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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “ LATO SENSU PROJETO A VEZ DO MESTRE A IMPORTÂN CIA DOS CONT OS DE FAD AS NA VIDA DA CRIAN ÇA NA EDUC AÇÃO INFANTIL Por: M aria Marta Batista Barbosa Orientadora Prof. Ms. Ana Paula Lettieri Fulco Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA VIDA DA CRIANÇA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Por: Maria Marta Batista Barbosa

Orientadora

Prof. Ms. Ana Paula Lettieri Fulco

Rio de Janeiro

2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS DE FADAS NA VIDA DA CRIANÇA

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes

como requisito parcial para obtenção do grau de especialista

em Psicopedagogia

Por: . Maria Marta Batista Barbosa

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu marido Lemoel, pelo apoio e compreensão, não

só durante esse trabalho como de outros.

Agradeço à professora Ana Paula, que me fez perceber nuances da

vida e das pessoas os quais não percebera antes e de alguma forma

trouxe transformações na minha vida.

Aos meus alunos de Sala de Leitura da Escola Vereador Taciano

Fernandes Nunes que muito me inspiraram e me assistiram durante

o processo de criação deste projeto.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus três filhos, Elisangela, Lígia e

Leonardo que apesar de não serem mais crianças continuam sendo

motivo de alegria e encantamento na minha vida.

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RESUMO

Além do prazer de entrar no imaginário e contribuir para a formação da

personalidade da criança, os Contos de Fadas, podem ser a chave para adquirir o gosto pela

leitura. É importante que a criança tenha possibilidade de entender o mundo complexo com

o qual deve aprender a lidar. Deve ser auxiliada para que possa dar algum sentido de idéias

sobre a forma de colocar ordem na casa interior, e com base nisso, ser capaz de criar ordem

na sua vida. O Conto de Fadas diverte, encanta, cativa e ensina através de mensagens

implícitas, dá respostas para questões humanas e ajuda a criança a superar dúvidas de

acordo com o seu desenvolvimento mental.

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METODOLOGIA

A metodologia utilizada tem como propósito mostrar ao educador da Educação

Infantil a importância dos contos de fadas na imaginação da criança.

O trabalho será desenvolvido da seguinte maneira: referência bibliográfica,

observação de crianças da Educação Infantil em salas de leitura, pois é neste lugar que elas

podem ter contato com os contos de fadas, estimulando, com isso, sua criatividade.

Serão utilizados livros para leitura individual, histórias contadas pelo professor com

a Coleção No País das Maravilhas e “Contos de Fadas”.

Será proposto ler, ouvir, entender, fantasiar, dar palpites, sugerir, opinar, através de

debates, recontagem do conto e representação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I – CONTO DE FADAS E A APRENDIZAGEM 10

1.1 A aprendizagem na educação infantil 101.1.1 Desenvolvimento do pensamento e da linguagem 101.1.2 A literatura infantil e a linguagem 11

1.2 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e a leitura de histórias 111.3 Conto de fada e a clareza das emoções facilitando a aprendizagem 14

1.3.1 Aprendizagem de valores 141.3.1.1 O valor da amizade e do amor - BRANCA DE NEVE 14

1.3.1.2 Reconhecimento das dificuldades e a busca de soluções e respostas -

JOÃO E MARIA 16

CAPÍTULO II – CONTO DE FADAS COMO ATIVIDADE LÚDICA 20

2.1 Proporciona momentos de prazer 202.2 Identificação com personagens 212.3 Alimenta a fantasia – linguagem onírica - PETER PAN 22

2.3.1 O faz-de-conta 23

CAPÍTULO III – CONTO DE FADAS E OS CONFLITOS INTERNOS 25

3.1 O medo, a perda, a rivalidade 253.1.1 CHAPEUZINHO VERMELHO 253.1.2 A BELA E A FERA 27

3.1.2.1 Freud e o ponto de vista genético 293.2 O respeito às diferenças – O PATINHO FEIO 32

CONCLUSÃO 35BIBLIOGRAFIA 37ANEXOS I 39EVENTOS CULTURAIS 39FOLHA DE AVALIAÇÃO 41

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INTRODUÇÃO

O ingresso da criança na primeira etapa do ensino fundamental – a educação

infantil – possibilita o crescimento cognitivo e afetivo, mas costuma mobilizar fortes

angústias trazidas pela vivência do novo, pelas novas pressões sociais, pela separação

dos pais.

O processo de crescimento exige que a criança enfrente dificuldades. Acolhê-la

em sua totalidade, com suas emoções e fantasias é tarefa fundamental dos educadores,

neste momento tão delicado.

Os contos de fadas podem acrescentar ao cotidiano da criança experiências muito

enriquecedoras, envolvendo o conhecimento, o auto-conhecimento, as atividades

lúdicas e estéticas além do alívio das tensões.

Entretanto, a maior contribuição dos contos de fadas é em termos emocionais,

propondo-se – e realizando concretamente – quatro tarefas: fantasia, escape,

recuperação e consolo. Os contos desenvolvem a capacidade de fantasia infantil;

fornecem escapes necessários ao falarem dos medos internos da criança, das suas

ansiedades e ódios, de como vencer a rejeição (como quando as crianças são deixadas

na floresta pelo pai em “João e Maria”), ou os conflitos com a mãe (como em “Branca

de Neve”).

Os contos aliviam as pressões exercidas por esses problemas; favorecem a

recuperação, incutindo coragem na criança, mostrando-lhe que é sempre possível

encontrar saídas; finalmente, os contos consolam e muito: o “final feliz”, que tantos

adultos consideram “irreal” e “falso” é a grande contribuição que os contos fornecem à

criança, encorajando-a à luta por valores amadurecidos e a uma crença positiva na vida.

Para melhor expor alguns significados dos contos de fadas na infância, o trabalho

será dividido em três capítulos.

No primeiro, explica-se como o conto de fadas auxilia a aprendizagem e o que o

Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil relata sobre a leitura de histórias.

E ainda, como os contos ajudam às crianças a tornarem claras suas emoções e a

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valorizar os sentimentos, com o conto de Branca de Neve; facilitando a

aprendizagem com o reconhecimento das dificuldades, através do conto João e Maria.

No segundo, mostra-se como os contos proporcionam momentos de prazer na vida

infantil com a identificação com os personagens e com a alimentação das fantasias

através do sonho, a partir do conto de Peter Pan.

E no último capítulo, exemplifica-se como as crianças trabalham os conflitos tais

como: medo, perda, rivalidade, com os contos Chapeuzinho Vermelho e A Bela e a

Fera; também será considerado o ponto de vista genético de acordo com Freud, tomando

como base o conto A Bela e a Fera e o respeito às diferenças nessa faixa etária, através

do conto Patinho Feio.

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CAPÍTULO I

CONTO DE FADAS E A APRENDIZAGEM

1.1 A aprendizagem na educação infantil

1.1.1 Desenvolvimento do pensamento e da linguagem

Ao acompanhar o desenvolvimento do ser humano, notamos que ocorrem

mudanças significativas no comportamento e na aprendizagem, paralelamente ao

crescimento físico. Progressivamente a criança vai se tornando capaz de executar

melhor suas atividades e de atingir, com mais facilidade, novos níveis de aprendizagem.

Quando a criança age sobre os objetos e percebe as relações entre eles e seu

corpo, aumenta sua capacidade de aprender. Em outras palavras: a eficiência da

capacidade de aprender de cada pessoa amplia-se em função de vários fatores: progresso

na maturação orgânica, aumento da capacidade de transferência de aprendizagem e do

processo de aprender, do desenvolvimento da linguagem e das experiências anteriores.

