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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICA INSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA 29 DE SETEMBRO DE 2017 TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO/ANÁLISE DE DADOS AULA 04 Humberto José Bortolossi http://www.professores.uff.br/hjbortol/ Universidade Federal Fluminense

TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO/ANÁLISE DE DADOS AULA 04 · que as maçãs amadurecem. Até 1989, praticamente todas as maçãs vendidas em mercearias (nos Estados Unidos) eram pulverizadas

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CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICAINSTITUTO DE MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA

29 DE SETEMBRO DE 2017

TRATAMENTO DA INFORMAÇÃO/ANÁLISE DE DADOS

AULA 04

Humberto José Bortolossihttp://www.professores.uff.br/hjbortol/

Universidade Federal Fluminense

DATAÇÃO POR CARBONO 14 DO SANTO SUDÁRIO

DATAÇÃO POR CARBONO 14 DO SANTO SUDÁRIO

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são não enviesados? Senão são, que tipo de viés pode estar presente?

1. Pedir para os alunos que queiram opinar sobre o livro para levantarem as mãos.2. Consultar os seis primeiros alunos que vierem ao horário de atendimento

extraclasse do professor.3. Olhar para a lista de chamada e, sem a ajuda de um gerador de números

aleatórios, tirar uma amostra “aleatória” de seis nomes.4. Atribuir a cada aluno presente na sala de aula um número de 1 em diante e, em

seguida, usar um software ou uma tabela de números aleatórios para selecionarseis nomes.

5. Tomar uma amostra aleatória da lista de alunos matriculados e enviar porcorreio ou e-mail um questionário a cada um deles.

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são enviesados? Se são,que tipo de viés pode estar presente?

1. Pedir para os alunos que queiram opinar sobre o livro para levantarem as mãos.

Resposta:Este método irá gerar uma amostra por autosseleção, a qual muito provavelmentefavorecerá a inclusão de pessoas com fortes sentimentos positivos ou negativos comrelação ao livro sendo, portanto, uma amostra enviesada.

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são enviesados? Se são,que tipo de viés pode estar presente?

2. Consultar os seis primeiros alunos que vierem ao horário de atendimentoextraclasse do professor.

Resposta:Este método de amostragem por conveniência provavelmente não obterá umaamostra representativa, pois, em geral, os estudantes que procuram o horário deatendimento são aqueles com mais dificuldades e estes tendem a achar o livro maisdifícil de se entender.

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são enviesados? Se são,que tipo de viés pode estar presente?

3. Olhar para a lista de chamada e, sem a ajuda de um gerador de númerosaleatórios, tirar uma amostra “aleatória” de seis nomes.

Resposta:Se o professor tirar os nomes “da sua cabeça” (uma conveniência parao professor), o resultado será uma amostra obtida sem nenhum planejamentocientífico (haphazard sample) a qual, muito provavelmente, não será uma amostrarepresentativa por causa das tendências conscientes e não conscientes na escolhados nomes.

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são enviesados? Se são,que tipo de viés pode estar presente?

4. Atribuir a cada aluno presente na sala de aula um número de 1 em diante e, emseguida, usar um software ou uma tabela de números aleatórios para selecionarseis nomes.

Resposta:O problema em se escolher apenas entre os alunos presentes na sala de aula é quea base de amostragem pode não ser representativa da população: nem todosos alunos matriculados vão às aulas. Alunos ausentes podem ter um sentimentonegativo com relação à disciplina em geral (incluindo o livro texto) ou, por outrolado, eles podem achar que não precisam comparecer às aulas, pois o livro é bomo suficiente para lhes ensinar tudo o que eles precisam saber!

AMOSTRAGEM: ANÁLISE DE SITUAÇÃO (EXEMPLO 1)

Situação: Um professor quer obter uma amostra de 6 dos 80 alunos de sua turmapara saber o que eles acham sobre o livro didático adotado.

Perguntas: Os métodos de amostragem descritos a seguir são enviesados? Se são,que tipo de viés pode estar presente?

