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Traducao de Luiz J030 Barauna - UMA INTRODUCAO AOS -- _." PRINCIPIOS DA MORAL - E DA LEGISLACAO -- JEREMY BENTHAM

Uma Introdução Aos Princípios Da Moral e Da Legislação

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BENTHAM

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  • Traducao de Luiz J030 Barauna

    -UMA INTRODUCAO AOS--_."PRINCIPIOS DA MORAL-

    E DA LEGISLACAO--

    JEREMY BENTHAM

    Ib ~ __

  • 1 A esta expressao acrcscentei ultimarnente -- substituindo ate a primeira - esta outra: a maiorfelicidade,ou 0 principio da maior felicidade; isto por arnor a brevidade, ao inves de expressar-me assim longamente:"0 principio que estabelece a maior felicidade de todos aqueles cujo interesse esta ern jogo, como sendo ajusta e adequada finalidade da acao humana, e ate a {mica finalidade justa, adequada e universalmente dese-javcl; da acao humana, digo, em qualquer situacao ou estado de vida, sobretudo na condicao de urn funcio-nario ou grupo de funcionarios que exercc. 0::; poderes de governo". A palavra "utilidade" nao ressalta asideias de prazer e dor com tanta clarez a como 0 termo "felicidade" (happiness, felicity); tampouco 0 termonos leva a considerar 0 numero dos interesses afetados; numero este que constitui a circunstancia que contri-bui na maior proporcao para formar a norma em questao -_ a norma do reto e do errado, a {mica que podecapacitar-nos a julgar da retidao da conduta humana, em qualquer situacao que seja. Esta falta de uma cone-xao suficientemente clara entre as ideias de felicidade e prazer, por uma parte, e a ideia de utilidade, porDutra, tern constituido mais de uma vez, para certas pessoas - conforme pude constatar -, urn obstaculopara a aceitacao do principio acima, aceitacao que, de outra forma, possivelmente nao teria encontradoresistencia. (N. do A. em julho de 1822.)

    A natureza colocou 0 genero humano sob 0 dorninio de dois senhores sobe-ranos: a dar e 0 prazer. Somente a eles compete apontar 0 que devemos fazer,bern como determinar 0 que na realidade faremos. Ao trono desses dois senhoresest a vinculada, por uma parte, a norma que distingue 0 que e reto do que e errado,e, por outra, a cadeia das causas e dos efeitos.

    Os dois senhores de que falamos nos governam em tudo 0 que fazemos, emtudo 0 que dizemos, em tudo 0 que pensamos, sendo que qualquer tentativa quefacarnos para sacudir este senhorio outra coisa nao faz senao dernonstra-lo econfirma-lo. Atr aves das suas palavras, 0 homem pode pretender abjurar taldominic, porern na realidade perrnanecera sujeito a ele em todos os momentos dasua vida.

    a principia da utilidade 1 reconhece est a sujeicao e a coloca como funda-mento desse sistema, cujo objetivo consiste em construir 0 edificio da felicidadeatraves da razao e da lei. Os sistemas que tentam questionar este principio saomeraspalavras e nao uma atitude razoavel, capricho e nao razao, obscuridade enao Iuz.

    Entretanto, basta de metaforas e declamacao, uma vez que nao e destaforma que a ciencia moral pode ser aperfeicoada.

    II. -- 0 principio da utilidade constitui 0 fundamento da presente obra.Conseqiientemente, sera consentaneo, de inicio, definir explicitamente a suasignificacao.

    o principio da utilidadeCAPITULO I

  • 2 lntcr cs:: Cum a dessas palavr as que. pur n.io ter um gener (genus) superior. niio pode SCI" definid.i pOl' \'i;\(.rciin;tlJil. U--J. du A.)

    Por principio de utilidade entende-sc aquele principio que aprova ou desa-prova qualquer acao, segundo a tendencia que tern a aumentar ou a diminuir afelicidade da pessoa cujo interesse esta em jogo, ou, 0 que e a mesma coisa em ou-tros termos, segundo a tendencia a promover ou a comprometer a referida felici-dade. Digo qualquer acao, com 0 que tenciono dizer que isto vale nao somentepara qualquer acao de urn individuo particular, mas tam bern de qualquer ato oumedida de governo.

    III. -- 0 termo utilidade designa aquela propriedade existente em qualquercoisa, propriedade em virtude da qual 0 objeto tende a produzir ou proporcionarbeneficio, vantagern, prazer, bern ou felicidade (tudo isto, no caso presente, sereduz (1 mesma coisa), ou (0 que novamente equivale it mesma coisa) a impedirque aconteca 0 dano, a dor, 0 mal, ou a infelicidade para a parte cujo interesseesta em pauta; se esta parte for a comunidade em geral, tratar-se-a da felicidadeda comunidade, ao passo que, em se tratando de urn individuo particular, estaraem jogo a felicidade do mencionado individuo.

    IV. -- 0 interesse da comunidade, eis uma das expressoes mais comuns quepode ocorrer na terminologia e na fraseologia moral. Em conseqiiencia, nao e deestranhar que muitas vezes se perea de vista 0 seu significado exato. Se a palavrativer um sentido, sera 0 seguinte. A comunidade constitui urn corpo ficticio, corn-posto de pessoas individuais que se consideram como constituindo os..seus mem-bros. Qual e, neste caso, 0 interesse da comunidade? A soma dos intergsses dosdiversos membros que integram a referida comunidade.

    V. E inutil falar do interesse da comunidade, se nao se cornpreender qualC0 interesse do individuo.:' Diz-se que uma coisa promove 0 interesse de urn indi-viduo, ou favorcce ao interesse de urn individuo, quando tende a aumentar a somatotal dos seus prazeres, ou entao, 0 que vale afirmar 0 mesmo, quando tende adiminuir a soma total das suas dores.

    VI. --- Por conseguinte, afirrnar-se-a que uma determinada acao esta emconforrnidade com 0 principio da utilidade, au, para ser mais breve, it utilidade,quando a tendencia que ela tern a aumentar a felicidade, for maior do que qual-quer tendencia que tenha a diminui-la. '

    VII. --- Pode-se afirmar que urna medida de governo (a qual constitui ape-nas uma especie particular de acao, praticada por uma pessoa particular au porpessoas particulares) esta em conforrnidade com 0 principia de utilidade -- au editada por ele ---- quando, analogamente, a tendencia que tern a aumentar a felici-dade da cornunidade for maior do que qualquer tcndencia que tenha a diminui-la,

    VIII. -----Quando uma pessoa supoe que uma acao ou, em particular, umamedida de governo, esta em conformidade com 0 principio de utilidade, pode serconvenicnte. para as finalidadcs do discurso, irnaginar uma especie de lei ou dita-do, dcnominado uma lei ou ditado de utilidade ; consequentemente, podera serconveniente dizer que a acao em pauta esta em conformidade com tal lei oudit ado.

    BENTHAMlO

  • J Ouvi csta objcc.io : "0 principio da utilidade e urn principio perigoso; em certas ocasioes e perigosoconsulta-Io (10 consult it) ': Isto equivale a dizer: nao e condizente a utilidade consultar a utilidade.* (N. do;\.)

    * Nao logramox LIma versao portuguesa que expressasse fielmente 0 pensamento do autor e an rnesmotempt) sulvussc () jogu de palavr as que aparece no fraseado ingles com 0 qual 0 autor cementa (1 objecaoacima cit.uta: This is as milch as 10 say, what'! That it is not consonant :0 utility, to consult utility: ill short,rita! if is not consulting it, 10 consult it. (N. do T.)

    IX. - Pode-se afirmar que uma pessoa e partidaria do principio de utiIi-dade quando a aprovacao ou a desaprovacao que da a alguma acao, ou a algumamedida, for determinada pela tendencia que, no seu entender, tal acao ou medidatern a aumentar ou a diminuir a felicidade da comunidade; ou, em outras pala-vras, pela sua eonformidade ou niio-conformidade com as leis ou os ditames dautilidade.

    X. - Em se tratando de uma acao que e conforme ao principio da utilidade,podemos sempre afirmar ou que eia deve ser praticada, ou, no minimo, que naoe proibido pratica-la. Pode-se dizer, igualmente, que e reto.pratica-la - ou, pelomenos, que nao e errado pratica-la; ou entao, que e uma acao reta -. ou, pelomenos, que nao e uma acao errada. Se assim forem interpretadas, tern sentido aspalavras deveria, reto, errado, 0 mesmo valendo de outros termos analogos. _p~outra forma, os mencionados termos carecem totalmente de significado.

    XL - Porventura a justeza do referido principio foi alguma vez formal-mente contestada? Parece que sim, por parte daqueles que nao sabiam 0 quediziam. Sera este principio suscetivel de alguma dernonstracao direta? Parece quenao. Com efeito, 0 principio que se utiliza para demonstrar todas as outras coisasnao pode ele mesmo ser demonstrado; uma cadeia de demonstracoes deve ter 0seu inicio em algum ponto. Conseqiientemente, fornecer uma tal demonstr acao etao irnpossivel quanto superfluo.

    XII. - Nao que nao haja ou nao tenha havido alguma criatura, por maisimbecil ou perversa que seja, que nao tenha cedido a este principio em muitasocasioes da sua vida, ou mesmo na maioria dos casos. Em virtude da propriaconstituicao natural da estrutura humana, na maioria das ocasioes da sua vida ashomens geralmente abracam este principio sem pensar explicitamente nele: senao para orientar a sua propria conduta, pelo menos para julgar as suas propriasacoes, bern como as dos outros. Ao mesmo tempo, tern havido poucos, mesmoentre os mais dotados de inteligencia, que se mostraram dispostos a abracar 0principio pura e simplesmente, sem reservas. Poucos sao, igualmente, os que naoaproveitaram alguma ocasiao para contesta-lo, ou porque nem sempre compreen-deram a maneira de aplica-Io em concreto, ou em razao de algum preconceito oumotivo que tern receio de analisar em profundidade, ou porque nao conseguemaceitar todas as suas consequencias,

    Com efeito, esta e a materia de que e feito 0 homem: em principio e na prati-ca, na senda reta ou na errada, a qualidade humana mais rara e a coerencia e aconstancia no modo de agir e pensar.

    XIII. --- Quando uma pessoa tenta impugnar 0 principio da utilidade, fa-loestribado em razoes hauridas desse mesmo principio,:' ainda que nao tenha eons-

    1 JPRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • :.\11-

    ciencia do fato. Os seus argumeruos, se algo demonstram, nao provam que 0 prin-cipio e erroneo, mas apenas que, segundo a aplicacao que a pessoa em questaoacredita dever fazer dele, 0 principio e mal aplicado. E possivel a urn hornemmover a terra? Sim, porern para isto e necessario antes encontrar uma outra terraque sirva como ponto de apoio.

    XIV. - Refutar a justeza do principio da utilidade com argumentos consti-tui tarefa impossivel. Entretanto, em virtude das razoes acima mencionadas, aupor motivo de uma visao confusa e limitada que se tern do principio, e possivelque uma pessoa nao 0 aprecie. Se tal for 0 caso, e se tal pessoa acreditar que valea pena discutir sobre as suas opinioes acerca do assunto, facarnos com que elaexecute os seguintes passos. E possivel que, a longo prazo, a pessoa se reconciliecom 0 nosso principio.

    (1) Facamos com que a pessoa reflita dentro de si mesma se deseja descartartotal mente este principio. Se ela optar por esta alternativa, pecamos-lhe que con-sidere a que se reduzem todos os seus argumentos, sobretudo em materia depolitica.

    (2) Se a pessoa estiver disposta a isto, facamo-la discutir consigo mesmasobre estas perguntas: estaria ela disposta a julgar e agir sem basear-se em ne-nhum principio? Existiria algum outro principio sobre 0 qual estaria disposta abasear 0 seu julgamento e a sua acao?