Todos estes fatores contribuem para o desenvolvimento mental, para o jogo de

idéias que utilizamos na solução de um problema, tudo isso constitui o pensamento.

O pensamento integra experiências do indivíduo e trabalha sobre símbolos

(palavras), permitindo a formação de conceitos que não podem ser percebidos apenas

pelos sentidos. Os conceitos e os símbolos são os instrumentos do pensamento:

possibilitam estabelecer relações e produzir soluções novas para os problemas que a

pessoa vivencia.

O comportamento humano engloba diversos sinais de comunicação: gestos de

ternura, de dor, de raiva, de desespero, sons de alarme, maneiras de olhar, palavras ... .

através do uso destes sinais o homem expressa seus sentimentos, pensamentos,

necessidades, desejos e emoções; isso se chama linguagem.

A palavra “infância”, que designa uma etapa do desenvolvimento humano,

provém do vocábulo latino “infans”, que significa “sem linguagem”. Isto porque,

durante este período, o ser humano deve assimilar a linguagem adotada por seu grupo.

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Quando utilizam a linguagem do faz-de-conta, as crianças enriquecem sua

identidade, porque podem experimentar outras formas de ser e pensar, desempenhando

vários papéis sociais ou personagens.

1.1.2 A literatura infantil e a linguagem

A linguagem é essencialmente comunicação, compartilhamento e negociação de

significados. Uma das formas de se fazer isso é promover, de forma rica e prazerosa, o

contato das crianças com o livro e consequentemente, com a leitura de histórias.

A realidade poderá ser vivida, compreendida, imaginada por meio da arte que se

faz com a palavra, a literatura. Trabalhar com os livros de literatura infantil é descobrir

a passagem para o mundo não só de fantasias, mas também de realidades, mobilizando

nas crianças a sensibilidade, a imaginação, o conhecimento de si e do mundo que a

cerca.

Contar histórias para as crianças inaugura, promove e amplia o imaginário

infantil e, como conseqüência, enriquece o repertório simbólico e de brincadeiras das

crianças. Quanto mais oportunidades elas tiverem para ouvir, contar, ler, brincar com o

livro, mais asas darão à imaginação. Segundo Alves

“O corpo de uma criança é um espaço infinito onde cabem todos os universos. Quanto mais ricos forem esses universos, maiores serão os vôos da borboleta, maior será o fascínio, maior será o número de melodias que saberá tocar, maior será a possibilidade de amar, maior será a felicidade.” (Alves, 1994)

1.2 Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e a leitura de

histórias

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De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil,

a leitura de histórias é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver,

pensar, agir e o universo de valores, costumes e comportamentos de outras culturas

situadas em outros tempos e lugares que não o seu. A partir daí ela pode estabelecer

relações com a sua forma de pensar e o modo de ser do grupo social ao qual pertence.

As instituições de educação infantil podem resgatar o repertório de histórias que as

crianças ouvem em casa e nos ambientes que freqüentam, uma vez que essas histórias se

constituem em rica fonte de informação sobre as diversas formas culturais de lidar com

as emoções e com as questões éticas, contribuindo na construção da subjetividade e da

sensibilidade das crianças.

Ter acesso à boa literatura é dispor de uma informação cultural que alimenta a

imaginação e desperta o prazer pela leitura. A intenção de fazer com que as crianças,

desde cedo, apreciem o momento de sentar para ouvir histórias exige que o professor,

como leitor, preocupe-se em lê-la com interesse, criando um ambiente agradável e

convidativo à escuta atenta, mobilizando a expectativa das crianças, permitindo que elas

olhem o texto e as ilustrações enquanto a história é lida.

Quem convive com crianças sabe o quanto elas gostam de escutar a mesma

história várias vezes, pelo prazer de reconhecê-la, de apreendê-la em seus detalhes, de

cobrar a mesma seqüência e de antecipar as emoções que teve da primeira vez. Isso

evidencia que a criança que escuta muitas histórias pode construir um saber sobre a

linguagem escrita. Sabe que na escrita as coisas permanecem, que se pode voltar a elas

e encontrá-las tal qual estavam da primeira vez.

Muitas vezes a leitura do professor tem a participação das crianças,

principalmente naqueles elementos da história que se repetem (estribilhos, discursos

diretos, alguns episódios etc.) e que por isso são facilmente memorizados por elas, que

aguardam com expectativa a hora de adiantar-se à leitura do professor, dizendo

determinadas partes da história. Diferenciam também a leitura de uma história do relato

oral. No primeiro caso, a criança espera que o leitor leia literalmente o que o texto diz.

Recontar histórias é outra atividade que pode ser desenvolvida pelas crianças.

Elas podem contar histórias conhecidas com a ajuda do professor, reconstruindo o texto

original à sua maneira. Para isso podem apoiar-se nas ilustrações e na versão lida.

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Nessas condições, cabe ao professor promover situações para que as crianças

compreendam as relações entre o que se fala, o texto escrito e a imagem. O professor lê

a história, as crianças escutam, observam as gravuras e, freqüentemente, depois de

algumas leituras, já conseguem recontar a história, utilizando algumas expressões e

palavras ouvidas na voz do professor. Nesse sentido, é importante ler as histórias tal

qual estão escritas, imprimindo ritmo à narrativa e dando à criança a idéia de que ler

significa atribuir significado ao texto e compreendê-lo.

Para favorecer as práticas de leitura, algumas condições são consideradas

essenciais. São elas:

Dispor de um acervo em sala com livros e outros materiais, como histórias em

quadrinhos, revistas, enciclopédias, jornais etc., classificados e organizados com a

ajuda das crianças;

Organizar momentos de leitura livre nos quais o professor também leia para si. Para

as crianças é fundamental ter o professor como um bom modelo. O professor que lê

histórias, que tem boa e prazerosa relação com a leitura e gosta verdadeiramente de

ler, tem um papel fundamental: o de modelo para as crianças;

Possibilitar às crianças a escolha de suas leituras e o contato com os livros, de forma

a que possam manuseá-los, por exemplo, nos momentos de atividades

diversificadas;

Possibilitar regularmente às crianças o empréstimo de livros para levarem para casa.

Bons textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura em casa, junto com

os familiares.

Uma prática constante de leitura deve considerar a qualidade literária dos textos.

A oferta de textos supostamente mais fáceis e curtos, para crianças pequenas, pode

resultar em um empobrecimento de possibilidades de acesso à boa literatura.

Ler não é decifrar palavras. A leitura é um processo em que o leitor realiza um

trabalho ativo de construção do significado do texto, apoiando-se em diferentes

estratégias, como seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor e de tudo o que sabe

sobre a linguagem escrita e o gênero em questão. O professor não precisa omitir,

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simplificar ou substituir por um sinônimo familiar as palavras que considera

difíceis, pois, se o fizer, correrá o risco de empobrecer o texto. A leitura de histórias é

uma rica fonte de aprendizagem de novos vocabulários. Um bom texto deve admitir

várias interpretações, superando-se, assim, o mito de que ler é somente extrair

informação da escrita.

1.3 Conto de fada e a clareza das emoções facilitando a aprendizagem

1.3.1 Aprendizagem de valores

1.3.1.1 O valor da amizade e do amor - BRANCA DE NEVE

O conto “Branca de Neve” foi escrito por várias pessoas, como por exemplo:

Irmãos Grimm em 1812 (Jacob e Wilhelm Grimm) e Walt Disney em 1937.