5. Tomar uma amostra aleatória da lista de alunos matriculados e enviar porcorreio ou e-mail um questionário a cada um deles.

Resposta:Esta pode ser a melhor opção do professor. Contudo, existe uma boa chance de quenem todos os 6 alunos responderem e, neste caso, o viés de não-resposta poderesultar em uma amostra atípica.

SEÇÃO 13.5: O MÉTODO DE CAPTURA-RECAPTURA

O MÉTODO DE CAPTURA-RECAPTURA

Encontrar o valor-N exato de uma população grande pode ser extremamente difícil eàs vezes impossível.

Em muitos casos, uma boa estimativa basta. Essas estimativas podem ser calculadasusando-se métodos de amostragem.

O método mais simples de amostragem para estimar o valor-N de uma população édenominado método de captura e recaptura. Este método é frequentemente usadopor biólogos para estimar o tamanho das populações de animais selvagens, o queexplica a escolha incomum do termo “captura-recaptura” no nome do método.

O MÉTODO DE CAPTURA-RECAPTURA

Passo 1. Capturar (amostrar): capturar (escolher) uma amostra de tamanho n1,marcar (identificar) os animais (objetos, pessoas) da amostra e, então, devolvê-lospara a população geral.

Passo 2. Recapturar (amostrar novamente): depois de um certo período detempo, capturar uma nova amostra de tamanho n2 e contar o número k de indivíduosdessa amostra que foram marcados no Passo 1.

Passo 3. Estimar: o valor-N da população pode ser estimado pelo número n1 n2/k,isto é, N ≈ n1 n2/k.

Explicação: se as amostras são representativas, então n1/N ≈ k/n2 (a proporção deindivíduos marcados na população e na amostra são aproximadamente iguais), demodo que

N ≈ n1 n2/k.

EXEMPLO 13.6: PEIXES PEQUENOS EM UM LAGO GRANDE

Um lago artificial grande está abastecido de bagres. Como parte de um projeto depesquisa, é necessário contar o número de bagres no lago. Um censo está fora dequestão (esvaziar o lago), de modo que nossa melhor aposta é o método de captura-recaptura.

Passo 1. Para nossa primeira amostra, vamos capturar um número n1 pré-determinado de bagres, digamos, n1 = 200. Esses peixes são marcados e, então,liberados de volta ao lago.

Passo 2. Após esperar tempo suficiente para que os peixes marcados e liberados sedispersem e se misturem no lago artificial, fazemos uma nova amostragem de n2bagres. Não é preciso que n2 seja igual a n1, mas é uma boa prática que as duasamostras tenham a mesma ordem de grandeza. Digamos, n2 = 150. Dos 150 bagresda segunda amostra, k = 21 estavam marcados (faziam parte da amostra original).

EXEMPLO 13.6: PEIXES PEQUENOS EM UM LAGO GRANDE

Assumindo que as amostras são representativas, temos então que

N ≈ n1 n2/k = 200 × 150/21 ≈ 1428,57.

Obviamente, o valor 1428,57 não deve ser considerado literalmente, uma vez que Ndeve ser um número inteiro. Além do mais, é bom lembrar que estamos fazendouma estimativa. Uma conclusão admissível que existem aproximadamente 1400bagres no lago.

Assim, pesquei numerosos peixes nas margens do Suez, coloquei-lhes anilhas nascaudas e lancei-os de novo ao mar. Alguns meses mais tarde, nas costas da Síriaapanhei alguns peixes com os meus anéis.

Júlio Verne (1828 –1905), Vinte Mil Léguas Submarinas

SEÇÃO 13.6: ESTUDOS CLÍNICOS

ESTUDOS CLÍNICOS

Uma pesquisa normalmente lida com perguntas que têm respostas diretas emensuráveis. Se a eleição fosse hoje, você votaria no candidato X ou nocandidato Y? Quantas pessoas vivem em sua casa? Quantos peixes-gatos estãomarcados? Nessas situações, a coleta de dados envolve observação, medição eregistro, mas sem o envolvimento ativo ou interferência com o fenômeno a serobservado.

