procurei resgatar um pouco da Histria de um perodo extremamente frtil para o ensino de Fsica.

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    O segundo captulo dedicado totalmente anlise das investigaes relacionadas ao ensino de Fsica, com foco especial naquelas que tratam do laboratrio, tomando por referncia as atas, anais e resumos dos diferentes encontros e simpsios da rea de ensino desde 1970. Para cada evento foi elaborado um pequeno resumo com o objetivo de contextualiz- lo, registrando seu tema ou temas diretores, assim como as principais atividades realizadas. Os trabalhos ou resumos publicados sobre laboratrio foram classificados segundo um conjunto de categorias de anlise construdas para este fim. A mesma sistemtica foi utilizada para apreciao das publicaes nacionais (Caderno Catarinense de Ensino de Fsica e Revista Brasileira de Ensino de Fsica). Esta espcie de radiografia das investigaes sobre o laboratrio permitiu delinear, por meio das categorias, as temticas de maior interesse e desvelar as concepes que permearam as diferentes investigaes ao longo do tempo.

    Os primeiros dois captulos permitiram antever e delinear uma

    concepo sobre o laboratrio didtico, de relativa consensualidade: trata-se de um laboratrio de investigao cientfica com suas devidas redues.

    Para entender o mecanismo da experimentao, que permite a produo

    do conhecimento cientfico e o seu modus operandi, foram realizadas algumas incurses na Histria. Por meio das contribuies de pensadores e filsofos, procurei reconst ituir a trajetria da experimentao como uma atividade historicamente construda pelos investigadores para uso exclusivo da produo do conhecimento cientfico. feita uma comparao entre a experimentao, atividade cientfica, e a experincia, atividade inerente ao ser humano, ligada ao conhecimento vulgar.

    O entendimento de que o laboratrio didtico era uma espcie de

    rplica do laboratrio de investigao e que a experimentao era uma atividade inerente produo do conhecimento, indicava que houvera, em algum momento, uma interpretao equivocada do papel do primeiro no processo de ensino. A adoo da Transposio Didtica como instrumento de anlise fez do quarto captulo o intrprete da maneira como os contedos e os procedimentos didticos se organizaram nos livros- texto escolares, caracterizando um contexto

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    que tambm inclui o laboratrio didtico. Ao final, fica delineada a existncia de uma concepo de cincia e de ensino de cincias que permeia toda a literatura escolar e, por extenso, o laboratrio didtico.

    Desvelada a concepo epistemolgica diretiva dos textos escolares e

    prticas de laboratrio, as razes da pouca eficincia ou fracasso do laboratrio didtico no processo de ensino de Fsica ficam expostas. Faz-se necessria uma reavaliao epistemolgica, para que uma nova concepo de cincia seja adotada e direcione o processo transformador em outra Transposio Didtica para os textos escolares e o laboratrio de ensino. Abraando o paradigma construtivista, apontei as justificativas e a viabilidade do laboratrio didtico, fazendo-o assumir uma funo de mediao no processo de ensino. A funo mediadora acontece no momento do dilogo didtico entre professor e estudante, onde as concepes de mundo do estudante so expostas e confrontadas com situaes cientficas. Nessa perspectiva, so construdas categorias de atividades experimentais, que constituem o novo instrumento de ensino e que procuram abranger os diferentes dilogos didticos que podem ocorrer no processo de ensino.

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    CAPTULO 1

    A LITERATURA ESCOLAR DO ENSINO MDIO E O LABORATRIO DIDTICO NO BRASIL

    1. INTRODUO Os livros- texto cumprem um papel fundamental no processo de ensino. Oferecem a seu pblico um corpo de conhecimentos que, por sua seleo e organizao, refletem um determinado padro de profundidade e extenso. Nesta trilha, poder-se- ia dizer que a adoo de um dado livro- texto um indicativo do padro de ensino na instituio escolar. Durante o sculo passado e at meados deste, a maioria dos livros didticos de Fsica tinham um formato denominado de compndio. Os compndios, se comparados aos livros didticos atuais, universitrios ou do ensino mdio, so bastante diferentes. O discurso literrio era monocrdio, e o conhecimento era estruturado de uma forma descritiva racionalmente encadeada. Entremeados aos conceitos e definies, os experimentos originais eram descritos passo a passo e, sempre que possvel, acompanhados de esquemas e desenhos. A maioria dos compndios no oferecia exerccios, problemas ou qualquer sugesto para o laboratrio. Acreditamos que era competncia do professor a preparao e realizao daqueles experimentos descritos no texto e a proposio de problemas. Em uma leitura popular, seria dito que estes livros so densos e pesados.

    Um compndio uma obra didtica elaborada, geralmente, por um nico autor. Suas origens eram as notas de aulas preparadas por seus autores, que as organizavam com o passar do tempo, resultando num livro que contemplava toda a Fsica Geral ou Clssica. A seqncia dos assuntos segue a tradio das antigas enciclopdias, que iniciam no estudo dos movimentos (Cinemtica),

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    e vo at as causas do movimento (Dinmica), Gases, Calor...etc. Os compndios de origem europia dominaram a literatura universitria e dos colgios por um longo tempo, em especial a francesa.

    Um estudo de Lorenz (1986) analisando livros didticos de cincias no perodo de 1838 e 1900 no Colgio Dom Pedro II (RJ), concluiu que Portanto, a influncia francesa sempre esteve presente nos currculos do Colgio foi, tambm, muito marcante na sala de aula devido adoo de livros didticos daquele pas. O que torna este fato mais notvel que, a influncia francesa no ensino superior diminui durante o sculo, por causa da publicao de livros didticos de cincias escritos por brasileiros. (Lorenz, 1986:432)1. Como se observa, a literatura escolar francesa, alm de sua influncia direta por longo perodo, certamente foi fonte inspiradora para os livros didticos nacionais que, por sua vez, devem ter sido fonte para a elaborao dos livros didticos do curso secundrio. Certamente o texto para secundaristas no era to denso como os compndios; no entanto, guardavam sua estrutura e formato e, na maioria das, a seqncia de contedo.

    Grande parte dos autores do final do sculo passado ou, no mximo, do incio do atual lecionavam em Escolas Politcnicas ou de Engenharia. Isso, de alguma forma, j direcionava os conhecimentos em Fsica, adequando-os e ajustando aos futuros profiss ionais. Nos primeiros captulos, nota-se uma nfase acentuada na descrio de instrumentos de medida, seu potencial de uso e o modo de oper- los. O estudo de medidas, erros e limitaes dos instrumentos tambm compunham este tpico. Em um livro de 19082, encontramos descries e gravuras a bico de pena (1032 no total) de um torno mecnico eltrico cuja configurao externa, no difere muito das atuais (Anexo 1). Se porventura algum assunto fosse de interesse profissional para os estudantes, os autores fazia m a atualizao a cada edio, porque era preciso (...) garantir a contemporaneidade dos conceitos estudados. (Lorenz, 1 extremamente instrutiva a leitura do artigo pois apresenta em detalhes a influncia dos diferentes autores e livros adotados no Colgio D.Pedro II, tomado como referncia, durante um perodo de mais de 60 anos. 2 Um compndio francs datado de 1908 em sua 24a. edio. Possui 1158 pginas e 1032 gravuras. Seu formato livro de bolso, medindo 11cmx17 cm. Seu autor George Maneuvrier com a colaborao de M. Marcel Billard. Intitula-se Trait lmentaire de Physique.