“Branca de Neve” é um dos contos de fadas mais conhecidos pelas crianças e

por seus pais. Freqüentemente intitula-se apenas “Branca de Neve”, embora existam

muitas variações. “Branca de Neve e os Sete Anões”, como é mais conhecido

atualmente. Os anões servem apenas para enfatizar os desenvolvimento importante que

ocorre em Branca de Neve.

Neste item será mencionado como o conto “Branca de Neve” valoriza a amizade

e o amor. A amizade dos anões que será reconhecida num momento de dificuldade e o

amor que Branca de Neve sente pelo pai.

Na estória mais conhecida de Branca de Neve, a mulher mais velha e ciumenta

não é a mãe mas sim a madrasta, que é destruída pelos ciúmes que sente da criança, que,

ao crescer, supera-a . A rainha não satisfeita com a beleza grandiosa de Branca de

Neve, decide matá-la. Então vai até a casa dos anões trajando-se como uma velha e

oferece maçã envenenada para a menina. Após comer a fruta, Branca adormece

profundamente. E, posteriormente, será acordada por um príncipe que deverá sentir um

amor verdadeiro pela princesa.

Quando, psicologicamente falando, os pais geram um filho, a vinda da criança é

o que faz os dois tornarem-se pais. Assim, é a criança que causa problemas paternos, e,

com estes, aparecem os dela mesma. Os contos de fadas normalmente começam

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quando a vida da criança de certa forma chegou a um impasse. Em “Branca de

Neve” não são dificuldades externas como a pobreza, mas as relações entre ela e os pais

que criam a situação problemática.

Quando a posição da criança dentro da família torna-se problemática para ela ou

para os pais, ela começa o processo de luta para escapar da existência triádica. Com

isso, penetra no caminho desesperadamente solitário de buscar-se a si mesma – uma luta

na qual os outros servem principalmente de elementos que facilitam ou impedem este

processo, então é nessa hora que ela encontra os anões e uma amizade verdadeira da

parte deles e dela. Os anos que passa com eles representam o período de dificuldades,

de elaboração dos problemas, seu período de crescimento.

Poucos contos de fadas ajudam o ouvinte a distinguir as fazes principais da

infância de forma nítida como “Branca de Neve” o faz. Os primeiros anos, de

dependência absoluta, são mencionados levemente, como ocorre na maioria dos contos

de fadas. A estória trata essencialmente dos conflitos entre mãe e filha na infância e

finalmente na adolescência, dando maior ênfase ao que constitui uma infância feliz, e o

que é necessário para crescermos a partir dela.

O conto de fadas encara o mundo e o que sucede nele de forma não objetiva,

mas sob a perspectiva do herói, que é sempre uma pessoa em desenvolvimento. Como

o ouvinte se identifica com Branca de Neve, enxerga os acontecimentos como ela os vê,

e não como são vistos pela rainha. Para a menina, o amor pelo pai é a coisa mais

natural do mundo, e o mesmo vale para o amor que ele sente por ela. Por mais que

deseje que o pai a ame mais do que a mãe, a criança não aceita que isto produza ciúmes

dela na mãe.

Como a criança deseja ser amada pelos pais – fato bem conhecido, mas que é

freqüentemente negligenciado na discussão da situação, devido à natureza do problema

– é muito ameaçador para ela imaginar que o amor de um dos pais por ela possa causar

ciúmes no outro. Quando este ciúme – como no caso da rainha em “Branca de Neve” –

não pode ser ignorado, então é preciso encontrar alguma outra razão que o explique, o

que na estória é atribuído à beleza da menina.

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Podemos perceber com estes detalhes que os contos tratam de problemas

que assolam o coração infantil de maneira sutil, para que a criança possa entendê-lo de

forma fácil e divertida.

1.3.1.2 Reconhecimento das dificuldades e a busca de soluções e

respostas - JOÃO E MARIA

O conto “João e Maria” foi originalmente conhecido como “Irmãozinho e

irmãzinha”. Escrito pelos Irmãos Grimm, em 1812, é uma história que enfatiza a

solidariedade entre irmãos que é tão rara nos contos de fadas. Neste conto é relevante

tratarmos das dificuldades que as crianças enfrentam e como elas procuram solucioná-

las.

Em “João e Maria” os pais são pobres, e se preocupam em como poderão cuidar

dos filhos. Juntos, de noite, discutem o futuro deles, e o que poderão fazer por esse

futuro. Então decidem abandonar os filhos na floresta. Perdidos, João e Maria

encontram uma casa de doces que logo começam a comer, então aparece uma velhinha,

que na verdade era uma feiticeira, e os convida a entrar e se alojarem na casa de doces.

A feiticeira prende João numa gaiola para que ele engorde com o propósito de comê-lo,

enquanto fazia com que Maria trabalhasse sem descanso. Quando Maria percebeu que a

velha pretendia comê-la também, fez de tudo para livrar-se dela e consegue. Liberta o

irmão e os dois voltam juntos para casa com a ajuda de um passarinho que os guia.

Chegando a casa, são bem recebidos pelos pais que, arrependidos, prometem nunca

mais fazer nada parecido, com eles.

No meio da dificuldade que passaram, João e Maria encontraram solução para os

seus problemas, pois quando a estória termina, João está com as jóias da feiticeira,

porém, não é mencionado pelo autor que essas jóias resolveriam a situação de pobreza

daquela família. Mesmo assim o que fica de lição é a procura por uma saída do

problema que afligia a família de João e Maria.

Mesmo em nível superficial, o conto de fadas folclórico transmite uma verdade

importante, embora desagradável: a pobreza e a privação não melhoram o caráter do

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homem, mas sim, o torna mais egoísta e menos sensível aos sofrimentos dos outros,

e assim sujeito a empreender feitos malvados.

O conto de fadas expressa em palavras e ações as coisas que se passam nas

mentes infantis. Em termos da ansiedade infantil dominá-los enquanto conversam.

Uma criancinha, quando acorda faminta na escuridão da noite, sente-se ameaçada por

uma rejeição e abandono completos, que ela experimenta sob a forma de medo de

morrer de fome. Projetando a ansiedade interna sobre aqueles que as ameaçam de

deserção, João e Maria estão convencidos de que os pais planejam deixá-los morrer de

fome! De acordo com as fantasias infantis de ansiedade, a estória diz que até então os

pais foram capazes de alimentar os filhos, mas que agora caíram numa fase de declínio.

A mãe representa a fonte de toda a alimentação para os filhos, e por isso agora

ela é que é vista como os abandonando numa selva. Como as crianças sabem que

necessitam desesperadamente dos pais, tentam voltar para casa depois de abandonadas.

De fato, João consegue encontrar o caminho de volta da floresta na primeira vez em que

eles são abandonados. Antes de a criança ter coragem de empreender a viagem para

encontrar-se, para tornar-se uma pessoa independente pelo encontro com o mundo, só

pode desenvolver a iniciativa tentando voltar à passividade, para garantir-se de uma

gratificação eternamente dependente. “João e Maria” conta que em longo prazo isto não

funcionará.

A volta das crianças para casa não resolve nada. Seu esforço em continuarem a

vida como antes, como se nada tivesse acontecido, não tem nenhuma utilidade. As

frustrações continuam, e a mãe torna-se mais astuta nos planos de livrar-se das crianças.

A estória de “João e Maria” dá corpo às ansiedades e tarefas de aprendizagem da

criança pequena que precisa vencer e sublimar seus desejos incorporativos primários e,

por conseguinte, destrutivos. A criança deve aprender que, se não se liberta destes, os

pais ou a sociedade a forçarão a fazê-lo contra sua vontade, assim como a mãe pára de

amamentar o filho logo que sente chegado o momento. Este conto dá expressão

simbólica às experiências internas diretamente ligadas à mãe. Por conseguinte, o pai

permanece uma figura apagada e ineficaz através da estória, como parece à criança

durante sua vida inicial, quando a Mãe é toda-importante, tanto nos aspectos benignos

como nos ameaçadores.