ESTUDOS CLÍNICOS

Um tipo diferente de processo de coleta de dados é necessário quando estamostentando estabelecer conexões entre uma causa e um efeito.

Será que aulas de matemática aumentam as chances de se conseguir um bomemprego? Ser um fumante passivo aumenta significativamente o risco de sedesenvolver câncer de pulmão? Será que uma dose diária de aspirina reduzas chances de se ter um ataque cardíaco? Os benefícios da terapia de reposiçãohormonal para mulheres com mais de 50 superam os riscos?

Estas perguntas do tipo causa-efeito não podem ser respondidas por meio de umamedição imediata e requerem uma observação durante um período prolongado detempo.

Além disso, nessas situações, o processo de coleta de dados exige uma participaçãoativa do experimentador. Além de observação, medição e registro, também existetratamento.

ESTUDOS CLÍNICOS

Quando queremos saber se uma determinada causa X produz um certo efeito Y,uma possibilidade é criar um estudo onde a causa X é gerada e seus efeitos sãoobservados. Se o efeito Y é observado, então é possível que X seja realmente umacausa de Y. Estabelecemos assim uma associação (association) entre a causa X eo efeito Y.

O problema, no entanto, é a possibilidade de que alguma outra causa Z diferente deX tenha produzido o efeito Y e que X que não tenha nada a ver com isso.

Só porque estabelecemos uma associação, isso não significa que tenhamosestabelecido uma relação de causa-e-efeito entre as variáveis. Estatísticos gostam deexplicar isso com um simples ditado: associação não é causalidade (association isnot causation).

ESTUDOS CLÍNICOS

Vamos ilustrar a situação com um exemplo fictício. Suponha que queiramos saberse o consumo de doces aumenta as chances de se desenvolver diabetes em adultos.Aqui a causa X é estar comendo doces e o efeito Y é desenvolver diabetes.

Criamos uma experiência em que 1000 ratos adultos de laboratório são alimentados,para além da sua dieta normal, com 220 gramas de doce por dia, durante um períodode seis meses. No final do período de seis meses, detectamos que 150 dos 1000ratos (15%) desenvolveram diabetes.

Uma vez que, em condições normais, apenas 3% de uma população de ratosdesenvolve diabetes, estabelecemos assim uma associação entre a causa (consumode doces) e o efeito (aumento da incidência de diabetes).

ESTUDOS CLÍNICOS

É muito tentador concluir que o diabetes em ratos foi de fato provocado peloconsumo de doces. Mas, se fizéssemos isso, estaríamos fazendo ciência muito ruim.

Como podemos ter tanta certeza de que o consumo de doces foi realmente a causado aumento da incidência de diabetes? Poderia haver algum outro motivo oculto quenão nos demos conta? Investigamos a alimentação regular dos ratos? A falta deexercícios? As condições da gaiola onde os ratos estavam alojados?

Se você acha que essa nossa estória fictícia dos doces está muito rebuscada para serrealista, considere o nosso próximo estudo de caso.

ESTUDO DE CASO 5: O CASO ALAR

Alar é um produto químico usado por produtores de maçã para regular o ritmo emque as maçãs amadurecem. Até 1989, praticamente todas as maçãs vendidas emmercearias (nos Estados Unidos) eram pulverizadas com Alar.

Mas, em 1989, o Alar tornou-se má notícia, sendo denunciado nos jornais e na TVcomo um potente agente causador de câncer e uma das principais causas de câncerem crianças. Como resultado desses relatórios, as pessoas pararam de comprarmaçãs, escolas de todo o país removeram suco de maçã de seus menus, e a indústriade maças do Estado de Washington perdeu cerca de 375 milhões de dólares.

ESTUDO DE CASO 5: O CASO ALAR

O caso contra o Alar baseou-se em um único estudo em 1973 com ratos delaboratório que foram expostos aos princípios ativos do Alar. A dosagem utilizadano estudo foi oito vezes maior do que a concentração máxima tolerada: umadosagem em que até mesmo substâncias inofensivas podem produzir danosteciduais.

