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É difícil atribuir seca em São Paulo ao aquecimento global, diz climatologista MARCELO LEITE DE SÃO PAULO 26/01/2015 02h00 Alan Marques/Folhapress O climatologista Carlos Nobre RAIO-X CARLOS NOBRE Idade - 63 anos Formação - Engenheiro eletrônico pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA Experiência - Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenador geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), entre outros cargos O renomado climatologista Carlos Afonso Nobre está muito preocupado com a crise hídrica. No Sudeste, para que a estação chuvosa janeiro-março fique na média histórica, seria preciso chover 60% a 80% mais que o usual nos dois meses que faltam. O problema é que não há como prever se isso vai ocorrer. No ano passado, o bloqueio atmosférico (massa de ar que impede a entrada de umidade) durou até meados de fevereiro. A boa notícia é que, neste janeiro de 2015, ele foi rompido pela frente fria dos últimos dias -mas nada impede a sua volta. As condições do Sudeste, afirma, fazem dele uma região de baixa previsibilidade para secas e chuvas, mesmo na escala de semanas. Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Nobre se encontra na posição desconfortável de ser um destacado estudioso da mudança do clima com funções executivas num ministério em que o titular (Aldo Rebelo) já pôs o fenômeno em dúvida. Evita tratar do assunto, porém, por ter convivido pouco com o novo ministro. De todo modo, Nobre não abandona a prudência científica. "É difícil atribuir ao aquecimento global um extremo climático como as secas do Sudeste", afirma nesta entrevista, concedida por escrito. A impossibilidade de se relacionar diretamente a mudança climática a episódios específicos não significa, porém, que governos não devam se preparar para o aumento de eventos extremos causado por ela, diz Nobre. Folha - O verão 2013/14 foi o mais seco em 62 anos no Sudeste, em especial na bacia que alimenta o Cantareira. Já é possível avaliar se o de 2014/15 irá superá-lo ou igualá-lo? Carlos Nobre - Ainda não, pois fevereiro e março são meses da estação chuvosa. De qualquer maneira, para que a estação chuvosa no Sudeste se encerrasse dentro da média histórica, as chuvas em fevereiro e março deveriam ficar de 60% a 80% acima da média. Até novembro e dezembro de 2013, as previsões sazonais não haviam sido capazes de indicar a estiagem que viria em janeiro de 2014. De fato, não há quase nenhuma previsibilidade para a região Sudeste e Centro-Oeste quando se trabalha com uma escala de meses.

Texto Sobre Clima e Chuvas Em SP.2015

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  • difcil atribuir seca em So Paulo ao aquecimento global, diz climatologista MARCELO LEITE DE SO PAULO 26/01/2015 02h00

    Alan Marques/Folhapress

    O climatologista Carlos Nobre

    RAIO-X CARLOS NOBRE Idade - 63 anos

    Formao - Engenheiro eletrnico pelo Instituto Tecnolgico da Aeronutica (ITA) e doutor em meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA

    Experincia - Pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e coordenador geral do Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos (CPTEC), entre outros cargos

    O renomado climatologista Carlos Afonso Nobre est muito preocupado com a crise hdrica. No Sudeste, para que a estao chuvosa janeiro-maro fique na mdia histrica, seria preciso chover 60% a 80% mais que o usual nos dois meses que faltam.

    O problema que no h como prever se isso vai ocorrer. No ano passado, o bloqueio atmosfrico (massa de ar que impede a entrada de umidade) durou at meados de fevereiro. A boa notcia que, neste janeiro de 2015, ele foi rompido pela frente fria dos ltimos dias -mas nada impede a sua volta.

    As condies do Sudeste, afirma, fazem dele uma regio de baixa previsibilidade para secas e chuvas, mesmo na escala de semanas.

    Secretrio de Polticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao, Nobre se encontra na posio desconfortvel de ser um destacado estudioso da mudana do clima com funes executivas num ministrio em que o titular (Aldo Rebelo) j ps o fenmeno em dvida. Evita tratar do assunto, porm, por ter convivido pouco com o novo ministro.

    De todo modo, Nobre no abandona a prudncia cientfica. " difcil atribuir ao aquecimento global um extremo climtico como as secas do Sudeste", afirma nesta entrevista, concedida por escrito.

    A impossibilidade de se relacionar diretamente a mudana climtica a episdios especficos no significa, porm, que governos no devam se preparar para o aumento de eventos extremos causado por ela, diz Nobre.

    Folha - O vero 2013/14 foi o mais seco em 62 anos no Sudeste, em especial na bacia que alimenta o Cantareira. J possvel avaliar se o de 2014/15 ir super-lo ou igual-lo? Carlos Nobre - Ainda no, pois fevereiro e maro so meses da estao chuvosa. De qualquer maneira, para que a estao chuvosa no Sudeste se encerrasse dentro da mdia histrica, as chuvas em fevereiro e maro deveriam ficar de 60% a 80% acima da mdia.

    At novembro e dezembro de 2013, as previses sazonais no haviam sido capazes de indicar a estiagem que viria em janeiro de 2014. De fato, no h quase nenhuma previsibilidade para a regio Sudeste e Centro-Oeste quando se trabalha com uma escala de meses.

  • Tal regio no est entre os locais do planeta com previsibilidade climtica sazonal, como o norte do Nordeste, partes da Amaznia e Sudeste da Amrica do Sul (centro-leste da Argentina, Uruguai e Paraguai, e sul do Brasil).