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O conto de fadas é a cartilha onde a linguagem permite a compreensão antes

de conseguirmos a maturidade intelectual. A criança precisa ser exposta a essa

linguagem, e deve aprender a prestar atenção a ela, se deseja chegar a dominar sua alma.

A criança que pondera por conta própria sobre os detalhes de “João e Maria”

acha significativo o seu começo. O fato de o lar paterno estar situado bem à beira da

floresta, onde tudo acontece, sugere que o que vai se seguir estava iminente desde o

início. Novamente é esta a forma do conto de fadas exprimir pensamentos através de

imagens marcantes que levam a criança a usar sua própria imaginação para obter uma

compreensão profunda.

“João e Maria” finaliza com a volta dos heróis ao lar, de onde partiram, e onde

agora encontram a felicidade. Isto está psicologicamente correto porque uma criança

nova, impulsionada para as suas aventuras por problemas orais1 ou edípicos2, não pode

esperar encontrar a felicidade fora do lar. Para que tudo corra bem com seu

desenvolvimento, deve elaborar estes problemas enquanto ainda depende dos pais. Só

através de boas relações com os pais a criança pode amadurecer para a adolescência de

modo correto.

Como “João e Maria” começa de fato com as preocupações da família de um

pobre lenhador incapaz de sustentá-los, finaliza num nível igualmente concreto.

Embora a estória conte que as crianças trouxeram para casa um monte de pérolas e

pedras preciosas, nada mais sugere que o padrão de vida econômico da família tenha se

modificado. Isto enfatiza a natureza simbólica destas jóias. O conto conclui: “E então

todas as preocupações acabaram, e eles viveram juntos na mais completa alegria.”

1 Quando o desejo e o prazer localizam-se primordialmente na boca e na ingestão de alimentos e o seio materno, a mamadeira, a chupeta, os dedos são objetos do prazer.2 Conjunto de desejos amorosos e hostis que a criança experimenta relativamente aos pais. Em Freud sob sua forma positiva, o desejo sexual pela mãe e o desejo assassino pelo pai rival. Sob forma negativa(“Édipo invertido” ou “Édipo feminino” do (menino): o desejo erótico pelo pai e o ódio ciumento a mãe. Finalmente, sob sua forma completa, o complexo de Édipo designa o conjunto das relações que a criança estabelece com as figuras parentais e que constituem uma rede em grande parte inconsciente de representações e de afetos entre os dois pólos de suas formas positiva e negativa.

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“João e Maria” é um dos muitos contos de fadas onde dois irmãos cooperam

num auxílio mútuo e alcançam o sucesso devido aos esforços conjugados. Estas

estórias orientam a criança no sentido de transcender sua dependência imatura dos pais

e alcançar os níveis seguintes e mais altos de desenvolvimento: valorizando também o

apoio dos companheiros de idade. A cooperação com eles na realização das tarefas terá

que substituir finalmente a dependência infantil e restrita aos pais. A criança em idade

escolar freqüentemente ainda não pode imaginar que um dia será capaz de enfrentar o

mundo sem os pais; por esta razão deseja agarrar-se a eles além do ponto necessário.

Precisa aprender a confiar que algum dia dominará os perigos do mundo, mesmo na

forma exagerada em que seus medos os retratam, e que se enriquecerá com isto.

“João e Maria” encoraja a criança a explorar por sua conta mesmo as meras

invenções de sua imaginação ansiosa, porque este tipo de conto transmite-lhe a

confiança de que poderá controlar não apenas os perigos reais de que os pais lhe falam,

bem como os outros, intensamente exagerados, que ela teme que existam.

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CAPÍTULO II

CONTOS DE FADAS COMO ATIVIDADE LÚDICA

2.1 Proporcionam momentos de prazer

Muita gente fala em prazer da leitura, mas às vezes essa noção fica um pouco

confusa. Claro, existe um elemento divertido, de entretenimento, em acompanhar uma

história engraçada, emocionante ou cheia de peripécias. É uma das alegrias que um

livro pode proporcionar _ mas essa é apenas a satisfação mais simples, evidente e

superficial. Há muito mais do que isso. Muito mesmo, como sabe qualquer leitor.

A simples idéia de uma boa brincadeira proporcionada pela leitura também tem

seu fundamento e pode ir além do mero entretenimento ou da diversão superficial e

descartável. Quando brinca, a criança faz-de-conta. Quando cresce, sonha. Isto é:

fantasia, imagina, finge _ cria uma ficção. E isso desempenha um outro papel

importantíssimo para qualquer ser humano estar em paz consigo mesmo _ além do

prazer que traz. E de acordo com Umberto Eco (1994) as crianças brincam com boneca,

pipa a fim de se familiarizar com as leis físicas do universo e com os atos que realizarão

um dia. Da mesma forma, ler ficção significa jogar um jogo através do qual damos

sentido à infinidade de coisas que aconteceram, estão acontecendo ou vão acontecer no

mundo real.

Outra coisa muito prazerosa que encontramos num bom livro é o prazer de

decifração, de exploração daquilo que é tão novo que parece difícil e, por isso mesmo,

oferece obstáculos e atrai com intensidade. Como quem se apaixona. É uma delícia

irresistível: ir deixando-se fascinar, permitindo-se ser conquistado por aquelas palavras

e idéias, tentando ao mesmo tempo conquistar e vencer as dificuldades da leitura. É o

que o crítico Harold Bloom (autor do excelente Como e Por que Ler) chama de “a busca

do prazer difícil” e classifica de sublime. Algo tão forte que hoje em dia cada vez se

fala mais na leitura como uma atividade, não apenas como um recebimento ou um

consumo passivo.

Essa atividade é feita da busca de um prazer sempre crescente, num patamar

cada vez mais alto, lentamente construído com delicadeza, sensibilidade e empenho.

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Instala-se, entre leitor e texto, uma troca interativa, num jogo sedutor. Freud

demonstrou como a curiosidade e a vontade de saber são vizinhas do instinto sexual _

daí sua capacidade tentadora, sua força irresistível. Italo Calvino mostrou como um

bom livro acende em quem o lê um permanente desejo de seguir sempre adiante, em

busca da construção do sentido, vivido ao final como um grande momento de gozo e

distensão e como esse trajeto é prazeroso. Retoma, assim, a idéia de Roland Barthes

quando o francês insistia em se referir à “paixão pelo sentido” e defendia a existência de

uma “erótica do texto”.

Todas essas considerações afirmam que se trata de um jogo a dois. Quando

lemos um clássico, ele também nos lê, vai nos revelando nosso próprio sentido, o

significado do que vivemos.

Isso tudo acontece porque os contos de fadas estão envolvidos no maravilhoso,

um universo que detona a fantasia, partindo sempre duma situação real, concreta,

lidando com emoções que qualquer criança já viveu.

2.2. Identificação com personagens

As identificações que as crianças fazem com os contos são facilitadas pela não

especificidade de tempo e local. A identificação surge, na maioria das vezes, pela

ausência de nome próprio do personagem. Normalmente o nome é relacionado às

características físicas, como por exemplo, Branca de Neve que tem esse nome por ter

uma pele muito alva; Chapeuzinho Vermelho, por usar um capuz da mesma cor. Um

dos únicos nomes próprios que aparece é João – freqüente em muitas histórias – e

Maria.