Na verdade, uma criança teria que comer cerca de 200.000 maçãs por dia para serexposta a uma dosagem equivalente do produto químico.

Estudos posteriores feitos pelo Instituto Nacional do Câncer e pela Agência deProteção Ambiental falharam em mostrar qualquer relação causa-e-efeito entreo Alar e o câncer em crianças.

ESTUDO DE CASO 5: O CASO ALAR

Embora agora seja geralmente aceito que o Alar não causa câncer, por questões deresponsabilidade legal potencial, ele não é mais usado. O caso Alar acabou por serum alarme falso baseado em uma má compreensão da evidência estatística.Infelizmente, o caso Alar deixou em seu rastro uma longa lista de vítimas, entre elasa indústria da maçã, fabricantes de produtos, a mídia e a confiança do público nosistema.

Para a maioria das situações de causa-e-efeito, especialmente aquelas complicadaspelo envolvimento de seres humanos, um único efeito pode ter muitas causaspossíveis e reais. O que causa o câncer? Infelizmente, não há uma única causa:dieta, estilo de vida, o ambiente, estresse e hereditariedade são todos fatoresconhecidos como causas contribuintes para o diabetes. A extensão em que cada umadestas causas contribui individualmente e a extensão em que eles interagem umacom a outra são perguntas extremamente difíceis que só podem ser respondidas pormeio de estudos estatísticos cuidadosamente concebidos.

ESTUDOS CLÍNICOS

Até o fim deste capítulo vamos ilustrar um tipo importante de estudo chamado deestudo clínico (clinical study) ou ensaio clínico (clinical trial) Geralmente,os estudos clínicos estão preocupados em determinar se uma única variável outratamento (normalmente uma vacina, um medicamento, uma terapia, etc.) podecausar um certo efeito (uma doença, um sintoma, uma cura, etc.) .

A importância de tais estudos clínicos é evidente: novas vacinas, medicamentos outratamentos devem ser testados por meio de um estudo clínico antes de que sejamliberados oficialmente para uso público. Da mesma forma, quase tudo o que é ruimpara nós (cigarros, cafeína, gorduras trans, etc.) recebe sua certificação oficial demalefício por meio de um estudo clínico.

ESTUDOS CLÍNICOS

Conceber adequadamente um estudo clínico pode ser uma tarefa difícil econtroversa e, como resultado disso, somos muitas vezes bombardeados cominformações conflitantes produzidos por diferentes estudos que examinam a mesmaquestão de causa e efeito (afinal, ovos fazem bem ou mal para a saúde?). Contudo,os princípios básicos que norteiam um estudo clínico são muito bem estabelecidospela prática estatística.

O primeiro e o mais importante quesito em qualquer estudo clínico é o de se isolara causa (tratamento, medicamentos, vacinas, terapia, etc.) que está sob investigaçãode todas as outras possíveis causas (chamadas de variáveis de confusão(confounding variables) que poderiam produzir o mesmo efeito. Geralmente, isto éfeito controlando-se o estudo.

ESTUDOS CLÍNICOS

Exemplo de Variáveis de Confusão

Nível de Barulho × Nível de Concentração

O nível de concentração está associado apenas com o nível de barulho?

Variáveis Condição 1 Condição 2Nível de Barulho Baixo AltoQI Médio MédioTemperatura da Sala 28ºC 28ºCSexo 60% mulheres 60% mulheresDificuldade do teste Moderado ModeradoHorário do dia Manhã Manhã

ESTUDOS CLÍNICOS

Exemplo de Variáveis de Confusão

Nível de Barulho × Nível de Concentração

O nível de concentração está associado apenas com o nível de barulho?

Variáveis Condição 1 Condição 2Nível de Barulho Baixo AltoQI Médio MédioTemperatura da Sala 28ºC 40ºCSexo 60% mulheres 60% mulheresDificuldade do teste Moderado ModeradoHorário do dia Manhã Tarde

ESTUDOS CLÍNICOS

Em um estudo controlado (controlled study), os indivíduos são divididos em doisgrupos: o grupo de tratamento (treatment group) e o grupo de controle (controlgroup).