    (3) Se a pessoa optou por um outro principio, levemo-Ia a examinar satisfa-toriamente diante de si mesma se 0 principio que acredita haver encontrado cons-titui na realidade urn principio inteligivel diferente, ou se talvez nao seria apenasurn pseudoprincipio ou mere jogo de palavras, uma especie de frase estereoti-pada, que fundamentalrnente nao expressa nem rnais nem menos do que urn meroreconhecimento das suas proprias opinioes infundadas - em outros termos, 0que a referida pessoa denominaria urn capricho, se se tratasse de outra pessoa.

    (4) Se a pessoa estiver inclinada a crer que a propria aprovacao ou desapro-vacao que da a ideia de um ato, sem qualquer consideracao pelas suas conseqiien-cias, constitui para ela um fundamento suficiente para julgar e agir, facamo-larefletir consigo mesma sobre a seguinte questao: 0 seu modo de pensar deve serconsider ado como norma do reto e do errado para todos os outros homens? Ousera que a conviccao de cada urn tern 0 mesmo privilegio de constituir umanorrna-padrao?

    (5) Se responder afirmativamente a primeira questao, facamo-la perguntar-sea si mesma se 0 seu principio nao e despotico e hostil a todos os outros homens.

    (6) Se responder afirmativamente a segunda questao, perguntemos se talprincipio nao leva ao anarquismo, ese, caso assim for, nao haveria tantas normasdo reto e do errado quantos sao os homens. Perguntemos-lhe tarnbem se, nestahip6tese, nao se deveria concluir que, mesmo em se tratando de uma e mesmapessoa, 0 que e hoje reto amanha poderia ser errado, sem que haja a minima alte-racao na propria coisa. Inquiramos tambem se, nesta hipotese, nao aconteceriainevitavelmente que uma e mesma coisa seria ao mesmo tempo reta e errada, noruesrno lugar. Em ambos os casos, perguntemos se toda a argurnentacao nao che-

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  • gou ao fim. Perguntemos tarnbem se, depois de duas pessoas dizerem "Eu gostodisto", e""Eu nao gosto disto", poderao ainda, baseada em tal principio, ter algomais a dizer.

    (7) Caso a referida pessoa diga "Nao", alegando que 0 principio que propoecomo norma de pensar e de agir deve fundar-se na reflexao, perguntemos-lhe aque pontos particulares deve voltar-se a reflexao. Se a reflexao tiver por objetopontos particulares relacionados com a utilidade do ato, perguntemos-Ihe se istonao significa abandonar 0 seu proprio principio e recorrer aquele mesmo princi-pio contra 0 qual esta combatendo. Se a pessoa responder que a reflexao a serfeita nao tern por objeto pontos particulares referentes a utilidade, mas outros,pergunternos-lhe quais seriam esses outros pontos particulares.

    (8) Se a pessoa optar por urn compromisso, adotando em parte 0 seu proprioprincipio e em parte 0 principio da utilidade, facamos com que pergunte a simesma ate que ponto adota este ultimo.

    (9) Quando a pessoa tiver determinado para si mesma 0 ponto ate 0 qualdecidiu adotar 0 principio da utilidade, facamos com que pergunte a si mesmacomo justifica 0 fato de te-lo adotado ate este ponto e por que nao 0 adota na suatotalidade.

    (10) Adrnitindo-se que, alern do principio da utilidade, exista algum outroprincipio valido que estabeleca 0 que e reto e 0 que e errado, e que 0 homempossa seguir; admitindo-se - 0 que nao corresponde a verdade - que 0 termoreto possa ter sentido sem referencia a utilidade, perguntemos a mencionada pes-soa se pode existir 0 que se denomina motivo, que uma pessoa podeter para se-guir os ditames do principio ; se a pessoa responder que existe tal motivo, pergun-temos-lhe qual e, e de que maneira se pode distingui-lo daqueles que nos levam aseguir os ditames do principio 'Ciautilidade. Se 0 motivo aduzido nao for convin-cente, perguntemos finalmente a pessoa: para que serve esse outro principio?

    ..

    13PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • 4 Ascetismo ou asccticisrno C urn termo que por vezes foi aplicado 'lOS manges. Procede de uma palavragrega (ask esis) que significa exercicio, As pr aticas pel as quais as manges procuravarn distinguir-sc dos ou-tros homcns sc denominavam os seus excrcicios. Estes consistiam em lima serie de invencoes par elcs criadaspara macer ar-se. Com isto pensavam conquistar a benevolencia da Divindade. Com efeito, assim diziam: "ADivindade c urn Ser de infinita benevolencia; ora, um Ser dotado de benevolencia mais comum tern prazerem vcr que outros sc tornam tao felizes quanta seja possivcl; por conseguinte, urn carninho para agradar ~lDivindade consiste em torriar-nos tao infelizes quanto seja possivel".Sc alguern lhes pcr guntasse que motivo poderiam eneontrar para todas essas praticas, respondiam nestes tcr1110S: "Nao dcveis irnaginar que estejarnos punindo a nos mesmos par nada, bern sabernos 0 que temos emvista. Devcis saber que par cada grao de dor que suportarmos agora, logo mais terernos cern graos de prazer.F: que Deus se compraz em ver que nos maeeramos no presente, pais Ele mesmo nos disse isto. Todavia,c fcito apenas para ten tar-nos. para vel' como nos cornportarnos, 0 que evidenternente nao poderia saber scmfazcr a exper icncia. Ora, da satisfacao que Ele tem ern vet que nos fazemos tao infelizes quanto possamos11([ vida prcscntc ternos uma demonstr acao segura da satisfacao que Ell' ter a em vernos tao Iclizes quantaEle 1I0S poxsa fazcr em lima vida vindour a". (N. do A.)

    Se 0 principio da utilidade for urn principio correto de governo, e isto emtodos os casos, conclui -se, a partir do que ja expusemos, que qualquer principiodiferente dele sera necessariamente e em todos os casos erroneo. Por conseguinte,para demonstrar que qualquer outro principio e erroneo, e suficiente mostrar queele e 0 que e, ou .scja, urn principio cujos ditames sao, em um ou outro ponto,diversos dos ditarnes do principio da utilidade. Basta demonstrar isto pararefuta-lo.

    II. - Urn principio pode diferir do principio da utilidade de duas maneiras:(1) pelo fato de ser-lhe constantemente contrario; tal e 0 caso do principio

    que pode ser denominado principio do ascetismo; 4(2) pelo fato de as vezes ser-lhe contrario e as vezes nao, conforme 0 caso;

    tal acontece com 0 que podemos designar como principio da simpatia e da. . .antipatia.III. -- Par principio do asceticismo designo aquele principio que, como 0 da

    utilidade, aprova ou desaprova qualquer acao de acordo com a tendencia que terna aumentar ou a diminuir a felicidade da parte cujo interesse esta em jogo; isto,contudo, de rnaneira inversa ao que ocorre no principio da utilidade, pois 0 doasceticismo aprova as acoes na medida em que estas tendem a diminuir a felici-dade da parte em questao, desaprovando-as na medida em que tendem aaumenta-la.

    Principios contraries ao da utilidade

    CAPITULO II

  • IX. - 0 principio do asceticismo foi ideado, ao que parece, por certos espe-culadores apressados que, tendo percebido - ou imaginado - que certos praze-res, quando colhidos ou desfrutados em certas circunstancias, trazem comoconsequencia, a longo prazo, dores maiores do que 0 prazer desfrutado, utiliza-ram este pretexto para impugnar tudo aquilo que se apresenta sob 0 nome de pra-zer. Depois de chegarem ate este ponto, e esquecendo 0 ponto do qual haviampartido, tais especuladores avancaram mais, chegando ao ponto de considerarmeritorio enamorar-se da dor. Como se pode ver, mesmo esta colocacao nao eoutra coisa senao uma aplicacao erronea do principio da utilidade.

    X. - 0 principio da utilidade pode ser seguido com firmeza e constante-mente; seria tautologia afirmar que, com quanto maior constancia ele for seguido,tanto melhor sera para 0 genero humano. Ao contrario, 0 principio do asceti-cismo jamais foi seguido com constancia - nem jamais podera se-lo - porqualquer criatura vivente. Se apenas a decima parte dos habitantes da terra 0 pra-ticasse com seriedade e constancia, em urn dia 0 planeta seria transform ado emurn inferno.

    XI. _- Entre os principios contraries ao da utilidade, e que nos temposatuais parece exercer a maior influencia em materia de governo, figura 0 quepodemos denominar principio cia simpatia e da antipatia. Por esta expressaoentendo 0 principio que aprova ou desaprova certas acoes, nao na medida em queestas tendem a aumentar ou a diminuir a felicidade da parte interessada, massimplesmente pelo fato de que alguem se sente disposto a aprova-las ou reprova-las. Os partidarios desde principio mantem que a aprovacao ou a reprovacaoconstituem uma razao suficiente em si mesma, negando a necessidade de procu-rar qualquer fundamento cxtrinseco. Isto, no setor generico da moral; na areaespecifica da politica, tais autores avaliam 0 grau da punicao de acordo com 0grau de desaprovacao.

    XII. _- E manifesto que estamos aqui diante de urn principio mais verbal doque real; nao e urn principio positivo, mas antes urn termo utilizado para signifi-car a negacao de qualquer principio. 0 que se espera de urn principio e que eleaponte algum criterio externo, 0 qual perrnita garantir e orientar as conviccoesinternas de aprovacao e desaprovacao. Ora, tal expectativa nao se cumpre emuma proposicao que nao faz nada mais nem nada menos do que considerar cadauma dessas conviccoes como fundamento e norma em si mesma.

    XIII. - Ao examinar 0 catalogo das acoes humanas no intuito de estabc-lecer quais delas merecern 0 selo da desaprovacao - .- assim se exprimern osdefensores do referido principio - e suficiente consultarrnos os 110SS0S propriossentimentos: tudo aquilo que eu me sentir propenso a condenar, por esta simplesrazao e errado. Da mesma forma se argumenta no que concerne a punicao: naoimporta saber ate que ponto a punicao contraria a utilidade, ou se 0 criterio dautilidade entra sequer em linha de consider acao. Para a punicao usa-se tambern arnesrna proporcao: se odiares muito uma determinada acao, pune-a com muitaseveridade ; se a odiares pouco, pune-a com pouca severidade; deves punir namesma medida em que odiares, Se nao odiares em absoluto uma detcrminada

    15PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • acao, DaO a punas em absoluto: os sentimentos nobres da alma nao devem serdominados e tiranizados pelos rigidos e implacaveis ditames da utilidade politica.

    XIV. --- Os diversos sistemas inventados no tocante a norma-padrao do retoe do errado pod em reduzir-se todos ao principio da simpatia e antipatia. Todoseles tern urn denominador comum que os caracteriza. Todos eles recorrem a mul-tidao de artificios inventados com 0 proposito de fugir a necessidade de ir embusca de uma norma extern a e de fazer 0 leitor acatar a conviccao ou a opiniaodo autor como uma razao valida por si mesma. As expressoes sao diversas,porem 0 principio e identico.

    XV. -. E evidente que os ditames desse principio coincidir ao freqiiente-mente com os do principio da utilidade, embora talvez isto nao seja intencionado.Pode-se afirmar ate que, provavelmente, os casos de coincidencia dos ditames saomais freqiientes do que os casos de discordancia; dai que a justica penal se encon-tre, nos dias atuais, nas condicoes em que estamos habituados a ve-la. Com efei-to, nao pode haver nenhum fundamento mais natural e mais geral para odiar umapratica do que a malicia intern a desta pratica. Todos os homens estao dispostosa odiar aquilo que constitui a razao do seu sofrimento. Todavia, isto esta longe deconstituir uma razao con stante , pois 0 fato de alguem sofrer ainda nao significaque saiba por que motivo esta sofrendo. Pode ocorrer , por exemplo, que uma pes-soa sofra muito por urn novo imposto, sem que seja capaz de identificar a razaodos seus sofrimentos com respeito it injustica de um vizinho que sonegou urnimposto antigo.