Na identificação com personagens que enfrentam situações de perda, angústia,

medo ou amor, a criança transfere todos os seus conflitos para àqueles vividos na

história e esclarece fatos sobre si mesmo e o mundo a sua volta.

E se vêem tanto os estereótipos estéticos europeus, definindo as personagens

boas e más, as simpáticas e as terrificantes, as confiáveis e as condenadas à deslealdade

eterna, que tudo isso pode acabar influenciando as crianças em como querem ser quando

crescerem se como Chapeuzinho ou como Alice, mas são poucas as crianças que

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querem crescer como a Bruxa, ou a Fera, porque esses personagens passam-lhes

estereótipos que não são agradáveis.

Conduz à satisfação de se deixar transportar para outro tempo e outro espaço,

viver outra vida com experiências diferentes do quotidiano. Mas a leitura dos bons

livros de literatura trazem também ao leitor o outro lado dessa moeda: o contentamento

de descobrir em um personagem alguns elementos em que ele se reconhece plenamente.

Lendo uma história, de repente descobrimos nela pessoas que, de alguma forma, são tão

idênticas a nós mesmos, que nos parecem uma espécie de espelho. Como estão, porém,

em outro contexto e são fictícias, nos permitem um certo distanciamento e acabam nos

ajudando a entender melhor o sentido de nossas próprias experiências. Essa dupla

capacidade de nos carregarmos para outros mundos e, paralelamente, nos propiciar uma

intensa vivência enriquecedora é a garantia de um dos grandes prazeres de uma boa

leitura.

Cabe à criança interpretar o momento, ampliar os referenciais, não se limitar

com estereótipos, não endossar os disparates impostos, não reforçar os preconceitos, é

buscar talvez no estético o momento de ruptura, de transgressão, onde não haja falsas e

tolas correspondências, mas descobertas de toda a sedução encoberta, da beleza e

sabedoria a serem reveladas, de padrões que não são os dos chamados países

desenvolvidos.

2.3. Alimenta a fantasia – linguagem onírica - PETER PAN

A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança

aprenda mais sobre a relação entre as pessoas, sobre o eu e sobre o outro.

O escocês James Matthew Barrie (1860-1937) romancista e autor dramático

criou Peter Pan. Escreveu, em 1904, a peça para adultos Peter Pan, the boy that

wouldn’t grow up e, em 1906, o conto Peter Pan in Kensington Gardens. O conto “Peter

Pan e Wendy”, versão infantil, foi escrito em 1911, que continua até hoje

encantando os corações de gentes de todo o mundo. É a história de um menino

simpático, corajoso, que luta espada, que fantasia o fato de não querer crescer e ter de

enfrentar seu inexorável destino humano.

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Ele fugiu de casa no dia em que nasceu, ao escutar uma conversa de seus

pais sobre como seria quando crescesse, pois Peter Pan não queria crescer, porque ele

gostaria de ficar em companhia das fadas, até que a fada Sininho fica para sempre

com ele. Enquanto outros cresciam e morriam, ele permanecia criança; mas só poderia

viver em um mundo à parte, distante do racional, na Terra do Nunca.

Wendy viveu aventuras incríveis com Peter Pan na Terra do Nunca; mas depois

cresceu. O que acontece quando as pessoas crescem? Para o autor desse conto, Barrie,

esquecem que um dia voaram e viveram milhares de aventuras inimagináveis.

Desaprendem a viver na Terra do Nunca. No final da estória, Wendy tem uma filha e

lhe conta histórias.

Considerados pela Psicanálise como representações de acontecimentos

psíquicos, os contos de fadas permitem conexões com fantasias infantis universais e

podem constituir-se num importante instrumento para auxiliar a criança a elaborar e a

projetar conflitos.

No conto “Peter Pan”, o autor separa dois mundos: o infantil e o adulto – o

imaginário e o real. É como se, ao tornarmo-nos adultos, esquecemos que fomos

crianças, que vivemos tantas fantasias. Será que o adulto não sonha, não imagina, não

deseja? Claro que sim, mas de um jeito diferente do infantil.

2.3.1. O faz-de-conta

Agora eu era herói, e o meu cavalo só fala inglês.

(Chico Buarque)

Uma forma de alimentar a fantasia é por meio da brincadeira do faz-de-conta e

por causa de seu caráter sociocultural, as crianças podem recriar situações cotidianas,

explicitando o conhecimento que têm sobre os objetos, sobre as convenções sociais, etc.

No faz-de-conta, as crianças aprendem a agir em função da imagem de uma

pessoa, de uma personagem, de um objeto e de situações que não estão imediatamente

presentes e perceptíveis para elas no momento e que evocam emoções, sentimentos e

significados vivenciados em outras circunstâncias. Fantasiar funciona como um cenário

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no qual as crianças tornam-se capazes não só de imitar a vida como também de

transformá-la. Os heróis, por exemplo, lutam contra seus inimigos, mas também podem

ter filhos, cozinhar e ir ao circo.

Ao fazer de conta, ou seja, fantasiar, as crianças buscam imitar, imaginar,

representar e comunicar de uma forma específica que uma coisa pode ser outra, que

uma pessoa pode ser uma personagem, que uma criança pode ser um objeto ou um

animal, que um lugar “faz-de-conta” que é outro. Fantasiar é, assim, um espaço no qual

se pode observar a coordenação das experiências prévias das crianças e aquilo que os

objetos manipulados sugerem ou provocam no momento presente.

Assim, na brincadeira do faz-de-conta vivenciam concretamente a elaboração e a

negociação de regras de convivência, assim como a elaboração de um sistema de

representação dos diversos sentimentos, das emoções e das construções humanas.

O papel do conto de fadas é o de estimular a imaginação das crianças. Isto

significa que ele desperta a imaginação enriquecendo e ampliando o repertório

simbólico das crianças.

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CAPÍTULO III

CONTO DE FADAS E OS CONFLITOS INTERNOS

3.1. O medo, a perda, a rivalidade - CHAPEUZINHO VERMELHO e A BELA E

A FERA

No conto “Chapeuzinho Vermelho” a presença do medo é marcante, porque tem

a presença do lobo mau um ser feio que causa medo nas crianças. Já no conto “A

Bela e a Fera” existe a rivalidade entre as irmãs e a perda que o pai sente por ter que dar

sua filha para a fera. Primeiro será comentado sobre o conto da “Chapeuzinho

Vermelho” e depois o conto de “A Bela e a Fera”.

3.1.1 Chapeuzinho vermelho

Charles Perrault publicou a primeira adaptação literária de “Chapeuzinho

Vermelho” em 1697, mas poucos pais se dispunham a ler aquela versão do conto para

os filhos, pois termina com o “lobo mau” jogando-se sobre Chapeuzinho Vermelho e

devorando-a. Na versão dos Irmãos Grimm (1857), a menina e sua avó são salvas por

um caçador, que manda o lobo desta para melhor após efetuar uma cesariana com uma

tesoura.

A versão usada neste trabalho é a dos Irmãos Grimm que conta sobre uma

menina que leva doces, feitos por sua mãe, para sua avó e quando chega na casa da

“vovozinha” percebe que existe algo de estranho e pergunta a ela: Vovó que olhos tão

grandes? E a avó responde: É para te ver melhor! Quando Chapeuzinho descobre que a

vovó quer lhe devorar, após ter devorado a verdadeira vovozinha, tenta fugir mas é

capturada pelo lobo que come a menina. Um caçador que andava pela floresta próxima

à casa da avó de Chapeuzinho, ouve os gritos da menina e chegando a casa, com a sua

coragem tira as duas da barriga do lobo e o mata. No final, a vovó, sua neta e o caçador

fazem um belo lanche juntos.