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    1986:434).

    Conforme j mencionamos, o discurso literrio dos compndios segue uma estrutura racional e linear, demonstrando um crescer de dificuldade, visto que para saber o contedo B era necessrio dominar antes o contedo A. Em linguagem atual, seria um encadeado de pr-requisitos. Esta estrutura, j estabelecida pela tradio, ainda permanece durante vrios anos nos livros- texto escolares.

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    2. OS TEXTOS DIDTICOS DO ENSINO MDIO BRASILEIRO

    Para o pblico leigo, Fsica e laboratrio tm uma relao muito prxima, a ponto de serem entendidos como sinnimos. Esta associao reflete, na realidade, uma interpretao popular equivocada que confunde o produto do trabalho do cientista com o modus operandi da produo cientfica. Na contramo do senso comum, o ensino de Fsica no mostra uma associao to imediata, ou seja quando se aprende Fsica o laboratrio quase sempre est ausente.

    Vamos voltar nossa ateno aos livros- texto e manuais escolares para o ensino secundrio, com base no que j foi discutido. Em uma breve leitura dos textos didticos, nota-se uma tendncia que incentiva ao professor centrar o ensino da Fsica na memorizao e verbalismo e, por extenso, um ensino afastado do laboratrio e das observaes empricas inerentes prpria construo da Fsica. Buscando argumentos, vamos analisar alguns autores que predominaram na dcada de 50, cujos textos detinham o aval oficial atravs da autorizao do Ministrio da Educao e Sade para publicarem seus livros.

    Anbal Freitas detinha na capa de sua coleo Fsica - Ciclo Colegial

    em trs volumes, o registro no 641 do Ministrio citado acima. O texto era editado pela Editora Melhoramentos e, em 1950, o livro para o 1 ano colegial j registrava sua 6a edio, correspondendo ao 32o milheiro impresso. O livro para o 3o ano colegial, publicado pela mesma editora, em 1960 registrava sua 11a edio e seu 57o milheiro (Anexo 2). Outro autor, tambm bastante conhecido, Francisco Alcntara Gomes Filho, publicava pela Companhia Editora Nacional (SP) e em 1956 j tinha chegado 10a edio do volume de Fsica para o 2o Colegial. No obtivemos a tiragem desta obra, mas o registro do volume em nossas mos o de no 6310. Em 1958, o volume Fsica para o terceiro ano colegial do mesmo autor alcanava a 4 edio. Outra coleo bastante conhecida a Coleo Didtica FTD, dos Irmos Maristas, com trs volumes para o Curso Colegial. A Congregao Marista nasceu na Frana e, por isso a orientao de seus textos segue muito de perto o modelo francs de ensino. Dos textos para o colegial desta poca, esta coleo a que mais se

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    aproxima das estruturas de compndio do modelo europeu. O contedo tratado nos livros citados, em especial os editados ps 1951,

    deveria respeitar as Portarias no 66 de 21/10/51 e de no 1045 de 14/12/51 do MEC, que prescreviam os novos programas de Fsica para o curso Colegial. O contedo destes livros, se comparado aos modernos, deixa os saudosistas perplexos. A quantidade de tpicos tratados considervel e ampla, permitindo ao estudante, pelo menos, ter acesso a um conjunto de informaes significativas relativas Fsica. Na leitura do ndice do programa do 3 colegial (vide Anexo 3) encontramos temas que dificilmente fariam parte dos livros-texto atuais. O ltimo captulo do livro de Alcntara Filho trata, em 42 pginas, dos seguintes itens (reproduzidos conforme ndice):

    Oscilaes eltricas Ondas eletromagnticas Rdio comunicao Radiofonia Televiso Conduo dos slidos nos gases Potencial explosivo Descargas nos gases rarefeitos Raios catdicos Oscilgrafos catdicos Microscpio electrnico

    Raio X Amplas de raio X Raios canais Emisso termo-inica Triodos Efeito foto-eltrico Constituio de matria Radiatividade Teoria da relatividade Teoria da matria Teorias da Luz

    Para efeitos de comparao, tomamos o livro do 3 ano, Fsica, da coleo

    dos Irmos Maristas, editado pela FTD (1966), que oferece o seguinte contedo no seu ltimo captulo:

    Campo magntico das correntes Induo eletromagntica Geradores mecnicos de corrente contnua Unidades eltricas Correntes alternadas Oscilaes eletromagnticas. Ondas eletromagnticas Descargas eltricas

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    Uma anlise mais atenta da aparente reduo de tpicos do livro da FTD (Anexo 4) mostra que, sob o ttulo maior de Oscilaes Eletromagnticas. Ondas Eletromagnticas so encontrados subitens como a TV, vlvulas, trodos, telefonia etc., enquanto que o subttulo Descargas Eltricas trata de todo tipo de emisso em tubos de baixa presso (Tubo de Crookes). O autor encerra o captulo tratando do modelo atmico e partculas. Existe, portanto, uma equivalncia entre os itens tratados em ambos os livros. Com maior ou menor extenso, todos so cotejados, mantendo o mesmo conjunto de informaes. Uma diferena, a favor de Alcntara Filho, que a publicao da FTD no faz qualquer meno Relatividade.

    Quanto profundidade com que os tpicos so tratados, permanece-se no nvel da noo ou da introduo, o que, de um certo ponto de vista, deixa a desejar; porm, de outro, permite a discusso de assuntos ditos atualizados. A aparente superficialidade resultar, por certo, na criao de oportunidades de discusso em classe, alm de proporcionar ao estudante o conhecimento de uma outra concepo da natureza, diferente da tica newtoniana. Permite quebrar o paradigma determinista por meio dos tpicos Fsica Moderna e Relatividade. Sem dvida, se faz urgente o resgate dos contedos dos antigos textos, com a devida modernizao de linguagem e de material instrucional.

    Entretanto, ao mesmo tempo em que trata de assuntos atualizados, os

    livros didticos analisados incluem tpicos que fogem totalmente das concepes modernas da Fsica, como, por exemplo, o tratamento do campo magntico gerado por ms como um fenmeno devido ao de massas magnticas. O livro 3 da coleo FTD, trata o magnetismo e a ao entre ms (fora magntica) como uma extenso da Lei de Coulomb para o Magnetismo, definindo o que se entende por massa magntica. No Anexo 4 reproduzimos o texto que trata deste tpico.

    De todo modo, esta quantidade de informaes, cuja profundidade pode

    ser questionada, deixa transparecer uma certa concepo de ensino, onde prevalecia a quantidade de informaes e descries, agregando um processo de

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    avaliao que valorizava a memorizao e o verbalismo descritivo. Alguns nem ofereciam exerccios/problemas3 para os alunos resolverem, seguindo muito de perto a tradio dos compndios.

