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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO (EA) PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL (PDGS) MESTRADO MULTIDISCIPLINAR E PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL SIMONE AMORIM RAMOS MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: NATUREZA E FRONTEIRAS DE APRENDIZAGEM Salvador 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA)

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO (EA) PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL (PDGS)

MESTRADO MULTIDISCIPLINAR E PROFISSIONAL EM DESENVOLVIMENTO E GESTÃO SOCIAL

SIMONE AMORIM RAMOS

MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: NATUREZA E FRONTEIRAS DE APRENDIZAGEM

Salvador 2013

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SIMONE AMORIM RAMOS

MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: NATUREZA E FRONTEIRAS DE APRENDIZAGEM

Dissertação apresentada ao Programa de Desenvolvimento e Gestão Social, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social.

Orientadora: Profª. Drª. Rosana de Freitas Boullosa

Salvador 2013

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Escola de Administração - UFBA

R175 Ramos, Simone Amorim.

Migração de escala em instrumentos de políticas públicas: natureza e fronteiras de aprendizagem / Simone Amorim Ramos. – 2013.

111 f.

Orientadora: Profa. Dra. Rosana de Freitas Boullosa. Dissertação (mestrado profissional) – Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Salvador, 2013.

1. Políticas públicas. 2. Políticas públicas – Pesquisa. 3.

Abordagem interdisciplinar do conhecimento. 4. Escala (Ciências

sociais). I. Universidade Federal da Bahia. Escola de Administração. II.

Título.

CDD – 361.6

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SIMONE AMORIM RAMOS

MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: NATUREZA E FRONTEIRAS DE APRENDIZAGEM

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestra em Desenvolvimento e Gestão Social, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 17 de dezembro de 2013.

Banca Examinadora

Profª. Drª. Rosana de Freitas Boullosa - Orientadora ______________________ Doutora em Políticas Públicas (Università IUAV di Venezia/Itália) Universidade Federal da Bahia - UFBA

Prof. Dr. Fernando de Souza Coelho ______________________________________ Doutor em Administração Pública e Governo (EAESP- Fundação Getúlio Vargas)

Prof. Dr. Horacio Nelson Hastenreiter Filho ______________________________ Doutor em Administração – UFBA Universidade Federal da Bahia - UFBA

.

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Àqueles que acreditam que outro mundo é possível e que fazem do amor um exercício de alteridade.

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AGRADECIMENTOS

A todas e a todos que compartilharam comigo seus saberes, suas

incertezas, seus sonhos. Àqueles que, paciente e amorosamente, acolheram minhas

dúvidas, minhas inquietações, minhas paixões; que me ajudaram a aprender e a

compreender que somos sempre nós, que o caminho é sempre incerto e que o fim é

sempre um recomeço.

Em especial, àqueles que participam das andanças e dos diálogos em busca

de um mundo mais justo, mais plural, mais compartilhado. Aos que estão sempre em

movimento, que afetam e se deixam afetar pelas cores, dores e versos de um

mundo sempre em (re)construção. Àqueles cujos nomes não irei citar, mas que

confirmam que a experiência de viver deve ser uma aprendizagem contínua.

Aos gestores e técnicos envolvidos com os casos tomados como laboratório

nesta pesquisa, que, generosamente, dividiram suas percepções e vivências

comigo.

À professora Rosana Boullosa, cuja orientação precisa e preciosa, foi

determinante nesta caminhada do mestrado, instigando e apoiando a busca por

novos conhecimentos, e confirmando a importância de uma postura dialógica diante

do Outro, diante da vida.

A João Pedro, companheiro de tantas caminhadas.

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Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.

PAULO FREIRE

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RAMOS, Simone Amorim. MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: NATUREZA E FRONTEIRAS DE APRENDIZAGEM. 111f. Il. 2013. Dissertação (Mestrado) – Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia, 2013.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo compreender a natureza e as fronteiras de aprendizagem dos processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas. Parte-se de uma abordagem mais sociocêntrica das políticas públicas, compreendendo-as como ação complexa e multiatorial para tratamento de um problema de relevância pública, a partir de instrumentos (co)ativados por diferentes atores sociais, para além do Estado. Assume-se, nesta pesquisa, a centralidade destes instrumentos para o estudo das políticas públicas, voltando o olhar para aqueles que foram redesenhados devido a processos de migração de escala. Instrumentos que nasceram, declaradamente ou não, a partir da relação com outros pré-existentes. Por meio de uma problematização construída a partir da prática e adotando como uma das estratégias metodológicas a reconstrução dos itinerários migratórios de quatro casos tomados como laboratório no âmbito desta pesquisa, foram feitas reflexões nos planos ontológico, epistemológico, analítico e metodológico, identificando e analisando elementos e dinâmicas que ajudam a conformar as fronteiras e a natureza do objeto de pesquisa, ainda não precisado na literatura especializada. Tal esforço analítico resultou em uma proposta de tipificação da migração de escala em instrumentos de políticas públicas, com a modelização de quatro tipos de manifestação do fenômeno, descritos e caracterizados nesta dissertação: a) migração por replicação; b) migração por ampliação; c) migração por inspiração; d) migração por apropriação. Sob influência da sociologia pragmática e compreendendo que o conhecimento ganha importância na medida em que se torna útil, buscou-se ainda modelizar os principais desafios e potenciais de aprendizagem relacionados a cada um dos tipos migratórios singularizados, resultando em um conjunto de problematizações e orientações mínimas para futuras trasladações de instrumentos de políticas públicas. Palavras-chave: Instrumentos de políticas públicas. Migração de escala.

Aprendizagem. .

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RAMOS, Simone Amorim. SCALE MIGRATION IN PUBLIC POLICIES‟ INSTRUMENTS: NATURE AND LEARNING BORDERS.111 p. II. 2013. Master‟s Theses – Business School, Federal University of Bahia, 2013.

ABSTRACT

The present study aims at understanding the nature and the frontiers of learning of scale migration processes in public policy instruments. It assumes a sociocentric approach of public policies, understanding them as a complex and multi-actor action for addressing a relevant public issue, through instruments that are (co)-activated by different social actors, beyond (the sphere of) the State. This research assumes the centrality of these instruments for public policy studies, looking at those that were redesigned due to scale migration processes, instruments that were born, no matter if it was declared or not, from relationships with pre-existing ones. There were made some considerations from ontological, epistemological, analytical and methodological points of view; identifying and analysing elements and dynamics that help to configure the frontiers and the nature of the research object, this last one has not yet been delineated in the specialised literature. This was done through a problematization developed from practice and by adopting, as one of the methodological strategies, the migratory itinerary reconstruction of four cases taken as case studies in the scope of this research. Similar analytical efforts resulted in a typification proposal of scale migration processes in public policy instruments, modeling four types of phenomenon expression, described and characterized in this thesis: a) migration due to replication; b) migration due to expansion; c) migration due to inspiration; d) migration due to appropriation. Under the influence of pragmatic sociology and understanding that knowledge becomes relevant once it is useful, this study also attempted to model the main challenges and learning potential related to each migration type specified, resulting in a set of problematization and minimal guidance for future transmigration of public policy instruments.

Key words: public policy instruments; scale migration; learning.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Objetivos específicos e instrumentos de pesquisa utilizados 37

Quadro 2 Entrevistas realizadas 41

Quadro 3 Quadro referência para discussão da aprendizagem em processos de migração de escala em IPP.

65

Quadro 4 Exemplos de possibilidades combinatórias de fluxos

migratórios em instrumentos de políticas públicas.

70

Quadro 5 Elementos escalares para compreensão da migração em instrumentos de políticas públicas.

72

Quadro 6 Elementos não escalares para compreensão da migração em

instrumentos de políticas públicas.

73

Quadro 7 Quadro-síntese das representações possíveis de elementos escalares e não escalares em processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas

77

Quadro 8 Quadro-síntese dos tipos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

88

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Esquema gráfico para visualização de tipos de composições em instrumentos de políticas públicas

23

Figura 2 Síntese resultante das principais implicações para o estudo

dos processos de políticas públicas pela Mirada ao Revés.

50

Figura 3 Mapa conceitual sobre aprendizagem 57

Figura 4 Síntese de percurso analítico para compreensão das fronteiras e natureza do movimento migratório, resultando em uma proposta de tipologia da migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

68

Figura 5 Aspectos conformadores da natureza do movimento migratório

81

Figura 6 Tipos de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas

82

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ANA Agência Nacional de Águas

AP1MC Associação Programa Um Milhão de Cisternas

ARPP Análise Racional de Políticas Públicas

ASA Articulação no Semiárido brasileiro

CETAD Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas

CIAGS Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social

COP 3 Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação

EA Escola de Administração

EAUFBA Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia

IMANA Iniciativa Município Amigo de La Niñez y Adolescencia

IPP Instrumento de Políticas Públicas

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MJ Ministério da Justiça

MS Ministério da Saúde

OIT Organização Internacional do Trabalho

ONU Organização das Nações Unidas

P1+2 Programa Uma Terra e Duas Águas

P1MC Programa Um Milhão de Cisternas

PP Políticas Públicas

PRONASCI Programa Nacional de Segurança com Cidadania

SENAD Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas

SESAN Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SUS Sistema Único de Saúde

UFBA Universidade Federal da Bahia

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14

2 CONSTRUINDO O OBJETO DE PESQUISA - PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

20 2.1 DA SITUAÇÃO-PROBLEMA AO OBJETO-PROBLEMA 20

2.2 PERGUNTA E OBJETIVOS DE PESQUISA 26

3 POSICIONANDO O OLHAR METODOLÓGICO 27

3.1 MÉTODO 27

3.2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS E INSTRUMENTOS DE PESQUISA

30

3.2.1 Casos laboratório de investigação 30

3.2.2 Instrumentos de pesquisa 37

4 POSICIONANDO O OLHAR ANALÍTICO 42

4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ALÉM DO ESTADO 42

4.1.1 As principais escolas de estudo das políticas públicas 44

4.1.2 Uma nova mirada no campo de estudos de políticas públicas no Brasil

47

4.2 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AOS SEUS INSTRUMENTOS 51

4.3 DOS INSTRUMENTOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS 54

4.4 APRENDIZAGEM EM POLÍTICAS PÚBLICAS 56

4.4.1 Abordagem social da aprendizagem 57

4.4.1.1 Aprendizagem pela prática 60

4.4.1.2 Aprendizagem pela reflexividade 61

4.4.1.3 Aprendizagem entre continuidades e rupturas 63

4.4.1.4 Contribuições para discutir aprendizagem em processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas

65

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5 PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO SUAS FRONTEIRAS E NATUREZA

66

5.1 A QUESTÃO DA ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

68

5.2 ELEMENTOS E DINÂMICAS ESCALARES PARA COMPREENSÃO DA MIGRAÇÃO EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

71 5.2.1 Dinâmicas dos elementos escalares e não escalares para

compreensão das fronteiras do movimento migratório

73 5.2.2 Aspectos relativos à natureza do movimento migratório 78

5.3 TIPIFICAÇÃO DA MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

81

5.3.1 Tipo 1: Migração por replicação 83 5.3.2 Tipo 2: Migração por ampliação 84 5.3.3 Tipo 4: Migração por inspiração 85 5.3.4 Tipo 3: Migração por apropriação 86 5.3.5 Breve síntese e alguns comentários adicionais 87 6 APRENDIZAGEM EM PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE

ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DESAFIOS E POTENCIALIDADES

90

6.1 DESAFIOS DE APRENDIZAGEM NA MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

90 6.1.1 Desafios de aprendizagem comuns à migração por replicação 91 6.1.2 Desafios de aprendizagem comuns à migração por ampliação 92 6.1.3 Desafios de aprendizagem comuns à migração por inspiração 93 6.1.4 Desafios de aprendizagem comuns à migração por

apropriação

94

6.2 POTENCIAIS DE APRENDIZAGEM EM PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

95 6.2.1 Aprendizagem socioprática 95

6.2.2 Do circuito simples para o circuito duplo 97

6.2.3 Associação entre aperfeiçoamento e inovação 98

6.2.4 Estética da imperfeição 99

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 101

7.1 ALGUMA RECOMENDAÇÃO É POSSÍVEL? 102

7.2 UM CAMINHO EM CONSTRUÇÃO 104

REFERÊNCIAS 106

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1 INTRODUÇÃO

Os futuros são muitos... dependerão dos arranjos diferentes, segundo nosso grau de consciência, entre o reino das possibilidades e da vontade. (MILTON SANTOS, 2002).

Políticas públicas é uma daquelas expressões cujo uso foi apropriado por

diversos atores sociais em diferentes contextos de atuação, seja em instâncias

estatais, da sociedade civil, da iniciativa privada, da cooperação internacional, ou na

mídia. A eficácia e a efetividade das políticas públicas e até mesmo sua suposta

escassez, dentre outras questões, têm sido temas recorrentes em discussões sobre

os problemas que afetam a população e suas possíveis formas de tratamento. A

importância de qualificá-las e ampliá-las parece ser consenso nos discursos

proferidos por diferentes atores e em distintas bandeiras de lutas sociais. Tais

situações revelam o fato de que as políticas públicas tornaram-se onipresentes no

mundo atual e ocupam lugar central nos processos de garantia de direitos, em

arenas marcadas, cada vez mais, por uma pluralidade de atores, cujas relações de

proximidade ou distanciamento se conformam a partir do problema ou bem público

que as ativa, assim como dos instrumentos utilizados para governá-los. Na esteira

dessas discussões, o campo de estudos sobre políticas públicas tem se ampliado,

diversificado e ganhado novos contornos, a partir de diferentes matrizes

interpretativas e de diferentes fenômenos estudados.

De forma geral, duas grandes correntes têm caracterizado o estudo das

políticas públicas, independentemente de serem mais descritivas ou prescritivas: de

um lado, as abordagens centralizadas no Estado; de outro, as perspectivas

multicêntricas. Ainda hegemônicas na literatura brasileira, as abordagens mais

tradicionais costumam associar as políticas públicas às ações e decisões propostas

e implementadas por entes estatais para tratar de um problema em determinada

área (educação, saúde, transporte, trabalho, moradia etc). Neste sentido, política

pública é o que faz ou deixa de fazer o governo, incluindo os motivos para tanto e as

consequências de suas ações. (DYE, 2005). Por sua vez, em uma visão

multicêntrica, é possível problematizar as políticas públicas redirecionando o foco do

ator para o problema ou o bem público que a desencadeou, compreendendo-as não

mais como ações do governo, mas como ações de governo, onde quem governa é

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quem se atoriza nos processos e nos fluxos em curso de políticas públicas.

(BOULLOSA, 2013).

Percebidas como construtos sociais e analíticos, as políticas públicas podem

ser compreendidas como ação complexa, multiatorial para tratamento de um

problema de pública relevância, modelizada em instrumentos desenhados e ativados

por diferentes atores sociais. Apesar de oferecerem elementos importantes para a

compreensão do processo de políticas públicas, seus instrumentos ainda carecem

de estudos mais aprofundados. Na maior parte dos trabalhos existentes, os

instrumentos de políticas públicas são tratados como algo periférico, como se

fossem desprovidos de significados e resultassem de decisões exclusivamente

gerenciais, refletindo uma histórica separação entre técnica e política presente no

campo de estudos sobre políticas públicas.

Desde os primeiros esforços para reconhecimento das políticas públicas

enquanto área do conhecimento, ainda nos anos 1950, a partir das contribuições do

cientista político estadunidense Harold Lasswell, o estudo das políticas públicas

carrega consigo uma forte preocupação em definir a si próprio. Esta preocupação

pode ser vista, por exemplo, na discussão recorrente sobre a relação entre política

(politic) e políticas públicas (policy). (SECCHI, 2012). A tese de Lasswell (1950) de

que as políticas públicas seriam o governo em ação ainda é repetida por muitos

autores. Outras compreensões, porém, surgiram e têm ganhado espaço. Menos

frequentes e encabeçados por Theodore Lowi, alguns autores, por exemplo,

argumentam que são as políticas públicas a determinar a política. Mais

recentemente, têm sido defendidas também a inversão da relação de influência e a

existência de uma relação de mútua determinação, a partir da convivência de

múltiplos fluxos e atores nos processos de tratamento de problemas considerados

de relevância pública. (HEINELT, 2007).

Dentre as possibilidades interpretativas que a compreensão de uma relação

no mínimo mais fluida ou de interdependência entre políticas públicas e política

proporciona, uma delas tem se revelado muito fértil, embora ainda pouco discutida

no Brasil: o reposicionamento da importância dos instrumentos no âmbito do próprio

estudo das políticas públicas. Com o crescimento da complexidade da gestão no

mundo contemporâneo e com a tendência à instrumentalização, tal importância vem

sendo revista nos últimos anos em função de uma compreensão menos tecnocrática

e mais sociológica dos instrumentos, despertando o interesse de muitos teóricos que

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os viam como uma coisa menos importante nesse campo de práticas e

conhecimentos.

A nova centralidade assumida pelos instrumentos de políticas públicas,

porém, deve fazer as contas com um problema no plano da ontologia: o que é um

instrumento, onde ele está e como seus estudiosos podem identificá-lo. As

respostas são variadas, as quais, por óbvio, levam a caminhos diferentes de

estudos. Alguns autores os concebem como estratégias instrumentais (LASSWELL,

1958 apud HOWLETT, 2013); ferramentas do governo e meio através do qual a

ação coletiva é estruturada para lidar com problemas públicos (SALAMON, 2002,

HOOD, 1986 apud OLLAIK, 2012); como os meios e os expedientes reais a que os

governos recorrem para implementar suas políticas (HOWLETT, 2013); ou ainda, em

uma abordagem mais sociopolítica, como dispositivos técnicos e sociais, que

organizam relações específicas entre o Estado e a sociedade, segundo as

representações e significados que carregam consigo. (LASCOUMES, LE GALÈS,

2007).

Ao olhar os instrumentos a partir da escola da policy inquiry (REGONINI,

2001 apud BOULLOSA, 2013) e da abordagem da Mirada ao Revés (BOULLOSA,

2013), perspectivas policêntricas de estudos das políticas públicas nas quais se

sente acolhida esta pesquisa, pode-se compreender um instrumento de políticas

públicas como uma resposta razoavelmente estruturada e com diferentes níveis de

complexidade a um problema coletivamente percebido como relevante, desenhada e

(co)ativada por diferentes atores sociais. Assim, um instrumento de políticas públicas

pode se apresentar em diferentes modos, com diferentes graus de complexidade,

produzindo diferentes subsistemas atoriais de políticas públicas, mobilizando muitos

e diferentes recursos, com diferentes graus de precisão, coerência, pertinência,

eficiência, eficácia, a depender de quem o observa. Todas estas variáveis

dependeriam ainda, como poderia lembrar Kingdon (2003), do momento e das

condições nas quais o instrumento foi criado, compreensão calcada em sua teoria

da formação de agenda ou simplesmente da policy window do instrumento.

A formulação dos instrumentos de políticas públicas quase nunca se dá em

um contexto livre de pressões, com alto grau de certeza ou com níveis simétricos de

informação. Pelo contrário, geralmente, acontece em situações com elevadas doses

de incerteza, imprevisibilidade e ambiguidade. Com isto, os formuladores são

levados a dar respostas rápidas e com diferentes níveis de complexidade aos

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problemas que surgem em seus contextos de atuação. O resultado disto são

instrumentos com diferentes graus de redundância e novidade, oriundos de

diferentes composições. A compreensão desta dinâmica de criação, que gera

instrumentos compostos, já tinha sido trabalhada por Lascoumes e Le Galès (2007,

2012), para quem as partes originais dos instrumentos carregam consigo gramáticas

e finalidades próprias nem sempre coerentes com suas novas roupagens. Ainda

segundo estes autores, tal inconsistência poderia explicar as contradições entre as

teorias explícita e implícita dessas novas composições – uma diferença entre o que

o instrumento diz que faz e o que ele realmente faz. Em outras palavras, diferenças

entre os resultados esperados e os resultados encontrados com a implementação

dos instrumentos.

Entender o que eram esses instrumentos compostos foi o primeiro interesse

desta pesquisa. Mas, logo de início, percebeu-se que, ao estudar tais instrumentos,

poder-se-ia identificar, no mínimo, dois grandes grupos: um primeiro, ao qual se

denomina aqui de composições simples, cuja fonte original é formada por um único

instrumento; e um segundo grupo, aqui denominado de composições complexas,

cuja fonte original é formada por mais de um instrumento. A partir dos primeiros

passos de pesquisa, percebeu-se também que, para melhor compreender a

natureza destas composições, o caminho mais fértil, nesse momento, seria estudar

as composições simples. Mas, identificou-se ainda a não existência de uma literatura

específica sobre tal fenômeno, já que este não se constituía em um objeto singular

de pesquisa. Tal fato, contudo, não impedia a autora de ver a clareza deste objeto

de estudo, sobretudo quando se olhava para os instrumentos de políticas públicas já

existentes. Assim, imaginou-se que o estudo aqui apresentado deveria ter dois

propósitos: o primeiro seria singularizar o objeto de pesquisa; e o segundo seria

problematizar, na medida do possível, a natureza e as fronteiras deste objeto

singularizado. Por isso, definiu-se como objetivo geral da presente pesquisa

problematizar a natureza e as fronteiras de aprendizagem dos processos de

migração de escala em instrumentos de políticas públicas, já que este objetivo inclui

a necessidade de singularizar o objeto de estudo.

A construção do objetivo geral acima formulado se deu dentro de um

contexto de método que privilegiou o que Lucrécia Ferrara (1987) chamou de

“ciência viva”, a partir dos estudos pragmaticistas de Charles Sanders Peirce. Foi o

pragmaticismo que permitiu construir uma relação de abdução com o campo

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empírico, para assumir, assim, quatro casos como laboratório de investigação, que

permitiram elucidar questões relativas à construção teórica do objeto. Foi este

mesmo contexto pragmaticista de pesquisa que propiciou uma íntima amarração

entre o objeto, o posicionamento do olhar metodológico e o posicionamento do olhar

analítico. Desta amarração, foram construídos os seguintes objetivos específicos:

1) Problematizar os processos de redesenho como processos de migração

de escala;

2) Singularizar tais processos como objeto de pesquisa;

3) Diferenciar tais processos, tipificando-os em suas naturezas;

4) Problematizar os sistemas de aprendizagem a partir das naturezas que

diferenciam tais processos (os quais, por sua vez, conformam o objeto de

estudo encontrado) e a partir das contribuições/reflexões subsidiadas

pelos casos-laboratório;

5) Validar a modelização de proposta analítica;

6) Modelizar os desafios inerentes a cada migração, gerando um conjunto

mínimo de orientações para futuros casos de redesenho de instrumentos

de políticas públicas, motivado por migração de escala.