A imagem de uma menina “inocente” e encantadora sendo engolida por um lobo

deixa uma marca indelével na mente. Em “João e Maria”, a bruxa só planejou devorar

as crianças; em “Chapeuzinho Vermelho” o lobo engole realmente a avó e a menina.

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“Chapeuzinho Vermelho”, como a maioria dos contos de fadas, possui muitas

versões diferentes. A mais popular é a dos Irmãos Grimm, na qual Chapeuzinho e a avó

voltam a viver e o lobo recebe um castigo bem merecido.

A ameaça de ser devorada é o tema central de Chapeuzinho Vermelho, como em

João e Maria. As mesmas constelações básicas que aparecem no desenvolvimento de

cada pessoa podem levar às personalidades e destinos humanos mais diversos,

dependendo de outras experiências do indivíduo e de como ele as interprete para si

próprio. Da mesma forma, um número limitado de temas básicos retratam nas estórias

de fadas, aspectos muito diferentes da experiência humana. Tudo depende da forma da

elaboração do tema e do contexto em que ocorra. “João e Maria” lida com as

dificuldades e ansiedades da criança que é forçada a abandonar sua ligação dependente

com a mãe e a libertar-se da fixação oral. “Chapeuzinho Vermelho” aborda alguns

problemas cruciais que a menina em idade escolar tem de solucionar quando as ligações

edípicas persistem no inconsciente, o que pode levá-la a expor-se perigosamente a

possíveis seduções.

Em ambos os contos a casa da floresta e o lar paterno são o mesmo lugar,

vivenciados de modo diverso devido a mudanças na situação psicológica. Na sua

própria casa, Chapeuzinho Vermelho, protegida pelos pais, é a criança pré-púbere sem

conflitos que é perfeitamente capaz de lidar com as circunstâncias. Na casa da avó, que

também é segura, a mesma menina se torna totalmente incapaz em conseqüência do

encontro com o lobo.

As estórias de fadas falam ao nosso consciente e ao nosso inconsciente, e por

conseguinte não precisam evitar as contradições, já que elas coexistem facilmente no

nosso inconsciente. Num nível bem diferente de significado, o que acontece com a avó

pode ser encarado sob nova luz. O ouvinte certamente se pergunta porque o lobo não

devorou Chapeuzinho logo que a encontrou – isto é, na primeira oportunidade.

Chapeuzinho Vermelho externaliza os processos internos da criança púbere: o

lobo é a externalização da maldade que a criança sente quando vai contra os conselhos

dos pais e permite-se tentar, ou ser tentada, sexualmente. Quando se desvia do caminho

que os pais lhe traçaram encontra “maldade”, e teme que esta a engula e ao pai cuja

confiança traiu.

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A criança sabe intuitivamente que o fato de Chapeuzinho ser engolida pelo

lobo – como muitas outras mortes de heróis de contos de fadas – não significa que a

estória acabou, mas é uma parte necessária da mesma. A criança também compreende

que Chapeuzinho realmente “morreu” como a menina que permitia que o lobo a

tentasse; e quando a estória diz que a menina “pulou fora” do estômago do lobo, ela

volta à vida como uma pessoa diferente. Este expediente é necessário porque, embora a

criança possa entender prontamente que uma coisa seja substituída por outra (a mãe boa

pela madrasta malvada), ainda não pode compreender transformações internas. Por

isso, um dos grandes méritos dos contos de fadas é que, ao ouvi-los, a criança acredita

que estas transformações são possíveis.

3.1.2 A bela e a fera

Uma das versões mais famosas de “A Bela e a Fera” é baseada na narrativa de

Marianne Mayer, cuja versão para o inglês, editada em 1978, baseia-se na escrita por

Madame Leprince de Beaumont, de 1757, que por sua vez se remete à versão francesa

original elaborada por Madame de Villeneuve em 1740. Segundo Bettelheim (1980),

este é o relato mais popular do conto.

Este conto é passado numa aldeia francesa no final do século XVIII. Segue as

incríveis aventuras de Bela, uma jovem atraente, inteligente e simpática, que pertence a

uma família composta por seu pai e duas irmãs. Devido ao fracasso financeiro, a

família muda-se para uma pequena casa no interior, ao que Bela compreende, porém

suas irmãs ficam revoltadas.

Numa das viagens a trabalho, seu pai entra no castelo de uma fera horrenda e

rouba uma rosa do jardim. A Fera diz que pagará com a vida seu delito. O homem

suplica-lhe perdão, dizendo que possui três filhas esperando por ele. Fera propõe-lhe

uma troca: Sua vida por uma de suas filhas.

Bela vai para o castelo e logo passa a perceber que por trás da aparência

assustadora da Fera se esconde o coração e a alma de um príncipe humano. Passado

algum tempo, o pai de Bela fica doente e ela vai visitá-lo, na condição de voltar em sete

dias.

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Suas irmãs, mortas de inveja, pois Bela trazia lindas roupas e jóias, fingem

saudades para que ela não volte ao castelo. A jovem acaba voltando, encontra a Fera

agonizando por ela.

Bela chora e diz que está apaixonada pelo monstro que logo se recupera e

transforma-se em um príncipe, pois tinha sido enfeitiçado por uma fada má e seu

encanto só se quebraria quando uma jovem se apaixonasse por ele apesar da sua

aparência.

A noção de crescimento psíquico como uma transformação, em que a

importância do objeto é, sobremaneira evidente foi magnificamente retratada no conto

“A Bela e a Fera”. Os contos de fadas, assim como os mitos e as lendas, transmitem

uma verdade universal, impregnada de sentimentos atemporais e comuns a toda a

humanidade. Conferem expressão de modo metafórico, tanto quanto os sonhos e os

sintomas, a um saber do inconsciente passível de ser captado em seus múltiplos

significados pela mente consciente, pré-consciente e inconsciente.

A essência do conto é a passagem de uma existência biológica para outra

humana, transformação efetuada mediante a presença do objeto no contexto de uma

relação plena de significado. Essa travessia, que é o destino da cria humana, se opera

sob uma lei que se funda na linguagem e no simbólico. Na ordem humanizante,

existem trocas – os bens, a linguagem – e se estabelecem valores morais e éticos.

Barthes (1991) comenta o aspecto transformador do simbólico e seu caráter

essencialmente humano, atentando para o fato de que Fera espera receber a palavra

cujo efeito a livrará do encantamento. Diz ele : “... a Fera – que foi encontrada na sua

feiúra – ama a Bela; a Bela, evidentemente, não ama a Fera, mas, no final, vencida

(pouco importa por quê; digamos : pelas conversas que tem com a Fera), lhe diz a

palavra mágica: “Eu te amo, Fera”; e imediatamente, através do rasgo suntuoso de um

acorde de harpa, aparece um novo sujeito.”

Muito cedo em seu trabalho, Freud descobriu o poder mutativo da palavra e dele

fez nascer a psicoterapia, desde que o que transita entre os seus participantes é tão-

somente o verbo. No artigo “Tratamento psíquico (ou mental)”, ele afirma:

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“Agora, também, começamos a compreender a mágica das palavras. As palavras são o mais importante meio pelo qual um homem busca influenciar outro; as palavras são um bom método de produzir mudanças mentais na pessoa a quem são dirigidas! Nada mais existe de enigmático, portanto, na afirmativa de que a mágica das palavras pode eliminar os sintomas das doenças, e especialmente daquelas que se fundam em estados mentais” (Freud, 1905, p. 306).