    A variabilidade climtica no Sudeste fortemente influenciada por frentes frias e por fenmenos atmosfricos de grande escala, como os bloqueios, que geram os veranicos [com estiagem] no meio da estao chuvosa, que so difceis da prever. Isso aumenta o nvel de incerteza na gesto dos recursos hdricos.

    Isso vale para a maior parte do Brasil? No semirido do Nordeste, as previses de secas com antecedncia de alguns meses tm alto ndice de acerto, quase 80%, e so forma importante para polticas de mitigao dos impactos das secas.

    Para a estao chuvosa principal do semirido, de fevereiro a maio deste ano, as previses indicam risco de chuvas abaixo da mdia, um quadro de continuidade do deficit hdrico de vrios anos.

    No caso da Amaznia, significativo o risco de grandes incndios florestais, como em 1998 em Roraima? Para o norte da Amaznia, especialmente Roraima, as chuvas dos ltimos meses tm estado um pouco abaixo da mdia histrica, e fevereiro e maro so meses do perodo mais seco do ano.

    A principal explicao para chuvas abaixo da mdia no norte da Amaznia o El Nio [superaquecimento das guas do Pacfico que aquece a atmosfera], ainda que o episdio atual seja considerado fraco e deva se enfraquecer-se nos prximos meses. No se espera uma seca to intensa em Roraima como foi aquela de 1997-98, reflexo do mega-El Nio ocorrido ento.

    Em janeiro de 2014, o bloqueio atmosfrico permaneceu at meados de fevereiro. Com a frente fria que chegou a SP nesta quinta-feira (22), pode-se dizer que o pior j passou? Como disse, prever bloqueios atmosfricos com semanas de antecedncia no factvel. Mas, de fato, a situao a partir da chegada de uma fraca frente fria ao Sudeste nos ltimos dias diferente daquela de janeiro e fevereiro de 2014.

    A repetio em 2014 e 2015 de condies de estiagem grave, ao menos no Sudeste, pode ter relao com o aquecimento global? Afinal, 2014 foi declarado pela Nasa e pela Noaa o mais quente j registrado. Qual a chance de que seja apenas uma coincidncia? O fato de que as observaes globais indicam a continuidade da tendncia de aquecimento global, com 2014 sendo o ano com a mais alta temperatura superfcie desde 1860, algo bem esperado, em razo da crescente quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera.

    Por outro lado, bem mais difcil atribuir ao aquecimento global um extremo climtico como as secas do Sudeste. So necessrios estudos com modelos climticos globais complexos, nos quais se simula o clima com e sem os aumentos dos gases-estufa.

    Alm disso, sempre necessrio estabelecer quais so os mecanismos fsicos para a mudana. No caso de bloqueios atmosfricos, envolveria entender como mecanismos complexos. Como a propagao de ondas atmosfricas de milhares de quilmetros est respondendo ao aquecimento global? Trata-se de uma tarefa cientificamente bastante desafiadora.

    Como se explica que reservatrios relativamente prximos, como Guarapiranga/Billings e Cantareira tenham comportamento to dspares? Em anos de bloqueios atmosfricos grandes sobre o Sudeste, toda a regio apresenta chuvas abaixo da mdia. O efeito de ilha urbana de calor [afetadas pela temperatura mais elevada da cidade, massas midas de passagem viram tempestades], porm, atua para fazer com que os deficits sobre a regio metropolitana de So Paulo sejam menores do que em regies vizinhas, como o Cantareira.

    Por outro lado, mesmo excetuando fenmenos de grande escala como os bloqueios, observa-se uma diminuio relativa das chuvas sobre o Cantareira nas ltimas dcadas e um aumento das chuvas sobre a cidade. Hipoteticamente, esse efeito de longo prazo pode estar relacionado com a ilha urbana de calor, mas estudos em andamento precisaro comprovar, ou no, essa hiptese.

    O governo federal j trabalha com a hiptese de que a Grande So Paulo chegue a um estado de calamidade pblica, com esgotamento completo do sistema Cantareira, por exemplo? O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) desenvolveu um modelo hidrolgico para o sistema Cantareira e instalou, em abril e maio de 2014, 33 pluvimetros automticos para melhorar o

  • monitoramento das chuvas sobre as bacias de captao. Como no factvel prever hoje as chuvas em fevereiro e maro, pode-se apenas traar cenrios.

    No caso de continuidade de chuvas abaixo da mdia nesses meses, de fato h risco de o reservatrio no ter condies de manter o abastecimento nos nveis atuais.

    O que o poder pblico deve fazer no mdio e no longo prazos para prevenir a repetio dessa situao limtrofe? Diria que se trata do principal problema no campo da adaptao mudana do clima? Adaptao s mudanas climticas deve ser uma prioridade de poltica pblica. Hidrlogos devem incorporar o fato de que os extremos climticos esto se tornando mais frequentes e, em muitos casos, mais intensos.

    Em outras palavras, as sries histricas de observaes hidrolgicas no podem mais ser consideradas estacionrias. O planejamento da utilizao dos recursos hdricos deve levar em conta isso. A atual crise hdrica j est tendo um impacto em demonstrar que o Brasil precisa urgentemente buscar desenvolver sistemas e infraestruturas resistentes ao aumentos dos extremos climticos.

    Qual a sua avaliao da Conferncia de Lima e sua expectativa com relao a Paris, em dezembro? Lima trouxe progressos incrementais. Embora exista a expectativa de algo maior em Paris, creio que seja realista no esperar uma revoluo. Alm disso, preocupante a relativa diminuio recente dos preos dos petrleo e gs: se persistir, ir causar um inevitvel aumento das emisses de gases do efeito-estufa.

    Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/01/1580373-e-dificil-atribuir-seca-em-sao-paulo-ao-aquecimento-global-diz-climatologista.shtml

    O aquecimento global no o vilo da crise hdrica de So Paulo Published 11 fevereiro 2015

    Para o meteorologista Augusto Jos Pereira Filho, professor da USP, a falta de nuvens a explicao para a seca que atinge o Sudeste. Nesta entrevista, ele afirma que o fenmeno causado por fatores como a era geolgica em que vivemos e o movimento atmosfrico natural do planeta. A prxima estiagem, diz ele, j tem data para ocorrer: entre 2019 e 2024 A crise hdrica que afeta o Sudeste levou a uma busca por explicaes para a ausncia das chuvas. A hiptese mais forte, segundo meteorologistas e ativistas, que o aquecimento global seja a razo por trs do calor e seca sem precedentes. O planeta estaria sofrendo as consequncias das emisses de CO causadas pelo homem: temperaturas extremas, desequilbrio ambiental,

    O meteorologista Augusto Jos Pereira Filho(Ricardo

    Matsukawa/VEJA.com)

    falta dgua. Na ltima quinta-feira, o Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (IPCC) alertou que a estiagem e a crise hdrica de vrios pases, provocadas pelas mudanas climticas, pode levar a conflitos entre as naes. Para Augusto Jos Pereira Filho, professor do Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas da Universidade de So Paulo e um dos maiores especialistas do Brasil em recursos hdricos e previses climticas, a explicao outra.

    Com sua experincia de meteorologista com ttulos e qualificaes em instituies como a Organizao Meteorolgica Mundial (WMO, na sigla em ingls), Pereira Filho desmente as relaes entre a estiagem que vivemos e o desmatamento da Amaznia ou o acmulo de CO. Em seu gabinete da universidade, rodeado por dados de radares, satlites e dados dos milmetros de chuva que caem na regio metropolitana de So Paulo, prev com a preciso que a cincia atual capaz de oferecer que essa crise se tornar rotina: a prxima deve atingir o Sudeste entre 2019 e 2024.

  • Esse fenmeno causado por fatores como a era geolgica em que vivemos e o movimento atmosfrico natural do planeta. Trata-se de um ciclo que tem ocorrido a cada cinco ou dez anos, afirma.

    Ao do homem O cientista tambm questiona a certeza de que o homem est por trs do aquecimento global. Nosso impacto, diz Pereira Filho, determinante apenas localmente. Para o planeta, somos um dos inmeros e complexos fatores a influir em suas condies meteorolgicas e estamos longe de ser os mais fortes.

    Nesta entrevista, Pereira Filho afirma que ainda existem incertezas sobre o funcionamento de mecanismos climticos e meteorolgicos bsicos, como o ciclo da gua ou das nuvens. Nessa rea, a cincia esbarra em limitaes que tornam impossvel afirmar que h apenas uma causa para explicar nevascas, secas ou tempestades inesperadas. So conjuntos de fatores que, unidos, trabalham para gerar as temperaturas e eventos que conhecemos. E, s vezes, eles surpreendem.

    Na ltima quinta-feira, o Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas (IPCC) alertou que a seca e a crise hdrica de vrios pases, causadas pelas mudanas climticas, pode levar a conflitos. H relao entre o aquecimento global e a seca que o Sudeste enfrenta? O aquecimento global no o vilo da crise hdrica de So Paulo. Essa crise acontece porque as nuvens sumiram justamente na estao chuvosa de So Paulo. A regio metropolitana uma ilha de calor, isto , mais quente do que o seu entorno, por causa da poluio, concreto e asfalto. Esse fenmeno favorece as chuvas e, por isso, chove muito mais na cidade que no passado. Os anos de 2010 a 2013 esto entre os dez mais chuvosos da histria de So Paulo.

    Como pode estar mais seco e chover mais? No h falta de chuva? Est chovendo mais, mas nos lugares errados. Chove sobre a capital, que uma ilha de calor, mas no est chovendo sobre o sistema Cantareira. So regies que passam por situaes meteorolgicas diferentes. O ano de 2014 no o ano mais seco da histria da cidade de So Paulo, mas o 13 no ranking.

    Ento por que essa seca vista como histrica? A regio metropolitana est mais quente, mais seca e com poucas nuvens. Assim, quando a chuva se forma, so tempestades intensas devido ao excesso de calor e umidade trazida pela brisa do mar que evaporam rapidamente por causa das altas temperaturas. Alm disso, com o calor, as pessoas consomem mais gua, agravando sua falta nos reservatrios. Em janeiro, de acordo com nossas medies, choveu acima da mdia na cidade de So Paulo.

    Os dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram que em janeiro em So Paulo houve apenas 156,2 milmetros de precipitao, abaixo da mdia histrica (de 1943 a 2015) de 262,4 milmetros. Por que o senhor diz que choveu mais? A estao do IAG tem dados diferentes, que mostram que choveu 261 milmetros, ou seja, 40 milmetros acima da mdia histrica (de 1933 a 2014) de 220 milmetros. Essa diferena nas medies acontece porque a estao do Inmet est no mirante de Santana, um lugar que se modificou muito nos ltimos sessenta anos, com ocupao e construes. J a estao do IAG est sobre um lago no Parque do Estado, na capital. Como essa uma rea protegida, ela no sofreu alteraes significativas desde que foi construda e, assim, capaz de registrar apenas as variaes climticas. Em meteorologia, sutilezas como essas so muito importantes.

    Ento no possvel confiar nos dados? prudente saber de onde vm. Estaes meteorolgicas, pluvimetros, radares e satlites so equipamentos sensveis e que precisam de manuteno constante. difcil conhecer as condies de todos os equipamentos para saber exatamente a qualidade dos dados. Pode haver interferncias de todo o tipo nas informaes. Se um pluvimetro est no meio da floresta e um passarinho faz seu ninho sobre ele, os dados so alterados.

    Outra hiptese levantada sobre as causas da seca no Sudeste o desmatamento na Amaznia. H alguma relao? No tem nada a ver uma coisa com a outra. O papel da Amaznia transferir a umidade do Atlntico para o Sudeste e Sul. A Amaznia uma ddiva do Oceano Atlntico. A floresta tambm sofreu com a falta de chuvas. A seca est relacionada, entre outros fatores, ausncia da Zona de Convergncia do Atlntico Sul. Esse fenmeno, caracterizado por nuvens e massas de ar frio que atraem a umidade da Amaznia e a injeta no Sudeste, trazendo chuvas, de incio se deslocou em direo Bahia e, em seguida, deixou de acontecer.

    Tornou-se um consenso entre os cientistas atribuir a responsabilidade pelas mudanas climticas ao homem. Qual nossa parcela de culpa na estiagem de So Paulo? mais plausvel associar a estiagem a uma variao natural que a mudanas climticas globais. Dito isto, a ilha de calor que a regio metropolitana tem origem humana. Nosso impacto significativo nas condies climticas de So Paulo e, como a regio est delimitada, essa ao pode ser medida e calculada. E pode tambm ser revertida com educao ambiental e um melhor monitoramento hdrico e

  • meteorolgico. Claro que, como tudo no planeta est interligado, essas mudanas locais tm algum impacto no sistema global. Mas h muitos outros fatores mais importantes para modificar o clima mundial.

    Quais seriam esses outros fatores? Os mais importantes so variaes do movimento da Terra em torno do Sol, que modificam a quantidade de nuvens e gelo, a circulao na atmosfera e nos oceanos. No sabemos ao certo nem como se d o ciclo das guas no planeta. A compreenso de todos esses fatores ainda uma incgnita. A meteorologia uma cincia recente. Basta lembrar que radares e satlites so tecnologias do sculo XX. So necessrios dados muito confiveis para fazer afirmaes como a de que o homem responsvel pelo aquecimento que vivemos e eles ainda so limitados, incompletos e imprecisos. Alm disso, todas essas condies funcionam em escalas de tempo imensas. Anlises geolgicas sugerem que a temperatura global, durante a maior parte da histria da Terra, foi entre 8 e 15 graus Celsius maior que na atualidade. No sabemos se o que est acontecendo no , simplesmente, um processo natural do planeta. Por isso, qualquer afirmao de longo prazo discutvel: o sistema climtico est alm da compreenso atual da cincia.

    Ento tambm no possvel dizer que o CO est por trs do atual aquecimento? O CO no um vilo. Esquecemos que essa molcula o tijolo fundamental da vida, necessrio para todos os seres vivos do planeta. A maior parte do CO do planeta est nos oceanos, que so um depsito natural de material orgnico. Alm disso, ele tem um ciclo anual, aumenta durante o inverno e diminui no vero. como se o planeta passasse por um processo de lavagem durante os meses quentes. Estamos percebendo que ele est aumentado, mas no o CO que determina a temperatura. So as nuvens, e ainda no temos um mapa confivel sobre sua quantidade e distribuio no globo.

    H indcios de que o Hemisfrio Sul est aquecido, com a camada de gelo mais fina. Isso revela o aquecimento do planeta? A quantidade de gelo do rtico, no Norte, e da Antrtica, no Sul, tambm varia durante as estaes do ano. Diminui no vero e aumenta no inverno. O que as anlises internacionais demonstram que a Antrtica est um pouco mais fria, ou seja, com mais gelo, e o Hemisfrio Norte, um pouco mais quente. No entanto, essas medies esto dentro das margens de incertezas.

    Se h tantas incertezas, a seca e a crise hdrica do Sudeste poderiam ter sido previstas? Nenhum meteorologista se atreve a fazer previses para alm de duas semanas. O sistema atmosfrico catico e um dia capaz de mudar tudo. No entanto, havia prognsticos climticos que indicavam chuvas prximas ao normal para o incio de 2014 elas ficaram abaixo. Perodos de estiagem em So Paulo ocorreram entre 4 e 11 anos nas ltima seis dcadas. Ou seja, depois de 2014 e 2015, a prxima poder ocorrer entre o fim desta dcada e meados da prxima.

    E ela ser pior? Dada a crescente demanda por gua e a escassez desse recurso, agravada pela degradao ambiental, a prxima estiagem poder ser mais impactante. De acordo com as medies do Instituto de Astronomia, Geofsica e Cincias Atmosfricas da USP (IAG), entre 1936 e 2005 a temperatura mdia da regio metropolitana de So Paulo aumentou 2,1 graus Celsius. Os meses de calor, que no incio do sculo XX iam de dezembro a fevereiro, hoje se estendem de setembro a maro. Nesse mesmo perodo de quase setenta anos, devido poluio, a umidade relativa do ar caiu 7%.

    E o que podemos fazer, j que estamos merc das condies meteorolgicas? O racionamento em So Paulo deveria ter comeado em janeiro de 2014, para amenizar a crise que estamos vivendo. No entanto, contou-se com a chuva, que no veio. Temos recursos hdricos limitados. Fizemos um levantamento com os dados da Sabesp de 2003 a 2013 que mostram que, na ltima dcada, o consumo aumentou 15% e a produo de gua, apenas 11%. Assim, se nada for feito, nos prximos 20 anos ser necessria uma nova Cantareira para abastecer a regio metropolitana. Ou poderamos reduzir o consumo e aumentar a produo de gua, o que seria mais barato e sustentvel. Mas isso demanda um investimento pesado do governo e da sociedade em educao ambiental e na melhora do sistema de monitoramento da Sabesp, com a integrao de dados de estaes meteorolgicas, radares e mapas hdricos. Alm disso, necessrio haver uma Poltica Nacional de Meteorologia e Climatologia como, alis, qualquer pas desenvolvido tem. S com a integrao dos equipamentos, recursos e profissionais ser possvel evitar situaes como essa e outras mais recorrentes, como as enchentes. A meteorologia um servio fundamental, com impacto imenso na vida das pessoas, na economia e no desenvolvimento das naes.

    Entrevista de Rita Loiola com Augusto Jos Pereira Filho para a Veja, publicada em 08/02/2015.

    Fonte: https://agfdag.wordpress.com/2015/02/11/o-aquecimento-global-nao-e-o-vilao-da-crise-hidrica-de-sao-paulo/

  • A seca e o desmatamento Pesquisador alerta para os fatores que podem ter influenciado a queda atual no padro de chuvas no Sudeste, como a destruio da floresta amaznica e o aquecimento global, e cobra mudana na posio brasileira em relao a questes ambientais. Por: Philip M. Fearnside Publicado em 04/03/2015 | Atualizado em 04/03/2015

    O desmatamento na Amaznia deve estar contribuindo de alguma forma para a atual seca que atinge o Sudeste, mas no temos dados para explicar uma queda de precipitao to drstica somente por essa contribuio.

    A ligao entre a reciclagem de gua pela floresta amaznica e o transporte de vapor dgua do Norte do pas para o Sudeste, nos chamados rios voadores, bem documentada. Escrevi sobre esse tema na Cincia Hoje h uma dcada (A gua de So Paulo e a floresta amaznica, em CH 203). No entanto, a reduo das chuvas no Sudeste, este ano, muito desproporcional em relao ao aumento da rea desmatada de 2013 para 2014. Algum tipo de quebra nos jatos de nvel baixo ventos que transportam vapor dgua na baixa atmosfera poderia explicar a diferena, mas os dados existentes no permitem afirmar que isso aconteceu.

    O desmatamento na Amaznia e os efeitos do aquecimento global podem ter influenciado a drstica seca que atinge o Sudeste atualmente. (foto: Freeimages.com)

    Outros fatores tambm podem ter influenciado a atual seca. Estamos no incio do fenmeno El Nio (o aquecimento excessivo das guas do oceano Pacfico, que afeta o clima da Amrica do Sul), mas este no mostra severidade fora do normal, capaz de explicar a seca. As guas do oceano Atlntico, diante do litoral do Sudeste, tambm esto mais

    Os planos atuais para o desenvolvimento da Amaznia, como a construo de rodovias, barragens e outras estruturas que contribuem para o desmatamento, podero levar a uma seca permanente no Sudeste. (foto: Leonardo F. Freitas/ Flickr CC BY-NC-SA 2.0)

    quentes que o normal, o que deve influenciar o padro de chuvas. Alm disso, uma massa de ar estacionada sobre o estado de So Paulo inibiu a entrada de frentes frias vindas do sul do continente, que normalmente provocam condensao de vapor dgua e geram precipitao.

    Apesar da incerteza sobre as causas da seca, importante aprender as lies que essa ocorrncia nos ensina. A primeira lio diz respeito ao desenvolvi-mento da Amaznia: se este continuar a seguir o curso atual, com planos para a construo de rodovias, barragens e outras estruturas que contribuem para o desmatamento, e com subsdios para a destruio da floresta, em uma larga gama de polticas perversas, faltar gua, sim, em So Paulo. Nesse caso, porm, a falta no estar associada apenas a uma variao de chuvas de um ano para outro: ser permanente.

    J a segunda lio est ligada aos efeitos do aquecimento global. A variabilidade climtica dita natural vem aumentando devido a esse aquecimento. Isso significa que eventos extremos do clima, como secas e inundaes, sero cada vez mais severos e mais frequentes, em comparao com os padres histricos.

  • Fica evidente a necessidade no apenas de adaptao s novas condies, mas tambm de luta contra o chamado efeito estufa. O combate s causas das mudanas climticas precisa ser feito de modo muito mais srio do que tudo o que se viu at agora. A posio do Brasil nessa questo continua a ser a que o pas apresentou na Conferncia das Partes da Conveno das Naes Unidas sobre Mudana do Clima, em Durban, na frica do Sul, em 2011: a de que o pas aceitaria uma meta de reduo de emisses (de gases que contribuem para o efeito estufa), dentro da Conveno de Clima, mas somente se todos os outros pases do mundo concordassem em fazer o mesmo. uma frmula para no assumir nenhum compromisso vinculante.

    Espera-se que os eventos atuais como a drstica seca em So Paulo levem a uma mudana na posio brasileira em relao s mudanas climticas: com isso, o pas assumiria um papel de liderana nessa questo, em vez de adotar a estratgia de ser o ltimo a entrar no bonde. Essa mudana estaria fortemente vinculada ao interesse nacional, porque o Brasil est entre os pases que mais sofrero se uma reduo nas emisses globais no acontecer a tempo. Philip M. Fearnside Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa) Texto originalmente publicado na CH 322 (janeiro/fevereiro de 2015). Clique aqui para acessar uma verso parcial da revista. http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2015/322/a-seca-e-o-desmatamento

    Desmatamento agravou crise da gua em SP Sistema Cantareira perdeu 70% de mata em duas dcadas. Cobertura vegetal aumenta a vida til dos reservatrios, alm de prolongar tempo de abastecimento durante seca.

    15.05.2014 - Autoria Marina Estarque, de So Paulo

    Depois de atingir o menor nvel j registrado apenas 8,4% da sua capacidade , o sistema Cantareira, principal fornecedor de gua da regio metropolitana de So Paulo, vai em busca das ltimas gotas. Nesta quinta-feira (15/05), a Sabesp inicia uma operao emergencial para recuperar o chamado "volume morto" do reservatrio.

    A crise no abastecimento de gua no se deve apenas ao calor recorde e ao menor ndice de chuvas j registrado nos ltimos 84 anos. Especialistas defendem que o desmatamento em bacias hidrogrficas contribui para diminuir a quantidade e a qualidade das guas, tanto superficiais quanto subterrneas.

    "Ns temos apenas 30% de rea com florestas preservadas nesse manancial [Sistema Cantareira]. O restante precisa ser recuperado ou tm uso inadequado de solo", afirma a coordenadora da Rede das guas da SOS Mata Atlntica, Malu Ribeiro.

    Resultados de um experimento feito pela ONG desde 2007 que restaura uma floresta num centro em Itu, interior de So Paulo comprovam essa relao. "Em 2012, apenas cinco anos depois, foi verificado que o nvel dos lenis freticos subiu 20% e o dos reservatrios, 5%", argumenta Ribeiro.

    Estudos apontam que a floresta atua como reguladora do ciclo hidrolgico, atenuando os impactos de eventos climticos extremos, como secas e enchentes. "A floresta aumenta a resilincia dos mananciais. O desmatamento no

  • causa da seca, mas, se houvesse maior cobertura vegetal, o esgotamento dos reservatrios poderia ser evitado", diz Ribeiro.

    O problema, entretanto, no est restrito a So Paulo. De acordo com um levantamento indito do Pacto pela Restaurao da Mata Atlntica, os reservatrios considerados crticos pela Agncia Nacional de guas (ANA)

    Abastecimento de gua da metrpole paulista est ameaado

    perderam em mdia 80% de sua cobertura florestal.

    "Ainda estamos detalhando o estudo, mas j podemos perceber que uma das semelhanas entre os mananciais crticos em relao ao abastecimento de gua o desmatamento", explica o coordenador geral do Pacto e diretor para Mata Atlntica da Conservao Internacional, Beto Mesquita.

    A pesquisa inclui as capitais do litoral do pas, alm de Belo Horizonte, Curitiba e So Paulo, bem como cidades do interior paulista, como Sorocaba e Campinas.

    O papel da floresta

    A floresta tem uma srie de funes no ciclo hidrolgico. Quando a chuva cai num terreno com cobertura vegetal, a gua infiltra lentamente no solo, at atingir os lenis freticos. Aos poucos, ela aflora nas nascentes e enche os rios, at chegar s represas.

    "A floresta quebra a energia da chuva, porque parte da gua fica na cobertura das rvores e atinge o cho devagar. Alm disso, o solo da mata muito poroso, com matria orgnica e razes. Por isso, h mais espao interno e maior capacidade de armazenamento", explica Mesquita. Ele aponta tambm que, por essa caracterstica, o solo da floresta libera um fluxo de gua mais constante, mesmo durante uma estiagem.

    Malu Ribeiro ressalta que o desmatamento ao redor do Cantareira est prejudicando a oferta de gua na regio. "O sistema est localizado no fundo do vale do Rio Jaguari, que tem um conjunto de nascentes na Serra da Mantiqueira. O desmatamento no curso dos rios at o reservatrio faz com que essas nascentes desapaream e os cursos d'gua no consigam se recuperar."

    Enchentes e assoreamento

    Onde no h floresta, a infiltrao da chuva no terreno mais difcil. Num solo de pastagem, por exemplo, a quantidade de gua escoada at 20 vezes maior que em rea de vegetao, segundo o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (INPA), Philip Fearnside.

    Por esse motivo, em perodo de muita precipitao, reas desmatadas esto mais sujeitas a enchentes. A gua escoa rapidamente e em quantidade, enchendo os rios e represas, muitas vezes de forma desastrosa. Neste processo, a gua carrega consigo muito material orgnico, erodindo o terreno e assoreando os reservatrios.

    "Esse um problema grave no Brasil e principalmente no Sistema Cantareira, porque perdemos a capacidade de reservar gua. Quando chove muito, o excedente acaba sendo jogado fora", argumenta Ribeiro.

    Segundo Mesquita, por evitar o assoreamento, a floresta aumenta a vida til do reservatrio, alm de prolongar o tempo de abastecimento durante uma seca.

    Umidade e qualidade da gua

    Outra importante funo da floresta reter gua da atmosfera. Na bacia do Rio Guandu, no estado do Rio de Janeiro, 30% da gua incorporada ao sistema por essa via, segundo estudo da Conservao Internacional. "Quando vm a neblina e nuvens carregadas, quanto mais floresta tiver em regies montanhosas, maior a reteno de gua", diz Mesquita.

    A floresta contribui para manter a umidade do ar, atravs da transpirao das plantas. "Cerca de 30% da gua na atmosfera vm das florestas. Num reservatrio, se o ar est seco, isso tambm aumenta a evaporao na represa", alerta o presidente e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia de So Carlos, Jos Galzia Tundisi.