Dessa forma, a partir de problematizações resultantes de reflexões nos

planos analítico (estudar a partir de que lugar?), ontológico (o que é?), metodológico

(como estudar?) e empírico (o que considerar como materiais de pesquisa?), esta

dissertação estrutura-se em cinco capítulos, além desta parte introdutória e das

considerações finais. No segundo capítulo, parte-se da situação problemática para,

em seguida, conformar o objeto-problema: processos de migração de escala em

instrumentos de políticas públicas. Assim, busca-se, a partir das evidências de sua

existência empírica, realizar as primeiras problematizações sobre a natureza e os

contornos deste objeto individualizado, resultando na formulação da pergunta e dos

objetivos de pesquisa. No terceiro capítulo, explicita-se o processo de construção do

caminho do estudo, posicionando-se sob influência da sociologia pragmática,

especialmente da ideia de abdução, trabalhada por Peirce, e da teoria da indagação,

de John Dewey. Dessa forma, a partir de uma inferência abduzida, são descritas as

estratégias metodológicas e os instrumentos utilizados para o alcance dos objetivos

de pesquisa. Nesta seção, também são feitas breves descrições dos casos

assumidos como laboratório. No capítulo seguinte, são apresentados os referenciais

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teóricos que embasam a pesquisa, discorrendo sobre algumas das principais

escolas de estudos sobre políticas públicas, além de novas tendências nos estudos

dos instrumentos e aprendizagem em políticas públicas. Uma vez explicitados o

objeto e posicionados os olhares metodológico e analítico da autora, o capítulo 5 é

dedicado a analisar os elementos que ajudam a compreender a natureza e a

conformar as fronteiras (de atores, policy subsistem, modelo de gestão, cobertura

territorial, tempo, orçamento, etiqueta e significado) do movimento migratório em

instrumentos de políticas públicas. Disto, resulta uma proposta de modelização do

fenômeno em quatro tipos: migração por replicação; migração por ampliação;

migração por inspiração e migração por apropriação. O capítulo 6 problematiza as

fronteiras e os potenciais de aprendizagem na migração de escala em instrumentos

de políticas públicas, a partir da singularização dos principais desafios comuns a

cada um dos quatro tipos migratórios identificados. Finalmente, na seção de

considerações finais, busca-se refletir sobre as principais contribuições da pesquisa

para o campo da gestão social, registrando limitações e possíveis desdobramentos

do estudo, e formulando algumas recomendações que possam subsidiar futuros

processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

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2 CONSTRUINDO O OBJETO DE PESQUISA - PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE

ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

2.1 DA SITUAÇÃO -PROBLEMA AO OBJETO-PROBLEMA

Os estudos das políticas públicas podem assumir diferentes caminhos, a

partir das matrizes analíticas e metodológicas adotadas. Em todos eles, os

instrumentos de políticas públicas possuem um lugar de destaque como objeto de

investigação empírica, mas pouca ênfase dentro da literatura mais teórica. Como

resultado, continua-se a estudar as políticas públicas sem estudar em profundidade

seus instrumentos, ou seja, sua matéria prima (o que são, como são, porque são,

seus efeitos etc). Tal fato pode estar relacionado, como sugerem alguns autores,

com uma velha máxima que os tem considerado como algo menor no processo e no

estudo de tal campo empírico e teórico. Esta situação parece ser efeito, e ao mesmo

tempo evidência, de uma histórica separação entre técnica e política, que ainda vem

marcando o campo das políticas públicas, resultando em uma concentração dos

olhares e esforços de pesquisadores e decisores políticos sobre os processos de

tomada de decisão, em detrimento das questões relativas ao desenho das políticas

públicas e de seus instrumentos (policy design).

Segundo Lascoumes e Le Galès (2007, 2012), os instrumentos costumam

ser tratados como periféricos no entendimento das políticas públicas, como um

aspecto secundário, uma dimensão superficial, cuja principal questão de análise

reside na maximização da eficácia destes. Tal situação, como denunciam os

autores, esconde o que está politicamente em jogo, as relações de poder e as

dinâmicas de (des)politização intrinsecamente associadas aos instrumentos de

políticas públicas. Nesse sentido, embora grande parte dos estudos se ocupe dos

processos de tomada de decisão, são os instrumentos (e suas teorias implícitas,

para além dos discursos oficiais que os definem) que irão governar as relações

sociais e os comportamentos dos diversos atores por eles mobilizados

(LASCOUMES; LE GALÈS, 2007).

Se os instrumentos de políticas públicas são pouco observados e estudados,

consequentemente conhece-se pouco sobre eles, seja no Brasil ou em outros

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países. Apesar de terem recebido algum tipo de tratamento na literatura

especializada nas últimas três décadas, diversos autores apontam que os

instrumentos não têm sido suficientemente estudados e detalhados, como se mostra

necessário (MAY, 1981, 1991 e 2003, WEIMER 1992, BOBROW 2006 apud

HOWLETT, 2011; LASCOUMES; LE GALÈS, 2007, 2012). Sua análise tem sido

geralmente associada aos estudos sobre implementação de políticas públicas (MAY

apud HOWLLET, 2011) e aos de ideias e formulação de políticas (LINDERS;

PETERS, 1990; JAMES; JORGENSEN, 2009 apud HOWLLET, 2011), mas sem

conferir uma atenção sistemática e aprofundada aos elementos que os compõem e

aos seus conceitos-chave. (HOWLLET, 2011).

Dessa forma, a literatura sobre instrumentos de políticas públicas pode ser

dividida em dois grandes grupos: um primeiro mais sociológico; e um segundo que

pode ser identificado como mais técnico. No primeiro, encontram-se trabalhos que

buscam compreender e classificar os instrumentos pelo seu propósito de

organização (de classe) social, como é o caso da proposta de Lowi (1964), que

classifica os instrumentos (e as políticas) como distributivos, redistributivos,

constitutivos e reguladores; mas também que buscam classificá-los quanto ao grau

de coerção (de alto a baixo, de Kirschen, 1975), à distribuição dos custos e

benefícios (Wilson, 1983), aos níveis de complexidade exigidos (Gormley, 1986),

dentre outros. No segundo grupo, destacam-se estudos como os de: Schneider e

Ingram (1990), com os instrumentos que buscam influenciar nos comportamentos;

May (2003 apud Howllet, 2011), para quem os fatores políticos se sobrepõem aos

critérios econômicos de racionalidade; e Howllett (2011), que, ao falar do design,

assume uma perspectiva do ensino dos instrumentos, afastando-se dos estudos

classificatórios destes. Para este último autor, policy design é um assunto complexo,

com muitas nuances e variações a serem consideradas, mas surpreendentemente

pouco estudado e compreendido. (HOWLETT, 2011).

Há ainda o trabalho de Lascoumes e Le Galès (2007, 2012) que busca

aproximar as duas perspectivas de estudo acima citadas, propondo uma abordagem

sociotécnica dos instrumentos, e de suas características de desenho. Os

instrumentos vêm conquistando, assim, uma nova centralidade nos estudos das

políticas públicas, abrindo, dessa forma, a possibilidade de compreendê-las por meio

de suas práticas, instrumentos e discursos – explícitos e implícitos.

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No âmbito desta pesquisa, o olhar será direcionado para o desenho dos

instrumentos. Mas, uma rápida observação do cenário atual das políticas públicas

permite identificar variados modos de governo dos problemas públicos, modelizados

em instrumentos, cujos desenhos apresentam diversos graus de complexidade

(considerando a formulação de objetivos, propósitos, público, meios, atores e

recursos que mobilizam etc). Além desta complexidade, que é bastante importante,

um olhar sobre as experiências de instrumentos de políticas públicas revela que

estes também possuem diferentes graus de redundância e novidade em seus

desenhos, podendo ser criados do zero até completamente reeditados/replicados

sem nenhuma alteração substancial de um uso anterior. Todavia, a relação de

proximidade de desenho entre instrumentos é um tema ainda menos estudado no

campo teórico das políticas públicas. Alguns poucos pesquisadores se detiveram a

explicar esta relação. Um autor que vem inspirando esta tematização nos estudos

das políticas públicas é Levis-Strauss (1966), que com o seu conceito de bricolagem

permite metaforizar instrumentos que são criados a partir de outros instrumentos ou

de um único instrumento fonte. A ideia de composição de um todo por meio da

reorganização de diferentes partes pode ajudar a melhor compreender os diferentes

graus de ineditismo presentes em instrumentos de políticas públicas. Mais

recentemente, Lascoumes e Le Galès (2007, 2012), baseados na teoria da

racionalidade limitada de Simon (1957), têm admitido somente a existência de

instrumentos com diferentes graus de composição.

A partir das contribuições dos autores acima e da observação do campo

empírico das políticas públicas, foi possível perceber a existência de, pelo menos,

duas formas de composição de instrumentos de políticas públicas: as composições

simples, oriundas de um único instrumento, e as composições complexas,

resultantes de mais de um instrumento. Tais tipos de composição apresentam, como

se pode ver na Figura 1, diferentes níveis de relação entre redundância e novidade

no desenho dos instrumentos.

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23

.

Figura 1 - Esquema gráfico para visualização de tipos de composições em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

A esta pesquisa interessam instrumentos criados por meio de composições

a princípio simples, ou seja, resultantes de modelações a partir de uma única fonte

(instrumento) principal. Instrumentos que parecem ter sido conformados a partir da

relação com outros pré-existentes, considerados menores ou mais locais ou com

menor capilaridade ou voltado para um público pouco amplo e assim por diante.

Muitas vezes, também, parecem ser resultantes de ampliações ou replicações mais

ou menos construídas sobre um único programa visto como bem-sucedido ou

inspirador. Instrumentos que sofreram um redesenho motivado pela necessidade de

alterar suas escalas, metaforizando, assim, a migração de escala em instrumentos

de políticas públicas como um processo de composição. A partir desta imagem, as

diferentes partes (escalas) que conformam um instrumento de políticas públicas

parecem possuir dinâmicas próprias, inclusive simbólicas, que não estão

necessariamente vinculadas. Se for assim, a migração pode ocorrer de completa

(em todas as escalas) ou de forma parcial (apenas em algumas).

A máxima de que “tudo se copia, tudo se transforma”, muito utilizada em

diversos âmbitos sociais, e a observação de programas e/ou projetos ativados por

diferentes atores para tratar de problemas considerados de relevância pública

podem ajudar a melhor compreender as situações acima descritas. Quantos desses

programas e projetos nasceram de outros já existentes, por meio de uma inspiração

declarada ou não? A relação de proximidade de desenho entre instrumentos, muitas

vezes, é atribuída pela própria opinião pública, seja para o bem ou para o mal.

Diversas situações percebidas no cenário atual de políticas públicas no Brasil

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parecem evidenciar a existência do fenômeno aqui denominado de migração de

escala em instrumentos de políticas públicas: uma lei municipal que inspira a criação

de uma lei federal, ou vice-versa; um projeto-piloto que dá origem a um projeto mais

amplo de intervenção social; um programa desenhado pela sociedade civil que é

incorporado no âmbito governamental ou vice-versa; um instrumento inspirado em

outro, que redimensiona seu público ou território de atuação.

Mas, se um instrumento, como afirmam Lascoumes e Le Galès (2007, 2012)

carrega consigo valores e significados, o que acontece com estes quando ele migra

de escala? Quais as dinâmicas possíveis em um processo de migração de escala?

Quem ativa estes processos? Quais os efeitos dele decorrentes e das escolhas que

o conformam (porque migrar, para onde, quando, quem, como etc)? A questão da

migração de escala parece se constituir um fenômeno complexo, com diferentes

níveis de análise. Tal fato e os exemplos acima citados parecem indicar a existência

de mais de uma forma de migração de escala em instrumentos de políticas públicas,

motivadas por diferentes fatores, ativadas ou coativadas por diferentes atores, com

diferentes significados e resultando em diferentes níveis de complexidade e

ineditismo do instrumento.

Mas, será que a migração de escala é um processo sempre intencional e

planejado? Para alguns atores envolvidos, parece não se constituir uma questão a

ser problematizada ou sequer percebida como fenômeno. Em algumas situações,

parece se constituir (ou pelo menos, ser compreendida) como um efeito inesperado,

um curso “natural”, decorrente de fatores circunstanciais e sem intencionalidade por

parte dos atores envolvidos. Em outras, parece existir a ideia de que replicando um

determinado instrumento, mesmo que em contextos diferentes, seus efeitos

(esperados) também serão replicados ou que a ampliação de um determinado

instrumento consiste apenas no redimensionamento de suas metas, orçamento,

áreas de abrangência ou públicos envolvidos. Mas, suspeita-se aqui que a migração

de escala implica no desenho de um novo instrumento, diferente do anterior, porque

o próprio problema a que se destina já não é mais o mesmo. Ao mudar a escala,

parece haver uma mudança mesmo do problema a ser tratado, dos interesses e do

quadro de valores envolvidos.

Alguns efeitos decorrentes dessa miopia podem ser observados no grande

número de programas e projetos, considerados bem-sucedidos, que ao terem sua

escala alterada não conseguem reproduzir os resultados esperados por seus

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ativadores. Há ainda aqueles casos em que ocorre a migração de escala de gestão

do instrumento - como, por exemplo, instrumentos desenhados por instâncias não

estatais que são incorporados à agenda institucional do governo – e que passam a

não ser mais reconhecidos por seus ativadores iniciais.

Além disso, ao provocar efeitos, para além dos esperados e em diferentes

âmbitos, a migração de escala pode provocar mudanças nas ideias e

comportamentos dos atores envolvidos? A migração de uma ideia, de um tipo de

resposta a um problema público, parece interferir no quadro de valores e nas

práticas dos diversos atores, criando cenários favoráveis à ocorrência de processos

de inovação e aprendizagem em políticas públicas. Parece, assim, haver evidências

de que a migração de escala em um instrumento de políticas públicas pode ser

interpretada também como aprendizagem, por meio de situações concretas, nas

quais os atores agem, interagem uns com os outros e refletem em busca do

restabelecimento de um equilíbrio rompido, como nos mostra John Dewey em sua

filosofia da experiência, por uma dúvida (problema).

Por outro lado, vale também registrar a existência de casos em que os

atores envolvidos compreendem e assumem a dimensão política da escala e fazem

de seu processo migratório um instrumento de intervenção. Nessas situações, a

mudança de escala é, muitas vezes, um objetivo claramente definido e perseguido,

por meio de estratégias de articulação e alianças intersetoriais, de ressignicação dos

problemas públicos a que se destinam os instrumentos e do desenvolvimento de

alternativas de solução que possam ser implementadas em diferentes escalas. Para

além da dimensão instrumental, aqui, a migração de escala de um instrumento de

políticas públicas parece representar a possibilidade de intervir na (re)construção de

projetos políticos relacionados ao problema tratado e na definição de suas formas de

governo. Esta parece ser uma perspectiva adotada, por exemplo, por algumas

organizações da sociedade civil que empreendem esforços para incidir na

formulação das agendas institucionais do Estado.

As reflexões acima foram conduzindo à percepção de que provavelmente

esse era um novo objeto de pesquisa, ainda não precisado no campo de estudos

sobre políticas públicas. Trata-se de processos de migração de escala em

instrumentos de políticas públicas. Este fenômeno que ao longo desta dissertação

será discutido e precisado e que de certa forma se constituirá em objeto e objetivo

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de pesquisa, já que se busca compreender seus contornos e natureza, assim como

seus desafios e potenciais de aprendizagem.

2.2 PERGUNTA E OBJETIVOS DE PESQUISA

A partir do objeto-problema acima revelado, formula-se a seguinte pergunta

de pesquisa: qual a natureza e as fronteiras de aprendizagem de processos de

migração de escala em instrumentos de políticas públicas?

Partindo desta indagação, o objetivo geral da pesquisa apresentada é

problematizar a natureza e as fronteiras de aprendizagem dos processos de

migração de escala em instrumentos de políticas públicas. Esta problematização

assume quatro casos como laboratório de investigação:

a) Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), desenhado e ativado pela

Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA).

b) Projeto Consultório de Rua, desenhado e ativado pelo Centro de Estudos

e Terapia do Abuso de Drogas (CETAD/UFBA).

c) Selo UNICEF Município Aprovado, desenhado e ativado pelo Fundo das

Nações Unidas para a Infância (UNICEF) no Brasil.

d) Iniciativa Município Amigo de La Niñez y Adolescencia (IMANA),

desenhado e ativado pelo UNICEF Bolívia.

São objetivos específicos de pesquisa:

a) Problematizar os processos de redesenho como processos de migração

de escala;

b) Singularizar tais processos como objeto de pesquisa;

c) Diferenciar tais processos, tipificando-os em suas naturezas;

d) Problematizar os sistemas de aprendizagem a partir das naturezas que

diferenciam tais processos (os quais, por sua vez, conformam o objeto de

estudo encontrado) e a partir das contribuições/reflexões subsidiadas

pelos casos-laboratório;

e) Validar a modelização de proposta analítica;

f) Modelizar os desafios inerentes a cada migração, gerando um conjunto

mínimo de orientações para futuros casos de redesenho de instrumentos

de políticas públicas motivado por migração de escala.

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3 POSICIONANDO O OLHAR METODOLÓGICO

3.1 MÉTODO

Ao assumir fatos concretos da vida social como objetos de pesquisa,

reconhecendo a dimensão sócio-histórica do processo de construção de

conhecimento e reposicionando a importância da experiência na produção de

sentidos e significados, esta pesquisa se posiciona sob a influência da sociologia

pragmática no estudo das políticas públicas, especialmente a partir dos trabalhos de

Charles Sanders Peirce, baseado na ideia de abdução, e de John Dewey, com suas

teoria da indagação e filosofia da experiência, funcionais no âmbito desta

investigação. O pragmaticismo1 busca compartilhar uma perspectiva epistemológica

diferente, anti-cartesiana, um modo de fazer ciência que abandona as concepções

filosóficas tradicionais da verdade e do conhecimento. Afasta-se, assim, de uma

compreensão pautada em uma verdade absoluta e em um conhecimento abstrato,

reconhecendo o caráter múltiplo da realidade, refletido em diferentes verdades,

interpretações e visões de mundo, historicamente situadas e socialmente

construídas. O conhecimento, nesta perspectiva, vincula-se à ação e ganha

importância na medida em que se torna útil.

Como mostra Ferrara (1987), fazer ciência, em uma perspectiva

pragmaticista, não se constitui em saber o que é científico, rigorosamente definido

por métodos objetivos, pretensamente verdadeiros, distantes da experiência e

regidos sob a lógica de uma lei explicativa. Fazer ciência requer o desenvolvimento

de uma atitude perante o objeto de pesquisa, capaz de gerar novas informações,

desautomatizantes, que revertam a rotina de crenças, normas e hábitos de conduta,

que se fundam na experiência e que transformam a ciência em coisa viva. Fazer

pesquisa é, assim, produção desautorizada e nova de informação, a partir de

problematizações que nascem da realidade, constituindo-se, por isso mesmo, em

um processo permeado de incertezas e crise. (FERRARA, 1987).

1 O termo pragmaticismo foi cunhado por Peirce, para fazer distinção em relação à interpretação

corrente do pragmatismo dada por seus contemporâneos e considerada indevida pelo autor.

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Na abdução, identificada por Peirce como uma terceira forma de inferência

na formulação de hipóteses científicas, ao lado da indução e da dedução, ciência e

experiência possuem uma correlação, sendo que a segunda sustenta a primeira, por

meio de uma apreensão interpretativa da realidade. Situações problemáticas

concretas são assumidas pelo sujeito como fatos de pesquisa e como sendo

capazes de produzir conhecimento útil. Por meio de uma inferência abduzida,

baseada em relações de causalidade e inerente ao sujeito, passar-se-ia às outras

duas formas de inferência: indução e dedução, identificadas por Peirce como

secundidade e terceiridade, respectivamente. (FERRARA, 1987). A associação de

dedução (lei) e abdução (fato), passando pela indução (experimentação), conduziria

à produção de informação nova, como aponta Ferrara (1987, p. 3):

[...] É próprio da abdução criar ideias, à indução cabe testar ideias e falar sobre elas, à dedução cabe generalizá-las e abstratamente transformá-las em teorias ou leis. Com o acréscimo indutivo, ao lado da abdução, a pragmática peirceana tem condições de produzir, dedutivamente, uma lei capaz de orientar a conduta humana e de fazer com que a ciência encontre uma razão de ser que supere as classificações abstratas.

A partir dos princípios peirceanos, John Dewey desenvolve sua teoria da

indagação, realizando um importante movimento de reposicionamento desta. Ao

contrário de Peirce, cuja perspectiva era muito centrada no sujeito que indagava,

Dewey defende que a dúvida não é intrínseca ao sujeito, e sim à situação na qual

ele se encontra. O indivíduo duvida perante uma situação problemática, que é

sempre relacional, buscando uma solução. Dessa forma, não indaga sozinho, mas

sim em uma comunidade de indagadores, e, para restabelecer o equilíbrio rompido

pela dúvida, produz conhecimento orientado à ação. Dewey compartilha dos

princípios pragmaticistas ou pragmáticos, mas, pela sua dupla formação de filósofo e

educador, acaba conduzindo a discussão para a perspectiva da aprendizagem. Para

ele, não é possível pensar no homem que indaga isoladamente, porque a ação de

indagação nunca acontece socialmente isolada. A dúvida em si já seria, para

Dewey, relacional, pois esta se constituiria na relação com outros homens, seria

fruto desta relação. É por isto que Dewey assume a experiência como base de sua

teoria do método de conhecer, que se fundamenta no conhecimento como ação,

rompendo os dualismos – saber e fazer, teoria e prática, ciência e experiência –

comuns às tradicionais teorias do conhecimento. Esta perspectiva deweyana

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interessa a esta investigação, na medida em que permite assumir os fatos concretos

da vida cotidiana como objetos de pesquisa. Além disso, aquilo que é organizado

diante de uma situação problemática, a partir da experiência e da reflexão se

constitui em conhecimento que deverá, segundo Dewey, estar orientado para o

futuro, ajudando a lidar com outras experiências, tornando-se, assim, instrumento de

intervenção. (DEWEY, 2007, 2011, 2011a).

A teoria da indagação de Dewey forneceu importantes conceitos para os

estudos sobre políticas públicas, destacando-se aqueles que se inserem na escola

da indagação pública (policy inquiry), na qual esta pesquisa se localiza. Os estudos

produzidos sob a perspectiva da policy inquiry, como mostra Regonini (2001 apud

Boullosa, 2013), preocupam-se em descrever os processos de políticas públicas de

forma realista e desencantada, fazendo do conhecimento gerado um instrumento de

transformação social. Esta pesquisa alinha-se ainda à Mirada ao Revés proposta por

Boullosa (2013), uma abordagem para o estudo das políticas públicas e da gestão

social pautada em uma compreensão sociocêntrica do policy making process,

modelizando fluxos multiatoriais de esforços e ações para o tratamento de

problemas considerados de pública relevância ou para a preservação de bens

públicos. Do ponto de vista metodológico, o alinhamento com a policy inquiry e com

a Mirada ao Revés permite colocar em um mesmo nível de análise instrumentos de

políticas públicas ativados por diferentes atores sociais, para além das instâncias

tradicionais do governo, assumindo seu caráter processual e sua natureza de

construto analítico. Algumas implicações no plano teórico-metodológico resultam

destas escolhas. Dentre estas, o fato de que, se as políticas públicas são construtos

analíticos, a principal tarefa do analista é reconstruir os fluxos de ações e esforços

identificados a partir de seu ponto de vista, problematizando seu próprio quadro de

valores e buscando atribuir significado e significância ao objeto de pesquisa

(BOULLOSA, 2013). Implica reconhecer que “[...] a verdade que emerge de tal

reconstrução será sempre artificial, parcial, subjetiva, incerta e interdependente de

outras verdades.” (BOULLOSA, 2013, p.13).

Ao contrário das perspectivas positivistas, que assumem como pressupostos

a objetividade e a neutralidade científicas, aqui se considera que a posição do

pesquisador é sempre interna, fazendo parte da arena que se estuda, olhando o

objeto de pesquisa a partir de seu quadro de valores. Como poderia apontar Dewey

(2007), a construção de conhecimento é sempre transacional. Assim, a própria

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compreensão do problema de pesquisa já se constitui em uma forma de ação e,

portanto, interfere na arena conformada a partir do seu objeto de estudo.

Os métodos e princípios acima descritos foram assumidos no âmbito desta

investigação por se mostrarem funcionais para a melhor compreensão do objeto de

estudo, orientando a construção de um modo próprio de pesquisar, por meio da

identificação de estratégias metodológicas e instrumentos adequados aos objetivos

de pesquisa que se deseja alcançar.

3.2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS E INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Como aponta Ferrara (1987, p. 3), “[...] cada investigação gera sua própria

estratégia metodológica, seu próprio processo experimental.” Assim, esta pesquisa

nasce da prática da gestão social em diferentes iniciativas de promoção e garantia

de direitos, com as quais esta pesquisadora tem dialogado ao longo de suas

experiências pessoal e profissional, e adota como principal estratégia metodológica

a formulação da seguinte inferência abduzida: qual a natureza e as fronteiras de

aprendizagem dos processos de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas?. A partir desta indagação, desenhou-se o percurso metodológico,

assumindo seus objetivos como passos de pesquisa e associando-os a diferentes

estratégias e instrumentos.

3.2.1 Casos-laboratório de investigação

Para o alcance dos objetivos propostos, utilizou-se a estratégia de casos-

laboratório, funcionais para a elucidação de questões teóricas de pesquisa. Cabe

alertar o leitor, contudo, que não se trata de um estudo de casos, nem de uma

pesquisa comparativa. Assim, os casos não são descritos separadamente e não

compõem capítulos individuais da dissertação. São tomados como laboratório de

investigação, por meio dos quais é possível iluminar aspectos importantes para

propor generalizações analíticas, que possam ser aplicadas a um conjunto maior de

casos. Tratam-se de instrumentos de políticas públicas, inicialmente ativados por

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diversos atores sociais para além das instâncias tradicionais do governo, que

tiveram suas escalas – em diferentes graus analíticos e de intensidade – alteradas.