O conto evoca de forma mais imediata a mudança que acontece numa relação

amorosa e, por alusão, aproxima-se da transformação presente no processo de

crescimento e na que acontece por intermédio da Psicanálise. As personagens do

conto, Bela, o pai e Fera, constituem uma tríade, o que é sugestivo da compreensão que

a psicanálise tem do crescimento mental no que se refere à importância da triangulação

edípica, porém até que se tenha chegado a esse ponto algumas transformações devem

ocorrer.

3.1.2.1 Freud e o ponto de vista genético

A fera representa a cria humana em vias de humanizar-se, já que o homem em

status nascendi nada tem de civilizado. Freud fez várias referências em seus textos à

proximidade entre as crianças, os animais e os homens primitivos. Nos “Três Ensaios”,

ele se refere à criança como “o perverso polimorfo”, meio animal, meio homem

primitivo, para falar da pulsão em seu estado original, entregue ao seu curso, dominada

pela excitação sexual e pela urgência do prazer, pelo do sadismo, que, eventualmente,

transborda no comportamento infantil. Assinala que a disposição para a perversão da

pulsão sexual humana é um dado primário e universal .

Na infância encontramos a criança entregue ao prazer pulsional, mas isso, deve-

se ressaltar, é bem diferente da perversão sexual, mais tarde, encontrada no adulto . No

caso da criança, uma renúncia acontece, à medida que as repressões vão sendo

construídas e a luta entre as forças que visam ao prazer de modo irrestrito cedem lugar

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àquelas que o limitam. Assim, a fera, o perverso polimorfo, é o tempo da infância,

quando estão se formando as forças restritivas da pulsão.

A infância é o tempo de estruturação do aparelho psíquico, exatamente porque o

inconsciente não existe desde as origens do indivíduo, sendo produto de relações

humanizantes. Em Freud, a origem do inconsciente define-se em relação à sexualidade

infantil, que encontra o clímax no drama edípico, mas é inicialmente auto-erótica e pré-

genital, ligada a um corpo fragmentado e a uma personalidade em formação. A pulsão

em si só vai em busca da descarga, sendo que aquilo que se torna um obstáculo a essa

descarga leva a mudanças nas defesas mentais, o que vai culminar nos processos

fundantes da tópica psíquica. Acontece uma clivagem, o surgimento de uma ordem

consciente e outra inconsciente pelo efeito do recalcamento, sendo que o infantil passa a

ser a sexualidade reprimida, recalcada, que está na origem da estruturação do aparelho

psíquico. O infantil em Freud, portanto, é o próprio inconsciente.

A fera como o infantil resultante do recalcamento é o animal que continua à

espreita, uma condição situada na área do conflito psíquico. Sua aparência assustadora

no conto remete ao surgimento da angústia diante de figuras que evocam o recalcado,

uma menção de Freud no texto “O Estranho” (1919) quanto às representações figuradas

da castração, à fantasia do duplo e o movimento do autômato encontrados nas histórias

de ficção.

Bela, como contrapartida da fera, é o tempo do narcisismo, representado pelo

isolamento num castelo onde todos os desejos tornam-se realidade, onde não há falta, o

que dá ensejo ao sentimento de ter um poder ilimitado, conseqüência da onipotência de

pensamentos. A ilusão de onipotência é necessária nos primórdios da existência e o

narcisismo daí advindo é narcisismo de vida. Uma tal ilusão acontecendo num

momento evolutivo de total passividade, depende de uma mãe – metaforizada também

por Bela – que ali está para atender incondicionalmente o filho. Ela mantém a situação

de isolamento, refletindo no seu rosto – esse espelho que só diz a verdade – os

sentimentos e estados da criança, como sugere Winnicott (1975).

A cria humana, entretanto, para desenvolver sua personalidade precisa caminhar

para além do narcisismo primário. Assim, o mundo onde tudo é concedido de imediato,

num passe de mágica, torna-se monótono e vazio e Bela passa a esperar – este signo do

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desejo – os encontros com Fera. Chega um tempo em que self e objeto se separam.

A mãe passa a existir para o bebê como um outro que se interpõe ao seu desejo, que

frustra, não estando onde deveria, nem fazendo o que seria preciso e por isso desperta

a ira da criança.

A Fera, que tiranizou o pai por haver se sentido atacado no episódio da rosa,

com as conversas que tem com Bela e com o tempo, modifica-se a ponto de expressar

consideração, permitindo que a jovem se afaste para visitar o pai mesmo arriscando-se a

perdê-la. Depois, quando acredita que ela não vai voltar, Fera, contradizendo a postura

violenta e ameaçadora do princípio da narração, fica muito triste, pensa que a perdeu

definitivamente e com isso perde a motivação para viver.

Os impulsos agressivos dirigidos ao objeto de amor dão origem a sentimentos de

culpa, os quais são a base do medo de perder a pessoa amada, mas também dos

sentimentos de consideração por esta. A partir daí, a consciência da separação entre o

self e o objeto é firmemente estabelecida e o sujeito torna-se capaz de enfrentar o

doloroso fato de que o objeto mantém relações com outros objetos das quais ele está

excluído. O medo de perder o amor intensifica-o, mas também faz com que o sujeito se

afaste até certo ponto da pessoa amada, uma fuga parcial, já que ele tentará reencontrá-

la em cada nova pessoa, projeto ou atividade que realizar. Uma tal disposição torna

possível o alargamento do espaço psíquico, a simbolização dos conflitos e o alívio das

angústias.

A relação da criança com as pessoas da sua infância interfere na escolha da vida

adulta, já o disse Klein (1952). O objeto eleito retira sua força de atração de impressões

arcaicas tendo sido o desejo articulado num tempo muito antigo. Apesar disso, os novos

relacionamentos não são meras repetições, contêm elementos das circunstâncias atuais e

da personalidade das pessoas em questão. É assim, de acordo com Klein (1952), ainda

no caso da transferência, em que está em pauta a projeção na pessoa do analista de

sentimentos, objetos internalizados e situações vivenciadas. A transferência, mesmo

atravessada por fantasias, contém elementos da experiência real com o analista, uma vez

que o desejo é despertado e mantido pela narração em processo da dupla e não por algo,

unicamente, pré- concebido.

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O casamento de Bela e Fera, a própria transformação, expressa a tendência

à integração do psiquismo para onde caminha o crescimento mental e emocional, se as

pulsões de vida vencerem as pulsões de morte, se houver uma conciliação entre o amor

e o ódio; as partes boas e más do self; o id, o ego e o superego. Poderia se pensar que

uma pessoa que atingisse esse ponto viveria, definitivamente, com amor e alegria, mas

não é assim. Há um trabalho psíquico eternamente em curso, porque a realidade, mais

cedo ou mais tarde, vai impor-se ao desejo, havendo sempre o recurso da regressão às

cisões até que o perseguidor e o ideal possam ser novamente conciliados para formar o

bom. Nisso, a sombra do objeto pode ser edificante a partir de uma construção, onde

contam tanto as potencialidades do sujeito quanto as do objeto.

3.2 O respeito às diferenças - O PATINHO FEIO

O conto “O Patinho Feio” foi escrito por Hans Christian Andersen em 1837.

Patinho feio passou a ser uma expressão para designar a figura não promissora que

termina por superar todos os outros, pois nos contos de fadas os desprezados provam

seu valor.