    A elaborao desses livros parece seguir uma estrutura mais ou menos

    comum, pois explora a descrio de equipamentos e experimentos atravs de desenhos, esquemas etc. Artifcio que, de certo modo, d a conhecer ao estudante um laboratrio e equipamentos imaginrios, se assim podemos denomin- los. Nesta concepo, o laboratrio didtico centrado em demonstraes feitas pelo professor seria passvel de dispensa, sob o argumento de que o texto j oferece descries experimentais em detalhes. Mesmo assim, mantinha-se um certo proselitismo em relao ao uso do laboratrio. A leitura do texto introdutrio do volume de Fsica da FTD para o 3 ano colegial (1963), intitulado Orientao Programtica4, confirma o discurso didtico.

    3 o caso dos livros de Francisco Alcntara e Anbal Freitas. Freitas ainda apresenta alguns exemplos numricos ao longo do texto, mas no oferece problemas ao final do captulo. 4 Os grifos em negrito foram feitos para chamar a ateno e so nossos. A reproduo foi feita por scanner, preservando integralmente o texto original, sendo que apenas recursos de fonte, negrito e sombra foram aplicados.

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    ORIENTAO PROGRAMTICA

    O tipo atual de exame vestibular de Fsica para os candidatos a engenharia, medicina, etc., tem prejudicado imensamente o ensino da Fsica no curso secundrio. Consoante a opinio do ilustre professor padre Aloysio Vienken, S.V.D., que leciona Fsica h mais de 30 anos, os nossos mtodos so antiquados, pois a maioria dos professres, preocupados com os vestibulares, ensinam apenas Fsica terica, Fsica de giz na lousa escolar, obrigando o estudante a decorar frmulas e questes matemticas, desleixando completamente a parte prtica, jamais ilustrando as aulas com experincias. Com isso o aluno perde o estmulo e atrativo pela matria. Resultado: falta de iniciativa nas cincias e nas pesquisas, falta de fsicos autnticos, de que o Brasil tanto necessita para vencer o estgio de subdesenvolvimento.

    Felizmente est havendo reao por parte de muitos professores do curso secundrio. O desenvolvimento da tcnica, nos ltimos anos, exigiu a hodiernizao do ensino da Fsica. Acompanhando sse desenvolvimento, a Firma "Otto Bender" apresenta novos conjuntos Bender para o ensino da Fsica pela experincia, fabricados com a colaborao do Padre Aloysio Vienken, S.V.D., e conforme as diretrizes que vm sendo adotadas nos pases mais desenvolvidos, bem como pela CADES (Campanha de Aperfeioamento e Difuso do Ensino Secundrio), do Ministrio da Educao e Cultura. Todos sses conjuntos esto acompanhados de fichrio explicativo, com muitas experincias elaboradas. O programa de tais conjuntos "Bender" consta de 1) conjuntos fundamentais para cincias (Fsica, Qumica, Hist. Natural, Geografia e Desenho), destinados ao curso ginasial; 2) conjuntos individuais para o curso colegial: mecnica dos slidos, dos lquidos e dos gases, acstica, tica, termologia, eletricidade. Cada conjunto vem acondicionado em estjo de madeira. Todo sse material pode ser adquirido na "Indstria e Comrcio Bender Ltda"., rua Santa Ifignia, 89, 6.o andar, cidade de So Paulo.

    A observao e a experincia nos ensinam que o lho humano 15 vzes mais sensvel ao estudo do que todos os outros rgos em conjunto. sse fato utilizado em larga escala pela pedagogia contempornea a fim de melhorar o ensino. Ao invs de longas e cansativas explicaes verbais do professor, hoje se emprega o mtodo direto da demonstrao pelas projees de diafilmes ou diapositivos que fixa a matria na inteligncia do aluno, sem cansao perceptvel e com maior proveito.

    O padre Aloysio Vienken disse: O problema nmero um do nosso progresso material e da formao cientfica da nossa juventude o ensino experimental da Fsica no curso secundrio.

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    De maneira nada crtica, a leitura do texto acima poderia ser feita e entendida sob dois aspectos, desde uma sutil propaganda do material instrucional da Indstria e Comrcio Bender Ltda at um manifesto nacionalista convocando jovens para serem cientistas em nosso pas.

    Ultrapassando a leitura publicitria acreditamos que o texto altamente instrutivo na medida em que, ao retratar um pensamento da poca, aponta idias que, quase quarenta anos passados, ainda persistem no contexto escolar em geral. A crtica bastante antiga e seu discurso permanece. A afirmativa sobre o vestibular parece continuar to vlida hoje como naquele tempo, podendo ser expandida aos demais estudantes, que desde muito cedo assumem o papel de candidatos ao ingresso na universidade.

    A autocrtica dos autores chama ateno quando mencionam os mtodos antiquados utilizados nas aulas de Fsica; a predominncia da Fsica de giz e os professores que apenas se preocupam com vestibular; a valorizao do decorar de frmulas e questes matemticas, deixando de lado a parte prtica, jamais ilustrando as aulas com experincias. (sublinhado nosso). A rigor, estaremos de acordo com as afirmaes, ainda hoje vlidas. Para nossos objetivos, instrutivo verificar que o texto explcito quanto s formas de uso do laboratrio didtico: o mtodo direto da demonstrao e a ilustrao das aulas. Fica claro que o laboratrio didtico era entendido como componente didtico complementar ao ensino, justificando-se o seu uso em substituio verborragia das descries e explicaes do professor.

    So indiscutveis a representatividade e importncia destas obras no ensino de Fsica at os anos 60. Alm de direcionar o contedo em profundidade e extenso, tambm induziam uma prtica didtica e uma forma de avaliao que valorizava a memria e o verbalismo. Estes aspectos pedaggicos so comentados por Hamburger (1982), em seo do V SNEF, na qual resgata os principais eventos relacionados com o ensino de Fsica no Brasil. Atravs de um relato histrico, tece a cronologia dos mais importantes acontecimentos desde 1934. Chama a ateno quando cita que,

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    em 1953, no ITA/So Paulo, foi realizado o I Curso para Aperfeioamento de Professores de Fsica do Ensino Secundrio, patrocinado pelo MEC. A durao do curso foi de um ms, constando de conferncias, trabalhos de laboratrio realizados pelos professores-alunos, visitas a instituies de pesquisa, trabalhos de grupos com a participao dos organizadores. Cita ainda que, em 1955, foi realizado o segundo curso e, o mais importante, que Em ambos os cursos foi dado nfase na experimentao , recomendando-se um ensino para compreender e raciocinar contra o verbalismo e memorizao. (Hamburger, 1982:195)

    de interesse histrico conhecer-se os organizadores, conferencistas e professores-alunos destes cursos, pois a maioria deles teve, e alguns ainda tem, forte influncia no meio acadmico. So citados entre os organizadores os professores P. A. Pompia, L. Cintra do Prado, A. de Moraes, J. Tiommo e A. H. Madsen. O corpo de conferencistas era formado pelos professores D.R. Collins, D. Bohm, R. Feynman, J. Costa Ribeiro e Oscar Sala. Dentre os professores-alunos mais conhecidos, encontramos Beatriz Alvarenga, J. Israel Vargas e A. Teixeira Junior. Os objetivos destes cursos ocorridos h quase meio sculo, vo de encontro e ressaltam que o laboratrio didtico era entendido como um aposto dentro do processo ensino-aprendizagem. A citao acima vem confirmar que a concepo educacional vigente se mostra mais preocupada com o exerccio da retrica e da memria do que com a formao do estudante.

