96
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPS A (IN)CONSTUTICIONALIDADE DA PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS EM RAZÃO DA CONEXÃO OU CONTINÊNCIA COM CRIMES COMUNS Florianópolis 2009

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

DIOGO LUIZ DESCHAMPS

A (IN)CONSTUTICIONALIDADE DA PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS EM RAZÃO DA

CONEXÃO OU CONTINÊNCIA COM CRIMES COMUNS

Florianópolis2009

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

DIOGO LUIZ DESCHAMPS

A (IN)CONSTUTICIONALIDADE DA PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS EM RAZÃO DA

CONEXÃO OU CONTINÊNCIA COM CRIMES COMUNS

Monografia apresentada como requisito para a conclusão do Curso de Especialização latu sensu em Direito Penal e Processual Penal – turma x, da Universidade do Vale do Itajaí.

Orientador: Prof. MSc. Alceu de Oliveira Pinto Junior

Florianópolis2009

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

RESUMO

No presente trabalho, é abordado a constitucionalidade da prorrogação da competência dos Juizados Especiais Criminais em face da conexão ou continência de infrações penais de menor potencial ofensivo com crimes comuns. A pesquisa foi realizada utilizando o método dedutivo, por meio de revisão bibliográfica. A razão de ser deste trabalho é a verificação da adequação das alterações trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para tanto, num primeiro momento, são estabelecidas definições dos conceitos mais básicos da ciência processual: jurisdição, ação, processo e procedimento, para seguir com o estudo das regras de competência através do regramento trazido pelo Código de Processo Penal. Logo após, são pontuados os princípios e objetivos traçados pela Lei n. 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais, seguidos de uma análise mais aprofundada de cada um dos institutos despenalizadores trazidos pela referida lei: a necessidade de representação para as lesões corporais leves, a conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Finalmente, define-se a natureza jurídica da competência dos Juizados Especiais Criminais e se analisa a forma como a doutrina e a jurisprudência tratam institutos da mesma espécie, como o Tribunal do Júri e o Foro por Prerrogativa de Função. Ao final, é observado que, sendo a conexão e a continência critérios de fixação de competência territorial com previsão exclusivamente infraconstitucional, não podem afastar a competência dos Juização Especiais Criminais, que é absoluta.

Palavras-Chave: Direito Processual. Teoria Geral do Processo. Jurisdição. Ação. Processo. Procedimento. Competência. Conexão. Continência. Juizados Especiais Criminais. Lei n. 9.099/95. Princípios. Objetivos. Institutos Despenalizadores. Conciliação. Transação Penal. Suspensão Condicional do Processo. Competência dos Juizados Especiais Criminais. Competência Constitucional. Prorrogação da Competência. Tribunal do Júri. Foro por Prerrogativa de Função.

Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ABSTRACT

In this paper, is verified the constitutionality of extending the jurisdiction of the Small Criminal Causes Courts against the connection or containment of criminal offenses of lower offensive potential with common crimes. The research used the deductive method, by means of literature review. The reason behind this work is to analyze the adequation of the changes introduced by Law 11.313/06 with the rules of the Federal Constitution. Therefore, at first, the most basic concepts of process science (jurisdiction, action, process and procedure) are defined, following studies about the rules of jurisdiction brought by the Code of Criminal Procedure. Soon after, the principles and objectives outlined by Law 9099/95, which established the Small Criminal Causes Courts, are listed, followed by a closer examination of each of the institutes of decriminalization brought by this law: the need for representation for light injuries, reconciliation, criminal transaction and probation process. Finally, is defined the legal nature of the jurisdiction of the Small Criminal Causes Courts and examined how the doctrine and the leading cases deal with institutes of the same species, such as the Jury and the Forum for Prerogative of Function. Finnaly, it is observed that the connection and continence criteria for fixing the jurisdiction are regulated only by the law, making impossible the removal of the jurisdiction of the Small Criminal Causes Courts, which is absolute.

Keywords: Procedural Law. General Theory of Process. Jurisdiction. Action. Process. Procedure. Competence. Connection. Continence. Small Causes Courts. Law 9099/95. Principles. Objectives. Institutes of Decriminalization. Reconciliation. Criminal Transaction. Probation Process. Jurisdiction of Small Causes Courts. Constitutional Jurisdiction. Extension of Jurisdiction. Jury. Forum for Prerogative of Function.

Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS...........................................................................................................................6

CAPÍTULO 01 COMPETÊNCIA PROCESSUAL PENAL..........................................................................................8

1.1 Jurisdição....................................................................................................................8

1.2 Ação, Processo e Procedimento................................................................................17

1.2.1 Teorias da Ação.................................................................................................18

1.2.2 Distinções Conceituais......................................................................................26

1.3 Competência Processual Penal.................................................................................29

1.3.1 Pelo Lugar da Infração......................................................................................32

1.3.2 Pelo Domicílio ou Residência do Réu..............................................................33

1.3.3 Pela Natureza da Infração.................................................................................34

1.3.4 Pela Distribuição...............................................................................................36

1.3.5 Pela Prevenção..................................................................................................37

1.3.6 Pela Prerrogativa de Função.............................................................................38

1.3.7 Pela Conexão ou Continência...........................................................................40

CAPÍTULO 02 OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI N. 9.099/95...........................................................46

2.1 Princípios dos Juizados Especiais Criminais............................................................46

2.2 Institutos Despenalizadores......................................................................................52

2.2.1 Conciliação.......................................................................................................55

2.2.2 Transação Penal................................................................................................60

2.2.3 Suspensão Condicional do Processo.................................................................66

CAPÍTULO 03 A PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS EM FACE DA CONEXÃO E DA

CONTINÊNCIA.............................................................................................................73

3.1 A Competência dos Juizados Especiais Criminais...................................................73

3.1.1 O Artigo 98 da Constituição Federal................................................................73

3.1.2 A Regulamentação pela Lei n. 9.099/95 e suas Alterações...............................74

3.2 Natureza Jurídica da Competência dos Juizados Especiais Criminais.....................76

3.3 Outras Competências Constitucionalmente Previstas..............................................79

3.3.1 O Tribunal do Júri.............................................................................................79

3.3.2 O Foro por prerrogativa de Função...................................................................81

3.4 A Competência dos Juizados Especiais Criminais em face da Conexão e

Continência......................................................................................................................84

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................................90

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................................................92

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A presente pesquisa pretende estudar a possibilidade ou não de se afastar a com-

petência dos Juizados Especiais Criminais diante da hipótese de conexão ou continência entre cri-

mes comuns e infrações penais de menor potencial ofensivo, mormente diante da alteração feita ao

artigo 60 da Lei n. 9.099/95 pela Lei n. 11.313/06.

Pretende-se estudar os principais conceitos da ciência processual, destacando-se a

possibilidade de aplicação das noções de teoria geral do processo, geralmente vinculadas apenas ao

processo civil, também no processo penal. Para tanto, desenvolver-se-á os conceitos de jurisdição,

ação, processo e procedimento, diferenciando-os de forma clara, a fim de estabelecer seus limites e

a importância de cada definição para a o funcionamento do Direito Processual.

Depois de estabelecida as distinções básicas, será trabalhada a noção de compe-

tência, enquanto forma de instrumentalização da jurisdição. Dentro desse tema, destacar-se-á as di-

versas espécies de competências existentes no ordenamento jurídico nacional, a importância de es-

clarecer a sua posição dentro desse conjunto de normas e os diversos critérios para a sua fixação

diante do caso concreto.

Especial relevância será dada à diferenciação conceitual e pragmática entre as es-

pécies de competência previstas na Constituição Federal e aquelas constantes da legislação infra-

constitucional, tendo em vista que, enquanto as primeiras definem condições gerais e inafastáveis

de fixação da competência, estas limitam-se a operacionalizar, em conformidade com a realidade lo-

cal, os limites trazidos pelas primeiras, sem possuir o caráter de observância obrigatória típico das

normas constitucionais.

E é na Constituição Federal que estão previstos os Juizados Especiais Criminais,

foram regulamentados pela Lei n. 9.099/95, com suas posteriores alterações. Nessa lei, foi criado

todo um novo sistema penal, reservado às infrações penais consideradas de menor potencial ofensi-

vo. Nesse sistema, foram estabelecidos objetivos a serem alcançados e princípios a serem observa-

dos que, muitas vezes, diferem dos que estão estabelecidos no sistema penal clássico.

Como forma de efetivar esses objetivos e princípios próprios, os Juizados utili-

zam-se de certos institutos, que ficaram conhecidos como institutos despenalizadores.

Todo o microssistema dos Juizados Especiais Criminais baseia-se no consenso; na

busca de uma reaproximação entre a vítima e o autor da infração penal. E essa busca pela reconci-

liação é uma novidade no direito penal, razão pela qual, o tratamento dado à matéria penal nos Jui-

zados é muito diversa da existente na Justiça Comum. Assim, deve ser sempre priorizada a compe-

tência dos Juizados Especiais Criminais, de modo a respeitar as normas constitucionais e sob pena

de, em caso contrário, frustrar os próprios objetivos do instituto traçados pela Constituição.

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

E é sob esse enfoque que se analisará a possibilidade ou não de utilização das re-

gras de conexão e continência para justificar o afastamento da competência dos Juizados Especiais

Criminais.

O método utilizado nesta pesquisa foi o dedutivo, e o modo de pesquisa emprega-

do foi a revisão bibliográfica. Para fins de metodologia, adotou-se a segunda edição do Manual de

Metodologia da Pesquisa no Direito, escrito por Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro.

No primeiro capítulo, tratar-se-á dos conceitos básicos da ciência processual, ana-

lisando os diversos conceitos dados ao longo do tempo à noção de jurisdição, os motivos históricos,

políticos e sociais que justificaram a adoção de cada uma das teorias, e como cada uma delas influiu

para estabelecer o direito processual como um ramo autônomo do Direito. Após, será estudada a

ação, como instrumento para o exercício da jurisdição e as diversas teorias que visam a explicá-la.

Também serão definidos os conceitos de processo e procedimento e traçado um paralelo entre esses

institutos, de forma a deixar clara a sua diferenciação. Por fim, verificar-se-á as espécies de compe-

tência, enquanto forma de distribuição da jurisdição e os critérios adotados pelo Código de Processo

Penal para estabelecê-la, destacando-se a conexão e a continência.

O segundo capítulo é dedicado aos Juizados Especiais Criminais. Nele serão veri-

ficados os princípios que os regem e os objetivos por eles buscados. Também neste capítulo serão

estudados os institutos despenalizadores: a necessidade de representação para as lesões corporais le-

ves, a conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Finalmente, no terceiro capítulo, será retomada a análise das espécies de compe-

tência feita no primeiro capítulo, buscando-se definir qual delas é cabível para os Juizados Especiais

Criminais e qual a sua natureza jurídica. Depois, verificar-se-á a existência de outros institutos nos

quais o mesmo tipo de competência é utilizado, atentando-se para o seu regramento jurídico, con-

forme definido pela doutrina e pela jurisprudência. Então, demonstrar-se-á a aplicabilidade ou não

da conexão e da continência como critérios modificadores de competência nos Juizados Especiais

Criminais.

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CAPÍTULO 01 COMPETÊNCIA PROCESSUAL PENAL

1.1 Jurisdição

O homem é um ser social. “Está comprovado cientificamente que o homem, desde

os primórdios da humanidade, vive em sociedade”1. Diante dessa afirmação, retira-se que é própria

da natureza humana a necessidade de convivência com outros da sua espécie. E, diante dessa neces-

sidade natural, os seres humanos passaram a organizar-se em sociedades.

Todavia, além de social, o homem também possui os mais diversos interesses, en-

tendendo que eles devem ser satisfeitos para poder alcançar a sua plenitude. Havendo a pluralidade

de pessoas reunidas em sociedade, é certo que em determinados momentos, mais de um homem vai

pretender ver o mesmo interesse satisfeito ao mesmo tempo. Como os bens da vida objetos dos inte-

resses humanos são limitados, enquanto os interesses em si são ilimitados, surge a noção de confli-

to.Na vida em sociedade, o homem trava múltiplas relações tendentes a satisfação de suas ne-cessidades materiais e espirituais. Em sendo assim, torna-se natural que delas surjam confli-tos de interesses os quais, o mais das vezes, são solvidos pelas próprias partes em litígio, através de transações, renúncias e demais formas de auto-composição2.

Haja vista a necessidade de conviver em sociedade e a impossibilidade de conci-

liar tal exigência com a presença de conflitos constantes, o homem se viu obrigado a restringir sua

liberdade de modo a possibilitar o relacionamento social. “Afirma-se, então, que os conflitos estão

relacionados ao fato do homem viver em sociedade e, assim, manter inúmeras relações com seus se-

melhantes – de trocas, compra e venda, de trabalho, etc –, que precisam ser disciplinadas para per-

mitir a vida em comum”3.

Conforme a complexidade da sociedade, essa regulamentação torna-se mais ou

menos intrincada. No início, quando a humanidade organizava-se em pequenos grupos, era relativa-

mente simples a regulação da convivência entre eles. Havia normas que deveriam ser seguidas por

aquele conjunto de pessoas e, a partir do momento em que alguma dessas regras era descumprida,

surgia o direito da parte lesada de buscar a sua reparação. E a forma como o ofendido poderia bus-

car a satisfação de seu interesse variava de grupo para grupo.Se duas ou mais pessoas pretendiam o mesmo bem (material ou imaterial), surgia entre elas um conflito de intêresses (sic). O modo primitivo de resolver os contrastes deve ter sido o emprêgo (sic) da fôrça (sic), solução puramente física que não enseja a paz e que, portanto, torna impossível a coexistência harmônica, a vida em consonância, a segurança, a tranqüili-dade (sic) e a ordem. Por isso, o homem, muito cedo, recorreu a uma forma de solução transacional, econômica, utilitária, pelo menos para aqueles casos em que a generosidade superlativa de qualquer das partes em conflito não levasse a uma solução caritativa, consis-tente na renúncia, na disposição do próprio interêsse (sic)4.

1 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 05.2 JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 06.3 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 05.4 TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal. Rio de Janeiro: José Konfino. 1967. v. 1. p. 06.

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Entretanto, tais formas de resolução de conflitos nem sempre eram aplicadas com

justiça. As diversas relações de poder que os homens exerciam entre si usualmente influenciavam

nesse momento. Prevalecia o interesse daquele que demonstrasse a maior força, seja física, econô-

mica, política ou de qualquer espécie, que permitisse a sobreposição da sua vontade em detrimento

da do adversário.

Com o decorrer do tempo, as comunidades humanas desenvolveram-se, tornando-

se mais complexas, de tal forma que os modelos de resolução de conflitos até então existentes mos-

traram-se insuficientes. Com o surgimento de um ato considerado ilícito, todo o grupo que se sentia

lesado iniciava uma verdadeira vendeta contra aqueles que considerava culpados pelo seu sofrimen-

to. Diante disso, era regra exceder-se no exercício dos direitos decorrentes do ato tido como ilícito,

autorizando, assim, igual procedimento por parte do grupo que originariamente havia causado o

dano.

Tal conjuntura dos fatos gerava uma sensação de grande insegurança jurídica, aba-

lando a paz social. E, tendo em vista que “paz, mais do que revide, é a razão da Justiça”5, tornou-se

necessária a intervenção do Estado, que chamou para si a função de resolver os conflitos. E tal in-

tervenção se deu porque “assim como o Direito, o Estado é uma criação do homem, ser eminente-

mente social. O Estado é uma instituição necessária e natural, instrumento utilizado pelo homem

para alcançar fins de seu interesse, em determinada etapa do processo civilizatório”6.

Sobre o assunto, discorre Tourinho Filho:Já vimos que seria temeridade deixar aos próprios interessados a incumbência de resolve-rem, por si sós, os conflitos, os litígios, porquanto ficaria excluída a possibilidade de uma solução imparcial.

Tornava-se necessário, pois, que a solução da lide ou litígio se fizesse de maneira pacífica e justa. Para tanto, era indispensável que semelhante tarefa ficasse a cargo de um terceiro. Não bastava ser um simples terceiro, um simples árbitro. Era preciso, antes de mais nada, se tratasse de uma terceiro forte demais, de modo a tornar a sua decisão respeitada e obede-cida por todos, notadamente os litigantes. A solução do conflito não haveria de significar, apenas, um juízo lógico ou ponderado sobre o pretendido pelas partes em litígio, mas, aci-ma de tudo, um ato de vontade com caráter imperativo. Sua decisão, sobre ser coerente, ha-veria de possuir a eficácia de uma ordem

Como facilmente se percebe, somente o Estado é que poderia ser esse terceiro7.

Assim, a solução dos conflitos deixou de ser tarefa da pessoa ou grupo lesados

para pertencer única e exclusivamente ao Estado. Tal afirmação é de suma importância, trazendo

uma dupla significação. Ao mesmo tempo em que limita o exercício da liberdade individual, através

da autotutela, o Estado também assume o dever de resolver os litígios trazidos até ele.O Estado é duplamente interessado em tal função [a resolução dos conflitos]: mediante a atração dos que se crêem (sic) lesados, ou que crêem (sic) ofendido direito cuja ação lhes

5 MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller. 1998. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. v. 1. p. 248.

6 JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 01.7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p. 46.

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

caiba, propugna a paz; mediante a oportunidade, que se lhe dá, de dizer ou redizer o direito objetivo e realizá-lo, promove a plenitude do processo de adaptação social, que é o Direito8.

Cumpre ressaltar, todavia, que apesar da linearidade histórica aparente no texto,

não foi necessariamente nesses moldes que ocorreu a evolução na forma de resolução dos conflitos

humanos. Tal método é utilizado apenas para fins didáticos, de forma a deixar claro os motivos da

prevalência de cada modelo em determinado momento histórico. Sobre tal alerta:Essa maneira de tratar o tema é ideológica, porque parte do pressuposto, não demonstrado, de que a história obedece a alguma “razão moral” ou “princípio de justiça”, que a dirigiria sempre para a perfeição. No entanto, a experiência mostra que a história humana não é reti-línea, mas contraditória, ditada não por algum misterioso “espírito de justiça” senão por condições materiais (interesses sobretudo). Portanto, não existe uma caminhada humana no rumo da purificação moral, como algo inexorável, ditado por alguma força superior, mas avanços e retrocessos determinados por concretas condições materiais de vida. Prova disso é que hoje, no limiar do século XXI, a autotutela está mais generalizada do que em épocas passadas9.

Deixada clara tal ressalva, tem-se como certo que, em determinado momento da

história humana, os integrantes de determinada sociedade entenderam que era mais vantajoso deixar

a cargo do Estado a tarefa de solucionar os litígios porventura existentes entre eles. Tal modelo di-

fundiu-se de tal forma que, hodiernamente, é adotado por praticamente todos os povos do mundo

tido como civilizado.

E essa função estatal de resolver os conflitos de interesse de lhe são apresentados

é conhecida como Jurisdição. Tal termo “deriva do latim jurisdictio. Traduzindo literalmente, a ju-

risdictio é a dicção (dictio, o ato de dizer) do que é direito (juris). Exercer a jurisdição é, portanto,

dizer qual é e como é o direito; em outras palavras, administrar justiça”10.

Ressalte-se, porém, que a noção de jurisdição não aplicável a qualquer modalida-

de de afirmação do direito. Tal conceito apenas nasce como uma das funções estatais, de forma que

é impossível reconhecer a jurisdição quando os conflitos são resolvidos pelos próprios particulares.

“A verdadeira e autêntica jurisdição apenas surgiu a partir do momento em que o Estado assumiu

uma posição de maior independência, desvinculando-se dos valores estritamente religiosos e pas-

sando a exercer um poder mais acentuado de controle social”11.

Outra característica da jurisdição é a sua inércia. Isso porque o Estado, ao chamar

para si o poder de solucionar os conflitos, vetou o exercício da autotutela, salvo nas exceções pre-

vistas em lei. Impôs, portanto, um ônus aos administrados. E, como a todo o ônus deve correspon-

der um bônus, assim como todo dever pressupõe uma obrigação, o Estado assumiu o dever de “pro-

meter e assegurar a proteção dos que precisassem de justiça, isto é, prometer e assegurar a preten-

8 MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller. 1998. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. v. 1. p. 248.

9 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 27.10 BONFIM, Edilson Mougenot Curso de processo penal. 4. ed. de acordo com as Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008.

São Paulo: Saraiva. 2009. p. 15.11 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v.

1. p. 24.

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

são à tutela jurídica”12. E desse conceito se pode retirar a inércia da jurisdição porque, conforme

ressaltado, a tutela jurídica é uma promessa do Estado a todos aqueles que necessitem resolver seus

conflitos. “A jurisdição, diz-se, é uma função inerte que só se põe em movimento quando ativada

por aquele que invoca a proteção jurisdicional do Estado”13.No exercício da jurisdição, o Estado, por meio do Poder Judiciário, busca não apenas solu-cionar o conflito, considerado em si mesmo, e impor compulsoriamente a observância da decisão, se não for observada voluntariamente. Na verdade, a finalidade última da atividade jurisdicional é a pacificação social. Com efeito, somente com a solução dos conflitos é que será possível ao homem viver de forma adequada em sociedade, visto que os conflitos tra-zem intranqüilidade (sic) social, colocando mesmo em risco a própria existência humana. Portanto, num sentido amplo, fala-se em escopos ou finalidades que o Estado almeja alcan-çar através da Jurisdição. Esses três escopos ou finalidades são descritos como sendo de or-dem social, política ou jurídica14.

Sobre a função de pacificação social exercida pela jurisdição, deve ser levada em

consideração a crítica tecida por Luiz Guilherme Marinoni. Segundo esse autor, a paz social não é

um caractere distinguível da jurisdição, mas um elemento ínsito à própria noção de Estado. “Na rea-

lidade, como não é difícil perceber, a pacificação social é uma mera conseqüência (sic) da existên-

cia de um poder de resolução de conflitos que se sobreponha sobre os seus subordinados, e não um

resultado particular e próprio do Estado Constitucional”. Na verdade, o conceito de jurisdição trazi-

do pelo autor, que será analisado adiante, preocupa-se com a legitimidade do poder do qual se origi-

na a jurisdição. Assim, considerando que a resolução de conflitos, tanto por um Estado Democrático

de Direito, quanto por um Estado de Autoritário, sempre conduz à pacificação social, o doutrinador

rejeita tal elemento como distintivo da jurisdição entre as demais funções do Estado, como a legisla-

tiva15.A jurisdição é, justamente, a função estatal que tem a finalidade de garantir a eficácia do di-reito em última instância no caso concreto, inclusive recorrendo à força, se necessário. Sua nota individualizadora é de natureza funcional e consiste, por conseguinte, em estar dirigi-da, especificamente, ao fim de manter, em última instância, o ordenamento jurídico no caso concreto, ou seja, manter o ordenamento jurídico quando este não foi observado esponta-neamente pela sociedade. Ademais, no direito brasileiro, a jurisdição caracteriza-se, do pon-to de vista estrutural, por ser exercida, preponderantemente, por órgãos do Poder Judiciário, independentes e imparciais, através do devido processo legal.

Portanto, podemos definir a jurisdição como a função de atuação terminal do direito exerci-da, preponderantemente, pelos órgãos do Poder Judiciário, independentes e imparciais, compondo conflitos de interesses mediante a aplicação da lei através do devido processo le-gal16.

O trecho citado destaca de forma veemente que a jurisdição é exercida, preponde-

rantemente, pelos órgãos do Poder Judiciário. Isso ocorre para evidenciar que o direito processual

brasileiro adotou a teoria da unidade da jurisdição, segundo a qual “o Poder Judiciário é o único res-

12 MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller. 1998. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. v. 1. p. 244.

13 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 62.

14 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 14.15 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 112.16 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 78.

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ponsável pela solução dos conflitos”. Esse modelo jurisdicional contrapõe-se ao “sistema de jurisdi-

ção fracionada”, onde “os conflitos são solucionados pelo Poder Judiciário, como regra, e pelo Con-

tencioso Administrativo; nesta última hipótese, quando envolverem a administração Pública”17. Pro-

va desse entendimento é a redação do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República Fe-

derativa do Brasil (Constituição Federal): “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário le-

são ou ameaça a direito”18.

Diante do escopo do presente trabalho, será dado maior relevância à jurisdição pe-

nal. Todavia, não se verifica diferenças ontológicas entre ela e a jurisdição civil. “A separação entre

as jurisdições penal e civil tem por base, como estamos a ver, o critério de qualificação jurídica da

matéria que versa sobre o conflito”19. Partindo da mesma premissa, José Frederico Marques conclui:Em sua essência, a jurisdição penal não se distingue da jurisdição civil. Ambas são funções estatais atribuídas a órgãos específicos, isto é, aos órgãos do Poder Judiciário. Mas, se ra-tione muneris são idênticas, diversas elas se apresentam ratione materiae: a jurisdição pe-nal aplica normas penais, enquanto que a jurisdição civil aplica normas extrapenais. Em ambos os casos há o poder jurisdicional, embora incidindo sobre matéria diversa20.

Conclui-se, portanto, que “a divisão entre jurisdição penal e civil baseia-se em cri-

térios práticos. Assim, não há como separar por inteiro os conflitos envolvendo pretensões penais e

não-penais. Na verdade, há hipóteses em que o sistema jurídico relaciona os ilícitos penal e civil, fa-

zendo com que uma venha a interferir na outra”21. Dessarte, apesar de tratar de aplicações de direi-

tos materiais diferentes, regidos por sistemas principiológicos distintos, não se pode separar na es-

sência a função jurisdicional civil da penal. Outrossim, todas as construções referentes à teoria geral

do processo, geralmente relacionadas única e exclusivamente ao processo civil, são aplicáveis tam-

bém ao processo penal.

Discutidos os caracteres gerais da jurisdição, deve ser destacado que há diversas

teorias que tratam da atividade jurisdicional, ressaltando-se três: A de Chiovenda, a de Allorio e a de

Carnelutti. Tratar-se-á de cada uma delas em separado, destacando as suas bases e as críticas feitas a

elas. Ao final, será estudada a teoria crítica desenvolvida por Luiz Guilherme Marinoni, que preten-

de adequar o conceito de jurisdição à estrutura do Estado contemporâneo.

É importante o estudo de cada uma dessas teorias acerca da jurisdição porque de-

las decorrem os vários conceitos de ação, que serão adiante analisados. Portanto, dependendo da te-

oria jurisdicional que se adote, por questão de coerência, modifica-se o conceito de ação. Destaca-se

por exemplo, a hipótese da jurisdição voluntária, prevista no título II do livro IV do Código de pro-

17 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 180.18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em

18.set.2009.19 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 93.20 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. atual. Atualizado por Eduardo Reale

Ferrari. Campinas: Millennium. 2000. v. 1. p. 197.21 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 188.

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

cesso Civil22. De acordo com o conceito de jurisdição a ser adotado, conforme se verá, a atividade

conceituada como “jurisdição voluntária” pode vir a ser considerada jurisdicional ou não.

Dito isso, passa-se à verificação de cada uma das doutrinas a respeito da jurisdi-

ção.

A teoria defendida por Giuseppe Chiovenda afirma que “através da jurisdição, o

Estado busca garantir a efetividade das normas de direito material. Sua função é portanto instru-

mental, por servir como mecanismo para a realização concreta dos comandos abstratos que emanam

do direito material”23. Para esse autor, a razão de ser da jurisdição é a aplicação da lei ao caso con-

creto. Pressupõe ele que a função essencial do Estado é a administração da Justiça, devendo o Juiz

apenas aplicar a lei ao caso concreto. Importante para o entendimento de sua doutrina sobre a juris-

dição é a informação de que Chiovenda era “um verdadeiro adepto da doutrina que, inspirada no

iluminismo e nos valores da Revolução Francesa, separava radicalmente as funções do legislador e

do juiz, ou melhor, atribuía ao legislador a criação do direito e ao juiz a sua aplicação”24.

Também defende Chiovenda que a jurisdição possui caráter substitutivo da vonta-

de das partes, na medida em que constitui a “substituição por uma atividade pública de uma ativida-

de privada de outrem”25, ou seja, ao invés do próprio particular buscar aquilo que entende ser seu

por direito, por meio da autotutela, o Estado impõe, através da jurisdição, que a satisfação do direito

pretendido pela parte seja submetida a seu crivo, comprometendo-se a coagir o réu para cumprir o

que deve ao autor. Nas palavras do próprio autor:Pode definir-se a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da von-tade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da ativida-de de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva26.

Distingue Chiovenda as funções administrativa e jurisdicional do Estado. Segundo

ele, ambas atuam a vontade da lei, diferente do legislativo, que cria o direito. Todavia, a diferença

reside no fato de que, enquanto o administrador atua de acordo com os limites traçados pela lei, o

Juiz atua a própria lei, aplicando-a ao caso concreto. Sobre o assunto:

A soberania estatal pressupõe duas funções bem distintas, uma delas destinada a produzir o direito, ou seja, legislar; a segunda, destinada a atuá-lo. A atuação da vontade da lei, porém, quando feita pelo administrador, é bem diferente da maneira como o juiz a realiza. Este tem como objeto de seu agir a lei: "em outros termos, o juiz age atuando a lei; a administração age em conformidade com a lei; o juiz con-sidera a lei em si mesma; o administrador considera-a como norma de sua própria conduta. E ainda, a administração é uma atividade primária ou originária; a jurisdi-

22 BRASIL. Código de processo civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

23 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 183.24 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 36.25 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 62.26 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitano. 2. ed. Campinas:

Bookseller. 2000. v. 2. p. 08.