Tais casos foram escolhidos por possibilitarem a identificação de formas distintas de

migração de escala em instrumentos de políticas públicas, permitindo, assim, a

análise de diferentes variáveis e uma compreensão mais ampla do fenômeno

estudado.

Abaixo, seguem breves descrições desses casos a partir de suas teorias

explícitas, identificadas em documentos oficiais e nas falas de alguns atores

envolvidos com a implementação dos referidos instrumentos. Cabe esclarecer que

tais informações foram coletadas e organizadas considerando o recorte desta

pesquisa, ou seja, os itinerários de migração de escala dos instrumentos de políticas

públicas assumidos como laboratório. Buscam, assim, subsidiar a compreensão do

contexto institucional antes e depois do movimento migratório. Vale ainda registrar

que a pesquisa aqui apresentada revelou que os processos de migração de escala

não estão claros para alguns dos atores envolvidos e há, em algumas situações,

diferentes versões sobre os itinerários percorridos. Assim, não interessa a esta

pesquisa confrontar tais versões, mas sim registrar elementos gerais que possam

contribuir para a compreensão do fenômeno migratório em instrumentos de políticas

públicas.

a) Instrumento 1: Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC)

O Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o

Semiárido, mais conhecido como Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), foi

desenhado e ativado pela Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), rede que reúne

cerca de 1.000 organizações sociais que atuam em dez estados do Brasil. Suas

origens remontam aos anos 1999/2000, quando a ASA, recém-criada na III

Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à

Desertificação (COP 3), apresentou um projeto piloto ao Ministério do Meio

Ambiente/Governo Federal para construção de 501 cisternas de placa.

Paralelamente, constituiu-se um grupo de trabalho para desenho dos componentes

do programa com a intenção de ampliação de escala do mesmo.

No ano seguinte, a ASA apresentou um projeto à Agência Nacional de

Águas (ANA)/ Governo Federal, já com a primeira ampliação do Programa, prevendo

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a construção de 12.400 cisternas. Desde o início, segundo consta em documentos

sobre a iniciativa, a ASA contou com recursos do Governo Federal e da cooperação

internacional e, posteriormente, também passou a contar com recursos da iniciativa

privada. Nas primeiras experiências, as parcerias eram realizadas diretamente com

organizações integrantes da ASA, considerando o caráter não formal da rede. Além

disso, se restringiam a alguns estados do Semiárido brasileiro. A ideia com os

projetos experimentais era, segundo atores envolvidos com sua implementação,

acumular aprendizagens e desenvolver ferramentas de gestão para poder ampliar

ainda mais a escala do instrumento, incluindo sua inserção na agenda do Estado.

Uma dessas aprendizagens resultou na constituição da Associação Programa Um

Milhão de Cisternas (AP1MC), que passou a ser o ente jurídico da ASA, para

estabelecimento de relações diretas de parceria. A partir da atuação da ASA em

diversos espaços políticos, como conselhos e conferências de políticas públicas, a

água no Semiárido foi etiquetada como uma questão de segurança alimentar.

Em 2003, após a construção, experimentação e sistematização do modelo

de gestão e da metodologia de trabalho, o P1MC foi inserido no âmbito do Programa

Fome Zero, ativado pelo Governo Federal. O P1MC foi apropriado como ação

orçamentária do Governo Federal, sob o nome de Programa Cisternas, vinculado à

Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN), Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Desde então, mais de 220 mil

cisternas foram construídas em mais de 1.000 municípios do Semiárido brasileiro por

meio da parceria entre AP1MC, MDS, governos estaduais e municipais. A ASA

realiza ainda termos de parceria com outras organizações, incluindo a iniciativa

privada, para implementação de atividades previstas no P1MC.

b) Instrumento 2: Consultório de Rua

O Consultório de Rua tem como objetivo atender pessoas, especialmente

crianças e adolescentes, em situação de risco e vulnerabilidade social, por meio de

uma equipe profissional multidisciplinar formada por médicos, psicólogos,

assistentes sociais, pedagogos e redutores de danos, utilizando um carro adaptado

para funcionar como ambulatório móvel que se desloca às áreas de concentração do

público do projeto. Foi desenhado e inicialmente ativado pelo Centro de Estudos e

Terapia do Abuso de Drogas (CETAD), unidade de extensão permanente do

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Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal da Faculdade de Medicina

da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

As origens do projeto remontam à década de 1980, em Salvador (BA). A

partir de uma visita à sede dos Médicos do Mundo, em Paris, França, o coordenador

do CETAD teve a ideia de desenvolver um projeto similar, com o objetivo de melhor

compreender quem eram as crianças e adolescentes em situação de rua que

consumiam drogas e que, por motivos diversos, não acessavam os serviços da rede

de saúde. Assim, em 1985, surge o Consultório de Rua, ainda como um estudo

etnográfico, que se caracterizou por uma observação participante na Praça da

Piedade, em Salvador (BA), e era realizado por uma equipe composta por cinco

técnicos com diferentes formações profissionais. A experiência, que durou até 1991,

gerou insumos para a implementação, do projeto Consultório de Rua, desenhado e

ativado pelo CETAD para tratar da questão do uso de drogas pela população

infanto-juvenil, publicamente reconhecido como um problema de relevância. A

implementação do instrumento foi viabilizada por meio de convênios com instâncias

governamentais estaduais, municipais e federais.

Em 2004, o Consultório de Rua foi implantado no primeiro CAPS AD de

Salvador (BA), experiência que ocorreu até 2006. Nesse período, o projeto recebeu

a visita de vários atores interessados em conhecer a iniciativa, inclusive profissionais

e/ou gestores do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional de Políticas sobre

Drogas (SENAD). Três anos mais tarde, o Consultório de Rua migrou, por vias

distintas, para estas duas instâncias do Governo Federal. Em 2009, o Ministério da

Saúde propôs o Consultório de Rua como uma das estratégias do Plano

Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e

Outras Drogas no Sistema Único de Saúde (PEAD). Em paralelo, a experiência foi

reconhecida como boa prática pela SENAD, que incluiu o instrumento como parte do

Programa Ações Integradas de Prevenção ao Uso de Drogas e Violência e do

Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do Ministério

da Justiça.

Tanto no Ministério da Saúde quanto na SENAD, a disseminação do

Consultório de Rua foi estimulada e apoiada financeiramente, tendo sido realizadas

várias chamadas públicas para implantação de Consultórios de Rua em diversos

estados e municípios brasileiros. Em paralelo, o CETAD/UFBA continuou

desenvolvendo sua experiência na capital baiana. Institucionalmente, dialogou com

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o processo de migração de escala no âmbito da SENAD/MJ, apoiando tecnicamente

a implantação de alguns consultórios com recursos da Secretaria. No que diz

respeito ao Ministério da Saúde, apesar de ter ocorrido a participação de técnicos

e/ou ex-técnicos do CETAD, não houve articulação institucional no processo de

migração de escala do instrumento, segundo as informações levantadas nesta

pesquisa. Os consultórios implantados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)

sofreram, recentemente, como pode ser comprovado nas portarias nº 122 de

25/01/2012 e nº 123/25/01/2012, mais um redesenho, passando a se chamar

Consultórios na Rua, tornando-se dispositivos da Atenção Básica de Saúde.

c) Instrumento 3: Selo UNICEF Município Aprovado

O Selo UNICEF Município Aprovado é um reconhecimento que os

municípios podem receber pelos resultados dos seus esforços na melhoria da

qualidade de vida de crianças e adolescentes. A partir de um diagnóstico e de dados

levantados pelo UNICEF, os municípios que se inscrevem, por meio de adesão

voluntária, passam a participar de um conjunto de atividades e a ter seus

indicadores na área da infância e adolescência monitorados. Estes são previamente

definidos pelo UNICEF e se relacionam diretamente aos Objetivos de

Desenvolvimento do Milênio.

Inicialmente foi desenhado e ativado pelo Escritório Zonal do UNICEF no

Ceará, em 1999, visando estimular a organização e a mobilização para os direitos

da infância e adolescência em 184 municípios cearenses. Em 2004, uma

experiência similar foi desenvolvida pelo Escritório Zonal do UNICEF na Paraíba, em

29 municípios. Em 2006, após a realização de três edições no Ceará, o Escritório

Nacional do UNICEF adotou o Selo como instrumento em todo o Semiárido

brasileiro, abrangendo cerca de 1.400 municípios localizados em 11 estados. Em

2009, o instrumento passou a ser implementado também na Amazônia Legal, com a

participação de mais de 500 municípios da região.

Tanto na experiência no Semiárido quanto na Amazônia, os municípios

inscritos no programa, comprometem-se a planejar e desenvolver ações pelo

alcance de objetivos nas áreas de educação, saúde, proteção e participação social

de crianças e adolescentes. O UNICEF realiza atividades de sensibilização e

formação com diversos atores sociais, buscando incidir nas políticas públicas

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ativadas pelos executivos municipais para meninas e meninos de até 17 anos. A

partir disto, monitora e avalia o desempenho dos municípios em um conjunto de

indicadores sociais, certificando aqueles que apresentam os maiores avanços.

O Selo UNICEF Município Aprovado insere-se no âmbito do Pacto Um

Mundo para a Criança e o Adolescente do Semiárido e da Agenda Criança

Amazônia, assinados pela Presidente da República, ministros, governadores dos

estados participantes, organizações da sociedade civil, da iniciativa privada e da

cooperação internacional.

O Selo UNICEF Município Aprovado tem recebido missões de outros países

interessados em replicar a experiência. Algumas iniciativas inspiradas pelo programa

já estão em curso, a exemplo do instrumento 4, abaixo descrito.

d) Instrumento 4: Iniciativa Município Amigo de la Niñez y Adolescencia

(IMANA) (objeto da Residência Social)

Inspirado na experiência brasileira e a partir do diálogo e intercâmbio com os

atores nela envolvidos, o escritório do UNICEF na Bolívia desenhou o instrumento

que está em execução, com a finalização de sua fase piloto prevista para dezembro

de 2013. Nesta primeira etapa, conta com a participação de 12 municípios de

diferentes regiões bolivianas, que foram convidados a aderir ao instrumento. A

experiência é implementada por meio de uma parceria entre o Escritório do UNICEF

na Bolívia e o Estado Plurinacional Boliviano, via Ministério das Autonomias. A

perspectiva do UNICEF Bolívia, manifesta na teoria explícita do instrumento, é a

ampliação e a migração para a agenda de governo do Estado boliviano, mediante

avaliação e aprendizagens geradas em sua fase piloto.

O IMANA integra, segundo documentos oficiais, uma estratégia de

desenvolvimento local, que promove ações, desde o nível municipal, para melhorar

as condições de vida de crianças e adolescentes, sob um enfoque de equidade e de

gestão por resultados. São objetivos da iniciativa: fortalecer a formulação de

políticas públicas nacionais para o cumprimento dos direitos da infância e

adolescência; fortalecer a capacidade dos municípios para incrementar o acesso de

meninos e meninas aos serviços; promover o envolvimento da sociedade civil; e

incentivar a participação de crianças e adolescentes na formulação de políticas e em

práticas que os afetam. Assim como a metodologia do instrumento brasileiro, o

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IMANA também inclui a certificação dos municípios que apresentarem os maiores

avanços na garantia dos direitos de sua população infanto-juvenil. Ao contrário da

experiência brasileira, contudo, a previsão é de que a certificação, na Bolívia, seja

feita pelo Estado.

O desenho do instrumento inclui seis componentes de trabalho, sendo que

quatro deles se referem ao processo de monitoramento e certificação dos municípios

e outros dois se relacionam com os processos de gestão do conhecimento

fomentados a partir da implementação do referido instrumento, visando apoiar sua

replicação e/ou sua inserção como política de Estado mais ampla. Os componentes

de gestão do conhecimento incluem a conformação de redes ou comunidades de

aprendizagem, a partir do intercâmbio de experiências entre os municípios

participantes, além do registro, sistematização e avaliação da prática do IMANA.

Segundo os documentos oficiais e atores entrevistados no âmbito desta pesquisa, a

sistematização e a avaliação da experiência servirão de insumos para a replicação

do instrumento.

Embora não estivesse entre os casos inicialmente mapeados como

laboratório de pesquisa, o IMANA foi identificado por meio da reconstrução do

itinerário de migração de escala do Selo UNICEF Município Aprovado e acabou se

constituindo no objeto da Residência Social, realizada por esta pesquisadora no

escritório do UNICEF, em La Paz, Bolívia. Etapa curricular obrigatória, a Residência

Social consiste em uma imersão socioprática em uma realidade organizacional

distinta do ambiente cotidiano do aluno, visando favorecer o aperfeiçoamento de

habilidades em gestão social e, em alguns casos, a exemplo do aqui relatado,

contribuir para a pesquisa desenvolvida pelo aluno.

Durante um mês (entre julho e agosto de 2013), vivenciou-se, por meio de

observação participante, o ambiente organizacional, com especial atenção à

implementação do IMANA. Durante o período da Residência Social, o olhar analítico

esteve direcionado para identificar e compreender: a) as dinâmicas de migração de

ideias implementadas no Brasil para o contexto boliviano; e b) as dinâmicas para

redesenho do instrumento considerando a perspectiva de mudança de escala. Para

tanto, foram realizadas análise documental da referida iniciativa, entrevistas com

atores envolvidos com sua implementação e registros da observação participante,

por meio de diário de bordo. A observação participante, segundo Gil (2012), pode

ser realizada de duas formas: natural, quando quem observa já pertence àquele

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grupo ou organização; e artificial, quando o observador se incorpora ao grupo com

fins de pesquisa, como ocorreu na experiência aqui relatada.

3.2.2 Instrumentos de pesquisa

De natureza qualitativa, esta investigação pode ser considerada exploratória,

uma vez que se identifica uma lacuna de literatura sobre o fenômeno estudado

(migração de escala em instrumentos de políticas públicas). Como mostra Gil (2012),

este é um tipo de pesquisa especialmente utilizado quando o tema de investigação é

pouco explorado ou muito genérico, demandando uma maior delimitação e

esclarecimento sobre o assunto, podendo se constituir em uma primeira etapa de

uma pesquisa mais ampla. Costuma envolver levantamento bibliográfico e

documental, entrevistas não estruturadas e estudos de caso, resultando em um

problema de pesquisa mais definido e esclarecido. (GIL, 2012). O Quadro 1

relaciona os objetivos específicos do presente estudo aos instrumentos de pesquisa

utilizados.

Objetivos Específicos

(Passos de pesquisa) Instrumentos de Pesquisa

Problematizar os processos de redesenho como processos de migração de escala.

Pesquisa bibliográfica

Singularizar tais processos como objeto de pesquisa. Pesquisa bibliográfica

Diferenciar tais processos, tipificando-os em suas naturezas.

Análise bibliográfica; Pesquisa documental; entrevistas focalizadas com atores envolvidos nos processos de migração dos casos-laboratório

Problematizar os sistemas de aprendizagem a partir das naturezas que diferenciam tais processos e das contribuições/reflexões subsidiadas pelos casos-laboratório.

Pesquisa bibliográfica; pesquisa documental; entrevistas focalizadas com atores envolvidos nos processos de migração dos casos-laboratório; reconstrução dos itinerários migratórios dos casos-laboratório; Residência Social.

Validar a modelização de proposta analítica. Reconstrução de itinerários de migração de escala dos casos-laboratório; Residência Social.

Modelizar os desafios inerentes a cada migração. Análise do discurso (entrevistas focalizadas); análise bibliográfica.

Quadro 1 - Objetivos específicos e instrumentos de pesquisa utilizados. Fonte: Elaboração própria, 2013.

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Reconhecendo a natureza complexa do fenômeno assumido como problema

de pesquisa, optou-se por uma abordagem multimetodológica, utilizando diferentes

instrumentos:

a) Análise bibliográfica

Como já dito, o objeto investigado nesta pesquisa foi identificado como uma

lacuna de literatura. Dessa forma, foi feita uma ampla revisão bibliográfica de

conceitos-chave no âmbito da pesquisa (políticas públicas, instrumentos de políticas

públicas, aprendizagem), buscando possíveis elementos de aproximação com o

tema trabalhado e construindo um arcabouço teórico capaz de apoiar as reflexões

aqui propostas, situando-as no âmbito dos estudos sobre políticas públicas, a partir

de uma perspectiva mais sociocêntrica. Inicialmente, este foi um desafio no

desenvolvimento desta pesquisa, já que a literatura brasileira ainda é

predominantemente marcada por uma abordagem racional das políticas públicas, e

seus instrumentos, quando são estudados, ainda são analisados sob um enfoque

funcionalista. Assim, foram buscadas referências em outras literaturas,

especialmente de língua inglesa, italiana e francesa, nas quais há uma maior

pluralidade teórico-metodológica nos estudos sobre políticas públicas. Tais materiais

foram analisados a partir das premissas das correntes teórico-metodológicas

assumidas no âmbito deste estudo. Apesar do tema em questão constituir-se uma

lacuna, alguns dos instrumentos de políticas públicas assumidos como casos-

laboratório já foram objeto de trabalhos acadêmicos e de outras publicações, que

contribuíram para uma compreensão mais ampla destes.

b) Análise documental

A análise documental constitui-se em importante instrumento de coleta de

dados, por meio do qual é possível resgatar elementos históricos e informações

sobre processos de mudança social e cultural, dentre outros elementos. (GIL, 2012).

No âmbito desta pesquisa, tal etapa trouxe importantes insumos para a melhor

compreensão do objeto-problema, considerando a inexistência de bibliografia

específica sobre o assunto. Foram analisados: registros institucionais escritos dos

ativadores iniciais dos instrumentos tomados como casos de estudo e coativadores

após a migração de escala, cedidos pelos próprios atores ou identificados em meio

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eletrônico; documentos pessoais de alguns atores envolvidos com os instrumentos

investigados; documentos de comunicação de massa (sites de notícias, sites de

pesquisa); e documentos jurídicos (leis, decretos, portarias). Tendo como referência

as abordagens da instrumentação de políticas públicas (LASCOUMES; LE GALÈS,

2007) e da Mirada ao Revés (BOULLOSA, 2013), a análise documental contribuiu

para a reconstrução dos percursos de migração de escala dos instrumentos

assumidos como laboratório de investigação, identificando ainda aspectos de suas

teorias explícitas.

c) Entrevistas focalizadas

Segundo Gil (2012), as entrevistas podem ser: informais, focalizadas, por

pautas e formalizadas. As entrevistas realizadas no âmbito desta pesquisa podem

ser enquadradas no tipo focalizado, que também assume características da

entrevista informal. Tais entrevistas ocorrem em um contexto de informalidade,

quase como uma conversação sobre um determinado assunto (no caso, a migração

de escala do instrumento de políticas públicas em questão), conferindo ao

entrevistado liberdade para expressar-se sobre o tema, sem, contudo, perder o foco

das questões de interesse. (GIL, 2012). Foram realizadas 14 entrevistas com

pessoas envolvidas nos processos de desenho inicial e de redesenho dos

instrumentos de políticas públicas motivado por mudança de escala. A

multiatorialidade das arenas de policy foi refletida no universo dos entrevistados, que

reuniu gestores de organizações da sociedade civil, gestores governamentais e

funcionários de organismo internacional. Como muitos dos informantes-chave para

esta pesquisa vivem em diferentes estados brasileiros, a realização das entrevistas

demandou viagens e, em alguns poucos casos, ocorreu por meio de skype. Em

todas as situações, as entrevistas foram gravadas, com o consentimento das fontes,

garantindo-se anonimato e uso exclusivo das informações para fins de pesquisa.

Assim, as transcrições das entrevistas não constarão deste documento, estando

preservadas nos arquivos pessoais da pesquisadora. As entrevistas tiveram como

foco reconstruir a policy window da migração de escala dos instrumentos em

questão, mapear os fluxos e dinâmicas migratórias, identificando desafios e

possíveis aprendizagens ocorridas nestes processos. Para a realização das

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entrevistas, construiu-se um esquema visual, destacando as possíveis fases do

processo de migração e as questões a elas relacionadas.

Ao todo, foram cerca de 20 horas de entrevistas gravadas em quatro cidades

brasileiras e duas bolivianas. Vale registrar que duas fontes estavam sediadas em

outras duas cidades brasileiras, mas as entrevistas ocorreram por skype, como pode

ser visto no Quadro 2. As entrevistas contribuíram para a identificação de elementos

das teorias explícita e implícita dos instrumentos e para a reconstrução dos

itinerários migratórios destes, iluminando aspectos importantes para uma proposta

de modelização dos tipos de migração de escala, bem como dos principais desafios

a eles associados. Uma dificuldade enfrentada foi a localização de possíveis fontes

para entrevistas, devido ao tempo transcorrido desde a policy window dos

instrumentos redesenhados para mudança de escala assumidos como laboratório

nesta investigação e a rotatividade dos quadros de funcionários/colaboradores das

organizações ativadoras ou coativadoras de tais instrumentos. As entrevistas aqui

realizadas se constituíram, segundo manifestado por alguns entrevistados, em um

momento de reflexão e resgate de processos institucionais, uma vez que não há

registro dos processos de migração de escala de alguns dos instrumentos

investigados.

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Entrevistas realizadas

Data Código do(a)

entrevistado(a)

Meio de realização

05/04/2013 01 Presencial

08/04/2013 02 Presencial

22/05/2013 03 Presencial

15/05/2013 04 Presencial

15/05/2013 05 Presencial

15/05/2013 06 Presencial

29/05/2013 07 Presencial

03/06/2013 08 Skype

03/07/2013 09 Presencial

16/07/2013

23/07/2013

10 Presencial

01/08/2013 11 Presencial

01/08/2013 12 Presencial

01/08/2013 13 Presencial

27/09/2013 14 Skype

Quadro 2 - Entrevistas realizadas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

Após a coleta de informações por meio dos diferentes instrumentos acima

mencionados, procedeu-se à análise de conteúdo, a partir da utilização de matrizes

analíticas construídas no âmbito desta pesquisa. Com uma abordagem qualitativa,

buscou-se enquadrar as informações em categorias analíticas relacionadas às

dinâmicas migratórias e aos principais desafios enfrentados. Tal esforço resultou em

uma matriz de tipificação de casos de migração de escala em instrumentos de

políticas públicas e na modelização desta como processo de aprendizagem, com a

singularização dos principais desafios enfrentados. (Ver Capítulos 5 e 6).

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4 POSICIONANDO O OLHAR ANALÍTICO

Não existe consenso sobre o que sejam as políticas públicas. A revisão da

literatura sobre o tema revela uma multiplicidade de definições e conceitos a elas

associados, moldados a partir de diferentes matrizes, ao ponto de alguns estudiosos

começarem a falar em escolas. (REGONINI, 2001; FISCHER, 1998; BOULLOSA,

2013) e teorias (HOWLETT, 2011, 2013; DYE, 2005; SECCHI, 2012). Tal pluralidade

pode ser compreendida como resultado da multidisciplinaridade presente no

processo de constituição do campo de estudos de políticas públicas, que contou

com aportes de diferentes disciplinas, como as ciências políticas, a economia, a

sociologia, a geografia, a administração pública e a teoria das organizações. As

divergências de opiniões sobre o que seriam as políticas públicas podem também

revelar diferentes perspectivas analíticas e metodológicas sobre o tema. Nesse

sentido, mostra-se importante posicionar o olhar analítico adotado nesta pesquisa,

bem como suas implicações.