    Entretanto, mesmo aps estes cursos, as alteraes no processo de

    ensino no se mostraram to significativas ou revolucionrias, quanto se poderia esperar, pelo menos no que concerne ao uso do laboratrio didtico. Entre os alunos do primeiro curso, dois deles tornaram-se autores de livros-texto para o ensino mdio: Beatriz Alvarenga e Antonio S. Teixeira Jr.

    Teixeira Jr. publicou o livro Fsica Curso Colegial/ segundo volume

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    (Ed. Brasil S/A - SP)5. Alvarenga em co-autoria com Antonio Mximo, publica em 1970, o livro texto Fsica, volume I, pela Ed. Bernardo Alvares S. A. Alvarenga e Mximo registram no Prefcio (p. 5) que (...) nos propusemos a organizar um programa completo de ensino de Fsica para as escolas secundrias, com livros-textos para os estudantes, guias para os professores, guia de laboratrio, materiais auxiliares de ensino de modo geral, etc. Nossa inteno fazer um trabalho que, sendo moderno, pois d nfase s leis gerais, reduz a informao ao mnimo necessrio, procura desenvolver o gosto pela experincia e o raciocnio lgico (grifos nossos). Os mesmos autores, no Manual do Professor para o texto de Fsica (vol. I), editado em 1972 pela mesma editora, em sua pgina inicial, sob o ttulo Ao Professor, informam: Prosseguindo nosso projeto de desenvolver um programa completo de ensino de Fsica para as escolas secundrias brasileiras, aps publicarmos os livros textos de Fsica, em trs volumes, lanamos, agora o Manual do Professor, tambm em trs volumes, esperando que, no prximo ano, possamos completar nossa srie, publicando o Guia de Laboratrio (grifo nosso). Alm deste compromisso, o Manual do Professor se exime de qualquer referncia ao uso do laboratrio didtico ou a experimentos didticos, dedicando-se unicamente a apresentar a soluo dos problemas do livro texto. O mencionado Guia de Laboratrio parece no ter sido elaborado; em todo caso no foi colocado disposio dos professores. Sejam quais forem as razes que determinaram a no elaborao do Guia, importante perceber que, de certa forma, o laboratrio didtico no manteve o prestgio que aparentemente lhe fora atribudo no prefcio citado acima.

    Se compararmos o Prefcio do Manual do Professor, dos mesmos

    autores, em sua 3 edio, 1995, (Ed. Harbra) vinte e trs anos aps a edio do primeiro Manual, encontrado no item 3, p. VI, a seguinte orientao: Nunca demais salientar a import ncia do trabalho experimental em um curso de Fsica. As experincias que apresentamos em nossos livros podem ser feitas, em sua maioria, com material caseiro. Desta maneira, sem se sobrecarregar demasiadamente com o trabalho de laboratrio, o professor tem condies de

    5 Temos em nosso poder o volume de nmero 2114 da 8a edio de 1966.

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    dar aspectos experimentais ao seu curso, exigindo que os alunos realizem e interpretem aquelas experincias. (grifo nosso)

    Este item explicita o valor do trabalho experimental, de modo

    perfeitamente coerente e adequado a um discurso pedaggico relativo ao laboratrio (material caseiro de baixo custo) e a sua funo. Todavia, na seqncia da leitura, o item 8 do Prefcio prescreve Sugerimos que as atividades a serem desenvolvidas pelos estudantes que acompanham nosso Curso de Fsica sejam realizadas com a seguinte ordem de prioridade: leitura do texto, exerccios de fixao, exerccios de reviso,Tpico especial, experincias, problemas e testes, problemas suplementares. Em casos de carga horria reduzida, o professor poder planejar seu curso chegando apenas aos exerccios de reviso e incluindo alguns Tpicos Especiais e experincias mais simples. (grifos nossos). Mais adiante encontramos outra recomendao para os professores indicarem quais atividades os alunos devem fazer em casa, inclusive experincias. No entanto, faz a ressalva que ...dentro do possvel.. tais atividades devero ser analisadas e interpretadas pelo professor em sala de aula. O exemplar analisado de Teixeira Jnior no apresenta Prefcio, eliminando quaisquer orientaes didtico-pedaggicas por parte do autor com referncia ao uso do texto em classe. Isso nos leva a concluir que o texto deveria ser utilizado dentro das prticas tradicionais: a memorizao e verbalizao. A seqncia de contedo extremamente tradicional: texto com os conceitos e definies concernentes ao tpico, a descrio de algumas experincias histricas, as respectivas frmulas, exemplos resolvidos, exerccios e um questionrio. No so feitas referncias a atividades relacionadas ao laboratrio didtico no corpo do texto (reproduo de parte do texto no Anexo 5). Silva e Hosoume, 1997:358) confirmam nossa anlise ao comentar que O livro Fsica de Teixeira Jnior, de 1953, se prope como obra que objetiva adequar-se aos programas e ev itar prolixidades. As divises propostas ao contedo so as que vimos atualmente nos livros didticos: Mecnica, Fsica Trmica, ptica e Eletricidade e Magnetismo. O contedo desenvolvido dentro dos captulos em itens no numerados que abordam um

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    nico tpico. A ilustrao feita por desenhos esquemticos relacionados, na maioria das vezes a exerccios de aplicao.(...) A obra extremamente formal e o tratamento abstrato deixa de lado discusses conceituais detalhadas. Se admitirmos, a priori, que os livros- texto so, em geral, indicadores do processo ensino-aprendizagem que ocorre em sala de aula, fcil concluir que o laboratrio didtico no foi marcante nem se mostrou significativo para o ensino da Fsica, no ciclo colegial. Portanto, o objetivo dos organizadores do curso de 1953, que almejavam quebrar o processo mecnico de verbalizao e memorizao, alm de implementar o laboratrio didtico, no ocorreu. A introduo de uma concepo mais arrojada e ligada ao desenvolvimento do raciocnio e compreenso, aliada a outros mecanismos de avaliao e ao uso do laboratrio didtico, no apresentou a repercusso ou influncia desejada. O simples uso do laboratrio, com o objetivo de minimizar a quantidade de descries experimentais dos textos, no foi alcanado. Percebe-se que, por mais esforos que tenham sido empreendidos para mudar a trajetria do ensino, dois aspectos foram mantidos: a didtica tradicional e o discurso sobre o laboratrio didtico. Este discurso , em sua essncia, contraditrio, pois, ao mesmo tempo em que enaltece o uso do laboratrio, coloca-o como uma das ltimas prioridades, podendo ser, em ltima anlise, dispensvel. Deve-se lembrar que sua total, ou quase total, ausncia se justificava pela falta de equipamentos, pela falta de tempo, pelo tumulto disciplinar em classe, etc.

    ingenuidade pensar que somente os livros didticos foram os responsveis pela no divulgao e uso do laboratrio didtico. Certamente so os mais responsveis, mas no os nicos. Fatores outros tambm interferiram para a sua dispensa. Os antigos laboratrios escolares, com sala ambiente prpria, possuam um acervo de material experimental restrito, geralmente, a um exemplar de cada experimento, implicando que a prtica experimental se resumisse em demonstraes realizadas pelo professor. Estes equipamentos eram importados, pois a indstria nacional, se existia, era incipiente. Alm de seu custo ser significativo, a quebra ou extravio de um equipamento constituam problemas enormes, e por isso o material era de uso exclusivo do Professor.