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ção é uma atividade secundária ou coordenada”. […] Existem, portanto, para CHIOVENDA, duas funções bem distintas na atividade estatal: a função de fazer as leis e a função de aplicá-las. O ato de aplicação do direito objetivo, contudo, faz-se de dois modos diferentes. Para o administrador, a lei é seu limite, enquanto para o juiz a lei é seu fim. […] Diz ele que tanto o administrador quanto o juiz julgam, pois não se age senão com apoio num juízo. O administrador, porém, formula um juízo sobre a própria atividade, o juiz, ao contrário, julga uma atividade alheia27.

A crítica que se faz à doutrina de Chiovenda decorre das próprias bases que lhe

dão sustentação. Conforme ressaltado, sendo adepto dos ideais iluministas da Revolução Francesa,

o autor defende a completa separação entre os poderes do Estado. Todavia, hodiernamente, a teoria

do Estado reconhece que tais poderes não são estanques, mas interpenetram-se, num sistema de

freios e contrapesos. Fala-se portanto, em substituição à separação dos poderes, em harmonia entre

os poderes.

Assim, a teoria de Chiovenda acerca da jurisdição “sustenta-se no postulado de

que o ordenamento jurídico estatal seja, para o Juiz, um dado prévio, uma coisa existente, como se

fora uma constelação posta completa e definitivamente pelo legislador, restando ao Juiz a tarefa de

pura aplicação da lei ao caso concreto”28. Entretanto, atualmente, diante do pluralismo político e das

novas teorias a respeito dos direitos fundamentais, não se pode admitir que a lei preveja todas hipó-

teses concretas que são submetidas ao Judiciário. Portanto, a tarefa dos magistrados passa de mera

aplicação mecânica da lei para uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, tendo por

premissa básica os direitos fundamentais constitucionalmente previstos29.

A segunda doutrina a respeito da jurisdição foi elaborada por Allorio. Para esse

autor, a marca distintiva da função jurisdicional é a “sua aptidão para produzir coisa julgada”30.ALLORIO parte de uma premissa devida a KELSEN e aos demais filósofos normativistas, segundo a qual as funções do Estado não podem ser catalogadas e definidas por seus fins, e sim por suas formas. De nada valerá, segundo ele, afirmar que a jurisdição, como afirmam os partidários das teorias objetivas sobre a jurisdição, tem por finalidade a realização do di-reito objetivo. Tal proposição, em verdade, nada define. O ordenamento jurídico pode ser atuado ou realizado pelas mais diversas formas, seja através dos particulares quando estes se comportem em conformidade com a norma, realizando atos e ne-gócios jurídicos, seja através dos órgãos do Poder Executivo, ou seja, dos adminis-tradores que igualmente realizam a ordem jurídica estatal31.

Dessarte, o que define a jurisdição, para Allorio, é a forma do processo declarató-

rio, aliado à possibilidade de produção de coisa julgada, ou seja, de imutabilidade de sua conclusão.

Tal doutrina, apesar de ser atribuída a Allorio, foi também defendida por diversos outros processua-

27 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v. 1. p. 27-28.

28 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 64.

29 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 94.

30 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v. 1. p. 30.

31 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 65.

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

listas, tais como Calamandrei, Liebman e Couture. Demonstrando tal fato, tem-se que jurisdição,

para Liebman, é “a atividade do Poder Judiciário que viabiliza, na prática, a realização da ordem ju-

rídica, mediante a aplicação do direito objetivo às relações humanas intersubjetivas. E essa realiza-

ção só é conseguida pela decisão de mérito”32.

À teoria da jurisdição como ato capaz de produzir coisa julgada pode ser oposta a

crítica de que exclui do conceito a jurisdição voluntária e o processo de execução. Além disso:A ser verdadeira a doutrina que identifica jurisdição com coisa julgada, pressupondo, como afirma COUTURE, que a finalidade da jurisdição é a resolução de controvérsias sob a for-ma de sentença, a decisão pela qual o juiz decretasse a extinção do processo por falta ou in-suficiência de algum pressuposto processual não seria jurisdicional. Além de tudo, como lembra ANTÓNIO SEGNI (Intervento in causa, Novíssimo digesto italiano, v. 8, p. 988), seria impróprio definir a jurisdição por seu efeito, sem dizer em que ela propriamente con-siste33.

Para Carnelutti, a ideia de jurisdição está intimamente relacionada com a noção de

conflito. Segundo ele, “as pessoas só se utilizam do Poder Judiciário quando há um litígio. Assim, a

presença de pretensões insatisfeitas caracteriza a jurisdição. Dessa maneira, quando um dos litigan-

tes deixa de resistir à pretensão do outro desaparece a lide”34. E, o conceito de litígio, ou lide, adota-

do pelo autor é tido como clássico, sendo o mais aceito até os tempos atuais. Para ele:Se o interesse significa uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as ne-cessidades do homem são ilimitadas, e se , pelo contrário, são limitados os bens , ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, como correlativa à noção de interesse e a de bem aparece a do conflito de interesses. Surge o conflito entre dois interesses quando a si-tuação favorável a satisfação de uma necessidade exclui a situação favorável de uma neces-sidade distinta. […] Pode acontecer que, diante da pretensão, o titular do interesse oposto decida à sua subordinação. Em tal caso, a pretensão é bastante para determinar o desenvol-vimento pacífico do conflito. Mas com freqüência (sic) não acontece assim. Então, à pre-tensão do titular de um dos interesses em conflito se opõe a resistência do titular do outro. Quando isto acontecer, o conflito de interesses se converte em litígio. Chamo de litígio o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos interesses e pela resistência do outro35.

Conclui-se, assim, que a simples existência da lide justifica, para esse autor, o

exercício da jurisdição. Portanto, é nítida a ligação entre o direito material cujo reconhecimento se

pretende e o próprio exercício da jurisdição, conforme esclarece o seguinte excerto:Temos, portanto, de ter bem presente que, para CARNELUTTI, como para a generalidade da doutrina italiana - que ignora o conceito de pretensão de direito material -, ter pretensão é simplesmente alegar, ou imaginar que se tem direito, é a condição processual daquele que se diz titular do direito cujo reconhecimento ele busca, através da jurisdição. Segundo este entendimento, tanto terá exercido pretensão o autor a quem a futura sentença atribuir o ale-gado direito quanto tivera pretensão o autor cuja sentença de improcedência não lhe reco-nheceu a titularidade do direito que ele imaginava possuir36.

32 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 115.

33 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v. 1. p. 32.

34 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 183.35 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins de Oliveira. São Paulo:

Classic Book. 2000. v. 1. p. 93.36 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v.

1. p. 33.

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Cumpre destacar as diferenças entre as doutrinas de Chiovenda e Carnelutti. En-

quanto para o primeiro a função do Juiz é praticamente mecânica, simplesmente aplicando direito

posto ao caso concreto, para o segundo a tarefa do magistrado é complementar ao ordenamento jurí-

dico, partindo da norma geral, criada pelo Legislativo, para criar uma norma que regula a situação

conflituosa posta diante de si.Para Carnelutti, a sentença cria uma regra ou norma individual, particular para o caso con-creto, que passa a integrar o ordenamento jurídico, enquanto, na teoria de Chiovenda, a sen-tença é externa (está fora) ao ordenamento jurídico, tendo a função simplesmente de decla-rar a lei, e não de completar o ordenamento jurídico. A primeira concepção é considerada adepta da teoria unitária e a segunda, da teoria dualista do ordenamento jurídico, sendo que essas teorias também são chamadas de constitutiva (unitária) e declaratória (dualista)37.

Mas a distinção não possui toda a abrangência que pode transparecer na primeira

leitura do texto supra. Embora efetivamente haja essa divergência entre os autores, ambos ainda es-

tão filiados ao conceitos e dogmas do positivismo jurídico típico do início do Século XX, que pos-

sui seu maior expoente na pessoa de Hans Kelsen. Assim, a mudança é muito mais de enfoque do

que de ideologia. Pode-se concluir que, enquanto Chiovenda construiu sua noção de jurisdição a

partir da atividade do Juiz, Carnelutti priorizou a visão das partes ao desenvolver a sua.

“O vício da doutrina carneluttiana reside, à semelhança daquela anteriormente ex-

posta, em procurar definir o ato jurisdicional indicando não o que ele é, mas aquilo a que ele serve;

não o seu ser, mas a sua função ou a sua finalidade”38. Isso porque a resolução de conflitos pode

ocorrer de diversas formas, até mesmo por comum acordo das partes envolvidas, sem que seja ne-

cessária a prática de qualquer ato jurisdicional. Ademais, nem mesmo quando a resolução da lide é

feita no âmbito estatal se pode falar que se está, necessariamente, diante de ato jurisdicional, pois

existem outros agente públicos legitimados a tentar resolver os litígios existentes na sociedade, que

não exercem função que sequer remotamente pode ser considerada jurisdicional.

Além disso, a visão individualista e positivista da doutrina de Carnelutti não se

coaduna com a proposta contemporânea de Estado. Isso porque, para dar a maior efetividade possí-

vel aos direitos fundamentais, a atividade do Juiz deve ser revestida de maior autonomia, devendo-

lhe ser reconhecido o poder de criar o direito com base na hermenêutica jurídica, suprindo as lacu-

nas existentes no ordenamento jurídico. E essa é uma concepção que jamais poderia ser aceita pelo

conceito de jurisdição carneluttiano, embora considere o caso concreto para a sua definição.É fácil perceber que em uma sociedade legalmente igualizada, em que as relações têm ca-racterísticas definidas como homogêneas, não há dificuldade na visualização das particula-ridades dos casos conflitivos. Por esse motivo, na época em que se falava de “lei genérica e abstrata”, não se podia sequer imaginar que um dia o juiz teria de “compreender” e atribuir “sentido” e “valor” aos casos concretos. O caso era visto como algo quase que pré-definido e, nessa linha, a função do juiz era apenas preencher as suas particularidades. Como a juris-dição não precisava outorgar “sentido” ao caso, bastava a sua subsunção à norma geral me-

37 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 38.

38 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 68.

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

diante aplicação lógica. […] Portanto, nenhuma dessas teorias responde aos valores do Es-tado constitucional. Não só porque ambas são escravas do princípio da supremacia da lei, mas também porque as duas negam lugar à “compreensão” do caso concreto no raciocínio decisório, isto é, no raciocínio que leva à prestação jurisdicional39.

Por fim, Luiz Guilherme Marinoni, além de discutir os conceitos clássicos de ju-

risdição acima mencionados, formula uma crítica a eles, afirmando que tais teorias foram elabora-

das tendo como base o Estado liberal e as ideologias individualistas da Revolução Francesa. Como

tal modelo de Estado foi substituído pelo Estado Contemporâneo, fundado na efetivação dos direi-

tos fundamentais, torna-se necessária uma nova conceituação da jurisdição, em conformidade com

os objetivos e propostas dessa nova forma de organização política40.

Dessarte, o autor conclui que os conceitos clássicos de jurisdição partiam das

bases teóricas do positivismo jurídico e do liberalismo, segundo as quais cabia aos Juízes a mera

aplicação do arcabouço jurídico criado pelo Poder Legislativo, numa atividade praticamente mecâ-

nica. Como a nova teoria de Estado leva em consideração a efetividade dos direitos tidos como fun-

damentais pela Constituição, o conceito de jurisdição deve ser adequado para possibilitar uma atua-

ção mais efetiva do Poder Judiciário, que não mais se limita a aplicar o direito posto ao caso concre-

to, mas a buscar interpretações da legislação que visem à maior concretização possível dos direitos

fundamentais. Assim, os Juízes, além de regular o caso concreto trazido a seu conhecimento com

maior autonomia, ainda possuem o poder de criar uma norma geral, no sentido de que a interpreta-

ção dada para a legislação, por garantir a efetivação dos direitos fundamentais, é a que deve ser se-

guida por todos aqueles que vierem a aplicar tal norma41.Em resumo: quando se afirma que a jurisdição tem o dever de tutelar os direitos se quer di-zer que a jurisdição tem o dever de aplicar a lei na dimensão dos direitos fundamentais, fa-zendo sempre o resgate dos valores substanciais neles contidos. Tutelar os direitos, em ou-tros termos, é aplicar a lei, diante das situações concretas, a partir dos direitos fundamen-tais. É o atuar a lei na medida das normas constitucionais e dos valores nela encerrados. Há aí um nítido plus em relação à teoria chiovendiana e uma intenção que nem sequer passava pela cabeça dos antigos doutrinadores que viam na jurisdição uma função voltada à tutela dos direitos subjetivos privados violados.

Ao se dizer que a jurisdição tem o dever de tutelar os direitos, deseja-se igualmente pôr às claras que ela tem o dever de viabilizar as tutelas prometidas pelo direito material e pela Constituição. Em termos concretos, o que se deseja evitar é que a inidoneidade técnica do processo ou a falta de compreensão constitucional do juiz impeçam a efetiva proteção das diferentes necessidades do direito material – como, por exemplo, a tutela preventiva (a tu-tela inibitória) de um direito da personalidade42.

Assim, concluídos os estudos sobre a função jurisdicional do Estado e as diversas

concepções teóricas da jurisdição, passa-se a analisar o meio posto à disposição dos cidadãos para

39 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 96.

40 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 25-48.

41 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 91-135.

42 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 141-142.

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

provocar tal atuação estatal, que é a ação, e os instrumentos utilizados para o exercício da ação: o

processo e os procedimentos.

1.2 Ação, Processo e Procedimento

Nesse tópico, serão estudados os instrumentos por meio dos quais a jurisdição é

exercida. Num primeiro momento, verificar-se-á o conceito de ação e as diferentes teorias que se

propuseram a definir esse termo ao longo do tempo. Depois, tratar-se-á de estabelecer as diferenças

e semelhanças existentes entre as noções jurídicas de ação, processo e procedimento, de forma a es-

clarecer as distinções no uso de cada termo.

1.2.1 Teorias da Ação

Conforme destacado no primeiro item deste capítulo, uma das características es-

senciais da jurisdição é a sua inércia, ou seja, o Estado somente pode intervir nas relações privadas

para regulá-las de acordo com a legislação vigente se provocado para tal desiderato. “De fato, os ór-

gãos jurisdicionais em regra são inertes. Assim, é necessário provocá-los para que prestem a tutela

jurisdicional”43. E tal chamamento do Estado para que exerça a sua função jurisdicional se dá atra-

vés do exercício do direito de ação.

Dessa forma, “a ação é a contrapartida natural da proibição da tutela privada, ou

seja, é o instrumento de que o particular passou a fazer uso diante da eliminação da 'justiça de mão

própria'”44.Designa esse direito de pedir a atuação da função jurisdicional do Estado, com vistas à pre-venção de uma lide iminente ou à solução de uma lide ocorrente, o substantivo ação (do la-tim actio, ação, movimento; de agere, impelir empurrar, agir) a que se junta o adjetivo judi-cial, para indicar que esse direito se exerce em juízo, isto é, perante um órgão do Poder Ju-diciário, assim se distinguindo de outras ações, que alhures se podem praticar. Observe-se que também se sustenta, na doutrina, que é ação o direito de requerer ao Estado uma provi-dência de jurisdição voluntária, atribuindo-se, portanto, à palavra um conceito mais abran-gente do que lhe dá a maioria dos autores, que vinculam a ação à idéia (sic) de litígio. Em qualquer hipótese, a ação aparece como um direito à jurisdição, de cujo exercício depende a atuação dessa função, porque ela não se efetiva se não for provocada45.

Portanto, a ação pode ser conceituada, a despeito de todas as diferentes teorias que

surgiram a esse respeito e que serão trabalhadas individualmente no momento oportuno, como um

“direito público abstrato de requerer a tutela jurisdicional do Estado, sempre que dela se precisar

para a solução (útil) de determinada lide ou para a declaração de uma afirmação de direito que se

faz”46.

43 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 201.44 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 159.45 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 33.46 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Conforme já foi destacado neste estudo, a noção de ação passou por diversas con-

ceituações diferentes ao longo da história do Direito Processual. Isso ocorre porque “a ciência pro-

cessual, notadamente sob influência italiana, preocupou-se em delimitar o conceito de ação. Pode-se

dizer, sem exagero, que este foi o principal tema, o principal objeto de pesquisa dos processualistas

na fase de afirmação do processo civil como ramo autônomo do Direito”47.

Dessarte, ressaltada a importância dada à ação como meio de provocação do Esta-

do ao exercício de sua função jurisdicional pela ciência processual, passa-se a verificar cada um dos

conceitos dados à ação durante a história desse ramo do Direito.

Existem, principalmente, quatro correntes que pretendem explicar o fenômeno da

ação, cada qual com seus defensores de renome e algumas com pequenas distinções na sua estrutura

de acordo com o autor que a defende. São elas: a teoria civilista ou imanentista, a teoria da ação

como direito concreto, a teoria da ação como direito abstrato e a teoria eclética. Cumpre destacar,

nesse primeiro momento, que a teoria eclética foi a adotada pelo Código de Processo Civil atual-

mente em vigor e é reconhecida também no Código de Processo Penal, notadamente após as altera-

ções trazidas pelas Leis n. 11.689, 11.690 e 11.719, todas de 2008. Por fim, será tratada a teoria da

ação trazida por Luiz Guilherme Marinoni, que, assim como a sua noção de jurisdição anteriormen-

te trabalhada, adequa a definição de ação ao Estado Contemporâneo, calcado pela efetivação dos di-

reitos fundamentais, que é a pedra de toque de todo o direito processual atual, segundo esse autor.

De acordo com a primeira das teorias que buscavam explicar o conceito de ação, a

teoria civilista, “a ação seria uma qualidade agregada ao próprio direito material, ou que seria este

direito, de natureza substancial, em estado de reação a uma agressão que tivesse sofrido”48. Assim,

não havia distinção entre direito material e direito processual, constituindo cada um dos dois um

lado da mesma moeda.

Tal corrente de pensamento inspirou-se no conceito de actio existente no direito

romano e teve Savigny como um de seus primeiros idealizadores e principal expoente. Cada um dos

autores que defendeu essa ideologia agregou conceitos similares, porém sutilmente diferentes, à teo-

ria civilista. Todavia, “muito embora divergissem os termos, o resultado era sempre o mesmo e

pode ser assim resumido: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza

do direito”49.De acordo com CELSO, jurisconsulto romano que é apontado como defensor dessa teoria, a ação seria o direito de perseguir em juízo o que nos é devido (ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi), o que pressupõe que sempre existe o direito material afirmado. No

Tribunais. 2005. v. 1. p. 124.47 DIDIER JÚNIOR, Freddie. Curso de direito processual civil. 11. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podium.

2009. v. 1. p. 17548 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2005. v. 1. p. 124.49 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 95.

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

mesmo sentido, o processualista brasileiro BENEDICTO BARROS salientou que a ação, “como integrante do direito e indispensável à sua existência, representa o próprio direito que se põe em movimento desde que é ameaçado, desconhecido ou violado50.

A noção civilista da ação sofreu duras críticas e, de todas as correntes a serem tra-

tadas neste trabalho, é a que se encontra mais superada, chegando a se afirmar que “essa teoria hoje

é absolutamente inaceitável”51. E a superação do conceito civilista de ação começou a tomar forma

a partir da polêmica entre Windscheid e Muther. Segundo esses autores, a teoria civilista padecia de

três vícios que a tornavam insustentável.

Em primeiro lugar, ao vincular o direito de ação ao direito material pleiteado, tal

doutrina não consegue explicar a existência da ação infundada, considerando ação infundada aquela

em que ao final do processo não se reconhece a existência do direito subjetivo alegado. Ora, se a

ação e o direito material são duas faces de uma mesma moeda, conforme dito acima, não se concebe

a existência de um sem o outro. Logo, somente poderia exercer a ação aquele que realmente tivesse

direito ao objeto jurídico pleiteado.

Outro problema apontado é que a noção imanentista não concebe a ação declara-

tória negativa. “Ora, se alguém pode exigir tutela jurisdicional do Estado, agindo e fazendo-o agir

para ver declarado que não mantém determinada relação jurídica com outrem, evidente que a ação

independe do direito subjetivo material. Busca-se, com a ação declaratória negativa, justamente a

inexistência de determinado direito subjetivo material”52.

Por fim, o último problema, e talvez o principal, ponto focal da discussão travada

entre Windscheid e Muther, é que o conceito romano de actio não corresponde àquilo que o direito

moderno considera o direito de ação.Windscheid, após argumentar que o direito romano não dizia que alguém tinha um direito, mas sim que alguém possuía uma actio – ou seja, que a actio romana não era um meio de defesa de um direito, mas sim o próprio direito –, afirma que a actio nada mais era do que o direito é no direito moderno. Não era um novo direito que surgia em razão da violação, e estava muito longe de constituir um direito de agir ou um direito de se queixar dirigido con-tra o Estado (o Klagerecht). A actio, no seu entender, era a faculdade de realizar a própria vontade através de uma “perseguição em juízo”. Por outro lado, o Klagerecht seria um con-ceito criado pelos juristas sem qualquer consistência no direito romano e no direito moder-no53.

Assim, para Windscheid, a actio romana não possuía o sentido que lhe era dado

pelos adeptos da teoria civilista. Buscando suprir tal impropriedade o autor “denominou anspruch a

50 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 203.51 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2005. v. 1. p. 124.52 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 95.53 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 161-162.

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

pretensão ao que brota do direito. Mas a pretensão existe, quer o direito haja sido violado ou não”54.

Essa pretensão, para Windscheid era o direito de agir.

E é exatamente desse ponto que partem as críticas a Windscheid feitas por Muther.

Para ele, o direito de ação não consistiria na pretensão de obter aquilo que entende se ser seu direito,

mas num direito, distinto do direito material pretendido, de obter um pronunciamento estatal acerca

do que pleiteia.Afirmou Muther que o direito à concessão da fórmula nasce de um “direito originário”, e que, enquanto o obrigado perante o direito originário é o particular, o obrigado diante do di-reito à fórmula somente pode ser o pretor ou o Estado. Existiriam, portanto, dois direitos, sendo o direito privado o pressuposto do direito contra o Estado; os dois direitos coexisti-riam, ainda que o direito contra o Estado existisse para proteger o direito privado.

De acordo com Muther, desde o direito romano se podia conceber que, ligado a um “direito originário”, havia um direito contra o Estado, de modo que também no direito moderno, diante da idéia (sic) de Klagerecht, existiria um direito de agir autônomo em relação ao di-reito originário, ainda que a ele vinculado55.

Embora tivesse respondido às críticas de Muther, mantendo a sua visão, posterior-

mente Windscheid reconheceu o mérito da teoria do rival, adotando-a integralmente.

Verificados os conceitos e defeitos da corrente civilista, segue-se para a próxima

das teoria, a da ação como direito concreto. O precursor dessa ideia foi Adolph Wach, seguido por

Chiovenda, seu discípulo e principal nome da noção de ação como direito concreto. Segundo essa

corrente, devem existir alguns níveis de vinculação entre a pretensão que se busca e o direito de

ação. Tal posicionamento reconhece a autonomia entre o direito material e o direito processual, ao

contrário da teoria civilista, mas atesta que o direito de ação deve ser real, fundado em algum direito

concreto existente.Sustentou Wach que a ação é exercida contra o Estado e o adversário, sendo que deste últi-mo só se exige a sujeição. Por fim, defendeu WACH que, embora autônomo o direito de ação, a tutela jurisdicional só estaria presente quando a pretensão formulada pelo autor fos-se acolhida, ou seja, quando a sentença proferida lhe fosse favorável. Por isso, essa teoria é conhecida como teoria do direito concreto, pois liga a existência da ação à efetiva presença do direito material56.

Nesse sentido, só existiria ação, segundo essa corrente, se a tutela pretendida pe-

rante o Estado tivesse algum fundamento no direito material. “Para Wach, entretanto, embora autô-

nomo, na medida em que não nasce juntamente com o direito material, nem deste por vezes decorra

(como na ação declaratória negativa), o direito de ação só compete a quem é titular de um interesse

real, e não imaginário”57. Portanto, segundo Wach “a tutela jurídica apenas é prestada pela senten-

ça favorável”58.54 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 97.55 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 163-164.56 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 206.57 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 104.58 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 167.

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Seguindo os passos de Wach, Chiovenda também é considerado um adepto da teo-

ria da ação como direito concreto. Só que a teoria chiovendiana da ação possui uma particularidade

que a distingue da noção construída por Wach. Para ele, o sujeito passivo da relação processual é o

próprio réu, sendo que “a relação com o Estado não consiste em mais do que um meio para obter

certos efeitos contra o adversário”59. Tal particularidade implicou o reconhecimento da doutrina de

Chiovenda como distinta da corrente da ação como direito concreto, consistente na ação como direi-

to potestativo.Para Chiovenda, a ação se destina a provocar um efeito jurídico contra o adversário, deriva-do da sentença de procedência que faz atuar a lei. Segundo Chiovenda, somente é investido da ação aquele cuja demanda é acolhida. Portanto, a ação é um poder em face do adversário que depende de uma sentença favorável, isto é, que necessita de uma sentença que declare a vontade da lei, uma vez que é dela que serão projetados efeitos jurídicos60.

Portanto, pode-se sintetizar a doutrina de Chiovenda a respeito da ação em cinco

pontos principais: “a) a ação configura um direito autônomo; b) não é um direito subjetivo material,

pois não corresponde a obrigação do Estado; c) não possui natureza pública; d) dirige-se contra o

adversário; e) é o poder de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei”61.

Ainda dentro da noção de ação como um direito concreto, há o juízo relativista de

Calamandrei. Por ser discípulo de Chiovenda, suas conclusões em muito se assemelham as desse

autor, mas há algumas peculiaridades na sua construção teórica que permitem a sua colocação como

uma corrente diferenciada dentro da corrente da ação como direito abstrato.O título de ensaio, que acabou por emprestar a Calamandrei o adjetivo relativista, tem a ver com a tentativa por ele formulada no sentido de que o conceito de ação dependeria do orde-namento jurídico que se tivesse em vista, e da sua posição histórica (op. cit. p. 253). Entre-tanto, antes de concluir aderindo a Chiovenda, lança brilhantemente Calamandrei idéias (sic) básicas e fundamentais a respeito do tema. Segundo ele, a base dos conceitos de ação e jurisdição é formada, no Estado moderno, pela premissa fundamental da proibição da auto-defesa (op. cit. p. 222). E, para poder dar razão a quem tem, é forçoso aceitar que também quem não tenha razão seja admitido a fazer com que o Juiz constate se a tem ou não. Existe a noção de ação entendida como atividade e, também, como direito; e ambos os conceitos coexistem, não se excluindo. O primeiro é atinente à relação processual e está pré-ordenado à declaração de certeza do segundo (op. cit. p. 250)62.

Apesar de variadas a nuances da teoria da ação como direito concreto, a crítica

que se faz a essa corrente é aplicável a todas as suas subdivisões. Isso porque ela falha em explicar

três pontos críticos: a) a natureza jurídica da ação julgada improcedente; b) qual o conceito do direi-

to do autor de exigir a prestação jurisdicional do Estado, uma vez que a ação é o direito de uma tu-

tela favorável; c) como reconhecer a existência da ação diante de uma sentença de procedência

equivocada63.

59 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 104.

60 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 168.

61 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 206.62 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 108.63 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 213-214.

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

A crítica a essa teoria não é difícil. Fácil perceber que por ela só seria admitido o exercício do direito de ação quando resultasse em uma sentença favorável, em decorrência das condi-ções impostas, restando inexplicável o fenômeno da ação improcedente; nesta última hipó-tese, que direito teria exercido o autor para exigir a tutela jurisdicional? A resposta negativa, que se impõe segundo a teoria concretista, fez com que esta teoria não resistisse às críticas.

Outra razão pode, ainda, ser aduzida para demonstrar as deficiências das conclusões de Wach e seus seguidores, aplicável, inclusive, em relação às vantagens apresentadas pelos adeptos da Teoria Eclética: é que, ligando a ação ao direito a uma sentença favorável, ter-se-á que conferi-la também ao réu. E este, como veremos, não age, senão que reage64.

Encerrada a análise da teoria da ação como direito concreto, verifica-se a noção de

ação como direito abstrato. Apesar de tal corrente ter surgido antes da concretista, entende-se me-

lhor a sua análise em momento posterior para fins didáticos, uma vez que, juntamente com a teoria

eclética, é a que possui, ainda hoje, o maior número de adeptos. Por outro norte, “a primeira – a

ação como direito concreto – também não logrou obter êxito no nosso sistema”65, pelos motivos já

demonstrados.

A noção abstrata da ação teve sua gênese com Degenkolb e Plósz. “Tais juristas

sustentaram a idéia (sic) de que o direito de agir é antecedente ao seu exercício, que se daria através

da demanda”66.O direito de ação, segundo a concepção de Degenkolb e Plósz, é o direito subjetivo público que se exerce contra o Estado e em razão do qual sempre se pode obrigar o réu a compare-cer em juízo. É o direito de agir, decorrente da própria personalidade, nada tendo em co-mum com o o (sic) direito privado argüido (sic) pelo autor; pode ser concebido com abstra-ção de qualquer outro direito (por isso denominou-o Plósz direito abstrato); pré-existe à própria demanda, constituindo-se esta tão-somente no meio através do qual pode ser exerci-do. Compete a qualquer cidadão que puder invocar a proteção de uma norma legal em be-nefício do interesse alegado. Conseqüentemente (sic), só seria titular do direito de ação quem postulasse acreditando (de boa-fé) na existência do direito a que se atribui67.

A teoria abstrata da ação encontra apoio em grandes processualistas brasileiros,

tais como Sérgio Bermudes68, Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes69. Todavia, como corrente

de pensamento, não está isenta de críticas, embora hodiernamente não se conteste a natureza abstra-

ta do direito de ação.Essas duas teorias [de Degenkolb e Plósz], ao se preocuparem com a boa-fé, ainda vincu-lam a ação com o direito material. É que o direito de ação não tem qualquer relação com o fato de a afirmação da existência do direito ser de boa ou de má-fé. Tal qualidade apenas poderia ter ligação com a responsabilidade pelo exercício da ação, e isso se fosse possível detectar quando o autor exerce a ação de má-fé ou com consciência de que não possui direi-to70.

64 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 105.

65 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. v. 1. p. 125.

66 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 165.

67 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 109.

68 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 34-38.69 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2002. p. 108-112.70 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 178.

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Além disso, as noções da teoria abstrata ainda estavam ligadas ao conceito de Es-

tado liberal, fundado no individualismo e nos ideais da Revolução Francesa, o que não é mais ad-

missível perante o advento do Estado Contemporâneo, segundo o mesmo autor71.

A última da teorias clássicas da ação é a eclética, idealizada pelo italiano Enrico

Tullio Liebman,que visa a aproximar as correntes concreta e abstrata, propondo-se a ser um meio

termo entre ambas. Essa foi a noção adotada pelo atual Código de Processo Civil72. Tal corrente se-

para a ação sob dois prismas: o constitucional e o processual.O direito de ação de natureza constitucional é independente e autônomo (posição abstrata), enquanto que a ação sob a ótica processual fica condicionada à observância de determina-dos requisitos relacionados ao direito material (posição concreta). Assim, o exercício do di-reito de ação independe da existência do direito material alegado. Entretanto, o Estado so-mente irá se manifestar sobre o litígio – considerado o mérito do processo – quando estive-rem presentes as condições da ação, a fim de evitar que sejam praticados atos processuais inúteis e o réu tenha que participar de demanda manifestamente infundada73.

Segundo essa doutrina, a ação é um direito abstrato, desvinculado do plano do di-

reito material, porém, o seu exercício depende da existência das chamadas condições da ação, que

constituem uma verificação preliminar e efêmera da viabilidade da pretensão deduzida pelo autor.

“A ação constitui apenas direito ao julgamento do mérito e, portanto, é satisfeita com uma sentença

favorável ou desfavorável ao autor. O que importa, para a configuração da ação, é a presença das

suas condições”74. Essas condições da ação, segundo o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo

Civil, são: legitimidade, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir75. Cumpre destacar que,

pouco antes da edição do referido diploma legal, Liebman alterou a sua doutrina acerca das condi-

ções da ação, abrangendo a possibilidade jurídica do pedido no conceito de interesse de agir, redu-

zindo-as, portanto, a apenas duas76.Ao analisar as teses até então desenvolvidas, observa Liebman que as divergências doutri-nárias em torno da ação distribuem-se em duas diretrizes fundamentais: uma que a estuda do ponto de vista do autor, qual seja, a Teoria do Direito Concreto, equivocada por só con-cedê-la ao autor que tiver razão, além de outros inconvenientes; já a outra (do direito abs-trato) é visualizada sob o prisma do Juiz e não identifica a ação, mas a sua base, ou pressu-posto de direito constitucional. “A situação parece madura, portanto, para a tentativa de uma síntese”, propõe Liebman (Problemi, cit., p. 28, 41 et seq.).

E a nova síntese proposta por Liebman constituiu na tentativa de conciliar aquelas duas principais correntes, de forma que tal conciliação se ajustasse à sua definição de atividade jurisdicional, segundo suas próprias palavras (Estudos, cit., p. 129).

71 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 179.

72 BRASIL. Código de processo civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

73 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 208.74 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 171.75 BRASIL. Código de processo civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.76 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 175.

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

[…] Entende Liebman por jurisdição a atividade do Poder Judiciário, que viabiliza, na prá-tica, a realização da ordem jurídica, mediante a aplicação do direito objetivo às relações hu-manas intersubjetivas. E essa realização só é conseguida pela decisão de mérito77.

Assim, percebe-se claramente o intento de Liebman em harmonizar as teorias do-

minantes até então, propondo um meio termo entre elas, no qual o direito de ação seria desvincula-

do da pretensão de direito material, conforme defendia a teoria abstrata, mas dependeria da existên-

cia de indícios da presença deste, materializados nas condições da ação, flexibilizando os conceitos

da corrente concretista.

Isso porque, para a Teoria Eclética, a ação “não depende de uma sentença favorá-

vel, mas existe apenas quando as condições da ação estão presentes. Na falta de uma das condições

da ação não há ação exercício de jurisdição, pois entre a ação e a jurisdição, segundo Liebman, exis-

te exata correlação, não podendo uma existir sem a outra”78. Assim, as condições da ação, para tal

corrente, seriam pressupostos de existência do direito de ação.

Mas tal posição doutrinária sofre várias críticas, notadamente pelos defensores da

teoria abstrata da ação. Segundo Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes, a corrente eclética so-

fre de “pelo menos três vícios insuperáveis”: a) a “tentativa de conciliação do inconciliável”, quan-

do busca um meio termo entre as noções concretistas e abstrativistas; b) a confusão entre ação e

pretensão, de forma a reconhecer direito de ação também para o réu; e c) a “redução do campo da

atividade jurisdicional”, pois, ao afirmar que não há jurisdição sem ação e que não há ação sem o

preenchimentos de suas condições, tal teoria conclui que não há exercício de atividade jurisdicional

na decisão do Juiz que rejeita a inicial por inexistência de alguma das condições da ação79.

E essa última critica configura a maior deficiência da teoria eclética, porquanto é

evidente que “mesmo quando verificada a ausência de uma das chamadas 'condições da ação', é ine-

gável que a jurisdição atuou e a ação foi exercida. Aliás, a jurisdição atuou porque a ação foi pro-

posta, o que se dá no momento em que a petição inicial é despachada pelo juiz ou distribuída”80.

Nesse sentido é a regra do artigo 263 do Código de Processo Civil, que, conforme já destacado,

adotou a Teoria Eclética81.Os adeptos da Teoria Eclética, ao imputarem de absurdas as hipóteses nas quais o Juiz teria que jurisdicionar por força de pedidos manifestamente injurídicos, não se dão conta de que estão a raciocinar no plano do direito material; com efeito, sob o prisma processual só se poderá falar de injuridicidade manifesta após a sentença; e esta só poderá ser proferida após

77 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 114-115.

78 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 181.

79 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 117-118.

80 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 181.

81 BRASIL. Código de processo civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

o autor submeter a relação ao único órgão competente para tanto, com força vinculativa, qual seja, o jurisdicional, vale dizer, após o autor agir propondo a ação82.

Com a análise da Teoria Eclética, está concluído o estudo a respeito das conceitua-

ções tidas como clássicas acerca do direito de ação. Resta, portanto, apenas verificar a construção

trazida por Luiz Guilherme Marinoni relativa à noção de ação em conformidade com o Estado Con-

temporâneo.

Segundo ele, o direito de ação constitui um direito fundamental, corolário da no-

ção de que o exercício da jurisdição é monopólio do poder estatal. Assim, mais do que uma garantia

dada ao cidadão de que o Estado deverá analisar a lesão ou ameaça de lesão a direito trazida a seu

conhecimento, o direito fundamental de ação seria um instrumento através do qual se concretiza a

proteção a todos os demais direitos fundamentais83. Na mesma linha de pensamento, porém com

menor desenvolvimento da teoria, José Albuquerque Rocha conclui que “a definição [de ação] mos-

tra-nos que se trata de direito fundamental. Acrescentaríamos que é o mais fundamental dos direitos

fundamentais, uma vez que é garantia de realização concreta de todos os outros direitos fundamen-

tais”84.

Luiz Guilherme Marinoni continua sua teoria afirmando que o direito de ação não

se exaure na mera propositura da ação, desenvolvendo-se durante todo o processo, na medida em

que o autor possui o poder de produzir as provas que entender necessárias para que a sentença de

mérito lhe seja favorável. Mas o direito fundamental de ação também não estaria plenamente exer-

cido com a sentença. Como o objetivo primeiro do direito de ação, segundo essa corrente, é a efeti-

vação concreta dos direitos fundamentais, há exercício da ação até a real satisfação do direito mate-

rial pleiteado.

Conclui o autor:Assim, a sentença (compreendida como medida processual) e a execução adequadas são co-rolários do direito de ação, impondo a conclusão de que o direito de ação, muito mais do que o direito ao julgamento do pedido, é o direito à efetiva tutela jurisdicional. Isso porque, por efetiva tutela jurisdicional, deve-se entender a efetiva proteção do direito material, para a qual são imprescindíveis a sentença e o meio executivo adequados85.

Com base no que foi visto até agora, parece certo concluir que o conceito de ação

é mutável de acordo com o conceito de Estado que se adote. Isso porque, conforme destacado no

item 1.1 deste trabalho, a noção de ação depende diretamente do conteúdo que se dá ao poder juris-

dicional do Estado. Assim como as teorias tidas como clássicas tratavam da ação sob o prisma do

Estado Liberal, a corrente defendida por Luiz Guilherme Marinoni leva em consideração a visão do

82 SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 120.

83 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1. 2009. p. 192-214.

84 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 164.85 MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

2009. p. 216-217.

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Estado Contemporâneo, baseado na efetivação dos direitos fundamentais. Dessarte, não é equivoca-

do afirmar que, enquanto existirem diferentes noções de Estado, diferentes serão as definições do

direito de ação.

1.2.2 Distinções Conceituais

Vistas as diferentes teorias que pretenderam conceituar a ação ao longo do tempo,

percebe-se que, hodiernamente, são consideradas aceitáveis apenas três das correntes anteriormente

trabalhadas: a abstrata, a eclética e a contemporânea.

Mas independente de qual ideologia se adote, todas elas têm em comum a noção

de que a ação é um “direito público, subjetivo e abstrato, de natureza constitucional, regulado pelo

Código de Processo Civil, de pedir ao Estado-juiz o exercício da atividade jurisdicional no sentido

de solucionar determinada lide”86.

Diferente é o conceito de processo. Este seria uma “atividade ou prática habitual e

repetida de atos que o Judiciário realiza para concretizar o direito em última instância”87. Assim,

evidencia-se o conceito de “cunho finalístico, teleológico, que se consubstancia numa relação jurídi-

ca de direito público, traduzida num método de que se servem as partes para buscar a solução do di-

reito para os conflitos de interesses”88.

Objetivando tornar clara a definição do termo, expende-se a visão para além da

esfera jurídica, através do seguinte exemplo:Para fazer eu próprio um café, tomado antes de principiar este capítulo, usei o processo mais simples: pus um pouco d'água na chaleira, levei-a ao fogo e a derramei, fervente, numa xícara, onde já colocara duas colherinhas de café solúvel e três gotas de adoçantes. Pratiquei, portanto, uma seqüência (sic) de atos. Reunidos, eles serviram de instrumento da minha vontade de obter um resultado: o cafezinho, que me estimula ao trabalho. Disse que usei um processo porque esse é o vocábulo que se emprega, na língua que falo, para desig-nar o conjunto de atos sucessivos, praticados ordenadamente, a fim de se alcançar um resul-tado. A etimologia do substantivo processo revela o seu significado: pro, para a frente, e ce-dere, caminhar. Nisso consiste qualquer processo: atos ordenados, que se praticam sucessi-vamente, de modo que ao ocaso do anterior se siga a alvorada no posterior, até que se atinja um objetivo. Se falo, pois, para não sair do exemplo, no processo de fazer café, não estou aludindo a um ato isolado, como pôr a água na chaleira, ou o pó na xícara, nem apenas a dois ou três atos, mas à reunião de todos eles89.

Mas além dessa noção de conjunto de atos direcionados a um fim, a noção jurídi-

ca de processo acrescenta um viés político, teleológico, para defini-lo como “instrumento de que

dispõem o Estado e as partes para buscar solução pacificadora de conflitos, servindo de meio, por-

tanto, para a realização de objetivos afeiçoados ao Estado de Direito”90.

86 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. v. 1. p. 126.

87 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 197.88 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2005. v. 1. p. 159.89 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 79.90 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Portanto, processo seria o instrumento através do qual se exerce o direito de ação,

ou seja, o meio do qual o cidadão que pretende o exercício da função jurisdicional do Estado se vale

para provocá-lo.

Distinta, ainda, é a ideia de procedimento, que pode ser tida como “o conjunto de

atos que compõem o processo”91. Sinônimo de rito, o procedimento indica “o mecanismo pelo qual

se desenvolvem os processos diante da jurisdição”92.

Novamente, utilizando o magistério de Sérgio Bermudes, trata-se da noção de pro-

cedimento para além do campo do direito, de forma a explicitar, extreme de dúvidas, os seus limi-

tes:Sento-me para escrever, enquanto uma belíssima e vibrante voz feminina enche minha sala, cantando “A Garota de Ipanema”, gravada no compact disk Ella abraça Jobim. Lembro-me de que, noutro disco, Montreux, Ella Fitzgerald também canta a composição de Tom e Viní-cius, mas de modo diferente. A música não muda, nem muda a letra, porém as duas apre-sentações diferem quanto à maneira pela qual a cantora vocalizou a melodia e repetiu os versos, alterando o ritmo, a entonação e a duração. Também o processo judicial, enquanto permanece a mesma relação jurídica, tratada nos dois capítulos anteriores, varia no seu modo de desenvolver-se, ora mais expedito, ora mais alongado, umas vezes mais complexo, outras mais singelo, composto de atos mais numerosos ou mais escassos.

Chama-se procedimento ao modo pelo qual o processo se desenvolve; Trata-se portanto, do processo na sua dinâmica, na maneira para qual se instaura, prossegue e se extingue93.

Retomando o exemplo dado pelo mesmo autor na passagem anteriormente citada,

o processo de fazedura do café continua o mesmo, na medida em que se segue uma sequência de

atos para atingir uma finalidade: a produção da bebida. Mas o procedimento seria diferente se o au-

tor, ou invés de utilizar café solúvel, partisse do próprio grão moído. Ou ainda se, no lugar de ferver

a água, lançasse mão de uma cafeteira elétrica.

Dessarte, a fim de distinguir a noção jurídica de cada um dos termos, tem-se que:Enquanto o processo se define, abstrata e genericamente, como a atividade que se torna ne-cessário exercer para a produção de determinado resultado, o procedimento se define como o conjunto de normas que vão estabelecer quais o sujeitos que devem participar do proces-so, os atos de que se compõe, a seqüência (sic) ou a ordem a ser observada entre os diversos atos, a forma desses atos, o lugar onde devem ser realizados, os prazos em que devem ser praticados, a publicidade, etc.

Concluindo e resumindo, o processo é a atividade necessária à produção de determinado re-sultado final; o procedimento é o conjunto de normas em conformidade com as quais deve desenvolver-se essa atividade. O processo envolve a idéia (sic) de finalidade (resultado fi-nal) a ser alcançada através de uma atividade humana. O procedimento determina a manei-ra, o modo, como essa finalidade dever ser (sic) realizada. Em síntese, a expressão processo é uma abstração que só existe em nossa mente. Em concreto o que há são procedimentos94.

E é essa a noção central que deve nortear as distinções entre os conceitos de juris-

dição, ação, processo e procedimento: a abstração. Todos esses conceitos estão presentes quando se

Tribunais. 2005. v. 1. p. 160.91 COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004. p. 250.92 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2005. v. 1. p. 160.93 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 141-142.94 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003. p. 199.

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

analisa um processo judicial, mas, para compreender o todo, é necessário partir do instituto mais

abstrato para o mais concreto, na seguinte ordem: jurisdição, ação, processo, procedimento.

Concluída a análise dos principais conceitos envolvidos no campo do direito pro-

cessual, passa-se agora ao objeto central deste capítulo: o estudo da competência em sede proces-

sual penal.

1.3 Competência Processual Penal

Constatou-se que uma das características da jurisdição é a sua unicidade. Isso por-

que “como poder soberano do Estado a jurisdição é una e, investido no poder de julgar, o juiz exer-

ce a atividade jurisdicional”95. Conforme já mencionado, a unidade da jurisdição foi considerada

pelo constituinte originário como uma garantia individual do cidadão, pois consta do inciso XXXV

do artigo 5º da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito”96. Assim, os órgãos do Poder Judiciário, não exclusivamente, mas como regra ge-

ral, exercem o poder jurisdicional do Estado.

Entretanto, diante da quantidade assombrosa de pretensões que podem ser deduzi-

das, mormente em um país de proporções continentais como o Brasil, torna-se necessário sistemati-

zar a jurisdição, impondo regras que delimitem o mais especificamente possível qual dos vários ór-

gãos da estrutura complexa do Poder Judiciário será aquele que exercerá a jurisdição diante de um

caso concreto. É certo que “um juiz apenas não tem condições físicas e materiais de julgar todas as

causas, diante do que a lei distribui a jurisdição por vários órgãos do Poder Judiciário. Dessa forma,

cada órgão jurisdicional somente poderá aplicar o direito dentro dos limites que lhe foram conferi-

dos nessa distribuição”97.Na verdade, seria humanamente impossível que um só Órgão Jurisdicional se incumbisse de solucionar todas as lides (cujo número é astronômico) que surgissem num vasto territó-rio, como é o Brasil, por exemplo, com uma população superior a 160 milhões de almas. Daí a criação de diversos Órgãos Jurisdicionais, todos eles exercendo aquela função especí-fica de aplicar o direito em relação a uma pretensão.

O problema criado pela vastidão territorial, pela quantidade da população e pelo número as-sombroso de litígios (dos mais simples aos mais complexos) não seria solucionado apenas com a criação de numerosos Órgãos Jurisdicionais. Do contrário, eles julgariam toda e qualquer controvérsia que surgisse em qualquer ponto do território nacional. O Estado, pois, partindo das vantagens que a divisão do trabalho proporciona, limitou o Poder Jurisdi-cional desses órgãos98.

A essa sistematização dá-se o nome de competência. “A competência é, assim, a

medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional”99; “representa a porção do

95 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 179.96 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em

18.set.2009.97 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 188.98 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p. 76.99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 179.

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

poder jurisdicional que é conferido a cada órgão investido de jurisdição”100. As regras de competên-

cia, racionalizam a atividade jurisdicional, evitando que vários órgãos jurisdicionais julguem a mes-

ma causa, aumentando a segurança jurídica ao impedir as decisões conflitantes que seguramente ad-

viriam se a cada Juiz fosse possível exercer a jurisdição na sua plenitude.

Assim, ao mesmo tempo em que viabiliza o exercício do poder jurisdicional do

Estado, as regras de competência também protegem os bens objeto da própria jurisdição. Nesse sen-

tido:A jurisdição penal, monopolizada pelo Estado, realiza, portanto, a relevante função de apli-cação do Direito Penal aos fatos violadores de bens, direitos e valores reconhecidos pelo corpo social, na exata medida e proporção previamente indicadas em lei.

No exercício desta complexa atividade e sobretudo em atenção aos critérios constitucionais de distribuição do poder político adotados na Constituição de 1988, também o poder juris-dicional foi objeto de repartição de competências, com o objetivo de bem e melhor opera-cionalizar a administração da Justiça. Desde logo, portanto, uma constatação: há distribui-ção de parcelas da jurisdição – competências – derivada da própria Constituição da Repú-blica, reunidas sob a proteção de cláusula assecuratória de que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (art. 5º, LIII, CF)101.

Portanto, enquanto o poder jurisdicional indica a concentração do poder de julgar

nas mãos do Estado, a competência indica qual órgão estatal será responsável por exercer a jurisdi-

ção em determinado caso concreto. Pode-se dizer que “enquanto abstratamente todos os órgãos do

Poder Judiciário são investidos de jurisdição, as regras de competência é que concretamente atri-

buem a cada um desses órgãos o efetivo exercício da função jurisdicional”102.

E tal se dá para a efetivação do princípio geral do processo denominado juiz natu-

ral. Esse princípio pode ser analisado sob dois prismas diferentes: “a) proibição do juízo ou tribunal

de exceção (tribunal ad hoc), isto é, criado ex post facto para o julgamento de um determinado caso

concreto ou pessoa (CR, art. 5º, XXXVII); b) garantia do juiz competente (CF, art. 5º, LIII), segun-

do o qual ninguém será subtraído ao seu juiz constitucionalmente competente”103.De acordo com a nova Constituição Federal, “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente' (art. 5º, LIII) e “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII). Prevê ela, então, quais são os órgãos jurisdicionais, federais ou esta-duais, comuns ou especiais, competentes para a apreciação das ações, inclusive penais (arts. 92 a 136). Dentro da Jurisdição competente, pode o legislador ordinário estabelecer normas destinadas a regular a distribuição do poder jurisdicional entre os órgãos que componham cada uma dessas justiças, mas não lhe é lícito atribuir a uma outra a competência para o processo e julgamento de infrações penais desrespeitando a prévia demarcação constitucio-nal que separa as funções das justiças especiais e da justiça comum. Além disso, não pode a lei criar órgãos jurisdicionais nem designar magistrados especiais para o julgamento de pes-soas ou fatos determinados104.

Levando em consideração tal entendimento, percebe-se que há competências ex-

clusivamente reguladas pela Constituição Federal, que não podem ser alteradas pelo legislador ordi-

100 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 214.101 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 183.102 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 214.103 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 10.104 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 51.

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

nário. De outro norte, há situações em que não é dado à norma constitucional entrar em minúcias

quanto ao funcionamento dos órgãos jurisdicionais, de forma que é atribuição da lei infraconstitu-

cional regular-lhes a competência.

Afora essa distinção entre competência constitucional e infraconstitucional, que

será retomada no último capítulo deste trabalho, existem outras classificações de competências, que

visam à esclarecer o assunto de forma didática.

A primeira delas leva em consideração o aspecto do fato concreto que será deter-

minante para a fixação da competência. De acordo com esse critério, a doutrina divide a competên-

cia em ratione materiae, “estabelecida em razão da natureza do crime praticado”; ratione personae,

“de acordo com a qualidade das pessoas incriminadas”; e ratione loci, “de acordo com o local em

que foi praticado ou consumou-se o crime, ou o local da residência do seu autor”105.

Também se classifica a competência de acordo com a existência ou não da possi-

bilidade de sua alteração ou prorrogação. Diante de tal situação, a doutrina divide as espécies de

competência em dois grandes grupos: a absoluta e a relativa. Destaca-se que “a competência será

absoluta ou relativa de acordo com os critérios que a determinem”106.Chama-se absoluta a hipótese de fixação de competência que não admite prorrogação, isto é, deve o processo ser remetido ao juiz natural determinado por normas constitucionais ou processuais penais, sob pena de nulidade do feito. Encaixam-se nesse perfil a competência em razão da matéria (ex.: federal ou estadual; cível ou criminal; matéria criminal geral ou especializada, como o júri, etc.) e a competência em razão da prerrogativa de função (ex.: julgamento de juiz de direito deve ser feito pelo Tribunal de Justiça; julgamento de Gover-nador dever ser (sic) feito pelo Superior Tribunal de Justiça etc.) Chama-se relativa a hipó-tese de fixação de competência que admite prorrogação, ou seja, não invocada a tempo a in-competência do foro, reputa-se competente o juízo que conduz o feito, não se admitindo qualquer alegação posterior de nulidade. É o caso da competência territorial, tanto pelo lu-gar da infração quanto pelo domicílio/residência do réu. A divisão entre competência abso-luta e relativa – a primeira improrrogável, enquanto a segunda admitindo prorrogação – é dada pela doutrina e confirmada pela jurisprudência, embora não haja expressa disposição legal a respeito107.

Na prática, existem diversos critérios que podem ser levados em consideração

para a fixação da competência em determinado órgão. O Código de Processo Penal, no seu artigo

69, assim regula a matéria:Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:

I - o lugar da infração;

II - o domicílio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;

105 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 188.106 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 217.107 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 191.

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

VII - a prerrogativa de função108.

E cada um desses critérios será analisado separadamente a seguir.

1.3.1 Pelo Lugar da Infração

O primeiro dos critérios utilizados pelo Código de Processo Penal para a fixação

da competência é o lugar da infração. Está regulamentado nos artigos 70 e 71 do referido diploma

legal:Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infra-ção, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

§1º Se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele, a com-petência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último ato de execução.

§2º Quando o último ato de execução for praticado fora do território nacional, será compe-tente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha produzido ou devia pro-duzir seu resultado.

§3º Quando incerto o limite territorial entre duas ou mais jurisdições, ou quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdi-ções, a competência firmar-se-á pela prevenção.

Art. 71. Tratando-se de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção109.

Analisando tais dispositivos legais, a primeira conclusão a que se chega é a de que

“este é o foro comum, para as infrações penais em geral. É a regra em matéria de competência pe-

nal”110. Tal se dá “em razão das maiores facilidades na coleta do material probatório disponível, bem

como de sua produção em juízo”111 e também porque “entre os fins da pena, um dos mais importan-

tes é a prevenção geral, e a aplicação da sanção penal no local onde foi praticado o delito serve

como exemplo para todos aqueles que tiveram conhecimento do fato e, entre eles, em primeiro lu-

gar então os que vivem nesse local”112.

A respeito do lugar do crime, existem três teorias: a) da atividade, segundo a qual

“lugar do crime é o da ação ou omissão, sendo irrelevante o lugar da produção do resultado”; b) do

resultado, que define lugar do crime como o local “em que foi produzido o resultado, sendo irrele-

vante o local da conduta”; e c) da ubiquidade, que considera lugar do crime “tanto o da conduta

quanto o do resultado”113. O Código de Processo Penal adotou, para fins de fixação de competência,

a teoria do resultado.

108 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

109 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

110 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p. 92.111 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 237.112 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 185.113 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 208.

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Se a questão preponderante para a adoção do critério do lugar como regra primeira no Có-digo de Processo penal deveu-se à questão probatória (a facilidade de sua produção), por que motivo teria a nossa legislação processual penal optado pela regra do resultado?

Acreditamos que a explicação esteja ligada às preocupações com a chamada perpetuatio ju-risdicionis, princípio processual segundo o qual, uma vez iniciada a ação penal perante o juiz territorialmente competente, as modificações e/ou alterações de competência somente deveriam ocorrer de modo excepcional, de modo a preservar, o mais amplamente possível, a celeridade que deve informar o processo penal, evitando-se os inconvenientes decorrentes da declinatória de foro.

Assim, ao que se nota, ao legislador do Código de Processo Penal pareceu inoportuna a adoção da teoria da ubiqüidade (sic), em razão da possibilidade da maior incidência de du-pla territorialidade (ou lugar do crime) nas ações penais, o que reclamaria a existência de um critério objetivo para resolver acerca da maior utilidade de um (lugar da ação) ou outro (lugar do resultado) foro114.

Cumpre destacar que, nos casos em que houver dúvida sobre o território em que

ocorreu o crime ou nas hipóteses de crime continuado ou permanente que se estenda por mais de

uma comarca, conforme o §3º do artigo 70 e o caput do artigo 71, ambos do Código de Processo

Penal, a competência será fixada pela prevenção, que será estudada no item 1.3.5 deste capítulo.

Por fim, ressalta-se que, “a incompetência rationi loci é causa de nulidade relati-

va, devendo ser argüida (sic) oportunamente e de forma hábil”115.

1.3.2 Pelo Domicílio ou Residência do Réu

Aqui se está diante de outro critério de fixação da competência em razão do lugar.

E “a competência territorial é relativa e, portanto, prorrogável. Não argüida (sic) ou superada a ar-

güição (sic), torna-se, pela prorrogação, competente o juízo que originalmente não o fosse (exclusi-

vamente no que tange à competência em razão da localidade)”116. Está regulamentado nos artigos 72

e 73 do Código de Processo Penal:Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicí-lio ou residência do réu.

§1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção.

§2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato.

Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicí-lio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração117.

Trata-se de hipótese de “foro supletivo ou subsidiário, utilizado na falta de conhe-

cimento do local onde se consumou o delito”118. Segundo os dispositivos legais supra, “o domicílio

ou a residência do réu somente determinará a competência quando não for conhecido o lugar da in-

114 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 237.115 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 187.116 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 236.117 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.118 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 209.

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

fração, ou, sendo ele conhecido, tratar-se de ação penal privada (art. 73), quando, então, poderá o

querelante (autor da ação) escolher entre um e outro foro”119.Quanto à questão de saber se o Código de Processo Penal equiparou os conceitos de domi-cílio e residência, a doutrina diverge: para alguns autores, a legislação processual não esta-beleceu distinção entre os conceitos, tomando-os como sinônimos. A maior parte da doutri-na entende, entretanto, que os termos conservam, em sede processual penal, os traços cara-cterísticos estabelecidos pelo Direito Civil. Será considerado domicílio, assim, o local em que a pessoa “estabelece a sua residência com ânimo definitivo” (art. 70 do Código Civil), enquanto residência é “relação de fato, é o lugar em que a pessoa habita ou tem o centro de suas ocupações”. Havendo diversos locais onde alternativamente viva, considerar-se-á seu domicílio qualquer deles. No que toca às relações concernentes à sua profissão, será o do-micílio o local onde a pessoa a exerce (art. 72). Finalmente, não havendo residência habi-tual, o domicílio será qualquer lugar em que seja a pessoa encontrada (art. 73). Regra de igual teor encontra-se na Lei de Introdução ao Código Civil, art. 7º, §8º120.

Menciona-se, ainda, que o Código de Processo Penal não trata da possibilidade de

o réu possuir mais de um domicílio ou residência e nem “no caso de vários co-réus (sic) com domi-

cílio e residência diferentes e, na lacuna, aplica-se por analogia o critério da prevenção diante do ar-

tigo 72, §1º”121.

1.3.3 Pela Natureza da Infração

Tal matéria está disposta no Código de Processo Penal em apenas um dispositivo

legal, o artigo 74:Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização ju-diciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

§2º Se, iniciado o processo perante um juiz, houver desclassificação para infração da com-petência de outro, a este será remetido o processo, salvo se mais graduada for a jurisdição do primeiro, que, em tal caso, terá sua competência prorrogada.

§3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente caberá proferir a sentença (art. 492, §2º)122.

À primeira vista, pode-se concluir estar diante de critério de fixação de competên-

cia ratione materiae. Mas tal situação não substitui a regra geral do local do crime, sendo-lhe com-

plementar. Pode haver definição da competência pela natureza da infração porque, “nas cidades de

maior porte, a jurisdição obedece a diversas outras repartições, conforme o disposto nas leis de or-

ganização judiciária, distribuindo-se a competência criminal por varas especializadas. É o caso, nos

grandes centros, de Varas Criminais de Tóxicos, de Crimes de Trânsito etc.”123 A natureza da infra-

119 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 242.120 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 235-236.121 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 188.122 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.123 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 239.

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ção deve ser analisada para a fixação da competência num segundo momento e “não constitui, por-

tanto, critério de fixação do Juízo, mas de fixação do Juiz”124.

Entendem alguns autores, todavia, haver situações em que a natureza da infração

implicará mudança da competência, poisDeve-se analisá-la sob dois ângulos diversos: a) primeiramente, serve a natureza da infra-ção (ratione materiae) para afastar a incidência da regra geral, que é o foro do lugar da in-fração penal. Assim, havendo a prática de um crime militar, por exemplo, elege-se o foro independentemente de ferir, eventualmente, o local da infração, pois deve ele ser julgado na Justiça Militar, nem sempre existente na Comarca onde se deu a infração125.

Tal visão, entretanto, é equivocada, uma vez que a natureza da infração considera-

da pelo Código de Processo Penal é critério secundário de fixação de competência, para especificar

o foro que julgará o caso, dentre os vários que podem existir em uma mesma comarca. A situação

descrita na citação acima trata do princípio constitucional do juiz natural. Não se está, no instituto

em análise, diante de caso de competência ratione materiae prevista pela legislação infraconstitu-

cional, mas de levar em consideração, caso a lei de organização judiciária do local do crime assim o

preveja, a natureza do crime para distinguir “na hipótese de haver vários juízes, aquele competente

em razão da natureza da infração caso não tenham todos a competência plena (para todas as infra-

ções), hipótese em que ela é determinada pela distribuição”126

A única menção a competência ratione materiae no dispositivo em comento está

no §1º, quando faz menção ao Tribunal do Júri. Mas tal situação apenas reproduz o dispositivo

constitucional que regula tal hipótese de competência em razão da matéria e, portanto, improrrogá-

vel (artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea d, da Constituição Federal127). Assim, não se está diante de

exceção do afirmado anteriormente de que as regras de competência absoluta possuem caráter cons-

titucional e decorrem do princípio do juiz natural. Por consequência, não há nulidade absoluta a ser

declarada caso não seja observada a competência pela natureza da infração prevista no artigo 74 do

Código de Processo Penal.

Nesse sentido:No entanto, há quem sustente que as regras de organização judiciária também se instituem como competência absoluta.

Pensamos que não.

A nosso juízo, somente a Constituição Federal pode definir regras relativas à competência absoluta, em razão da função ou em razão da matéria. Embora não se possa negar que as normas de organização judiciária, quando criam varas especializadas, estão estabelecendo competência por matéria, o fato é que o princípio do juiz natural e, assim, da competência absoluta, impõe-se apenas como competência de jurisdição (da Justiça Federal, Estadual, Militar, Eleitoral, Trabalhista etc.). Por isso, independentemente da instituição de varas es-pecializadas, se a matéria é da competência (constitucional) de Juiz de Direito, o vício de

124 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 189.125 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 212.126 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 189.127 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em

18.set.2009.

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

incompetência será relativo, se não obedecida a organização judiciária (quando a decisão for preferida por um Juiz de Direito, de outra Vara)128.

Destacada a natureza da competência de que trata o artigo 74 do Código de Pro-

cesso Penal, cumpre verificar o único de seus parágrafos que não se refere ao Tribunal do Júri, o

§2º:A doutrina diverge quanto à possibilidade de aplicação desse dispositivo, em face da atual organização judiciária do Brasil. Contra a opinião dos que acreditam não ter aplicação a ci-tada regra, entende Tourinho Filho que a existência, na capital do Estado de São Paulo, de um foro central ao lado de foros regionais, cujas competências são determinadas em razão da natureza da infração, permite a incidência do preceito legal, pois seria mais graduada a jurisdição do foro central, prorrogando-se a competência daquele juízo129.

Todavia, tal posição não parece a mais adequada, uma vez que não há distinção

entre os magistrados atuantes em cada um desses foros, todos integrantes do mesmo grau da carrei-

ra. Assim, entende-se, com a maioria da doutrina, “inexistente em nosso atual quadro de organiza-

ção judiciária que se dê tal hipótese”130.

1.3.4 Pela Distribuição

Prevê o artigo 75 do Código de Processo Penal:Art. 75. A precedência da distribuição fixará a competência quando, na mesma circunscri-ção judiciária, houver mais de um juiz igualmente competente.

Parágrafo único. A distribuição realizada para o efeito da concessão de fiança ou da decre-tação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa preveni-rá a da ação penal131.

Está-se diante, portanto, de critério secundário para a fixação da competência, en-

sejador de nulidade meramente relativa, da mesma forma que no item anterior. “Distribuir é repartir,

dividir. Logo a distribuição, como critério para determinação da competência, é uma repartição,

uma divisão de processos entre Juízes igualmente competentes”132. “Sua existência tem por finalida-

de permitir o equilíbrio quantitativo entre os juízes das ações ajuizadas, evitando, ainda, o direcio-

namento das causas conforme os posicionamentos conhecidos de cada julgador acerca de uma ou

outra tese jurídica”133.

De todos os critérios secundários previstos no Código de Processo Penal (natureza

da infração, distribuição e prevenção, que será estudada no próximo item, em razão da ordem topo-

lógica dos artigos no Código de Processo Penal), a distribuição é a mais subsidiária. Nesse sentido:

128 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 241.129 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 239.130 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 217.131 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.132 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.

129.133 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 237.

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

A antecedência na distribuição do inquérito ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa (pedido de fiança, decretação de prisão preventiva, como exemplificado no art. 75 CPP) fixará a competência quando houver, na mesma circunscrição judiciária, mais de um juiz igualmente competente.

Ocorre, todavia, que a antecedência na distribuição somente preponderará na hipótese de não ter sido praticado, por um dos juízes igualmente competentes, qualquer ato de conteúdo decisório, pois, assim ocorrendo, a norma a ser aplicada é aquela do art. 83 [que trata da prevenção], e não a do art. 75. A explicação é singela: a preocupação do legislador é com a antecedência do conhecimento da causa, efetivo e concreto, por um dos juízes cuja compe-tência originária seja a mesma134.

Assim, estabelecida a competência em razão do lugar do crime ou do domicílio ou

residência do réu, verifica-se se existe na comarca mais de uma vara competente para conhecer das

causas criminais. Havendo mais de um juízo competente na mesma comarca, analisa-se se algum

deles possui competência exclusiva para conhecer da causa em razão da espécie de crime praticado.

Não havendo vara especializada, usa-se o critério da prevenção (a ser tratado no item 1.3.5). Por

fim, não havendo juízo prevento, distribui-se o processo de acordo com o disposto na Lei de Orga-

nização Judiciária local.

1.3.5 Pela Prevenção

O presente trabalho, até o momento, preferiu utilizar a ordem prevista pelo Códi-

go de Processo Penal para tratar cada um dos critérios para a fixação da competência penal. Toda-

via, haja vista a importância da análise da competência por conexão e continência para este estudo,

entende-se mais adequado tratar desse tópico no último item deste capítulo.

Passa-se, então, à verificação da prevenção como causa de fixação da competên-

cia, regulada no artigo 83 do Código de Processo Penal:Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, § 3º, 71, 72, § 2º, e 78, II, c)135.

A prevenção pode ser conceituada como “o conhecimento antecipado de determi-

nada questão jurisdicional por um juiz, o que o torna competente para apreciar os processos conexos

e continentes”136. “Trata-se de prefixação da competência, que ocorre quando o juiz toma conheci-

mento da prática de uma infração penal antes de qualquer outro igualmente competente, sendo ne-

cessário que determine alguma medida ou pratique algum ato no processo ou inquérito”137.

Conforme já destacado, a prevenção é “critério subsidiário de determinação de

competência, no sentido de ser aplicado apenas diante da insuficiência dos demais. E, tratando-se

134 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 244.135 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.136 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 243.137 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 219.

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

competência territorial, é também critério de competência relativa, como relativa é a nulidade de-

corrente de sua não observância (Súmula 706, STF)”138.Cumpre assinalar que, enquanto no cível o juízo só fica prevento com a citação válida, nos termos do art. 219 do CPC, na esfera criminal, como se vê do dispositivo citado, qualquer ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento de denún-cia ou queixa, já é suficiente para prevenir a jurisdição139.

Por fim, destaca-se que a prevenção não é critério subsidiário para a determinação

da competência apenas nos casos em que incide a regra geral do lugar do crime, sendo mencionada

em diversas outras passagens do Código de Processo Penal, conforme se percebe:A regra do artigo 83 do CPP, porém, não soluciona apenas o conflito positivo de competên-cia, ou seja, não resolve a questão apenas quando há dois ou mais juízes competentes. Cita ele o artigo 70, §3º, que se refere à incerteza do limite territorial entre duas ou mais jurisdi-ções. Nessas hipóteses, a competência é fixada pela prevenção. Também fixa ela a compe-tência “se o réu tiver mais de uma residência” ou “se não tiver residência ou for ignorado o seu paradeiro”, isto se não for conhecido o lugar da infração “art. 72, §§ 1º e 2º). Por fim, a prevenção fixa a competência quando, de outra forma, não se puder firmar a competência por conexão ou continência no concurso de jurisdições da mesma categoria (art. 78, II, c)140.

Percebe-se, dessarte, a importância desse critério para a correta fixação da compe-

tência em sede processual penal.

1.3.6 Pela Prerrogativa de Função

Em primeiro lugar, fundamental destacar a relevância que a fixação da competên-

cia penal pela prerrogativa de função possui hodiernamente no mundo jurídico. Inúmeras são as dis-

cussões tratando dessa matéria, existindo também vários projetos tramitando no Congresso Nacio-

nal que pretendem alterar a sua atual regulação, seja para ampliá-la, reduzi-la ou até mesmo extin-

gui-la. É notável a complexidade do assunto em questão, que já foi objeto de diversas pesquisas ci-

entíficas que pretenderam analisá-lo a fundo, o que não é o caso do presente estudo. Assim, limitar-

se-á a estabelecer a natureza jurídica do instituto e a traçar as linhas gerais de sua regulamentação,

sem ingressar nas grandes polêmicas que o cercam, por fugir ao objeto deste trabalho.

Dito isso, cumpre destacar que se está diante de competência ratione personae.

Assim, é relevante, para a determinação da competência, o autor da infração penal. Tal aspecto é es-

tabelecido como decorrência do princípio constitucional do juiz natural, conforme já destacado.

Portanto, é causa de “competência absoluta, inafastável por vontade das partes processuais, relevan-

do a natureza pública do interesse em disputa, somente se admitindo a sua flexibilização por oportu-

nidade da aplicação de norma da mesma estatura, ou seja, de norma ou princípio igualmente consti-

tucionais”141.

138 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 244.139 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.

134.140 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 198.141 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 186.

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Consiste a competência pela prerrogativa de função “no poder que se concede a

certos Órgãos Superiores da Jurisdição de processarem e julgarem determinadas pessoas”142. Não se

está, entretanto, diante de violação do princípio constitucional da isonomia, previsto no caput e no

inciso I do artigo 5º da Constituição Federal143. Isso porque o que se protege com tal instituto não é

a pessoa em si, mas a dignidade do cargo que ela ocupa.Por fim, a competência é determinada pela prerrogativa de função (art. 69, VII). Fala-se em competência ratione personae (em razão da pessoa), quando o Código deixa bem claro que a competência é ditada pela função da pessoa, tendo em vista a dignidade do cargo exercido e não do indivíduo que a exerce. É usual também o nome de foro privilegiado, agora mais aceitável, já que a Constituição Federal de 1988 não menciona proibição ao “foro privilegiado” mas apenas a “juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII). Na rea-lidade, não pode haver “privilégio” às pessoas, pois a lei não pode ter preferências, mas é necessário que se leve em conta a dignidade de cargos e funções públicas. Há pessoas que exercem cargos e funções de especial relevância para o Estado e em atenção a eles é neces-sário que sejam processados por órgãos superiores, de instância mais elevada. O foro por prerrogativa de função está fundado na utilidade pública, no princípio da ordem e da subor-dinação e na maior independência dos tribunais superiores144.

Dessarte, considerando a importância dos cargos, acima dos possíveis atributos

inerentes à pessoa que o ocupa, “cuidou o constituinte brasileiro de fixar foros privativos para o pro-

cesso e julgamento de infrações penais praticadas por seus ocupantes, atentando-se para as graves

implicações políticas que poderiam resultar das respectivas decisões judiciais”145.

A matéria está regulada no Código de Processo Penal pelos artigos 84 a 87. Entre-

tanto, referidos dispositivos legais estão defasados, pois, conforme já destacado, a fixação da com-

petência pela prerrogativa de função passou a ser matéria constitucional, haja vista a natureza de

utilidade pública desse instituto.

Assim, o artigo 86 do diploma penal adjetivo brasileiro dispõe:Art. 86. Ao Supremo Tribunal Federal competirá, privativamente, processar e julgar:

I - os seus ministros, nos crimes comuns;

II - os ministros de Estado, salvo nos crimes conexos com os do Presidente da República;

III - o procurador-geral da República, os desembargadores dos Tribunais de Apelação, os ministros do Tribunal de Contas e os embaixadores e ministros diplomáticos, nos crimes comuns e de responsabilidade146.

Ao mesmo tempo, a Constituição Federal, ao determinar a competência do Supre-

mo Tribunal Federal, afirma:Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

142 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p. 135.

143 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

144 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 199.145 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 186.146 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente147.

Da simples comparação entre os textos legais, verifica-se que a Constituição da

República Federativa do Brasil não atribui ao Supremo a competência para o julgamento das infra-

ções penais praticadas pelos desembargadores dos Tribunais de Apelação. Isso porque, quando en-

trada em vigor do Código de Processo Penal, em 1º de janeiro de 1942 (artigo 810 do mencionado

diploma legal148), não existia o Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição Federal de

1988. E, o artigo 105, inciso I, alínea a, da Carta Magna149, ao disciplinar a competência desse ór-

gão, incumbe-lhe de processar e julgar, originariamente, as infrações penais praticadas pelos desem-

bargadores dos Tribunais de Justiça.

Dessarte, demonstrado que a regulamentação da competência por prerrogativa de

função é matéria de natureza constitucional, encerra-se, por ora, a análise do instituto, com a a res-

salva de que o tema será novamente abordado no terceiro capítulo deste trabalho, no item 3.2.2.

1.3.7 Pela Conexão ou Continência

Por fim, estabelece o Código de Processo Penal que a competência pode ser fixa-

da com base na conexão ou na continência. “Estas, porém, não são causas determinantes da fixação

da competência, como o são o lugar do crime, o domicílio do réu, etc., mas motivos que determi-

nam a sua alteração, atraindo para a atribuição de um juiz ou juízo o crime que seria da competência

de outro”150. Há autores que criticam tal definição, por entender que não há alteração da competên-

cia pela conexão ou continência, mas que tais institutos atuariam como regras da fixação da compe-

tência em abstrato. Mais correta parece a visão de Guilherme de Souza Nucci, que harmoniza as

duas visões:Em suma: lato senso, a conexão e a continência fazem parte das regras de fixação de com-petência, embora, estrito senso, elas modifiquem as convencionais regras de escolha do juiz natural, por atenderem a critérios de ordem puramente instrumental, como vimos na nota anterior. Aliás, se a competência deixar de ser alterada em função da conexão ou continên-cia, a nulidade é apenas relativa, dependente, pois, da prova do prejuízo151.

147 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

148 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

149 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

150 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 199.151 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 225.

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Prova do caráter relativo da fixação da competência com base na conexão ou con-

tinência é a redação dos artigos 79 e 80 do Código de Processo Penal:Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:

I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;

II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.

§1º Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, so-brevier o caso previsto no art. 152.

§2º A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461.

Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido prati-cadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo núme-ro de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação150.

Se o próprio magistrado pode, por “outro motivo relevante”, afastar a aplicação

das regras de conexão e continência, por certo que a sua inobservância não ofende ao princípio

constitucional do juiz natural. Portanto, a despeito das vantagens da aplicação de tais institutos, que

adiante serão vistas, “trata-se de questão ligada à competência territorial, sendo, por isso, relativa,

ou seja, sujeita à preclusão temporal, tanto para os interessados diretos (as partes) quanto para os ór-

gãos da jurisdição envolvidos”152.

Essa questão será de suma importância para a conclusão desse trabalho e, por isso,

será retomada no último capítulo. Por ora, basta apenas deixar claro que as regras de conexão e con-

tinência regulam a competência ratione loci, não podendo alterar a competência fixada ratione ma-

teriae ou ratione personae.

As vantagens da aplicação da conexão ou continência e, por isso mesmo, os moti-

vos que ensejam a sua aplicação, pode, ser assim sintetizadas:Certas causas são tão intimamente relacionadas entre si que se torna desejável, por questões de economia processual – pois que a prova a produzir e os argumentos a deduzir em um po-deriam ser aproveitados nos demais – e de efetividade jurisdicional – porquanto processos relacionados clamam por decisões harmônicas, a fim de satisfazer a finalidade de pacifica-ção social, que permeia a função jurisdicional –, sua reunião sob a competência de um úni-co juízo. A esses casos se aplicam as regras relativas à conexão e à continência

Verificando-se, portanto, a relação entre duas ou mais infrações penais, independentes entre si, deverão elas ser reunidas em um único processo (simultaneus processus)153.

O escopo da conexão e da continência é, portanto, propiciar “ao julgador perfeita

visão do quadro probatório e, de conseqüência (sic), melhor conhecimento dos fatos, de todos os fa-

tos, de molde a poder entregar a prestação jurisdicional com firmeza e justiça”154.

Destaca-se, ainda que, em processo penal, “os conceitos de conexão e continência

diferem dos do processo civil, em que há distinção em razão das personae, res e causa petendi,

152 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 256.153 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 240.154 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.

206.

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

existindo regras específicas para a determinação do Juízo competente na esfera penal”155. E é para a

análise dessas regras específicas que se passa agora, iniciando pela conexão.

Pode-se definir conexão como “o vínculo, o liame, o nexo que se estabelece entre

dois ou mais fatos, que os torna entrelaçados por algum motivo, sugerindo a sua reunião no mesmo

processo, a fim de que sejam julgados pelo mesmo juiz, diante do mesmo compêndio probatório e

com isso se evitem decisões contraditórias”156. Está prevista no artigo 76 do Código de Processo Pe-

nal:Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lu-gar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;

II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;

III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares in-fluir na prova de outra infração157.

Cada um dos incisos do artigo supra determina a conexão sob um prisma dife-

rente. Por esse motivo, a doutrina distingue três espécies de conexão: a)a intersubjetiva, “pelo fato

de cuidar de conexão entre os sujeitos, ou seja, na hipótese de pluralidade de sujeitos”; b) a objetiva,

“em razão da finalidade ou motivação da prática de crime, tendo em vista a existência de outro an-

terior”; e c) a probatória ou instrumental, que “trataria da questão da influência da prova de um cri-

me na apuração de outro”158.

A conexão intersubjetiva ainda é dividida em outras três subcategorias:A conexão intersubjetiva pode ser a) por simultaneidade (também chamada subjetivo-obje-tiva ou ocasional): quando duas ou mais infrações houverem sido cometidas, ao mesmo tempo, por diversas pessoas reunidas (I, primeira parte); b) por concurso (ou concursal): quando duas ou mais infrações houverem sido cometidas por várias pessoas em concurso, ao mesmo tempo, ou em local e tempo diferentes (I, segunda parte); c) por reciprocidade: quando duas ou mais infrações houverem sido cometidas por diversas pessoas umas contra as outras (I, parte final)159.

A doutrina também distingue duas espécies de conexão material: a teleológica,

“quando uma ou mais infrações houverem sido praticadas para facilitar a prática de outra ou

outras”, e a consequencial, que ocorre “sempre que uma ou mais infrações houverem sido pratica-

das para ocultar a prática de outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qual-

quer delas”160.

Há ainda outra classificação das espécies de conexão, que as separa em

155 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 191.156 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 214.157 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.158 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 253.159 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva. 2006. p.

108.160 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 241.

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

conexão material (ou substantiva), em que as várias infrações estão ligadas por laços cir-cunstanciais, havendo conexão entre os próprios delitos (prevista no artigo 76, I e II) e co-nexão processual (ou instrumental), em que não há nexo entre as infrações, mas a prova de uma infração ou de qualquer circunstância elementar influi na de outra161.

Vê-se, portanto, que as hipóteses de conexão estão previstas taxativamente pelo

artigo 76 do Código de Processo Penal, levando em consideração as circunstâncias em que foram

praticados os crimes.

A continência, por sua vez, está definida no artigo 77 do Código de Processo Pe-

nal:Art. 77. A competência será determinada pela continência quando:

I - duas ou mais pessoas forem acusadas pela mesma infração;

II - no caso de infração cometida nas condições previstas nos arts. 51, § 1o, 53, segunda parte, e 54 do Código Penal162.

Primeiramente, cumpre destacar que os artigos referidos na parte final do inciso II

do dispositivo mencionado referem-se à numeração dos artigos antes da reforma da parte geral do

Código Penal163. Atualmente, os institutos previstos nos artigos 51, §1º, 53, segunda parte, e 54, do

Código Penal, estão regulados pelos artigos 70, 73 e 74 do mesmo diploma legal164.

Dito isso, tem-se que o vocábulo continência “provém de continente, aquilo que

contém ou tem capacidade para conter algo. No contexto processual penal, significa a hipótese de

um fato criminoso conter outros, tornando todos uma unidade indivisível”165. Dessarte, “na conti-

nência não é possível a cisão em processos diferentes, porque uma causa está contida na outra”166.Na continência, como o próprio nome está a indicar, uma causa está contida na outra, não sendo possível a cisão. Como a continência se verifica na hipótese de concurso de pessoas (co-autoria [sic] e participação) – e aí a causa petendi é a mesma – e nos casos em que se aplique a regra contida na primeira parte do art. 70 do CP – arts. 73, segunda parte, e 74 – conclui-se que, como o fato é o mesmo (no caso de co-autoria [sic] e participação) ou a conduta é uma só (é a hipótese do concurso formal), podemos afirmar que a continência está em função da identidade da causa petendi ou da unidade da conduta. Por esses razões, não se concebe pluralidade de processos quando a causa de pedir é a mesma. Tampouco quando houve unidade de conduta, nada obstante daí decorram duas ou mais infrações. Por que apreciar o mesmo fato, a mesma causa de pedir em processos distintos? Não seria aten-tar contra o princípio da economia processual? Não haveria a possibilidade de provas con-flitantes? Por esses motivos, havendo continência, haverá, também, o simultaneus proces-sus167.

Portanto, verifica-se que, enquanto a conexão ocorre levando em consideração cir-

cunstâncias a respeito da prática dos crimes, com influência processual apenas reflexa, na continên-

161 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 191.162 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.163 BRASIL. Lei Federal n. 7.209, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

18.set.2009.164 BRASIL. Código penal – Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <www.planalto.gov.br>.

Acesso em 18.set.2009.165 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 224-225.166 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 215.167 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.

212.

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

cia, a relação processual que constitui o foco da questão. Pode-se, portanto, adotar o seguinte crité-

rio de distinção: “conexão, destinada a preservar a qualidade probatória; e continência, visando à

coerência e unidade das decisões judiciais sobre o mesmo fato”168.

A doutrina distingue duas espécies de continência, de acordo com as hipóteses

previstas em cada um dos incisos do artigo 77 do Código de Processo Penal. A continência por cu-

mulação subjetiva é a prevista no inciso I, pois leva em consideração o concurso de pessoas. Por sua

vez, a continência por cumulação objetiva (inciso II do mesmo artigo) ocorre “nos casos de concur-

so formal de crimes (art. 70 do Código Penal), ou nas hipóteses de erro na execução (aberratio ic-

tus) e resultado diverso do pretendido (aberratio delictus), previstos nos arts. 73 e 74, respectiva-

mente”169.

Por fim, cumpre ressaltar a crítica feita por Eugênio Pacelli de Oliveira, quando

afirmou que a forma como o instituto da continência está regulamentado no Código de Processo Pe-

nal é “absolutamente inadequada. Não há na continência processual penal, com efeito, nenhuma re-

lação de continente para conteúdo e tampouco identidade de partes, remanescendo apenas, do para-

digma do processo civil (art. 104, CPC), a identidade da causa de pedir”170.

Conceituadas tanto a conexão quanto a continência, cabe agora visualizar a forma

estabelecida pela legislação processual penal para determinar o foro competente no caso de reunião

dos processos. Tal matéria está regulada no artigo 78 do Código de Processo Penal:Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, preva-lecerá a competência do júri;

II - no concurso de jurisdições da mesma categoria:

a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;

b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as res-pectivas penas forem de igual gravidade;

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;

III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;

IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta171.

Assim, tratando da regra do inciso II, que regula os casos de competências territo-

riais diversas para os crimes conexos ou continentes, tem-se que o primeiro critério para a definição

da competência é a gravidade da infração.Considera-se a pena mais grave a privativa de liberdade (com exceção da pena de morte, de caráter excepcional), depois as privativas e restritivas de direitos e, por fim, as penas pecu-niárias. Entre as penas privativas de liberdade, a mais grave é a reclusão, seguida da deten-ção e da prisão simples. Em cada uma delas, a maior gravidade será determinada pela dura-

168 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 258.169 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 242.170 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 255.171 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ção ou quantidade. Consideram-se sempre as penas como cominadas abstratamente para os crimes que são objeto da conexão e continência172.

Sendo os delitos de igual gravidade, a competência será fixada no local onde ocor-

reu o maior número de infrações, conforme a alínea b do inciso II do artigo 78 do Código de Pro-

cesso Penal. Por fim, se nenhum desses critérios for suficiente para definir o foro prevalente, a cau-

sa será processada e julgada pelo juiz que primeiro tomar conhecimento dela, fixando-se a compe-

tência pela prevenção.

Por fim, ressalta-se que as situações previstas nos incisos I, III e IV, a rigor, não

regulam os institutos da conexão ou da continência, na forma descrita no Código de Processo Penal.

Isso porque não se está, em nenhuma dessas hipóteses, determinando-se a competência territorial,

mas abrindo mão de tal critério pela prevalência da competência absoluta (ratione materiae ou ra-

tione personae).

Com efeito, tanto no caso do Tribunal do Júri, como na diferença de graduação

(leia-se “entre órgãos que integram a jurisdição superior e magistrados que integram a jurisdição in-

ferior”173) ou no concurso entre jurisdição comum e especial, está-se diante de “competência de ju-

risdição, regra de juiz natural, portanto, de índole constitucional. Ora, nenhuma norma infraconsti-

tucional, como é o caso do Código de Processo Penal, poderia estabelecer qualquer critério de mo-

dificação da competência que pudesse alterar aquela prevista expressamente na Constituição”174.

Esse será o ponto nevrálgico a ser tratado em todo o terceiro capítulo. Por ora,

passa-se ao estudo dos Juizados Especiais Criminais, com o intento de dissecar o instituto como um

todo, para depois focar nas suas regras de competência. E os Juizados constituem o tema a ser abor-

dado no próximo capítulo.

172 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 194.173 BONFIM, Eugênio Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 243.174 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 257.

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CAPÍTULO 02 OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS – LEI N. 9.099/95

2.1 Princípios dos Juizados Especiais Criminais

Os Juizados Especiais Criminais surgiram como uma resposta à ineficiência do

Processo Penal arcaico que se mantém em vigor na legislação brasileira. Com efeito, facilmente são

percebidas diversas inadequações que o Código de Processo Penal de 1941 possui para com os mo-

dernos estudos criminológicos.Estando em vigor há mais de 50 anos o Código de Processo Penal brasileiro, de há muito se tem sentido a necessidade de uma reforma de leis processuais com o fim de atualizar aque-les pontos em que a legislação se tornou disfuncional e ultrapassada, especialmente no que tange ao inadiável estabelecimento de ritos sumaríssimos para a apuração de contravenções e de crimes de menor gravidade, submetidos a um processo arcaico, formalista e burocrati-zante que tem levado não só os estudiosos e aplicadores do Direito, mas também os leigos, a um sentimento de descrédito sobre a administração da Justiça Penal175.

Nesses termos, muito tempo antes do início do funcionamento dos Juizados Espe-

ciais Criminais, já se verificava uma preocupação em buscar um processo penal “que disponha de

instrumentos adequados à tutela de todos os direitos, com o objetivo de assegurar praticamente a

utilidade das decisões”176.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil tomou um importante

passo na concretização desse objetivo, pois a referida Carta Magna, previu, no seu artigo 98, inciso

I, a criação dos Juizados Especiais Criminais, com competência para as “infrações penais de menor

potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses pre-

vistas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”177.

Da leitura do dispositivo legal acima, pode-se perceber a intenção do Constituinte

em classificar as infrações penais de acordo com a sua gravidade. Em sentido oposto ao artigo 98,

inciso I, que trata das infrações de menor potencial ofensivo, a Constituição estabelece um regime

diferenciado também para as infrações de “maior potencial ofensivo”. Um exemplo disso são os in-

cisos XLII, XLIII e XLVI do seu artigo 5º178.

Os Juizados Especiais Criminais, porém, não se restringem a um simples instru-

mento de classificação das infrações penais, indo muito além disso. Com efeito,com essa disposição, obrigando à criação dos Juizados Especiais Criminais, a Carta Consti-tucional deu margem a importantes inovações em nosso ordenamento jurídico penal e pro-cessual penal, aproveitando-se da experiência de instrumentos jurídicos já utilizados em vá-

175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 23.

176 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 35.

177 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

178 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

rios países, como os Estados Unidos e a Itália, destinados à desburocratização e simplifica-ção da Justiça Penal179.

Tendo isso em mente, os legisladores infraconstitucionais redigiram a Lei n.

9.099/95, que regulamenta o artigo 98, inciso I, da Constituição e cria, em âmbito nacional, os Jui-

zados Especiais Criminais. Nesses termos, tem-se que “a Lei 9.099/95 significa uma verdadeira re-

volução no sistema processual-penal brasileiro”, não se limitando a importar modelos adotados por

outros países, mas, inspirando-se neles, a referida lei “cunhou um sistema próprio de Justiça penal

consensual que não encontra paralelo no direito comparado”180.[...] sem sombra de dúvida, representa a Lei 9.099, ora já em vigor, um bom começo e um memorável avanço sob dois aspectos que reputamos importantes: o primeiro, porque insti-tuindo preceitos de caráter despenalizador, veio a propiciar condições para a adoção de formas alternativas de cumprimento de pena, ou seja, a aplicação de penas restritivas de di-reitos em lugar das penas clássicas cubiculares que neste século já se encontravam ultrapas-sadas. Em segundo lugar, porque a par de iniciar um vigoroso processo de descarceirização com a aplicação já mencionadas das sanções alternativas e, também, com a mitigação do princípio da obrigatoriedade, instituiu parâmetros para a concretização da transação penal sem descurar da necessária atenção aos direitos da vítima181.

As infrações de menor potencial ofensivo, mencionadas no artigo 98 da Constitui-

ção foram conceituadas pela Lei n. 9.099/95 no seu artigo 61, com a redação dada pela Lei n.

11.313/06, como “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior

a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”182. Assim, é para esses delitos que se aplicam as previ-

sões da Lei dos Juizados Especiais Criminais.

Mas a Lei n. 9.099/95 “não se limitou a criar um novo tipo de procedimento sim-

plificado, trazendo, ao contrário, um conjunto de inovações que envolvem desde aspectos filosófi-

cos e estratégicos no tratamento de conflitos de interesses, até técnicas de abreviação e simplifica-

ção procedimental”183.

Assim, a Lei n. 9.099/90 criou todo um microssistema próprio para os Juizados

Especiais Criminais, com principiologia e objetivos próprios, orbitando junto ao sistema processual

penal vigente.

Tanto o é que, no seu artigo 2º, logo após dispor sobre a natureza dos Juizados Es-

peciais, a referida lei estabelece os princípios que neles devem ser observados, seja em matéria cível

ou criminal, ao determinar que “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade,

179 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 24.

180 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 41.

181 AMARAL, Agamenon Bento do. Mandado de segurança no juízo criminal: aplicações inclusive na Lei 9.099/95. Curitiba: Juruá. 1996. p. 88.

182 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

183 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux. 2004. p. 208.

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a

transação”184.

Restringindo a abrangência para os Juizados Especiais Criminais, a Lei n.

9.099/95 dispõe, de forma semelhante, em seu artigo 62:Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, in-formalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a repara-ção dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade185.

Da análise dos dispositivos legais supracitados, pode-se concluir que são princí-

pios que regem os Juizados Especiais Criminais a celeridade, a oralidade, a informalidade, a simpli-

cidade e a economia processual. Conclui-se, também, que são objetivos dos mesmos a reparação

dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

E tem-se a terminologia “princípios” como mais adequada do que “critérios”,

pois,considerando que os princípios processuais traduzem-se em todos os preceitos que origi-nam, fundamentam e orientam o processo, não há dúvida de que o legislador, embora tenha utilizado no art. 2º da lei a expressão critérios, dispôs sobre alguns deles como ideais que representam uma aspiração de melhoria do mecanismo processual que se relaciona especifi-camente com as causas de competência dos Juizados Especiais186.

Com relação aos princípios, tem-se que é possível estabelecer certa hierarquia en-

tre eles. Partindo deste pressuposto, a celeridade deve ser tratada como o princípio fundamental do

microssistema dos Juizados Especiais Criminais, sendo os demais princípios considerados como

princípios informativos, ou seja, que servem de instrumento para sua concretização.

Entretanto, cabe destacar que, apesar de constituir um microssistema à parte, com

regras próprias, os Juizados Especiais Criminais submetem-se aos princípios de ordem constitucio-

nal, pois a Constituição é a norma fundamental do Estado, de onde partem todas as outras. Nesse

sentido:Claro que os princípios especiais mencionados não excluem os princípios gerais fundamen-tais, de ordem constitucional, que regem o processo penal, a saber: do estado de inocência (art. 5º, LVII, da CF); da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF); do contraditório (art. 5º, LV, da CF); do Juiz natural (art. 5º, LIII, da CF); e da publicidade (art. 5º, LX, da CF), devendo o Juiz cuidar, sempre, de compatibilizá-los, inclusive com a aplicação subsidiária das disposi-ções do Código de Processo Penal187.

Passa-se agora à análise específica de cada um dos princípios descritos nos artigos

2º e 62 da Lei n. 9.099/95.

184 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

185 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

186 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 33.

187 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 26.

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

A celeridade nada mais significa do que “a realização rápida dos atos

processuais”188. A importância de tal princípio está em romper com “as regras formais observáveis

nos procedimentos regulados segundo a sistemática do Código de Processo Penal”189. O objetivo

buscado pela lei quando instituiu este princípio como o fundamental para os Juizados Especiais Cri-

minais é o de obter a prestação jurisdicional no menor tempo possível, reduzindo o lapso temporal

existente entre a prática da infração e a sentença e, consequentemente, evitando a ocorrência da

prescrição da pretensão punitiva190. Dessa forma, tudo “o que faça prevalecer a celeridade deve ser

admitido”191.

O princípio da oralidade implica no “predomínio da palavra oral sobre a palavra

escrita, o que traz, sem dúvida, celeridade e eficiência”192. A aplicação da oralidade nos Juizados Es-

peciais Criminais pode ser verifica em diversos momentos, como, por exemplo, nos artigos 65, §3º,

e 81, §§ 1º e 2º, da Lei n. 9.099/95193.

A oralidade pode ser desdobrada em cinco elementos: “1.º) predominância da pa-

lavra falada; 2.º) a imediatidade da relação do juiz com as partes e com os meios produtores da cer-

teza; 3.º) a identidade física do órgão judicante em todo o decorrer da lide; 4.º) a concentração da

causa no tempo; 5.º) a irrecorribilidade das interlocutórias”194.

Todavia, o reconhecimento do princípio da oralidade não implica a exclusão da

escrita, mas apenas na sua mitigação em favor do diálogo entre as partes.Ao impor esse critério, quis o legislador aludir não à exclusão do procedimento escrito, mas à superioridade da forma oral à escrita na condução do processo. A experiência tem de-monstrado que o processo oral é o melhor e o mais de acordo com a natureza da vida mo-derna, como garantia de melhor decisão, fornecida com mais economia, presteza e simplici-dade195.

Assim sendo, a oralidade deve permear o processo nos Juizados Especiais Crimi-

nais, mas não a ponto de afastar completamente a necessidade da tomada por termo dos atos tidos

como essenciais.

188 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 365.

189 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 541.190 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 37-38.191 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 84.192 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais.

2006. p. 364.193 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

16.set.2009.194 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 1973. p. 25.195 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 33.

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Juntamente com o princípio da oralidade, tem-se o princípio da informalidade,

que se traduz no “desapego às formas processuais rígidas, burocráticas”196, sendo “que os atos pro-

cessuais devem ser produzidos sem cerimônia [...]”197.

O princípio da informalidade é decorrente do princípio geral da instrumentalidade

das formas, hoje dominante no Processo Civil, que implica reconhecer que o processo é o instru-

mento pelo qual se materializa o direito constitucional de ação, conforme visto no item 1.2.2 deste

trabalho. “Embora os atos processuais devam realizar-se conforme a lei, em obediência ao funda-

mental princípio do devido processo legal, deve-se combater o excessivo formalismo em que preva-

lece a prática de atos solenes estéreis e sem sentido sobre o objetivo maior da realização da

justiça”198.

Desse princípio decorre outro, conhecido pelo brocado francês pás de nulité sans

grief, significando que não será declarada nenhuma nulidade sem que dela decorra prejuízo para al-

guma das partes. Com efeito, “uma vez atingida a finalidade do ato, não há que se cogitar da ocor-

rência de qualquer nulidade”199. Esse mandamento encontra-se consolidado pelo §1º do artigo 65 da

Lei n. 9.099/95200.A singeleza é fundamental no modelo dos Juizados, para arredar-se a complexidade e difi-culdades comuns nos processos ordinários para a obtenção dos resultados preconizados pela Lei. Ao por em prática a eficácia da simplicidade e da informalidade, obtêm-se a tão almejada seriedade da Justiça Penal, pois a relevância dada pela lei aos meios de comunica-ção do mundo contemporâneo v. g. o uso de correio eletrônico (e-mail), via Internet, para a intimação das partes, não mais legitimam a complexidade processual exigida desde os tem-pos remotos201.

Portanto, como complemento ao princípio da informalidade, tem-se a simplicida-

de. Apesar desta não estar prevista no artigo 62 da Lei n. 9.099/95, relativo aos princípios específi-

cos dos Juizados Especiais Criminais, verifica-se que a simplicidade consta de forma expressa do

artigo 2º da referida lei, que é aplicável tanto aos Juizados Especiais Cíveis, quanto aos Crimi-

nais202. Dessa forma, não há como se dizer que a simplicidade não integra os princípios informati-

vos dos Juizados Especiais Criminais.Pela adoção do princípio da simplicidade ou simplificação, pretende-se diminuir tanto quanto possível a massa dos materiais que são juntados aos autos do processo sem que se prejudique o resultado da prestação jurisdicional, reunindo apenas os essenciais num todo

196 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 68.

197 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 364.

198 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 36.

199 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 541.200 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

16.set.2009.201 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo

ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 17.

202 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

harmônico. Tem-se a tarefa de simplificar a aplicação do direito abstrato aos casos concre-tos, quer na quantidade, quer na qualidade dos meios empregados para a solução da lide, sem burocracia. Valora-se a liberdade do juiz na determinação das provas a serem produzi-das, bem como em sua apreciação, podendo valer-se dos indícios e presunções legais, cal-cando-se na razão e na ética para sanar possíveis imperfeições da lei, ou abrandar seu ri-gor203.

Sobre a simplicidade, ressalte-se que “é visível a preocupação com a ‘deformali-

zação’, na esteira do que vem ocorrendo em outros países, e, entre nós, com os Juizados de Peque-

nas Causas Civis já existentes”204. Então, tem-se que, com a aplicação do princípio da simplicidade,

o legislador “busca a finalidade do ato processual pela forma mais simples possível”205.O critério da simplicidade traduz bem a idéia de um processo avesso às dificuldades. É um processo singelo, destinado a julgar infrações menores, de pouca monta, e que não apresen-tam complexidades, como se observa pelo parágrafo único do art. 66 e §2º do art. 77 deste diploma. Às vezes a singeleza se confunde com a informalidade, ambas expressando que o processo no Juizado Especial deve ser despido de formalidade, um processo simples, sem a exigência de formas ou termos sacramentais206.

Isso porque “o Juizado Especial deve ser simples, sem aparato, franco, espontâ-

neo, a fim de deixar os interessados à vontade para exporem seus objetivos”207. Esse princípio é de

suma importância, pois de acordo com os objetivos traçados para os Juizados Especiais, quais se-

jam, a conciliação, a transação e a reparação dos danos sofridos pela vítima. Num ambiente infor-

mal, conforme citado acima, as partes sentem-se mais confortáveis para expor seus verdadeiros an-

seios, possibilitando a solução dos conflitos de forma muito mais eficaz do que com a tradicional

forma jurisdicional.

Por fim, resta analisar o princípio da economia processual, que “significa dizer

que todos os atos processuais devem ser praticados no maior número possível, no menor espaço de

tempo e da maneira menos onerosa”208. Dessa forma, os atos processuais devem ser concentrados e

realizados sem grandes espaços de tempo entre um e outro, buscando a celeridade na resposta esta-

tal, que é o princípio orientador dos Juizados Especiais Criminais, conforme já destacado.Pelo princípio da economia processual, entende-se que se deve escolher, entre duas alterna-tivas, a menos onerosa às partes e ao Estado. Procura-se sempre buscar o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo possível de atos processuais ou despachos de ordena-mento, desprezando-se os inúteis. Não significa isto que se suprimam atos previstos no rito procedimental estabelecido na lei, mas a possibilidade de se escolher a forma que causa menos encargos. Sendo evitada a repetição inconseqüente (sic) e inútil de atos procedimen-tais, a concentração de atos em uma mesma oportunidade é critério de economia proces-sual209.

203 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 35.

204 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 83.

205 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 43.206 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual.

São Paulo: Saraiva. 2002. p. 16-17.207 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e

criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 68.208 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 541.209 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 37.

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Nesse sentido, “todos os atos que puderem ser evitados, devem ser evitados. Não

se devem remarcar audiências desnecessariamente. Não se deve intimar as pessoas por oficial de

justiça, quando é possível intimá-las por carta, e assim por diante”210.

A economia processual é um dos maiores atrativos para garantir o acesso à Justiça

pela população, pois “a utilização de menor número de materiais, evitando o dispêndio com o ex-

cesso de formalismo e a concentração de atos em um só momento, representa uma economia para o

Erário Público (sic) e principalmente para as partes, que poderão ver seus problemas solucionados

sem a tão temida redução de seus patrimônios”211.

Mas há que se atentar para que a economia processual, não impeça o direito das

partes ao devido processo legal. O procedimento previsto pela Lei n. 9.099/95 é permeado pelos

princípios informativos aqui analisados, dentre eles o da economia processual. Assim sendo, sob

pena de ofender ao princípio geral do devido processo legal, a economia processual deve ser aplica-

da aos casos concretos apenas para suprir lacunas da lei, nunca para abreviar excessivamente o pro-

cesso, com violação aos direitos das partes.Assim, se o devido processo legal consiste no fato de alguém “não ser privado da vida, da liberdade ou propriedade sem a garantia que pressupõe a tramitação de um processo segun-do a forma estabelecida em lei”, no dizer de Couture (Fundamentos, p. 45), e se a forma es-tabelecida em lei para o processo das infrações de menor potencial ofensivo é a prevista no estatuto dos Juizados Especiais Criminais, obviamente está sendo observada a forma esta-belecida em lei212.

O mesmo se pode dizer da aplicação de quaisquer dos princípios orientadores dos

Juizados Especiais Criminais, pois, conforme exposto acima, apesar de constituir um microssistema

a parte, a eles ainda são aplicados os princípios gerais relativos a toda e qualquer forma de processo.

Uma vez destacados os princípios informativos estabelecidos pela Lei n. 9.099/95,

devem ser analisados os objetivos da Lei e a forma como esta logrou alcançá-los, que é o objeto do

próximo tópico deste trabalho.

2.2 Institutos Despenalizadores

São quatro os institutos despenalizadores criados pela Lei n. 9.099/95: a necessi-

dade de representação para as lesões corporais leves e lesões corporais culposas (artigo 88); a possi-

bilidade de conciliação entre as partes (artigos 72 e 74); a transação penal (artigo 76) e a suspensão

condicional do processo (artigo 89)213.

210 MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de conciliação. Curitiba: Juruá. 1999. p. 35.

211 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 19.

212 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 18.

213 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Todos os institutos despenalizadores visam à efetivação dos objetivos dos Juiza-

dos Especiais Criminais, que, conforme exposto acima, são a reparação dos danos sofridos pela víti-

ma e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

A reparação dos danos sofridos pela vítima é uma conquista que há muito tempo

vem sendo procurada por um dos ramos da criminologia, a vitimologia. Com esta previsão dentre os

objetivos a serem buscados pelos Juizados Especiais Criminais, se pretende trazer a vítima para

dentro do processo penal, alterando a ótica reinante no processo penal convencional, no qual, a par-

tir do momento que em que é proposta a ação penal pelo Ministério Público, a vítima passa a assu-

mir um papel secundário no processo, atuando apenas como testemunha.Dessa forma, podemos observar que foi dada grande importância à vítima pelo legislador processual penal, pois, até então, ela estava praticamente excluída das cogitações do julga-dor, quanto à solução da lide criminal. Hoje, há possibilidade de participação desse ato complexo como se fosse o juiz de seu próprio prejuízo, externando sua pretensão, reduzin-do-a no que for possível, aceitando parcelamento e até sugerindo condições para a atuação do procedimento penal previsto na Lei nº 9.099/95214.

Com efeito, pode-se afirmar que o objetivo fundamental da Lei 9.099/95 “é a tute-

la da vítima, mediante a reparação, sempre que possível, dos danos por ela sofridos”.215 Joel Dias e

Tourinho Neto, citando Garofalo, afirmam que “a coerção ao pagamento das somas estabelecidas

pelo juiz substituiria utilmente qualquer outro meio repressivo, uma vez que a execução fosse enér-

gica e não regulada pelas normas ordinárias do processo”216.

Dessa forma, mais do que punir o infrator, a reparação do dano sofrido pela vítima

busca reaproximar ambas as partes da infração penal, na pretensão de reconstruir o tecido social

rompido pela prática do delito.[...] o certo é que o legislador quis, na medida do possível (ad impossibilia nemo tenetur), resolver o problema da satisfação do dano, procurando, assim, nessas infrações de pequena monta, atender, de imediato, aos interesses particulares dos ofendidos, ou seja, a reparação dos prejuízos causados pela prática infracional, proporcionando, inclusive, vantagens ao au-tor do fato [...]217.

Passando ao próximo dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, tem-se que

a aplicação de penas não privativas de liberdade é uma meta que se contrapõe à tendência clássica

de afastar o criminoso da sociedade, por meio da segregação. Tal modelo de política penal repressi-

va se mostrou ineficiente através dos tempos, pois não atinge o principal objetivo da pena: a resso-

16.set.2009.214 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo

ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 19.

215 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 24.

216 GAROFALO, R. Criminologia, estudo sobre o delito e a repressão penal. Trad. Júlio de Mattos. São Paulo: Teixeira e Irmão. 1893. p. 254-255, apud FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 498.

217 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 36.

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

cialização do indivíduo. Pelo contrário, o que se verifica é que a segregação nos presídios afasta

cada vez mais o infrator da sociedade, oferecendo poucos meios para que o preso possa ser nova-

mente inserido na sociedade após o resgate da sua pena.

Assim sendo, considerando que os Juizados Especiais Criminais destinam-se às

infrações penais de menor potencial ofensivo, não há porque se buscar o cerceamento da liberdade

do acusado, posto que “a pena privativa de liberdade deve ser aplicada como última razão [ultima

ratio]”218.Sabidos os inconvenientes do cárcere, especialmente quanto aos autores de ilícitos menos graves, há uma nítida tendência na doutrina e nas legislações modernas no sentido de subs-tituir a pena privativa de liberdade por outras sanções, como a multa e as restrições de direi-tos219.

Dessa forma, os Juizados Especiais, mais uma vez, mostram-se em consonância

com as mais modernas tendências da criminologia, ao colocar entre seus objetivos a aplicação de

penas não privativas de liberdade. Dentre as formas de concretização desse objetivo, destaca-se a

transação penal, que impõe a aplicação imediata de multa ou penas restritivas de direitos para o au-

tor dos fatos220.

É para a satisfação desses objetivos que foram criados os institutos despenalizado-

res mencionados acima. E entende-se que a terminologia despenalizador é a mais adequada, deven-

do ser feita a distinção entre descriminalizador e despenalizador. O primeiro implica na alteração do

tipo penal especificado pela Lei, ou seja, altera o preceito primário da norma penal. Já o segundo,

afeta a pena a ser aplicada pela resposta estatal dada ao autor do fato, o chamado preceito secundá-

rio da norma penal.

Partindo dessa premissa, “evidente que não ocorreu uma descriminalização for-

mal, uma vez que os tipos penais sobre os quais incidem as disposições da Lei continuam com plena

vigência e suas penas podem ser aplicadas, ainda que as circunstâncias de sua aplicabilidade sejam

excepcionalíssimas”221.

Feita essa ressalva, tem-se que o primeiro dos institutos despenalizadores previs-

tos pela Lei n. 9.099/95 é também o mais simples, pois apenas prevê, conforme a redação do artigo

88 da Lei n. 9.099/95, que “dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões

corporais leves e lesões culposas”222.

218 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 490.

219 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 62.

220 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 24.

221 ABREU, Pedro Manoel; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados especiais cíveis e criminais: aspectos destacados. Florianópolis: Jurídica. 1996. p. 115.

222 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Essa previsão está em conformidade com os objetivos dos Juizados Especiais Cri-

minais, notadamente com a previsão de reparação dos danos sofridos pela vítima, pois, com a ne-

cessidade de representação, cabe à vítima decidir sobre a instauração da ação penal ou não.

Ressalte-se que o fato desse dispositivo integrar o rol de institutos despenalizado-

res dos Juizados Especiais Criminais não é unanimidade na doutrina. Os que são contra, defendem a

idéia de que a mudança é apenas uma “alternativa de política criminal do Estado para melhor equili-

brar os valores existentes entre a ação obrigatória do órgão acusatório e os interesses das vítimas de

lesões corporais leves e culposas”223.

Todavia, essa visão deve ser afastada, entendendo-se como correta a idéia de quea transformação da ação penal pública incondicionada em ação pública condicionada signi-fica despenalização. Sem retirar o caráter ilícito do fato, isto é, sem descriminalizar, passa o ordenamento jurídico a dificultar a aplicação da pena de prisão. De duas formas isso é pos-sível: a) transformando-se a ação pública em privada; b) ou transformando-se a ação públi-ca incondicionada em ação condicionada. Sob inspiração da mínima intervenção penal, uma dessas vias despenalizadoras (a segunda) foi acolhida pelo artigo 88 da Lei 9.099/95224.

Assim, feitas as considerações preliminares sobre os institutos despenalizadores,

passa-se a avaliar mais a fundo os demais institutos previstos pela Lei n. 9.099/95, quais sejam: a

conciliação, a transação penal e a suspensão condicional do processo.

2.2.1 Conciliação

Este instituto despenalizador está regulado nos artigos 72 e 74 da Lei n. 9.099/95,

e integra a chamada fase preliminar do procedimento dos Juizados Especiais Criminais, que tam-

bém abrange a transação penal. Os dispositivos legais supracitados tratam da conciliação da seguin-

te forma:Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

[...]

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz me-diante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competen-te.

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de quei-xa ou representação225.

A maior parte da doutrina entende que o Ministério Público não atua nessa fase,

“a não ser que o ofendido seja incapaz”226. Isso porque é à vítima que cabe decidir sobre os termos

223 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 407.

224 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 226.

225 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

226 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 553.

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

da conciliação, pois é do dano causado a esta que se busca a reparação. Nesse sentido, ensina Paulo

de Tarso Brandão:Nesta espécie de conciliação, compete à vítima, e somente a ela, analisar a oportunidade de composição dos danos ou a deflagração, na ação penal privada, ou autorização para que o Ministério Público assuma integralmente a sua função de titular da ação penal pública con-dicionada227.

Assim, em situação inédita na história penal brasileira, “permite-se ao Juiz Crimi-

nal tentar uma conciliação entre os envolvidos no fato infracional (autor do fato, responsável civil,

se for o caso, e vítima), quanto à satisfação do dano”228.

A possibilidade de conciliação entre a vítima e o autor do fato coaduna-se com o

objetivo dos Juizados Especiais Criminais da reparação dos danos sofridos pela vítima e também

com “os mais recentes estudos da Vitimologia e outras ciências penais, em que se condena o esque-

cimento da vítima do delito, desprotegida pelo ordenamento jurídico”229.E, como foi dito aos quatro ventos, deu-se à vítima dessas infrações mirins uma atenção até então inexistente: ela é intimada a comparecer ao Juizado para se manifestar sobre a possi-bilidade de uma “composição dos danos”. Pode recusar a proposta formulada pelo autor do fato, pode fazer contraproposta, pode acordar ou divergir da manifestação conciliatória do Juiz ou de quem esteja no seu lugar. Enfim, ela tem inteira liberdade para acordar ou discor-dar, aceitar, fazer contraproposta ou recusar o que lhe for proposto230.

Esse papel de destaque atribuído à vítima durante a conciliação é uma das maiores

conquistas da Lei n. 9.099/95. Isso porque, além de garantir a reparação do dano sofrido, o instituto

ainda “não só pode pôr fim à pretensão punitiva nos casos em que implica renúncia ao direito de

queixa ou representação, como é também um instrumento jurídico rápido para se alcançar a repara-

ção dos danos materiais causados pelo autor do fato”231.

Dessa forma, a conciliação atende a ambos os objetivos dos Juizados Especiais

Criminais, pois, além de garantir a reparação do dano, ainda possibilita que a única sanção aplicável

ao autor do fato seja civil. Além disso, aceita pela vítima, implica a efetivação do princípio da cele-

ridade, por poder resultar na extinção da punibilidade e na consequente extinção do processo.

E é exatamente por causa deste último aspecto que a conciliação deve ser conside-

rada um instituto despenalizador, “uma vez que, em determinados crimes, como os de ação penal

pública condicionada à representação, conduz à extinção da punibilidade (art. 74, parágrafo único,

desta Lei)”232.

227 ABREU, Pedro Manoel; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados especiais cíveis e criminais: aspectos destacados. Florianópolis: Jurídica. 1996. p. 124.

228 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 75.

229 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 109.

230 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 75.

231 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 110.

232 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 58.

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Portanto, tomando por base tudo o que já foi exposto acima, é correto concluir que

“a conciliação é um dos métodos mais racionais para a obtenção de um resultado justo e isso acon-

tece pelo fato de serem os próprios contendores os responsáveis pela solução do conflito, ou seja, as

partes excluem a necessidade de o Estado-Juiz impor uma decisão ex vi legis para compor a lide”233.

Mas exatamente por esse diferencial na forma de solução da lide penal a concilia-

ção deve ser encarada com cuidado por todos os envolvidos na sua condução.Derivam daí vários requisitos para correta condução das vias conciliativas: a necessidade de uma adequada mentalidade do conciliador (juiz ou leigo), que deverá buscar o acordo entre as partes para além da solução jurídica da controvérsia, agindo por eqüidade (sic) e não de acordo com o princípio estrito da legalidade; a conscientização de que pela conciliação se atinge seu fim maior, que é a pacificação social; o respeito às vontades das partes ou partí-cipes, limitando-se o mediador a aconselhar, pacificar e indicar as vantagens da conciliação, sem pressões de qualquer sorte234.

Conclui-se, assim, que a forma de atuação do conciliador é de suma importância

para a condução da audiência preliminar até a celebração de um acordo. Em primeiro lugar, o conci-

liador deve verificar se entre as partes há algum vínculo além da infração penal em questão. Caso

não haja, a atuação do conciliador deve voltar-se para a composição dos danos gerados. Se, por ou-

tro lado, houver outros vínculos que as partes precisem manter, o conciliador deve se esforçar para

resolver o problema de fundo que culminou na conduta delitiva235.

Para a primeira hipótese, conforme já referido, “a melhor solução gira em torno

dos danos que a infração causou, pois o ressarcimento de tais prejuízos acalma os ânimos da vítima

(que se sentiu lesada) e proporciona ao autor a possibilidade de se redimir”236.

Entretanto, o maior número de casos presentes nos Juizados Especiais Criminais

enquadra-se na segunda hipótese, pois “as infrações de menor potencial ofensivo, por serem de me-

nor reprovabilidade social, têm uma característica interessante: normalmente o problema de fundo é

de maior relevância para os envolvidos, que a própria infração”237.

Com efeito, o maior número de casos presentes nos Juizados Especiais Criminais

envolve pequenos desentendimentos entre vizinhos ou circunstâncias assemelhadas. Dessa forma,

antes de aceitar a conciliação, a vítima quer garantias de que o problema não volte a ocorrer, ao pas-

so que o autor do fato nem sempre aceita a culpa pela conduta que lhe é atribuída, por entender estar

no exercício de seu direito.

233 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 19-20.

234 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 128.

235 MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de conciliação. Curitiba: Juruá. 1999. p. 56.

236 MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de conciliação. Curitiba: Juruá. 1999. p. 57.

237 MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de conciliação. Curitiba: Juruá. 1999. p. 59.

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Com uma postura diferenciada dos envolvidos é possível esclarecer os problemas

que acarretaram na comunicação da infração penal e, assim, evitando julgar a conduta de cada uma

das partes, o conciliador pode ajudar a construir um acordo satisfatório para ambas as partes e que

resulte numa efetiva reparação do tecido social rompido com a conduta criminosa.

É nesse sentido que orienta a doutrina:Cabe ao juiz, nessa audiência, o relevante papel de mediador de conflitos, ao qual também deve aproximar-se com nova postura e mentalidade renovada. Sem prejulgar, deverá orien-tar os interessados pelos critérios da eqüidade, despindo-se de sua vocação legalitária, para fazer com que as partes se componham segundo critérios de Justiça e de pacificação so-cial238.

É de se destacar que “o acordo ideal é aquele que será cumprido pelas partes, pois

oriundo da vontade de ambos”239. Dessa forma, de nada adianta o conciliador impor um acordo às

partes, sob a “ameaça” de prosseguimento da ação, que poderia ser prejudicial para ambas as partes,

se, pouco tempo após a extinção do processo pela composição dos danos, as partes incidem nova-

mente na mesma norma penal que ocasionou a primeira audiência de conciliação.

Apesar de tudo o que já foi exposto até aqui, nem toda a doutrina comunga da opi-

nião de que a conciliação é um avanço no processo penal brasileiro, encarando-a como uma forma

de barganha entre as partes com base no direito de punir pertencente ao Estado:Tal situação [a conciliação] é, em nosso entendimento, um contra-senso, uma vez que o mo-nopólio punitivo é do Estado, motivo pelo qual ele não poderia barganhar com as partes (vítima e agressor), dizendo-lhes: “façam acordo civil que nada mais será exigido na esfera penal”. Para o ofendido, garante-se a indenização de maneira mais célere; para o agressor, obriga-se, igualmente, que chegue logo a um valor indenizatório para ver-se livre do pro-cesso criminal. Em suma, não vemos aspecto positivo na renúncia idealizada pelo art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95 e nenhum lado moderno ou avançado nesse induzimento estatal pela cessação breve do conflito240.

Discorda-se do argumento acima, pois, conforme exposto neste trabalho, não há

que se falar em “induzimento” à conciliação, mas apenas na criação de um ambiente que propicie o

diálogo entre as partes para que estas cheguem a um acordo que seja interessante a ambas. Da mes-

ma forma, não se verifica a “barganha” com o poder estatal mencionada pelo autor, pois a concilia-

ção somente implica a extinção da punibilidade nos crimes de ação penal privada ou pública condi-

cionada à representação, onde pertence à vítima o direito de deflagrar ou não a ação penal, confor-

me for de seu interesse. É nesse sentido que entende a maior parte da doutrina:É preciso distinguir: 1º) tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, a ho-mologação do acordo civil não impede o processo, que deve seguir seus trâmites, nos ter-mos dos arts. 75, 76, 77 e s. desta Lei; 2º) cuidando-se de crime de ação privativa do ofen-dido ou dependente de representação, a homologação do acordo extingue a punibilidade241.

238 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 134.

239 MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de conciliação. Curitiba: Juruá. 1999. p. 62.

240 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 383-384.

241 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 58.

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Destaque-se que a composição civil, nas ações penais públicas incondicionadas

“pode ser levada em consideração pelo Promotor de Justiça, como um dos critérios, tanto no exame

da conveniência de ser oferecida a transação penal quanto na escolha da pena a ser proposta”242.

Superadas as críticas feitas ao instituto da conciliação, passa-se a analisar as suas

conseqüências. Prevê o artigo 74, caput da Lei n. 9.099/95 que “a composição dos danos civis será

reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a

ser executado no juízo civil competente”243.

Da interpretação deste dispositivo, ressalta-se quea norma deixa claro que, mesmo que a transação (ou submissão) seja extrajudicial – como é o caso de ocorrer na audiência de conciliação, antes da instauração do processo civil –, ho-mologada que venha a ser por sentença, passa a ser título executivo judicial. E mais: que pode ela versar sobre questões mais amplas do que as postas em juízo244.

E, quando se questiona qual seria o juízo cível competente, há que se verificar

qual o valor da reparação acordada.Se o valor da causa não exceder a quarenta vezes o salário mínimo, a execução processar-se-á no próprio Juizado Especial Cível, na dicção do art. 3º, §1º, II, c/c o art. 52, ambos da Lei n. 9.099/95. Excedendo, no Juízo Cível competente, isto é, no Juízo do local do fato ou do domicílio do autor (art. 100, parágrafo único, c/c o art. 575, IV, ambos do CPC), nada impedindo que o seja no domicílio do réu245.

Por fim, verifica-se que a sentença homologatória da composição dos danos civis

é irrecorrível. Entretanto, esta ainda é atacável por meio de ação anulatória, embargos de declara-

ção246, ou até mesmo por mandado de segurança247.

Caso não seja obtida a conciliação entre as partes, dispõe o artigo 75 da Lei n.

9.099/95 que “será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de repre-

sentação verbal, que será reduzida a termo”248. Assim sendo, tão logo seja feita a representação, nos

casos de ação penal pública condicionada à representação, ou após a fase conciliatória, quando a

ação penal for pública incondicionada, será oferecida ao autor do fato a transação penal, objeto do

próximo tópico deste estudo.

242 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 41.

243 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

244 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 143.

245 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 89.

246 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 143.

247 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 41.

248 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

2.2.2 Transação Penal

A transação penal encontra-se regulada no artigo 76 e parágrafos da Lei n.

9.099/95. O seu conceito legal, como não poderia deixar de ser, está no caput do referido dispositi-

vo legal, da seguinte forma:Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicio-nada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação ime-diata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta249.

Pela leitura do artigo, pode-se perceber que a proposta de transação penal envolve

a aceitação, por parte do autor do fato, de cumprimento imediato de uma pena não privativa de li-

berdade, com o fim de evitar a deflagração do processo penal contra si. Assim, “o cumprimento da

proposta formulada pelo Ministério Público pelo autor dos fatos possibilita a extinção da pretensão

punitiva estatal”250. Cabe destacar que “o ofendido não tem qualquer interferência na tentativa de

transação penal”251.

Sem sombra de dúvida, a transação penal constitui um instituto despenalizador,

pois a despenalização “atua não só quando a pena deixa de ser aplicada, como no perdão judicial,

ocorrendo também quando da sua imposição é atenuada quanto à qualidade ou quantidade da san-

ção criminal”252. Dessa forma, o fato de ser imposta pena não privativa de liberdade não afasta a na-

tureza da transação penal como instituto despenalizador.A transação penal é o instituto legal trazido ao ordenamento jurídico pátrio através do artigo 76 da Lei nº 9.099/95 e atribui ao Ministério Público, titular exclusivo da Ação Penal Públi-ca, a possibilidade de dela dispor, desde que o autor dos fatos esteja suscetível de ser bene-ficiado com tal medida, e, principalmente, concorde com a aplicação de pena não privativa de liberdade, para obstar a formação de um processo penal com as suas ulteriores conse-qüências253.

Destacado o conceito de transação penal, cabe ressaltar que tal instituto só é possí-

vel de ser aplicado se o Ministério Público entender que não é caso de arquivamento do Termo Cir-

cunstanciado. Em tal hipótese, “é perfeitamente possível que, inexistindo justa causa para a ação pe-

nal, possa o Ministério Público deixar de propor transação e requerer ao juiz o arquivamento do ter-

mo circunstanciado”254, por ser tal atitude obviamente mais favorável ao autor do fato.

249 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

250 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 44.

251 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 165.

252 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 62.253 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo

ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 44.

254 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 386.

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Portanto, antes de qualquer coisa, deve o representante do Ministério Público, “se

o fato for atípico, ou se cuidar de infração de bagatela, por exemplo, requerer o arquivamento do

Termo Circunstanciado ou de outras peças que venham a substituí-lo, cabendo ao Juiz, se discordar

das razoes invocadas, aplicar a regra do art. 28 do CPP, remetendo os autos à Procuradoria-Geral de

Justiça”255.

A possibilidade de oferecimento da transação penal configura uma mitigação do

princípio da indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público, segundo o qual, se houver in-

dícios que permitam a deflagração da ação penal, não é faculdade do representante da instituição

fazê-lo, mas sua obrigação.

Dessa forma, a Lei n. 9.099/95 instituiu o chamado princípio da “discricionarie-

dade limitada, ou regrada, ou regulada”256, segundo o qual “o Ministério Público somente poderá

dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que haja concordância do autor da

infração e a homologação judicial”257.

Dessa forma, ao contrário do que ocorre em alguns exemplos do direito compara-

do “permite, o artigo 76 da Lei dos Juizados Especiais, não a plena disponibilidade da ação penal

pelo órgão do Ministério Público, mas sim a racionalização de tal princípio, resultando numa discri-

cionariedade regrada [...]”258. Com efeito, as figuras estrangeiras que mais se assemelham com o

princípio da discricionariedade regrada são o plea bargaining e o guilty plea.

No primeiro, o princípio da discricionariedade é levado às últimas conseqüências,

sendo que “o Ministério Público e a defesa podem transacionar amplamente sobre a conduta, fatos,

adequação típica e pena (acordo penal amplo), como, p. ex., concordar sobre o tipo penal, se sim-

ples ou qualificado [...]”259. Já no segundo, “o réu concorda com a imputação, com o julgamento

imediato sem a instrução criminal”260. Ambos os institutos tem origem no direito anglo-saxão.

A transação penal distingue-se dos institutos mencionados acima, “visto que o

Promotor de Justiça, na fase da transação penal, não discute a culpabilidade do autor dos fatos e,

tampouco, a lei permite o reconhecimento da culpa em tal momento procedimental, fato este que

permite a preservação do estado de inocência [...]”261.

255 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 94.

256 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 129.

257 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Criminologia e juizado especial criminal: modernização no processo penal, controle social. São Paulo: Atlas. 1997. p. 79.

258 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 45.

259 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 62.260 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 130.261 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo

ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito.

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Há, ainda, uma terceira figura presente no direito comparado, e esta se identifica

muito mais com o instituto da transação penal. Trata-se “do nolo contendere (não quero litigar),

pelo qual o interessado simplesmente prefere a via do consenso à do conflito”262.

Inclusive, é muito discutida a constitucionalidade da transação penal, sob o funda-

mento mesmo de que a aplicação imediata de pena não privativa de liberdade implicaria em viola-

ção aos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal.

Entretanto, não se verifica a procedência desses argumentos, especialmente pelo

teor dos §§ 4º e 6º do artigo 76 da Lei n. 9.099/95:§ 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz apli-cará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo regis-trada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

[...]

§ 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de ante-cedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos ci-vis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível263.

Da leitura do texto legal acima, observa-se que não há qualquer inconstitucionali-

dade na aplicação imediata de pena não privativa de liberdade através da proposta de transação pe-

nal, poisa aceitação da transação penal não envolve o reconhecimento de culpa. Por isso, esta forma de conciliação não induz em reincidência e nem pode ser considerada para efeito de antece-dentes, bem como não gera efeitos civis (artigo 76, §§ 4º e 6º). Exatamente por isso é que as medidas aplicáveis na fase de transação não possuem natureza penal264.

Dessa forma, o autor do fato, ao aceitar a proposta de transação penal, não abre

mão de seu direito à liberdade, pois em tal oportunidade só é possível a aplicação de pena restritiva

de direitos e multa, conforme determina o caput do artigo 76 da Lei n. 9.099/95, citado acima. En-

tão, tem-se que “as sanções previstas no art. 76 (pena restritiva de direitos e multa) não trazem, no

entanto, ‘sentido de reprovabilidade ético-jurídica e tampouco se assentam no reconhecimento da

culpabilidade do suposto autor do fato’, como salientam PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e

JORGE ASSAF MALULY”265. Ademais, “a aceitação da sanção penal imposta não implica em re-

conhecimento da culpabilidade penal [...]. O único efeito penal da transação é impedir novo benefí-

cio pelo prazo de cinco anos, o que também é razoável”266.Por outro lado, a aceitação da proposta de transação, pelo autuado (necessariamente assisti-do pelo defensor), longe de configurar afronta ao princípio do devido processo legal, repre-

Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 46.262 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 45.263 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

16.set.2009.264 ABREU, Pedro Manoel; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados especiais cíveis e criminais: aspectos destacados.

Florianópolis: Jurídica. 1996. p. 128.265 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e

criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 572.266 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 44.

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

senta técnica de defesa, a qual pode consubstanciar-se em diversas atividades defensivas: a) aguardar a acusação, para exercer oportunamente o direito de defesa, em contraditório, vi-sando à absolvição ou, de qualquer modo, a situação mais favorável do que a atingível pela transação penal; ou b) aceitar a proposta de imediata aplicação da pena, para evitar o pro-cesso e o risco de uma condenação, tudo em benefício do próprio exercício da ampla defe-sa267.

Da mesma forma, continua garantido ao autor do fato o seu direito à presunção de

inocência, uma vez que “o certo é que o estado de inocência não cede perante a transação penal, e

quem a aceita continua sendo considerado inocente, tanto quanto o acusado submetido a

processo”268.

Defendida a constitucionalidade do instituto, cumpre agora analisar o §2º do arti-

go 76 da Lei n. 9.099/95, que estabelece os impedimentos ao oferecimento da proposta de transação

penal. O referido dispositivo legal estabelece três impedimentos, sendo dois de natureza objetiva e

um de natureza subjetiva:§ 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberda-de, por sentença definitiva;

II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida269.

O primeiro impedimento, de ordem objetiva, decorre de o autor do fato ter sido

condenado anteriormente à pena privativa de liberdade pela prática de crime. “Neste caso, deverá

constar, nos autos do Termo Circunstanciado, a certidão de antecedentes criminais do mesmo – para

provar a impossibilidade do benefício – e deverá o órgão do Ministério Público agir consoante o ar-

tigo 77 da Lei (oferecer denúncia)”270.

Outro ponto que merece ser destacado no inciso I do §2º do artigo 76 da Lei n.

9.099/95 é que “a lei exige a condenação anterior por crime praticado, excetuando a contravenção

penal, bem como a aplicação de pena privativa de liberdade, excluídas as demais sanções penais,

por sentença transitada em julgado”271.

A necessidade de trânsito em julgado da sentença condenatória decorre do empre-

go do termo “culpado” por parte do legislador, conforme explica Tourinho Filho:Tivesse o legislador o propósito de vedar a transação àquele que fosse condenado pela prá-tica de crime à pena privativa de liberdade, pouco importando se a decisão condenatória

267 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 43.

268 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 45.

269 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

270 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 49.

271 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 46.

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

transitou ou não em julgado, não empregaria o termo “condenado”. Fazendo-o, como efeti-vamente o fez, quis aludir à sentença transitada em julgado, mesmo porque, repita-se, nin-guém pode ser condenado pela prática de crime à pena privativa de liberdade a não ser por uma sentença definitiva (rectius: por uma sentença de mérito). Ademais, a prática e os usos forenses empregam a expressão “sentença definitiva” no sentido de sentença transitada em julgado. Portanto, o acréscimo “por sentença definitiva” teve a manifesta intenção de não obstaculizar o benefício se o autor do fato, embora condenado à pena privativa de liberda-de, não o foi definitivamente272.

Como o inciso I citado acima não indica o prazo pelo qual a condenação anterior

impede a transação penal, existem muitas discussões na doutrina, havendo entendimentos de que a

condenação anterior, a qualquer tempo, impede o benefício da transação penal273. Entretanto, reputa-

se correta a seguinte interpretação:Cremos viável uma interpretação lógico-sistemática [...]. Se o autor do fato é reincidente em crime doloso, parece-nos razoável que não tenha direito à transação [...]. Por outro lado, se for reincidente em delito culposo, não vemos óbice a eventual transação [...]. Afastada a reincidência, pelo decurso de mais de cinco anos, conforme previsão feita no art. 64, I, do Código Penal, resta a análise da condenação como antecedente criminal. Para tanto, devem o promotor e o juiz conjugar a análise do inciso I ao inciso III deste parágrafo, que mencio-na expressamente o termo antecedentes274.

O segundo impedimento ao oferecimento da proposta de transação penal, que

também possui caráter objetivo, consiste no fato do autor do fato já ter sido beneficiado anterior-

mente pelo mesmo benefício, no prazo de cinco anos.

Conforme mencionado anteriormente, esta é a única consequência penal decorren-

te da aceitação da proposta de transação pelo autor dos fatos.

No inciso III estão previstas várias possibilidades de impedimento ao oferecimen-

to da proposta de transação penal, dentre eles, apenas um é de natureza objetiva: as circunstâncias

da infração praticada, pois “circunstâncias são elementos acidentais da infração penal, que não inte-

gram a estrutura do tipo, mas influem na avaliação do fato praticado [...]”275.

As demais previsões do inciso III são de ordem subjetiva, pois se referem à con-

duta do autor do fato, seja durante a prática da infração penal, seja anteriormente a ela. Dessa for-

ma, devem ser analisados caso a caso pelo órgão do Ministério Público, antes do oferecimento da

proposta de transação penal.

Na hipótese de ser aceita a transação penal pelo autor do fato, o acordo celebrado

entre este e o Ministério Público deverá ser homologado pelo juiz, numa decisão cujos efeitos não

são pacíficos na doutrina. Alguns entendem que a sentença homologatória da transação penal possui

natureza condenatória276, entretanto, tal entendimento não pode prosperar, pois “na sentença que

272 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 108.

273 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 47.

274 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 390.

275 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 46.

276 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo:

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

aplica a medida alternativa não há qualquer juízo condenatório, por faltar o exame dos elementos da

infração, da prova, da ilicitude ou da culpabilidade”277. Dessa forma, deve-se considerar que:A sentença tem cunho meramente declaratório. Declara a existência de conciliação entre aquele que seria o autor da ação e aquele que seria submetido a processo penal. Pode, é ver-dade, ter uma carga de eficácia constitutiva se eventualmente na transação ficar acordada a reparação dos danos. Esta carga de eficácia, no entanto, é subsidiária e tem efeito meramen-te civil278.

Por fim, há que se enfrentar o tema controverso das consequências do descumpri-

mento da transação penal por parte do autor do fato. Há quem entenda que a sanção penal aplicada

deva ser convertida em pena privativa de liberdade, nos moldes do artigo 181, §1º, alínea c, da Lei

n. 7.210/84279. Outros entendem que a pena deve ser executada, de acordo com as normas legais vi-

gentes280.

Há também o entendimento de que “impõe-se, uma vez descumprido o termo de

transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se

oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração do inquérito policial ou ofertar a

denúncia”281. E este posicionamento parece o mais adequado, até mesmo porque,havendo o descumprimento injustificado da pena homologada em sede de transação penal, deverá ser intimado o suposto autor dos fatos, na forma do artigo 67 da Lei nº 9.099/95 para que, em prazo razoável, cumpra o acordo.

Não ocorrendo o adimplemento e nem idônea justificativa, dever-se-á ter como revogados o acordo e o benefício, devendo os autos ser encaminhados ao órgão do Ministério Público para o prosseguimento do feito com oferecimento da denúncia (art. 77), dando início ao de-vido processo legal, pois somente desta forma é que poder-se-á aplicar a legislação penal com o máximo de garantias constitucionais e o mínimo de intervenção na liberdade ou pa-trimônio dos cidadãos.

Este é o procedimento preconizado nos Enunciados Criminais de nos 14 e 21, aprovados no IV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, realiza-do na cidade de Rio de Janeiro, nos dias 09, 10 e 11 de novembro de 1998 (Anexo I)282.

Não se ignora que tal procedimento enfrenta críticas no fato de quea transação homologada pelo juiz fez cessar, por acordo, o trâmite do procedimento, ainda na fase preliminar. A decisão é terminativa e meramente declaratória. Transitando em julga-do, não há como ser revista, para qualquer outra alternativa, como, por exemplo, permitir o oferecimento da denúncia ou queixa e prosseguimento do processo283.

Todavia, a fim de evitar a ocorrência de tal impedimento, deve ser condicionada a

homologação da transação penal ao cumprimento do acordado, de acordo com o que vem sendo fei-

Atlas. 1996. p. 53.277 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 167.278 ABREU, Pedro Manoel; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados especiais cíveis e criminais: aspectos destacados.

Florianópolis: Jurídica. 1996. p. 133.279 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 71.280 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 164-165.281 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 560.282 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo

ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 73.

283 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 389.

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

to em vários Juizados Especiais Criminais no Estado de Santa Catarina, como verificou o autor des-

te trabalho quando atuou perante o Juizado Especial Criminal do Fórum do Norte da Ilha da Comar-

ca da Capital de Santa Catarina, conforme destacado na Introdução.

Caso não seja aceita a proposta de transação penal pelo autor do fato, aplica-se o

artigo 77 da Lei n. 9.099/95: oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público284.

2.2.3 Suspensão Condicional do Processo

Depois de iniciado o processo penal, com o oferecimento e recebimento da denún-

cia, a Lei n. 9.099/95 ainda previu mais um instituto despenalizador: a suspensão condicional do

processo. Tal medida está prevista no artigo 89 da referida lei e a sua definição está no caput do ar-

tigo mencionado:Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abran-gidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo pro-cessado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)285.

De pronto, chama a atenção o fato do âmbito de aplicação da suspensão condicio-

nal do processo não se restringir aos Juizados Especiais Criminais, podendo ser proposta em todos

os crimes cuja pena mínima não ultrapasse um ano, independente da pena máxima cominada.

E esse alargamento no âmbito de incidência da suspensão condicional do processo

é visto como mais uma das aplicações práticas das teorias da criminologia moderna:A suspensão do processo, ou “sursis antecipado”, na apropriada denominação dada pelo Professor Weber Martins Batista a esse instituto, constitui uma das maiores novidades para o nosso sistema penal. A transação para as infrações de menor potencial ofensivo como resposta ao desafio específico da pequena criminalidade, aliada à suspensão condicional do processo, admissível não só para essas infrações como também para toda e qualquer outra cuja pena cominada em seu grau mínimo não supere um ano, traduzem-se em verdadeira revolução dentro do nosso processo, já afeito ao seu obsoletismo286.

Assim, tem-se que a suspensão condicional do processo consiste num “direito do

réu de ver o seu processo suspenso – desde que preenchidos os requisitos legais –, após o ofereci-

mento da denúncia”287. Por ser um direito do réu, da mesma forma que a transação penal, o poder

que o Ministério Público tem para oferecer a proposta de suspensão condicional do processo limita-

se à análise das circunstâncias necessárias para tal benefício. Uma vez verificadas tais condições, o

Promotor de Justiça deve oferecer proposta de suspensão condicional do processo.

284 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

285 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

286 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 161.

287 PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000. p. 44.

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Diferentemente da suspensão condicional da pena, prevista no artigo 77 do Códi-

go Penal, a suspensão condicional do processo implica na “paralisação do processo, com potencia-

lidade extintiva da punibilidade, caso todas as condições acordadas sejam cumpridas, durante de-

terminado período de prova”288. E é essa potencialidade de extinção da punibilidade que configura a

suspensão condicional do processo como “um instituto de despenalização: sem que haja exclusão

do caráter ilícito do fato, o legislador procura evitar a aplicação da pena”289.

Apesar de serem exigidos para a concessão da suspensão condicional do processo

os requisitos do artigo 77 do Código Penal, ela não se confunde com o instituto presente no referido

dispositivo legal:Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I - o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III - Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código.

§ 1º - A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício.

§ 2o A execução da pena privativa de liberdade, não superior a quatro anos, poderá ser sus-pensa, por quatro a seis anos, desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a suspensão290.

Isso porque um dos requisitos para a suspensão condicional da pena é a prolação

de sentença condenatória, enquanto que um dos objetivos da suspensão condicional do processo é

exatamente o de evitar a prolação de uma sentença condenatória. Aliás, por isso mesmo entende-se

que “a suspensão condicional do processo é um instituto mais benigno que o sursis”291.

Observa-se a aproximação da suspensão condicional do processo de determinadas

figuras do direito comparado, como, por exemplo, o plea bargaining e o guilty plea do direito an-

glo-saxão. Desta feita, as mesmas observações feitas quando da análise da transação penal (tópico

2.2.2 deste trabalho) devem ser consideradas.

O mesmo se diga quando da análise da constitucionalidade da suspensão condi-

cional do processo, uma vez que este instituto também decorre do princípio da discricionariedade

regrada da ação penal. Dessa forma, como não há assunção de culpa na suspensão condicional do

processo, não há que se falar em violação do devido processo legal e da presunção de inocência.

E isso se dá pelo fato de que “na suspensão condicional do processo o acusado

não é considerado culpado. De outro lado, não cumpre pena, senão condições”292. E também por-

288 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 253.

289 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 89.290 BRASIL. Código penal – Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <www.planalto.gov.br>.

Acesso em 16.set.2009.291 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 319.292 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

que, em caso de descumprimento das condições impostas para a suspensão do processo, o juiz a re-

vogará e, “transitada em julgado a decisão de revogação da suspensão condicional do processo, o

feito prosseguirá”293. Assim, não há nenhuma consequência danosa para o acusado.

Para que a suspensão condicional do processo seja homologada pelo juiz, é neces-

sário o atendimento de quatro pressupostos: que a proposta seja feita pelo Ministério Público, que

ela seja feita dentro dos limites da legalidade, que o acusado a aceite e que tenha havido o recebi-

mento da denúncia294.

Feitas as observações preliminares sobre a natureza da suspensão condicional do

processo, passa-se a analisar os requisitos a serem preenchidos pelo acusado para fazer jus a esse

benefício.

E tais requisitos estão dispostos no próprio caput do artigo 89 da Lei n. 9.099/95,

citado acima: que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro

crime e que preencha os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena, “que

são: a) que o condenado não seja reincidente em crime doloso; b) que a culpabilidade, os anteceden-

tes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem

a concessão do benefício”295.

Cabe destacar, assim como foi feito na transação penal (tópico 2.2.2 deste traba-

lho), que “não há impedimento à proposta se o acusado estiver sendo processado por mera contra-

venção, eis que a lei, tratando em seguida de condenação anterior, refere-se exclusivamente a crime

e não a essa infração menor”296. Assim, tanto o processo quanto a condenação por cometimento de

contravenção penal não impedem a suspensão condicional do processo.

Entretanto, verifica-se redundante a previsão de que o acusado não seja reinciden-

te em crime doloso. Ora, se o acusado, para obter a suspensão condicional do processo, não pode ter

sido condenado em qualquer tempo, com muito mais razão não poderia ser beneficiado pelo institu-

to de fosse reincidente em crime doloso.

O atendimento aos requisitos subjetivos baseia-se no fato de que, como a suspen-

são condicional do processo é uma “medida de ‘despenalização’, exige a lei que tais circunstâncias

indiquem a ausência de periculosidade do acusado e a presunção de que o ilícito praticado foi ape-

nas um incidente excepcional em sua vida”297.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 266.293 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 383.294 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo:

Atlas. 1996. p. 97-98.295 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 303.296 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 316.297 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 322.

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Assim, pode-se resumir em três os requisitos que o acusado precisa preencher

para poder ser beneficiado com a suspensão condicional do processo: não estar sendo processado

pela prática de crime; não ter sido condenado por outro crime e que a sua culpabilidade, os seus an-

tecedentes, a sua conduta social e a sua personalidade, bem como os motivos e as circunstâncias do

crime sejam favoráveis a ele.

Portanto, caso o acusado satisfaça todos os requisitos necessários e aceite a pro-

posta feita pelo Ministério Público, deverá cumprir as seguintes condições:§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:

I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;

II - proibição de freqüentar determinados lugares;

III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;

IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado298.

Primeiramente, destaca-se que “há de existir uma proporcionalidade entre o crime

praticado e as condições impostas. Uma condição mais dura não se coaduna com a prática de um

crime não tão grave que outros, apesar de todos serem de menor potencial ofensivo”299.

De pronto, verifica-se que há duas categorias de condições que podem ser impos-

tas ao acusado: as obrigatórias, dispostas no §1º supracitado, e as facultativas, cuja previsão geral

encontra-se no §2º do mesmo dispositivo legal.

Com relação à condição prevista no inciso I, observa-se que “em mais essa opor-

tunidade, a lei procura resguardar os interesses da vítima do crime, anteriormente não protegidos

adequadamente”300.

Entretanto, cabe ressaltar que a reparação dos danos sofridos pela vítima “não é

requisito para a concessão de suspensão condicional do processo, mas sim condição da extinção da

punibilidade. Vale dizer, não há falar, no que toca à suspensão condicional do processo, em repara-

ção dos danos antes do período de prova, ao qual o acusado será submetido”301. Dessa forma, “não é

necessário pagar os danos antecipadamente para se obter a suspensão. Ao longo do período de prova

é que deve ocorrer a reparação dos danos”302.

298 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16. set.2009.

299 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 750-751.

300 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 367.

301 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4. p. 571.302 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 352.

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Essa condição pode ser mitigada, pois há casos em que “o dano pode ser irreversí-

vel, não havendo como reconstituir o que foi destruído, danificado. Às vezes, também, o agente não

tem condições econômicas para proceder à reparação”303. Nesses casos específicos, pode o acusado

ser eximido da reparação do dano sofrido pela vítima.

A segunda condição obrigatória a ser imposta ao acusado consiste na proibição de

freqüentar determinados lugares e tem a intenção de “proibir que o acusado, ou querelado, freqüente

(sic) determinados lugares que propiciam a prática do crime, que estimulam sua prática”304.

Entretanto, a colocação de tal condição como obrigatória é tema de controvérsias,

pois o fim de evitar que o acusado frequente lugares que possam estimulá-lo a prática criminosa não

se justificaquando as circunstâncias do crime e as condições pessoais do agente não têm qualquer rela-ção com os locais freqüentados (sic) pela pessoa. É, portanto, uma restrição que se nos afi-gura inadequada, nessas hipóteses, e que deveria ficar reservada para os casos em que a ve-dação se mostrasse necessária ou conveniente para prevenir novos ilícitos305.

Feita essa ressalva, tem-se que a terceira condição que deve ser imposta ao acusa-

do é a de não se ausentar da comarca, salvo com autorização judicial. Essa condição tem a finalida-

de de possibilitar que “o juizado possa fiscalizar o procedimento do acusado ou querelado”306. As-

sim, como será mantida a proximidade entre o juiz que decretou a suspensão condicional do proces-

so e o acusado, aquele terá mais facilidade para verificar a conduta social deste durante o período de

prova.

Por fim, a Lei n. 9.099/95 impõe como condição obrigatória que o acusado com-

pareça mensalmente em juízo, para informar e justificar suas atividades. Nota-se que, assim como a

proibição de ausentar-se da comarca, esta condição tem o objetivo de “possibilitar ao juízo o cum-

primento das demais condições, legais ou judiciais, e impedir que o réu se furte ao processo em

caso de não obedecê-las”307.

Quanto à segunda classe de condições, as facultativas, observa-se que é atribuído

ao magistrado ampla liberdade para fixá-las. Entretanto, devem elas respeitar a proporcionalidade

mencionada acima e ser adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado. É de se ressaltar que

“embora a imposição de condições facultativas seja de competência do juiz, cabe ao Ministério Pú-

303 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 751.

304 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 751.

305 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 368.

306 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 751.

307 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 370.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

blico a proposta de sua aplicação, obedecendo sempre à compatibilidade entre elas e as circunstân-

cias objetivas e subjetivas do ilícito penal praticado pelo acusado”308.

Depois de fixadas e especificadas as condições que devem ser cumpridas pelo

acusado, este fica sujeito a período de prova, fixado entre 2 e 4 anos, segundo o caput do artigo 89

da Lei n. 9.099/95. Durante esse período, a suspensão condicional do processo pode ser revogada,

na forma dos §§ 3º e 4º do referido dispositivo legal:§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.

§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta309.

Assim como ocorre com as condições da suspensão condicional do processual,

são de dois tipos as causas de revogação do benefício: obrigatórias (§3º) e facultativas (§4º).

A primeira causa de revogação obrigatória da suspensão condicional do processo

é o acusado vir a ser processado por crime no curso do benefício. Pelo termo processado entende-se

que já tenha sido “iniciado o processo com o recebimento da denúncia ou da queixa, não bastando a

abertura de inquérito ou a lavratura do termo de ocorrência”310.

Há discussão na doutrina sobre a constitucionalidade desta causa de revogação do

benefício, sendo que os defensores da sua inconstitucionalidade argumentam nesse sentido:Enquanto o processo está em andamento, o acusado é presumido inocente. E quem é presu-mido inocente não pode ser tratado como condenado. Onde está escrito processado, portan-to, deve ser lido condenado irrecorrivelmente, isto é, revoga-se a suspensão do processo se o acusado vier a ser condenado irrecorrivelmente por outro crime. Não importa se essa con-denação tenha por objeto crime ocorrido antes ou depois da suspensão do processo311.

Entretanto, concorda-se com o entendimento de que a referida previsão é constitu-

cional. E isso porque “com a revogação da suspensão, não se declara o acusado culpado nem se im-

põe pena, mas se estabelece que, não cumprindo as condições impostas, deve o processo

prosseguir”312.

Com relação à reparação do dano sofrido pela vítima como causa de revogação do

benefício, volta-se a afirmar o que foi dito quando da análise do instituto como condição da conces-

são da suspensão condicional do processo. Cabe destacar que, “de acordo com o princípio do con-

traditório, exige-se, porém, para que se possa concretizar a revogação, que se dê oportunidade ao

acusado para tentar justificar a não-reparação do dano”313.

308 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 371.

309 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

310 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 757

311 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 359.

312 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002. p. 378.

313 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

No que toca às causas de revogação facultativa da suspensão condicional do pro-

cesso, tem-se que “o juiz conta com uma alternativa diante das causas facultativas. Pode revogar ou

não revogar a suspensão. Tem que analisar cada caso, a gravidade da falta, a postura do acusado

etc”314.

Com relação à existência de processo por contravenção penal, enquanto causa da

revogação facultativa do benefício, cabem as mesmas advertências feitas com relação à existência

de processo por crime, uma das causas de revogação obrigatória da suspensão, feitas acima.

Já a segunda causa de revogação facultativa decorre do descumprimento de quais-

quer das condições impostas quando da homologação da proposta de suspensão condicional do pro-

cesso. Há que se destacar que tal descumprimento deve ser injustificado para acarretar a revogação

do benefício.Deve-se, de acordo com o princípio do contraditório, ouvir o acusado, que poderá eventual-mente justificar a infração. Ainda que assim não proceda o réu, pode o juiz deixar de revo-gar a suspensão atendendo a prudentes critérios de política criminal. Deve o juiz agir com prudência, considerando que a infringência a essas condições nem sempre será grave o sufi-ciente para justificar a revogação315.

Em caso de revogação da suspensão condicional do processo, “o processo que es-

tava paralisado voltará a ter curso normalmente”316. Outra consequência da revogação é o retorno da

contagem do prazo prescricional que havia sido suspenso pelo disposto no §6º do artigo 89 da Lei n.

9.099/95: “Não correrá prescrição durante o prazo de suspensão do processo”317.

Findo o prazo da suspensão sem revogação, será declarada extinta a punibilidade

do acusado, conforme determina o §5º do artigo 89 da Lei n. 9.099/95.

Analisada a estrutura dos Juizados Especiais Criminais e de seus institutos despe-

nalizadores, resta ainda uma última etapa deste estudo: a verificação da natureza jurídica da compe-

tência dos Juizados e a sua harmonização com as regras de conexão e continência previstas no Có-

digo de Processo Penal. Esses serão os assuntos tratados no próximo capítulo.

Paulo: Altas. 2002. p. 380.314 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 361.315 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São

Paulo: Altas. 2002. p. 383.316 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed.

rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 363.317 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

16.set.2009.

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CAPÍTULO 03 A PRORROGAÇÃO DA COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS

CRIMINAIS EM FACE DA CONEXÃO E DA CONTINÊNCIA

3.1 A Competência dos Juizados Especiais Criminais

No último capítulo, quase nada foi dito sobre a competência dos Juizados Espe-

ciais Criminais, com o desiderato de tratar da matéria de forma mais detida, haja vista a sua impor-

tância para o presente estudo. Pois bem, depois de traçar as linhas gerais do funcionamento dos Jui-

zados e da sua regulação pela Lei n. 9.099/95, chegou o momento de analisar os limites de sua com-

petência, bem como a natureza jurídica desta.

3.1.1 O Artigo 98 da Constituição Federal

Conforme já afirmado, os Juizados Especiais, tanto cíveis quanto criminais, foram

previstos na Constituição Federal, no inciso I de seu artigo 98:Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, per-mitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau318;

Apenas para recapitular, a origem dos Juizados “decorreu da necessidade de incor-

poração de instrumentos jurídicos modernos, com vistas na desburocratização e simplificação da

Justiça Penal, propiciando solução rápida, mediante consenso das partes ou resposta penal célere

para as infrações penais de menor potencial ofensivo”319. Dessarte, a criação de tal instituto permite,

“mediante a simplificação da persecução penal e do julgamento das infrações de menor potencial

ofensivo, maior dedicação e, conseqüentemente (sic), melhores resultados na repressão dos crimes

mais graves”320.

Assim, da simples leitura do dispositivo em comento, percebe-se a delimitação

constitucional da competência dos Juizados Especiais Criminais: o julgamento e execução das infra-

ções penais de menor potencial ofensivo. Impende destacar, e tal conclusão adquire extrema rele-

vância quando se verificar a regulamentação infraconstitucional da competência dos Juizados, no

próximo tópico, que a Constituição Federal, em momento algum, levou em consideração a comple-

318 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

319 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 1406.

320 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 19.

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

xidade das causas penais para a delimitação da competência dos Juizados, fazendo-o apenas em re-

lação aos Juizados Especiais Cíveis.

Na seara criminal, de acordo com a regra trazida pela Constituição Federal, o que

importa é somente a natureza do crime, ou seja, que o delito em questão se enquadre no conceito de

infração penal de menor potencial ofensivo, cujos limites foram deixados à definição do legislador

infraconstitucional, para facilitar a mutação da definição de acordo com critérios de política crimi-

nal. Vê-se, portanto, que “a Constituição Federal criou uma competência em razão da matéria (in-

fração penal de menor potencial ofensivo)”321.

3.1.2 A Regulamentação pela Lei n. 9.099/95 e suas Alterações

Delimitando o conceito abstrato trazido pela Constituição Federal, a Lei n.

9.099/95, na sua redação originária, considerou infração penal de menor potencial ofensivo, no arti-

go 61, como “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a

um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial”322.

Tal definição, contudo, foi alterada, segundo a doutrina majoritária323, pela Lei n.

10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal. Referido di-

ploma legal, no seu artigo 2º, parágrafo único, considerava “infrações de menor potencial ofensivo,

para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou

multa”324.

Cumpre destacar que, embora tal posicionamento seja o majoritário, houve muita

discussão em torno da aplicação ou não do conceito trazido pela Lei n. 10.259/01 no âmbito esta-

dual.

Mas o critério utilizado nos dois diplomas legislativos é o mesmo. Dessarte,

“como se vê, os legisladores de 1995 e 2001 tomaram, em suas definições, a medida da pena máxi-

ma abstratamente cominada, para, dela extraindo a dimensão da gravidade da alegada infração pe-

nal, estabelecer quais seriam aquelas que se caracterizariam como de menor potencial ofensivo”325.

Por fim, em 8 de junho de 2006, foi editada a Lei n. 11.313, que alterou a redação

de ambos os dispositivos legais mencionados, unificando o conceito de infração penal de menor po-

321 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 364.

322 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

323 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2008. v. 4. p. 553-556.324 BRASIL. Lei Federal n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em

03.nov.2009.325 KARAM, Maria Lúcia. Anotações sobre aspectos penais e processuais penais das leis 9.099/95 e 10.259/01 – leis

dos juizados especiais criminais. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 10. n. 39. p. 149. jul./set. 2002.

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

tencial ofensivo como sendo “as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima

não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa”326.Infrações de menor potencial ofensivo: segundo o disposto no art. 61, são as contraven-ções penais (qualquer que seja a pena prevista em abstrato), bem como os crimes a que a lei comine pena máxima de até dois anos. Supera-se, finalmente, a discussão absurda, que se havia criado, na doutrina e na jurisprudência, entre o disposto no antigo artigo 61, conside-rando infração de menor potencial ofensivo a que tiver pena máxima de até um ano, e o art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/2001, que instituiu o Juizado Especial Criminal Federal, tratando a infração de menor potencial ofensivo como aquela que possui pena máxima de até dois anos. Está unificado o entendimento. É infração de menor potencial ofensivo a que possuir pena máxima, em abstrato, não superior a dois anos. Outra alteração significativa, para evitar debates estéreis: o que importa, para qualificar uma infração como sendo de me-nor potencial ofensivo é a pena privativa de liberdade, pouco importando se há multa cu-mulada ou não327.

Portanto, com a edição da Lei n. 11.313/06, não há mais discussão em torno do

conceito de infração penal de menor potencial ofensivo.

Todavia, o legislador infraconstitucional não se limitou a estabelecer a competên-

cia dos Juizados Especiais Criminais apenas com base no conceito de infração penal de menor po-

tencial ofensivo, estabelecendo critérios de modificação de competência de acordo com a complexi-

dade do feito.

É o que se nota nos artigos 66, parágrafo único, e 77, §2º, ambos da Lei n.

9.099/95:Art. 66. A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.

Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.

[…]

Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela au-sência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.

[…]

§ 2º Se a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denún-cia, o Ministério Público poderá requerer ao Juiz o encaminhamento das peças existentes, na forma do parágrafo único do art. 66 desta Lei.

Nota-se, portanto, que o legislador infraconstitucional extrapolou a atribuição

constitucional que lhe foi dada para delimitar a competência dos Juizados Especiais Criminais, con-

fundindo os campos criminal e cível, uma vez que a Constituição Federal apenas considera a com-

plexidade do feito como critério para a fixação da competência quanto ao último.

Em última análise, os dispositivos mencionados estão em desacordo com as regras

constitucionais referentes à competência dos Juizados Especiais Criminais, razão pela qual sua apli-

cação está prejudicada. Isso porque, apesar se poder considerar “que tais dispositivos se ajustam

326 BRASIL. Lei Federal n. 11.313, de 8 de junho de 2006. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

327 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 368.

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

perfeitamente aos critérios da celeridade, informalidade e economia processual propostos pelo legis-

lador (art. 62 [da Lei n. 9.099/95])”328, tal fundamento não é suficiente para afastar a garantia consti-

tucional do juiz natural.

Conforme já citado no segundo capítulo desta pesquisa, os Juizados Especiais Cri-

minais configuram um microssistema processual, que orbita junto ao sistema processual penal vi-

gente, sem, contudo, ser completamente isolado deste. Por isso, “os princípios especiais menciona-

dos não excluem os princípios gerais fundamentais, de ordem constitucional, que regem o processo

penal”329.Nestes termos, a invocação dos critérios assentados no art. 62 da Lei n. 9.099/95, tem fun-damento diante dos próprios objetivos almejados pela instituição do juizado especial: asse-gurar a todos o acesso à justiça, de modo ágil, informal e não oneroso. Todavia, não se pode, a pretexto de atendimento destes critérios, querer superar o princípio constitucional do juízo natural (art. 5º.,XXXVII), diante da competência absoluta do juizado especial, como fixada no art. 98, I, da Constituição, com declinação ao juízo comum.

Essa situação de ofensa ao princípio constitucional se verifica em ambas hipóteses descritas pelo legislador na Lei n. 9.099/95.

Primeiro quando, depois de superadas as etapas precedentes – tentativa de composição com a vítima, transação com o Ministério Público com aplicação imediata de pena e mesmo a suspensão do processo – e, na maioria das vezes não exatamente por tê-las oportunizado ao autor do fato, mas pelo seu não comparecimento em juízo, tiver que ser oferecida denúncia ou queixa e não se conseguir citar o acusado porque não encontrado, manda que se reme-tam os autos ao juízo comum (art. 66, parágrafo único). Depois, quando a complexidade ou a circunstância do caso não permitir a formulação da denúncia (art. 77, §2°) ou queixa (art. 77, §3°), também se adotará as providências do artigo 66, parágrafo único330.

Entretanto, como esse não é o foco deste estudo, deixa-se tal questão em aberto,

apenas como uma consequência lógica das conclusões obtidas com a pesquisa, permitindo o apro-

fundamento do tema em outro momento. Passa-se, agora, a observações sobre a natureza jurídica da

competência dos Juizados Especiais Criminais.

3.2 Natureza Jurídica da Competência dos Juizados Especiais

Criminais

Conforme já foi destacado no primeiro capítulo, um dos princípios basilares do

processo penal brasileiro é o do Juiz natural. Esse princípio possui uma dupla significação, de acor-

do com o estudado, pois, ao mesmo tempo em que veda a criação de juízo de exceção, determina

que apenas o juiz competente está apto para processar e julgar cada caso concreto.

328 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Conexão e continência e os juizados especiais criminais – a lei nº 11.313/2006. Revista IOB – direito penal e processual penal. São Paulo. ano VII. n. 41. p. 91. dez. 2006/jan. 2007.

329 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996. p. 26.

330 SILVA, Denival Francisco da. Da competência absoluta do juizado especial criminal para processamento e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Disponível em: <http://www.portalgepec.org.br/artigos.htm>. Acesso em: 03.nov.2009.

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

O princípio do juiz natural está explícito na Constituição Federal, no inciso LIII

do artigo 5º (“ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”331) e

seu principal objetivo, que justifica a sua proteção constitucional, “é evitar-se a manipulação políti-

ca da seleção do órgão julgador”332.O Direito brasileiro, adotando o juiz natural em suas duas vertentes fundamentais, a da ve-dação de tribunal de exceção e a do juiz cuja competência seja definida anteriormente à prática do fato, reconhece como juiz natural o órgão do Poder Judiciário cuja competência, previamente estabelecida, derive de fontes constitucionais. E a razão de tal exigência assen-ta-se na configuração do nosso modelo constitucional republicano, em que as funções do Poder Público e, particularmente, do Judiciário, têm distribuição extensa e minudente. Em inúmeras ordenações, sobretudo européias (sic), não se vai muito longe na definição dos ór-gãos da jurisdição. Normalmente, deixa-se para o legislador a fixação da competência juris-dicional. Ali, a garantia é a do juiz legal, isto é, conforme o definido em lei333.

Dessarte, diferente do que ocorre em outros ordenamentos jurídicos, a ordem

constitucional estabelecida em 1988 delimitou de forma bastante detalhada a competência dos ór-

gãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro. Assim, tendo em vista a posição de norma funda-

mental que a Constituição Federal ocupa ante os demais diplomas legislativos editados pelo Estado,

jamais a legislação infraconstitucional poderá prever regras de competência que conflitem com

aquelas estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil.

Isso porqueNem todas as regras sobre competência trazem acima do escopo comum de distribuir o exercício da jurisdição, procedendo a uma espécie de divisão de trabalho entre os diversos órgãos jurisdicionais, aquele traço traço garantidor destinado a traduzir e efetivar o princí-pio do juiz natural. O conteúdo básico do princípio do juiz natural, consistente no fato de que órgãos a quem se atribui o exercício de um poder do Estado só podem ser instituídos pela Lei Maior, determina a conclusão de que são as regras constitucionais sobre competên-cia as que contêm o valor de funcionar também com o escopo maior de, além de realizar a distribuição do exercício de jurisdição, legitimar esse exercício, traduzindo e efetivando a garantia da presença no processo do juiz natural. Não sendo este apenas o órgão jurisdicio-nal instituído pela Lei Maior, mas ainda o órgão pré-constituído, sem o que não estariam as-seguradas suas indispensáveis imparcialidade e neutralidade, torna-se necessário que regras com sede constitucional determinem um âmbito para o exercício da função jurisdicional de que são investidos aqueles órgãos334.

E, haja vista a necessidade de assegurar a “tradução e efetivação do juiz natural”,

as regras de competência determinadas pela Constituição Federal não podem ser prorrogadas, ou

seja, a competência disciplinada pela Constituição Federal é absoluta. A partir daí, passa-se a um

problema de causa e efeito, conforme se conclui do presente enxerto:A Constituição cuida de fixar apenas as competências ditas absolutas (de jurisdição, funcio-nal etc.), sem preocupar-se com a competência de foro, regulada em lei federal (CPP, p. ex.). Assim, é acertado dizer que a expressão autoridade competente, consignada no texto constitucional do mencionado art. 5º, LIII, deve ser lida como juiz constitucionalmente competente para processar e julgar (aquele cujo poder de julgar derive de fontes constitu-

331 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

332 CHOUKR, Fauzi Hassan. Tutela jurisdicional de direitos fundamentais e o juiz natural no processo penal: apontamentos sobre a EC/45. Revista de estudos criminais. Porto Alegre. ano V. n. 20. p. 112. out./dez. 2005.

333 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 28.334 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998.

p. 38-39.

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

cionais), de modo que não será juiz natural o constitucionalmente incompetente. A compe-tência de foro é matéria estranha à Constituição, regida exclusivamente pela lei processual federal335.

Não se conclui ao certo se a Constituição Federal delimita a competência em ra-

zão da matéria e da pessoa, por se tratar de critérios que implicam competência absoluta, ou se refe-

ridas regras são improrrogáveis por estarem previstas na Constituição Federal.

Entretanto, o certo é que a Constituição Federal determina regras gerais de com-

petência, ratione materiae e ratione personae, pois “entendeu por bem fixar a competência ora pelo

critério de especialização quanto à matéria, ora em atenção à relevância de determinadas funções

públicas”336, enquanto a legislação infraconstitucional delimita a competência constitucional, utili-

zando-se do critério territorial para tanto, conforme destacado no item 1.3 deste trabalho e em seus

subtópicos.

Mas, independente do motivo que determinou a fixação da competência, é eviden-

te que as leis infraconstitucionais “não têm força de criar, de forma isolada, competências em maté-

ria penal, mas quando muito reproduzir e operacionalizar o esquema competencial já esboçado em

normas de hierarquia superior”337, como é o caso da Constituição Federal.

Dito isso, cumpre destacar os efeitos processuais da inobservância das regras

constitucionais de competência:Naturalmente, a competência estabelecida em regras constitucionais é improrrogável, não comportando modificação de qualquer natureza, inexistindo qualquer dúvida que o exercí-cio da jurisdição sem adequação ao disposto naquelas regras acarreta a incompetência abso-luta do órgão ou grupo de órgãos jurisdicionais que assim atue.

Não é este, porém, o único nem o principal efeito da inobservância das regras constitucio-nais sobre competência. Mais do que a incompetência absoluta, com as conseqüências (sic) daí decorrentes, o exercício da jurisdição fora do âmbito previamente delimitado pela distri-buição de competências constitucionalmente estabelecida, por implicar em (sic) violação da garantia do juiz natural, e, portanto, em violação à fórmula do devido processo legal, irá trazer conseqüências (sic) mais graves repercutindo a inidoneidade dos atos realizados por juiz assim incompetente sobre todo o processo338.

Assim, imperativo concluir que a competência dos Juizados Especiais Criminais é

absoluta e improrrogável, pois prevista na Constituição Federal e delimitada em razão da matéria

tratada, ou seja, as infrações penais consideradas de menor potencial ofensivo. Ressalte-se que a ati-

vidade do legislador infraconstitucional limitava-se a definir esse conceito constitucional abstrato, o

que fez, conforme destacado, levando em consideração a pena máxima cominada em abstrato. Fora

disso, a competência já havia sido delimitada pela Constituição Federal: configurada infração penal

de menor potencial ofensivo, o julgamento e a execução devem ocorrer perante o Juizado Especial

Criminal.

335 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 11.336 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 28.337 ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. Decisão proferida por justiça incompetente: nulidade ou inexistência?

Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 15. n. 68. p. 191. set./out. 2007.338 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998.

p. 38-39.

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Por isso se afirmou anteriormente que as regras dos artigos 66, parágrafo único, e

77, §2º, ambos da Lei n. 9.099/95, devem ser tidas como inconstitucionais. Tais dispositivos, utili-

zando critérios não previstos no artigo 98 da Constituição da República Federativa do Brasil, preve-

em hipóteses de prorrogação de competência constitucionalmente fixada em razão da matéria e,

portanto, absoluta.

Dessarte, definida a natureza jurídica da competência dos Juizados Especiais Cri-

minais, cumpre verificar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais adotados em casos simila-

res de competência penal prevista pela Constituição Federal.

3.3 Outras Competências Constitucionalmente Previstas

Conforme destacado no item anterior, a Constituição Federal utiliza critérios ra-

tione materiae e ratione personae para fixar competências. Em matéria processual penal, existem

duas espécies de competência constitucionalmente prevista que se destacam: a do Tribunal do Júri e

o foro por prerrogativa de função. Cada uma delas será analisada separadamente a seguir.

3.3.1 O Tribunal do Júri

Tem-se que, “no Brasil, o Júri foi criado pela Lei de 28 de junho de 1922, para os

delitos de imprensa, constituído de 24 'juízes de fato'”339. Ocorre que,“atualmente, sua composição é

inteiramente diferente, o mesmo ocorrendo com a respectiva competência”340. Sobre a competência

do Tribunal do Júri, prevê a alínea d do inciso XXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal:XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegu-rados:

[…]

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida341.

Regulamentando tal dispositivo constitucional, o artigo 447 do Código de Proces-

so Penal, com a redação determinada pela Lei n. 11.689/08, determina: “O Tribunal do Júri é com-

posto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados

dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julga-

mento”342.

339 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva. 1997. p. 412.340 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 587.341 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em

03.nov.2009.342 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Dada a antiguidade do instituto, as suas regras de competência estão bastante cla-

ras, havendo regulamentação conforme a Constituição Federal pelo Código de Processo Penal, con-

forme destacado no primeiro capítulo deste trabalho.

Atualmente, haja vista a previsão constitucional transcrita, entende-se “que texto

constitucional menciona ser assegurada a competência para os delitos dolosos contra a vida e não

somente para eles”343. Assim, não há qualquer ofensa ao dispositivo constitucional o fato de o Tribu-

nal do Júri julgar crimes não dolosos contra a vida, permanecendo válida a regra do artigo 78, inciso

I, do Código de Processo Penal344, por exemplo. “O Tribunal do Júri, então, julga também outras in-

frações penais, tudo a depender de previsão legal expressa”345. Ademais, considerando que a compe-

tência do Tribunal do Júri “tornou-se mínima para os crimes dolosos contra a vida”346, nada impede

que a legislação infraconstitucional a amplie para outras espécies de crimes, desde que mantida a

competência constitucional.

O que não pode ocorrer é situação inversa, ou seja, o julgamento de crime doloso

contra a vida por outro órgão que não seja o Tribunal do Júri, a não ser nas exceções igualmente

previstas na Constituição Federal, conforme se verá adiante.Pense-se na hipótese de a Justiça Eleitoral, que tem competência para o julgamento dos cri-mes eleitorais e dos comuns que forem a ele conexos, nos termos do art. 121, da Constitui-ção Federal, combinado com o art. 35, II, do Código Eleitoral, viesse a julgar crime doloso contra a vida, da competência do Tribunal do Júri, por ser conexo ao crime eleitoral. Como se sabe, sendo as duas competências aqui retratadas de fundo constitucional, a partir do mesmo critério, em razão da matéria, obrigatória a disjunção do processo e do julgamento, razão pela qual, tendo havido julgamento pelo órgão incompetente constitucionalmente, po-derá o Tribunal do Júri, em nova apreciação do mérito, proferir decisão que venha a agravar a situação do acusado347.

Adotando esse entendimento, Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n. 721,

cuja redação prevê que “a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por

prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual”348. Fernando Capez

comenta tal posicionamento:Isso significa que a competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, estabelecida pela CF, em seu art. 5º, XXXVIII, d, prevalecerá sobre qualquer outra não prevista pela própria Constituição Federal. Se foi a CF quem fixou a competência especial e soberana do Júri popular, somente ela tem autoridade para excepcioná-la. Assim, se um deputado federal cometer crime doloso contra a vida, o seu julgamento não se desen-volverá perante o Júri, mas sim perante o STF. Se, no entanto, for um deputado estadual o autor de um homicídio doloso, como a competência especial do Tribunal de Justiça local foi

343 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 34.344 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em:

<www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.345 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 588.346 NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008. p. 44.347 MARQUES, Andreo Aleksandro Nobre. Conseqüências do desatendimento das normas constitucionais de

competência em matéria penal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 13. n. 56. p. 229. set./out. 2005.

348 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 721. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

determinada pela Constituição estadual, ela não poderá prevalecer sobre a do Júri. Sim, por-que não é dado às Constituições dos Estados-membros criar exceções aos juízos naturais fi-xados pela Carta Federal349.

Assim, corroborando o posicionamento exposto no tópico 3.2 deste capitulo, veri-

fica-se que a competência do Tribunal do Júri, por estar definida na Constituição Federal, não pode

ser diminuída por regras infraconstitucionais de competência, havendo, inclusive, entendimento su-

mulado do Supremo Tribunal Federal nesse sentido.

Ocorre que, partindo da mesma Súmula pode-se chegar à outra conclusão: a de

que as regras constitucionais sobre competência podem excepcionar-se umas às outras. Com efeito,

a Súmula n. 721 do Supremo Tribunal Federal afirma prevalecer a competência do Júri sobre o foro

por prerrogativa de função previsto na Constituição Estadual. Tal ressalva levar a crer que, se o foro

por prerrogativa de função estiver regulado também na Constituição Federal, prevalecerá perante a

competência do Tribunal do Júri. Seguindo esse entendimento, “se ambas as previsões de compe-

tência são estabelecidas na Constituição Federal, deve-se considerar especiais aqueles que dizem

respeito à prerrogativa de foro, em detrimento, pois, ao Tribunal do Júri”350.Inobstante a censura que se possa politicamente fazer ao entendimento e à opção do consti-tuinte, não se apresenta possível uma construção jurídica destinada a fazer aqui prevalecer o direito individual. O afastamento da competência do júri, nos casos em que devem incidir as regras que estabelecem a competência originária de órgãos jurisdicionais superiores em razão do cargo público ocupado pela parte a quem se atribui a prática de infração penal, re-sulta de opção do constituinte, que a deixou expressa ao não fazer qualquer ressalva, naque-las regras, quanto às infrações penais incluídas na competência privativa do júri351.

Portanto, é certo que, embora a competência prevista na Constituição Federal não

possa ser afastada por normas de natureza infraconstitucional, não há qualquer impedimento para a

sobreposição de uma regra de competência constitucionalmente prevista em detrimento de outra.

Atingida tal conclusão, passa-se ao estudo da competência por prerrogativa de

função, também regulamentada constitucionalmente.

3.3.2 O Foro por prerrogativa de Função

No tópico 1.3.6 deste trabalho, foi estabelecido o conceito de foro por prerrogati-

va de função como sendo o “poder que se concede a certos Órgãos Superiores da Jurisdição de pro-

cessarem e julgarem determinadas pessoas”352. Ressaltou-se também que, apesar de haver regulação

da matéria no Código de Processo Penal, está-se diante de um corolário do princípio constitucional

349 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 203.350 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista

dos Tribunais. 2005. p. 239.351 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998.

p. 99.352 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2. p.

135.

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

do juiz natural, de forma que as normativas constitucionais a respeito do tema sobrepõem-se aos

dispositivos infraconstitucionais.

Além disso, conforme demonstrado nos comentários à Súmula n. 721 do Supremo

Tribunal Federal feitos acima, o foro por prerrogativa de função possui caráter especial perante as

demais competências constitucionais, prevalecendo sobre elas. Isso porque, além de corolário do

princípio constitucional do juiz natural, o foro por prerrogativa de função também protege a digni-

dade de determinados cargos públicos, de forma a tutelar não apenas a imparcialidade do juízo, mas

também a independência entre os Poderes do Estado.

Prova disso é o resultado da discussão travada após a edição da Lei n. 10.628/02,

que alterou a redação do caput do artigo 84 do Código de Processo Penal e acrescentou-lhe dois pa-

rágrafos. A partir de então, o mencionado dispositivo regulou a matéria da seguinte forma:Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Su-perior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Esta-dos e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, será propos-ta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou au-toridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, ob-servado o disposto no §1º353.

A motivação dessa alteração legislativa decorreu da mudança de entendimento no

Supremo Tribunal Federal. Anteriormente, era aplicada a Súmula n. 394 daquela Corte, que previa:

“Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa

de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele

exercício”354.

Julgando não haver razão para a prevalência do foro por prerrogativa de função

após encerrado o exercício do cargo, o Supremo Tribunal Federal cancelou a Súmula n. 394 e editou

a de n. 451, afirmando que “A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao

crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional”355.

Assim, buscando reverter a situação ao entendimento adotado pela Súmula n. 394

e estender o foro por prerrogativa de função às ações por improbidade administrativa, que tratam de

353 BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

354 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 394. Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

355 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 451. A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

ilícitos de natureza civil356, o legislador editou a Lei n. 10.628/02. Instado a se manifestar sobre a

conformação desse diploma legal com a Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal julgou a

Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.797, na qual adotou o seguinte entendimento:[…] IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerro-gativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitá-rio (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano fe-deral, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. [...] 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal – salvo as hipóte-ses dos seus arts. 29, X e 96, III –, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária [...]357.

Assim, sedimentou-se o entendimento de que somente a Constituição Federal

pode estabelecer critérios de competência pela prerrogativa de função. “Isso porque, tratando-se de

restrição ao princípio da isonomia, o privilégio do foro especial só pode ser instituído mediante ex-

pressa previsão ou autorização de nossa Constituição”358.

Isso não quer dizer que a legislação ordinária não possa se referir à competência

por prerrogativa de função, mas apenas que, ao fazê-lo, deve respeitar as normas constitucionais, li-

mitando-se à operacionalizá-las. E não é o que ocorre na regulamentação trazida pelo Código de

Processo Penal. Nesse sentido:Mas, adiante-se: a matéria relativa à chamada competência por prerrogativa de função e competência em razão da matéria estão reguladas na Constituição da República, reservan-do-se à legislação ordinária a competência em razão do lugar (ratione loci). Assim, encon-tram-se totalmente revogados os dispositivos previstos nos arts. 86 e 87 do CPP359.

Entretanto, o próprio Supremo Tribunal Federal flexibilizou tal posicionamento na

edição da Súmula n. 704: “Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido pro-

cesso legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu (sic) ao foro por prerrogati-

va de função de um dos denunciados”360. Isso quer dizer que “a competência por prerrogativa de

356 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas. 2009. p. 810-812.357 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta da inconstitucionalidade n. 2.797. Requerente: Associação

Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. j. 15.09.2005. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%282797.NUME.%20OU%202797.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 03.nov.2009.

358 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 201.359 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 187.360 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do

devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

função abrange também as pessoas que não gozam de foro especial, sempre que houver concurso de

pessoas (arts. 77, I e 78, III [do Código de Processo Penal])”361.

Assim, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a competência constitucional-

mente prevista pela prerrogativa de função pode ser ampliada por critérios infraconstitucionais,

quais sejam, a conexão e a continência, indo de encontro ao decidido na Ação Direta de Inconstitu-

cionalidade n. 2.797, citada acima.

Criticando tal entendimento, tratando de hipótese de crime doloso contra a vida

em que apenas um dos autores possui foro por prerrogativa de função e levando em consideração

ambas conclusões que se pode retirar da já mencionada Súmula n. 721 do Supremo Tribunal Fede-

ral, Fernando Capez afirma:É também passível de críticas tal entendimento sumular, uma vez que a competência do Júri foi estabelecida constitucionalmente e não deveria ser afastada em razão de uma regra me-ramente processual, qual seja, a da reunião de processos pela conexão ou continência. As-sim, se um deputado estadual for, isoladamente, autor de crime doloso contra a vida, com-petente será o Tribunal do Júri, pois o seu foro especial não foi estabelecido pela Carta Magna Federal, mas somente pela Constituição local. Entretanto, se o crime foi praticado em concurso com um deputado federal, nesse caso a reunião dos processos se dará perante o Supremo Tribunal Federal, competente para julgar o parlamentar federal e, agora, em ra-zão da reunião de processos, também competente para o julgamento de deputado esta-dual362.

Dessarte, em que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal, não se afigu-

ra possível a prorrogação de competência constitucionalmente prevista, como é o caso do Tribunal

do Júri, pela simples aplicação das regras de conexão e continência, de origem infraconstitucional.

Corroborando tal posição, Maria Lúcia Karam argmenta:Necessária, assim, a partição da competência, em todos os casos em que, havendo causas conexas, as regras constitucionais atribuam a competência originária para o exame de umas e outras a órgãos jurisdicionais de diferentes graus, impondo-se para a determinação do juí-zo competente a consideração isolada daquelas causas, vedada, portanto, a reunião das ações, deixando aqui de incidir as regras infraconstitucionais que fazem a conexividade funcionar como fator determinante da competência, não estando, evidentemente, o legisla-dor ordinário autorizado a excepcionar ou ampliar regras constitucionais363.

Tal conclusão será melhor trabalhada no tópico seguinte, que tratará exclusiva-

mente da conexão e da continência diante da competência constitucional dos Juizados Especiais

Criminais.

3.4 A Competência dos Juizados Especiais Criminais em face da

Conexão e Continência

Conforme destacado no item 3.1.2 deste capítulo, a Lei n. 11.313/06 alterou a re-

dação do artigo 61 da Lei n. 9.099/95, visando a encerrar as discussões existentes acerca do concei-361 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005. p. 201.362 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 203.363 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998.

p. 70.

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

to de infração penal de menor potencial ofensivo. Entretanto, a alteração legislativa não se limitou a

tal desiderato, tratando também da hipótese de conexão e continência entre infrações penais de me-

nor potencial ofensivo e outra não abrangidas pela competência dos Juizados. Assim, referida Lei

alterou também a redação do artigo 60 da Lei n. 9.099/95:Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.

Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, de-correntes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.

Por meio de tal alteração legislativa, portanto, afastou-se a competência constitu-

cional dos Juizados Especiais Criminais nos casos de conexão e continência com as infrações co-

muns.

Tal entendimento já era defendido por alguns autores antes mesmo da edição da

Lei n. 9.099/95. Nesse sentido, Damásio Evangelista de Jesus afirmava que “a competência dos Jui-

zados Especiais Criminais não é privativa e exclusiva. Eles 'podem' julgar as infrações referidas no

art. 61”364. Na mesma linha de raciocínio, Julio Fabbrini Mirabete discorreu:Não podem ser apreciados pelo Juizado Especial os crimes de menor potencial ofensivo quando praticados em concurso com crimes que estão excluídos de tal competência. Impos-sibilitado o Juizado de apreciar o crime conexo, por incompetência absoluta, impõe-se a ex-clusão também da infração penal de menor potencial ofensivo, já que esta exige um proces-so e julgamento único, salvo quando se trata de separação obrigatória de processos, como no caso de concurso de crime da Justiça Ordinária e da Justiça Militar (art. 79, I, do Código de Processo Penal). Tratando-se de continência ou conexão, nas hipóteses de crimes co-muns, na ausência de norma específica sobre a hipótese dos Juizados Especiais, a compe-tência é determinada pelo Juízo competente para processar e julgar o crime mais grave, por analogia com o art. 78, II, do CPP365.

Tal entendimento era devido ao fato de que “a competência dos Juizados pode ser

modificada por razões as mais banais e corriqueiras. Por exemplo: por ausência de citação pessoal

(art. 66 [da Lei n. 9.099/95]); pela complexidade da prova a ser produzida (art. 77, §2º [da mesma

lei])”366.

Ocorre que, conforme já destacado no item 3.1.2, essa motivação não procede,

pois é facilmente demonstrável a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que a fundamentam.

Outra justificativa utilizada para defender a constitucionalidade da modificação de

competência dos Juizados em função da continência e da conexão tem como fundamento os “co-

mandos constitucionais referentes à Administração Pública (artigo 37 da Constituição Federal de

1988), cujo núcleo fundante privilegia a racionalidade, a economicidade e a eficiência do serviço

364 JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995. p. 39.365 MIRABETE, Julio Fabbrini. Competência dos juizados especiais criminais: infrações de menor potencial ofensivo.

Revista dos tribunais. São Paulo. ano 87. n. 748. p. 492. fev. 1998.366 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 239-240.

Page 86: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

público”367. Assim, a economia de recursos estatais no julgamento conjunto das causas justificaria a

prorrogação da competência.

Tal argumento não pode ser considerado suficiente para justificar o afastamento

da competência constitucional, pois não se pode permitir que ineficiência da máquina estatal impos-

sibilite a aplicação de regras constitucionais. Nesse sentido, a Constituição Federal indica um norte

a ser seguido, um objetivo a ser alcançado, de forma que a inadequação da realidade do Estado não

pode impedir que suas regras sejam observadas e irradiem todo o ordenamento jurídico.

Também defendendo a alteração legislativa, Luiz Flávio Gomes argumenta:Não quer a nova lei que se adote, em relação às infrações de menor potencial ofensivo, ou-tra política criminal distinta do consenso. Apesar da conexão ou da continência (entre a in-fração de menor potencial ofensivo e outra do juízo comum), em relação à primeira (menor potencial ofensivo) deve-se seguir a política do consenso (não a conflitiva)368.

Com efeito, segundo essa linha de pensamento, “o que deve ser exigido, enquanto

garantia individual do acusado, é aplicação dos institutos despenalizadores dos Juizados, ou em ou-

tras palavras, a oportunidade de atuação do processo consensual, quando se estiver diante de infra-

ção penal de menor potencialidade lesiva, nos termos da lei”369. Para essa corrente, o que importa é

a aplicação dos institutos despenalizadores, pouco importando o juízo perante o qual isso ocorrerá.

Além disso, essa corrente de pensamento harmoniza os dois modelos de justiça

criminal, ao afirmar que “primeiro, deve-se solucionar a fase do consenso (transação penal e com-

posição civil). Depois vem a fase conflitiva relacionada com a infração de maior gravidade. O pro-

cesso penal, nesse caso, passa a ser misto: é consensual e conflitivo. Consensual num primeiro mo-

mento e conflitivo após”370.

Todavia, esquecem os defensores dessa teoria que a Lei n. 9.099/95 “não se limi-

tou a criar um novo tipo de procedimento simplificado, trazendo, ao contrário, um conjunto de ino-

vações que envolvem desde aspectos filosóficos e estratégicos no tratamento de conflitos de interes-

ses, até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”371, conforme já afirmado no 2º capí-

tulo deste trabalho.

Os Juizados Especiais Criminais não pretendem ser apenas uma vara especializa-

da no julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, e nem é isso o que determina o

artigo 98 da Constituição Federal. Pretende tal instituto romper com o arcaico sistema punitivo vi-

367 CYRILLO, Rose Meire. A lei nº 11.313/2006 e a busca da eficiência e da racionalização da prestação jurisdicional. Revista dos juizados especiais criminais. Brasília. ano X. n. 21. p. 31. jul./dez.2006.

368 GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.313/2006 – novas alterações nos juizados criminais. Revista IOB – direito penal e processual penal. São Paulo. ano VII. n. 39. p. 37. ago./set. 2006.

369 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 620.370 GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.313/2006 – novas alterações nos juizados criminais. Revista IOB – direito penal e

processual penal. São Paulo. ano VII. n. 39. p. 37. ago./set. 2006.371 ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça

cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux. 2004. p. 208.

Page 87: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

gente até o momento na legislação processual penal nacional, que se mostrou ineficiente ao longo

do tempo.

De acordo com o defendido no 2º capítulo, os Juizados constituem um microssis-

tema próprio para os Juizados Especiais Criminais, com principiologia e objetivos particulares, or-

bitando junto ao sistema processual penal vigente.

Prova disso é o já citado artigo 2º da Lei n. 9.099/95, que estabelece os princípios

a serem observados nos Juizados: “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicida-

de, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação

ou a transação”372.

Além disso, já foi mencionado que não basta a simples oportunidade de composi-

ção civil ente o autor do fato e vítima, devendo o conciliador estar atento para eventuais problemas

de fundo existentes, que possam implicar a reiteração da conduta delituosa.Derivam daí vários requisitos para correta condução das vias conciliativas: a necessidade de uma adequada mentalidade do conciliador (juiz ou leigo), que deverá buscar o acordo entre as partes para além da solução jurídica da controvérsia, agindo por eqüidade (sic) e não de acordo com o princípio estrito da legalidade; a conscientização de que pela conciliação se atinge seu fim maior, que é a pacificação social; o respeito às vontades das partes ou partí-cipes, limitando-se o mediador a aconselhar, pacificar e indicar as vantagens da conciliação, sem pressões de qualquer sorte373.

E esse diferencial dos Juizados Especiais Criminais não pode ser harmonizado

com o procedimento existente no processo penal comum. Não é suficiente a mera aplicação dos ins-

titutos despenalizadores para satisfazer o comando do artigo 98 da Constituição Federal, sendo ne-

cessária toda uma infraestrutura voltada para a efetivação dos objetivos próprios da justiça do con-

senso.

Eugênio Pacelli de Oliveira defende esse corrente, afirmando que “não será o fato

de se estar ou não diante dos Juizados Especiais Criminais que irá determinar a aplicação dos insti-

tutos despenalizadores (ou descarceirizadores) previstos na Lei nº 9.099/95 e na Lei 10.259/01”374.

Todavia, esquece o autor que “o direito à cognição adequada da natureza da infração penal apurada

faz parte do conceito de devido processo legal, uma vez que o processo deve ostentar um procedi-

mento adequado à realização plena de todos aqueles valores e princípios enunciados

anteriormente”375. Assim, o réu, além do direito ao ser julgado pelo juiz natural constitucionalmente

previsto, tem direito a ser julgado de acordo com o procedimento previsto para tal juízo, de forma a

efetivar de forma plena seus direitos e garantias fundamentais.

372 BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

373 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 128.

374 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009. p. 241.375 MAGALHÃES GOMES, Mariângela Gama de. Devido processo legal e direito ao procedimento adequado. Revista

brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 13. n. 55. p. 299-300. jul./ago. 2005.

Page 88: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Portanto, é certo que “as regras infraconstitucionais que disciplinam a atribuição

da competência pela vinculação das causas, em nenhuma hipótese, podem se sobrepor às regras

constitucionais caracterizadoras do princípio do juiz natural”376. E, conforme tem sido mencionado

ao longo de todo este capítulo, “a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Es-

peciais Criminais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo”377.Completando este raciocínio, vale relembrar que a competência atribuída aos juizados espe-ciais é absoluta, seja em razão da matéria, seja, principalmente, porque tem amparo consti-tucional. Sendo assim, o ditame processual está incontestavelmente suplantado pelo texto da Constituição Federal, no que tange a incidência dos institutos da conexão e continência se, entre as condutas criminosas, existir alguma infração penal de menor potencial ofensi-vo378.

Seguindo esse entendimento, Guilherme de Souza Nucci afirma que “a competên-

cia do JECRIM advém da Constituição Federal (art. 98, I). Por isso, não há regra de conexão ou

continência, fixada por lei ordinária, capaz de alterar tal situação. Infrações penais de menor poten-

cial ofensivo devem ser julgadas pelo JECRIM”379. Dessarte, “não prevalece a regra do art. 79, ca-

put, que determina a unidade de processo e julgamento de infrações conexas, porque, no caso, a

competência dos Juizados Especiais é fixada na Constituição Federal (art. 98, I), não podendo ser

alterada por lei ordinária”380.Assim, embora jurisdição de idêntica categoria, não há falar-se em prorrogação de compe-tência do Juízo Comum para o processo e julgamento das infrações penais de menor poten-cial ofensivo conexas ou continentes, posto que (sic) tal implicaria no afastamento de com-petência constitucionalmente definida, o que, à evidência, não pode ser admitido.

Em outras palavras, se a própria Constituição Federal determina no art. 98, inc. I, que o Jui-zado Especial Criminal é competente para o processo e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, não pode a lei ordinária alterar o dispositivo constitucional. Nada impediria que a própria Constituição atribuísse tal competência a outro órgão da Justiça. Não, porém, lei infraconstitucional.

Sendo assim, por decorrência lógica, é defeso ao operador jurídico valer-se de interpretação que conduza ao mesmo fim, devendo, no caso, desprezar a regra do art. 78, inc. II, do Códi-go de Processo Penal, porquanto sua aplicação inegavelmente afronta o Texto Maior381.

Dessarte, contestados os argumentos que justificariam a constitucionalidade da

prorrogação de competência dos Juizados Especiais Criminais nos casos de conexão e continência,

não se encontra nenhuma justificativa que permita ignorar a tratativa constitucional dada à matéria.

376 KARAM, Maria Lúcia. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998. p. 67.

377 MOREIRA, Rômulo de Andrade. Conexão e continência e os juizados especiais criminais – a lei nº 11.313/2006. Revista IOB – direito penal e processual penal. São Paulo. ano VII. n. 41. p. 90. dez. 2006/jan. 2007.

378 SILVA, Denival Francisco da. Da competência absoluta do juizado especial criminal para processamento e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Disponível em: <http://www.portalgepec.org.br/artigos.htm>. Acesso em: 03.nov.2009.

379 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006. p. 367.

380 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 71.

381 DALABRIDA, Sidney Eloy. Conexão e continência na lei 9.099/95. Revista dos Tribunais. São Paulo. ano. 86. n. 743. p. 497. set. 1997.

Page 89: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Não se trata apenas de oportunizar ao acusado os benefícios dos institutos despe-

nalizadores, na medida que esses são somente instrumentos utilizados para alcançar os objetivos tra-

çados para os Juizados. Na verdade, se está diante de uma garantia do indivíduo de que todo o siste-

ma destinado ao processo e julgamento da infração de menor potencial ofensivo por ele praticada

será voltado para o consenso e a aplicação de penas não privativas de liberdade, bem como calcado

na celeridade, na oralidade, na informalidade e na economia processual.

Assim, diante de todas essas vantagens que o microssistema processual dos Juizados Especiais Cri-

minais traz para o acusado, não há como subtrair a sua competência por mera faci-

litação na produção da prova ou comodidade do Estado, sendo impossível a pror-

rogação de sua competência nos casos de conexão ou continência.

Page 90: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feitas todas as argumentações que se entendiam como relevantes para o entendi-

mento do tema, passa-se agora a resgatar os principais pontos levantados na presente pesquisa, para

que se possa apontar os aspectos trabalhados sob uma visão geral.

No primeiro capítulo, tratou-se do surgimento e da evolução histórica da noção de

jurisdição, enquanto forma de expressão do poder estatal e se pôde constatar que, até hoje, não há

um conceito unânime entre os doutrinadores acerca do que seria a função jurisdicional do Estado e

que cada um dos diferentes conceitos de jurisdição influi na definição dos demais institutos estuda-

dos pelo Direito Processual.

Verificou-se também que o direito de ação, por ser o instrumento posto à disposi-

ção do autor para provocar o exercício da jurisdição, é um dos mais trabalhados objetos da Ciência

Processual, o que não significa que haja maior consenso acerca de sua conceituação. Entretanto, é

praticamente unânime na atualidade que a ação é um direito autônomo em relação ao direito mate-

rial que se busca através do processo.

Menos diversos são os conceitos de processo e procedimento, que concretizam o

direito de ação e organizam o exercício da função jurisdicional do Estado.

Como forma de racionalizar a distribuição da jurisdição, foram criadas regras de

competência, que se dedicam a estabelecer qual, dentre os inúmeros órgãos estatais investidos da

função jurisdicional, será o competente para julgar determinado caso concreto. A competência, de

forma ampla, é dividida conforme três critérios: a matéria, a pessoa e o território. Desses, concluiu-

se que apenas a competência territorial é regulada pela legislação infraconstitucional, estando as de-

mais definidas na Constituição Federal, possuindo característica de competência absoluta e impror-

rogável.

Verificou-se que o Código de Processo Penal adotou como regra geral para a fixa-

ção da competência de acordo com o território o lugar da infração. Todavia, por não se tratar de re-

gra absoluta de competência, previu o referido diploma hipóteses de afastamento da regra geral, em

observância a situações especiais que visam a garantir a maior efetividade do processo. Dentre elas,

encontram-se a conexão e a continência, que não foram previstas pela Constituição Federal em mo-

mento algum.

Mudando o enfoque, o segundo capítulo tratou dos Juizados Especiais Criminais.

Num primeiro momento, analisou os princípios trazidos pela Lei n. 9.099/95, que os regulou: orali-

dade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Da mesma forma, foram veri-

ficados os objetivos traçados para os Juizados Especiais Criminais: a conciliação, a transação, a re-

paração dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Page 91: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

Depois de estabelecidas as premissas que regulam o micro-sistema dos Juizados,

foram analisados separadamente cada um dos institutos despenalizadores trazidos pela Lei n.

9.099/95: a necessidade de representação para as lesões corporais leves, a conciliação, a transação

penal e a suspensão condicional do processo. Em cada um deles, foi tratado o seu regulamento, o

procedimento pelo qual se deve conceder o instituto e os aspectos controversos na doutrina.

No terceiro capítulo, estabeleceu-se que, por ser delimitada em nível constitucio-

nal, a competência dos Juizados Especiais Criminais decorre da matéria e possui natureza absoluta,

não podendo ser afastada pela regulamentação infraconstitucional da matéria.

Estudou-se os posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários acerca de outras

espécies de competência trazidas pela Constituição Federal, notadamente o Tribunal do Júri e o

Foro por Prerrogativa de Função. Em ambos os casos, salvo posicionamentos específicos e isolados,

verificou-se que a previsão constitucional desses institutos faz com que se torne impossível o afasta-

mento da competência, nos moldes delimitados pela Constituição Federal. A tendência é permitir a

ampliação das suas competências, mas nunca diminuí-las.

Assim, é nítida a inconstitucionalidade da redação do artigo 60 da Lei n. 9.099/95

conforme determinada pela Lei n. 11.313/06. Conforme visto, a conexão e a continência são formas

de racionalização da competência territorial, com regulamentação exclusiva pela legislação infra-

constitucional. Assim, jamais poderiam afastar o julgamento das infrações penais de menor poten-

cial ofensivo pelos Juizados Especiais Criminais.

Page 92: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux. 2004.

ABREU, Pedro Manoel; BRANDÃO, Paulo de Tarso. Juizados especiais cíveis e criminais: aspec-tos destacados. Florianópolis: Jurídica. 1996.

ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios fundamentais do processo penal. São Paulo: Revista do Tribunais. 1973.

AMARAL, Agamenon Bento do. Mandado de segurança no juízo criminal: aplicações inclusive na Lei 9.099/95. Curitiba: Juruá. 1996.

ANDRADE E SILVA, Danielle Souza de. Decisão proferida por justiça incompetente: nulidade ou inexistência? Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 15. n. 68. p. 182-213. set./out. 2007.

BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. Rio de Janeiro: Forense. 2006.

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 4. ed. de acordo com as Leis n. 11.689/2008 e 11.719/2008. São Paulo: Saraiva. 2009.

BRASIL. Código de processo civil – Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

BRASIL. Código de processo penal – Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

BRASIL. Código penal – Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: <www.-planalto.gov.br>. Acesso em 23.abr.2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

BRASIL. Lei Federal n. 7.209, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 18.set.2009.

BRASIL. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 16.set.2009.

Page 93: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

BRASIL. Lei Federal n. 10.259, de 12 de julho de 2001. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Lei Federal n. 11.313, de 8 de junho de 2006. Disponível em: <www.planalto.gov.br>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta da inconstitucionalidade n. 2.797. Requerente: Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP. Requeridos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. j. 15.09.2005. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%282797.NUME.%20OU%202797.ACMS.%29&base=baseAcordaos>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 394. Cometido o crime durante o exercício funcio-nal, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício. Disponível em <http://www.stf.jus.br/por-tal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 451. A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional. Dispo-nível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural, da am-pla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 721. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constitui-ção Estadual. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurispruden-ciaSumula>. Acesso em 03.nov.2009.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 4.

______. Curso de processo penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2005.

CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil. Trad. Hiltomar Martins de Oliveira. São Paulo: Classic Book. 2000. v. 1.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Trad. Paolo Capitano. 2. ed. Cam-pinas: Bookseller. 2000. v. 2.

Page 94: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

CHOUKR, Fauzi Hassan. Tutela jurisdicional de direitos fundamentais e o juiz natural no processo penal: apontamentos sobre a EC/45. Revista de estudos criminais. Porto Alegre. ano V. n. 20. p. 109-116. out./dez. 2005.

CYRILLO, Rose Meire. A lei nº 11.313/2006 e a busca da eficiência e da racionalização da presta-ção jurisdicional. Revista dos juizados especiais criminais. Brasília. ano X. n. 21. p. 27-36. jul./dez. 2006.

COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2004.

DALABRIDA, Sidney Eloy. Conexão e continência na lei 9.099/95. Revista dos Tribunais. São Paulo. ano. 86. n. 743. p. 495-500. set. 1997.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas. 2009.

DIDIER JÚNIOR, Freddie. Curso de direito processual civil. 11. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podium. 2009. v. 1.

FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados especiais fede-rais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Editora dos Tribunais. 2002.

GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.313/2006 – novas alterações nos juizados criminais. Revista IOB – direito penal e processual penal. São Paulo. ano VII. n. 39. p. 36-42. ago./set. 2006.

GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva. 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099/95, de 26.09.1995. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense. 2003.

JESUS, Damásio Evangelista de. Código de processo penal anotado. 22. ed. atual. São Paulo: Sa-raiva. 2006.

______. Lei dos juizados especiais criminais anotada. São Paulo: Saraiva. 1995.

KARAM, Maria Lúcia. Anotações sobre aspectos penais e processuais penais das leis 9.099/95 e 10.259/01 – leis dos juizados especiais criminais. Revista brasileira de ciências criminais. São Pau-lo. ano 10. n. 39. p. 148-174. jul./set. 2002.

______. Competência no processo penal. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1998.

Page 95: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

MACEDO JUNIOR, Francisco Luiz; ANDRADE, Antonio Marcelo Rogoski. Manual de concilia-ção. Curitiba: Juruá. 1999.

MAGALHÃES GOMES, Mariângela Gama de. Devido processo legal e direito ao procedimento adequado. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 13. n. 55. p. 293-313. jul./ago. 2005.

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 1.

MARQUES, Andreo Aleksandro Nobre. Conseqüências do desatendimento das normas constitucio-nais de competência em matéria penal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo. ano 13. n. 56. p. 203-242. set./out. 2005.

MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. atual. Atualizado por Eduardo Reale Ferrari. Campinas: Millennium. 2000. v. 1.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no di-reito. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2005.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Competência dos juizados especiais criminais: infrações de menor po-tencial ofensivo. Revista dos tribunais. São Paulo. ano 87. n. 748. p. 489-493. fev. 1998.

______. Juizados especiais criminais: comentários, jurisprudência e legislação. 5. ed. São Paulo: Altas. 2002.

______. Processo penal. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas. 2005.

MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. Campinas: Bookseller. 1998. Atualizado por Vilson Ro-drigues Alves. v. 1.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

MOREIRA, Rômulo de Andrade. Conexão e continência e os juizados especiais criminais – a lei nº 11.313/2006. Revista IOB – direito penal e processual penal. São Paulo. ano VII. n. 41. p. 88-101. dez. 2006/jan. 2007.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005.

______. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006.

Page 96: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ DIOGO LUIZ DESCHAMPSsiaibib01.univali.br/pdf/Diogo Luiz Deschamps.pdf · trazidas pela Lei n. 11.313/06 com as regras da Constituição Federal. Para

______. Tribunal do júri. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 11. ed. Rio de Janeiro: 2009.

PAULO, Alexandre Ribas de. Conseqüências do descumprimento da proposta de transação penal oferecida pelo ministério público – artigo 76 da Lei nº 9.099/95. 95 f. Monografia (Graduação) – Curso de Graduação em Direito. Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. 2000.

PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da Lei nº 9.099/95. São Paulo: Atlas. 1996.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 7. ed. São Paulo: Atlas. 2003.

SILVA, Denival Francisco da. Da competência absoluta do juizado especial criminal para proces-samento e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Disponível em: <http://www.portalgepec.org.br/artigos.htm>. Acesso em: 03.nov.2009.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. v. 1.

SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Criminologia e juizado especial criminal: modernização no processo penal, controle social. São Paulo: Atlas. 1997.

TORNAGHI, Hélio. Compêndio de processo penal. Rio de Janeiro: José Konfino. 1967. v. 1.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários á lei dos juizados especiais criminais. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2002.

______. Processo penal. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 2.

WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. v. 1.