4.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ALÉM DO ESTADO

Os caminhos para definir um conceito cujos contornos não são claros podem

começar pela sua negação, como lembra Giuliani (1998) no verbete do dicionário de

políticas públicas. Ou seja, identifica-se o que ele não é para, em seguida, buscar o

que o constitui. No caso das políticas públicas, autores de diferentes correntes

teóricas parecem concordar com a importância de não confundi-las com leis e/ou

decisões, como também de não reduzi-las a escolhas ou atos deliberativos –

embora estes lhes sejam constitutivos. Ao contrário destes, as políticas públicas não

são fenômenos objetivos, com contornos facilmente identificáveis. Por outro lado,

diferentes definições parecem concordar no que diz respeito à identificação de

algumas características básicas para a compreensão da natureza das políticas

públicas. Em primeiro lugar, há a presença de finalidade ou intencionalidade por

parte dos atores envolvidos, incluindo também seus efeitos não intencionais, como

já tinha sido apontado por Lasswell, ao explicar os policy studies. Em segundo lugar,

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estas seriam sempre respostas a problemas públicos considerados relevantes. E,

finalmente, o reconhecimento das políticas públicas como categorias de análise ou

construtos, cujos conteúdos são definidos por seus analistas. (CAPANO; GIULIANI,

1998).

À pluralidade de definições associa-se também uma pluralidade de

perspectivas analíticas e metodológicas nos estudos de políticas públicas. Desde

seu início até os dias atuais, tais estudos, independentemente de serem mais

descritivos ou prescritivos, revelam uma tensão entre duas grandes correntes: de um

lado, as abordagens estadocêntricas - predominantes nos policy studies, ainda mais

no contexto brasileiro -, centralizadas no governo e em seu protagonismo nos

processos de políticas públicas; de outro, as abordagens mais sociocêntricas que

reconhecem a pluralidade das arenas de policy.

A conformação das políticas públicas como área do conhecimento remonta

aos anos 1950, nos Estados Unidos, a partir, principalmente, das contribuições de

Harold Lasswell, que, desde meados dos anos 1930, buscava difundir a

compreensão sobre a importância dos estudos das ações do governo fora do âmbito

disciplinar das ciências políticas. Ao contrário dos estudos políticos tradicionais, que

se dedicavam a debates exclusivamente acadêmicos e/ou teóricos, as policy

sciences debruçavam-se sobre a aproximação da teoria e da prática políticas,

voltando seu olhar para a formulação de leis e generalizações que contribuíssem

para a melhoria do processo de políticas públicas (policy making), prescrevendo

claramente quais as melhores soluções para problemas concretos.

Como assinala Boullosa (2013), tais assunções no âmbito das policy

sciences buscaram inspiração nas contribuições do pragmatismo de John Dewey,

sobretudo em sua teoria da indagação, por meio da qual conclamava os cientistas a

assumirem fatos sociais como objetos de pesquisa. Além disso, a perspectiva

deweyana contribuiu para a compreensão da natureza multidisciplinar dos estudos

de políticas públicas, devido à própria natureza não disciplinar dos problemas

públicos e de suas formas tratamento. (BOULLOSA, 2013). Assim como Dewey e

outros pragmatiscistas, Lasswell assumia uma visão instrumental do papel do

conhecimento na sociedade e, portanto, nas políticas públicas. Por isto mesmo, no

prefácio de seu livro escreveu: “The policy sciences are a contemporary adaptation

of the general approach to public policy that was recommended by John Dewey and

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his colleagues in the development of american pragmatism.” (LASSWELL, 1971, p.

xiv).

Após Lasswell, para quem política pública seria tudo o que o governo faz,

diversos outros estudiosos dedicaram-se à difícil tarefa de definir as políticas

públicas. Uma das mais conhecidas formulações foi feita por Thomas Dye (2005),

que a compreendia como tudo o que um governo decide fazer ou deixar de fazer. A

formulação de Dye, que seria uma possível resposta ao que considerava um

excessivo instrumentalismo de Lasswell, trouxe importantes contribuições aos policy

studies, na medida em que colocou em primeiro plano a análise da decisão e da

“não decisão”, conscientes e deliberadas. Outra importante conceituação foi

elaborada por William Jenkins (1978), que definiu a política pública como:

um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos, e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los, dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estaria, em princípio, ao alcance desses atores. (JENKINS, 1978 apud HOWLETT, 2013, p. 8).

A interpretação feita por Jenkins reconhecia que o tratamento de um

problema público requer uma série de decisões, introduzindo a ideia do policy

making como processo dinâmico e orientado para o alcance de objetivos.

(HOWLETT, 2013). Mas, foi a formulação feita por William Dunn (1993), que marcou

uma grande virada nas compreensões anteriores e mais tradicionais sobre políticas

públicas. Segundo Dunn, uma política pública seria uma resposta a um problema

percebido como público. Dessa forma, o autor admitia a existência de uma

pluralidade de atores de policy - apesar de não assumi-la em profundidade em seus

estudos posteriores -, redirecionando o foco do ator para o problema. (BOULLOSA,

PEREIRA, PASCOAL, 2012) e abrindo a possibilidade de desenvolvimento de

perspectivas policêntricas.

4.1.1 As principais escolas de estudo das políticas públicas

A orientação à ação, oriunda das policy sciences (Lasswell), tem marcado os

estudos sobre políticas públicas, tenham eles um viés mais normativo-prescritivo ou

mais descritivo. Os estudos feitos sob o primeiro enfoque se multiplicaram sob a

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45

etiqueta da análise de políticas públicas (policy analisys), assumindo, mais tarde, a

etiquetagem da análise racional das políticas públicas (rational policy analysis), a

ARPP. Mas, a crítica ao modelo da ARPP nasce quase que concomitantemente ao

campo de estudo de políticas públicas. (BOULLOSA, 2013).

Um dos primeiros autores a criticar tal modelo foi Herbert Simon, ainda nos

anos 1950, com sua teoria da racionalidade limitada (bounded rationality). As

restrições do processo de tomada de decisão foram apontadas pelo autor devido às

limitações cognitivas, informativas, de tempo e aos auto-interesses dos tomadores

de decisão:

É impossível para o comportamento de um indivíduo isolado alcançar um mínimo grau de racionalidade. O número de alternativas que ele deve explorar é tão grande, e as informações de que ele necessitaria são tão vastas, que é difícil conceber qualquer aproximação à realidade objetiva. (SIMON,1947, p. 9 apud SECCHI, 2012, p. 41).

Ao afirmar que o homem não é um ser dotado de racionalidade plena, mas

sim limitada, Simon, na verdade, conferia um novo alento à análise racional de

políticas públicas, já que, mais do que nunca, mostrava-se importante criar

instrumentos para garantir a maximização da racionalidade no processo de tomada

de decisão. No fundo e na frente, Simon estava criticando o modelo econômico

neoclássico de maximização dos resultados do comportamento do decisor, pois o

custo da informação, ou melhor, de informar-se sobre todas as possíveis

alternativas, seria, segundo o autor, alto demais e não valeria a pena para o tomador

de decisão.

Já Charles Lindblom (1959, 1979) tomou um caminho diferente de Simon.

Ainda mais contundentes foram as críticas feitas por ele, ao defender que a

racionalidade do tomador de decisão é mínima ou inexistente, devido ao grande

número de variáveis que a condicionam, como também devido à incoerência

inerente ao decisor. (LINDBLOM, 1959, 1979 apud BOULLOSA, 2013). Segundo

Boullosa (2013), os trabalhos de Simon – mesmo ao dar um alento mais crível à

ARPP - e Lindblom foram primordiais para a construção e a legitimação científica de

estudos menos normativos e mais descritivos, menos orientados à prescrição.

A supremacia dos estudos racionais não impediu, assim, o desenvolvimento

de outras abordagens no campo de estudos de políticas públicas, a exemplo do que

ocorreu com Lindblom. Segundo Regonini (1991), é possível classificar tais estudos

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a partir do cruzamento de seus interesses analíticos e estratégias metodológicas

adotadas. No que diz respeito às finalidades, os estudos podem ser mais

prescritivos ou mais descritivos, como anteriormente citado. No primeiro caso,

analisa-se os processos de formulação e implementação das políticas públicas, com

a finalidade explícita de melhorar seus resultados. No segundo caso, busca-se

reconstruir os modelos de tomada de decisão, caracterizando os atores envolvidos e

as relações entre as diferentes etapas do processo de políticas públicas. Enquanto

no primeiro trabalha-se com a perspectiva de como deveriam ser os processos, no

segundo, trabalha-se com o que eles realmente são. Como afirma Regonini (1991),

tais tipos de estudos poderiam ser identificados como ciência para o policy making e

ciência do policy making, respectivamente. Em relação às metodologias utilizadas,

as pesquisas podem seguir abordagens mais indutivas ou mais dedutivas. Sob este

último enfoque, os estudos costumam orientar-se por uma lógica do tipo axiomática

ou racional, ao contrário dos métodos indutivos. A combinação dos eixos de

estudos, segundo Regonini, gera um mapa que facilita a diferenciação e a

visualização das vastas contribuições no campo de estudos das políticas públicas.

(REGONINI, 1991). Como desdobramento de seu mapeamento, a autora italiana

propôs quatro grandes escolas de estudos de políticas públicas: análise racional

(racional policy analysis), baseada no cruzamento dos eixos prescritivo-dedutivo;

políticas públicas (public policy), resultado da combinação descritivo-indutivo;

escolha pública (public choice), que associa os enfoques descritivo e dedutivo; e

indagação pública (policy inquiry), que possui caráter prescritivo-indutivo.

(REGONINI, 2001, p. 87 apud BOULLOSA, 2013, p.5).

Em oposição às premissas da análise racional de políticas públicas, a escola

da indagação pública (policy inquiry) é aquela que reúne pesquisas que se

preocupam em, ao mesmo tempo, descrever realisticamente os processos de

políticas públicas e transformar o conhecimento produzido no processo de descrição

em instrumento de intervenção. Esta escola recebe a etiqueta de policy inquiry sob

inspiração do pragmatismo deweyano, porém, em uma perspectiva bem distinta da

ARPP. Aqui, a principal contribuição de Dewey se constituiu na afirmação do caráter

relacional da dúvida, a partir da qual o sujeito produz conhecimento e gera

aprendizagem social.

Na visão da policy inquiry, escola na qual se sente acolhida esta pesquisa,

concebe-se a política pública como um processo, em permanente diálogo com o

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cotidiano, espaço e resultado de interações sociais e conflitos políticos, dotado de

um grau de incerteza e imprevisibilidade. O conhecimento produzido torna-se

instrumento de intervenção, a partir das seguintes matrizes interpretativas:

a) As políticas públicas como conhecimento em uso: conhecimento e ação

se retroalimentam, sendo possível conhecer as sociedades a partir das

políticas públicas em curso.

b) As políticas públicas como interação: atores diversos relacionam-se em

espaços conformados pelo problema a ser tratado.

c) As políticas públicas como processo: não-linearidade e fluxos

multidirecionais do processo de construção de políticas públicas.

d) As políticas públicas como latas de lixo: problemas e soluções são

independentes.

Embora a ARPP ainda inspire grande parte dos estudos sobre políticas

públicas, novas tendências surgiram na esteira da escola da indagação pública,

assumindo perspectivas mais pluralistas e democratizantes. Alguns autores,

identificados como pós-positivistas, defendem perspectivas mais qualitativas e

democráticas, denunciando que a separação entre fatos e valores tem favorecido o

desenvolvimento de uma forma tecnocrática de análise de políticas públicas,

baseada nos princípios da economia do bem-estar, dando ênfase à eficiência e

eficácia dos meios para alcançar os objetivos propostos. (FISCHER, 1998). Em uma

perspectiva pós-positivista, o conhecimento revela-se uma construção sociotécnica,

moldada pelo contexto histórico e pelos quadros de valores dos cientistas

envolvidos. Assim, o esforço para dissociar significados e valores dos fatos sociais

nos estudos sobre políticas públicas afeta diretamente a natureza política de tais

estudos, ao não reconhecer a natureza interpretativa de qualquer objeto social.

(FISCHER, 1998).

4.1.2 Uma nova mirada no campo de estudos de políticas públicas no Brasil

No Brasil, os estudos das políticas públicas nasceram sob forte influência

dos Estados Unidos, via escolas de administração por meio de programas de

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cooperação institucional2. A abordagem dominante no País esteve, desde o início,

pautada em uma perspectiva estadocêntrica, racionalista e economicista dos

processos de políticas públicas, por meio da defesa da neutralidade dos métodos

científicos. (FARAH, 2011). Segundo Boullosa (2013), a ARPP foi adotada na

reforma do estado brasileiro, orientando a compreensão, o planejamento e a

avaliação das políticas públicas, assumindo uma imagem politicamente neutral e

exclusivamente técnica do processo de políticas públicas, reconhecendo o gestor

como alguém dotado de racionalidade plena.

Enquanto nas abordagens estadocêntricas o caráter público das políticas

continua sendo conferido pela qualidade do ator que a ativa, em uma perspectiva

multicêntrica, é possível perceber as políticas públicas a partir do problema ou o

bem público que as desencadearam. Esta Mirada ao Revés, desenvolvida por

Boullosa (2013) e com a qual se alinha esta pesquisa, permite identificar uma

multiplicidade de sujeitos que atuam no governo de problemas de pública relevância

ou na preservação de bens públicos. Em outras palavras, a política é pública porque

o problema ou bem a que se destina é coletivamente percebido como de pública

relevância.

Entendidas como fluxos de ações e intenções de uma multiatorialidade

ativada por e no interesse público, as políticas públicas deixam de ser monopólio do

Estado, embora este continue sendo um ator estratégico, desempenhando um papel

importantíssimo nos fluxos de políticas públicas. (BOULLOSA, 2013). Segundo

Boullosa (2013), a importância deste ator se deve as suas características

estruturantes e quase exclusivas:

(a) cursos de ação previamente legitimados; (b) poder de aplicação de complexos sistemas de incentivos e sanções capazes de orientar o comportamento dos demais atores; (c) poder regulador de processos; (d) quase infinita capilaridade organizacional mesmo que pouco organizada; (e) detentor de recursos quase sempre muito superiores ao conjunto dos demais atores mobilizados. (BOULLOSA, 2013, p. 11).

Mesmo em países democráticos, historicamente, o policy making esteve

associado a imagens monocêntricas, construídas a partir do protagonismo conferido

2 Segundo Boullosa (2013), tais programas de cooperação institucional ocorreram no âmbito político

da Aliança para o Progresso, programa de cooperação bilateral realizado entre 1961 e 1970, cujo objetivo era promover o desenvolvimento econômico em países latinoamericanos, afastando-os do “fantasma do comunismo”.

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previamente a determinados atores (CAPANO; GIULIANI, 1998). Com o passar dos

anos, contudo, começaram a ser utilizadas metáforas mais complexas, do tipo

policêntrico, para fazer alusão às relações nos processos de políticas públicas,

caracterizadas pela desconfiança na possibilidade e utilidade de identificar,

previamente, atores dominantes e pelo interesse em reconstruir as interações entre

atores com papéis e legitimações distintas. (REGONINI, 1991). Dentre as imagens

policêntricas, uma que parece útil ao contexto desta pesquisa é a de redes de

políticas públicas (policy network), pautada na ideia de um retículo de atores –

públicos e/ou privados, individuais e/ou coletivos -, dotados de diferentes recursos –

quantitativos e/ou qualitativos -, que interagem em um espaço definido pelo

problema de policy. (CAPANO; GIULIANI, 1998). Baseada em uma ideia de

pluralidade, a policy network exclui imagens rígidas do processo decisional,

redirecionando o foco da estrutura política-administrativa para as relações entre os

diferentes atores, que podem entrar e sair ao longo do processo de políticas

públicas, assumindo diferentes níveis de responsabilidade e mobilizando diferentes

recursos.

Na perspectiva da Mirada ao Revés, cuja modelização do sistema de atores

é assumida no âmbito desta pesquisa, a imagem do sistema de atores de políticas

públicas (policy subsystem) parte desta pluralidade atorial, construída in process, ao

invés de imputada ex-antes. No âmbito da pesquisa aqui apresentada, trabalha-se

com a ideia de que cada instrumento de políticas públicas ativa um policy

subsystem, formado por diferentes atores de policy mobilizados pelo problema

público a que se deseja tratar ou bem público a ser preservado. A participação pode

ser instável e/ou flutuante ao longo do policy making, com uma relação de

codeterminação, refletindo diferentes padrões de relacionamento e de tomada de

decisão. Diversos atores sociais podem ativar ou serem mobilizados nestas arenas,

com distintos níveis de participação: políticos, funcionários do governo com

diferentes poderes de legitimidade, ativistas de policy, advocacy coalision,

burocracia, burocracia de Rua (streat level bureaucracy), comunidades epistêmicas,

experts, grupos de pressão, empreendedores de policy, stakeholders, think tanks,

policy makers, policy takers, dentre outros.

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Figura 2 - Síntese resultante das principais implicações para o estudo dos processos de políticas públicas pela Mirada ao Revés.

Fonte: BOULLOSA, 2013.

Dentre as muitas implicações da adoção da Mirada ao Revés para o estudo

das políticas públicas, registradas na figura acima, duas delas são particularmente

importantes no âmbito desta pesquisa:

a) os atores agem por meio de instrumentos;

b) instrumento é a ação organizada voltada a tratar um problema de pública

relevância ou preservar bens públicos.

Tais implicações contribuem para reforçar a importância de reposicionar os

instrumentos nos estudos sobre políticas públicas, conferindo centralidade a um

tema que historicamente tem sido tratado como periférico. De maneira geral, pode-

se identificar, na literatura especializada, duas grandes vertentes de análise dos

instrumentos de políticas públicas, moldadas a partir de uma abordagem mais

tecnicista ou mais política. No primeiro caso, os instrumentos são analisados como

parte da racionalidade técnica do modelo burocrático, como se fossem meios

neutros, desprovidos de significados, cuja principal questão de investigação reside

na busca por maximizar sua eficácia na resolução dos problemas que se deseja

tratar. Esta é a abordagem mais tradicional e frequentemente resulta em estudos

classificatórios dos instrumentos, como se pode verificar na seção Das políticas

públicas aos seus instrumentos. A segunda vertente é menos convencional e parte

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do reconhecimento da natureza política dos instrumentos, desnaturalizando-os e

revelando seu caráter ideológico. Nesta perspectiva, com a qual se alinha esta

pesquisa e que é descrita na seção Políticas públicas a partir de seus instrumentos,

estes trazem em si uma forma de compreensão das relações entre Estado e

sociedade, carregando consigo modos de ver e interpretar o mundo, definindo quem

regula o quê. Os instrumentos, nesta vertente, estruturam as políticas e se

constituem, assim, em uma forma de compreendê-las. Ou seja, troca-se o estudo do

todo pela parte, por considerá-la síntese reveladora de um todo que, pela sua

complexidade, só pode ser compreendido parcialmente.

4.2 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AOS SEUS INSTRUMENTOS

Segundo Howlett (2013), para estudiosos como Bardach (1980) e Salamon

(1981), os estudos sobre políticas públicas “erraram de saída” ao defini-las em

termos de “áreas” ou “campos”, no lugar de instrumentos. (HOWLETT, 2013, p. 129).

Tal tarefa foi assumida, conforme o autor, pelos estudos de policy design, nas

décadas de 1980 e 1990, buscando classificar os instrumentos a partir da

identificação dos recursos de governo utilizados. (HOWLETT, 2013). Howlett (2011)

argumenta que diferentes tipos de instrumentos de políticas públicas estão

presentes em todas as fases do processo político, sendo objeto de deliberação por

parte dos atores envolvidos. O autor, contudo, sinaliza que é na etapa de formulação

e de implementação que o policy design ganha destaque.

O fato é que, tradicionalmente, o estudo dos instrumentos tem sido uma

consequência do estudo sobre políticas públicas e de suas modelizações, mesmo

quando aparentemente tais estudos parecem ser classificatórios dos instrumentos.

Chega-se aos instrumentos por meio das políticas públicas, que ocupam a

centralidade da análise enquanto aqueles continuam periféricos. A partir desta

perspectiva, nas últimas décadas, algumas tentativas de descrição e compreensão

mais precisa dos significados e efeitos dos instrumentos de políticas públicas

resultaram em diferentes tipologias: Lowi (1972), que classificou as políticas públicas

em quatro tipos, associando características destes aos níveis de conflito ou

consenso nas respectivas arenas políticas; Kirschen (1975), com a classificação de

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63 tipos de políticas públicas, a partir de doze objetivos; Wilson (1983),

considerando os critérios de distribuição dos custos e benefícios da política pública;

Gormley (1986), a partir do nível de saliência e de complexidade; Hood (1986), que

classificou os instrumentos a partir de quatro categorias relacionados a recursos de

governo ou de controle (nodalidade, autoridade, recursos e organização); Salamon

(2002), com 14 tipos de classificação; Howlett e Ramesh, segundo a presença do

Estado e/ou Mercado; Gustafsson (1983), segundo o conhecimento e a intenção do

policy maker; dentre outros.

Outras taxonomias e modelos de análise foram desenvolvidos buscando

melhor compreender o processo de tomada de decisão em políticas públicas, e,

consequentemente, a escolha de seus instrumentos. Para além da efetividade e do

grau de implementabilidade, a escolha destes seria condicionada por diversos

fatores como: a opção por uma gestão direta ou indireta, o grau de coercitividade, de

visibilidade e de automaticidade desejados (SALAMON, 2002 apud OLLAIK, 2012);

a possibilidade de angariar votos, visando à perpetuação do poder (TREBILCOCK,

2002); os custos de transação (HORN, 1995 apud OLLAIK, 2012); dentre outros. Há

ainda autores que apontam a dimensão cognitiva dos instrumentos, atrelando a

escolha destes ao policy design (LINDER; PETERS apud HOWLETT, 2011).

Segundo Bresser e O´Toole Jr. (apud LASCOUMES; SIMARD, 2011), os

instrumentos raramente são selecionados por sua eficácia ou implementabilidade,

sendo condicionados, muitas vezes, pela predileção que alguns setores de políticas

públicas têm por determinados instrumentos independente de sua performance na

resolução dos problemas a que se destinam.

A falta de racionalidade no processo de tomada de decisão foi enfatizada na

teoria do garbage can model ou modelo da “lata de lixo”, desenvolvido por Cohen,

March e Olsen (1972). Neste modelo, soluções e problemas não estão

necessariamente associados, e as organizações possuem uma compreensão

limitada destes, agindo de forma anárquica na etapa de tomada de decisão. Assim,

como apontaram os autores, as soluções procuram por problemas. Os tomadores de

decisão lançam mão de soluções de que dispõem no momento, em um processo

marcado pela ambiguidade e imprevisibilidade. Para os autores, as modalidades de

tomada de decisão eram:

Uma cesta de lixo na qual os participantes jogam vários problemas e soluções. A mistura do lixo numa cesta isolada depende em parte

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dos rótulos dados às diversas cestas; mas também depende de que lixo está sendo produzido no momento, da mistura de cestas disponíveis e da velocidade com que o lixo é coletado e removido de cena. (COHEN; MARCH; OLSEN, 1979, p. 26 apud HOWLETT, 2013, p. 171).

A partir de uma interpretação do garbage can, John Kingdon (2003)

demonstrou, por meio de seu modelo de fluxos múltiplos, que a ocorrência das

políticas públicas depende de uma janela de oportunidade (policy window), criada a

partir da convergência dos fluxos de problemas, soluções e alternativas e política. O

primeiro refere-se à forma como uma condição passa a ser reconhecida e definida

como um problema no processo de formação ou dissolução de agenda (agenda

settings)3. No fluxo de alternativas e soluções, diferentes grupos (funcionários do

governo, grupos de interesse, especialistas, dentre outros) propõem soluções e

aguardam a oportunidade de apresentá-las, independentemente dos problemas a

que se destinam tratar. Estas são avaliadas considerando aspectos como viabilidade

técnica, custos e aceitação pela comunidade. Por fim, o fluxo de política ocorre,

segundo o autor, independentemente do reconhecimento do problema ou da

construção de alternativas de solução, seguindo suas próprias dinâmicas e regras.

Na arena política, o consenso é construído mais por barganha do que por

persuasão.

Quando ocorre uma junção dos três fluxos, forma-se uma policy window, que

pode se abrir previsivelmente ou não, mas sempre é rara e de curta duração.

(KINGDON, 2003). A abordagem desenvolvida por Kingdon oferece interessantes

recursos metodológicos para pesquisas sobre migração de escala em instrumentos

de políticas públicas, uma vez que pode contribuir para, por meio da reconstrução da

policy window da migração de escala de instrumentos de políticas públicas,

identificar quais os fluxos, os atores e os fatores que permitiram a ocorrência do

fenômeno, e quais os efeitos deste sobre a agenda setting.