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    A dependncia dos livros- texto escolares em relao ao modelo europeu

    e a escassez de materiais experimentais levou vrias instituies nacionais a tentar mudar este quadro, elaborando material instrucional mais adequado realidade educacional brasileira. Entre estas instituies estava o IBECC Instituto Brasileiro de Educao Cincia e Cultura - fundado em 1946 em So Paulo. O IBECC certamente foi o grande lder na produo de material instrucional de Cincias. A partir dele foram criados os Centros de Treinamento de Professores de Cincias em vrios estados brasileiros (CECISP, CECIGUA, CECIRS...e outros)6 e a FUNBEC - Fundao Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Cincias7.

    Para se ter uma idia, em 1952 (Barra e Lorenz, 1986) o IBECC j produzia os primeiros kits de Qumica para o 2o grau (atual ensino mdio), seguidos pelos de Fsica e Biologia. Tambm foram elaborados textos para acompanhar os respectivos kits. Na dcada de 60, surgiram os grandes projetos8 de ensino (BSCS, de Biologia; PSSC de Fsica; Chemistry e CHEMS de Qumica). Ele tambm foi sede da elaborao do Projeto Piloto, que reuniu professores de vrios pases da Amrica do Sul. Barra e Lorenz (1986) fazem uma retrospectiva detalhada das atividades do IBECC no perodo de 1950 a 1980 e seus desdobramentos. A linha diretora que norteava as atividades do IBECC era (...) nfase na vivncia pelo aluno, do processo de investigao cientfica porque Esta viso de cincias como processo no se refletia nos livros didticos at ento utilizados em nossas escolas. (Barra e Lorenz, 1986:1982)

    Mesmo com o esforo que a equipe do IBECC empregava na produo de

    materiais adequados e acessveis, treinamento de professores e traduo de textos, entre outras iniciativas, (...) no que se refere especificamente melhoria da aprendizagem, os resultados demonstram que em geral, os mesmos ficam aqum do esperado. (Barra e Lorenz, 1986:1982) 6 CECISP - Centro de Treinamento de Professores de Cincias de So Paulo. As letras CECI passaram a ser o prefixo dos centros de cincias e ao final era adicionada a sigla do estado brasileiro correspondente. 7 O FUNBEC atuava junto ao IBECC para a comercializao do material produzido pelo IBECC. 8 Os projetos de ensino de Fsica sero discutidos adiante.

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    Do lado comercial, a empresa Firma Otto Bender de So Paulo, inicia,

    nos anos 60, a produo de material experimental para laboratrios de Cincias e Fsica. Coube ao Pe. Aloysio Vienken, S.V.D. a consultoria cientfica empresa e a divulgao do material junto aos Professores. No pice de sua produo, em meados da dcada de 60, a empresa mantinha um nibus como uma espcie de laboratrio mvel, onde o Pe. Aloysio ministrava os cursos sobre o uso do material Bender. Os equipamentos e dispositivos eram acomodados em caixas, permitindo a montagem de um nmero considervel de experimentos relativos aos grandes temas da Fsica. Os conjuntos Bender se compunham de Mecnica (duas caixas); Hidrosttica (uma caixa); Termologia (duas caixas); tica (duas caixas) e Eletricidade (duas caixas).

    Na dcada de 70, muitas foram as escolas que adquiriram este material e

    ele tornou-se relativamente conhecido. Algumas Secretarias de Educao fizeram aquisies de lotes de vrias caixas Bender e distriburam s suas escolas. Com estas caixas, o professor poderia realizar mais de uma centena de experimentos, qualitativos ou quantitativos, mas sempre de forma demonstrativa. A sugesto do Livro de Experincias que acompanhava os conjuntos experimentais, era que os experimentos fossem realizados ao fim da unidade terica, caracterizando tpicas prticas experimentais de comprovao.

    Esta viso do uso do laboratrio didtico perdura at meados dos anos 60, quando se inicia a era dos grandes projetos de ensino de Fsica. Ocorre ento uma mudana significativa no ensino de cincias e, em particular, na valorizao do laboratrio e das prticas experimentais. Mesmo assim, Hamburger (1982:199) encerrando seu retrospecto histrico sobre o ensino de Fsica no Brasil, afirma: A nfase no ensino experimental da Fsica, to propalada em praticamente todas as reunies, no passou para a sala de aula. Estamos hoje [1986] em relao a este ponto em situao muito prxima quela de 1953, poca do I Curso de Aperfeioamento para Professores de Fsica do Ensino Secundrio.

    E hoje, aqui no Brasil, como estamos?

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    3. A ERA DOS GRANDES PR OJETOS

    Em 1955, iniciou-se nos Estados Unidos um movimento de renovao do ensino de cincias experimentais, que se estendeu, posteriormente, Europa e aos demais continentes (frica, sia e Amrica Latina), compreendendo mais de cinqenta pases. O desencadeamento deste movimento de renovao pode ser atribudo ao PSSC, um dos mais reconhecidos currculos de Fsica do mundo. Alm do PSSC, o pioneiro dos novos currculos, a Universidade de Harvard, apresenta outra proposta curricular atravs do Project Physics Course. Na Inglaterra, o movimento renovador se concretiza atravs do projeto Nuffield Physics. A UNESCO promove no Brasil a elaborao do Projeto Piloto, cujo tema era Fsica da Luz. No Brasil o PEF Projeto de Ensino de Fsica, o FAI Fsica Auto Instrutiva e o PBEF Projeto Brasileiro de Ensino de Fsica so frutos nacionais da semente inovadora do pioneiro PSSC. Cada um destes projetos ser discutido nas prximas sees. O perodo ou, como denominamos, a era dos projetos, foi extremamente frtil e, sob certos aspectos poderia, guardadas as propores, ser equiparada a uma revoluo industrial. A dinmica organizacional e didtica que envolveu a elaborao desses projetos, foi revolucionria frente ao que j se tinha feito em relao a propostas educacionais na rea de cincias. A disseminao desses projetos nos mais diferentes pases, com suas abordagens metodolgicas quebrando a estrutura monoltica dos antigos textos escolares, encontrou eco junto aos professores. Por conseguinte, promoveu um incentivo enorme s investigaes em ensino, estimulando um maior nmero de profissionais a se dedicarem a ela. O resultado, hoje dia, mostra uma rea de pesquisa madura, com vrios cursos de ps-graduao e com um nmero crescente de investigadores.

    Entre as modificaes contidas nas propostas didticas dos diferentes projetos, constata-se uma nova seqncia para os contedos; novos objetivos educacionais, agora mais explcitos; a adoo de novas metodologias e tcnicas

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    de ensino; um laboratrio didtico muito ligado aos contedos e um comportamento mais ativo do aluno. Do ponto de vista desta investigao, o resgate destes projetos de extrema importncia visto que, na proposta pedaggica de cada um deles, o laboratrio didtico est presente e contextualizado. Esta contextualizao parece ter, pela primeira vez, alguma justificativa para o seu uso dentro do espao didtico. nesta perspectiva que faremos uma releitura dos diferentes projetos: procuraremos extrair as justificativas que fizeram com que o laboratrio didtico fosse includo no processo de ensino de cada projeto. Cada projeto ser avaliado isoladamente, registrando as principais referncias ao laboratrio para convergir uma anlise final.