    XVI. _- 0 principio da simpatia e antipatia tende ao maximo a pecar porseveridade excessiva. Tende ele a aplicar castigo em muitos casos em que e injus-to faze-lo, e, em casas em que se justifica uma punicao, a aplicar severidademaior do que a merecida. Nao existe ate algum imaginavel, por mais trivial e pormenos censuravel que seja, que 0 principio da simpatia e antipatia nao encontrealgum motivo para punir. Quer se trate de diferencas de gosto, quer se trate dediferencas de opiniao, sempre se encontra motivo para punir. Nao existe nenhumdesacordo, por mais trivial que seja, que a perseveranca nao consiga transformarem urn incidente serio. Cada qual se toma, aos olhos do seu semelhante, urn ini-migo e, se a lei 0 permitir, urn crirninoso. Este e urn dos aspectos sob os quais aespecie humana se distingue -- para seu desabono -_ dos animais.

    XVII. _- Possivelmente alguem estranhar a que ate 0 momento 11aO se tenhafeito mencao do principio teologico, que professa dever--se recorrer a vontade deDeus como norma para discernir 0 rete do errado.

    A verdade e que nao estamos aqui diante de um principio distinto. Na reali-dade, 0 principio teologico nao e nada mais nem nada menos do que urn ou outrodos tres pr incipios ja mencionados, embora apresentado de forma diversa.

    A vontade de Deus, aqui subentendida, nao pode ser a sua vontade revelada,tal como esta consignada nas Sagradas Escrituras, visto constituirem estas urnsistema ao qual ninguem hoje em dia pensa em recorrer, no que concerne aosdetalhes da adrninistracao politica; e, mesmo no que tange aos detalhes da condu-La particular dos individuos, antes de aplicar as Sagradas Escrituras cum pre con-

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  • 5 0 principio da tcologia refere tudo ao prazer de Deus. Todavia, que e 0 prazer de Deus? Deus de formaalguma nos fala ou nos escreve , agora. Como haveremos entao de saber qual C 0 seu prazer? Observando 0que C 0 I/OSSO prazcr e atribuindo-o a Deus. Em conseqiiencia, 0 que se denomina 0 prazer de Deus e e devenecessariamente ser -.- deixando it parte a revelacao -- Hem mais nem menos do que 0 pr azer da pessoa,quem quer que seja. que afirrna 0 que acredita ou pretende ser 0 prazer de Deus. Como sabes que Deus ternpr azer em qlle nos abstenhamos dcste ou daquele ato? Como chegas a supor isto? "Porque quem comete talato seria - imagino Cli - nocivo, em seu conjunto, it felicidade do genero humane", assirn diz 0 partidariodo principio da utilidadc. "Porque a comissao desse ato traz consigo uma satisfacao grosse ira e sensual, oupclo menos uma satisfacao trivial e passageira", diz 0 partidario do principio do ascetismo. "Porque detestopensar nisto; tampouco posso dizer por que, nem deveria ser convidado a dize-lo", afirrna quem se guia peloprincipio da antipatia. Toda pessoa que profess a tomar como norma a vontade de Deus necessariamente teraque dar uma dessas respostas (colocando ~-lparte a revelacao). (N. do A.)

    siderar que elas se prest am as mais amplas interpretacoes, segundo reconhecemos mais eminentes teologos de todas as denorninacoes. Para que servem, se naopara isto, as obras desses teologos?

    Alias, para orientar essas interpretacoes, e necessario recorrer a algumaoutra norma. Conseqiienternente, a vontade de Deus, de que se fala neste contex-to, e a que podemos denominar vontade presuntiva, ou seja, aquela que se presu-me ser a vontade divina, em razao da conformidade dos seus ditames com os dealgum outro principio.

    Qual poder a ser, no caso, este outro principio? Devera ser urn dos tresacima mencionados, uma vez que, como vimos, nenhum outro pode existir. Emanifesto, portanto, que, elirninando-se a revelacao na solucao do problema,qualquer coisa que se diga acerca da questao "0 que e a vontade de Deus?"nenhuma contribuicao podera trazer para aclarar 0 problema da norma que dis-tingue 0 reto do errado. Com efeito, podemos ter perfeita certeza de que tudoaquilo que e reto concorda com a vontade de Deus. Todavia, seria urn circulovicioso afirmar que e necessario antes saber se uma coisa e reta, a fim de verifi-car, a partir disto, se a coisa e conforme a vontade de Deus. 5

    XIX. - Ha duas coisas que se confundem com muita facilidade, e que por-tanto importa distinguir acuradamente: __q_motivo Oll causa que, influenciando ainteligencia de urn individuo, produz uma acao, e 0 fundamento ou razao que levaum legislador ou outro observador a aprovar esta acao. -

    Quando, no exemplo especifico em ..q_ue;tao, acontece que a acao produzefeitos que aprovamos - muito mais ainda, se por acaso observarmos que 0mesmo motivo pode com freqiiencia produzir, em outros casos, efeitos identicos--- estamos propensos a transferir a nossa aprovacao ao pr6prio motivo, e a con-siderar como fundamento justo para a aprovacao que damos a acao 0 fato de elater a sua origem no referido motivo. E por est a via que 0 sentimento de antipatiamuitas vezes e considerado como urn motivo justo da acao. A antipatia, porexemplo, neste ou naquele caso, constitui a causa de uma acao que se espera cau-sadora de efeitos bons, porern isto nao faz com que a antipatia seja urn funda-mento reto da acao, nem neste caso nem em qualquer outro. Avancemos mais urnpasso. Nao s6 os efeitos sao bons, senao que 0 agente preve de antemao que seraotais. Isto pode fazer com que uma acao sejaperfeitarnente reta, porern nao fazcom que a antipatia seia urn fundamento moralmente born para a acao. Com efei-

    17PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA(::AO

  • 1:0, 0 mesmo sentimento de antipatia pode produzir, e rnuitas vezes produz na rea-lidade precisamente os piores efeitos. Consequentemente, a antipatia jamais podeser urn fundamento reto da acao. Tampouco pode se-lo 0 ressentirnento, que naopassa de uma variante da antipatia, como abaixo veremos.

    o unico fundamento correto da acao e, em ultima analise, a consideracao dautilidade, a qual, se for urn principio correto da acao e da aprovacao em urndeterminado caso, se-lo-a em todos. Muitos outros principios - ou seja, outrosmotivos - pod em constituir a razao que explica por que esta ou aquela acao foipraticada, porem a utilidade constitui a unica razao que explica por que a men-cionada acao pode (moralmente) ou deve ser praticada. A antipatia ou 0 ressenti-mento sempre necessitam ser regulados, para evitar que facam 0 mal. Ser regula-dos por quem ou por que? Sempre pelo principio da utilidade. Entretanto, 0principio da utilidade nao necessita nem admite outra norma reguladora alem desi mesmo.

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  • x"._ _

    6 Sanctio, em latim , era usada para significar 0 ato de ligar e, por efcito de uma tr ansicao grarnaticalcomurn. tudo 0 que serpe para ligar uma pessoa --- isto e. liga-la a observancia deste ou daquele modo deconduta. ( ... )Port anto. uma sancao e lima fonte de poderes obrigatorios ou motives. isto e, de dares e prazeres; os quais,conforrnc estivcrcm relacionados com estes ou aqueles modos de conduta, atuarn como motives, scndo naverdade as unicas coisas que podern atuar como tais, Vcr 0 capitulo dccimo. (N. do A.).

    Mostramos acima que a felicidade dos individuos de que se compoe umacomunidade - isto e, os seus prazeres e a sua seguranya - constitui 0 objetivo,o unico objetivo que 0 legislador deve ter em vista, a {mica norma em conformi-dade com a qual todo individuo deveria, na medida em que depende do legislador,ser obrigado a pautar 0 seu comportamento.

    Entretanto, quer seja isto, quer seja aquilo que na realidade deve ser feito,nao existe nada em virtude do qual urn homem possa em ultima analise ser moral-mente obrigado a faze-lo, senao em virtude de urn destes dois fatores: ou a dor ouo prazer.

    Tendo ja feito uma analise geral desses dois grandes elementos (isto e, 0 pra-zer e, 0 que equivale it mesma coisa, a imunidade da dor) sob 0 aspecto de causasfinais, sera agora necessario examinar 0 prazer e a dor sob 0 prisma da causali-dade eficiente ou de meio.

    II. -. Existem quatro fontes distintas, das quais costumam derivar 0 prazere a dor ; consideradas em separado, podemos designa-las como fontefisica, fontepolitica, fonte moral e fonte religiosa. N a medida em que os prazeres e as dorespertencentes a cada uma del as sao capazes de emprestar a qualquer lei ou regrade conduta uma forca obrigat6ria, todas elas podem ser denominadas sancoes. 6

    III. - Se 0 prazer ou a dor tern lugar ou se esperam na vida presente e nocurso ordinario da natureza, nao propositadarnente modificado pela interposicaoda vontade de algum ser humane nem por alguma interposicao exttaordinaria deaJgum ser invisivel superior, podemos dizer que tal prazer ou tal dor derivam da---- ou tern relacao com a - sancdo fisica.

    IV. - Se 0 prazer 01.1 a dor tern lugar ou se esperam de pessoa particular oude urn grupo de pessoas na comunidade, as quais, sob nomes correspondentes aode juiz, sao escolhidas para 0 objetivo especifico de administrar, de acordo coma vontade do poder soberano ou supremo de governo existente no Estado, pode-mos dizer que 0 prazer e a dor dimanam da sancdo politica.

    As quatro sancoes ou fontes da dor e do prazer

    CAPITULO III

  • V. - Se 0 prazer e a dor estiverem nas maos de pessoas que por acaso ocu-pam urn lugar de destaque na comunidade, segundo a disposicao espontanea decada pessoa, e nao de acordo com alguma regra estabelecida ou acordada, pode-mos dizer que 0 prazer e a dor derivam da sancdo moral ou popular.

    VI. - Se dependerem da mao imediata de um ser superior invisivel, quer napresente vida, quer em uma vida futura, pode-se dizer que derivam da sancdoreligiosa.

    VII. - Os prazeres e as dores que podemos esperar das sanc;oesfisica, poli-tica, ou moral, devemos esperar experiencialos todos, se algum dia, entao na pre-sente vida; ao contrario, os que se aguardam da sancao religiosa, podem serexperienciados tanto na vida presente como em uma futura.

    VIII. - Os prazeres e as dores que podemos experienciar na vida presentenao podem ser outros, obviamente, senao aqueles que' a natureza humana com-porta no decurso da vida atual; ora, de cada uma das quatros Fontes podem bro-tar todos os prazeres ou dores dos quais e suscetivel a natureza humana no decur-so da vida presente.

    No que respeita, portanto, aos prazeres e as dores da vida presente - umavez que so deles nos ocupamos aqui - podemos afirmar 0 seguinte: aqueles quepertencem a qualquer uma dessas sancoes, em ultima analise, nao diferem especi-ficamente daqueles que pertencem a qualquer uma das outras tres: a unica dife-renca existente entre eles reside nas circunstancias que acompanham a sua produ-cao. Assim, por exemplo, um sofrimento que atinge uma pessoa no decursonatural e espontaneo dos acontecimentos e das coisas denominar-se-a uma cala-midade; neste caso, se supostamente a calamidade se deve a uma imprudencia dapessoa, falamos de urn castigo derivante da sancao fisica. Ao contrario, se estemesmo sofrimento for imposto em virtude de uma lei, teremos 0 que se denominacomumente uma punicdo; se 0 sofrimento for decorrente de alguma recusa deajuda amigavel - recusa causada pela rna conduta (real ou presumida como tal)da pessoa atingida -, estaremos diante de uma punicao derivante da sancaomoral; se 0 sofrimento acontecer pela interposicao direta de uma providenciaparticular, temos uma punicao derivante de sancao religiosa.