Vale ressaltar que, inicialmente, os estudos classificatórios buscavam

compreender os instrumentos exclusivamente em seus propósitos de organização

3 Alertando para o fato de que nem toda condição se transforma em um problema, John Kingdon

(2003) destaca algumas questões determinantes nesta definição: condições que violam valores importantes têm mais facilidade de serem reconhecidas como problemas; condições se tornam problemas quando comparadas à situação em outros lugares ou contextos; rotular uma condição em uma determinada categoria implica em definir que tipo de problema ela se constitui, influenciando o tipo de tratamento que receberá. Além disso, o uso de indicadores, situações de crise (como, por exemplo, um desastre) e feedbacks negativos de programas ou ações governamentais podem contribuir na definição de um problema.

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social, sem conferir muita atenção ao seu desenho, a sua configuração. Howlett

(2011, 2013), ao tratar do policy design afastou-se da perspectiva classificatória,

assumindo uma postura de ensino dos instrumentos. Mais recentemente, a

dimensão sociopolítica dos instrumentos e sua centralidade nos processos de

políticas públicas têm estimulado novas abordagens, apontando caminhos para a

compreensão das políticas públicas por meio destes.

4.3 DOS INSTRUMENTOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

Na contracorrente das abordagens funcionalistas, olhar as políticas públicas

a partir de seus instrumentos permite compreendê-las, para além de seus

componentes técnicos, em suas dimensões política e cognitiva. Mas, ainda são

poucos os estudos que assumem a centralidade dos instrumentos para a

compreensão das políticas públicas, invertendo os caminhos convencionais de

pesquisa, em função de uma visão menos tecnocrática dos instrumentos. Dentre

estes, a abordagem da instrumentalização das políticas públicas (LASCOUMES; LE

GALÈS, 2007, 2012) oferece interessantes recursos analíticos para a pesquisa aqui

apresentada, ao enfatizar o papel dos instrumentos na estruturação das políticas

públicas, evidenciando as relações de poder e as dinâmicas de (des)politização

associadas aos instrumentos. Estudar as políticas públicas a partir de seus

instrumentos permite, assim, entender como se dão suas mudanças e quais os

padrões cognitivos e de relação entre os diversos atores de uma arena de policy.

A abordagem a partir dos instrumentos, assumindo sua dimensão política,

ultrapassa a clássica divisão entre politic e policy, tão difundida nos estudos de

políticas públicas. Como sinalizam Lascoumes e Le Galès (2007, 2012), os

instrumentos de políticas públicas não são dispositivos neutros. São constituídos, ao

mesmo tempo, por componentes técnicos e sociais, produzindo, assim, efeitos

específicos, para além dos esperados, a partir de dinâmicas próprias,

independentemente dos objetivos a eles explicitamente atribuídos. Os instrumentos

de políticas públicas carregam consigo significados, representações e uma forma de

compreensão sobre regulação social, criando efeitos de verdade e manipulando

formas de interpretar o mundo. Dessa forma, desconstrói-se o mito da neutralidade

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dos instrumentos, que contribui para naturalizar situações sociais e compreensões

que sempre são artificialmente construídas. Para os autores franceses acima

citados, os efeitos de um instrumento podem produzir inércia (resistência a

mudanças), uma representação específica da questão ou induzir a uma

problematização específica. (LASCOUMES; LE GALÈS, 2007, 2012).

De acordo com Lascoumes e Le Galès (2012, p. 21),

[...] Os instrumentos de ação são portadores de valores, alimentam-se de uma interpretação do social e de concepções precisas do modo de regulação esperado. O instrumento é também produtor de uma representação específica do desafio que ele enfrenta. Enfim, o instrumento induz uma problematização particular dos objetos de aplicação na medida em que hierarquiza as variáveis e pode prosseguir até induzir um sistema explicativo.

Para a abordagem da instrumentalização das políticas públicas, os

instrumentos de políticas públicas são um tipo particular de instituição, no sentido

sociológico do termo, um conjunto mais ou menos coordenado de regras ou

procedimentos que governam as interações e comportamentos sociais, tornando-os

mais estáveis e previsíveis. Instrumento, técnica e ferramenta guardam importantes

diferenças entre si. Enquanto o primeiro é um tipo de instituição social, a técnica é

um dispositivo concreto que operacionaliza o instrumento e a ferramenta, um micro

dispositivo dentro da técnica. (LASCOUMES; LE GALÈS, 2007, 2012).

A construção de um instrumento revela as lógicas dos atores, os diferentes

interesses presentes em uma arena de policy e impõe padrões interpretativos dos

problemas a que se destinam. De acordo com Lascoumes e Le Galès, os

instrumentos determinam, em parte, quais recursos podem ser utilizados e por

quem. Logo, ao contrário do que tradicionalmente se anuncia, a escolha de um

instrumento não é uma decisão exclusivamente técnica, mas política, que impacta

diretamente na configuração das arenas de policy, das relações entre os atores que

a conformam e de seus modelos cognitivos. Para além dos seus efeitos declarados,

os instrumentos promovem a reconfiguração das arenas políticas às quais estão

vinculados, reorganizando relações entre os atores, construindo representações e

estruturando as políticas públicas de acordo com suas próprias lógicas.

Outra importante contribuição da teoria da instrumentalização das políticas

para a presente pesquisa é a revelação de que todo instrumento de políticas

públicas é portador de uma teoria explícita e de uma teoria implícita, que nem

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sempre mantêm uma relação de coerência entre si. A teoria explícita refere-se às

premissas e verdades que são enunciadas como explicação do instrumento, em

documentos oficiais, por exemplo. Por outro lado, as verdades e premissas que

orientam a prática do instrumento constituem sua teoria implícita, e é através desta

que ele governa as relações sociais. Dessa forma, o tipo de instrumento utilizado,

suas propriedades e as justificativas para essas escolhas parecem ser mais

reveladoras do que seus motivos explícitos ou posteriores racionalizações

discursivas. (LASCOUMES; LE GALÈS, 2007).

No âmbito desta pesquisa, a escolha ou (re) construção do instrumento a ser

utilizado ou que sofrerá a migração de escala não é uma decisão menor, na medida

em que permite identificar as dinâmicas de construção e reconstrução de sentido,

compreendendo melhor os processos de mudança e aprendizagem em políticas

públicas.

4.4 APRENDIZAGEM EM POLÍTICAS PÚBLICAS

Apesar de ser uma expressão de uso recorrente no campo empírico das

políticas públicas e da existência de uma literatura especializada voltada para sua

compreensão sob a etiqueta de policy learning4, a aprendizagem é um tema que

também carece de maior aprofundamento e de novos enfoques nos policy studies. A

noção de aprendizagem pode ser compreendida a partir de várias perspectivas e

correntes teóricas. Neste estudo, buscou-se o aporte, principalmente, da literatura

sobre aprendizagem organizacional, especialmente de suas vertentes socioculturais,

para subsidiar a reflexão sobre aprendizagem em políticas públicas. Acredita-se que

tais perspectivas são funcionais à construção de um olhar analítico mais próximo do

objeto desta dissertação, capaz de considerar suas especificidades e seus

contornos fluidos, bem como descortinar processos e dinâmicas de mudanças e

(re)construção de sentidos em políticas públicas.

Compreender os instrumentos de políticas públicas em uma abordagem

sociopolítica torna possível percebê-los também como estruturas de sentido, por

4 A abordagem de policy learning tem orientado grande parte dos estudos sobre aprendizagem em

políticas públicas, resultando em estudos voltados para os processos de difusão e transferência de políticas públicas.

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meio das quais são construídas ou reconstruídas diferentes representações dos

problemas a serem tratados e diversos comportamentos e formas de ação pública.

Nesta seção, será feito um percurso na literatura sobre aprendizagem, a partir de

sua abordagem social, cujo roteiro pode ser visualizado na Figura 3, buscando

referenciais teóricos que permitam melhor compreender os sistemas de

aprendizagem implicados em processos de migração de escala em instrumentos de

políticas públicas, que serão objeto do Capítulo 6 desta dissertação.

Figura 3 - Mapa conceitual sobre aprendizagem utilizado no âmbito da pesquisa.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

4.4.1 Abordagem social da aprendizagem

Uma discussão ainda muito presente na literatura refere-se às relações e

tensões entre diferentes níveis de aprendizagem – individual, coletiva e social. Para

alguns autores, a aprendizagem é um fenômeno individual, observando-se

exclusivamente seus aspectos cognitivos. Para outros, com os quais se alinha este

estudo, a aprendizagem trata-se de um fenômeno social, resultado de interações,

em permanente diálogo com os contextos sociais, por meio de práticas e relações

cotidianas, em contraposição aos modelos tradicionais de aprendizagem baseados

na transferência de informações. A aprendizagem seria, assim, um processo

relacional, dinâmico, contínuo e não linear, cujos caminhos e descaminhos ocorrem

por meio das práticas e das interações sociais. Mesmo em processos individuais de

aprendizagem, é preciso analisar os contextos sociais e interacionais que criam

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cenários de aprendizagem. Para além dos indivíduos, a aprendizagem é socialmente

construída e fundamentada em situações concretas, na quais as pessoas interagem

umas com as outras, envolvendo processos multiníveis – individual, grupal, social.

Todos, porém, situados em um determinado contexto político, histórico, cultural.

A abordagem social da aprendizagem, que se constitui no ponto de partida

para a discussão proposta no âmbito desta pesquisa, fundamenta-se nas ideias de

John Dewey, nas quais a experiência assume a centralidade dos processos de

aprendizagem. Mais do que os conhecimentos formais, a experiência é um

elemento-chave na geração de conhecimentos. A interação e a movimentação social

provocadas pela necessidade de enfrentamento de uma situação problemática (ou

de uma dúvida) criariam, por meio da prática e das experiências vivenciadas,

oportunidades de aprendizagem.

Em seus estudos, o filósofo e educador estadunidense contrapõe-se às

concepções antitéticas que marcam as teorias do conhecimento. Dentre estas, a

oposição entre conhecimento empírico e razão. Para Dewey, enquanto o primeiro se

relaciona aos saberes práticos cotidianos e costuma ser desprezado, considerado

desprovido de significado cultural, o segundo é visto como reduto da

intelectualidade. Dewey aponta ainda a antítese sugerida, segundo ele, pelos

sentidos da palavra aprender:

De um lado, aprender é a soma de tudo que é conhecido, como aquilo que é transmitido pelos livros e pessoas cultas. É algo externo, um acúmulo de cognições, como mercadorias estocadas em um depósito. A verdade existe, finalizada, em algum lugar. Estudar é, então, o processo pelo qual o indivíduo absorve o que está armazenado. De outro lado, aprender significa alguma coisa que o indivíduo faz (grifo do autor) quando estuda. É uma relação ativa, conduzida pessoalmente. O dualismo aqui é entre o conhecimento como algo externo, ou, como muitas vezes é chamado, objetivo, e o conhecimento como algo interno, subjetivo, psíquico. (DEWEY, 2007, p. 92).

Para o autor, tais oposições resultam no distanciamento entre teoria e

prática, entre saber e fazer. Rompendo os dualismos filosóficos, Dewey argumenta

que o conhecimento decorre de um desequilíbrio entre o que conhecemos e a

experiência vivenciada, envolvendo o indivíduo e o seu ambiente e resultando em

um processo contínuo entre conhecer e agir. O pragmatismo deweyano funda-se,

assim, nos princípios da continuidade e da interação, considerados indissociáveis e

determinantes do valor da experiência. O princípio da continuidade diz respeito ao

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entendimento da aprendizagem como processo, cujos conhecimentos gerados a

partir da experiência possuem caráter transformador, contribuindo para a

compreensão e o aperfeiçoamento de experiências futuras. Assim, “[...] a função do

conhecimento é tornar uma experiência livremente aproveitável em outras

experiências.” (DEWEY, 2007, p. 99). Já o princípio da interação destaca o caráter

social e situado da experiência e dos processos de aprendizagem dela decorrentes.

Dessa forma, a aprendizagem ocorre continuamente em situações em que os

indivíduos agem, interagem e refletem em busca do restabelecimento de um

equilíbrio rompido por uma dúvida, que, segundo Dewey, também é inerente às

relações e, portanto, coproduzida.

Assim, as experiências e os conhecimentos delas derivados podem ser

entendidos como instrumentos de transformação que contribuem para o

aperfeiçoamento de ações futuras, agregando significados e saberes a novas

situações. Como explica Dewey, “o conhecimento como ação consiste em tornar

conscientes algumas de nossas disposições para colocar em ordem uma

perplexidade, por meio da compreensão da conexão entre nós mesmos e o mundo

em que vivemos.” (DEWEY, 2007, p. 104).

A aprendizagem é, então, um processo contínuo. Para Dewey, em sua

filosofia da experiência, os princípios da continuidade e da interação contribuem

para o crescimento, entendido como curso permanente de desenvolvimento do

indivíduo, na medida em que geram uma “força de movimento” em direção ao futuro

e orientada à resolução de problemas. Dewey adverte que nem todas as

experiências são educativas. Para gerar aprendizagem, é preciso um contínuo

processo de observação, reflexão e reorganização da experiência, formulando

indagações e soluções a partir de situações problemáticas inseridas em um contexto

social. Embora a cognição individual seja uma parte importante de tal processo, é na

interação com o contexto, na associação com o outro, que a aprendizagem ocorre.

Aprender com base na experiência (...) é fazer uma conexão para trás e para frente entre o que fazemos para os acontecimentos e o que desfrutamos ou sofremos, como conseqüência, a partir deles. Sob tais condições, fazer torna-se tentar; um experimento com o mundo para descobrir com o que se parece; a experiência transforma-se em instrução – descoberta da conexão entre as coisas (...) (1) a experiência é, principalmente, uma questão ativa-passiva; não é fundamentalmente cognitiva. Todavia, (2) a medida do valor de uma experiência reside na percepção das relações ou continuidades, as quais ela conduz. Inclui cognição, à medida que é

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cumulativa ou correspondente a algo, ou possui significado. (DEWEY, 1916, p. 99 apud ANTONELLO; GODOY, 2011, p. 278).

4.4.1.1 Aprendizagem pela prática

A partir das contribuições de Dewey, outros autores começaram a trabalhar

a ideia da abordagem social da aprendizagem reforçada pela prática. O

conhecimento, nesta perspectiva, não seria algo dado, mas um construto, resultado

de interações e compartilhamentos, de um saber fazer explicitado nas práticas

cotidianas, que não se finaliza, pelo contrário, se retroalimenta a cada nova conexão

que faz. O conhecimento está presente, assim, nas práticas cotidianas, nos valores,

crenças, normas, procedimentos, rotinas, linguagem, rituais, artefatos, socialmente

construídos e compartilhados em contextos específicos. (YANOW apud BOULLOSA,

SCHOMMER, 2009).

Nesse sentido, pode-se sugerir que o conhecimento também estaria

presente em instrumentos de políticas públicas, alinhando-se com a perspectiva de

políticas públicas como conhecimento em uso, trabalhada na escola da indagação

pública. Conhecimento que é gerado e permanentemente ressignificado por meio da

prática e da interação entre os diversos atores envolvidos.

Antonello e Godoy (2011), citando Gherardi (2000), assinalam a existência

de dois discursos dominantes sobre a natureza do conhecimento. A partir de

abordagens cognitivistas, o primeiro discurso defende que o conhecimento é

realizado na mente dos indivíduos, sendo sua transmissão e armazenamento

resultados de processos mentais. Já a segunda corrente, enraizada na economia do

conhecimento e na gestão do conhecimento, reifica-o como mercadoria, como um

fator de produção. As autoras apontam outra perspectiva de compreensão do

conhecimento, ao defenderem, tendo como referências Nicolini; Gherardi e Yanow,

uma abordagem da aprendizagem baseada em práticas, reconhecendo-a como

fenômeno principalmente social e cultural. As abordagens baseadas em prática vão

de encontro à ideia de um conhecimento perfeito, externo ao indivíduo. Ao contrário,

este seria resultado da interdependência entre sujeito, objeto e contexto, em uma

relação dinâmica e complexa, refletida em um „ato de conhecer‟ denominado de

knowing. (GHERARDI, 2006 apud ANTONELLO; GODOY, 2011). Como atividades

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práticas e realizações, aprendizagem e conhecimento são algo que as pessoas

fazem juntas e não algo produzido de forma individual.

Como apontam Antonello e Godoy (2011), nos últimos anos, diversos

estudos têm focado a aprendizagem baseada em práticas (Brown e Duguid, 1991;

Lave e Wenger, 1991; Cook e Yanow, 1993; Gherardi; Nicolini e Odella, 1998,

Gherardi, 2000; Yanow, 2000; dentre outros). Para as autoras, as abordagens

baseadas em práticas trazem em si diversas possibilidades, tais como:

Dissolve as separações entre níveis de aprendizagem (individual, grupal, organizacional), já que a mesma prática engloba todos esses níveis.

Desaparecem os conflitos antes presentes nos modelos de Aprendizagem Organizacional: processo natural ou sistemático, baseado em conhecimento tácito ou explícito, a aprendizagem é normativa (regras, normas, leis, procedimentos padrão) ou exemplar (maneiras de agir, valores, crenças, concepções, formas de executar não explicitadas), a serviço do aprimoramento ou da inovação, adaptativa (incremental) ou de ruptura (transformação social).

Supera dualidades como estrutura/agência, estabilidade/mudança, exploration/exploitation (Antonacopoulou, 2008).

Pode-se revelar aspectos não usuais das conexões entre aqueles que trabalham, seus objetos de trabalho e os significados objetivos e subjetivos do trabalho e de organizar (Gherardi; Nicolini; Strati, 2007).

Vai além da imagem hiper-relacional e intelectualizada da agência humana e do social; descentraliza a mente (Reckwitz, 2002). Valoriza o conhecimento sensível e estético (Gherardi; Nicolini; Strati, 2007).

Traz de volta ao vocabulário o corpo, os movimentos, as rotinas, os conhecimentos práticos (Reckwitz, 2002).

O conceito de prática fornece uma nova narrativa por meio da qual relacionar-se com a fluidez do organizar, ao abarcar a ambiguidade, incerteza e descontinuidade como reino do desconhecido e fundação do tornar-se/emergir/organizar. (Antonacopoulou, 2008). (ANTONELLO; GODOY, 2011, p. 109).

4.4.1.2 Aprendizagem pela reflexividade

O pensamento reflexivo, como aponta Dewey, ao contrário de outras

operações denominadas de pensamento, origina-se em um estado de dúvida,

perplexidade, incerteza, seguido de um ato de busca, pesquisa, inquirição para

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esclarecimento e restauração do equilíbrio entre o conhecimento e a experiência.

Segundo Dewey, o pensamento reflexivo confere liberdade, emancipa o indivíduo,

pois lhe permite a condução e o planejamento conscientes de ações intencionais. A

aprendizagem é, assim, um processo dialético que envolve teoria e prática,

experiência e conceitos, observação e ação.

Influenciado pelas ideias deweyanas, Donald Schön (2000) desenvolveu um

modelo de reflexão, a partir da observação de como os profissionais podem utilizá-la

em suas práticas, configurando o profissional reflexivo. Para Schön, os profissionais

são chamados a fazerem escolhas e resolverem problemas a todo o momento. Sob

uma perspectiva positivista, a racionalidade técnica identifica os profissionais como

aqueles que solucionam problemas instrumentais. Contudo, Schön alerta de que, na

vida real, os problemas não se apresentam com contornos claros, bem delineados.

Como diz o autor, “eles tendem a não se apresentar como problemas, mas na forma

de estruturas caóticas e indeterminadas” (SCHÖN, 2000, p. 16). Recorrendo a

Dewey, Schön argumenta que os problemas são construídos, a partir de uma

“situação problemática”. E, nessa construção, o problema é recortado a partir do

olhar e dos interesses de quem o delimita. Portanto, uma “situação problemática”

pode resultar em diferentes problemas a partir dos diferentes olhares de quem a

observa, organiza os fatos e aponta uma direção para ação. Com isso, sugere-se

que há certo grau de incerteza e instabilidade nas práticas cotidianas, que escapa à

racionalidade técnica, instrumental.

Schön identifica um tipo de conhecimento que só ocorre em curso, na ação.

O conhecimento-na-ação é gerado nas ações rotineiras, de forma espontânea,

constituindo-se em um processo tácito. A tentativa de organizar e tornar explícita

esta inteligência espontânea e originalmente tácita também é, segundo Schön, um

processo de construção. Quando ocorre um elemento surpresa, algo que não está

de acordo com as expectativas, criam-se as condições para o que Schön denominou

de reflexão-na-ação. Sem interrupção da ação, os indivíduos buscam entender suas

ações, seus conhecimentos explícitos e seus resultados inesperados, de forma

crítica, reflexiva, favorecendo a reestruturação das estratégias de ação, as

compreensões e concepções dos problemas. Para o autor, os profissionais podem

se deparar com dois tipos de situações: familiares, nas quais podem ser aplicados

os conhecimentos tácitos construídos ao longo de sua trajetória, as regras e técnicas

disponíveis, rotineiras; e as não familiares, em que não são encontradas respostas

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já formuladas, exigindo a construção de novas soluções, por meio de

questionamentos e experimentações, por meio da reflexão-na-ação. Assim, a

reflexão gera a experimentação de novas ações e novas estratégias de intervenção

em busca da compreensão da situação inesperada e tratamento dos problemas

recém observados. (Schön, 2000).

4.4.1.3 Aprendizagem entre continuidades e rupturas

A ideia de circuitos de aprendizagem, trabalhada por Chris Argyris e Donald

Schön (1978) em seus estudos sobre mudanças organizacionais, também parece

ser funcional para a melhor compreensão das possíveis dinâmicas de aprendizagem

na migração de escala de instrumentos de políticas públicas. Segundo os autores, a

aprendizagem pode ocorrer por meio de circuito simples (single-loop learning) ou de

circuito duplo (double-loop learning). No primeiro caso, não são questionados os

valores, estruturas e pressupostos utilizados. Constitui-se, assim, em um tipo de

aprendizagem instrumental, corretiva, adaptativa, linear, já que se busca corrigir os

erros visando conferir maior eficiência e efetividade às estratégias já utilizadas.

Nesse sentido, corrigem-se os efeitos, mas não se problematiza as suas causas. Na

aprendizagem de circuito duplo, por meio de uma postura reflexiva, os próprios

valores e quadro de referência que governam as ações são questionados, podendo

resultar em mudanças estruturais, novas normas, novas estratégias e novas teorias

de ação. Em ambientes de incerteza e marcados por mudanças rápidas, os autores

indicam que se faz necessário o double-loop nos processos de tomada de decisão.

Argyris e Schön defendem a existência de duas teorias da ação: a teoria

esposada (esposed theory) e a teoria-em-uso (theory-in-use). Eles argumentam que

as pessoas agem segundo mapas mentais, que lhes orientam sobre como planejar,

implementar e rever suas ações. Tais mapas, que guiam os comportamentos dos

indivíduos, nem sempre correspondem às teorias por eles explicitadas para

defenderem tais ações. Apesar disso, a maior parte das pessoas não é consciente

desta situação e das teorias que utiliza. Os autores alertam que não se trata de uma

divisão entre teoria e ação, mas sim da existência de duas teorias da ação: uma

explícita e acessível a todos, e outra implícita e, muitas vezes, inacessível até para

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quem a utiliza. A teoria esposada refere-se, assim, ao quadro de valores de

referência e à visão de mundo que os indivíduos e/ou organizações declaram

publicamente para sustentar suas ações, seja em seus discursos, em seus

documentos oficiais etc. Já a teoria-em-uso relaciona-se aos valores e visões de

mundo implicados e constitutivos dos comportamentos cotidianos, que geralmente

contam com estruturas tácitas. A efetividade de uma ação, segundo a visão dos

autores, decorre da congruência entre estas duas teorias. Caso contrário, resultados

e intenções serão incompatíveis.