    3.1- Physical Science Study Committee - PSSC O maior representante do movimento inovador no ensino de cincias foi o projeto de Fsica do Physical Science Study Committee, mais conhecido pela sigla PSSC, iniciado em 1957 nos EUA. Sua traduo para o portugus foi liderada por uma equipe de professores do IBECC9 entre 1961 e 1964, na Universidade de So Paulo. O PSSC teve o mrito de modificar substancialmente a percepo do que se entendia por ensino de Fsica at aquela poca. Independente dos motivos poltico- ideolgicos que justificaram sua elaborao, a proposta metodolgica foi revolucionria. Um texto totalmente diferenciado, utilizando uma linguagem moderna, apresentava um seqencial de contedo novo e incorporava tpicos pouco explorados no corpo dos textos tradicionais. Questes abertas foram inseridas no prprio texto e o laboratrio passa a fazer parte integrante do curso. A prtica experimental tinha sua insero, medida que fazia a inter- relao com a teoria no desenvolvimento da Fsica. Como novidade, filmes, produzidos especialmente para o projeto, so agregados como ferramentas de ensino. O contedo aliado a uma dinmica metodolgica, que por sua vez fazia

    9 IBECC Instituto Brasileiro de Educao, Cincia e Cultura.

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    uso dos diferentes recursos j enumerados, se faz presente concomitantemente em todos os momentos do curso. Desta forma, a novidade maior do PSSC estava na pluralidade de seus meios e no sincronismo de sua aplicao. A participao ativa do estudante era estimulada pelas discusses promovidas pelo professor atravs de questes abertas, manipulao experimental, etc. Com relao ao programa de laboratrio contido no PSSC, observa-se, para a poca, um espetacular avano. Dos cinqenta experimentos que compem seu acervo bsico, alguns so de natureza qualitativa e outros so quantitativos. importante destacar que muitos dos experimentos, do ponto de vista didtico, so novidades. Entre eles destaca-se o tanque de ondas, para o estudo de ondas. So experimentos que, alm de fugir das tradicionais experincias demonstrativas, so inovadores na concepo do seu design. (Anexo 6)

    Uma das premissas da proposta do PSSC era fazer com que o estudante tivesse uma participao mais ativa em todas as atividades, exigindo que todos os alunos realizassem o experimento ao mesmo tempo. Do ponto de vista estrutural, essa exigncia criou a necessidade de produzir e oferecer equipamentos que se caracterizavam pela simplicidade e robustez (Barra e Lorenz, 1986). A simplicidade diminua o custo e a robustez permitia a manipulao pelos prprios alunos. No incio do projeto, foi o envolvimento dos alunos na construo de seus prprios equipamentos, idia posteriormente afastada. A organizao final dos equipamentos resultou em pequenos kits10.

    Os experimentos eram acompanhados de guias de laboratrio, mas com

    outra configurao, isto , afastando-se das conhecidas frmulas cook-book11. Sua funo era fornecer instrues explcitas sobre o funcionamento do equipamento, acompanhado de questes que direcionavam a execuo experimental, sem prender-se em demasia nos detalhes do procedimento e sem

    10 Os kits experimentais tornaram-se bastante conhecidos, por se constiturem em caixas que continham o equipamento bsico necessrio para os experimentos. A idia foi adotada por diversos projetos de ensino. 11 Cook-books so roteiros para a realizao de experimento, onde o estudante deve seguir instrues detalhadas e seqenciadas, extremamente limitados pela pouca flexibilidade oferecida ao aluno.

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    oferecer informaes vagas que comprometessem o objetivo da experimentao. Pretendia-se que o laboratrio fosse (...) um meio direto de ensino, contribuindo com seu trabalho de experimentao para o desenvolvimento do pensamento fsico e para apreciao do mtodo cientfico. (Carvalho, 1972:19)

    O Guia de Laboratrio Notas de Laboratrio parte integrante do

    Guia do Professor - Parte I e contm apenas trs pginas que explicitam a expectativa dos autores em relao ao laboratrio. As Notas de Laboratrio foram elaboradas por cerca de 7 professores coordenados pelo Prof. Uri Haber-Schaim e outros colaboradores que procuraram deixar bastante claro, o papel do laboratrio e suas atividades no PSSC, quando afirmam que (...) laboratrio no substitui somente demonstraes do professor, como tambm economiza o tempo despendido, nas aulas, com explicaes. O trabalho de laboratrio se relaciona bastante com o livro texto, e de igual importncia (Guia do Professor, 1967: 197 - grifo nosso). Esta frase extremamente significativa e de grande importncia pois determina o principio didtico-pedaggico assumido pelos autores. Coloca o trabalho de laboratrio no mesmo patamar de valorizao que o trabalho de contedo terico e impe um papel mais ativo para o aluno. Alm disso, oferece um significado didtico para sua incluso na composio estrutural do programa de Fsica.

    Outra inovao, se compararmos a nova abordagem com o uso

    tradic ional do laboratrio como elemento demonstrativo/confirmativo, est na recomendao de que os experimentos sejam realizados antes de seus tpicos serem apresentados no texto. primeira vista, pode parecer que est sendo explorada a faceta da motivao.

    Provavelmente sim. Entretanto, os autores deixam claro que se, no incio,

    os alunos no dominam de pronto os aspectos a serem observados e relatados, com o passar do tempo passaro a apreciar a realizao de experimentos e discutir resultados que outros (cientistas) j encontraram.

    Houve um cuidado em diminuir, seno eliminar, o exagero dado s

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    habilidades manipulativas no laboratrio. A obsesso de preciso nas medidas experimentais foi bastante atenuada, pois a (...) preciso exigida determinada pelo conhecimento que voc tinha antes da experincia e pela finalidade da experincia. (Guia, 1967: 196) Se a determinao de um dado valor desconhecido obtido experimentalmente chegar relativamente prximo ao valor aceito como padro, isto sinnimo de sucesso pois, para quem desconhece o valor correto, o valor encontrado j se configura no enriquecimento do conhecimento. Sustentam ainda que, muitas vezes, desnecessrio afinar a preciso das medidas, pois a finalidade da experincia no o valor numrico encontrado e sim a discusso de sua validade.

    Uma sugesto agradvel, tanto para os professores quanto para os alunos,

    feita em relao ao relatrio experimental. Freqentemente, o relatrio uma tarefa desagradvel, no s para o aluno que precisa escrev-lo, como para o professor que precisa l-lo. Recomendamos a cada aluno que mantenha suas anotaes bem feitas, tomando-as durante a experincia. Somente em raras ocasies, uma experincia deve ser escrita em forma de relatrio. (Guia, 1967:197 - grifo nosso). Esta recomendao, por certo, fugia regra predominante de elaborao de um relatrio experimental tradicional.