    IX. - Suponhamos que os bens de uma pessoa, ou a propria pessoa, saoconsumidos pelo fogo. Se isto the ocorreu acidentalmente, foi uma calamidade; sefoi devido a sua propria imprudencia (por exemplo, pelo fato de haver descuidadode apagar a vela), podemos chamar a ocorrencia de castigo ou punicao da sancaofisica; se 0 fato ocorreu em consequencia de uma decisao do magistrado politico,ternos uma punicao derivante da sancao politica - ou seja, 0 que costurneira-mente se denomina uma punicao ; se a ocorrencia se deve ao fato de que 0 seuproximo the negou uma ajuda por desaprovar 0 seu carater moral, estamos em(ace de uma punicao que dimana da sancao moral; se 0 fato se deve a urn ato irne-:diato da desaprovacao de Deus, manifestada em razao de algurn pecado cometidopela pessoa, teremos uma punicao proveniente da sancao religiosa.

    x. - No que concerne aos prazeres e dores pertinentes a sancao religiosaem relacao a uma vida futura, nao podemos saber de que especie sejam, pois nao

    BENTHAM20

  • estao ao a1cance da nossa observacao. Durante a vida presente, tais prazeres edores constituem apenas objeto da esperanca. Quer esta esperanca derive da reli-giao natural ou da revelada, nao podemos ter ideia alguma sobre a natureza detais prazeres e dores, nem tampouco podemos saber se divergem dos prazeres edares acessiveis it nossa observacao. As melhores ideias que possamos obter acer-ca de tais dores e prazeres sao todas elas vagas e aleat6rias. Sob que outrosaspectos as nossas ideias sobre eles podem ser precisas e uma questao que seraconsiderada aIhures.

    XI. - Das quatro sancoes de que tratamos ate aqui, podernos observar quea fisica e 0 fundamento da politica e da moral, 0 mesmo acontecendo em relacaoa religiosa, na medida em que esta se relaciona com a vida presente. A sancao fi-sica esta incluida em cada uma das outras tres. Pode ela operar em qualquer caso(ou seja, qualquer dor all prazer pertencente a sua esfera pode operar) indepen-dentemente das outras tres, porem nenhuma dessas ultirnas pode operar senao pormeio dela. Em uma palavra, as forcas da natureza podem operar por si mesmas.Todavia, nem 0 magistrado, nem 0 hornem em geral, podem operar - nemmesmo se supoe que 0 pr6prio Deus opere - senao atraves das forcas danatureza.

    XII. - Pareceu uti! encontrar urn nome comum para essas quatro realida-des, que na sua natureza encerram tantos elementos comuns. Pareceu util, em pri-rneiro lugar, pela conveniencia que ha em atribuir um nome a certos prazeres e acertas dares, para os quais dificilmente se poderia de outra forma encontrar urnnome igualmente caracteristico. Em segundo lugar, pareceu util faze-to a fim dedefender e reforcar a eficacia de certas forcas morais, cuja influencia por vezesnao e suficientemente considerada. Exercera a sancao politica alguma influenciasobre a conduta da humanidade? A sancao moral e a religiosa tambern aexercem.

    A cada passo da sua carreira, 0 agir do magistrado politico e suscetivel deser secundado ou obstaculado par essas duas forcas estranhas, uma das quais (ou- as duas juntas) certamente sera rival au aliada do magistrado politico. Acontecetalvez que este tenda a esquece-las nos seus calculos? Se assim for, podera eleestar praticamente certo de enganar-se nos resultados.

    Acerca de tudo isso encontraremos abundantes provas na sequencia destaobra. Em razao disso, convern que 0 magistrado politico tenha constantementediante dos olhos essas forcas, e isto sob urn nome tal, que exprima as relacoes queas mesmas tern com as seus objetivos e designios,

    21PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • 7 Estas circunstancias tern sido dcnorninadas elementos ou dimensoes de valor ern urn pr azer ou uma dor.Nao muito tempo apos a publicacao da primeira edicao. forrnulei os versos a scguir, corn a finalidade deimprimir com mais eficacia na memor ia estes pontes. nos quais repousa, por assirn dizer , todo 0 edificio ciamoral e da lcgislacao:Intense, long, certain, speedy.fruitful, pure - / Such marks in pleasures and in pains endure. / Such pleasu-res seek, if private be thy end; / If it be public, wide let them extend. / Such pains avoid, whichever be thyvicw! If pains mils! come, let them ex/end to few.* (N. d.i A.)* /lltCI1S()S, duradouros, ccrtos, fecundos, puros ~-- / Tais sao os sinais dos prazeres e das dores. / Procura1:lis pr azcres ; sc forcm privados, sejam () teu fim ; / Sc forern publicos, faze com que se estcndatn arnpla-mente. / Tais dorcs evita, qualquer que seja a tua visao ; / Se as dores forem inevitaveis, que nao sejarn muitocstcnsas. (N. do T.)

    Segundo explanarnos, propiciar prazeres e evitar dores constituern os objeti-I'OS que 0 legislador tern em vista, razao pela qual e de conveniencia que com-preenda 0 seu valor.

    Os prazeres e as dores constituem os instrumentos com os quais 0 legisladordeve trabalhar. Por este motivo convem que compreenda a forca dos mesmos, ouseja, em outros terrnos, 0 seu valor.

    II. --- Para uma pessoa considerada em si mesma, 0 valor de urn prazer oude uma dor, considerado em sf mesmo, sera maior ou menor, segundo as quatrocircunstancias que seguem: 7

    ( 1) A sua intensidade.(2) A sua duracdo,(3) A sua certeza ou incerteza.(4) A sua proximidade no tempo ou a sua longinquidade.Il I. -- Essas sao as circunstancias que devem ser consideradas na avaliacao

    de um prazer ou de uma dor, cada qual considerado em si mesmo.Entretanto, quando 0 valor de urn prazer ou de uma dor for considerado

    com 0 escopo de avaliar a tendencia de qualquer ato pelo qual 0 prazer ou a dorsao produzidos, e necessario tomar em consider acao outras duas circunstancias.Sao elas:

    (5) A suafecundidade, vale dizer, a probabilidade que 0 prazer ou a dor ternde serem seguidos por sensacoes da mesma especie, isto c, de prazer, quando setratar de urn prazer, e de dor, em se tratando de uma dor.

    (6) A sua pureza, ou seja, a probabilidade que 0 prazer e a dor tern de ndoserem seguidos por sensacoes do tipo contrario, isto e, de dores no caso de urnprazer, e de prazeres, em se tratando de uma dor.

    Metodo para medir uma soma de prazer ou de dor

    CAPITULO IV

  • Importa notar, todavia, que as duas ultimas circunstancias dificilmentepodem ser consideradas propriedades do prazer ou da dor em si mesmos. razaopel a qual nao devem ser tornadas em consideracao no sentido est rita do termo,quando se trata de apreciar 0 valor do respectivo prazer ou da respecti va dor.Falando-se a rigor, cum pre considera-las mais propriamente propriedades do atoau de outro evento pelo qual 0 respectivo prazer ou a respectiva dar foram produ-zidos. Correspondentemente, so devem sec consideradas na avaliacao da tenden-cia do respectivo ato ou do respectivo evento.

    IV. - Para urn numero de pessoas, com referencia a cada uma das quais 0valor de um prazer ou de uma dor e. consider ado, este sera maior ou menor, con-forme as sete circunstancias, isto e, as seis acima alegadas, a saber:

    (I) A sua intensidade.(2) A sua duracdo.(3) A sua certeza ou incerteza.(4) A suaproximidade no tempo ou longinquidade.(5) A suafecundidade.(6) A sua pureza.E uma outra, a saber:(7) A sua extensdo, quer dizer, 0 nurnero de pessoas as quais se estende 0

    respectivo prazer ou a respectiva dor; em outros termos, 0 nurnero de pessoas afe-tadas pelo prazer ou pela dor em questao.

    V. - Se, por conseguinte, quiseres fazer uma avaliacao exata da tendenciageral de qualquer ato que afeta os intercsses de uma coletividadc, procede daseguinte maneira.

    Corneca por qualquer uma das pessoas cujos interesses parecem ser maisimediatamente afetados peIo ato em questao, e procura fazer uma apreciacao dosscguintes elementos:

    (I) 0 valor de cada prazer distinto que se manifesta como produzido peloato na primeira instancia;

    (2) 0 valor de cada dar distinta que se manifesta como produzida pelo atona primeira instancia;

    (3) 0 valor de cada prazer que se manifesta como produzido pelo ato aposo primeiro prazer. Isto constitui a fecundidade do primeiro prazer e a impurezada primcira dor;

    (4) 0 valor de cada dar que se manifesta como produzida pelo ato apos aprimeira. Isto constitui e fecundldade da primeira dor e a impureza do pr imeiroprazer.

    (5) Soma todos os valores de todos os prazeres de urn lado, e todos os valo-res de todas as dares do outro.O balance, se for favoravel ao prazer, indicara atendencia boa do ato em seu conjunto, com respeito aos interesses desta pessoaindividual; se 0 balanco for favoravel it dor, indicara a tendencia ma do ato emseu conjunto.

    (6) Faze uma avaliacao do numero das pessoas cujos interesses aparecemem jogo e repete 0 processo acima descrito em relacao a cada uma delas. Soma

    PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • 8 Os capitulos quinto e scxto -- aqui ornitidos --- tratam, respectivarnente, dos "Prazeres e Dores, SuasEspecies" e "Das Circunstancias que Influenciam a Sensibilidade". (N. do E.)

    depois os nurneros que exprimem os graus da tendencia boa inerente ao ato, comrespeito a cada urn dos individuos em relacao ao qual a tendencia do ato e boaem seu conjunto. Ao depois, faze 0 mesmo com respeito a cada individuo em rela-cao ao qual a tendencia do ato e rna em seu conjunto.

    Feito isto, procede ao balanco. Este, se for favoravel ao prazer, assinalara atendencia boa geral do ato, em relacao ao nurnero total ou a comunidade dosindividuos em questao. Se 0 balance pesar para 0 lado da dor, teremos a tenden-cia rna geral, com respeito a mesma comunidade.

    VI. - Nao se pode esperar que 0 referido metodo possa ser seguido a rigorantes de qualquer julgamento moral, ou antes de qualquer acao legislativa oujudicial. Todavia, 0 rnetodo como tal pode ser sempre mantido diante dos olhos;e, na medida em que 0 processo atualmente seguido nessas ocasioes se aproximardele, na mesma medida tal processo se aproximara da exatidao.

    VII. - Analogamente pode-se aplicar 0 mesmo processo ao prazer e a dor,qualquer que seja a forma sob a qual aparecam e qualquer que seja a denomina-cao com a qual se identifiquem. 0 processo pode ser aplicado ao prazer, quer estese denomine urn bem (0 qual constitui propriamente a causa ou 0 instrumento doprazer), quer se chame proveito (0 qual constitui urn prazer distante, ou a causaou instrumento de urn prazer distante), ou conveniencia, ou vantagem, beneficio,recompensa, felicidade e assim por diante. Pode 0 metoda tambern ser aplicado ador, quer esta se denomine urn mal (0 qual equivale ao oposto do bern), quer sechame prejuizo, ou inconveniencia, ou desvantagem, ou perda, ou infelicidade, eassim por diante.

    VIII. - Nao estamos aqui diante de uma teoria nova e pouco segura, ouinutil, Com efeito, tudo quanta acabamos de expor representa urn dado com 0qual concorda plena e perfeitamente a experiencia do genero humano, onde querque os homens possuam uma visao clara acerca dos seus proprios interesses.

    Tomemos urn exemplo. Qual e a razao que faz com que tenha valor uma,propriedade, ou urn terreno? 0 criterio de avaliacao e constituido pelos prazeresde todas as especies que a referida propriedade capacita urn homem a produzir, e- 0 que significa a mesma coisa - as dores de todas as especies que ela capa-cita 0 homem a afastar. Ora, 0 valor de uma tal propriedade, segundo a avaliacaogeral, aumenta ou decresce conforme for maior ou menor 0 periodo de tempo queuma pessoa tern nele: a certeza ou a incerteza do fato de adquirir a sua posse, ea proximidade ou a longinqiiidade do momenta em que chegara a possui-la, casotal aconteca. No que concerne a intensidade dos prazeres que uma pessoa podehaurir da propriedade, nunca se pensa nisto, visto depender eia do uso que cadapessoa particular pode vir a fazer dela; ora, isto nao pode ser estimado antes quea pessoa tenha diante de si os prazeres especificos que podera haurir dela, ou asdores concretas que poder a afastar atraves dela. A mesma razao faz com que a.pessoa nao pense nafecundidade ou napureza desses prazeres. ( ... )8

    BENTHAM24

  • I. - A missao dos governantes consiste em promover a felicidade da socie-dade, punindo e recompensando.

    A parte da missao de governo que consiste em punir constitui mais particu-larmente 0 objeto da lei penal. A obrigatoriedade ou necessidade de punir umaacao e proporcional a medida em que tal acao tende a perturbar a felicidade e itmedida em que a tendencia do referido ato e perniciosa. Ora, a felicidade consistenaquilo que ja vimos, ou seja, em desfrutar prazeres e estar isento de dores.

    II. - A tendencia geral de urn ato e mais perniciosa ou menos perniciosa,de acordo com a soma total das suas consequencias, isto e, conforme a diferencaentre a soma das conseqiiencias boas e a soma das conseqiiencias funestas.

    III. - Cumpre observar que aqui, bern como a seguir, toda vez que falar-mos em conseqiiencias, entendemos ocupar-nos das materiais. Com efeito, a mul-tidao e a variedade das consequencias de qualquer ato sao necessariamente infini-tas, porern s6 as materiais sao credoras de consideracao. Ora, para alguem queencara as conseqiiencias - quaisquer que sejam - de urn ato na qualidade ecom a capacidade de urn legislador, so podern ser consideradas como materiais asque consistem no prazer ou na dor, OU as que exercem uma influencia na produ-yao da dor ou do prazer.

    IV. - Impoe-se observar tambem que ao rol das conseqiiencias de urn atopertencem nao somente as que poderiam ter derivado dele, mesmo independen-temente da intencao, senao tambern as que dependem da conexao que pode existirentre as conseqiiencias acima mencionadas e a intencao. A conexao que existeentre a intencao e certas consequencias constitui, como veremos abaixo, urn meiode produzir outras conseqiiencias. Nisto reside a diferenca entre 0 agir racional eo agir irracional.

    V. - Ora, a intencao, no que cone erne as conseqiiencias de urn ato, depen-dera de dois fatores:

    (1) 0 estado da vontade ou da intencao, com respeito ao proprio ato;(2) 0 estado da inteligencia, ou das faculdades de percepcao, em relacao as

    circunstancias que acompanham, ou pare cern acompanhar a intencao.Ora, no que tange a estas circunstancias, a faculdade de percepcao e susce-

    tivel de tres estados: consciencia, inconsciencia e falsa consciencia. Ternos estadode consciencia quando a parte em questao acredita existirem precisamente aque-

    As acoes humanas em geral

    CAPITULO VII

  • las circunstancias que de fato existem, e nao outras. Ha estado de inconscienciaquando a pessoa deixa de perceber a existencia de certas circunstancias que narealidade cxistern. Teremos falsa consciencia quando alguern acredita ou imaginacxistirem certas circunstancias que na verdade nao sao reais.

    VI. .-.---.Em cada acao, portanto, que examinarmos com vistas a punicao, haquatro elementos a serem levados em consideracao:

    (1) 0 proprio ala que e praticado;(2) as circunstdncias nas quais a ato e praticado;(3) a intencdo que pode ter acompanhado 0 ato;(4) a consciencia, inconsciencia ou falsa consciencia, que pode ter acornpa-

    nhado 0 ato,o presente capitulo tratara do ato e das circunstancias, ao passo que as dois

    subseqiientes abordarao a intencao e a consciencia.VII. --- Existem ainda dois outros fatores dos quais depende a tendencia

    geral de urn ato e, por via de conseqiiencia, a exigencia de puni-lo. Tais fatoressao:

    (1) 0 motivo particular, ou os motivos que deram origem ao ato;(2) a disposiciio geral que 0 ato denota.Os dois fatores que acabamos de assinalar constituirao objeto de dois outros

    capitulos. ( ... )XXI. - Ate aqui tratamos dos atos considerados em si mesmos.Abordaremos agora as circunstiincias que podem ter acompanhado os atos.

    Estas devem necessariamente ser levadas em consideracao, e isto antes de poder-mos determinar qualquer coisa acerca das conseqiiencias. Com efeito, de outraforma nunca poderemos ter certeza sobre quais possam ser as conseqiiencias deurn ato em seu conjunto .Em outros termos: de outra forma nunca poderemossaber se 0 ato e benefice, ou indiferente, ou prejudicial. Em certas circunstanciasate a matar uma pessoa pode constituir urn ato benefico, ao passo que em outraspode constituir fato pernicioso 0 simples oferecer alirnento a uma pessoa.

    XXII. - Que sao as circunstancias de urn ato? Quaisquer coisas que sejam.Tomcmos qualquer ato e veremos que nada existe na natureza das coisas que im-peca qualquer coisa imaginavcl de ser uma circunstancia do ato. Qualquer coisapode constituir uma circunstancia de qualquer outra,

    XXIII. --- Ja tivemos ocasiao de fazer mencao perfuntoria das conse-qtiencias de um ato, as quais, como salientarnos, se distinguem em materiais eimateriais. De maneira analoga, tarnbem as circunstancias de urn ato podem serassim distinguidas. Ora, materialidade e um termo relativo; com efeito, aplicadoas conseqiiencias de urn ato, est a relacionado com a dor e 0 prazer ; aplicado ascircunstancias, esta relacionado com as consequencias, Pode-se dizer que urnacircunstancia e material, quando do ponto de vista da causalidade apresenta umarelacao visivel com as consequencias. Teremos, em contrapartida, uma circuns-tancia imaterial, quando nao apresenta relacao visivel com as consequencias.

    XXIV. - As conseqiiencias de urn ato sao eventos. Ora, uma circunstanciapode ter relacao com urn evento, do ponto de vista da causalidade, de quatromodos:

    BENTHAM26

  • (1) por via etc causalidadc produtora ;(2) por via de derivaciio ;(3) por via de conexao colateral;(4) por via de influencia conjunta.Pode-se afirrnar que uma circunstancia esta relacionada com 0 even to por

    via de causalidade produtora quando a mesma pertence ao mirnero das circuns-tancias que contribuem para que se produza tal evento. A circunstancia estara emrelacao com 0 evento p~)r via de derivacao quando pertencer ao nurnero daqueleseveutos para cuja producao a circunstancia em questao contribuiu. Por via deconexao colaterul, quando a circunstancia em pauta, bern como 0 evento respec-tivo. scm que urn tenha sido instrumento na producao do outro, se relacionam,cada LIm doles (a circunstancia e 0 evento), a alguma coisa comum, a qual esteve1': ': ,i'::Hht na producao de ambos. Finalmente, a circunstancia estara relacionadal ',;; ,; evcnto por via de influencia conjunta quando, relacionados entre S1 dequalquer outra forma ou nao, contribuirern ambos conjuntamente para a produ-cao de alguma conseqiiencia que lhes e comum.

    XXV. ---- Pode ser util apresentar urn exemplo concreto.No ana de 162R, Villiers, duque de Buckingham, favor ito e ministro de Car-

    los I cia Inglaterra, recebeu urn ferimento e faleceu. A pessoa que 0 feriu foi urntal Felton, 0 qual, irritado com a rna administracao de que se acusava 0 referidoministro, viajou de Londres a Portsmouth, onde 0 duque se encontrava de passa-gem. Felton entrou na antecamara do duque c, encontrando-o vivamente ocupadoem conversacao com uma serie de pessoas que 0 rodeavam, aproximou-se dele,sacou urn punhal e 0 assassinou. Devido ao esforco feito, 0 chapeu do assassinocaiu ao chao, sendo encontrado logo depois, juntamente com 0 punhal ensan-gucntado. Na coroa interna do chapeu encontraram-se pedacos de papel, nosquais estavam escritas frases que exprimiam 0 objetivo da vinda de Felton.

    No citado exemplo, suponhamos que 0 evento em questao seja 0 ferimentorecebido pelo dnque de Buckingham. 0 fato de Felton sacar 0 punhal, a suaentrada na antecamara do ministro, a sua viagem a Portsmouth, 0 fato de haver-se irritado em relacao a rna administracao de Buckingham, a rna adrninistracaoem si mesrna, 0 fato de 0 rei C arIos nomear tal rninistro, e assim por diante semtim, eis outras tantas circunstancias, relacionadas com 0 fato de Villiers ser feri-do, por via de causalidade produtora; 0 fato de 0 punha] estar ensangiientado, eisuma circunstancia relacionada com acontecimento por via de derivacao; comocircunstancias relacionadas ao evento por via de conexao colateral temos: 0 fatode se haver encontrado 0 chapeu no chao, 0 fato de se haver encontrado as frasesdentro do chapeu, 0 fato de terem sido escritas; finalmente, a situacao e a conver-sacao das pessoas ao redor do duque de Buckingham foram circunstancias rela-cionadas com as circunstancias do fato de Felton ter aberto caminho para a sala,ter viajado a Portsmouth, etc., por via de influencia conjunta, na medida em quecontribuiram em comum para 0 evento do ferimento de Villiers, impedindo-o depor-se de sobrcaviso no momenta em que 0 intruso apareceu.

    27PR [~~CiPIOS DA rviORAL E DA LEGlSLA(:AO

  • XXVI. -- Essas varias relacoes nao inerem todas ao evento com a mesmacerteza.

    Primeiramente, e manifesto que to do acontecimento deve ter uma ou outracircunstancia, ou melhor, uma multidao indefinida de circunstancias, relacio-nadas com ele por via de causalidade produtora; evidentemente, tera uma multi-dao ainda maior de circunstancias relacionadas com ele por via de conexao cola-teral. Entretanto, nao parece necessario que todo evento tcnha circunstanciasrelacionadas com ele por via de derivacao, e por conseguinte tampouco e certoque tenha quaisquer circunstancias relacionadas com ele por via de influenciaconjunta.

    Outro elemento a notar e 0 seguinte. Das circunstancias de todos os tiposque efetivamente acompanham urn acontecimento, apenas urn mimero muitoreduzido pode ser descoberto, mesmo exercitando-se ao maximo as faculdades dapercepcao humana; 0 rnimero das circunstancias que atraern a nossa acen9ilc ..{.ainda mais reduzido. Conforme a ocasiao, urn mimero maior ou menor delas :'1_> fidescoberto por uma pessoa em proporcao da perspicacia das suas faculdadesintelectuais ou da sua inclinacao.

    Torna-se evidente, portanto, que a multidao e a descricao das circunstanciasque pertencern a urn ato, enquanto essas circunstancias aparecem como mate-riais, serao determinadas por duas consideracoes:

    (1) pela natureza das proprias coisas;(2) pela forca au fraqueza das faculdades daqueles que eventualmente Ihes

    dispensam a sua consideracao ( ... ).