  • A vegetao tambm participa no ciclo hidrolgico, atuando como um filtro para manter a qualidade da gua. "A floresta retm metal pesado em suas razes e matria em suspenso. Ela tambm filtra a atmosfera e diminui a quantidade de partculas que podem cair na gua", afirma Tundisi.

    Um levantamento deste ano da Fundao SOS Mata Atlntica em sete estados tambm comprova essa relao entre floresta e a qualidade da gua. Dos 177 pontos avaliados, apenas 19 (11%), localizados em reas protegidas e de matas ciliares preservadas, tiveram bons resultados.

    Desmatamento na Amaznia

    No apenas a perda de floresta nos mananciais que pode ameaar a oferta de gua em So Paulo. O desmatamento na Amaznia tambm impacta negativamente a quantidade de chuva que chega ao sudeste.

    Estudos revelam que at 70% da precipitao em So Paulo, na estao chuvosa, depende do vapor d'gua amaznico. O meteorologista Pedro Silva Dias, da Universidade de So Paulo, tambm pesquisa o tema. "O desmatamento na Amaznia vem causando impacto, por exemplo, a produo de arroz no Brasil.

    Floresta Amaznica tambm influencia regime de chuvas em So Paulo

    Se houver um processo muito intenso de perda de floresta amaznica, as regies sul e sudeste sofrero um processo de desertificao", defende Ribeiro.

    Philip Fearnside diz que esse desmatamento, em torno de 20%, no explica a seca atual em So Paulo. "Ainda tem 80% da floresta amaznica, isso no suficiente para causar uma queda dramtica na chuva de So Paulo de um ano para o outro", diz o pesquisador, que ganhou o Prmio Nobel da Paz em 2007, com outros cientistas, por alertar contra os riscos do aquecimento global.

    Fearnside ressalta, entretanto, que o impacto gradual e progressivo. "Se continuar desmatando, como o plano do governo com os projetos do PAC (Programa de Acelerao do Crescimento), vai diminuir o fluxo de gua para So Paulo, que j est no limite para o abastecimento. Cada rvore que cai, menos gua indo para l."

    Mentalidade do esgotamento

    Para os especialistas, h uma mentalidade voltada para o esgotamento dos mananciais, que prejudica a gesto dos recursos hdricos no Brasil.

    " a falsa cultura da abundncia, a ideia de que podemos esgotar os reservatrios, porque depois vem o perodo de chuvas e enche de novo. S que h uma diminuio do volume de guas ao longo das dcadas em vrios reservatrios do sudeste. Em So Paulo, isso ocorre na bacia do Piracicaba e na bacia do sistema Cantareira", afirma Ribeiro.

    Jos Galzia Tundisi chama esse pensamento de "aqueduto romano". Consiste em usar o reservatrio at esgotar e depois buscar gua limpa em uma regio mais distante. " o que So Paulo est fazendo. Em breve vai ter que pegar gua no Paran", afirma o pesquisador.

    Os pesquisadores alertam que muito difcil recuperar um manancial depois de exaurido. O solo fica pobre e seco, funcionando como uma esponja. "Quando chover, o terreno vai chupar grande volume de gua, at que ele recomponha os aquferos subterrneos. Em alguns casos at impossvel reverter a degradao", diz Ribeiro.

    Com a retirada do "volume morto" do Cantareira, especialistas temem pela recuperao do reservatrio. A reserva, que nunca foi usada antes, ser puxada por bombas, j que fica abaixo do ponto de captao da represa."Se usar todo o volume morto do Cantareira, vai levar anos para retornar ao que era antes", lamenta Tundisi.

    http://www.dw.de/desmatamento-agravou-crise-da-%C3%A1gua-em-sp/a-17637584

  • Aquecimento global tema polmico por rika Morhy

    foto Mari Chiba

    Pesquisador do Inpe, Carlos Afonso Nobre, acredita que alguns graus de aquecimento j so irreversveis e precisamos nos adaptar

    Para alguns pesquisadores, j urgente o processo de adaptao da humanidade ao irreversvel aquecimento global. Para outros, ainda faltam estudos que balizem as tomadas de decises. E h tambm quem aposte nos benefcios do aumento de temperatura. As mudanas climticas foram tema de vrios encontros durante a 59 reunio anual da SBPC, realizada em Belm. Em confe-rncias, mesas-redondas e encontros abertos, foi possvel perceber o quanto o assunto mobiliza a comunidade cientfica, pelo grande nmero de participantes. J os debates acirrados do uma singela noo do quanto o assunto gera polmica, ainda que o Painel Intergoverna-mental de Mudanas Climticas, o IPCC, j tenha lanado a quarta edio de seu relatrio (em fevereiro deste ano) e indique um ndice de 90% de confiabilidade em seu parecer.