    Uma frase constante no Guia do Professor Notas de Laboratrio,

    resume, em nosso entendimento, a concepo que os autores pretendiam transmitir aos professores adotantes do PSSC, referente ao papel do laboratrio no contexto do curso: O valor de cada experincia grandemente aumentada, se feita no momento correto. (Guia, 1967:197)

    inquestionvel o aspecto inovador e revolucionrio do PSSC. O

    programa proposto incorpora contedos nunca tratados nos programas tradicionais, alm de incorporar toda uma gama de metodologias de ensino nunca utilizadas de maneira simultnea. Seu pioneirismo ainda hoje deve ser respeitado pelo que representou para o ensino de Fsica, cuja histria pode ser dividida em antes e depois do PSSC. Mesmo seus opositores no negam o seu papel instigador e promotor de novas opes metodolgicas para o ensino.

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    O PSSC foi tambm, num certo sentido, um marco de incoerncias. Se no obteve o sucesso esperado e desejado no ensino secundrio americano, foi o projeto de Fsica mais disseminado por meio de inmeras tradues, inclusive para o russo, demonstrando um sucesso mundial. No Brasil, sua porta de entrada foram as disciplinas de Instrumentao para o Ensino de Fsica, formando toda uma gerao de professores. Muitos deles exerceriam, no futuro, grande influncia no ensino e na pesquisa em Fsica. Se houve algum sucesso do PSSC no Brasil, ele ficou restrito aos cursos de formao de professores. Anna Maria P. Carvalho, em sua tese O Ensino de Fsica na Grande So Paulo, de 1972 analisa com detalhes a adoo do programa do PSSC por alguns professores de escolas da grande So Paulo. Chamam a ateno suas concluses constatando que os professores tiveram forte influncia do PSSC, mas o nmero de adotantes foi muito pequeno. As razes so vrias, mas a predominante a falta de condies bsicas como, por exemplo, salas para o laboratrio, os kits experimentais, os filmes e o equipamento necessrio para projeo. Entretanto, chama a ateno o fato de que mesmo no adotando o PSSC, uma enquete revelou que houve uma melhora no ensino de Fsica, seja pelo fato dos professores escolherem com mais cuidado o livro- texto, seja por outras metodologias utilizadas em sala de aula. Essa mesma enquete acusou um uso mais freqente do laboratrio didtico e a introduo de tcnicas de discusso. Em suma, houve uma mudana de comportamento do professor, que procurou colocar em uso algumas das metodologias introduzidas no programa do PSSC. Carvalho apresentou a hiptese de que A introduo do PSSC em nosso meio educacional provocou uma mudana no ensino de Fsica e que esta mudana ocorreu, principalmente, na metodologia empregada (Carvalho, 1972: 136), confirmada pelos resultados de sua enquete. Outra concluso que Carvalho apresenta diz respeito influncia do PSSC nos projetos de ensino de Fsica em elaborao no Brasil. (Carvalho, 1972: 137) Esta, certamente, foi a mais duradoura das influncias do PSSC: aquela exercida sobre os docentes que se envolveram em pesquisas em ensino de Fsica quando da produo dos projetos brasileiros.

    O PSSC permanecer na histria do ensino da Fsica como uma das

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    maiores fontes de inspirao de inovaes e investigaes para o ensino de Fsica. Ser a favor ou contrrio proposta do PSSC , no mnimo, reconhecer e aceitar seu papel histrico, como instrumento modificador de uma viso pragmtica e tradicionalista no ensino de Fsica. A dinmica proposta de um curso com discusses e atividades dos alunos em classe, viso moderna do contedo ministrado e um laboratrio didtico participativo, sem dvida demarcou novos procedimentos didticos para serem, seno adotados, no mnimo estudados para futuras propostas.

    3.2 - Project Physics Course12 (Projeto Harvard) Ao final de uma reunio da Fundao Nacional de Cincia 13 em 1963,

    Gerald Holton, fsico, James Rutherford, professor de fsica na escola secundria e Fletcher Watson, educador, aceitaram o desafio de iniciar um novo projeto nacional de Fsica nos Estados Unidos (Holton, 1979). A idia era elaborar uma nova proposta curricular para o ensino americano.

    O objetivo do trabalho era oferecer uma alternativa ao projeto PSSC. Dos

    nomes c itados, os dois primeiros j estavam trabalhando em textos para o ensino secundrio. Essa experincia se transformou em fio condutor, dando norte tarefa proposta de romper com o ensino fragmentado e racionalmente seqenciado. Holton (1979) se refere aos grandes tpicos da Fsica como prolas, que se encadeiam formando um colar que resulta na Fsica que conhecida.

    Para romper essa seqncia rgida, os autores propuseram um

    encaminhamento diferente, procurando mostrar como a Fsica se desenvolveu e abordando seu impacto social e humanstico, pontos que foram capazes de sensibilizar a grande maioria dos estudantes. Para integrar a Fsica, como cincia, ao contexto histrico e social, adotaram o que chamam de abordagem conectiva. Esta contextualizao mais abrangente agregava Histria, Filosofia 12 O termo Harvard fazia parte da denominao original do projeto. Durante sua elaborao at a publicao foi adotada em definitivo, para a verso americana, a denominao Project Physics Course. No entanto, mais conhecido no Brasil como Projeto Harvard. 13 National Science Foundation - NSF

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    e Poltica, criando no um colar de prolas separadas, todas dentro de um campo, mas uma tapearia de conexes cruzadas entre muitos campos. (Holton, 1979: 258). Este pensamento amenizava a idia de que o progresso do mundo estava na mo da Cincia, mandamento hegemnico da dcada de 50 e oculto na concepo de ensino do PSSC.

    Seu objetivo maior era organizar um curso de Fsica orientado

    humanisticamente. Duas outras diretrizes tambm foram incorporadas: atrair um nmero maior de alunos para o estudo da Fsica introdutria e descobrir algo mais sobre os factores que influenciam a aprendizagem da cincia. (Projecto de Fsica14, Prefcio, 1979). Cinco grandes objetivos norteadores determinavam as aspiraes do projeto, valorizando os aspectos j citados e propiciando uma perspectiva cultural e histrica as idias da Fsica tm uma tradio ao mesmo tempo que modos de adaptao e mudana evolutiva (Projeto de Fsica, Prefcio, 1979:1). A participao ativa do aluno tinha o objetivo de faz- lo vivenciar as dificuldades e alegrias prprias da descoberta cientfica. De uma maneira simples deseja-se que os alunos se comportem como pequenos cientistas. (Prefcio, 1979:2) Mesmo enfatizando o aspecto humanstico, a figura do aluno pequeno cientista, continuava viva e forte.

    Alm do aspecto inovador da concepo humanstica que orientou a

    elaborao do projeto, a tendncia do uso de multi-meios desencadeada pelo PSSC, influenciou parte do arsenal de material instrucional elaborado. O perfil de integrao entre os diversos materiais foi cuidadosamente estruturado. Faziam parte deste arsenal o livro texto, os manuais de atividades, o material para experincias, a coleo de textos suplementares, os livros de instruo-programada, os filmes sem-fim (loop/super 8) e de 16 mm, as transparncias, um sem nmero de aparelhos, o livro de testes e os guias para professores.