    BENTHAM28

  • Era isto 0 que tinhamos a dizer acerca dos dois primeiros fatores dos quaispode depender a tendencia rna de uma determinada acao, isto e, 0 proprio ate eo conjunto geral das circunstancias que 0 podem ter acompanhado.

    Consideraremos agora as maneiras como a circunstancia particular daintencdo po de afetar 0 ato.

    II. - Primeiramente, a intencao ou a vontade pode referir-se a urn dos doisfatores seguintes:

    ( 1) 0 proprio ato; ou(2) as conseqiiencias do ato.Desses dois fatores, aquele que for afetado pela intencao pode ser denomi-

    nado fator intencional. Se a intencao afetar 0 ato, este pode ser qualificado comointencional; se afetar as consequencias, tam bern estas serao denominadas inten-cionais. Se a intencao afetar tanto 0 ate como as consequencias, toda a acdo podeser denominada intencional. Evidentemente, aquele dos dois fatores mencionadosque nao for objeto da intencao sera denominado ndo intencional.

    III. - Muito facilmente pode acontecer que 0 ate seja intencional, sem queo sejam as conseqiiencias, sendo este caso muito freqiiente. Assim, por exemplo,pode alguern ter a intencao de tocar uma pessoa, sem tencionar feri-la; e, noentanto, conforme for 0 andamento das consequencias, pode acontecer que se firaa pessoa.

    IV. - Pode igualmente acontecer que as conseqiiencias de urn ato sejamintencionais, sem que 0 proprio ate seja totalmente intencional, isto e, sem que 0seja em todas as etapas da sua concretizacao. Todavia, este caso nao e tao fre-quente como 0 anterior. Suponhamos que alguern tencione ferir uma pessoa cor-rendo contra eia e derrubando-a por terra e, com este intuito, corra em direcao aeIa; pode acontecer, por ern, que uma terceira pessoa sobrevenha repentinamenteentre as duas. Acontecera entao que a primeira pessoa (a que tencionava ferir asegunda), antes de poder parar na sua corrida, bata contra a terceira (ao inves decolidir contra a segunda, como tencionava originariamente), e esta derrube asegunda.

    V. -_ Entretanto, as conseqiiencias de urn ate nao podem ser intencionais anao ser quando 0 proprio ate for intencional, pelo menos na sua primeira etapa.Se 0 ate nao for intencional na primeira etapa, nao sera urn ato da pessoa, e por

    A intencionalidade

    CAPITULO VIn

  • consequencia logica nao existe na referida pessoa intencao alguma de produzir asconsequencias, isto e, as conseqiiencias individuais. A (mica coisa que pode haverda parte da pessoa, neste caso, e uma intencao remota de produzir outras conse-quencias da mesma natureza, atraves de algum ato dela, em urn tempo futuro; ouentao, sem qualquer intencao, urn mero desejo de que tal acontecirnento tenhalugar. Suponhamos - voltando ao caso acima - que a terceira pessoa corra porsua propria conta contra a segunda e a derrube. A primeira tinha a intencao defazer uma coisa da mesma natureza -- ou seja, correr eia mesrna contra a segun-da e derruba-la ao chao - porern na realidade nada fez concretamente para porem pratica tal intencao. Consequentemente, nao se pode afirmar que as conse-qiiencias individuais do ate - que a terceira pessoa praticou para derrubar asegunda - sejam intencionais por parte da primeira pessoa. ( ... )

    XII. - Importa observar ainda que urn ato pode ser nao intencional emqualquer etapa ou quaisquer etapas, embora seja intencional na etapa anterior ounas etapas anteriores; ou, por outra parte, pode urn ato ser intencional em qual-quer etapa ou quaisquer etapas, sendo porern nao intencional nas etapas subse-qiientes. Todavia, e irrelevante, no que tange as consequencias, saber se 0 ato foiintencional ou nao em qualquer etapa anterior, desde que nao seja intencional naultima. 0 unico ponto com respeito ao qual e material, e a prova. Quanto maisnumerosas tiverem sido as etapas nao intencionais do ato, tanto mais provavelsera que tarnbem a ultima etapa nao tenha sido intencional. Se uma pessoa,tencionando ferir-te na bochecha, te bate no olho e te tira 0 globo ocular, prova-velmente the sera dificil demonstrar que nao era sua intencao bater-te no olho.Sera provavelmente mais facil, se a sua intencao foi realmente nao bater-te, oumesmo nao bater em absoluto.

    XIII. - Ouve-se com frequencia as pessoas falarem de uma boa intencao,uma rna intencao, da qualidade boa ou rna da intencao de uma pessoa, sendo estauma circunstancia a qual se da uma grande enfase.

    Na verdade, isto e de grande importancia quando corretamente cornpreen-dido, porern 0 significado dessas afirmacoes e sumamente arnbiguo e obscuro.Falando-se a rigor, nada pode dizer-se born ou mau, a nao ser exclusivamente sefor considerado em si mesmo -- 0 que acontece tao-somente com a dor ou 0 pra-zer - ou entao, em raz ao dos seus efeitos - 0 que acontece exclusivamente nocaso de coisas que produzem ou afastam a dor e 0 prazer. Todavia, em sentidofigurado e com menor propriedade de linguagem, uma coisa pode tam bern deno-minar-se boa ou rna em consideracao a sua causa. Ora, os efeitos de uma inten-

  • circunstancias. Ora, as circunstancias nao constituem objeto da intencao. Aintencao de uma pessoa tern por objeto 0 ato, atraves da sua intencao a pessoaproduz 0 ato; quanto as circunstancias, a pessoa nao as visa com a sua intencdo;na medida em que considerarmos as circunstancias na sua qualidade de circuns-tancias, nao podemos afirmar que as pessoas as produzam. Se porventura houveralgumas circunstancias de cuja producao a pessoa tiver sido causa instrumental,isto se deu em razao de intencoes anteriores, dirigidas a atos anteriores, os quaisproduziram aquelas circunstancias como consequencias: no tempo em questao apessoa as assume como as encontra.

    Os atos, juntamente com as suas consequencias, constituem objeto da vonta-de bern como da inteligencia, ao passo que as circunstancias como tais sao ape-nas objeto da inteligencia. Em relacao a elas a {mica coisa que podemos fazer econhece-las ou nao conhece-las; em outras palavras, ter consciencia delas ou naote-la. Ao item "consciencia" pertence 0 que se pode e deve dizer acerca da quali-dade boa ou rna da intencao de uma pessoa, conforme resulta das consequenciasdo ato; ao item "motives" pertence 0 que se pode e deve dizer a respeito da suaintencao, conforme resulta do motivo.

    31PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • Ate aqui tratamos das maneiras segundo as quais a vontade ou a intencaopodem estar implicadas na producao de algum evento. Cabe-nos agora conside-rar a parte que pode caber a inteligencia ou faculdade de percepcao com respeitoa tal evento. ( ... )

    XIII. -- No linguajar comum, quando uma pessoa pratica urn ato cujasconseqiiencias se demonstram perniciosas, e comum afirmar-se que agiu com boaou rna intencao, ou entao se diz que a sua intencao foi boa ou mao .

    Como se ve, os qualificativos bom e mau sao sempre atribuidos a intencao;entretanto, a aplicacao desses qualificativos e geralmente regida por uma suposi-cao formada com respeito a natureza do motivo. Diz-se que 0 ato, embora sedemonstre eventualmente pernicioso, foi praticado com uma intencao boa, quan- .do se supoe que ele se originou de um motivo que e consider ado bom; e diz-se queo ato foi praticado com intencao rna, quando se supoe ser ele 0 resultado de urnmotivo que se consider a mau. Todavia, a natureza das conseqiiencias intencio-nadas bem como a natureza do motivo que deu origem a intencao constituem coi-sas que, embora estejam intimamente correlacionadas, sao perfeitamente distintase distinguiveis. Em conseqiiencia, pode-se dizer com inteira propriedade de ter-mos que a intencao e boa, qualquer que tenha sido 0 motivo. A intencao pode serqualificada boa quando nao somente as conseqiiencias do ato se demonstramperniciosas, mas 0 motivo que the deu origem foi 0 que se denomina urn motivomau. Para se poder dizer com seguranca que uma intencao e boa, e suficiente 0fato de que as conseqiiencias do ato teriam sido beneficas, caso se tivessemdemonstrado tais como 0 agente as considerou provaveis. Da mesma forma, aintencao pode ser rna quando nao somente as conseqiiencias do ato se demons-tram beneficas, mas 0 motivo que the deu origem foi born.

    XIV. -- Ora, quando uma pessoa tern em mente dizer que a tua intencdo eboa ou rna com referencia as consequencias, se quiser falar disto, esta obrigada ausar 0 termo intencao, pois outro nao existe. Entretanto, quando uma pessoa ternem mente dizer que 0 motivo do qual se originou a tua intencao e born ou mau,certamente nao esta obrigada a usar 0 termo intencao, pois pode usaf a palavramotive, no minimo com 0 mesmo acerto. Supoe-se, com efeito, que a pessoaentende falar do motivo, sendo muito provavel que ndo tenciona referir-se a inten-cao. Isto e importante, pois muitas vezes 0 que e verdade com respeito a urn e

    A consciencia

    CAPITULO IX

  • falso em relacao a outro. 0 motivo pode ser born" sendo a intencao rna, e, vice-versa, a intencao pode ser boa quando 0 motivo e mau. No que concerne asconsequencias, e essencialmente diferente - como se vera mais abaixo - seambos (motivo e intencao) sao bons ou maus, ou se urn e born eo outro mau. Emrazao disso, e muito mais conveniente nunca usar 0 termo intencao quando seentende falar do motivo.

    XV. - Um exemplo ilustrara 0 que acabamos de dizer.Levada pela malicia, uma pessoa te move processo por urn crime de que te

    considera reu, sem que na realidade tenhas cometido tal crime. Neste caso asconsequencias da sua conduta sao perniciosas: com efeito, sao perniciosas para tiem qualquer hipotese, em virtude da vergonha e da ansiedade que es obrigado asofrer enquanto durar 0 processo; a isto deve-se acrescentar, em caso de perdereso processo, 0 mal da punicao. Por conseguinte, para ti as conseqiiencias saoprejudiciais, e para ninguem elas sao beneficas. Tambem 0 motivo da pessoa, aomover-te 0 processo, e mau, pois todos reconhecem que a malicia constitui urnmotivo mau. Todavia, as conseqtiencias da sua conduta, caso se tivessemdemonstrado tais como ela as considerava, teriam sido boas, pois teriam incluidoa punicao de urn criminoso, 0 que constitui urn beneficio para todos aqueles queestao expostos a sofrer por urn crime de natureza semelhante. Consquentementc,a intencdo poderia ser denominada boa. Ao contrario, 0 motivo nao pode serqualificado de born, embora muito comumente se diga que sim (pois se confundeo motivo com a intencao).

    Entretanto, dos motivos trataremos mais particularmente no proximo capi-tulo. ( ... )

    33PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLAyAO

  • ~ Para uma visao simultanea e esquematica da lista cornplcta dos motives, juntarncnte COIl1 os prazeres c asdares correspondentcs, vcr, do mesrno autor, Tabela dos Motives da Af(IO. etc., com notas explanator ias cobscrvacocs. ( ... ) (N. de) A. em julho de J 822.)

    Constitui verdade reconhecida que qualquer especie de ato - e conseqiien-temente qualquer especie de ofensa - e suscetivel de assumir urn carater dife-rente e de produzir efeitos diferentes, segundo a natureza do motivo que the deuorigem. Isto faz com que seja necessario empreender urn exame dos varies moti-vos pelos quais a conduta humana pode ser influenciada.