    Membro do IPCC e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Jos Antnio Marengo Orsini

    destacou, como dois dos mais significativos resultados apontados pelo relatrio, a forte responsabilidade das atividades humanas no aquecimento global e a vulnerabilidade do Brasil s mudanas climticas. Na hiptese mais pessimista, diz ele, a temperatura deve aumentar entre 4 e 8C e a reduo de chuvas ser de 15 a 20%. Na melhor das hipteses, a temperatura ficar de 3 a 5C mais quente e a reduo de chuvas ser de 5 a 15%. Entre as principais aes humanas que contribuem para o aumento da temperatura esto o desmatamento, a queima de florestas e a utilizao de combustveis fsseis, provocando grandes emisses de gs carbnico (CO2), gs de efeito estufa, na atmosfera. E, nesses casos, a queda de brao com as foras que movem o uso da terra para agricultura, pecuria e explorao madeireira; e que movem o uso da energia a base de petrleo e carvo mineral. Para Carlos Afonso Nobre, tambm pesquisador do Inpe e membro do IPCC, j se pode atribuir ao aquecimento global alguns eventos climticos atpicos que tm ocorrido na atualidade. Exemplo deles so as estaes de furaces e inundaes na Argentina e Venezuela e a intensidade da seca de 2005 na Amaznia. Ainda na Amrica Central, 74 espcies de sapos foram extintas devido s mudanas climticas. E o cenrio, garante ele, tende a piorar. Segundo o IPCC, 30% de todas as espcies podem desaparecer com o aumento de 2,5C do clima do planeta. Na Amaznia Oriental, gradualmente deve haver a substituio de floresta tropical por savana (estaes secas mais longas). Alm disso, o aumento do nvel do mar deve forar a migrao de um grande contingente populacional. A lista de impactos previstos grande. O mdico Ulisses Confalonieri, da Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembra que mesmo a variabilidade climtica considerada normal j determina a disseminao de doenas. Com as mudanas drsticas previstas, devem se tornar mais freqentes os casos de leptospirose, leishimaniose, malria e diarria, exigindo dos governos a construo de sistemas de alerta precoce, a qualificao do sistema de sade, alm de informar melhor a populao. Uma dimenso tica tambm tomou conta de alguns discursos, tendo em vista que os efeitos das mudanas climticas globais iro abater principalmente as sociedades que menos contribuem com emisses de CO2. Historicamente, quem mais emite esses gases so EUA, Europa e China, a reboque do seu desenvolvimento industrial, mas eles, alm de no terem grandes impactos previstos, em tese, tambm tm mais condies de amainar suas crises. J os pases do

  • continente africano, por exemplo, mesmo contribuindo muito menos, devem amargar com as secas mais intensas e com menos chuvas, com o deslocamento de reas agriculturveis e os conflitos sociais resultantes disso.

    Divergncias, convergncias e ponderaes sobre o tema

    Eu defendo que o Brasil precisa comear a se preparar para adaptao e para isso fundamental ter um mapa com estudos detalhados de todas as nossas vulnerabilidades: agricultura, recursos hdricos, hidroeletricidade, ecossistemas naturais, biodiversidade, zonas costeiras, megacidades. (...) Somos um dos pases mais vulnerveis do mundo (...) e o mnimo de mudanas climticas j est comprometido, no h mais soluo tecnolgica, diz Carlos Nobre. Para ele, que tambm presidente do Programa Internacional Biosfera-Geosfera (IBGP), fundamental o investimento em pesquisas que identifiquem os pontos crticos dos sistemas climticos. Ele acredita que o pas tem sido eficiente na articulao mundial pela mitigao e tem feito seu dever de casa, mas ainda precisa avanar no desenvolvimento de novas tecnologias e contabilizao dos custos da inao. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amaznia (Inpa), Antonio Ocimar Manzi diz que, apesar da certeza do aumento da temperatura, existem dvidas quanto ao regime hidrolgico: Existem pesquisas que mostram que o Oceano Atlntico Norte pode ficar mais frio e o Oceano Atlntico Sul pode ficar mais quente. E isso muito favorvel para o aumento de chuvas no Brasil, de maneira geral, e na Amaznia tambm. Esse cenrio do Oceano Atlntico atenuaria o efeito negativo at de um El Nio muito forte (a reduo de chuvas) no Norte, Nordeste e Leste da Amaznia. Haveria uma compensao. Para ele, os modelos climticos existentes ainda so limitados para representar a regio e reproduzir com clareza a variao anual das chuvas. Ainda que seja preciso esforo dos governos para financiar novas pesquisas, Manzi acredita que j existe bastante conhecimento para ser aplicado, tecnologias para recuperao de reas degradadas e manejo de florestas e extrao de madeira com baixo impacto ambiental. Luiz Carlos Baldicero Molion, professor do Instituto de Cincias Atmosfricas da Universidade Federal de Alagoas e membro da Organizao Meteorolgica Mundial, mais radical. Em entrevista ao Beira do Rio, em abril de 2006, ele disse que, primeiro, muito difcil saber se o aumento de CO2 que se nota provocado pelo homem. Existem grandes fontes naturais de CO2, como a desmineralizao das rochas (...) e as atividades vulcnicas. Ele no contra atividades menos poluentes. Ao contrrio, liderou pesquisas sobre uso de energia alternativa e gostaria de ver o buriti e outras palmceas nativas amplamente aproveitadas como combustveis renovveis. Molion admite que o aquecimento pode provocar o aumento do nvel dos mares e que um efeito social e econmica-mente pesado seria ter que deslocar cerca de quatro bilhes de pessoas, que vivem em regies costeiras. Por outro lado, olhando para o clima passado da terra, eu s vejo benefcios no aquecimento. Quando aquece, a atmosfera pode reter mais vapor dgua, o ciclo hidrolgico fica mais intenso, chove mais em toda parte do globo. Boa parte das terras que hoje esto congeladas podero ser recuperadas. (...) Foi demonstrado claramente pela histria que a humanidade floresceu durante esse perodo em que o clima estava dois graus acima do que est hoje.

    http://www.jornalbeiradorio.ufpa.br/novo/index.php/2007/27-edicao-53/298-aquecimento-global-e-tema-polemico