O grupo de tratamento é constituído por aqueles indivíduos que receberamo tratamento de fato. O grupo de controle consiste dos indivíduos que nãoreceberam qualquer tratamento e que estão participando do estudo apenas para finscomparativos (é por isso que, algumas vezes, o grupo de controle também échamado de grupo de comparação (comparison group)).

Se uma relação real de causa-e-efeito existe entre o tratamento e o efeito a serestudado, então o grupo de tratamento deve mostrar os efeitos do tratamento eo grupo de controle não.

ESTUDOS CLÍNICOS

Para eliminar as muitas possíveis variáveis de confusão que podem enviesaros resultados, um estudo controlado bem concebido deve ter os grupos detratamento e de controle similares em todos os aspectos, com a única exceção deque um grupo está recebendo o tratamento e o outro não.

Seria uma ideia muito ruim, por exemplo, ter um grupo de tratamento que é todoformado por mulheres e um grupo de controle que é todo formado por homens.

A maneira mais confiável de se obter grupos de tratamento e de controle igualmenterepresentativos é a utilização de um estudo controlado aleatório. Em um estudocontrolado aleatório (randomized controlled study), os indivíduos são designadosou para o grupo de tratamento ou para o grupo de controle de forma aleatória.

ESTUDOS CLÍNICOS

Quando um estudo controlado aleatório é realizado corretamente, os grupos detratamento e de controle pode ser considerados como estatisticamente semelhantes.

Mas ainda há uma grande diferença entre os dois grupos que pode afetarsignificativamente a validade do estudo: uma variável de confusão crítica conhecidacomo efeito placebo. O efeito placebo (placebo effect) decorre do princípiogeralmente aceito de que apenas a ideia de que se está recebendo um tratamentopode produzir resultados positivos.

Assim, quando os sujeitos em estudo estão recebendo uma pílula ou uma vacina oualgum outro tipo de tratamento, como é que os pesquisadores podem separaros resultados positivos que são consequências do tratamento propriamente daquelesque poderiam estar sendo causados pelo efeito placebo?

ESTUDOS CLÍNICOS

Quando possível, a forma padrão para se lidar com este problema é dar ao grupo decontrole um placebo. Um placebo é uma forma de tratamento “faz de conta”: umapílula inofensiva, uma injeção de solução salina ou qualquer outro tipo detratamento falso que parece ser o tratamento real. Um estudo controlado em queos sujeitos do grupo de controle recebem um placebo é chamado um estudocontrolado com placebo (controlled placebo study).

Ao dar a todos os indivíduos um tratamento aparentemente igual (o grupo detratamento recebendo o tratamento real e o grupo de controle recebendo um placeboque se parece com o tratamento real), não eliminamos o efeito placebo mas, simo controlamos: qual seja o seu efeito, ele afeta todos os indivíduos igualmente.

É importante mencionar que o uso de placebos é inútil se o indivíduo souber que eleou ela está recebendo um placebo. Assim, um segundo elemento-chave de um bomestudo controlado por placebo é que todos os indivíduos sejam mantidos no escuroquanto ao fato deles estarem recebendo o tratamento real ou um placebo.

ESTUDOS CLÍNICOS

Um estudo no qual nem os membros do grupo de tratamento e nem os membros dogrupo de controle sabem em qual grupo eles estão é denominado um estudo cego(blind study).

Este tipo de cuidado é um requisito fundamental para um estudo controlado complacebo, mas ele não é o único. Para tornar objetiva a interpretação dos resultados(que muitas vezes podem ser ambíguos), é importante que os cientistas queconduzem o estudo e coletam os dados também estejam no escuro quando se tratade saber quem recebeu o tratamento real e quem recebeu o placebo.

Um estudo controlado com placebo em que nem os participantes e nem os cientistasque conduzem a experiência sabem quais os indivíduos que estão no grupo detratamento e quais estão no grupo de controle é chamado de um estudo duplo-cego(double blind-study).