    II. - Por motivo, no sentido mais vasto em que 0 termo e usado com refe-rencia a urn ser pensante, designa-se qualquer coisa que possa contribuir paraproduzir qualquer especie de acao, ou mesmo para evita-la au impedi-la. Ora, aacao de urn ser pensante ou e ato do corpo, ou e ato apenas da mente; e urn atoda mente au e urn ato da faculdade intelectiva, ou e urn ato da vontade.

    Os atos da faculdade intelectiva por vezes repousam apenas na inteligencia,sem exercer qualquer influencia na producao de quaisquer atos da vontade. Osmotivos que, por sua natureza, so influenciam este tipo de atos podem ser deno-minados motivos puramente especulativos, ou seja, motivos que repousam sobrea especulacao. Ora, tais atos nao exercem influencia alguma sobre os atos exter-nos, nem sobre as suas conseqiiencias, nem, por conseguinte, sobre qualquer dorou qualquer prazer que possa figurar entre essas consequencias. Ora, e exclusiva-mente em razao da sua tendencia a produzir ou dor ou prazer que os atos podemser materiais. Em consequencia, nada temos aver aqui com atos que repousammeramente na inteligencia; pela mesma razao, nada temos a ver com qualquercoisa --- se tal porventura existir - que, na linha dos motivos, so pode exercerinfluencia sobre tal tipo de atos.

    III. - Os unicos motivos com os quais devemos ocupar-nos sao os que pornatureza podem atuar sobre a vontade. Nesta acepcao do terrno, deve-se entenderpor motivo qualquer coisa que, influenciando a vontade de urn ser sensivel, scsupoe servir como urn meio de deterrnina-lo a agir, ou voluntariamente deixar deagir, em qualquer determinada ocasiao. Os motivos deste tipo, em oposicao aosacima mencionados, podem denominar-se motivos praticos, ou seja, motivos quese aplicam na pratica.

    I - Significacdes diversas da palavra motivo 9

    Os motivos

    CAPrrULO x

  • ,.,._~--------

    IV. - Em razao da pobreza e da instabilidade da linguagem, 0 termo "rnoti-vo" e utilizado indiscriminadamente para designar duas especies de coisas, asquais devem ser distinguidas, com vistas a uma melhor cornpreensao do assunto.

    Em certas ocasioes 0 termo e usado para designar qualquer urn dos fatoresrealmente existentes, dos quais se supoe que 0 ato em questao se origina. Temos,neste caso, a palavra motivo usado no seu senti do literal ou naofigurado.

    Em outras ocasioes 0 termo e empregado para designar uma certa entidadeficticia, uma paixao, urn estado da mente, urn ser ideal que, ao acontecer urn talfato, e considerado como exercendo influencia sobre a mente e a dispoe a tomaraquela decisao para a qual e impelida pela influencia de tal fato. Motivos destetipo sao: a avareza, a indolencia, a benevolencia e outros, como veremos maisdetalhadamente abaixo. Neste caso temos 0 termo "motive" empregado em seusentido figurado.

    V. - Os fatos reais aos quais tam bern se atribui 0 termo motivo podem serde duas especies muito diferentes. Podem ser:

    (1) ou a percepcao interna de qualquer sO]11aindividual de prazer, ou dedor, cuja expectativa se considera apta a determinar alguern a agir desta oudaquela maneira; assim, por exernplo, 0 prazer de adquirir tal soma de dinheiro,a dor (esforco) de empenhar-se em tal ocasiao, e assim por diante; ou

    (2) qualquer evento externo, cujo acontecer se considera como tendo umatcndencia a realizar a percepcao de tal prazer ou tal dor; por exemplo, a chegadade urn bilhete de loteria, pelo qual chegas a posse do dinheiro, ou 0 desencadear-sc de um incendio em uma casa on de estas, 0 qual te obriga a abandonar a casa.A primeira especie de motivos pode ser denominada interior ou interna, e asegunda, exterior ou externa.

    VI. - E necessario distinguir ainda dois outros sentidos do termo "rnoti-vo". 0 motivo refere-se necessariamente a acao, E urn prazer, dor, ou outroacontecimento, que dispoe para a acao. Em urn senti do da palavra, 0 motivo deveser anterior a tal acontecimento.

    Todavia, para que uma pessoa seja dirigida por algum motivo, deve em todocaso olhar alern desse evento que se denomina a sua acao; deve olhar para asconseqiiencias dele, sendo so desta maneira que a ideia de prazer, de dor, ou dealgu m outro aeon tccimento pode dar origem ao mesrno.

    Consequenternente, a pessoa deve, em todo caso, olhar para algum aconteci-rnento posterior

  • Tomemos urn exernplo. Urn incendio se desencadeia na casa do teu vizinho;tu estas apreensivo ante a possibilidade de que 0 fogo se alastre a tua casa; inva-de-te 0 medo de que, se permaneceres nela, seras atingido pelo fogo, e conseqiien-temente abandon as a casa. Neste caso, este ultimo e 0 ato, sendo que todos os ou-tros elementos constituern apenas motivos em relacao a ele. 0 acontecimento dodesencadear-se do incendio na cas a do teu vizinho e urn motivo externo, e urn mo-tivo externo in esse. A ideia ou a crenca da probabilidade de que 0 fogo se estendaa tua casa, a ideia de que seras atingido pelo fogo se continuares ali, e a dor quesentes ante 0 pensamento de tal catastrofe, constituem eventos internos, masainda in esse; 0 evento da extensao real do fogo a tua casa bern como 0 de seresrealmente atingido pelo fogo sao motivos externos em perspectiva; a dor que sen-tirias ao ver a tua casa em chamas e a dor que sentirias enquanto estivesses sendoqueimado sao motivos internos em perspectiva - acontecimentos todos que,conforme se desenvolverem as coisas, podem chegar a ser eventos in esse; nestecaso, porern, deixarao de agir como motivos.

    VII. - De todos esses motivos, 0 que-esta rnais proximo ao ato, para cujaproducao todos eles contribuem, e aquele motivo interno in esse que consiste naexpectativa do motivo interno em perspectiva, ou seja, a dor ou 0 mal-estar quesentes ante a ideia de seres vitirna das chamas. Todos os outros motivos sao maisou menos remotos; os motivos em prospectiva sao remotos na medida em que 0periodo para 0 qual sao esperados estiver mais distante do momenta no qual 0ato tern lugar, e conseqiientemente mais tarde, quanta ao tempo; os motivos inesse sao remotos na medida em que tam bern eles estao mais distantes do mornen-to da realizacao do ato, e conseqiientemente antes quanta ao tempo.

    VIII. - Ja observamos que nada temos aver aqui com os motivos cujainfluencia termina na inteligencia. Por isso, se, entre as coisas que sao denorni-nadas motivos com referencia a inteligencia, existirem algumas que nos dizemrespeito aqui, sera exclusivamente na medida em que tais coisas podem, atravesda inteligencia, exercer uma influencia sobre a vontade. Sera desta maneira, esomente assim, que quaisquer coisas, em virtude de qualquer tendencia que pos-sam ter para influenciar 0 sentimento ou a crenca, podem, em urn sentido pratico,agir a guisa de motivos.

    Quaisquer objetos, por tender em a induzir a uma crenca em relacao a exis-tencia, atual ou provavel, de urn motivo pratico, isto e, em relacao a probabili-dade de urn motivo em perspectiva ou a existencia de urn motivo in esse, podemcxercer uma influencia na vontade, podendo entao ser catalogados juntamentecom esses outros motivos que foram batizados com 0 nome de motivos praticos.Quando costumamos falar em dar as razoes (de urn ato), queremos dizer que esta-mos apontando motivos desta especie. Volternos ao exemplo acima. A casa doteu vizinho esta pegando fogo, como antes. Chamo a tua atencao para 0 fato deque na parte mais baixa da c~sa do teu vizinho existe madeira que faz ligacaocom a madeira da tua casa; advirto-te que as chamas invadiram esta madeira, eassim por diante. Tudo isto facoo no intuito de dispor-te a crer - como creio eu--- que, se permaneceres em casa, seras consumido pelo incendio. Ao fazer isto,

    BENTHAM36

  • 'f'1nmm: I!eIF.'"~ ..:, - .. ------- .. ---

    10 Suponhamos que 0 motivo de uma pessoa seja rna vontade ou malevolencia; chamerno-Io malicia, inveja,crueldade, e ainda entao 0 seu motivo e uma determinada especic de prazer, ()U seja, () prazer que a pessoascnte ao pensar na dor que ve ou espera ver 0 seu adversario sofrer. Ora, mesmo este prazer rniser avel, consi-der ado em si mesrno, e born; pode ser fingido, false, breve, sera em todo caso impuro; todavia, enquantodur ar, e antes que aconteca alguma conseqiiencia rna, e tao born como qualqucr outro que nao for maisi(ltcnso. Vel 0 capitulo quarto. (N. do /\.)

    IX. - Em toda esta cadeia de motivos, 0 elo principal ou original parece sero ultimo motivo interno em prospectiva; e a este que todos os outros motivos emprospectiva devem a sua importancia, e tambern a este que 0 motivo que ageimediatamente deve a sua existencia, Este motivo em prospectiva, como vemos, esempre algum prazer, ou alguma dor; algum prazer, ao qual 0 ato em questao -assim se espera - dara continuidade ou produzira, a modo de instrumento; algu-rna dor, que 0 ato em questao - assim se espera - interrompera ou evitara. Urnmotivo nao e substancialmente outra coisa senao 0 prazer ou a dor operando deuma determinada forma.

    X. - Ora, 0 prazer e em si mesmo urn bern - nao s6 isto, mas ate 0 unicobern, abstraindo da imunidade da dor; e a dor e em si mesma urn mal - nao s6isto, mas 0 unico mal, sem excecao. De outra forma, as palavras bern e mal naotern nenhum significado.

    Ora, 0 que acabamos de dizer e igualmente verdadeiro com relacao a qual-quer especie de dor e a qualquer especie de prazer. Donde se infere, de maneiraimediata e incontestavel, que ndo existe nenhuma especie de motivo que seja emsi mesmo (intrinsecamente) mau. 10

    XI. - Em que pese 0 que acabamos de concluir, e comum dizer que asacoes procedem de motivos bons ou maus. Neste caso os motivos de que se ten-ciona falar sao os internos. A expressao esta longe de ser correta. E, uma vez queeia ocorre na consideracao de todas as especies de ofens a, sera necessario deter-minar 0 seu sentido exato e observar ate que ponto ela corresponde it verdade dascoisas.

    XII. - No que tange a qualidade boa ou rna de algo, acontece com os moti-vos 0 mesmo que acontece com tudo 0 que nao seja em si mesmo dor ou prazer(estes sirn, e so estes, sao intrinsecarnente maus, respectivamente bons). Se osmotivos sao bons ou maus, sera exc1usivamente em razao dos seus efeitos; seraobons em razao da tendencia que tern a produzir 0 prazer ou a impedir a dar; seraomaus em razao da tendencia que tern a produzir a dor ou a afastar 0 prazer. Ora,e um fato que do mesmo motivo, e de cada especie de motivo, podem derivaracoes que sao boas, outras que sao mas, outras que sao indiferentes. E 0 quedemonstraremos agora com respeito a todas as diversas especies de motivos, con-forme determinados pelas varias especies de prazeres e dores ..

    2 - Inexistencia de motivos constantemente bons ou constantemente maus

    sugiro motivos a tua inteligencia; esses motivos, pela tendencia que tern a dar ori-gem a ou a reforcar uma dor - a qual opera em ti a guisa de urn motivo internoin esse -, somam as suas forcas e agem a guisa de motivos sobre a tua vontade.

    37PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • XIII. - Tal analise, por mais util que seja, apresenta grande dificuldade,como se vera. Isto se deve, em grande parte, a urn certo defeito de estrutura queprevalece mais ou menos em todas as linguas.