De que forma os contos de fadas expressam momentos de conflitos? Podemos

citar o conto “O patinho feio”. Este conto é a história de um cisne cujo ovo é

acidentalmente chocado por uma pata. Todos acham o recém nascido horrível. A Mãe

Pata tem tanta vergonha dele que acaba por expulsá-lo, negando que seja seu filho. Mas

ninguém o quer como filho. Os perus e as galinhas o acham horrível também. Apesar

de nadar muito bem, o patinho é desprezado pelos seus irmãos, pela comunidade dos

patos e por sua mãe que diz: “Eu queria ver você bem longe daqui!” (Andersen, 1995).

E por fim ele mesmo, ao contemplar-se refletido nas águas do lago, termina por achar-se

feio. Entretanto, nesse momento, um ser alvo e suave, deslizando majestosamente pelas

águas, se aproxima e lhe diz que, muito pelo contrário, ele é um belíssimo filhote de

cisne. Quando crescer será uma das criaturas mais admiradas da lagoa.

O patinho, na verdade um cisne, já havia nadado antes em outros lagos. Porém,

olhava-se através do olhar do outro, assujeitado ao desejo e olhar do outro –

principalmente daquela que exerce a função materna. Saindo para o mundo, crescendo,

quando volta a olhar sua imagem ele já vê um lindo cisne branco e não apenas um pato

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cinza feio – saída dessa assujeitação. É nesse estágio que a criança começa aos

poucos perceber que seu corpo, até então sentido como fragmentado, é algo único. É

através dessa experiência, com a mediação do outro-mãe (mãe, enquanto função

materna), que a criança começa estruturar seu “eu” e a conquistar a sua imagem

corporal.

A história clássica da metamorfose de um patinho num belo cisne tem sido por

gerações como uma fonte de consolo para os que sofrem de um sentimento de

inadequação ou isolamento. Ela alcançou uma espécie de autoridade moral que merece

muita atenção, pois transmite uma mensagem muito clara sobre auto-estima, status

social e a promessa de transformação. O patinho feio transcende sua condição inferior

sem nenhum esforço real de sua parte. Simplesmente suporta humilhações, privação e

perigos até que sua hora chegue. Depois abre as suas asas e se une ao majestático

parente que flutua sobre as águas, servindo como fonte de encantamento visual para as

crianças no parque.

Pequenas, impotentes e muitas vezes tratadas com desdém, as crianças tendem a

se identificar com o feioso animal que, como tantos heróis de contos de fadas, é o mais

novo da ninhada, neste caso o último a sair da casca. O patinho feio, como a proverbial

tartaruga ou o minúsculo Pequeno Polegar, pode não parecer grande coisa, mas com o

tempo supera as expectativas. Segundo Bruno Bettelheim (1980), o protagonista de

Andersen não precisa se submeter aos testes, tarefas e provações usualmente impostos

aos heróis dos contos de fadas.

O conto sugere que a superioridade inata do patinho advém do fato de ele ser de

uma espécie diferente. Ao contrário dos outros patos, foi chocado de um ovo de cisne.

Essa hierarquia implícita na natureza _ cisnes majestáticos versus “a ralé do terreiro”

_ sugere que a dignidade e o valor, juntamente com a superioridade estética e moral,

são determinados não pela realização mas pela natureza.

Sejam quais forem os prazeres de uma história que celebra o triunfo do mais

fraco, vale a pena refletir sobre as questões éticas e estéticas suscitadas por essa vitória.

A história de Andersen não só perpetua estereótipos culturais ao vincular realeza e

aristocracia à beleza; promove também um culto do sofrimento, um culto que vê virtude

na dor física e na angústia espiritual. Seria possível objetar que o Patinho Feio tem seu

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caráter e coragem postos à prova. Ao suportar bravamente as zombarias dos outros

e ao enfrentar os desafios físicos da natureza, ele sobrevive, vitorioso, e não obstante

sem orgulho nem vaidade em sua glória. No lago, o patinho feio sofre um

encarceramento glacial: torna-se um ornamento congelado, morto para o mundo.

No final, triunfa e reina supremo como “o mais belo de todos”, e também como

o melhor (pois não tem um coração orgulhoso), o Patinho Feio é mais uma vez reduzido

à categoria de um ornamento, a deslizar na superfície do lago ante o olhar admirado das

crianças que premiam seu garbo com migalhas de pão. Muitos estudiosos afirmaram

que “O patinho feio” é uma narrativa que traça a trajetória da penosa ascensão do

próprio escritor dela que tem origens humildes à aristocracia literária. Alvo de escárnio

mesmo como autor, Andersen conquistou fama e admiração em seus últimos anos.

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CONCLUSÃO

A atividade literária abre novos horizontes e o conto de fadas é uma

manifestação artística literária que tem o poder de transportar o leitor/ouvinte à vida de

um outro e viver um quotidiano momentâneo que não é o seu, acreditando no

supostamente irreal, isto é, animais que falam, pessoas que permanecem vivas em

situações totalmente contrárias à razão. Não há um sentido literal e isto fica

subentendido na relação autor/contador e leitor/ouvinte.

É um tipo de literatura para qual não existem barreiras de tempo, cultura e

civilização, sendo um poderoso auxiliar no desenvolvimento da personalidade infantil,

exercendo, portanto, uma função educativa uma vez que, através dele é possível ensinar

a criança a controlar seus medos e emoções e a viver de forma sadia e equilibrada.

A linguagem simbólica contida nesta literatura reflete anseios, medos, desejos e

questões relevantes para o ser humano, como por exemplo, desigualdade social, pobreza

e miséria.

A literatura, pela via do imaginário, permite a reflexão sobre inúmeras questões

subjetivas, proporcionando, quem sabe, até uma reedição delas, contribuindo para a

superação de problemas que impedem ou dificultam a aprendizagem, a alegria e o

crescimento global do aluno.

O conto de fada é um gênero de texto que contribui não só para ampliar o

universo de leituras das crianças, mas principalmente para ajudá-las a encontrar

significado na vida. Ele diverte, imerge no desconhecido, explora a diversidade,

transporta para outro tempo e quotidiano. Traz contentamento ao descobrir em um

personagem alguns elementos em que se reconhece plenamente.

A criança no seu dia-a-dia, quando brinca está sempre “fazendo-de-conta”,

criando fantasias, imaginando coisas ou fingindo ser alguém.

A fantasia e a imaginação são elementos fundamentais para que a criança

aprenda mais sobre a relação entre pessoas, sobre o eu e sobre o outro. A identificação

com heróis e heroínas melhora a auto-estima e faz com que ela se sinta importante.

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À medida que a história se desenrola e se encaminha para o seu final,

consolida seu significado profundo. Portanto, tranqüiliza o emocional infantil,

proporciona amadurecimento e esperança de que tudo vai acabar bem.

. Por conseguinte, possibilita a elaboração simbólica das sua ansiedades, angústias

e seus conflitos íntimos – como demonstra Bruno Bettelhein em A Psicanálise dos

Contos de Fadas.

É por tudo isso que os contos têm uma importância grandiosa na vida infantil e

não pode deixar de fazer parte dela, porque contribui e muito para que a criança possa

crescer mais bem resolvida consigo mesma e encarar melhor o seu cotidiano.

O objetivo do conto não é tornar fácil e simples a tarefa de viver, mas conseguir

que os homens aceitem melhor sua natureza problemática e não se deixem abater por

isso.

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ANEXO I

EVENTOS CULTURAIS

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Candido Mendes – Instituto A Vez do Mestre

Título da Monografia: A Importância dos Contos de Fadas na Vida da Criança na

Educação Infantil

Autor: Maria Marta Batista Barbosa

Entrega final: 27/01/2007

Avaliado por: Ana Paula Lettieri Fulco

Matrícula: C200869

Turma: C010 Conceito: