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UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA INSTITUTO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO WILL ROBSON MONTEIRO ROCHA MODELAGEM COMPUTACIONAL DO AMBIENTE CIRCUMESTELAR DE PROTOESTRELAS EMPREGANDO DADOS DE GELOS BOMBARDEADOS POR RAIOS CÓSMICOS SIMULADOS EM LABORATÓRIO São José dos Campos - SP Agosto/2015

UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA - univap.br · Heloisa Maria Boechat-Roberty) ... 2012 ± 2013 e à FAPESP (Processo: ... CÓDIGO NKABS E CATÁLOGO DE GELOS VIRGENS . 118 ANEXO 2

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  • UNIVERSIDADE DO VALE DO PARABA

    INSTITUTO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

    WILL ROBSON MONTEIRO ROCHA

    MODELAGEM COMPUTACIONAL DO AMBIENTE

    CIRCUMESTELAR DE PROTOESTRELAS

    EMPREGANDO DADOS DE GELOS

    BOMBARDEADOS POR RAIOS CSMICOS

    SIMULADOS EM LABORATRIO

    So Jos dos Campos - SP Agosto/2015

  • WILL ROBSON MONTEIRO ROCHA

    MODELAGEM COMPUTACIONAL DO AMBIENTE

    CIRCUMESTELAR DE PROTOESTRELAS

    EMPREGANDO DADOS DE GELOS

    BOMBARDEADOS POR RAIOS CSMICOS

    SIMULADOS EM LABORATRIO

    Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Fsica e Astronomia, como parte do processo de avaliao para a obteno do ttulo de Doutor em Fsica e Astronomia Orientadora: Prof. Dr. Sergio Pilling Guapyass de Oliveira

    So Jos dos Campos - SP Agosto/2015

  • FICHA CATALOGRFICA

  • UNIVERSIDADE DO VALE DO PARABA

    INSTITUTO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO

    MODELAGEM COMPUTACIONAL DO AMBIENTE CIRCUMESTELAR DE

    PROTOESTRELAS EMPREGANDO DADOS DE GELOS BOMBARDEADOS POR

    RAIOS CSMICOS SIMULADOS EM LABORATRIO

    WILL ROBSON MONTEIRO ROCHA

    Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Fsica e Astronomia, como parte do processo de avaliao para a obteno do ttulo de Doutor em Fsica e Astronomia.

    Aprovado em:

    Membros da Banca:

    Prof. Dr. Alx Cavalieri Carciofi ___________________________

    (IAG-USP)

    Prof. Dr. Heloisa Maria Boechat-Roberty) ___________________________

    (OV UFRJ)

    Prof. Dr. Jos Williams dos Santos Vilas Boas ___________________________

    (INPE)

    Prof. Dr. Diana Paula Pilling Andrade ___________________________

    (UNIVAP)

    Prof. Dr. Irapuan Rodrigues de Oliveira Filho ___________________________

    (UNIVAP)

    Prof. Dr. Arian Ojeda Gonzalez ___________________________

    (UNIVAP)

    Prof. Dr. Sergio Pilling Guapyass de Oliveira ___________________________

    (UNIVAP) - Orientador

    So Jos dos Campos - SP Agosto/2015

  • Deus toda honra e toda a glria!

  • AGRADECIMENTO

    Agradeo primeiramente a Deus por ter suprido todas s minhas necessidades fsicas,

    intelectuais e emocionais ao longo do desenvolvimento desta tese.

    Agradeo tambm a minha amada esposa Fernanda por ter ficado sempre ao meu lado,

    dando incentivos e conselhos nos momentos de dificuldade e de alegria.

    Quero lembrar e agradecer aos meus pais Raimundo e Hermenegilda e aos meus

    sogros (meus segundos pais) Rogrio e Helena, onde encontrei minha segunda casa e por

    terem me ajudado em momentos de dificuldade, tanto financeira quanto emocionalmente

    durante tanto tempo.

    Agradeo ao meu orientador e amigo, Dr. Sergio Pilling pelos inmeros conselhos

    dados e pela pacincia empregada durante minha orientao. Agradeo-lhe tambm pelos

    momentos alegres e perigosos durante as nossas viagens ao exterior, com as quais tive o

    privilgio de aprender sempre mais sobre a vida.

    Quero tambm agradecer aos meus colegas e professores do IP&D/UNIVAP pelas

    vrias ajudas com cdigos computacionais e discusses cientficas, que tanto me ajudaram a

    desenvolver profissionalmente, dentre eles, o Alexandre Jos (Mineirinho), Alexandre

    Bergantini, Victor Bonfim (Vito), Fredson e Marcelo. Lembro tambm do pessoal de IC,

    com quem temos trabalhado, Rodrigo Justen e Karla Faquine.

    Tambm agradeo de corao, Graziela Manucio, pela grande ajuda pelas passagens

    de nibus durante meu primeiro ano de doutorado, que muito me ajudou a desenvolver esta

    tese.

    Por ltimo, mas no menos importante, agradeo FVE pela bolsa de doutorado entre

    2012 2013 e FAPESP (Processo: DR 2013/07657-5) pela bolsa de doutorado entre 2013

    2015.

  • Palavras poderosas talvez prevaleam em outras reas da

    experincia humana, mas na cincia, as nicas coisas que contam

    so as evidncias e a lgica do argumento.

    Neil DeGrasse Tyson (1958 - )

  • RESUMO

    A distribuio espectral de energia de objetos estelares jovens, obtidos com telescpios

    espaciais no infravermelho, como o ISO (Infrared Space Observatory), tm mostrado

    vrias bandas de absoro associadas a molculas volteis condensadas sobre gros de

    poeira de material refratrio. A combinao de estudos observacionais e experimentais

    mostram que as principais composies dos volteis so H2O, CO, CO2, NH3 e CH4. No

    entanto gelos compostos por molculas mais complexas, tais como o CH3OH, H2CO,

    HCOOH, CH3CHO, NH4+ e OCN- tambm foram observadas, embora em abundncias

    menores que gelos mais simples. A presena de gelos complexos misturados a gelos

    simples em regies de formao estelar tem sido interpretada como uma evoluo

    qumica do gelo simples inicial, ocasionada pelo processamento trmico e energtico do

    campo de radiao estelar ou interestelar, tais como UV, raios-X e raios csmicos. Nesse

    trabalho, portanto, abordada a questo da evoluo qumica de gelos astrofsicos,

    induzida pelo bombardeamento de raios csmicos na fase inicial da formao estelar,

    onde os ventos estelares no modulam as partculas carregadas. Para desenvolver esse

    trabalho, a metodologia empregada divida em trs partes: (i) parte experimental, onde

    so obtidos dados de absorbncia de gelos virgens e bombardeados por raios csmicos

    simulados em laboratrio; (ii) parte computacional, quando so empregados os cdigos

    NKABS, para calcular os ndices de refrao complexos dos gelos a partir do dado

    experimental e RADMC-3D para calcular as opacidades de absoro, espalhamento e

    albedo dos gelos virgens e bombardeados. Ainda nessa parte, os dados calculados, foram

    usados em um modelo de protoestrela para modelar computacionalmente o espectro e as

    imagens observadas da protoestrela de baixa massa Elias 29. A correspondncia com o

    cenrio real ocorre na (iii) parte observacional, onde os observveis fsicos simulados so

    comparados com os dados observados. Entre os resultados encontrados, ficou mostrado

    que a evoluo qumica do ambiente circumestelar de protoestrelas no pode ser simulado

    ao ser adotado o cenrio em que os gelos no foram processados energeticamente. Alm

    disso, essa metodologia permite ser crtico quanto eficincia do processamento

    energtico de gelos simulados em laboratrio.

    Palavras-chave: gelos astrofsicos, astroqumica experimental, NKABS, RADMC-3D, Elias 29, raios csmicos

  • ABSTRACT

    The spectral energy distribution of young stellar objects, obtained with ISO telescope in

    the infrared, has shown several absorption bands associated to volatile condensed

    molecules onto dust grains. The combination of observational and experimental

    techniques shows the main composition of volatile molecules are H2O, CO, CO2, NH3 e

    CH4. However, astrophysical ices composed by complex molecules, such as CH3OH,

    H2CO, HCOOH, CH3CHO, NH4+ e OCN- also has been detected, nevertheless in

    abundance less than simple ices. The presence of complex ices together with simple one,

    in star-forming regions has been associated with the chemical evolution of the initial and

    simple ice, triggered by thermal and energetic processing by stellar- or interstellar

    radiation field, such as UV, X-rays and cosmic rays. In this thesis, it is addressed the

    question of chemical evolution of the ices, triggered by bombardment of cosmic rays in

    the young stellar objects in initial phase, where the stellar winds cannot deflect the

    charged particles. To develop this idea, it was employed a methodology divided in three

    parts: (i) experimental part, where are obtained absorbance data of unprocessed and

    processed ices by cosmic rays simulated in laboratory; (ii) computational part, when are

    employed the NKABS code to calculate the complex refractive indices of ices from a

    experimental data and RADMC-3D to calculate the absorption and scattering opacities, as

    well as the albedo of unprocessed and processed ices. In the computational part, the

    opacities are employed into RADMC-3D to model the spectrum and images of low-mass

    protostar Elias 29. The comparison with real scenario takes plays in the (iii) observational

    part, where the spectrum and images are compared with the observed data obtained with

    telescopes. Among the main results, it is clear that chemical evolution of circumstellar

    environment of protostars cannot be simulated adopting the hypothetical scenario in

    which the ices remains unprocessed. In addition, such methodology allows understand is

    the processing of astrophysical ices in the laboratory corresponds to real scenario in the

    interstellar medium.

    Keywords: astrophysical ices, experimental astrochemistry, NKABS, RADMC-3D, Elias 29, cosmic

    rays.

  • SUMRIO

    INTRODUO - ........................................................................................................ 13

    CAPTULO 1 - A FSICO-QUIMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE

    BAIXA MASSA ......................................................................................................... 17

    1.1 Formao de estrelas de baixa massa ........................................................................ 17

    1.1.1 Observao de gelos em torno de estrelas jovens ..................................................... 21

    1.1.2 A qumica em discos e envelopes protoestelares ...................................................... 24

    1.2 Processos fsico-qumicos ........................................................................................ 27

    1.2.1 O campo de radiao ionizante .............................................................................. 28

    1.2.2 A qumica na fase gasosa ...................................................................................... 34

    1.2.2 A qumica na superfcie dos gros de poeira interestelar ........................................... 38

    CAPTULO 2 - METODOLOGIAS ADOTADAS ....................................................... 44

    2.1 Panorama das metodologias adotadas ....................................................................... 44

    2.2 Metodologia experimental tpica .............................................................................. 46

    2.2.1 Vibraes moleculares e espectroscopia no IR ........................................................ 49

    2.2.2 Conjunto de dados experimentais .......................................................................... 51

    2.3 Metodologia computacional ..................................................................................... 56

    2.3.1 Clculo do ndice de refrao complexo e o cdigo NKABS .................................... 57

    2.3.2 Clculo das opacidades dos gelos e transferncia radiativa usando o cdigo RADMC-3D

    .................................................................................................................................. 65

    2.4 Metodologia observacional ...................................................................................... 69

    2.4.1 Distribuio espectral de energia de Elias 29 .......................................................... 70

    2.4.2 Imagens no infravermelho .................................................................................... 70

    CAPTULO 3 - PROPRIEDADES PTICAS NO INFRAVERMELHO DOS GELOS

    VIRGENS E BOMBARDEADOS .............................................................................. 72

    3.1 ndice de refrao complexo de gelos virgens ............................................................ 72

    3.2 Dados dos gelos bombardeados ................................................................................ 77

    3.2.1 ndice de refrao complexo ................................................................................. 77

  • 3.2.2 Opacidades dos gelos bombardeados ..................................................................... 80

    As Figuras 30 e 31 apresentam as opacidades de espalhamento dos gelos bombardeados.

    possvel perceber que as variaes devido ao processamento energtico so irrelevantes, com

    exceo do painel f (H2O:HCOOH) que apresentou um comportamento diferente em todos os

    parmetros calculados. ................................................................................................. 82

    3.3.3 Albedos dos gelos bombardeados .......................................................................... 83

    3.3.4 Modelo de opacidade de gros de poeira tpicos cobertos por mantos de gelo

    processados ................................................................................................................. 86

    CAPTULO 4 - MODELAGEM DA PROTOESTRELA ELIAS 29 UTILIZANDO

    DADOS DE GELOS PROCESSADOS EM LABORATRIO ................................... 90

    4.1 Classificao espectral de Elias 29 ........................................................................... 90

    4.2 Apresentao do modelo e identificao de Elias 29 ................................................... 92

    4.3 Parmetros da modelagem computacional empregados no cdigo RADMC-3D para a

    protoestrela Elias 29 ..................................................................................................... 94

    4.3.1 Geometria do disco e do envelope ......................................................................... 97

    4.3.2 Distribuio espectral de energia ........................................................................... 99

    4.3.3 Modelo para tamanho de gros diferentes ............................................................. 106

    4.3.4 Abundncias das espcies qumicas ..................................................................... 107

    4.3.5 Perfis de densidade e temperatura ........................................................................ 109

    4.3.6 Imagens no infravermelho .................................................................................. 111

    CONCLUSES - ..................................................................................................... 114

    ANEXO 1 - ARTIGO 1: CDIGO NKABS E CATLOGO DE GELOS VIRGENS . 118

    ANEXO 2 - ARTIGO 2: MODELAGEM COMPUTACIONAL DE ELIAS 29............ 130

    REFERNCIAS - .................................................................................................... 150

  • Introduo

    CAPTULO 1 -

    Everything is theoretically impossible, until it is done Robert A. Heinlein

    O estudo das origens e distribuio de molculas em regies de formao estelar,

    principalmente em objetos estelares jovens (protoestrelas) tem sido desenvolvido ao longo das

    ultimas dcadas partir de mtodos observacionais e experimentais. Os dados observacionais

    no infravermelho, obtidos por telescpios espaciais e terrestres tm mostrado que molculas

    condensadas (a partir de agora sero chamadas de gelos astrofsicos) esto presentes em torno

    de estrelas em formao. Por outro lado, os experimentos simulando a existncia dessas

    molculas no meio interestelar, procuram entender como que tais espcies so formadas e

    destrudas divido s condies de densidade, temperatura e campo de radiao ao seu redor.

    Ao agregar essas duas metodologias de estudo, a concluso que se chega de que a evoluo

    fsica dos objetos estelares jovens est intimamente ligada com a evoluo qumica das

    molculas em seu ambiente de formao como mostram os trabalhos de Boogert, et al., (2000,

    2002, 2008), Pontoppidan, et al., (2008), berg, et al., (2008), Rocha, et al., (2015). Em

    outras palavras, isto significa que as mudanas fsicas induzidas pela formao do objeto

    estelar, induzem mudanas qumicas no ambiente ao seu redor.

    Antes de seguir com a discusso de gelos em torno de protoestrelas, justo voltar na

    histria, e dar os crditos para quem primeiro conjecturou e documentou a possibilidade da

    presena de molculas fora da Terra. A histria comea com a descoberta de tomos de clcio

    ionizado (CaII ou Ca+) na binria Orionis, em 1904, por Hartmann, (1904). Este tipo de

    observao marcou o incio da busca por entender a composio da matria interestelar. Em

  • INTRODUO 14

    1937, um ato de grande imaginao de Sir A. S. Eddington, foi publicado no peridico The

    Observatory, conjecturando sobre a possibilidade de gelo de gua no meio interestelar

    (Eddington, 1937). No final do seu artigo, Eddington mostra suas razes para imaginar tal

    gelo no meio interestelar:

    ... a considerable part of the cloud is now in molecular form. Then comes the further question whether the

    molecules will agregate together. This involves question of vapour pressure at low temperature. In view of the

    high boiling-point of water compared with other likely compounds, is it not likely that this would precipitate the

    most freely? Atoms of iron and other elements would adhere to the ice-crystals and be dissolved by them; and we

    might conjecture that, on approaching the Sun, the water evaporates leaving a residue to enter our atmosphere

    as a meteor. Perhaps my inclination to a `water theory is influenced by the feeling that, inasmuch as the gas

    responsible for the mysterious light of the nebulae has turned out to be just common air, it is fitting that the

    mysterious dark obscuring masses in the Galaxy should turn out to be just common clouds Eddington, (1937).

    Embora os mecanismos de formao de gelo de gua no meio interestelar no sejam

    exatamente aqueles imaginados por Eddington, seu pensamento foi de grande valor, e

    demonstrou sua grande capacidade de projeo do futuro da astronomia. No entanto, a

    primeira molcula detectada no meio interestelar no foi a gua, mas as espcies CN, CH e

    NaH, na fase gasosa, como mostrado no trabalho de McKellar, (1940). A deteco da gua

    ocorreu apenas em 1973, registrada no trabalho de Gillett, et al., (1973), ao identificar a sua

    absoro em 3 m na nebulosa de rion.

    Esta tese tem como objetivo principal discutir a qumica induzida por raios csmicos

    em gelos astrofsicos do meio interestelar e regies de formao estelar. Para isso, este

    trabalho apresenta (i) dados experimentais no infravermelho de gelos bombardeados por raios

    csmicos simulados em laboratrio, (ii) o clculo do ndice de refrao complexo dos

    respectivos gelos, obtidos atravs de um cdigo computacional desenvolvido neste trabalho,

    alm das suas opacidades, bem como (iii) a comparao da modelagem computacional do

    ambiente circumestelar de protoestrelas de baixa massa e dados observacionais no

    infravermelho obtidos por telescpios. Esta metodologia de agregar dados experimentais de

    gelos bombardeados cdigos computacionais de transferncia radiativa para reproduzir as

    observaes de astronomia est sendo, pela primeira vez apresentada em um trabalho de tese

    de doutorado. Um estudo similar foi apresentado no trabalho de Pontoppidan, et al., (2005),

    no entanto, os autores usaram dados obtidos de Ossenkopf, et al., (1994) agregados a dados de

  • INTRODUO 15

    gelos que no passaram por evoluo qumica, e, portanto, um cenrio no realista para

    regies de formao estelar.

    Alm da metodologia adotada por esta tese para justificar a evoluo qumica dos

    gelos astrofsicos com base em modelagem computacional e experimentos de laboratrio, este

    trabalho prope abrir uma discusso sobre a relevncia dos dados de opacidade de Ossenkopf,

    et al., 1994 no cenrio atual de dados observacionais de grande poder de resoluo. Os dados

    de Ossenkopf, et al., 1994 mostram como variam as opacidades de gros de poeira de silicatos

    e carbono cobertos por mantos de H2O. Seu trabalho tm sido de grande importncia para a

    astrofsica levando a concluses importantes sobre o papel da poeira e dos gelos no meio

    interestelar. Entretanto, seus dados no so capazes de reproduzir as absores espectrais

    devido a qumica dos gelos induzidas por radiao ionizante e raios csmicos, como mostra o

    trabalho de Pontoppidan, et al., 2005, o qual representa um cenrio mais realstico de regies

    de formao estelar. Baseado nisso, este trabalho prope que os dados de Ossenkopf, et al.,

    1994 sejam revisitados e recalculados com base em dados de laboratrio atualmente

    disponveis, como os que sero apresentados neste trabalho. Os resultados teriam aplicaes

    diretas nas mais recentes observaes no infravermelho feitas com os telescpios ISO, SST e

    futuramente o JWT.

    Este trabalho de tese est estruturado da seguinte forma:

    Captulo 1: Captulo introdutrio versando sobre o mecanismo de formao de

    estrelas de baixa massa e seus estgios evolutivos iniciais, bem como os processos

    pelos quais ocorre a qumica na fase gasosa e condensada em regies de formao

    estelar. Neste captulo apresentado tambm o papel dos raios csmicos na

    qumica de objetos estelares jovens;

    Captulo 2: So apresentadas as metodologias adotadas durantes este trabalho, que

    so divididas em: (i) experimental - onde so apresentados os dados de laboratrio

    no infravermelho de 67 gelos astrofsicos, (ii) computacional - onde so

    apresentados os cdigos NKABS para o clculo do ndice de refrao complexo e

    RADMC-3D, que simula a transferncia radiativa, (iii) observacional - mostrando

    como foram obtidos as Distribuies Espectrais de Energia (DEE) e imagens no

    infravermelho de Elias 29;

  • INTRODUO 16

    Captulo 3: Apresentam as propriedades pticas e parmetros astrofsicos dos

    gelos bombardeados por ons pesados. So apresentados os valores de ndice de

    refrao complexo, opacidades de absoro e espalhamento e albedo em diferentes

    fluncias.

    Captulo 4: Mostramos a modelagem computacional da protoestrela Elias 29,

    apresentando os resultados de espectros e imagens no infravermelho e clculo de

    abundncias dos gelos e distribuio de temperatura no disco e no envelope;

    Concluses e perspectivas: Apresentamos as concluses com base nos dados

    obtidos nesta tese e as perspectivas de trabalhos futuros, como a reproduo dessa

    metodologia em protoestrelas de baixa massa;

    Apndice 1: Artigo do cdigo NKABS para o clculo do ndice de refrao

    complexo de gelos astrofsicos e catlogo de gelos virgens;

    Apndice 2: Artigo apresentando a modelagem computacional do espectro e

    imagens no infravermelho da protoestrela de baixa massa Elias 29.

  • Captulo 1

    CAPTULO 2 - A FSICO-QUIMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE

    BAIXA MASSA

    Este captulo apresenta uma reviso bibliogrfica sobre alguns princpios de formao de

    estrelas de baixa massa e sobre a teoria envolvida da formao de mantos de gelos

    sobre gros de poeira no meio interestelar.

    1.1 Formao de estrelas de baixa massa

    Estrelas se formam do colapso gravitacional de nuvens moleculares densas e

    magnetizadas, quando estas tm seu equilbrio magnetohidrodinmico perturbado (Shu, 1977,

    Shu, et al., 1994, 1997, Krumholz, 2011). No caso das estrelas de baixa massa (massas < 2

    massas solares), uma vez desencadeado o colapso, estes objetos so classificados em quatro

    categorias (Classe 0, I, II e III), associadas a uma evoluo temporal, de acordo com o seu

    ndice espectral (Adams, et al., 1987; Greene, et al., 1994), que por sua vez est associado morfologia do sistema. Sendo assim, os objetos com so conhecidos como Classe I, Classe II, e Classe III. O intervalo tem sido associado mudana de Classe I para Classe II (Greene, et al., 1994). Cabe aqui salientar que o ndice espectral no tem correspondncia em objetos Classe 0, uma vez que os valores estimados so muito duvidosos (Andr, et al., 1993). A

    Figura 1 mostra um diagrama esquemtico da evoluo em classes de estrelas jovens, bem

    como imagens e suas distribuies espectrais de energia.

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 18

    Figura 1: Diagrama evolutivo de protoestrelas de baixa massa. A primeira coluna mostra a estrutura esquemtica de cada classe. A coluna central apresenta imagens reais observadas com telescpio, associadas cada classe evolutiva. A terceira coluna apresenta as distribuies espectrais de energia dos objetos em cada classe. a) Nuvem molecular em equilbrio magnetohidrodinmico. b) Colapso gravitacional da nuvem molecular. Essa figura ilustra objetos de classe 0, extremamente embebidos pelo gs e poeira. c) Objetos classe I, contendo um envelope esfrico que colapsa formando um disco protoestelar e jatos de matria pelas cavidades do envelope. d) Objetos classe II, classificados como T-Tauri. e) Objetos classe III, com um disco difuso e possivelmente planetas. Figura adaptada de berg, (2009).

    Nuvens moleculares so regies do meio interestelar que contm uma grande parcela

    do gs na sua forma neutra (principalmente H2 e tomos de H), bem como gros de poeira

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 19

    interestelar ricos em silicatos (SiO4) ou em carbono (ex. grafite). Alem disso, dependendo da

    temperatura/campo de radiao, partes dessas nuvens podem ainda apresentar regies com

    hidrognio ionizado (conhecida como regies HII Essas nuvens possuem uma variedade de

    propriedades fsicas, que determinam sub-categorias. A Tabela 1, apresenta os tipos de

    classificaes conforme suas propriedades fsicas.

    Tabela 1: Classificao de nuvens moleculares de acordo com suas propriedades. Carroll, et al., (2006), Whittet, (2003).

    Tipo L (pc) M (M ) (cm-3) T (K) AV (mag) Difusas > 50 3 100 100 500 30 100 0,2 2

    Gigantes ~ 50 105 106 ~ 104 10 50 5 10

    Gigantes complexas ~ 10 104 ~ 103 10 5

    Gigantes com ncleos densos ~ 0,1 104 ~ 105 10 > 10

    Gigantes com ncleos quentes 0,05 0,1 10 103 107 109 100 300 ~ 50

    Glbulos de Bok < 1 1 103 > 104 10 ~ 10

    Outros elementos, como campo magntico e rotao tambm esto presentes nas

    nuvens moleculares e so importantes em modelos de colapso gravitacional. Diversos

    trabalhos na literatura estimam que a razo J/M (momento angular por massa) em nuvens

    moleculares da ordem de 1021-22 cm2 s-1 (Goodman, et al., 1993, Belloche, 2013). O campo

    magntico por sua vez, tem sido estimado entre 16 - 19.000 >G, utilizando tcnicas de

    polarimetria linear e efeito Zeeman (Chandrasekhar, et al., 1953; Wolf, et al., 2003; Rocha,

    2012).

    Diversos fatores podem induzir o colapso gravitacional em nuvens moleculares, e

    consequentemente a formao estelar. No entanto, estima-se que a taxa de formao estelar

    observada (~ ano-1) est abaixo bem abaixo do previsto pelos modelos hidrodinmicos que deveria ser da ordem de 250 ano-1 (Krumholz, 2014) na Via Lctea. A divergncia nos valores apresentadas est ligada a processos turbulentos durante o colapso e presso

    magntica que tende a suportar a nuvem contra o efeito gravitacional. Se modelos

    magnetohidrodinmicos so utilizados para simular a contrao gravitacional de nuvens

    moleculares, a ordem de grandeza da taxa de formao estelar atingida (Krumholz, 2014).

    Trabalhos de Ballesteros-Paredes, et al., (2006), sugerem que a turbulncia dissipa a energia

    cintica do colapso em escala global, e em escala local tem a funo de contribuir para a

    fragmentao da nuvem. Alm disso, o campo magntico induz uma presso magntica que

    atua contra o colapso, atrasando ou at evitando a formao de estrelas. Nesse caso, o

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 20

    mecanismo de difuso ambipolar explica o atraso e a forma pela qual o gs colapsa

    (Mouscovias, et al., 2006).

    Uma vez vencidos os obstculos que impedem o colapso gravitacional, e os critrios

    de instabilidade so satisfeitos, tais como equilbrio virial (Bodenheimer, 2011) e critrio de

    Bonnor-Ebert (Ebert, 1955; Bonnor, 1956; Bodenheimer, 2011), a nuvem colapsa

    conservando o seu momento angular. Um dos modelos que aborda este tipo de problema,

    usando uma soluo analtica aproximada, conhecida como soluo Terebey-Shu-Cassen

    (TSC) proposta em (Terebey, et al., 1984). Este mtodo utiliza algumas simplificaes em sua

    formulao, dentre elas uma esfera que colapsa (envelope) de raio Re e velocidade angular

    uniforme . Conforme a soluo TSC, o colapso inicia de dentro para fora, e a matria

    agregada sobre um objeto de massa M, a uma taxa constante. O modelo ainda define um raio

    centrfugo Rct, onde o material que vem do equador (com momento angular j = Re2) atinge

    um equilbrio entre efeito gravitacional e centrfugo, que dado por (Bodenheimer, 2011)

    onde a constante de gravitao universal.

    Se o material est em outras posies e com um ngulo inicial entre o vetor raio e o eixo de rotao, seu momento angular baixo e ele cai no plano equatorial a pequenas

    distncias do objeto central. Assumindo um ngulo instantneo e uma densidade no raio Re, ento a distribuio de densidade do envelope esfrico dada em coordenadas polares por

    Portanto, o material com ngulo inicial chega ao plano equatorial e encontra a

    partcula do outro plano, devido geometria esfrica. Esse choque reduz a componente da

    velocidade perpendicular ao equador, e um agregado de matria formado, dando origem a

    um disco protoestelar. O material do disco acrescido na protoestrela devido perda de

    energia cintica por causa da viscosidade do prprio material. No momento da acreo

    somado luminosidade natural do objeto a ento chamada luminosidade de acreo. Essa

    radiao emitida por unidade de tempo (definio de luminosidade) espalhada e/ou

    absorvida no disco protoestelar pelo gs e poeira. A radiao , dessa forma, reprocessada e

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 21

    emitida em comprimentos de onda do infravermelho distante e submilimtrico. Se o objeto

    encontra-se completamente embebido na nuvem molecular, seu ndice espectral o classifica

    como Classe 0.

    Uma vez que grande parte do material foi agregado pelo objeto central, o livre

    caminho mdio dos ftons aumenta no ambiente circumestelar. Isso revela o corpo negro da

    protoestrela (ver Figura 1). Nesse estgio, dados observacionais revelaram a presena de jatos

    de matria em direes bipolares e altamente colimados (Snell, et al., 1980; Gmez, et al.,

    2003; Hulamo, et al., 2006; Zhang, et al., 2013). No entanto, o mecanismo de formao dos

    jatos ainda no bem entendido, embora sua presena sempre esteja associado discos de

    acreo. Objetos jovens com estas caractersticas tm sido associados como classe I, embora

    objetos mais embebidos como os de classe 0 tambm apresente jatos. Os objetos de Classe II

    so frequentemente chamados de objetos T-Tauri. Estes objetos possuem fortes linhas de

    emisso no ptico, tais como H, que revelam a presena de material colapsante. Alm disso,

    apresentam um excesso de emisso no infravermelho, que provm do reprocessamento da

    radiao pelo disco. Os objetos da Classe III tem ndice espectral negativo, indicando pouco

    ou nenhum excesso no infravermelho. Isto significa que h pouco processamento da radiao

    no disco nos estgios finais de formao estelar. esperado, no entanto, que parte do disco

    tenha evoludo para a formao de planetas e outros corpos menores, como luas, asteroides e

    cometas.

    1.1.1 Observao de gelos em torno de estrelas jovens

    Como comentado no incio deste captulo, as observaes de gelos astrofsicos tiveram

    incio por volta de 1973, quando (Gillett, et al., 1973) detectaram gelo de gua pela primeira

    vez na nebulosa de rion, utilizando um espectrgrafo com poder de resoluo . No entanto, os grandes avanos na deteco de gelos astrofsicos vieram atravs das observaes do telescpio espacial ISO (Infrared Space Observatory), cujo poder de

    resoluo R = 400 no o intervalo entre 2,3 - 45,0 m. Um dos primeiros trabalhos sobre as

    observaes de gelos com o ISO reportou a deteco das espcies condensadas H2O, CO,

    CO2, 13CO e CH4 na direo da protoestrela RAFGL 7009S (DHendecourt, et al., 1996). Em

    outro trabalho de igual importncia, os autores (Whittet, et al., 1996) estudaram a protoestrela

    de alta massa NGC 7538 IRS9, e reportaram a deteco de espcies mais complexas do que

    aquelas observadas em RAFGL 7009S. Dentre elas esto os gelos de CH3OH, HCOOH e

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 22

    XCN (OCN-), alm de H2O, CO, CO2, 13CO, 13CO2, CH4. Desde ento, muitas outras

    protoestrelas foram estudadas com base nas observaes do telescpio ISO (Boogert, et al.,

    2000, 2002; Gibb, et al., 2000; Rocha, et al., 2015). A Figura 2 mostra um conjunto de quatro

    espectros de protoestrelas observados com o telescpio ISO.

    Figura 2: Espectros de protoestrelas observados com o telescpio ISO, onde so mostradas as atribuies qumicas das bandas de absoro. (a) W33A - Gibb, et al., (2000). (b) Elias 29 - Rocha, et al., (2015). (c) CRBR 2422.8-3423 - Pontoppidan, et al., (2005). (d) B 5 IRS1 (X5) (cima) e HH 46 IRS (baixo) - Boogert, et al., (2004).

    O telescpio espacial Spitzer, tambm desempenhou um papel importante na deteco

    de gelos astrofsicos em torno de protoestrelas. Durante o programa cd (From molecular

    Cores to Planet-forming Disks) do qual participou o telescpio Spitzer, foram observadas

    mais de 50 protoestrelas de baixa massa no intervalo espectral entre 5 - 30 m com o

    instrumento IRS (Infrared Spectrograph) com poder de resoluo entre 100 - 600. O maior

    problema deste instrumento sua faixa de deteco, que comea em 5 m. Isto resulta na

    perda de deteces de alguns modos vibracionais de molculas, tais como H2O, CO2, CO,

    OCN- e CH3OH. No entanto, a faixa espectral no observada pelo telescpio Spitzer tem sido

    complementada com dados dos telescpios ISO, VLT (Very Large Telescope - (McLean, et

    al., 1998)) e telescpio Keck (Moorwood, 1997), quando disponveis.

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 23

    Os resultados destes dois telescpios espaciais, complementados com dados de

    telescpios de solo, confirmaram a existncia de molculas condensadas em regies de

    formao estelar. No entanto, nenhum estudo estatstico ainda tinha sido feito at 2011 com o

    objetivo de determinar parmetros que indicassem tendncias na presena dos gelos em

    protoestrelas. Contudo esse trabalho, com base em dados observacionais foi realizado por

    (berg, et al., 2011), utilizando tcnicas estatsticas complementares. A amostra utilizada foi

    de 55 protoestrelas de baixa massa e 8 protoestrelas de alta massa, totalizando 63 objetos.

    Abaixo esto sumarizadas algumas concluses de (berg, 2009; berg, et al., 2011):

    A formao de gelos ocorre na superfcie de gros de poeira e em regies

    adequadas, que renam condies de temperatura e densidade;

    a primeira onda de formao de gelos ocorre na nuvem molecular, quando

    ocorre a hidrogenao de tomos, levando formao de H2O, CO2:H2O, CH4 e

    NH3;

    a segunda onda devida a condensao de CO e ao processamento energtico

    dos gelos por ftons UV, raios-X e/ou raios csmicos na nuvem molecular,

    levando a formao de CO2:CO, CO:H2O, OCN- e CH3OH;

    as abundncias mdias de algumas espcies em relao gua para protoestrelas

    de baixa massa so: CO (29 %), CO2 (29 %), NH3 (5 %), CH4 (5 %), CH3OH (3

    %), OCN- (0,3 %);

    as abundncias mdias de algumas espcies em relao gua para protoestrelas

    de alta massa so: CO (13 %), CO2 (13 %), NH3 (5 %), CH4 (2 %), CH3OH (4 %),

    OCN- (0,6 %);

    as variaes de abundncias so mais severas para espcies mais volteis como o

    CO, CH4 e CO2, que tm temperaturas de dessoro de 20 K, 30 K e 75 K,

    respectivamente (Collings, et al., 2004; Tielens, 2005);

    as variaes de abundncia podem ser causadas por: (i) abundncia de tomos

    inicial diferente, (ii) tempo de colapso diferente, fazendo o sistema interagir mais

    ou menos com o campo de radiao da protoestrela ou do meio interestelar, (iii)

    dessoro de molculas ao interagir com a radiao ionizante;

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 24

    h indcios de correlao entre a abundncia de OCN- com as abundncias de

    mistura de gelo de CO2:CO e CO:H2O;

    parece haver uma fcil converso da molcula NH3 para o on NH4+, uma vez que

    a abundncia mdia do on maior que a abundncia da molcula.

    1.1.2 A qumica em discos e envelopes protoestelares

    Como comentado na seo 1.1, protoestrelas de baixa massa na fase inicial do

    processo de evoluo apresentam um disco e um envelope em torno do objeto central. Nesta

    seo sero apresentadas algumas informaes sobre a qumica dessas regies dado o

    entendimento atual apresentado na literatura. Mais detalhes sobre os processos qumicos de

    nuvens moleculares e durante o processo de colapso podem ser obtidos em Aikawa, (2013).

    Nos estgios mais evoludos, que se trata de objetos classe II, o trabalho de Henning, et al.,

    2013 fornecem dados importantes sobre a qumica dos discos protoplanetrios. A estrutura e a

    qumica do envelope protoestelar pode ser representada pela Figura 3.

    A Figura 3 mostra uma representao esquemtica do envelope e do disco

    protoestelar, bem como a qumica envolvida durante o processo de formao de uma

    protoestrela de baixa massa. Os estgios 0 ilustra a formao de mantos de gelo de H2O

    devido a hidrogenao do meio no estgio pr-estelar (nuvem molecular), como mostrado na

    Seo 1.1. Ainda no estgio pr-estelar, o nmero 1 sugere que camadas de CO sejam

    formadas sobre as molculas condensadas de H2O. Como tomos de C e H so agora

    abundantes na superfcie dos gros de poeira, possvel que haja a formao de molculas

    como o CH4. O estgio transitrio de 1 para ocorre quando a temperatura do meio

    elevada para valores equivalentes a 30 K devido aos choques das espcies presentes no

    envelope. Nesse cenrio, molculas mais volteis como o CO e CH4, evaporam do gelo,

    porque duas temperaturas de sublimao so de 20 K e 30 K, respectivamente. Este

    mecanismo de evaporao dos gelos faz com que as molculas tenham que se deslocar na

    superfcie do gro de poeira, levando, em alguns casos, formao da primeira gerao de

    molculas orgnicas como o CH3OH e outros radicais, que caracteriza o estgio . Depois

    disso, parte das molculas orgnicas que compem os gelos, bem como outras espcies

    volteis podem ser dessorvidas do gro medida que se aproximam de regies mais prximas

    fonte central, onde a temperatura bem mais alta. Contudo, durante a formao de uma

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 25

    Figura 3: Representao esquemtica da formao de uma estrela de baixa massa e da dinmica qumica dos gelos astrofsicos. Os processos ilustram a formao do manto de gua (0), a condensao de mantos de CO (1), a formao de espcies complexas (2) e finalmente a dessoro de todo o manto a altas temperaturas (3). Fonte: Visser, (2009)

    protoestrela de baixa massa, um disco criado na regio equatorial devido lei de

    conservao do momento angular. Dessa forma, quando as molculas da fase gasosa, que

    foram dessorvidas ao longo do processo de colapso gravitacional podem, novamente, ser

    adsorvidas na superfcie do gro de poeira, levando ao estgio . Porm quando as espcies

    formadas migram do disco para a fonte central, elas so dessorvidas novamente no estgio

    4, levando dessoro de todo o gelo, porque as temperaturas so da ordem de 1500 K.

    No cenrio especfico do disco protoestelar, a qumica presente em seu interior est

    ilustrada na Figura 4. O disco protoestelar composto principalmente por hidrognio

    molecular (H2), atmico (HI) e ionizado (HII), como tambm por poeira (silicato e

    carbonceos). Regies prximas ao objeto central esto livres de poeira e so compostos

    apenas por gs ionizado, devido s altas temperaturas. O limite dessa regio na fronteira com

    o disco de poeira definido pela temperatura de sublimao do silicato, que da ordem de

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 26

    1500 K (Gail, 2010). O lado (a) da Figura 4 mostra que os gros de poeira nos discos so

    caracterizados por uma distribuio de tamanhos, variando de tamanhos micromtricos a

    seixos de minerais (milimtricos), e possivelmente planetas. Estes gros protegem a regio

    equatorial do disco contra a incidncia direta do material com o campo de radiao estelar,

    levando a uma estrutura de camadas mais quentes e frias como mostrado no lado (b) da Figura

    4.

    O cenrio de radiao ionizante que interage com o disco pode ser de origem trmica,

    como UV e raio-X, como tambm de origem no trmica, tal como radiao sncrotron devido

    acelerao de eltrons pelo campo magntico. Alm disso, raios csmicos de alta energia

    podem interagir com o disco e desencadear reaes qumicas, como mostrado na Seo 1.2.1.

    Figura 4: Diagrama esquemtico da fsico-qumica presente em um disco protoestelar. O lado a destaca processos fsicos como coagulao e transporte dos gros devido turbulncia. O lado b enfatiza as camadas do disco com qumica diferente. Fonte: Henning, et al., (2013).

    Em relao ao gradiente de temperatura observado no disco protoestelar, a regio mais

    externa do disco tambm chamada de atmosfera, com altas temperaturas (1000 - 5000 K).

    Nessa regio a qumica devida fotodissociao e fotoionizao de molculas, gerando uma

    PDR (Photodissociation Dominated Region), onde predomina a incidncia de ftons UV e

    molculas como HCN, H2O, CO e H2 so fotodissociadas. Na camada abaixo, a fonte

    ionizante principalmente os raios-X, devido ao seu livre caminho mdio, que maior que

    dos ftons UV. A qumica induzida por esses ftons no gs leva ionizao de molculas,

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 27

    bem como a formao de radicais, aumentando a complexidade qumica dessa regio. A

    camada subsequente predomina a qumica de espcies moleculares, ou neutro-neutro, uma vez

    que as temperaturas so suficientemente altas (100 - 1000 K) para que as molculas venam a

    barreira de ativao envolvida na reao.

    Nas camadas mais internas do disco protoestelar, o gs pode condensar na superfcie

    dos gros de poeira para formar mantos de gelo de H2O, CO, CO2, NH3, CH4,

    entre outros. A qumica nessas regies no depende dos ftons UV do campo de radiao da

    protoestrela, uma vez que eles so absorvidos ao longo do caminho ptico. No entanto, ftons

    de alta energia, como raios-X, de origem trmica e no-trmica podem ser suficientemente

    energticos para penetrar em regies densas do disco protoestelar (n > 107 cm-3) e

    desencadear a formao de espcies complexas, ao interagir com as molculas condensadas

    formadas formada na parte superior da camada de gelo. Contudo, as espcies formadas no

    plano equatorial do disco so acessados apenas por raios csmicos de alta energia que podem

    penetrar o suficiente no disco.

    Como mostrado na seo 1.2.3 os raios csmicos so extremamente importantes para a

    qumica de discos protoplanetrios, porque eles penetram no disco e aumentam o grau de

    ionizao em regies densas. A Figura 5 mostra dois cenrios envolvendo tipos diferentes de

    radiao ionizante. O primeiro deles, mostrado na Figura 5a, considera como fontes de

    ionizao, o campo de radiao estelar, decaimento radiativos no disco e raios csmicos,

    enquanto que o segundo, mostrado na Figura 5b, considera que os ventos estelares defletem

    os raios csmicos. Os resultados para o grau de ionizao do H2 do disco so completamente

    diferentes, como mostrado nas Figura 5c e Figura 5d.

    1.2 Processos fsico-qumicos

    Os processos fsico-qumicos esto presentes desde o colapso da nuvem molecular at

    a formao das estrelas e provveis planetas. Durante o colapso gravitacional, mencionamos

    na Seo 1.1 que o atraso do colapso est, tambm, relacionado com a presena do campo

    magntico. A relao est no fato de que durante o colapso, o fluxo de espcies neutras colide

    com os ons presos s linhas de campo magntico. Consequentemente, se a taxa de

    recombinao de eltrons baixa, quanto maior for a ionizao maior ser o atraso. Contudo,

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 28

    Figura 5: Diferentes cenrios de ionizao do disco e grau de ionizao do H2. Os painis so: (a) Modelo de ionizao considerando o campo de radiao estelar, decaimento radiativo e raios csmicos. (b) Modelo de ionizao, a situao em que ventos estelares refletem as partculas de raios csmicos. (c) Grau de ionizao calculado para o cenrio do painel (a). (d) Grau de ionizao calculado para o cenrio do painel (b). Fonte: Cleeves, et al., (2014).

    o grau de ionizao est ligado com a natureza e a intensidade do campo de radiao ionizante

    do ambiente circumestelar, tais como UV e raios-X e raios csmicos. Alm disso, o campo de

    radiao cria um gradiente de temperatura em seu envoltrio, e, portanto, determina a qumica

    na fase gasosa e na fase condensada, como mostraremos a seguir.

    1.2.1 O campo de radiao ionizante

    O campo de radiao do meio interestelar composto de ftons de vrias energias e

    criados por mecanismos diferentes, e que pode ser subdividida nas seguintes categorias: (i)

    radiao sncrotron Galctica oriunda da deflexo de eltrons relativsticos pelo campo

    magntico Galctico; (ii) Radiao csmica de fundos em micro-ondas, cuja temperatura de

    corpo negro associada de 2,7 K; (iii) Radiao no infravermelho distante proveniente da

    emisso de gros de poeira interestelares aquecidos; (iv) Radiao provenientes de estrelas da

    sequncia principal e de protoestrelas, como o ultravioleta e (v) emisses de raios-X de

    origem no trmica (sncrotron), devido acelerao de eltrons livres pelo campo magntico

    estelar ou protoestelar, bem como de origem trmica, onde os ftons so formados em regies

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 29

    de plasma quentes, como por exemplo, em supernovas. Todos esses mecanismos esto

    descritos em detalhes em Draine, 2011.

    Dentre os campo de radiao apresentados, aqueles que tm interesse astroqumico so

    chamados de radiao ionizante, que dinifida para o tipo de radiao com energia maior do

    que 10 eV, ou seja, associada a primeira energia de ionizao do tomo de oxignio. A

    energia dos ftons UV varia entre 3 124 eV, correspondendo variao de 320 100 nm

    em comprimentos de onda. Esse intervalo de energia tem grande interesse astroqumico, uma

    vez que a fotoqumica induzida por radiao ultravioleta sensvel a este domnio de

    radiao. Por exemplo, ftons Lyman- (10, eV) pode dissociar molculas de HCN e H2O,

    enquanto que outras espcies como o CO e H2 so apenas dissociados pelo ultravioleta

    distante (~ 120 eV), como descrito em Henning, et al., (2013). Alm dos efeitos de

    dissociao, o ultravioleta distante pode ejetar eltrons dos gros de poeira pelo efeito

    fotoeltrico, bem como fotoionizar elementos pesados como o Oxignio e o Carbono, que tm

    energia de ionizao de 13,62 e 11, 26 respectivamente (Shaw, 2006).

    Os ftons de raios-X por outro lado, corresponde ao intervalo de energia entre 120

    120 103 eV. Do mesmo modo que os ftons UV, os raios-X so importantes para a astroqumica por causa das suas propriedades de ionizao. No caso de discos

    protoplanetrios, os raios-X podem ionizar o tomo de He, que tem alta energia de ionizao

    (24,6 eV), produzindo regies ativas de He+. Devido sua alta afinidade eletrnica, o hlio

    ionizado pode destruir fortes ligaes como da molcula de CO, fazendo com o que meio seja

    enriquecido novamente com tomos de C e O. Alm disso, o campo de radiao de raios-X

    pode interagir com os gelos formados em regies densas do meio interestelar, alterando a

    composio inicial das molculas do gelo e formando espcies mais complexas.

    Os raios csmicos outra fonte de ionizao no meio interestelar e consistem

    principalmente de prtons (87 %), partculas alfa (12 %) e ons pesados (1 %) com energias

    principalmente concentradas entre MeV e GeV (Cleeves, 2014), embora energias muito mais

    altas tambm tenham sido observadas. Essas partculas carregadas se propagam atravs do

    meio interestelar, e em algumas circunstncias, no meio intergaltico. Dentre alguns dos seus

    efeitos na matria esto: a excitao e ionizao de espcies atmicas e nucleares, a excitao

    de estados nucleares, bem como a produo de pons neutros ( ) atravs de colises inelsticas e espalhamento Compton inverso. Estes efeitos, por sua vez, deixam assinaturas

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 30

    mensurveis de sua presena, que podem ser o aumento da abundncia de ons (H3+, OH+,

    HCO+, etc); emisso de raios gama de 4,44 MeV e 6,14 MeV, devida a desexitao nuclear do 12C e do 16O, respectivamente; aumento do fluxo de raios gama, devido ao decaimento dos

    pons neutros.

    A taxa de ionizao induzida por raios csmicos importante devido aos efeitos que

    ela causa como ser mostrado em mais detalhes adiante. A taxa de um processo particular

    conforme (Indriolo, et al., 2013) dada por:

    onde o fluxo (partculas por unidade de rea, por unidade de tempo, por unidade de ngulo slido) com energia no intervalo , a seo de choque para o processo com energia , e um coeficiente associada a cada processo.

    Figura 6: Variao do fluxo de raios csmicos e da seo de choque de alguns processos com a energia em eV. (a) Espectro de energia de raios csmicos baseado em dados observados (smbolos) e modelados (curva tracejada) no intervalo de energia de 108 e 1021 eV. (b) Variao da seo de choque de formao para algumas reaes envolvendo raios csmicos. Figuras adaptadas de Indriolo, et al., (2013) e Cleeves, et al., (2014).

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 31

    A Figura 6a mostra o espectro de energia dos raios csmicos medidos no Sistema

    Solar, para energias entre 108 - 1021 eV, porm sem fazer distino entre as suas massas

    atmicas. Esse espectro pode ser bem ajustado por uma lei de potncia dada por (Indriolo, et al., 2013), no intervalo de energia apresentado. A inclinao observada para

    energias da ordem de 109 eV est relacionada a prtons e ncleos pesados (Ex.: O, Ni, Fe),

    sugerindo que sua formao e acelerao tem origem comum (Ahn, et al., 2009). Porm, para

    energias abaixo de 108 eV, o fluxo de raios csmicos se torna difcil de medir, por que

    partculas com energia menores do que essas defletidas pelo campo magntico acoplado aos

    ventos solares, em um processo conhecido como modulao. No entanto, sondas como a

    Voyager que est a grandes distncias do Sol e dos efeitos do vento solar, tm feito medidas

    para raios csmicos abaixo de 108 eV (Webber, 1998) e (Stone, et al., 2013). O quadro

    vermelho na Figura 6a apresenta um intervalo de fluxo mostrado na Figura 6b.

    Para energias menores que 108 eV, algum modelos (M02, B00, W98), que so

    apresentados na Figura 6b tm tentado prever como seria o fluxo de raios csmicos no

    Sistema Solar. No entanto, os dados obtidos pela sonda Voyager tem mostrado concordncia

    com o modelo apresentado por W98, para a regio chamada de LIS1 (Local InterStellar

    medium). Alm disso, importante mencionar que a inclinao do espectro para baixas

    energias tm concordncia com os modelos propostos por Shen et al. (2004) para o fluxo de

    ncleos pesados, como aqueles so utilizados neste trabalho (Ver Seo 2.2).

    A Figura 7 complementa as Figuras 6a e 6b porque mostra as abundncias de raios

    csmicos galcticos, solares e a razo entre eles em funo do nmero atmico Z das

    partculas. As abundncias so dadas em relao ao hidrognio atmico H, assumido ser H =

    106. Nessas Figuras os nmeros atmicos dos ons de Ni e de O so marcados pelas setas

    vermelhas, porque foram as espcies usadas para bombardear os gelos apresentados neste

    trabalho. Essa Figura mostra tambm que abundncia de raios csmicos de baixa massa

    atmica (Ex.: H) vrias ordens de grandeza maiores do que espcies com ncleos pesados

    como o 58Ni ou maiores.

    Os raios csmicos galcticos so produzidos por diversos processos no meio

    interestelar e interagem diretamente com protoestrelas em seus estgios iniciais de formao

    1 LIS refere-se a uma nuvem interestelar difusa em torno do Sistema Solar com extenso de

    30 pc (Cox, et al., 1987). Mais detalhes podem ser encontrados em (Whittet, 2003).

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 32

    Figura 7: Abundncia em escala logartmica em funo da massa atmica. A massa atmica Z para os ons de 58Ni e 16O esto indicadas. Fonte: Drury, et al., (2009).

    (Classe 0 e Classe I). Porm os raios csmicos de origem solar tambm so importantes no

    processamento dos gelos astrofsicos nos estgios de Classe II e Classe III. Nesses estgios a

    protoestrela j apresenta fortes ventos estelares, que modula a incidncia de raios csmicos

    galcticos. Dessa forma, tais partculas interagem com o material do disco protoplanetrio.

    (Ver Seo 1.2.1)

    A taxa de ionizao total do meio, portanto, geralmente calculada em funo da

    ionizao do H e do H2, que dada pelos seguintes processos: (i) taxa de ionizao primria

    ( ), que a taxa de ionizao do hidrognio atmico, devido apenas a partculas de raios csmicos (prtons e ncleos pesados); (ii) a taxa de ionizao total do hidrognio atmico

    ( ), devido aos raios csmicos e eltrons energticos secundrios por causa dos processos de ionizao; e (iii) taxa de ionizao total do hidrognio molecular devido aos raios csmicos e eltrons secundrios gerados com atravs da ionizao. A relao entre essas taxas dada

    por como sendo = 1,5 e = 2,3 , de acordo com Indriolo, et al., (2013). Do ponto de vista observacional, as taxas de ionizao so calculadas atravs da razo de densidades de

    coluna, associados com determinados ons, como por exemplo:

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 33

    onde ki = 6,7 10-8 (T/300)-0,51 (Indriolo, et al., 2013), xe a frao de eltrons, definido como xe = n(e)/nH e nH = n(H) + 2n(H2). Em nuvens moleculares difusas e densas, os valores

    estimados de taxa de ionizao so 3,5 10-16 s-1 e 1 10-18 s-1.

    Os raios csmicos podem interagir com os gelos astrofsicos de maneira direta ou

    indireta. A interao direta refere-se a choques entre um raio csmico e gelos astrofsicos

    levando causando vrios efeitos, dentre eles (i) a quebra de ligaes qumicas no prprio gelo,

    permitindo com que os radicais se rearranjem para formar novas espcies moleculares; (ii)

    sputtering, que desagrega do gelo aglomerados de molculas. Entretanto, vrios outros

    processos indiretos causados pelos raios csmicos podem desencadear a qumica dos gelos,

    tais como: (i) bombardeio dos gelos por eltrons secundrios criado da coliso dos raios

    csmicos com o meio; (ii) processamento energtico do gelos por ftons UV gerados pelo

    decaimento de molculas de H2 excitadas por eltrons secundrios; (iii) processamento

    energtico por raios gama com energias de 4,44 MeV, 6,13 MeV, 1,63 MeV, resultantes do

    decaimento de pons neutros formados partir da coliso de raios csmicos e outros prtons

    do meio; (iv) processamento energtico por raios-X de 6,4 keV, induzidos pelo decaimento

    eletrnico de tomos de Fe excitado por raios csmicos. Portanto, essa seo esclarece que

    mesmo em regies muito densas onde o campo de radiao estelar ou interestelar no penetra,

    ainda assim, existem ftons energticos produzidos pelas interaes da matria com os raios

    csmicos, e que, por sua vez, podem processar os gelos.

    As transformaes qumicas devido ao bombardeio de raios csmicos nos gelos

    astrofsicos tm sido estudadas atravs de experimentos em laboratrio, cujos resultados esto

    descritos em muitos trabalhos, dente eles (Gerakines, et al., 2000; Pilling, et al., 2010; Pilling,

    et al., 2010; Bergantini, et al., 2014; de Barros, et al., 2014; Andrade, et al., 2014). Nestes

    trabalhos podem ser obtidos, por exemplo, o valor da seo de choque de formao e

    destruio de molculas presentes no gelo astrofsico simulado durante a interao com os

    raios csmicos. Alm disso, eles mostram como que um ambiente qumico enriquecido ao

    interagir com partculas energticas, levando produo de espcies qumicas complexas,

    como o CH3OH, HCOOH, CH3CHO, entre outras, que j foram observadas em regies de

    formao estelar.

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 34

    1.2.2 A qumica na fase gasosa

    A Tabela 2, mostra tipos de reaes que podem ocorrer na fase gasosa, como tambm

    suas taxas de reaes. Existem as reaes que formam e destroem ligaes, como tambm

    aquelas que rearranjam as molculas aps suas dissociaes.

    Tabela 2: Tipos de reaes qumicas na fase gasosa (Tielens, 2005).

    Tipo Reao Taxa Unidade

    Fotodissociao 10-9 s-1 Neutro-neutro 10-11 cm3s-1 on-molcula 10-9 cm3s-1

    Transferncia de carga 10-9 cm3s-1 Associao radiativa 10-14 cm3s-1

    Recombinao dissociativa 10-7 cm3s-1 Associao colisional 10-32 cm6s-1

    De modo geral, as reaes qumicas ocorrem em quatro passos: Primeiro ocorrem

    colises, onde as energias envolvidas devem ser suficientes para sobrepor a barreira de

    ativao, caso exista; o segundo passo a possvel destruio de ligaes qumicas existentes.

    Em seguida as molculas podem se rearranjar ao formar novas ligaes; finalmente as

    espcies ficam estveis, e o excesso de energia retirado do sistema por um fton, eltron, ou

    um terceiro corpo (ex. um gro interestelar). Caso isso no ocorra, as ligaes sero quebradas

    novamente, levando a uma nova dissociao.

    1.2.1.1 Fotodissociao

    Dentre as reaes qumicas mais comuns na fase gasosa, que ocorrem no meio

    interestelar, esto as reaes de fotodissociao. As energias de ligao das molculas so da

    ordem de 5 - 10 eV, que corresponde regio de radiao ultravioleta. Dessa forma, muitas

    molculas podem ser dissociadas por ftons UV. A fotodissociao pode ocorrer por

    caminhos diferentes, como mostrado na Figura 8, que so: (i) fotodissociao direta quando a

    absoro de um fton leva a molcula para um contnuo de dissociao de um mesmo estado

    fundamental e (ii) dissociao radiativa espontnea quando a absoro de um fton leva a

    molcula para um estado eletrnico excitado; durante o decaimento, parte das molculas so

    dissociadas por ficaram no contnuo de dissociao, e a outra parte emite ftons quando

    decaem para o nvel eletrnico fundamental.

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 35

    Figura 8: Curvas de energia ilustrando os processos fsicos que ocorrem durante os diferentes caminhos de fotodissociao de molculas diatmicas. Figura adaptada de van Dishoeck, et al., (2011).

    A taxa de fotodissociao no meio interestelar dada pela seguinte equao (Tielens,

    2005): onde a intensidade mdia de ftons de um campo de radiao interestelar, a seo transversal de fotodissociao (varia para fotodissociao direta e dissociao radiativa

    espontnea, conforme o trabalho de van Dishoeck, et al., (2011) e a integrao vai do limite

    de dissociao para o limite de fotoionizao do hidrognio. Caso a molcula esteja no

    interior de uma nuvem molecular, a taxa de fotodissociao deve ser corrigida pela extino

    visual AV. Nessas situaes o valor de pode ser dado por: onde a taxa de fotodissociao caso no haja proteo e equivalente Equao 2, cujo valor da ordem de s-1 como ocorre para o CO e s-1 para a molcula de H2O. O parmetro assume valores entre 1,3 - 3,2 (Tielens, 2005). possvel perceber que o valor de cai medida que a extino visual aumenta.

    Apesar de ftons UV oriundos de regies externas no penetrarem nas partes mais

    densas de nuvens moleculares, discos e envelopes, eles podem ser produzidos em seu interior

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 36

    devido colises de raios csmicos com as molculas na fase gasosa (Indriolo, et al., 2013),

    como visto na seo 1.2.1.

    1.2.1.2 Reaes neutro-neutro

    A baixa taxa de reao envolvendo molculas neutras, como mostrado na Tabela 2,

    ocorre devido s altas energias de ativao na ligao. Nas colises neutro-neutro, a principal

    fora de atrao a fora de van der Waals, cujo potencial proporcional . Se no existisse barreira de ativao envolvida na reao, sua taxa de formao seria dada por

    (Tielens, 2005):

    onde a massa reduzida, a polarizabilidade das molculas envolvidas, I o harmnico mdio do potencial de ionizao e a mdia das velocidades envolvidas. Entretanto, se h energia de ativao, a Equao 4 deve ser corrigida pelo fator de Boltzmann, que dado por . Uma vez que as temperaturas em regies densas de nuvens moleculares so da ordem de 10 K, isso faz com que muitas das reaes do tipo neutro-neutro sejam proibidas

    porque em reaes entre espcies neutras possuem barreiras de ativao, que apenas so

    vencidas quando a temperatura do meio da ordem de 103 K. Consequentemente, essas

    reaes so apenas importantes em regies mais aquecidas, tais como regies de choque

    devido aos jatos de matria e PDRs (Photodissociation Regions). As espcies produzidas por

    reaes neutro-neutro em regies frias de nuvens moleculares so aquelas que envolvem

    apenas radicais ou tomos, porque no possuem energia de ativao.

    1.2.1.3 Reaes on-molcula

    Reaes envolvendo ons e molculas na fase gasosa esto entre as mais importantes

    no meio interestelar, porque tanto a radiao UV, raios-X e raios csmicos podem ionizar as

    espcies neutras. Como mostrado na Tabela 2, diversas reaes ocorrem quando h interao

    com ons no meio interestelar. A alta taxa das reaes on-molcula devida ao potencial de

    interao induzido pela polarizao que se sobrepe a qualquer barreira de ativao

    envolvida. A polarizao aparece quando h interao da espcie neutra com o on, gerando

    uma distribuio no uniforme de cargas. A regio com maior densidade de eltrons mais

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 37

    fortemente atrada pelo on, levando a uma coliso entre as duas espcies. Outro fator que

    contribui para que as taxas de reao sejam maiores do que aquelas calculadas para espcies

    neutras que o potencial de interao do dipolo induzido diminui com o fator de , onde a distncia entre as espcies. Por outro lado, o potencial de interao para espcies neutras

    cai mais rapidamente, por que diminui com o fator de . A taxa dessas reaes calculada pela taxa de Langevin, dada por (Tielens, 2005):

    onde a carga do eltron em C (no sistema cgs 1C = ), o parmetro de polarizabilidade, que da ordem de 10-24 cm3 e a massa reduzida em g.

    As reaes on-molcula so muito importantes em nuvem moleculares densas onde as

    temperaturas so muito baixas (~ 10 K) e, portanto, dispem de pouca energia para vencer as

    barreiras de ativao envolvidas. Um dos ons mais comuns no meio interestelar o , que desempenha um importante papel na qumica do meio interestelar, interagindo com vrios

    tipos de espcies neutras (carbono, PAH, etc). Sua prpria formao decorrente de uma

    interao de on-molcula, dada por + H2 + H. Outros ons como o C+ e o so a chave de reaes que formam molculas complexas. Por exemplo, o on de ao reagir com outras espcies pode formar CH2CO, CH3OH.

    1.2.1.4 Reaes on-molcula

    As demais reaes tambm so importantes para o enriquecimento da qumica do meio

    interestelar, porm neste trabalho, elas sero brevemente comentadas:

    Transferncia de carga - responsvel pela formao de ons como o O+. Em uma

    nuvem difusa, a radiao do meio interestelar no possui energia suficiente para

    ionizar o tomo de O. Porm se h disponibilidade de ons de H+ formados

    previamente pela interao com raios csmicos, a seguinte reao pode ocorrer: O +

    H+ O+ + H. Nesse caso, o oxignio ionizado pode participar de reaes, cujo produto final a formao de H2O (Maciel, 2002).

    Associao radiativa - So reaes em que o produto das colises estabilizado

    atravs da emisso de um fton com o excesso de energia. Em outras palavras, o

    produto da reao armazena energia cintica e vibracional aps sua formao. Dessa

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 38

    forma, a estabilizao ocorre a transio de um estado vibracional excitado para o

    estado vibracional fundamental, e consequentemente a emisso de um fton no

    infravermelho. Este tipo de reao no muito comum entre espcies neutras, mas

    comum em reaes on-tomo ou on-molcula, como por exemplo, a reao C+ + H CH+ + h? (Tielens, 2005), (Maciel, 2002). Recombinao dissociativa - Nesse processo ocorre, geralmente, a formao de duas

    molculas neutras em um estado eletrnico excitado, quando um on molecular e um

    eltron livre se recombinam. Devido ao grau de ionizao do meio interestelar, esta

    reao considerada uma das mais importantes devido rapidez com que acontece.

    Pode-se tomar como exemplo a formao da molcula de H2O atravs da seguinte

    reao: H3O+ + e- H2O + H, onde a taxa de reao de 3,3 10-7 cm3 s-1. Contudo

    algumas reaes so mais rpidas como, por exemplo, a formao do hidrognio

    molecular atravs do caminho + e- H2 + H, onde a taxa de reao de 3,8 10-8 cm3 s-1 (Tielens, 2005).

    Associao colisional - Essa reao ocorre em regies muito densas, tais como

    prximo fotosferas estelares ou discos circumestelares com densidades da ordem de

    1011 cm-3. Alm disso, essas reaes envolvem trs espcies e o terceiro corpo

    carrega o excesso de energia do sistema. Esse o motivo de sua taxa de reao ser

    muito baixa.

    1.2.2 A qumica na superfcie dos gros de poeira interestelar

    Os gros de poeira presentes no meio interestelar permitem o enriquecimento qumico

    do meio, uma vez que tomos e molculas, que se encontram adsorvidos em suas superfcies

    podem reagir entre si, formando novas espcies que seriam quase impossveis de se formarem

    na fase gasosa. Dessa forma, os gros interestelares agem como um catalisador de novas

    espcies. A Figura 9 ilustra como ocorre a interao do gs com os gros de poeira. Quando o

    gs preso ao gro, ocorre a adsoro, que pode ser fsica ou qumica, cujas energias de

    ligao envolvidas em so bastante diferentes. A adsoro fsica mantida pela fora de van

    der Waals, com energias < 0,1 eV e a superfcie do gro age apenas como um substrato

    passivo. J as energias associadas com a adsoro qumica variam de 1 5 eV. As espcies

    adsorvidas podem migrar na superfcie do gro, o que poder levar a reaes qumicas, caso

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 39

    dois tomos ou molculas se encontre. Os gros interestelares possuem superfcies altamente

    desordenadas, contendo vrios defeitos e impurezas que enriquecem sua reatividade qumica

    (Duley, et al., 1984), mas tambm podem dificultar o deslocamento de tomos ou molculas

    (Tielens, 2005). Uma vez que novas molculas so formadas, elas podem receber energia do

    meio externo e serem dessorvidas (liberadas) do gro.

    Figura 9: Ilustrao das reaes fsico-qumicas que ocorrem na superfcie de gros interestelares. Figura adaptada de Whittet, (2003).

    1.2.2.1 Tipos de gros interestelares

    Os tipos de gros mais comuns no meio interestelar so os silicatos (ligaes Si-O)

    e carbonceos (grafite, hidrocarbonetos policclicos aromticos, tambm chamados de

    PAHs em ingls (Policiclic Aromatic Hidrocarbons). Os silicatos podem tambm estar

    ligados outros metais, tais como Al, Fe, Mg e etc. No contexto astrofsico, os tipos de

    silicatos mais comuns so:

    Olivina: formados por (Mg, Fe)2SiO4. O subgrupo de SiO4 ligado ao tomo de

    Mg chamado de forsterita, e quando ligado ao tomo de Fe, chamado de

    Faialite. Quando a proporo da mistura inclui tanto o Mg, como o Fe, sendo

    Mg1Fe1SiO4, fica caracterizada a Olivina, cuja densidade 3,71 g cm-3.

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 40

    Piroxnio: formado por (Mg, Fe)SiO3 com densidade de 3,20 g cm3.

    Subgrupos formados por MgSiO3 e FeSiO3 so chamados de enstatita e

    ferrosilita respectivamente.

    Do ponto de vista observacional, as curvas de extino interestelar so melhor

    ajustadas pela combinao de silicatos e carbono amorfo (Weingartner, et al., 2001).

    1.2.2.2 Taxa de adsoro de espcies qumicas sobre os gros de poeira

    A taxa de adsoro de espcies na fase gasosa na superfcie de um gro dada por

    (Tielens, 2005): onde a densidade numrica de poeira, a densidade numrica de gs dada por = n(H) + 2n(H2), a seo transversal da poeira, a velocidade da coliso do gs com o gro, e e so as temperaturas do gs e da poeira, respectivamente. o coeficiente de afixao (Sticking Power) do gs na superfcie do gro, que uma grandeza

    adimensional variando entre 0 e 1. Baseado em experimento e modelos tericos, o valor de para um tomo de H na superfcie de um gro obtido atravs da seguinte equao (Tielens, 2005):

    onde seu valor 0,8 a 10 K e 0,5 a 100 K. Isso significa que baixas temperaturas, o gs pode

    ser adsorvido facilmente na superfcie dos gros de poeira, levando formao de mantos de

    gelos de composies diferentes. Em contrapartida, quando o Sticking Power da ordem de 1,

    as molculas de gs adsorvidas tm a eficincia de migrao reduzida, levando formao de

    um gelo amorfo.

    A escala de tempo de adsoro de espcies na fase gasosa sobre os gros dada por

    (Aikawa, 2013):

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 41

    onde a constante de Boltzmann, o raio do gro de poeira, a mass do prton, a densidade da poeira, que nesta equao assumido que seja da ordem de 10-12 nH. Para nuvens

    densas (nH ~ 104 cm-3), frias (T ~ 10 K S 0,8), e com tamanhos de gros de poeira com

    raio de 0,25 >m esse valor chega ordem de 105 anos, o que representa apenas uma pequena

    parte do tempo de vida de uma nuvem densa, que da ordem de 107 anos (Henning, et al.,

    2013).

    1.2.2.3 Energias de ligao

    Como mencionado no incio dessa seo, a adsoro de um gs na superfcie de um

    gro de poeira dividida em (i) regime clssico (iterao de van der Waals), atuando a

    grandes distncias (ordem de ) e intervalo de energia de ligao entre 0,01 0,2 eV e (ii) regime quntico (sobreposio das funes de onda na quimissoro) prximo superfcie do

    gro de poeira com energia de ligao da ordem de 1 eV. A Figura 10 mostra uma ilustrao

    das energias e dos regimes de adsoro/dessoro, fisissoro e quimissoro. Os painis (I) e

    (II) mostram como varia a energia potencial durante a aproximao de um gs (tomo e

    molcula, respectivamente) no regime de adsoro (c), fisissoro (b) e quimissoro (a), bem

    como as energias de ativao envolvidas. Para o caso da aproximao de molculas, essa

    energia maior, pois a quimissoro impe uma quebra ou modificao estrutural nas

    ligaes covalentes. importante mencionar, que as barreiras de ativao tambm dependem

    da morfologia do gro de poeira, sendo diferentes para o caso cristalino ou amorfo. O painel

    (III) ilustra um cenrio da adsoro de tomos e molculas na superfcie de um gro de poeira.

    Figura 10: Ilustrao da variao da energia potencial e cenrio de condensao do gs sobre a poeira. Os painis (I) e (II) ilustram a variao da energia potencial para o caso atmico e molecular, respectivamente. O painel (III) mostra um diagrama esquemtico dos regimes de adsoro/dessoro (c), fisissoro (b) e quimissoro (c) durante a condensao e formao do manto de gelo. Painis (I) e (II) adaptados de Whittet, (2003).

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 42

    Em uma nuvem molecular, as espcies hidrogenadas se condensam primeiro (berg,

    et al., 2011), ocupando os stios de quimissoro, uma vez que este regime limitado apenas

    pelos stios ativos disponveis. Os gases que so adsorvidos posteriormente esto sob o

    domnio das foras de van der Walls e no formam ligaes qumicas, como na quimissoro.

    Isso explica, por exemplo, a baixa depleo de algumas espcies no meio interestelar difuso,

    pois a energia absorvida na interao radiao-matria, suficiente para ejetar as espcies do

    manto com baixa temperatura de sublimao.

    1.2.2.3 Migrao, evaporao e reao qumica na superfcie do gro

    Aps um gs ser adsorvido na superfcie de um gro, existe uma importante relao

    entre o tempo de migrao (movimentao na superfcie do gro), o tempo de evaporao

    (retornar fase gasosa - dessoro) e tempo de reao para formar novas espcies.

    De acordo com (Tielens, 2005), o tempo de permanncia de uma espcie na superfcie

    de um gro antes que ele evapore, dada por:

    onde a frequncia de vibrao da espcie adsorvida em Hz, a energia da adsoro e a temperatura da superfcie de adsoro. A frequncia varia de acordo com a temperatura local e com a massa atmica da espcie envolvida. Para um gs monoatmico de

    H e de H2 ela igual a 2 1013 Hz e 1,4 1012 Hz, respectivamente.

    Ento, assumindo um caso em que os stios de quimissoro esto preenchidos com

    um manto de H2O, o tempo de evaporao para espcies de um gs de H2 de 3 107 s 10 K e 3 10-6 s para a temperatura de 30 K. Durante o tempo de permanncia na superfcie de um gro, a espcie pode migrar de um local para outro. As espcies com baixa massa atmica,

    como o H e o H2, por exemplo, migram atravs do tunelamento quntico, onde o tempo

    dado por (Tielens, 2005):

  • A FSICO-QUMICA DE REGIES DE FORMAO ESTELAR DE BAIXA MASSA 43

    onde a altura de uma barreira de potencial retangular, sua largura e a massa da espcie. Embora os valores da energia associada barreira, para o caso do H2 em uma

    superfcie de H2O no sejam bem conhecidos, estima-se a energia que seja menor que 350 K.

    Assumindo que a = 1 , a escala de tempo de 4 10-12 s. Isso uma insignificante frao do tempo de evaporao mostrado logo acima.

    Para o caso de espcies com maior massa atmica, o mecanismo de migrao ocorre

    atravs de saltos de um stio ativo para outro. O tempo dado por (Tielens, 2005):

    O tempo de salto de uma espcie de C em uma superfcie de H2O da ordem de 10-2 a

    10 K e 10-9 30 K. Para ambos os casos, esse tempo aumenta se for considerada uma

    superfcie de silicato (Tielens, 2005). importante observar tambm, que apesar da

    possibilidade de tomos de H e molculas de H2 migrarem por tunelamento atravs das

    barreiras de potencial, experimentos de laboratrio apresentados em (Katz, et al., 1999)

    mostram que essas duas espcies tm maior eficincia de migrao por salto do que por

    tunelamento. Os mecanismos de migrao por salto ou tunelamento so conhecidos como

    Langmuir-Hinshelwood ou Eley-Rideal, quando uma espcie oriunda da fase gasosa, reage

    diretamente com outra j adsorvida. Espera-se tambm que as escalas de tempo para a

    ocorrncia do mecanismo de Eley-Rideal sejam mais elevadas que para o de Langmuir

    Hinshelwood, devido s altas energias cinticas associadas ao gs. A Figura 11 ilustra os dois

    mecanismos de reao, como tambm a migrao por tunelamento e salto.

    Figura 11: Ilustrao dos mecanismos de migrao de espcies qumicas na superfcie de um gro de poeira interestelar, dada a presena de barreiras de energia potencial devido s imperfeies de estrutura. Fonte: Comunicao privada com Dr. Wing-Fai Thi.

  • CAPTULO 2

    CAPTULO 3 - METODOLOGIAS ADOTADAS

    Este captulo apresenta as ferramentas e metodologias adotadas para o estudo dos

    gelos astrofsicos nesta tese.

    2.1 Panorama das metodologias adotadas

    Para modelar computacionalmente as absores espectrais no infravermelho devido

    evoluo qumica de gelos astrofsicos condensados em discos e envelopes protoestelares, foi

    necessrio agregar dados obtidos atravs de experimentos em laboratrio e modelos de

    Figura 12: Panorama das metodologias empregadas neste trabalho, que so divididas em parte experimental, computacional e experimental.

  • METODOLOGIAS ADOTADAS 45

    simulao computacional de transferncia radiativa. Nesse sentido, para deixar claro as etapas

    que foram executadas neste trabalho, consideremos a Figura 12.

    A seguir so apresentados mais alguns detalhes das etapas mostra na Figura 12:

    1. Os dados de absorbncia foram obtidos em 3 laboratrios no Brasil e 1 na

    Frana, sendo: (i) LASA (Laboratrio de Astroqumica e Astrobiologia da

    Univap) em experimentos realizados nas dependncias do Laboratrio

    Nacional de Luz Sncrotron (LNLS); (ii) Laboratrio da PUC-Rio; (iii)

    LNLS e por fim no (iv) GANIL (Grand Acclrateur National d'Ions

    Lourds), respectivamente. A grandeza absorbncia dada pela seguinte

    equao:

    onde I0 a intensidade do feixe de radiao no infravermelho ao incidir na amostra de

    gelo e I a intensidade do feixe na deteco pelo espectrgrafo.

    2. Aps reunir todos os dados de absorbncia obtidos em experimentalmente,

    foram calculados para cada gelo, os ndices de refrao complexos utilizando

    o cdigo NKABS (Determination of N and K from ABSorbance data)

    elaborado por Rocha, et al., (2014), desenvolvido em linguagem de

    programao Python e baseado na lei de Lambert-Beer e relaes de

    Kramers-Kronig;

    3. Os ndices de refrao dos gelos foram utilizados para calcular as opacidades

    (seo de choque por partcula por massa) usando a teoria de Mie (Mie, 1908),

    que resumidamente, assume que os gelos tem geometria esfrica, e suas sees de

    choque de absoro e espalhamento so funo do ndice de refrao complexo.

    Alm disso, estes dados foram usados para calcular o albedo dos gelos e verificar

    como este parmetro varia com o parmetro fluncia, que dada em ons/cm2;

  • METODOLOGIAS ADOTADAS 46

    Uma vez que as opacidades dos gelos foram calculadas, eles foram aplicados no

    cdigo de transferncia radiativa RADMC-3D2 para reproduzir a distribuio

    espectral de energia da protoestrela de baixa massa Elias 29. Os resultados

    mostram que o uso dos dados de opacidade que contm informaes sobre a

    evoluo qumica dos gelos essencial para reproduzir os dados observados, como

    por exemplo, a distribuio espectral de energia (DEE), ou do ingls SED

    (Spectral Energy Distribution).

    2.2 Metodologia experimental tpica

    Juntamente com as observaes de gelos astrofsicos no meio interestelar, os

    experimentos em laboratrio so importantes para entender como variam os parmetros

    fsico-qumicos do gelo com a mudana de temperatura, bem como com a natureza e a

    intensidade da radiao ionizante e raios csmicos. Outro aspecto importante do experimento

    deteco da sntese de novas molculas, radicais e ons que so verificados por tcnicas de

    espectroscopia no infravermelho e espectrometria de massa e cromatografia gasosa.

    Os dados usados neste trabalho dos quais foram extradas os parmetros fsicos e

    qumicos dos gelos foram obtidos em experimentos realizados em dois pases: Brasil e

    Frana. No Brasil foram utilizados trs laboratrios: (i) a cmara experimental do Laboratrio

    de Astroquimica e Astrobiologia da Univap (LASA/UNIVAP) acoplada linha de luz SGM

    (Spherical Grating Monochromator) do Laboratrio Nacional de Luz Sncrotron (LNLS), em

    Campinas-SP, Brasil; (ii) a cmara experimental e a linha de luz SGM do LNLS e (iii)

    laboratrio da PUC-Rio. Na Frana foram utilizadas as diferentes linhas do acelerador de ons

    pesados GANIL (Grand Acclrateur National d'Ions Lourds), em Caen, Frana.

    importante ressaltar que a grande maioria dos dados coletados e apresentados nesta tese foram

    obtidos pelo Prof. Dr. Sergio Pilling (orientador desta tese) e demais colaboradores em um

    perodo anterior a esta tese, e que a maioria deles j foram publicados na literatura ou esto

    em fase de preparao (Ver Tabela 5). Entretanto, todos os dados que foram obtidos no

    LASA/LNLS e alguns dados coletados no GANIL tiveram a participao do autor desta tese.

    2 http://www.ita.uni-heidelberg.de/~dullemond/software/radmc-3d

  • METODOLOGIAS ADOTADAS 47

    A Figura 13 apresenta um diagrama esquemtico da montagem experimental tpica

    empregada para obteno dos dados experimentais utilizados nesta tese. Neste tipo de aparato

    experimental podemos simular a evoluo qumica de um dado gelo astrofsico na presena de

    um campo de radiao ou mesmo na presena de um gradiente de temperatura. Dependendo

    do tipo de gelo astrofsico a ser simulado, as amostras podem ser puras (Ex. H2O, CO, CO2)

    ou misturadas (Ex. H2O:CO2, H2O:CO:NH3). Uma vez preparada a amostra na cmara de

    misturas, uma vlvula usada para injet-la em um substrato de CsI, NaCl ou ZnSe

    (transparentes no infravermelho), em uma cmara de ultra-alto-vcuo a uma presso da ordem

    de 10-8 mbar ou menor e geralmente resfriado 10 K por um criostato. Tais condies so

    necessrias para evitar contaminaes do ar atmosfrico na cmara experimental.

    Figura 13: Diagrama esquemtico da montagem experimental tpica empregada para obteno dos dados experimentais utilizados nesta tese. O gelo condensado sobre um substrato (Ex. CsI, ZnSe) previamente resfriado T ~ 10 K. Um espectrmetro no infravermelho usado para monitorar as bandas de absoro do gelo durante o experimento. Figura adaptada de Pilling, et al., (2010).

    Depois que a amostra condensada na superfcie do substrato dentro da cmara

    experimental, ele pode ser submetido a (i) um campo de radiao ionizante, como UV, raio-X,

    ou a um feixe de ons, que simulam os efeitos da radiao em regies tpicas do meio

    interestelar ou (ii) uma variao de temperatura, que pode fornecer energia suficiente para

    algumas reaes qumicas, atravs de colises quando as espcies do gelo migram na

    superfcie do gro de poeira, ou para induzir efeitos de segregao ou cristalizao. Para

    monitorar as mudanas induzidas no gelo, geralmente utilizado um espectrgrafo no

    infravermelho, chamado de FTIR (Fourier Transform InfraRed spectroscopy). Esta tcnica

    permite obter um espectro de absorbncia, como mostrado na Figura 14. A absorbncia mede,

  • METODOLOGIAS ADOTADAS 48

    em escala logartmica, a razo entre a intensidade da radiao na faixa estudada (em geral no

    infravermelho), que incide e sai da amostra de gelo.

    A Figura 14 mostra o intervalo entre 2200 1000 cm-1 (4,5 10 >m) de um espectro de

    absorbncia para um gelo composto pela mistura de H2O:CO2 (1:1). apresentada tambm a

    sntese de molculas devido variao da fluncia sobre as amostras. Nesta figura, a

    formao de novas molculas caracterizada pelo aumento da absorbncia em nmeros de

    onda especficos, indicando que molculas que no estavam presentes no gelo (fluncia 0)

    foram formadas aps o processamento energtico da amostra condensada. So exemplos da

    formao de novas espcies as molculas de HCOOH, CH4, CH3CHO. Por outro lado, a

    Figura 14 tambm mostra a destruio de molculas, como por exemplo, a quebra de ligaes

    do bending mode da molcula de H2O. A destruio caracterizada pela diminuio na

    intensidade do pico entre 1800 1500 cm-1.

    Figura 14: Detalhe de um intervalo do espectro de absorbncia de uma mistura de gelo de H2O:CO2 (1:1) entre 2200-1000 cm

    -1, destacando a sntese de molculas em vrias fluncias Fonte: Pilling, et al., 2010a.

    Com base na tcnica de espectroscopia no infravermelho, muitos parmetros tais como

    seo de choque de destruio/formao, densidade colunar e tempo de meia-vida podem ser

    calculados dos dados de absorbncia, como podem ser observados nos trabalhos de (Pilling, et

    al., 2010a; 2010b; de Barros, et al., 2014; Andrade, et al., 2014). Alm disso, os dados de

    absorbncia podem ser usados para monitorar a dinmica de segregao e dessoro de uma

    mistura de gelos com a temperatura. A Figura 15a mostra a absorbncias do modo vibracional

  • METODOLOGIAS ADOTADAS 49

    em 660 - 655 cm-1 do CO2 em uma mistura de H2O:CO2 diferentes temperaturas e no

    intervalo de nmero de onda entre 680-600 cm-1. A Figura 15b apresenta uma ilustrao da

    dinmica das molculas presentes em um dado gelo com o aumento de sua temperatura

    (berg, 2009). O pico duplo que aparece no dado de absorbncia 60 K, significa que houve

    segregao da molcula polar (H2O) e apolar (CO2), induzida pelo aumento da temperatura.

    Acima dessa temperatura (ex. 75 K), iniciada a dessoro da espcie mais voltil (CO2), no

    entanto, o sinal medido pelo espectrgrafo ainda no zero. Isso significa que uma frao da

    molcula de CO2 ainda est presa nas partes internas do gelo rico em H2O, devido s

    porosidades. Quando a temperatura atinge valores superiores 150 K, todo o gelo de CO2 foi

    dessorvido.

    Figura 15: Absorbncia e ilustrao da dinmica do gelo de H2O:CO2 diferentes temperaturas. (a) Absorbncia do gelo de H2O:CO2 observado entre 680-600 cm

    -1. (b) Ilustrao da dinmica de segregao e dessoro do gelo de H2O:CO2. Figura adaptada de berg, 2009.

    2.2.1 Vibraes moleculares e espectroscopia no IR

    Embora a matria no estado slido parea rgida no regime macroscpico,