    A presena do laboratrio didtico no Projeto Harvard bastante

    significativa, com cerca de 50 prticas experimentais. Uma novidade era a

    14 A Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa/Portugal, traduziu para o portugus o projeto com o ttulo de Projecto de Fsica. Em 1978, publicou a Unidade I (Conceitos de Movimento). Nos anos seguintes, foram traduzidas as demais unidades sucessivamente. O Prefcio referenciado repetido em todas as unidades.

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    alternativa de um mesmo experimento oferecer diferentes procedimentos. Como exemplo, citamos A medio da acelerao da gravidade, que pode ser realizada de seis formas diferentes. (Anexo 7) Outra novidade um conjunto de experimentos exclusivos para uso do professor, denominados de Demonstraes, para ser utilizado como instrumento de motivao para introduo de determinado tpico, ou para auxiliar na estruturao do contedo. O uso restrito ao professor se deve sofisticao do equipamento ou complexidade de montagem. Alm desses dois conjuntos, havia outro que, sob o ttulo de Atividades, permitia o acesso dos alunos a imensas sugestes para a construo de projetos, demonstraes e outras tarefas que poder levar a cabo por si prprio, no laboratrio ou em casa. (Projecto de Fsica, Unidade I, 1978:134).

    A riqueza das possibilidades experimentais, com uso de material simples

    ou sofisticado e as alternativas de execuo de um mesmo experimento deixam o laboratrio em lugar de destaque no contexto do projeto. O nmero de atividades ligadas ao laboratrio chamam a ateno. A mdia, por Unidade, de 10 a 15 experincias, 25 demonstraes e 5 a 6 atividades para os alunos. Entretanto, o texto do aluno informa que So aqui descritos muito mais projetos do que aqueles que poder fazer sozinho, pelo que ser necessrio fazer uma seleo. Embora s lhe devam ser entregues algumas experincias e atividades que so tratadas neste Manual, faa todas que despertarem o seu interesse. Alm disso, se lembrar de alguma atividade, que aqui no esteja descrita, discuta com o professor a possibilidade de realizao. (Projecto de Fsica, Unidade I, 1978:134). O enfoque e a valorao dada ao laboratrio didtico podem ser entendidos pelo seguinte conselho: Prepare-se (aluno) para um trabalho crtico e curioso, e tambm para algumas surpresas. Uma das melhores maneiras de aprender Fsica fazer fsica, seja no laboratrio ou fora dele. No se deixe ficar pela simples leitura. (Projecto de Fsica, Unidade I, 1978: 134 - grifo nosso)

    A participao ativa do aluno se aproxima muito daquela do PSSC e nas

    tarefas ligadas ao laboratrio tambm no mais existe o relatrio formal. salientado que o principal o registro dos dados obtidos, aconselhando ao aluno

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    a se perguntar: Ser este um registro suficientemente claro e completo, de tal modo que, daqui a alguns meses, eu possa pegar no meu caderno de notas e explicar, a mim prprio ou a um colega, aquilo que fiz? . (Projecto de Fsica, Unidade I, 1978:135). So fornecidas algumas regras para o registro de dados, mas so gerais e de fcil assimilao pelo aluno. Procura incutir que no existem resultados errados. O que pode ter havido so eventos que nada tem a ver com a investigao ou que podem estar misturados com outro fenmeno. Sujar as mos a regra de ouro do trabalho laboratorial, incentiva o texto.

    Percebe-se que a funo do laboratrio didtico est plenamente de

    acordo com o que preconizado no projeto. O aluno ter o papel de pequeno cientista, afinal para aprender Fsica nada melhor que fazer Fsica. Justificativas ou razes pedaggicas para a insero do laboratrio, mesmo apresentando todo um potencial poderosssimo, no so colocadas. Somente uma transferncia do status de cientista para o aluno.

    O Projeto Harvard no teve repercusso significativa no Brasil. Em 1969,

    houve um movimento coordenado pelo Prof. Giorgio Moscati, do Instituto de Fsica da USP, junto a professores ligados ao CECISP15, dando origem a uma srie de seminrios sobre o Projeto, buscando uma adaptao do mesmo ao Brasil.

    Em janeiro do 1970, durante a realizao do I Simpsio Nacional de

    Ensino de Fsica no IFUSP, o Prof. Fletcher Watson apresentou um seminrio divulgando o projeto. Na ltima semana de julho do mesmo ano, foi promovido na USP um curso sobre o Projeto Harvard, para um grupo selecionado de professores brasileiros, ministrado pelos Professores Bobby Chambers e Jerry Menter, ambos da equipe do Projeto Harvard. O grupo brasileiro teria a tarefa de disseminar o projeto por sua ligao com os Centros de Cincias dos vrios estados brasileiros ou com escolas de graduao em Fsica.

    O Projeto Harvard chegou a ser traduzido para o portugus aqui no

    15 CECISP Centro de Treinamento para Professores de Cincias de So Paulo, sediado na USP junto ao FUNBEC/IBECC.

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    Brasil, pela equipe do CECISP. Por motivos e/ou problemas editoriais no foi editado, ficando restrito a um pblico de professores e instituies do eixo Rio - So Paulo.

    3.3 - O Projeto Nuffield

    O Projeto Nuffield 16 foi elaborado na Inglaterra a partir de 1962. J era do conhecimento dos responsveis pelo currculo de Fsica da escola secundria inglesa a existncia do PSSC. Por motivos vrios, foi decidido que a Fundao Nuffield elaboraria um projeto prprio para Inglaterra. Os responsveis pelo Nuffield no negam a influncia do PSSC. Segundo Lewis, O trabalho do PSSC mostrou que o que realmente importava era o mtodo pelo qual o assunto era ensinado, mais do que o contedo sumrio. Havia uma grande complacncia quanto aos mtodos de ensino na Inglaterra ... e chamar ateno para este fato foi talvez o efeito mais estimulante do trabalho do PSSC. (apud Carvalho, 1972:136)

    Fundao Nuffield expandiu seu projeto englobando Biologia, Qumica

    e Fsica. Alm de atender os cinco anos obrigatrios de ensino de Cincias, como prescrevia a lei inglesa, reorganizava todo o ensino de Cincias segundo novas base metodolgicas. O esperado pelos organizadores era um currculo de Cincias que fosse excitante para o aluno e que pudesse lev- lo, atravs de suas investigaes e argumentos, a compreender o que a cincia e, na medida do possvel, o que significa ser um cientista.

    Tal qual o PSSC, o Projeto Nuffield contemplava exaustivamente novos

    mtodos de ensino, particularmente, atividades de discusso e laboratrio. Com este ltimo houve um cuidado especial: os experimentos foram organizados em kits com uso previsto de um kit para cada dois alunos. Esta atitude visava desencorajar a simples demonstrao, forando o professor a criar condies para que os prprios alunos realizassem os experimentos. Os materiais que 16 Na realidade existiam dois Projetos Nuffield, direcionados para nveis diferentes de ensino. Um para escola fundamental e outro para escola secundria. Cada projeto tinha sua coordenao prpria, cabendo a E. Rogers e J. Osborne a liderana dos grupos.

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    compunham estes kits eram relativamente simples e projetados para dar aos alunos uma oportunidade de se comportarem como um cientista pesquisando, sem valorizar em demasia os dados obtidos. Materiais mais sofisticados compunham o acervo de demonstraes disposio do professor. A preocupao dos realizadores do projeto era criar condies