A tensão entre continuidade e ruptura, entre segurança e risco, entre ordem

e desordem é inerente ao processo de aprendizagem. Ambas as formas geram

aprendizagem, mas de maneiras diferentes. Segundo Weick e Westley (2004), a

aprendizagem é um processo contraditório, que se torna possível em momentos e

espaços de justaposição de ordem e desordem, geralmente muito rápidos, curtos,

incomuns e quase imperceptíveis, podendo assumir a forma de uma piada, de uma

instrução mal entendida ou de uma improvisação. Esta, para ocorrer, exige uma

estrutura mínima, mas também tolerância aos erros, melhoria da memória, seja

individual ou organizacional, e criatividade para gerar soluções a partir da

combinação dos materiais de que se dispõe. Ao perceber os erros como

oportunidades de aprendizagem e não como ameaças, valoriza-se o que os autores

denominam de “estética da imperfeição”, agregando valor às experiências, sejam

elas bem ou mal sucedidas.

Uma interpretação mais sutil do significado do erro na interpretação aumenta as probabilidades de que ameaças sejam reconsideradas como oportunidades e para que se mantenha o equilíbrio entre ordem e desordem. Apreciando a estética da imperfeição, as pessoas podem manter o equilíbrio entre ordem e desordem mais longamente, aumentando a probabilidade de que ocorra aprendizagem. (WEICK, WESTLEY, 2004, p. 382).

As tensões e ambiguidades inerentes aos processos de aprendizagem

organizacional também foram objeto de reflexão nos estudos de James G. March, a

partir das ideias de exploration e exploitation, também funcionais a esta pesquisa.

Segundo March (2012), uma questão central dos estudos dos processos adaptativos

é a relação entre a exploration de novas possibilidades e a explotation de velhas

certezas. Para o autor, a exploration estaria relacionada a termos como

investigação, descoberta, inovação, e a explotation, com refinamento, eficiência,

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seleção, implementação. Enquanto a maioria das organizações escolhe, explícita ou

implicitamente, por uma das duas formas de aprendizagem, o autor chama a

atenção para a necessidade de encontrar um ponto intermediário, um equilíbrio

dinâmico entre as duas. A excessiva especialização de uma organização ou

processo pode resultar em uma rigidez que inibe a aprendizagem.

4.4.1.4 Contribuições para discutir aprendizagem em processos de migração de

escala em instrumentos de políticas públicas

O referencial teórico acima exposto perpassa e fundamenta todo o processo

de construção desta pesquisa e de aprendizagem por meio dela. No que diz respeito

aos sistemas de aprendizagem relacionados ao objeto-problema, algumas

contribuições, assinaladas no Quadro 3, serão retomadas mais adiante nesta

dissertação.

Modelizações de aprendizagem Principais autores

Aprendizagem social John Dewey (2007,2011, 2011).

Circuitos de aprendizagem Argirys e Schön (1978)

Estética da imperfeição Weick e Westley (2004)

Exploration e Exploitation March (1991)

Quadro 3 - Quadro referência para discussão da aprendizagem em processos de migração de escala em IPP.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

À luz das modelizações acima indicadas, serão discutidos, no Capítulo 6

desta dissertação, os principais desafios e potenciais de aprendizagem presentes

nos processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas,

considerando cada um dos tipos migratórios singularizados nesta pesquisa.

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5 PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE

POLÍTICAS PÚBLICAS: CONSTRUINDO SUAS FRONTEIRAS E NATUREZA

Uma vez posicionados os olhares metodológico e analítico, esta pesquisa

volta-se para a identificação e singularização de elementos e dinâmicas que podem

contribuir para a compreensão da natureza e fronteiras de seu objeto-problema.

Mas, o que dizer da migração em um instrumento de políticas públicas? A palavra

migração aciona, no imaginário coletivo, uma rede de significados. De forma geral,

relaciona-se a ideias como mudança, movimento, deslocamento de um lugar para

outro, viagem, sobrevivência, novidade, aprendizagem. Diversos fluxos migratórios

marcam a história da humanidade. Pessoas que deixam seus lugares de origem em

busca de melhores condições de vida, que se deslocam ao encontro do novo, que

se lançam rumo ao desconhecido em busca de aprendizagem. A migração parece

evocar, de forma geral, um sentido de movimento, de mobilidade. Um deslocamento,

de forma figurada ou não, com o intuito de continuar existindo, de multiplicar a

existência, de descobrir novos ares e aprender com as diferentes correntes que se

formam nesses percursos migratórios.

Assim como na migração humana, a migração em um instrumento de

políticas públicas também se trata de um fenômeno recorrente. Um instrumento

originalmente desenhado e ativado por um determinado ator que passa a ser

(co)ativado por outro, ou mesmo um instrumento considerado com menor

capilaridade ou voltado para um público pouco amplo que passa a ter maior

capilaridade ou amplia seu público são alguns exemplos de migração em

instrumentos de políticas públicas. Além disso, também nos casos dos instrumentos

de políticas públicas, a migração parece carregar em si as ideias de movimento,

novidade, mudança, aprendizagem e até mesmo necessidade. Em muitas situações,

pode representar a sobrevivência do instrumento em questão. Em outras, pode

ilustrar os esforços em busca de melhores condições de vida, com a ampliação da

garantia de direitos das populações reguladas pelo instrumento, por exemplo. De

forma mais específica, pode ilustrar as dinâmicas relacionais entre os diversos

atores envolvidos na execução de uma política pública e de construção de sentido

em uma arena de policy. A metáfora da migração em instrumento de políticas

públicas como movimento ajuda a perceber a complexidade de tal fenômeno, cujos

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contornos fluidos, fluxos não lineares e particularidades ainda precisam ser melhor

compreendidos.

A migração em um instrumento de políticas públicas da qual se trata aqui diz

respeito à variação das partes que compõem um determinado instrumento. Alguns

autores, a exemplo de Howlett (2011, 2013), têm denominado estas partes como

características do desenho de um instrumento de políticas públicas. Muitos estudos

classificatórios partem destas características, selecionando geralmente uma delas,

para construir propostas de tipologias de instrumentos. Certamente, são muitos os

modos de olhar e entender o desenho de um instrumento de políticas públicas e as

partes que o compõem. No âmbito desta pesquisa, propõe-se a compreensão dos

elementos estruturantes de um instrumento como escalas do instrumento. Isto

porque, mais do que simples características, estes apresentam variações de

diferentes tipos e graus, havendo uma correlação, mas também uma relação de

independência entre eles. Tais elementos escalares possuem significados e

dinâmicas próprias e ajudam a definir quais recursos serão mobilizados pelo

instrumento. Assim, a adoção deste conceito de trabalho de escala, nesta pesquisa,

busca evidenciar a movimentação das partes que compõem um instrumento e

contribuir para um maior entendimento da natureza e das fronteiras do processo

migratório.

Neste capítulo, parte-se da definição e da identificação das escalas em um

instrumento de políticas públicas, cujas representações ajudam a conformar as

fronteiras do fenômeno da migração, para, em seguida, analisar aspectos relativos

às motivações, intencionalidade, direção e discursos envolvidos no movimento

migratório em busca de melhor compreender a natureza deste. A partir da análise de

tais elementos e dinâmicas, formula-se uma proposta de tipologia da migração de

escala em instrumentos de políticas públicas, resultante do cruzamento analítico de

duas variáveis, com dimensão escalar: a centralidade dos atores e o modelo de

gestão. A Figura 4 apresenta uma síntese do caminho de análise que aqui será

percorrido.

.

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68

Figura 4 - Síntese de percurso analítico para compreensão das fronteiras e natureza do movimento migratório, resultando em uma proposta de tipologia da migração de escala em instrumentos de políticas públicas

Fonte: Elaboração própria, 2013.

Tais movimentos migratórios podem acontecer de diferentes maneiras e em

diferentes níveis. Podem ser completos ou parciais, podem preservar algumas

partes do instrumento de origem e mudar somente outras poucas ou muitas, podem

combinar mudanças em diferentes dimensões etc. Um instrumento pode, por

exemplo, mudar seu contexto de implementação, passar a ser (co)ativado por outros

atores, redefinir sua cobertura territorial, seu tempo de execução, suas fontes de

recursos, os públicos envolvidos, os problemas a que se destina governar, pode

aumentar ou diminuir seu grau de complexidade, dentre outros aspectos.

5.1 A QUESTÃO DA ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

No campo prático das políticas públicas, o uso do termo escala é geralmente

associado à ampliação do número de beneficiários de uma determinada política e/ou

de sua cobertura territorial. Contudo, a questão da escala, ou da variação dos

elementos que constituem um instrumento de políticas públicas, revela-se um

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fenômeno complexo, que se desdobra em diferentes níveis de análise, ainda pouco

explorado na literatura sobre instrumentos de políticas públicas5.

Para problematizar o conceito de escala, no âmbito desta pesquisa, buscar-

se-á apoio na geografia política, identificando aportes que possam contribuir para a

percepção da escala enquanto variável que auxilia na apreensão da realidade e no

entendimento dos processos de mudanças e aprendizagem em políticas públicas.

Em seus estudos, Castro (2013) propõe a ampliação do entendimento da escala

para além de uma medida de proporção da representação gráfica do espaço,

incorporando novos contornos para expressar a representação dos diferentes modos

de percepção e de concepção do real. Segundo Castro,

[...] numa perspectiva epistemológica, a escala é uma projeção do real, mas a realidade continua sendo sua base de constituição, continua nela. Como o real só pode ser apreendido por representação e por fragmentação, a escala constitui uma prática (embora inuitiva e não refletida) de observação e elaboração do mundo. Não espanta a polissemina do termo, sua utilização com significado específico em diferentes áreas do conhecimento. (CASTRO, 2013, p. 22-23).

Assim como na geografia política, também nos estudos de políticas públicas,

parece que a mudança de escala significa a mudança do fenômeno que se pretende

analisar e não apenas a mudança de tamanho deste. Muda-se o recorte, mudam-se

os aspectos visíveis, apreendidos, e, portanto, as estratégias de intervenção na

realidade. As escalas ajudam a conformar o olhar, indicando o que dever ser visto e

como deve ser visto. Enquanto alguns elementos tornam-se significativos, outros

são ocultados em processos que muitas vezes carecem de uma maior nitidez. A

mudança de escala se constitui, assim, em um reposicionamento de olhar, em uma

variação de foco que resulta, explicitamente ou não, em uma (re)organização da

realidade apreendida.

A presença de escala nos instrumentos de políticas públicas pode ser

associada a uma compreensão mais ampliada: instrumentos podem ter ou conter

5 Vale explicitar que ao tratar de escala no âmbito desta pesquisa não se está referindo a níveis de

poder, como sugerido por Vainer (2002) para quem os diferentes processos sociais, políticos, econômicos possuem dimensão escalar ou, melhor, quase sempre transescalar, ou a escalas de poder, como abordado por Fischer (2002), ao tratar de poder local e suas redes escalares de conexões territoriais. As escalas são aqui entendidas como elementos que conformam o desenho do instrumento de políticas públicas, que, por sua vez, oferecem elementos para identificar os limites dos processos migratórios.

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diferentes graus de complexidade, produzindo diferentes subsistemas atoriais de

políticas públicas. Podem mobilizar muito ou poucos recursos. Podem exigir ou

mobilizar um alto ou baixo nível de conhecimento especializado. Seus efeitos podem

recair sobre muita ou pouca gente. Instrumentos podem ainda apresentar diferentes

graus de precisão, coerência, pertinência, eficiência, eficácia e muitos, a depender

de quem o observa.

Nesta pesquisa, a escala revela-se um conhecimento útil para compreender

os movimentos e as variações das partes que compõem um instrumento de políticas

públicas e que resultam em processos de (re)desenho destes. Assume-se que a

migração de escala se constitui um fenômeno multidimensional, já que em um

mesmo instrumento coexistem diferentes elementos escalares. Em algumas

situações, apenas um aspecto pode desencadear um processo migratório

associado, impulsionando outras mudanças, em uma espécie de efeito cascata. Por

exemplo, alterações no orçamento de um determinado instrumento costumam

provocar mudanças em outras dimensões, como território de implementação, público

envolvido e tempo. Da mesma forma, a mudança do ator ativador pode vir

acompanhada de mudanças no modelo de gestão e de setor de políticas públicas,

por exemplo.

Possibilidades de Fluxos Combinatórios em processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas

Escala de policy subsistem + escala territorial + escala de orçamento = um instrumento que amplia o público envolvido e passa a alcançar um número maior de pessoas, em um número maior de territórios, com mais recursos financeiros.

Escala de ativação + escala territorial = um instrumento que migra de agenda institucional e passa a ser (co)gerido por um ator diferente, em territórios diferentes.

Escala setorial + escala de ativação + escala de tempo= um instrumento que migra de agenda temática e institucional e passa a ser (co)gerido por um ator diferente para objetivos diferentes em tempos igualmente diferentes.

Quadro 4 - Exemplos de possibilidades combinatórias de fluxos migratórios em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

Como visto no quadro acima, diferentes fluxos combinatórios podem

caracterizar a migração de escala em um instrumento de políticas públicas,

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resultando em diferentes níveis de complexidade e diferentes fronteiras de

aprendizagem.

5.2 ELEMENTOS E DINÂMICAS ESCALARES PARA COMPREENSÃO DA

MIGRAÇÃO EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Sem a pretensão de esgotar o conjunto de elementos que compõem um

instrumento de políticas públicas, foram identificados e singularizados, a partir de

pesquisa nos campos empírico e teórico, oito elementos com dimensão escalar,

considerados funcionais para um melhor entendimento das fronteiras e da natureza

do fenômeno da migração de escala em instrumentos de políticas públicas. Tais

elementos escalares, descritos no quadro abaixo, parecem estar presentes em

qualquer instrumento de políticas públicas e, de forma geral, respondem às

seguintes questões: quem; como; onde; para quem; com quem; quanto; quando;

com que recorte.

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Elementos

escalares Descrição Relevância na migração de escala em IPP

Ator(es) ativador(es)

Refere-se a quem ativa o processo de migração de escala em um IPP.

Todo IPP é gerido a partir do quadro de valores de seus ativadores. Assim, é importante identificar quem ativa o instrumento migrante.

Policy Subsystem

Atores mobilizados pelo instrumento.

Cada instrumento mobiliza um conjunto de atores (incluindo seu público beneficiário e/ou participante) e estabelece padrões de relação entre estes.

Modelo de gestão

É composto pelos princípios, estratégias, ferramentas de gestão e modelo decisional que conformam e orientam o instrumento de políticas públicas.

Através do modelo de gestão são explicitadas as estratégias, princípios e arranjos de gestão.

Cobertura territorial

Área de abrangência do IPP.

Variações de recortes territoriais (ampliação ou redução da cobertura do IPP) implicam ajustes em diferentes âmbitos – estratégias, logística, arranjos etc.

Recursos – fonte

Ator financiador da implementação do instrumento.

O agente financiador geralmente condiciona seu apoio ao cumprimento de normas e procedimentos que podem interferir no modelo decisional do instrumento.

Recursos – volume

Quantidade de recursos financeiros aplicados na implementação do IPP.

Alterações no volume de recursos implicam alterações de ordem quantitativa ou qualitativa do IPP, determinando em parte a representação de outros elementos escalares, a exemplo da cobertura territorial, tempo e público.

Tempo Período de tempo de implementação do IPP.

Variações no tempo de implementação de um IPP podem provocar mudanças em outros aspectos, a exemplo do modelo de gestão, orçamento, policy subsistem etc.

Setor de políticas públicas

Diz respeito à arena setorial de políticas públicas na qual o instrumento é ativado.

A mudança no setor de políticas públicas pode implicar mudanças também no modelo de gestão, no policy subsistem, além de efeitos nos planos cognitivos do IPP.

Quadro 5 - Elementos escalares para compreensão da migração em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

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Além dos elementos acima descritos, mostra-se importante registrar ainda a

existência de outros dois aspectos que, embora não possuam dimensão escalar,

estão presentes no processo de migração de escala em instrumentos de políticas e

parecem lançar luz sobre outras nuances deste fenômeno. Suas descrições e

relevância para a presente pesquisa estão registradas no quadro abaixo.

Elementos não

escalares Descrição Relevância na migração de escala em IPP

Etiqueta Refere-se ao rótulo com o qual se nomeia o IPP.

Mudanças nos rótulos dos IPP interferem no modo de compreender o problema público e suas formas de tratamento.

Significado Refere-se aos significados contidos e estruturantes dos I PP.

Todo instrumento carrega consigo significados e modelos interpretativos do problema que se deseja governar, bem como de suas formas de enfrentamento.

Quadro 6 - Elementos não escalares para compreensão da migração em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

Embora não sejam escalares, a etiqueta e o significado contidos em um

instrumento de políticas públicas também apresentam variações e contribuem para

delimitar os contornos do movimento migratório, especialmente no que diz respeito

aos valores e padrões interpretativos nele contidos e por ele disseminados. Assim,

no âmbito deste estudo, compõem o conjunto de aspectos e dinâmicas a serem

analisados com o intuito de melhor compreender o objeto de pesquisa.

5.2.1 Dinâmicas dos elementos escalares e não escalares para compreensão

das fronteiras do movimento migratório

Cada aspecto acima registrado possui dinâmicas próprias, muitas vezes

independentes umas das outras, e, em algumas situações, conflitantes entre si.

Buscou-se, nesta pesquisa, identificar quais os padrões de mobilidade comuns a tais

aspectos em processos de migração de escala, considerando o comportamento

assumido no instrumento de origem e o comportamento desenvolvido no

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instrumento redesenhado para mudança de escala. A identificação e caracterização

das possíveis representações dos elementos escalares e não escalares, aqui

singularizados, permitem mapear as fronteiras do movimento migratório em

instrumentos de políticas públicas, delimitando atores envolvidos, recursos

mobilizados, abrangência e tempo de implementação, dentre outros aspectos.

Abaixo, uma síntese das possibilidades de representação dos elementos aqui

analisados.

a) Ator(es) ativador (es)

A migração de escala do instrumento pode ser ativada pelo ator inicial do

instrumento de origem ou por outro ator que redesenha o instrumento, assumindo o

protagonismo do processo. Há ainda aquelas situações em que a migração é

coativada, com ou sem a participação do primeiro ator ativador do instrumento. É

importante reconhecer a existência de diferentes tipos de atores, definidos a partir

de seu papel no processo de tomada de decisão. De forma geral, podem-se

identificar duas categorias: atores decisores, aqueles que assumem a centralidade

dos processos decisórios; e, os atores implementadores, que assumem,

parcialmente ou na íntegra, a implementação técnica do instrumento de políticas

públicas.

b) Policy subsistem

Cada instrumento mobiliza um conjunto de atores e estabelece padrões e

dinâmicas relacionais entre eles, ativando um subsistema atorial de políticas

públicas. Em tese, este poderia ser mantido, revisto ou completamente mudado em

um processo de migração de escala. Parte-se, nesta pesquisa, da ideia de que, na

prática, o policy subsistem sempre será modificado, mesmo que tal aspecto não

tenha sido o elemento disparador do movimento migratório e mesmo que tais

mudanças não sejam declaradas na teoria explícita do instrumento que migrou.

c) Modelo de gestão

O modelo de gestão reúne o conjunto de princípios, valores, estratégias,

arranjos e ferramentas de gestão do instrumento de políticas públicas. Além disso,

inclui o modelo de tomada de decisão do instrumento, determinando o grau e o tipo

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de participação dos diferentes atores (co)ativadores do instrumento migrante. O

modelo de gestão pode ser mantido, pode ser parcialmente ou estruturalmente

revisado ou até mesmo substituído por outro.

d) Setor de políticas públicas

No caso dos instrumentos redesenhados para mudança de escala, pode-se

manter o setor de políticas públicas no qual o instrumento é ativado, ampliá-lo ou

redefini-lo. Este último fluxo parece ser mais comum em instrumentos multiuso, em

que há relações mais frouxas com os contextos de criação. Uma rápida observação

do cenário brasileiro de políticas públicas permite identificar alguns exemplos deste

tipo de instrumento. Dentre eles, o Plano Diretor, instrumento que tem sido adotado

em diferentes setores de políticas públicas para, em linhas gerais, expressar as

orientações e estratégias relacionadas ao problema que se deseja governar. São

planos diretores urbanos, de saneamento, de transporte, de cultura, de turismo,

dentre outros. Assim também ocorre com outros instrumentos, tais como: conselhos

gestores, conferências, câmaras técnicas etc.

e) Cobertura territorial

A cobertura territorial de um instrumento de políticas públicas também possui

uma dimensão escalar. Em um processo de migração, diferentes configurações

territoriais podem ser assumidas: manutenção do território do instrumento de origem;

assunção de diferentes territórios com dimensões físicas iguais ao primeiro território

de implementação; território inicial ampliado; e diferentes territórios com diferentes

tamanhos. Na trajetória mais recente das políticas públicas no Brasil, observa-se a

existência de instrumentos cuja natureza é definida pela perspectiva territorial. É o

caso do Programa Territórios de Identidade, inicialmente desenhado e ativado pelo

Governo Federal, que, por exemplo, migrou para o Estado da Bahia, sendo

reeditado pelo governo estadual como instrumento de planejamento de políticas

públicas.

f) Recursos - volume

No que diz respeito ao orçamento para implementação do instrumento de

políticas públicas, pode-se manter o mesmo volume de recursos investido em sua

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implementação, ou pode-se alterá-lo, para cima ou para baixo. Variações neste

elemento podem provocar mudanças também em outras dimensões como, por

exemplo, público, tempo e cobertura territorial.

g) Recursos - fonte

Em relação ao agente financiador do instrumento, este pode ser o próprio

ator ativador, como pode ser um agente externo, apenas provedor de recursos

financeiros. Pode ainda o ator ativador ser cofinanciador do instrumento. As distintas

configurações podem interferir, por exemplo, no modelo decisional do instrumento, já

que os agentes financiadores costumam condicionar o repasse de recursos a

normas e procedimentos que nem sempre serão compatíveis com os modelos de

gestão do instrumento apoiado.

h) Tempo

O componente temporal também possui uma dimensão escalar, na medida

em que um instrumento redesenhado para mudança de escala pode ser

implementado no mesmo prazo do instrumento de origem ou em prazos distintos.

Este elemento interfere diretamente no design do instrumento e na forma de

ocorrência de outras dimensões escalares.

i) Etiquetagem de políticas públicas

Em um processo de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas, pode-se assumir a etiqueta do instrumento de origem ou pode-se atribuir

novo rótulo ao instrumento redesenhado. Nos primeiros casos, parece haver uma

maior tendência ao uso político do instrumento de origem, buscando uma relação

simbólica entre eles. Já os casos de re-etiquetagem podem representar uma busca

por uma maior autonomia do instrumento redesenhado por meio da desvinculação

simbólica do instrumento de origem, ou ainda uma tentativa de esvaziamento político

do instrumento, inserindo-o em um novo quadro de valores.

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j) Significado

Um instrumento de políticas públicas, como visto no Capítulo 4 desta

dissertação, não é um dispositivo neutro. Ele carrega consigo um modo de ver, um

padrão interpretativo do problema que se deseja governar. Assim, na migração de

escala de escala, um instrumento pode manter o significado ou realizar um

movimento de ressignificação.

O quadro abaixo apresenta uma síntese das dinâmicas anteriormente

elencadas relacionadas a cada um dos elementos analisados.

Representações possíveis na migração de escala em IPP

Elementos

observados Representações de elementos escalares e não escalares

Ator(es) ativador(es) Mesmo ativador inicial

Ator inicial mais coativadores

Diferentes atores ativadores

Novo ator decisor, mais ativador inicial

Policy Subsistem Mesmos atores e arranjos

Mesmos atores e arranjos diferentes

Diferentes atores e arranjos

Modelo de gestão Mesmo modelo de gestão

Modelo de gestão revisado

Outro modelo de gestão

Setor de políticas públicas

Mesmo setor de PP

Mesmo setor de PP ampliado

Diferente setor de PP

Cobertura territorial Mesmo território Diferentes territórios de igual tamanho

Território inicial ampliado

Diferentes territórios com diferentes dimensões

Recurso – Fonte Mesma fonte Fonte inicial mais co-financiador

Diferente fonte orçamentária

Recurso – Volume Mesmo montante de recursos

Diferente volume de recursos

Tempo Mesmo tempo Tempos diferentes

Etiquetagem de políticas públicas

Mesma etiquetagem

Mesma etiquetagem, mais novas etiquetagens

Diferente etiquetagem

Significado Mesmo significado

Diferente significado

Quadro 7 - Quadro-síntese das representações possíveis de elementos escalares e não escalares em processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas

Fonte: Elaboração própria.