    Para falar dos motivos - bern como de qualquer outra coisa - impoc-sechama-los com os seus nomes. Entretanto, infelizmente e forcoso constatar queraramente se encontra urn motivo cujo nome exprima aquilo, e nada mais. Via deregra, juntamente com 0 pr6prio termo motivo subentende-se tacitamente umaproposicao que lhe imputa uma certa qualidade; esta qualidade, em muitos casos,incluira evidentemente aquela "bondade" ou aquela "maldade", acerca da qualvimos perguntando se, falando com propriedade de termos, ela po de ou nao serimputada aos motivos. Para usar 0 fraseado comum, na maioria dos casos, adesignacao do motivo e urn termo que e usado ou exclusivamente em urn sentidobam ou somente em urn sentido mau. Ora, quando se profere uma palavra comosendo usada em urn sentido born, 0 que se quer dizer e apenas 0 seguinte: que, emconjuncao com a ideia do objeto que ela deve significar, ela carreia uma ideia deaprovacdo - isto e. de urn prazer ou satisfacao, subentendida pela pessoa queemprega 0 termo ao pensar em tal coisa. De maneira analoga, quando se profereuma palavra como sendo usada em urn sentido mau, 0 que necessariamente sequer dizer e apenas 0 seguinte: que, em conjuncao com a ideia do objeto que eladeve significar, eia carreia uma ideia de desaprovacdo - isto e, de urn desprazersubentendido pela pessoa que emprega 0 termo ao pensar em tal coisa. Ora, acircunstancia na qual se fundamenta LIma tal desaprovacao sera, tao natural-mente como qualquer outra, a opiniao da qualidade boa da coisa em questao,conforme acima explanarnos: assim, pelo menos, deve ser, com base no principioda utilidade. Assim tambern, por outra parte, a circunstancia na qual se fund a-menta uma tal desaprovacao sera, tao naturalmente como qualquer outra, a opi-niao da qualidade rna da coisa: tal, pelo menos, deve ser na medida em que 0principio da utilidade for considerado como norma.

    Ora, existem certos motivos que, excetuados alguns casos particulares, difi-cilmente pod em ser expressos por outro termo senao par uma palavra que s6pode ser usada em urn sentido born. Tal e 0 caso, por exernplo, com os motivosda piedade e da honra. A con sequencia disto e que, se, ao falar de tal motivo, umapessoa tiver ocasiao de aplicar 0 qualificativo mau a quaisquer acoes que elamenciona como capazes de resultarem deste motivo, sera necessariamente acusa-cia de incorrer numa contradicao (contradictio in terminis). Todavia, os termosdcsignativos de motivos que dificilmente podem ser expressos senao por umapalavr a que so pode ser empregada num sentido mau sao muito mais numerosos.Tal C 0 caso. par exemplo, com os motivos da luxuria e da avareza. Conseqiiente-mente, se, ao falar de tal motivo, uma pessoa tiver ocasiao de aplicar os qualifica-tivos born au indiferente a quaisquer acoes que eia menciona como capazes deresultarem deste motivo, tam bern neste caso sera necessariamente acusada decontradizer-se nos pr6prios termos. ( ... )

    XIX. - Aos prazeres da riqucz a corresponde a especie de motivo que, numscntido ncutro, podc scr dcsignado como interesse pecuniario. Num mau sentido,

    BENTHAM38

  • este e designado, em alguns casos, com os termos avareza, cobica, rapacidade, ouganancia; em outros casos, com 0 termo mesquinhez. Em urn sentido born, 0 inte-resse pecuniario se denomina, porem apenas em casos particulares, economia efrugalidade; em certos casos pode-se aplicar-Ihe 0 termo diligencia (industry). Emurn sentido rnais ou menos indiferente, porern pendendo mais para 0 sentido mau,o interesse pecuniario se designa, ainda que somente em casos particulares, como termo parcirnonia.

    Vejamos tim exemplo.(I) Com 0 dinheiro pagas 0 odio de uma pessoa, condenando 0 seu adver-

    sario a morte.(2) Por dinheiro cultivas 0 terreno desta pessoa.No primeiro caso 0 teu motivo se denomina ganancia, sendo considerado

    corrupto e aborninavel; no segundo caso, por falta de uma palavra adequada,denomina-se diligencia, sendo considerado no minirno como inocente, senaomeritorio. E, no entanto, em ambos os casos 0 motivo e exatamente 0 mesmo:nao c nem mais nem menos do que interesse pecuniario.

    XX. -- Os prazeres da habilidade nao sao suficientemente distintos nemtern suficiente importancia para dar qualquer nome ao motivo correspondente.

    XXI. - Aos prazeres da amizade corresponde urn motivo que, em urn senti-do neutro, pode ser denominado 0 prazer de captar a afeicao. Em um sentido maue dcnominado em certos casos servilismo. Emum senti do born nao tem nenhumtermo para qualifica-lo: nos casos em que ele foi considerado favoravelmente,raramente foi distinguido do motivo da simpatia ou benevolencia, com 0 qual, emtais casos, e comumente associado.

    (I) Para adquirir 0 afeto de uma mulher antes do casamento, para assegu-ra-lo depois, fazes tudo 0 que for cornpaginavel com outros deveres, a fim defaze-la feliz; neste caso 0 teu motivo e considerado como digno de elogios, embo-ra nao haja nenhum termo para designa-Io.

    (2) Em vista do mesmo objetivo, envenenas uma mulher com a qual a tuaamada esta em estado de inimizade: neste caso 0 teu motivo e consideradoaborninavel, embora tarnbern para isto nao haja nenhum termo pr6prio.

    (3) Para conquistar ou conservar 0 favor de uma pessoa que c mais rica aumais poderosa do que tu, tornas-te subserviente a eia e procuras proporcionar-Ihcprazeres. Mesmo que se trate de prazeres legitimos, se as pessoas decidirem atri-buir 0 teu comportamento a este motivo, veras que nao conseguirao encontraroutro nome para 1SS0 senao servilisrno.

    E todavia, nos tres casos assinalados, 0 motivo e sernpre 0 mesmo: nao enem mais nem menos do que 0 desejo de captar a afeicao.

    XXH. --- Aos prazeres derivantes da sancao moral, ou, para usar outros ter-mos, os prazeres de uma boa reputacao, corresponde urn motivo que, em urn sentido neutro.,. dificilmente obteve ate hoje urn termo adequado para designalo.Podcmos denornina-Ia amor a reputacao. Ele est a intimamente relacionado como ultimo motive acirna indicado, pois nao e nem mais nem menos do que 0 desejode captar a afeicao de todo 0 mundo, ou melhor, neste caso, de recomendar-se 3.estima de todo 0 mundo.

    39PRINCIPIOS DA MORAL E DA LEGISLA

  • Em urn born sentido, 0 mencionado motivo e designado honra, ou senso dahonradez; ou melhor, a palavra honra e introduzida na ocasiao em que assomara vista; com efeito, a rigor 0 termo honra e preferivelmente usado para significaraquela coisa irnaginaria que - segundo se diz - a pessoa possui quando obtemuma parte consideravel dos prazeres em questao. Em casos particulares, este mo-tivo e denominado amor a gl6ria. Em urn sentido mau, e denominado em algunscasos fama falsa, em outros casos orgulho, em outros vaidade. Em urn sentidonao abertamente mau, mas prevalentemente mau, denomina-se ambicao. Em urnsentido indiferente, em certos casos chama-se amor a fama; em outros, senso davergonha ou pudor. E, uma vez que os prazeres conexos com a sancao morallevam indistintamente as dores derivadas da mesma fonte, em certos casos estemotivo pode igualmente ser denominado medo da desonra, medo da desconside-racao, medo da infamia, medo da ignominia, ou medo da vergonha.

    Vejamos tambem aqui exemplos.(1) Recebeste uma afronta de uma pessoa. Segundo 0 costume vigente no

    pais, por uma parte a fim de nao incorreres na vergonha de os outros conside-rarem que te resignaste com paciencia, e por outra parte a fim de obteres a repu-tacao de corajoso, desafias 0 teu adversario it luta armada. Neste caso, 0 teu mo-tivo sera considerado por certas pessoas como louvavel e sera denominado honraou honradez; outros considerar ao 0 teu motivo censuravel, e tais pessoas, se fala-rem de honra ou honradez, anteporao a esta palavra um adjetivo reprobat6rio efalarao de falsa honra.

    (2) No intuito de obteres um posto de distincao e de dignidade, e conseqiien-temente para aumentar as honras que 0 publico te tributa, suborn as as pessoasencarregadas de conferir a dignidade, ou 0 juiz perante 0 qual 0 teu titulo estasendo contestado.

    Neste caso, 0 teu motivo e comumente considerado corrupto e abominavel,sendo talvez denominado com algum termo como arnbicao desonesta ou corrup-ta, uma vez que nao existe uma paIavra s6 para designar tal motivo.

    (3) No intuito de obter a benevolencia do publico doas uma grande soma aobras particulares de caridade ou a obras de utilidade publica.

    Neste caso, as pessoas provavelmente nao estarao de acordo quanto ao teumotivo. Teus inimigos the atribuir ao uma qualificacao rna e 0 charnarao de osten-tacao ; os teus amigos, para te defenderem contra tal censura, decidirao imputar atua conduta nao a este motivo mas a algum outro, tal como a da caridade (adenorninacao dada, neste caso, it simpatia particular) ou 0 do senso ou espiritopublico.

    (4) Urn rei, a fim de tornar-se credor da adrniracao devida a urn conquis-tador (excluamos as motivos do poder e do ressentimento), engaja 0 seu reino emuma guerra sangrenta. 0 seu motivo sera considerado adrniravel peJa multidao(cuja simpatia por milhoes de pessoas sacrificadas e facilmente superada peloprazer que a sua imaginacao encontra em admirar-se ante qualquer novidade queobserva na conduta de uma pessoa individual). Ao contrario, pessoas de bonsscntimcntos e dotadas de reflexao, que desaprovarn dominic exercido por este

    BENTHAM40

  • ---- ----_._"."

    motivo nesta ocasiao, sem se darem conta de que e 0 mesmo motivo que em ou-tras ocasioes aprovam, consideram-no aborninavel; e, uma vez que a multidao -e ela que forma a linguagem! - nao deu a este motivo urn nome simples paradesigna-lo, denornina-Io-a com uma expressao composta como: amor a falsa glo-ria ou a falsa ambicao.

    E, todavia, em todos os quatro casos assinalados 0 motivo e exatamente 0mesmo: nem mais nem menos do que 0 amor a reputacao.

    XXIII. - Aos prazeres do poder corresponde 0 motivo que, em urn sentidoneutro, pode ser denominado amor ao poder.

    Pessoas que nao simpatizam com este motivo denominarn-no ganancia depoder. Em urn sentido born, 0 motivo dificilmente tern urn nome proprio. Em cer-tos casos este motivo, bern como 0 amor a reputacao, e confundido sob 0 mesmonome, ambicao. Isto nao deve estranhar, considerando-se a relacao intima queexiste entre os dois motivos em muitos casos; com efeito, acontece comfreqiiencia que 0 mesmo objeto que proporciona uma especie de prazer propor-eione ao mesmo tempo tambern a outra - por exemplo, cargos, que sao aomesmo tempo postos de honra e lugares de confianca; alem disso, em qualquercaso a reputacao e 0 caminho que leva ao poder.

    Vejamos alguns exemplos.(1) Se, no intuito de obter urn posto administrativo, envenenares a pessoa

    que 0 ocupa.(2) Se, visando ao mesmo proposito, propoes urn plano salutar para 0 pro-

    gresso do bem-estar publico. 0 teu motivo e em ambos os casos 0 mesmo. To