Nosso próximo caso de estudo ilustrará um dos mais famosos e importantes estudosduplo-cego nos anais da pesquisa clínica.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

A poliomielite (paralisia infantil) foi praticamente erradicada no mundo ocidental.Na primeira metade do século XX, no entanto, ela era um grande problema de saúdepública. Mais de meio milhão de casos de pólio foram registrados entre 1930 e1950, e o número real pode ter sido consideravelmente maior.

Uma vez que a pólio ataca principalmente crianças e porque seus efeitos podem sermuito graves (paralisia ou morte), a erradicação da doença tornou-se uma prioridadede saúde pública nos Estados Unidos. No final de 1940, já se sabia que a pólio eraum vírus e, como tal, que ela poderia ser tratada por uma vacina a qual, por sua vez,seria constituída por um vírus.

O vírus da vacina pode ser um vírus similar que não têm os mesmos efeitos nocivos(vacina de vírus vivo) ou pode ser o vírus real que produz a doença, mas que foimorto através de um tratamento especial (vacina de vírus morto). Nos dois casos,o corpo humano produz anticorpos que permanecem no sistema e dão imunidadeindividual contra um ataque do vírus real.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

As duas abordagens têm suas vantagens e desvantagens. O uso de vírus vivo produzuma reação mais forte e uma imunidade melhor, mas, ao mesmo tempo, é tambémmais suscetível de provocar uma reação nociva e, em alguns casos, até mesmoproduzir a doença que se quer evitar. O uso de vírus morto é mais seguro em termosde probabilidade de produzir uma reação nociva, mas também é menos eficaz emproporcionar o nível desejado de imunidade.

Estes fatos são importantes porque nos ajudam a entender a extraordináriaquantidade de cautela que foi empregada na concepção do estudo que testoua eficácia da vacina contra a poliomielite.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

Em 1953, várias vacinas potenciais tinham sido desenvolvidas, uma das maispromissoras, que era uma vacina de vírus morto, foi desenvolvida por Jonas Salk naUniversidade de Pittsburgh. A abordagem vírus morto foi escolhida porque haviaum grande risco potencial em se testar uma vacina de vírus vivo em um estudo emgrande escala. (Um estudo em grande escala foi necessário para coletar informaçõessuficientes sobre a poliomielite que, na década de 1950, teve uma taxa de incidênciaentre crianças de cerca de 1 em 2000.)

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

O teste de qualquer nova vacina ou novo medicamento cria muitos dilemas éticosque têm que ser considerados na concepção do estudo. Com uma vacina de vírusmorto, o risco de consequências nocivas produzidas pela vacina em si é pequeno,então uma abordagem possível seria a de distribuir a vacina amplamente entrea população e depois verificar se houve um declínio na incidência nacional de pólionos anos seguintes. Este procedimento, que não era possível no momento porque asfontes eram limitadas, é chamado de abordagem de estatística vital (vital statistics)e é a maneira mais simples para testar uma vacina.

Esta foi, essencialmente, a forma de como a eficácia da vacina contra a varíola foitestada. O problema com esta abordagem para a pólio é que a pólio é um tipo dedoença epidêmica, o que significa que há uma grande variação na incidência dadoença de um ano para outro. Em 1952, havia cerca de 60 mil casos de poliomielitenos Estados Unidos mas, em 1953, o número de casos relatados caiu para quasemetade (cerca de 35 mil). Uma vez que nenhuma vacina ou tratamento foi utilizado,a causa da redução foi a variabilidade natural típica de doenças epidémicas.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

Mas se uma vacina ineficaz contra a poliomielite tivesse sido testada em 1952 semum grupo de controle, o efeito observado de uma grande queda na incidência depólio em 1953 poderia ter sido interpretado erroneamente como uma evidênciaestatística de que a vacina funcionou.

A decisão final sobre a melhor forma de se testar a eficácia da vacina Salk foideixada para um comitê consultor de médicos, funcionários públicos e estatísticosconvocados pela Fundação Nacional para a Paralisia Infantil e o Serviço de SaúdePública. Foi uma decisão altamente controversa mas que, no final, optou por umestudo controlado por placebo, duplo-cego, aleatório e em larga escala.