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Buscou-se mapear os principais movimentos dos elementos conformadores

de instrumentos de políticas públicas, aqui entendidos como escalas. Estes

certamente não são os únicos possíveis, mas, no âmbito desta pesquisa, mostram-

se funcionais para mapear as fronteiras do movimento migratório e sua posterior

modelização.

5.2.2 Aspectos relativos à natureza do movimento migratório

A análise dos elementos e dinâmicas escalares acima descritos revela

alguns aspectos relacionados às motivações, intencionalidade, discursos e direção

do movimento migratório em instrumentos de políticas públicas que podem ajudar a

compreender a natureza de tal processo. Sem a pretensão de esgotar todas as

possibilidades combinatórias, mas apenas de mapear as principais modalidades de

manifestação destes aspectos, são descritas, abaixo, algumas dinâmicas comuns na

migração de escala em instrumentos de políticas públicas, associando-as aos

percursos migratórios dos instrumentos aqui tomados como laboratório6 e

considerando a:

- intencionalidade dos atores envolvidos:

Assim como ocorre nas políticas públicas, conforme anunciado por Lasswell,

a migração de escala em seus instrumentos também se caracteriza pela presença

de uma intencionalidade, seja por parte dos ativadores iniciais do instrumento ou

daqueles que protagonizam seu redesenho, nos casos em que não há uma

convergência entre ambos. Considerando-se a intenção dos ativadores iniciais do

instrumento, a migração pode ser ativa ou passiva. Em uma migração ativa, há uma

decisão por parte dos atores iniciais em fazer a mudança, redirecionar ou

redimensionar seus fluxos de ação e esforços. Foi o caso, por exemplo, do Selo

UNICEF Município Aprovado, em que houve uma intenção de seu ativador em

replicar o instrumento em outros contextos. Outra situação é a atuação da ASA, em

6 Como já informado no Capítulo 3, a reconstrução dos itinerários migratórios dos casos tomados

como laboratório no âmbito desta pesquisa se deu por meio de análise documental e de análise dos discursos coletados nas entrevistas realizadas com alguns atores envolvidos com os referidos casos.

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que se pode perceber uma clara intenção em realizar a migração de escala de seus

instrumentos - P1MC e P1+2, para citar alguns exemplos. Nesses casos,

compreende-se o fenômeno por meio de uma abordagem política, assumindo a

migração como uma estratégia de incidência nas agendas de governo dos

problemas a que se dedica tratar.

A intencionalidade, contudo, nem sempre vem acompanhada da percepção

da natureza política das mudanças pretendidas. Muitas vezes, são conduzidas como

escolhas e processos exclusivamente técnicos e gerenciais. Por outro lado, como

anunciado, a migração também pode ocorrer de forma passiva. Ou seja, sem que os

ativadores iniciais do instrumento tenham empreendido esforços para tanto. Este

parece ter sido o caso, por exemplo, do Consultório de Rua (CETAD/UFBA), que

migrou para as agendas de governo do Ministério da Saúde e do Ministério da

Justiça, por meio da SENAD, sem haver ocorrido um planejamento por parte do

CETAD/UFBA para tanto, como sugerem as entrevistas realizadas.

O modelo da lata de lixo (garbage can model) de March e Olsen (1979),

apoiado nas ideias de Simon (1957), pode ajudar a melhor compreender alguns

movimentos migratórios ocorridos sem a intencionalidade do ativador inicial do

instrumento. Em uma situação de racionalidade limitada, um indivíduo pode lançar

mão de um projeto, programa, ação – ou parte deles –, com os quais teve algum tipo

de contato anterior, como solução para o problema que necessita ser governado. E,

assim, pode ocorrer a migração de um instrumento de políticas públicas.

- centralidade dos atores ativadores iniciais no processo de migração

de escala:

A migração de escala em um instrumento de políticas públicas pode ser

interna ou externa, a partir da análise da centralidade dos ativadores iniciais do

instrumento em questão. Na primeira situação, mantém-se o ator decisor, mesmo

que ocorra a inserção de novos atores implementadores, como o que ocorreu no

Selo UNICEF Município Aprovado (UNICEF Brasil). Já no segundo caso, os

ativadores iniciais do instrumento perdem a centralidade no processo decisório, que

passa a ser assumida ou compartilhada por/com um novo ator decisor. Nesta

situação, o ativador inicial pode não participar do processo migratório, como parece

ter acontecido em um dos percursos do Consultório de Rua (CETAD/UFBA), ou

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continuar no processo, co-ativando a migração, situação ilustrada pelo P1MC/ASA,

ou contribuindo tecnicamente para sua realização, caracterizando, assim, uma

migração assistida, dinâmica que se aplicaria ao outro percurso migratório do

Consultório de Rua (CETAD/UFBA).

- explicitação do movimento:

Muitos são os instrumentos surgidos a partir de outros já existentes, por

meio de sua reprodução total ou parcial. Nem sempre, contudo, a relação com o

instrumento fonte é explicitada, resultando em uma migração de escala não

declarada. Nos casos em que há a explicitação desta relação, tem-se o que é aqui

denominado de migração de escala declarada, situação identificada em todos os

casos analisados nesta pesquisa. A primeira situação pode ser motivada pela

proposital não explicitação da relação entre os instrumentos (o de origem e o

redesenhado para mudança de escala), como também para marcar as diferenças

entre os projetos políticos que os acionam. Nestes casos, pode ocorrer a

reetiquetam do instrumento e mudanças nos significados nele contidos.

- direção do movimento:

A migração de escala em um instrumento de políticas públicas pode ser

vertical, horizontal ou cruzada. No primeiro caso, inclui mudanças nas estruturas de

poder e gestão (ator decisor, modelo de gestão, lócus institucional), como ocorrido

com o Consultório de Rua (CETAD/UFBA). Já na migração horizontal, há uma

expansão, uma ampliação de diferentes escalas (tempo, cobertura territorial,

orçamento etc), sem, contudo, alterar o ator decisor do instrumento, a exemplo da

dinâmica identificada no instrumento Selo UNICEF Município Aprovado (UNICEF).

Estas duas situações podem ainda ocorrer de forma separada ou de forma cruzada,

como sugere a reconstrução do itinerário do P1MC (ASA), cuja ampliação implicou

uma coativação do instrumento.

A figura abaixo apresenta uma síntese dos aspectos conformadores da

natureza do movimento migratório.

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Figura 5 - Aspectos conformadores da natureza do movimento migratório

Fonte: Elaboração própria, 2013.

As dinâmicas acima descritas podem ser identificadas em diferentes

situações em que instrumentos de políticas públicas têm suas escalas alteradas.

Podem ocorrer de forma associada ou não, com diferentes níveis de intensidade.

Um determinado processo de migração de escala pode ser caracterizado como

ativo, declarado e vertical, por exemplo. Ou ainda como passivo, não declarado e

vertical, considerando-se outra situação possível. Contudo, para além das dinâmicas

gerais e comuns à migração de escala em instrumentos de políticas públicas,

mostra-se necessário singularizar os diferentes tipos de manifestação do fenômeno,

por meio da identificação de características que os diferenciam e da modelização de

desafios que lhes são típicos.

5.3 TIPIFICAÇÃO DA MIGRAÇÃO DE ESCALA EM INSTRUMENTOS DE

POLÍTICAS PÚBLICAS

A partir da análise de elementos, características e dinâmicas presentes em

processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas,

identificados por meio da reconstrução dos itinerários migratórios dos instrumentos

tomados como laboratório no âmbito desta pesquisa, como também de outras

situações publicamente conhecidas, apresenta-se uma proposta de tipificação do

fenômeno, buscando melhor compreender sua natureza e fronteiras. Embora todos

os elementos acima mencionados sejam constituintes de qualquer instrumento de

políticas públicas, os tipos de movimento migratório, abaixo descritos e

caracterizados, foram singularizados a partir da análise cruzada de duas variáveis

principais: a centralidade dos atores envolvidos (antes e depois da migração) e o

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modelo de gestão utilizado. Certamente, esta deve ser apenas uma das

possibilidades combinatórias existentes para singularização dos tipos de migração

de escala. Muitos outros tipos podem ser identificados por meio do cruzamento de

diferentes variáveis. Mas, a partir da análise dos elementos coletados nos campos

empírico e teórico, o cruzamento analítico aqui proposto mostra-se funcional aos

objetivos de pesquisa, ao permitir individualizar quatro tipos que, embora possuam

fronteiras fluidas, apresentam aspectos que os tornam distintos entre si. (ver Figura

6).

Figura 6 – Representação gráfica dos tipos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria.

Os quatro tipos aqui singularizados e representados graficamente na Figura

6 não são excludentes. Eles podem, em alguns momentos, convergir em arranjos

combinatórios diversificados e com diferentes níveis de complexidade. Um

instrumento pode migrar por meio de dois caminhos distintos ou ainda por meio da

associação entre dois ou mais tipos, por exemplo, como sugerem os casos

analisados nesta pesquisa. Para este estudo, optou-se por identificar quais as

características que parecem ser mais predominantes em cada caso tomado como

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laboratório, gerando insumos iniciais para o trabalho analítico do movimento

migratório em instrumentos de políticas públicas.

5.3.1 Tipo 1: Migração por replicação

Na migração por replicação, a estratégia de enfrentamento do problema (ou

seja, o desenho geral da solução, com suas verdades causais) se mantém. A

etiqueta tem um peso forte, portanto quase sempre é declaratório. O restante se

adapta, aparentemente com poucas alterações. Mas, como podem ser muitas as

variações, o instrumento de políticas públicas poderá manter só a etiqueta e sua

áurea e mudar o resto todo sem que se perceba ou que isto seja explicitado.

Este tipo de migração de escala caracteriza-se pela manutenção (ou pelo

menos, tentativa) do modelo de gestão do instrumento de origem. O ator ativador

inicial pode permanecer ou sair do processo de implementação do instrumento

redesenhado para mudança de escala. Se permanecer, o primeiro ativador pode

manter sua centralidade no processo decisório, mesmo que com a entrada de novos

parceiros implementadores e/ou apoiadores, resultando no que aqui se denomina de

replicação interna. Da segunda situação, quando o ativador inicial perde a

centralidade no modelo decisional, podem resultar dois tipos de replicação: a

replicação assistida, quando o ator inicial permanece como apoiador e/ou assistente

do novo ator decisor; e a replicação externa, quando o ator inicial não participa do

processo migratório que é ativado por outro ator decisor.

No fenômeno da replicação, toma-se o instrumento original, geralmente

etiquetado como boa prática, como analogia (para utilizar uma figura de linguagem),

aplicando-o a diferentes contextos, cultivando certa rigidez comparativa em relação

ao instrumento de referência. Geralmente, mantém-se o setor de implementação de

políticas públicas e, em linhas gerais, seus públicos e aliados, com pequenos ajustes

contextuais.

A replicação, e mais especificamente a replicação interna, parece ser o tipo

migratório ocorrido com o Selo UNICEF Município Aprovado (UNICEF Brasil).

Inicialmente desenhado e ativado pelo escritório zonal do UNICEF no Estado do

Ceará, o instrumento foi redesenhado para ganho de escala passando a ser

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implementado em toda a região Semiárida brasileira7 e, posteriormente, também na

Amazônia Legal. Apesar de agregar novos parceiros implementadores e/ou

financiadores do instrumento, o UNICEF manteve sua posição como ator decisor,

buscando a construção de uma metodologia que pudesse ser aplicada e replicada

em diferentes contextos.

Para além do instrumento anteriormente citado, a replicação tem sido muito

adotada no âmbito da cooperação internacional, guiada pela ideia de intercâmbio de

boas práticas (conhecimentos e experiências), de transferência de iniciativas

consideradas exitosas, em uma tentativa de reproduzir também seus resultados8.

Uma situação ilustrativa é proporcionada pelo Prêmio Internacional de Dubai –

Melhores Práticas, promovido pela ONU Habitat (agência responsável pelos

assentamentos urbanos) e baseado no modelo do Programa de Melhores Práticas e

Lideranças Locais das Nações Unidas9. Segundo este organismo de cooperação

internacional, as boas práticas são utilizadas para, dentre outras coisas, compartilhar

e transferir tecnologia, expertise e experiência através da rede de intercâmbios e

aprendizados entre os atores nela envolvidos10. Lógica similar tem sido adotada no

âmbito da Cooperação Sul–Sul, por meio da maior visibilidade de iniciativas

consideradas escaláveis e replicáveis.

5.3.2 Tipo 2: Migração por ampliação

Este tipo de migração acontece quando o modelo de gestão é explicitamente

revisado, sofrendo ajustes incrementais, sempre com a participação, em diferentes

7 Existem diferentes propostas de caracterização e definição dos limites do Semiárido brasileiro. No

âmbito do instrumento em questão, foi adotada a classificação utilizada no PAN Brasil – Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, desenvolvida pelo Ministério do Meio Ambiente.

8 Diversos documentos de organismos de cooperação internacional assumem o discurso da replicação como um mecanismo para promover conhecimentos e práticas, a partir da sistematização e divulgação de informações sobre projetos, programas e ações consideradas relevantes. Alguns documentos ilustrativos são: Cooperação Sul – Sul e Trabalho Decente: Boas Práticas, editado pela Organização Internacional do Trabalho – OIT e disponível em www.oit.org.br; Prêmio Internacional de Dubai – Melhores Práticas – Guia de Inscrição e Formulário para o Ano 2012, disponível em www.ibam.org.br.

9 O Prêmio Internacional de Dubai foi criado a partir da Declaração de Dubai, que reúne as

proposições e reflexões feitas no âmbito da Conferência Internacional sobre Melhores Práticas, realizada em 1995. Mais informações no site: www.onuhabitat.org.

10 Informações retiradas do Guia de Inscrição e formulário para edição 2012 do Prêmio Internacional

de Dubai.

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graus e modalidades, do ativador inicial do instrumento. Também aqui o ator inicial

pode manter ou perder a centralidade na gestão do instrumento de políticas

públicas. Se a centralidade é mantida, caracteriza-se uma ampliação horizontal, em

que permanece o modelo de tomada de decisão, estando o ator inicial sozinho ou

acompanhado por novos parceiros implementadores. Se a centralidade é perdida,

temos uma ampliação vertical, em que a tomada de decisão é dividida com um novo

coativador. Neste tipo de migração, o instrumento expande sua abrangência e

alcance, entendidos em suas diferentes dimensões.

Esse parece ter sido um dos caminhos percorridos pelo P1MC, inicialmente

desenhado e ativado pela ASA e, posteriormente, coativado pelo Governo Federal,

por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza. O

instrumento original, desenhado como um projeto piloto, foi redesenhado visando à

ampliação de sua escala, redefinindo seus contornos, sem, contudo, promover

mudanças estruturais. Neste caso, poder-se-ia caracterizar uma ampliação cruzada,

já que o novo parceiro (Governo Federal/MDS) passou a interferir no modelo de

gestão do instrumento, ao delimitar regras e procedimentos, por exemplo, para

execução financeira.

5.3.3 Tipo 3: Migração por inspiração

O que singulariza o tipo aqui denominado de inspiração é a absorção dos

princípios e valores do instrumento de origem, com a ocorrência de mudanças em

estruturas e estratégias de gestão, mas mantendo uma relação metafórica com o

original. O primeiro ator ativador pode participar, como assistente/consultor, ou não

do processo de migração de escala. A inspiração pode ser declarada, quando o

ativador inicial não participa do processo, mas lhe é atribuída a autoria do

instrumento inspirador, e assistida, quando o primeiro ativador participa e contribui

para o processo migratório. Parece ser mais comum a este tipo de migração o uso

simbólico do instrumento de origem, ilustrado, em algumas situações, pela

manutenção da mesma etiqueta.

Ao contrário da replicação, aqui o instrumento de origem é tomado como

uma metáfora, criando condições para um processo de recriação. Migram-se as

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ideias gerais que, em seus novos contextos de implementação, podem conformar

novos instrumentos. O fato de uma ideia já ter sido testada e validada na prática

pode se constituir em uma garantia para outros atores que a tomem como

inspiração, como se pode perceber, abaixo, na declaração de um dos entrevistados

no âmbito desta pesquisa:

Sim, sempre é inspirador olhar algo que já está a algum tempo funcionando, com alguns resultados interessantes, e apostar que isto vai funcionar. Então, quando algo já funciona e responde a inquietudes que temos, vemos que há coisas que podem ser copiadas e outras que, claro, precisam ser criadas localmente. (ATOR ENVOLVIDO COM O DESENHO DE UM DOS INSTRUMENTOS TOMADOS COMO LABORATÓRIO).

Dois dos instrumentos-laboratório desta pesquisa migraram também por

meio de inspiração. No primeiro caso, o Consultório de Rua (CETAD/UFBA) inspirou

instrumentos redesenhados no âmbito do Governo Federal. Em ambos os casos –

SENAD/MJ e Ministério da Saúde – manteve-se a etiqueta “Consultório de Rua” em

um processo declarado de inspiração, como é possível averiguar nos documentos

oficiais (teoria explícita) dos instrumentos redesenhados. Também o Selo UNICEF

foi objeto de migração internacional por meio de inspiração. No caso boliviano, que

se constitui objeto da Residência Social realizada por esta autora, o Selo UNICEF

inspirou o desenho do IMANA.

5.3.4 Tipo 4: Migração por apropriação

Neste tipo de migração de escala, o modelo de gestão sofre mudanças

estruturais e o ativador inicial do instrumento não participa do processo. Aqui, o

instrumento que sofrerá a migração é inserido em um modelo de gestão pré-

existente e independente daquele adotado pelos ativadores iniciais. O instrumento é

apropriado por diferentes atores em diferentes contextos, sem exigir uma rigidez

comparativa com seu desenho original. Esses casos parecem reunir as condições

mais favoráveis para a ocorrência de mudanças na área setorial de políticas públicas

a que se destina o instrumento. Instrumentos multiuso mostram-se mais aptos a este

tipo de situação, já que podem ser ativados por diferentes atores para tratamento de

mais de um problema público. A apropriação pode ocorrer de forma intencional,

quando um determinado ator age conscientemente para que seu instrumento, sua

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forma de responder a um problema público, seja incorporado na agenda institucional

de outro ator, por exemplo, o Estado. A prática de lobby por determinados grupos de

interesse e de advocacy por organizações da sociedade civil podem ilustrar esta

modalidade migratória. Por outro lado, a apropriação também pode ocorrer de forma

passiva, considerando que os atores ativadores iniciais do instrumento não

mobilizam esforços para sua inserção. Nestas situações, é comum, por exemplo,

que o processo da migração e seus fatores motivadores não estejam claros nem

para os atores envolvidos.

O tipo da apropriação parece caracterizar um dos caminhos migratórios

percorridos pelo Consultório de Rua (CETAD/UFBA). O instrumento foi inserido na

agenda de governo do Ministério da Saúde, que ativou o processo migratório por

meio de uma inspiração declarada. Já inserido no modelo de gestão do ministério, o

instrumento passou por um novo redesenho, incorporando novos objetivos e

redefinindo seu policy subsistem, etiquetagem e setor de políticas públicas. Como

ilustrado nas portarias nº 122/2012 e nº 123/2012, os Consultórios de Rua passaram

a ser denominados de Consultórios na Rua. Mais do que semântica, a mudança

implicou a redefinição do escopo do instrumento, que inicialmente estava

circunscrito ao setor de políticas sobre uso de drogas e outras substâncias

psicoativas, passando a se constituir em um dispositivo da Atenção Básica de

Saúde, ampliando, assim, seu setor de abrangência.

5.3.5 Breve síntese e alguns comentários adicionais

A migração de escala em um instrumento de políticas públicas pode ocorrer

de diferentes maneiras. Um dos possíveis caminhos para singularizar suas formas

de ocorrência foi feito neste capítulo, a partir da identificação de elementos

escalares e não escalares implicados nos processos de migração, suas possíveis

dinâmicas e configurações resultantes destas, buscando melhor compreender as

fronteiras e natureza do movimento migratório. Como desdobramento deste

percurso e a partir do cruzamento analítico da escala de ativação e de modelo de

gestão do instrumento, antes e depois da migração, chegou-se a uma proposta de

tipologia mínima dos processos de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas. (ver Quadro 8).

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88

ATOR (Ator decisor)

CENTRALIDADE MANTIDA CENTRALIDADE PERDIDA

SOZINHO NOVOS

PARCEIROS SAI FICA

MODELO DE GESTÃO

MO

DE

LO

DE

GE

ST

ÃO

O MESMO

Modelo de gestão se mantém. O ativador inicial pode permanecer ou sair.

Replicação interna (permanece o ativador inicial como ator decisor)

Replicação interna (permanece o ator decisor inicial e agregam-se parceiros implementadores e/ou apoiadores)

Replicação externa (muda-se o ator decisor e retira-se o ativador inicial)

Replicação assistida (muda-se o ator decisor e o ativador inicial permanece como assistente/apoiador)

REVISADO

Modelo de gestão sofre ajustes incrementais. Ativador inicial continua, de diferentes formas.

Ampliação horizontal (permanece o mesmo arranjo inicial de decisão e implementação)

Ampliação horizontal (permanece o ativador inicial como ator decisor, mas agregam-se parceiros implementadores e/ou financiadores)

X

Ampliação vertical (o ativador inicial divide a tomada de decisão com um novo coativador)

INSPIRADO

Os princípios são absorvidos, mudam-se as estratégias e estruturas. Ativador inicial sai ou permanece como assistente/ consultor.

X X

Inspiração declarada (explicitamente adota-se os princípios e mudam-se as estratégias e estruturas de decisão e implementação).

Inspiração declarada e assistida (os princípios são absorvidos, muda modelo de gestão, o ativador inicial contribui para a migração, perdendo a centralidade).

OUTRO

Modelo de gestão sofre mudanças estruturais. O instrumento é inserido em um modelo de gestão já existente e independente do original do instrumento. O ativador inicial sai do processo.

X X

Apropriação (muda-se o lócus institucional e o modelo de gestão. O instrumento é inserido em um modelo de gestão pré-existente)

X

Quadro 8 - Quadro-síntese dos tipos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria, 2013.

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89

Uma vez caracterizados os tipos de migração de escala identificados por

meio desta investigação, alguns comentários adicionais se fazem necessários. Nas

modalidades em que a migração pode ser ativada por um ator externo (replicação,

inspiração e apropriação), o processo pode ocorrer sem articulação com os

ativadores iniciais. Estes, em algumas situações, tomam conhecimento da migração

do instrumento por terceiros, como nos revelou a reconstrução dos casos tomados

aqui como laboratório.

No que diz respeito às teorias explícita e implícita que compõem um

instrumento de políticas públicas, o processo migratório pode ocorrer de forma

associada ou não. Em muitas situações, por exemplo, a teoria explícita dos

instrumentos sofre a migração, sem que suas práticas sejam necessariamente

replicadas. Percebe-se uma independência entre a teoria explícita e a teoria

implícita, com uma sobreposição da primeira em relação à segunda. Tal situação

pode ser um dos motivos da estranheza causada entre os atores iniciais, que podem

não reconhecer o instrumento migrante. O depoimento abaixo oferece alguns

elementos para pensar o movimento migratório a partir das dinâmicas das teorias

contidas em um instrumento de políticas públicas.

Então, eles pegaram a inspiração, mas propuseram outra coisa [...] eu acho que corre esse risco de interpretação... cada um vai, pega a experiência e começa a querer incrementar alguma coisa ou fazer diferente ... ou atribuir outro sentido àquilo [...] Vamos pegar essa ideia, mas vamos incrementar isso aqui porque a gente acha que ... é melhor fazer assim [...] é uma sensação estranha, uma coisa que eu estava fazendo, no cotidiano do meu trabalho, e de repente outras pessoas estão fazendo, diferente. (ATOR ENVOLVIDO COM O DESENHO DE UM DOS INSTRUMENTOS TOMADOS COMO LABORATÓRIO).

A dinâmica dos significados contidos nos instrumentos de políticas públicas,

e que ajudam a estruturá-los, revela-se importante para a compreensão da migração

de escala como um processo de aprendizagem em políticas públicas.