Cerca de 750 mil crianças foram selecionadas aleatoriamente para participar doestudo. Destas, cerca de 340 mil se recusaram a participar e outras 8,5 mildesistiram no meio do estudo. As crianças restantes foram divididas aleatoriamenteem dois grupos – um grupo de tratamento e um grupo de controle – com cerca de200 mil crianças em cada grupo.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

Nem as famílias das crianças e nem os pesquisadores que coletaram os dadossabiam se uma determinada criança estava recebendo a vacina real ou uma dose deum solução inofensiva.

Este cuidado foi fundamental, porque a pólio não é uma doença fácil de sediagnosticar: ela vem em muitas formas e em graus diferentes. Saber se a criançarecebeu ou não a vacina real poderia influenciar o diagnóstico do médico.

Um resumo dos resultados dos estudos da vacina Salk estão apresentados na tabelaa seguir.

ESTUDO DE CASO 6: OS ENSAIOS DE SALK DE 1954PARA A VACINA DA PÓLIO

*Estes números não são indicadores confiáveis do número real de casos: eles são apenas casos autorrelatados.Fonte: adaptado de Thomas Francis, Jr., et al., “An Evaluation of The 1954 Poliomyelitis Vaccine Trials – Summary Report”,American Journal of Public Health, 45 (1955), 25.

Estes dados dão evidências conclusivas de que a vacina Salk foi um tratamentoefetivo para a pólio e, com base nesse estudo, uma campanha de inoculação emmassa foi estabelecida. Hoje, todas as crianças são inoculadas contra a pólio ea doença foi essencialmente erradicada dos Estados Unidos. A Estatísticadesempenhou um papel importante neste marco importante em saúde pública.

Número de crianças

Número de casos relatados de pólio

Número de casos com paralisia

de pólio

Número de casos fatais

de pólio

Grupo de tratamento 200745 82 33 0

Grupo de controle 201229 162 115 4

Se recusaram a participar 338778 182* 121* 0*

Desistiram 8484 2* 1* 0*

Total 749236 428 270 4

CONCLUSÃO

CONCLUSÃO

Neste capítulo discutimos os diferentes métodos de coleta de dados. Em princípio,o método mais preciso é um censo, um método que se baseia na coleta de dados decada membro da população. Na maioria dos casos, devido a considerações de custoe tempo, o censo é uma estratégia irrealista.

Quando os dados são coletados a partir de apenas um subconjunto da população(chamado de amostra), o método de coleta de dados é chamado de pesquisa.A regra mais importante na concepção de uma pesquisa é eliminar ou minimizaro viés da amostragem. Hoje, quase todas as estratégias de coleta de dados sãobaseados em pesquisas em que as leis do acaso são usados para determinar a formade como a amostra é selecionada.

Esses métodos de coleta de dados são chamados de métodos de amostragemaleatória. A amostragem aleatória é a melhor maneira conhecida para minimizar oueliminar o viés de amostragem. Dois dos métodos mais comuns de amostragemaleatória são amostragem aleatória simples e amostragem estratificada.

CONCLUSÃO

Algumas vezes a identificação da amostra não é suficiente. Nos casos em quequestões de causa-e-efeito estão envolvidas, os dados podem vir à superfície apenasdepois de um extenso estudo ser realizado. Nestes casos, isolar a variável causa emconsideração de outras possíveis causas (chamadas variáveis de confusão) é um pré-requisito essencial para a obtenção de dados confiáveis. A estratégia padrão parafazer isto é um estudo controlado em que a amostra é dividida em um grupo detratamento e um grupo de controle.

Estudos controlados são agora usados (e, em alguns casos, de forma inconveniente)para resolver as questões que afetam todos os aspectos de nossas vidas. Podemosagradecer a esta área da estatística por muitos avanços em ciências sociais, medicinae saúde pública, bem como pelos avisos constantes e terríveis sobre a nossa saúde,a nossa dieta e praticamente tudo o que é divertido.

AGORA: EXERCÍCIOS EM SALA DE AULA