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6 APRENDIZAGEM EM PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE ESCALA EM

INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DESAFIOS E

POTENCIALIDADES

A pesquisa cujos resultados são aqui apresentados revelou que os

processos de migração de escala ocorridos sob a perspectiva da aprendizagem

tendem a alcançar efeitos mais positivos, considerando-se os resultados esperados

por seus ativadores. Mas, o que significa compreender a migração de escala a partir

de um viés de aprendizagem? No âmbito desta pesquisa, significa entender que a tal

fenômeno correspondem diferentes desafios, cujas formas de enfrentamento se

constituem em motor de aprendizagem social, impactando nos planos cognitivo e

das práticas dos sujeitos envolvidos. Ou seja, lembrando Dewey (2007, 2011,

2011a), diante de uma situação problemática, os indivíduos se interrogam e

produzem conhecimento útil em busca de restabelecer o equilíbrio rompido pela

dúvida. Implica também compreender que todo instrumento contém um conjunto de

significados, que revela padrões interpretativos sobre o problema público que se

deseja governar, as formas para tanto e as relações entre os diferentes atores

mobilizados pelo instrumento em questão. Assim, o movimento migratório de um

instrumento de políticas públicas está associado também a um processo

permanente de (re)construção de sentidos, resultando em mudanças em diferentes

níveis por meio de diferentes dinâmicas, desde os circuitos simples (single-loop) até

os duplos (double-loop) (ARGYRIS; SCHÖN, 1978), combinando aperfeiçoamento

(exploitation) e inovação (exploration) (MARCH, 2012), fazendo dos erros

oportunidades de aprendizagem. (WEICK; WESTLEY, 2004).

6.1 DESAFIOS DE APRENDIZAGEM NA MIGRAÇÃO DE ESCALA EM

INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

A cada um dos tipos de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas descritos no Capítulo 5 deste documento, associa-se um conjunto de

desafios de aprendizagem, que resultam em mudanças nas práticas dos diversos

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atores envolvidos e nos significados construídos. Considerando a complexidade do

fenômeno estudado, organizou-se a modelização dos principais desafios a partir das

seguintes dimensões: cognitiva, política, institucional, econômica, de gestão e, mais

especificamente, de aprendizagem, embora todos os outros também sejam

analisados sob este viés. Deve-se ressaltar que serão registrados os desafios mais

comuns a cada tipo migratório, cuja manifestação empírica pode ocorrer de

maneiras distintas, em diferentes graus e intensidade, reunindo parcialmente ou

integralmente o conjunto de desafios aqui analisado.

6.1.1 Desafios de aprendizagem comuns à migração por replicação

Todo instrumento de políticas públicas possui uma dimensão cognitiva,

afinal, governar um problema também é governá-lo semanticamente. Assim, o

redesenho de um instrumento de políticas públicas para mudança de escala também

suscita desafios cognitivos, que podem diferir segundo o tipo de migração que

ocorre. No caso da replicação, um desafio comum refere-se à compreensão

contextual do problema a ser governado, já que tal tipo caracteriza-se pela busca da

reprodução do modelo de gestão do instrumento, podendo resultar,

consequentemente, em uma verticalização do quadro de valores que orienta a

implementação do instrumento.

Nesta modalidade, também se pode enfrentar o desafio de construir alianças

e arranjos para tomada de decisão pertinentes e aderentes aos diferentes contextos

de intervenção, uma vez que, como comprovou esta pesquisa, estes sempre

sofrerão mudanças em um processo de migração de escala em instrumentos de

políticas públicas. Ao buscar um modelo aplicável a diferentes contextos, assume-se

o desafio de gerir a diversidade sem diluir as especificidades. Na replicação, um

grande risco que se corre é a sobreposição do método de intervenção à realidade

onde será aplicado, a partir da ideia de que se este foi bom para um determinado

contexto, também o será para qualquer outro. Em processos orientados por essas

premissas, muitas vezes, busca-se ajustar as diferentes realidades ao instrumento,

em uma tentativa de replicar as condições de implementação, visando reproduzir os

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resultados originalmente alcançados. Outro aspecto refere-se ao elevado volume de

recursos necessários para uma migração sob a lógica da replicação.

No que diz respeito às dinâmicas de aprendizagem, na migração por

replicação, os dados coletados no âmbito desta pesquisa sugerem uma maior

tendência à exploitation, com limites ao processo de inovação durante a

implementação do instrumento.

[...] na dinâmica original, você tinha uma flexibilidade muito grande [...], de um projeto criativo. [...] você perde muito do ponto de vista da percepção da inovação [...]. (ATOR ENVOLVIDO COM O DESENHO DE UM DOS INSTRUMENTOS TOMADOS COMO LABORATÓRIO).

Tal fato pode decorrer da rigidez comparativa que caracteriza os processos

de replicação, conduzindo geralmente a aprendizagens de circuito simples (single-

loop), com a realização de ajustes incrementais visando alcançar os resultados

inicialmente previstos. Como explicam Argyris e Schön (1978), em aprendizagens de

single-loop, não são questionados os valores, estruturas e pressupostos utilizados,

resultando, assim, em uma aprendizagem adaptativa, corrigindo-se os efeitos, mas

sem problematizar as causas.

6.1.2 Desafios de aprendizagem comuns à migração por ampliação

Nos processos de ampliação vertical, um desafio comum refere-se às

diferentes compreensões dos coativadores sobre o problema a ser governado.

Como apontado em outras partes deste documento, um instrumento carrega um

conjunto de valores e representações de mundo, que orienta a forma de atuação dos

diferentes sujeitos. Um processo de co-ativação de um instrumento de políticas

públicas pode resultar em um encontro, ou mesmo confronto, de diferentes quadros

de valores, gerando compreensões contraditórias sobre o problema público em

questão e suas formas de tratamento. Tal situação pode ocasionar uma

incompatibilidade de projetos políticos dos coativadores e, em alguns casos, o uso

simbólico do instrumento pelo novo ativador. Assim, em um processo de co-ativação

de um instrumento de políticas públicas um dos principais desafios enfrentados é a

preservação da autonomia institucional, já que, muitas vezes, o coativador impõe

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regras que podem interferir no modelo decisional, limitando as opções possíveis de

serem acionadas.

Revela-se, dessa forma, o desafio de garantir um modelo de gestão

aderente ao instrumento coativado, que contemple as expectativas e necessidades

de todos os envolvidos, sem perder de vista o problema público que se deseja

governar. Outro desafio presente neste tipo de migração encontra-se no plano da

gestão, mais especificamente no desenvolvimento das capacidades das equipes

envolvidas para gestão de uma escala com maior nível de complexidade. Aqui,

também há o desafio de aumentar o foco de atuação, sem perder de vista as

especificidades, como reforça a fala de um dos entrevistados no âmbito desta

pesquisa:

Então, as coisas [...] começam do pequenininho mesmo, é no micro que eu acho que a coisa acontece, e ela é adotada, se ela é identificada, como eu já ouvi falar, como uma boa prática. E aí pra você fazer isso em larga escala, você corre o risco de [...] até parece quando você coloca uma lente de aumento numa coisa e você diminui a precisão, não é isso?. (ATOR ENVOLVIDO COM O DESENHO DE UM DOS INSTRUMENTOS TOMADOS COMO LABORATÓRIO).

Na migração por ampliação, parece haver um maior diálogo entre método e

contexto, buscando ajustes que possam favorecer a maximização do instrumento. O

tipo da migração por ampliação parece reunir as condições mais favoráveis para o

diálogo entre inovação e aperfeiçoamento (exploration e exploitation), proposto por

March (2012), por meio da sistematização e disseminação das aprendizagens e da

prospecção de novas formas de fazer, de tratar o problema a que se destina o

instrumento. Sob estas condições, é mais frequente a ocorrência da aprendizagem

de circuito duplo (double-loop), permitindo a correção e redefinição de rumos, além

de uma maior capacidade em lidar com os efeitos inesperados que todo instrumento

gera.

6.1.3 Desafios de aprendizagem comuns à migração por inspiração

Nesta modalidade migratória, os desafios cognitivos são similares aos

enfrentados na ampliação. Aqui, como há uma migração do lócus institucional do

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instrumento, este pode passar a ser ativado por um ator com uma diferente

compreensão do problema. Neste caso, um dos possíveis riscos é o uso simbólico

do instrumento de origem, por meio da mudança não declarada de seu projeto

político orientador. Do ponto de vista institucional, existem riscos para todos os

atores envolvidos neste tipo de processo migratório. Para os ativadores iniciais, o

desafio é garantir sua visibilidade institucional, por meio da assunção pública de sua

referência inspiradora. Para os ativadores do instrumento redesenhado para

mudança de escala, o desafio está em sua vinculação, inclusive simbólica, ao

instrumento que foi inspirado em outro já existente, legitimando seu uso. Por outro

lado, como neste tipo de migração, o instrumento de origem é tomado como

inspiração, em uma relação que também pode ser metafórica, há o risco de erro de

etiquetagem, atribuindo-lhe um rótulo que pode não se adequar ao seu quadro de

valores, a sua teoria implícita. Também há o desafio de compatibilizar os princípios

inspiradores e o modelo de gestão do novo ativador.

A migração por inspiração revelou-se um processo com maior tendência à

exploration, à inovação, o que pode dificultar, mas não inviabilizar, aprendizagens de

circuito simples. Quando a inspiração é assistida, elevam-se as chances de ocorrer

explotation, considerando o diálogo com a experiência acumulada pelo ativador

inicial do instrumento. Esta situação também pode favorecer a ocorrência de

aprendizagem de circuito duplo.

6.1.4 Desafios de aprendizagem comuns à migração por apropriação

No caso da migração por apropriação, pode-se enfrentar o desafio não só da

mudança de compreensão sobre o problema público a ser tratado, como também a

mudança do próprio problema a que se destina o instrumento. Como esta

modalidade migratória caracteriza-se por relações mais frouxas entre o instrumento

de origem e aquele redesenhado para mudança de escala, corre-se o risco de

descaracterização do instrumento e uso simbólico pelos novos ativadores. Aqui,

também os ativadores iniciais enfrentam o desafio de ter seu protagonismo

reconhecido no que diz respeito ao instrumento de origem. A apropriação de um

instrumento desenhado por outros atores também traz em si o risco de

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incompreensão da natureza deste, atribuindo-lhe, por exemplo, novos objetivos ou

uma nova etiquetagem com os quais talvez ele não possa contribuir ou dialogar.

Neste tipo migratório, a realidade de aplicação se sobrepõe ao instrumento e

há uma maior tendência à migração da teoria explícita do instrumento, em

detrimento da teoria implícita. Tal situação pode camuflar o fato de que todo

instrumento contém significados e modos de ver o mundo, resultando em um

processo de incompatibilidade de quadro de valores do instrumento migrante e de

seu novo ativador. Assim como a inspiração, a migração por apropriação também

apresenta uma maior tendência à exploration, já que o uso apropriado do

instrumento implica, muitas vezes, inovação. No limite, esta situação pode resultar

em uma perda das aprendizagens geradas por meio do aperfeiçoamento das

práticas dos ativadores iniciais do instrumento.

6.2 POTENCIAIS DE APRENDIZAGEM EM PROCESSOS DE MIGRAÇÃO DE

ESCALA EM INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Da análise dos desafios acima expostos, das dinâmicas de aprendizagem

percebidas e do referencial teórico sobre aprendizagem assumido no âmbito desta

pesquisa, foram identificados e singularizados alguns potenciais de aprendizagem,

que podem considerados nos processos de redesenho de instrumentos de políticas

públicas motivado por migração de escala.

6.2.1 Aprendizagem socioprática

Alguns dos instrumentos analisados nesta pesquisa foram desenhados

como instrumentos de aprendizagem, com a modelização de um sistema interno que

favoreça um diálogo contínuo entre saber e fazer, gerando conhecimento útil para os

atores envolvidos, e para além deles. Dessa forma, busca-se gerar um conjunto de

aprendizagens que, para além dos atores diretamente envolvidos com a

implementação do instrumento em questão, pode subsidiar processos ativados em

outras instâncias e por outros atores sociais. Como apontado por diversos autores,

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nestas situações, a análise de situações concretas reforçou a importância de rotinas,

artefatos, registros e sistematizações da prática para subsidiar os processos de

aprendizagem por meio da implementação de um instrumento de políticas públicas.

Tal percepção mostra-se mais presente em instrumentos que são desenhados a

partir da lógica do instrumento piloto, que são compreendidos como ferramenta de

aprendizagem organizacional e social, como mostraram as experiências da P1MC

(ASA) e da IMANA (UNICEF Bolívia).

No caso do P1MC (ASA), desenhou-se um sistema interno de aprendizagem

desde a experiência piloto nos anos 2000, que inclui sistematizações de informações

e práticas, com a construção e disseminação de guias e outros materiais

orientadores, a realização de um programa de formação permanente de todo o

pessoal envolvido na implementação do instrumento, além da busca por novas

ferramentas de gestão.

A fala, abaixo, revela a perspectiva de aprendizagem socioprática:

[...] o projeto piloto foi para aprender. Ele tinha, por exemplo, recursos para viagens, recursos para evento de formação, para pesquisa [...] para trabalhar escala, eu tenho que olhar a dimensão mais ampla da realidade, que não é a dimensão do meu projeto, nem da minha comunidade, nem do meu entorno. É uma dimensão mais ampla. Daí, eu não posso entrar numa escala gigante de uma vez. [...] Não posso entrar nessa dimensão porque é uma dimensão suicida. [...] então, para eu andar na perspectiva da escala, eu tenho que ir gradativamente, mas também tenho que ser ousado [...] tenho que criar instrumentos de gestão, instrumentos afinados e competentes de gestão [...]. (ATOR ENVOLVIDO COM O DESENHO DE UM DOS INSTRUMENTOS TOMADOS COMO LABORATÓRIO).

No caso do P1MC, o sistema de aprendizagem continua sendo um dos

componentes do programa. Percebe-se ainda a existência de um circuito de

retroalimentação com outros instrumentos implementados pela ASA, a exemplo do

P1+2, cujo desenho considerou as aprendizagens geradas por meio da

implementação do P1MC.

Também no IMANA (UNICEF Bolívia), instrumento inspirado no Selo

UNICEF Município Aprovado (UNICEF Brasil), utilizou-se a lógica do projeto-piloto,

atualmente em fase de execução. Em seu desenho, há a previsão de rotinas e

ferramentas de aprendizagem (comunidades de prática, sistematização etc) e estas

são apresentadas como subsídios para uma possível ampliação da iniciativa, como

explica um dos atores entrevistados: “Um dos eixos do projeto é a conformação de

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comunidades de aprendizagem [...] entendemos que ele (o projeto) tem uma filosofia

de uma escola de formação pública [...]”.

Em ambos os casos, os subsistemas atoriais ativados pelos instrumentos

podem se constituir em comunidades de prática, cujas interações são mediadas por

artefatos e valores próprios. A ideia de comunidades de práticas, desenvolvida por

Wenger (1998 apud SHOMMER; BOULLOSA, 2010), refere-se a grupos de pessoas

movidas por uma situação desafiadora ou por interesses comuns que se reúnem em

práticas coletivas, gerando um processo de aprendizagem situada. Mais do que a

realização de uma determinada tarefa, os integrantes de uma comunidade de prática

participam de um processo de construção de identidade, assumindo posições

diferentes em relação ao outro, compartilhando experiências, dúvidas e

ressignificando, coletivamente, seus repertórios.

6.2.2 Do circuito simples para o circuito duplo

Embora pareça haver uma maior tendência às aprendizagens de circuito

simples (single-loop) no campo empírico das políticas públicas, a pesquisa aqui

apresentada sugere a necessidade de fortalecer e ampliar os processos de circuito

duplo (double-loop) de aprendizagem. Os instrumentos de políticas públicas que

assumiram este percurso de aprendizagem mostraram-se mais aptos e preparados

para dialogar com os diferentes contextos resultantes do movimento migratório,

incorporando ao design do instrumento de políticas públicas as aprendizagens

geradas por meio da prática. Enquanto no single-loop a aprendizagem é corretiva,

buscando corrigir os erros visando conferir maior eficiência e efetividade às

estratégias já utilizadas, no double-loop, são possíveis mudanças estruturais por

meio da problematização das premissas e pressupostos do instrumento em questão.

Em ambientes de incerteza e marcados por mudanças rápidas, o double-loop parece

auxiliar melhor os processos de tomada de decisão.

Analisar a aprendizagem em um processo de migração de escala em

instrumentos de políticas públicas a partir das contribuições de Argyris e Schon

(1978) nos permite ainda perceber que nem sempre a teoria esposada (esposed

theory) e a teoria-em-uso (theory-in-use) dos instrumentos de políticas públicas

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apresentam a mesma dinâmica migratória. Estas podem migrar conjuntamente ou

de forma separada. A migração da teoria esposada, por exemplo, parece ser mais

comum em casos nos quais há o uso simbólico dos instrumentos de referência. Além

disso, alguns tipos de migração de escala, que assumem uma maior rigidez

comparativa com os instrumentos originais, têm uma maior tendência à

aprendizagem de circuito simples. Ou seja, em busca de replicar os resultados

alcançados inicialmente, corrigem-se os rumos sem questionar os valores que os

orientam. Já os tipos de migração que se baseiam em relações mais metafóricas

com os desenhos originais dos instrumentos oferecem condições mais favoráveis

para a ocorrência de aprendizagens de circuito duplo, questionando, se necessário,

as premissas que orientam o instrumento.

6.2.3 Associação entre aperfeiçoamento e inovação

A análise dos processos de migração de escala em instrumentos de políticas

públicas sugere a necessidade de superar dualismos e coordenar duas formas de

aprendizagem, comumente tratadas como excludentes no plano empírico das

políticas públicas: de um lado, o aperfeiçoamento por meio da prática e

implementação; de outro, a busca da inovação. A migração de escala em um

instrumento de política pública requer tanto o refinamento do que já existe, quanto a

busca do novo diante das diferentes escalas vivenciadas. Compreendendo as

políticas públicas como conhecimento em uso e a escala como uma epistemologia, a

aprendizagem ocorre de forma contínua e não linear, em momentos de equilíbrio

dinâmico entre adaptação e descoberta, entre permanência e mudança. Incerteza,

imprevisibilidade e uma permanente tensão entre o conhecido e o inexplorado

perpassam os percursos de migração de escala de instrumentos de políticas

públicas e podem compor cenários catalisadores da aprendizagem.

A situação acima pode também ser ilustrada pela relação entre exploration e

explotation. (MARCH, 1991). James March (1991) afirma que o problema de

balancear exploration e explotation revela-se nas distinções feitas entre o

aperfeiçoamento de uma tecnologia já existente e o desenvolvimento de uma nova.

A busca de inovações reduz a velocidade com a qual as alternativas já existentes

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são melhoradas. Por outro lado, o refinamento do que já existe torna menos atrativo

o investimento em novas experimentações. Os retornos da exploration seriam mais

incertos e mais distante no tempo e espaço dos resultados da ação, enquanto a

exploitation resultaria em ganhos de curto prazo. Tal situação explicaria a tendência

das organizações a desenvolver atividades de exploitation mais rapidamente que de

exploration, caindo em uma armadilha de aprendizagem (LEVINTHAL; MARCH,

1993). A ênfase em exploitation, em detrimento da exploration, apesar de apresentar

retornos efetivos de curto prazo, pode, a longo prazo, se tornar autodestrutiva, alerta

March. Isto porque os dois processos são essenciais para as organizações e o

balanço entre eles é um fator de sobrevivência e prosperidade para o sistema. Na

trajetória recente das políticas públicas no Brasil, contudo, observa-se outra

armadilha de aprendizagem apontada por Levinthal e March (1993), quando a

exploration restringe a explotation. Corre-se, assim, o risco de abandonar novas

ideias antes mesmo de explorá-las o suficiente para encontrar seus benefícios.

Dessa forma, a associação entre exploration e exploitation, em uma relação de

equilíbrio dinâmico, parece se constituir em um potencial de aprendizagem em

processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas.

6.2.4 Estética da imperfeição

A estética da imperfeição, proposta por Weick e Westley (2004), parece ser

particularmente interessante para pensar os processos de aprendizagem no âmbito

da migração de escala em instrumentos de políticas públicas. Como revelou a

pesquisa apresentada, organizações (ativadoras e implementadoras) que olharam o

instrumento de políticas públicas por meio do viés da aprendizagem, assumiram os

erros como oportunidades de aperfeiçoamento e mesmo de redefinição de

pressupostos e estratégias de trabalho. Ao assumirem o caráter processual,

dinâmico e incerto dos instrumentos de políticas públicas por elas ativados, criaram

condições para a ocorrência de um processo de aprendizagem por meio da prática,

em um diálogo constante entre o fazer e o saber. Situações de crise, como por

exemplo, interrupções de financiamento ou pareceres financeiros, resultaram em

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aprendizagens significativas no âmbito da gestão do P1MC/ASA, conforme apontado

por atores envolvidos.

Situações marcadas pela imprevisibilidade e pela necessidade de ação

rápida, como o mundo prático das políticas públicas, revelam-se cenários favoráveis

à ocorrência de bricolagem, que é aqui compreendida como uma forma de

aprendizagem. No contexto organizacional, aplicável ao estudo em questão, a

bricolagem implica em reorganizar recursos disponíveis ou parte destes com a

finalidade de torná-los úteis para responder a situações e problemas não previstos.

Nesse sentido, o policy-making pode ser comparado a um bricoleur, que reorganiza

elementos de instrumentos de políticas públicas já existentes na tentativa de

responder a um problema ou situação inusitada e, assim, ativa processos de

migração de escala.

A reflexão sobre os erros, o cultivo da dúvida, da curiosidade e da

criatividade criam, assim, cenários propícios à aprendizagem.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa partiu do reconhecimento da dimensão sócio-histórica do

conhecimento e da compreensão de que este ganha importância na medida em que

se torna útil. Conhecimento que se vincula à ação e se funda na experiência,

estabelecendo com esta uma permanente relação de retroalimentação, que nos

permite fazer “ciência viva”, a partir de problematizações nascidas da realidade.

Assim, por meio de uma inferência abduzida, foram feitas reflexões nos planos

ontológico, epistemológico, analítico e metodológico, resultando na identificação e

conformação de um novo objeto de pesquisa: processos de migração de escala em

instrumentos de políticas públicas.

A pesquisa de campo realizada no âmbito desta investigação (entrevistas,

análise documental, residência social etc) revelou que, para alguns atores

envolvidos nos processos de migração de escala dos instrumentos aqui tomados

como laboratório, tal fenômeno, seus contornos e suas implicações ainda não estão

precisados e carecem de maior compreensão. Tal situação foi, inclusive,

manifestada por algumas das fontes entrevistadas, que se reportaram às entrevistas

realizadas como oportunidades de reconstruir os itinerários migratórios dos

instrumentos e, assim, pela primeira vez, analisá-los sob o viés da aprendizagem.

Por outro lado, também foi evidenciado que, para outros atores envolvidos com os

casos-laboratório, a migração de escala se constituiu em um fenômeno planejado e

conscientemente ativado por estes. Mesmo nesses casos, contudo, foi pontuada a

importância de melhor compreender a natureza e fronteiras do fenômeno, bem como

suas possíveis implicações para as mudanças nas políticas públicas. Assim, a

relevância do objeto-problema aqui investigado responde tanto a uma lacuna de

literatura sobre políticas públicas quanto a uma demanda de ordem prática, como foi

confirmado no decorrer da pesquisa.

Mas, a migração nem sempre será positiva, ou percebida como tal. Assim

como ocorre nas migrações humanas, o migrante (aqui, entendido como o

instrumento de políticas públicas que teve suas escalas alteradas) pode ser

indesejado para alguns dos atores envolvidos, pode representar uma ameaça, uma

interação que coloca em risco valores e interesses já consolidados, além de

provocar, algumas vezes, efeitos inesperados por aqueles que ativaram o processo.

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102

De uma forma ou de outra, trata-se de um fenômeno recorrente, e até mesmo

inevitável, em instrumentos de políticas públicas ativados por diferentes atores, para

além do Estado, com o intuito de governar um problema coletivamente percebido

como relevante ou de preservar um bem público.

7.1 ALGUMA RECOMENDAÇÃO É POSSÍVEL?

Ao posicionarmos o olhar metodológico sob a influência da sociologia

pragmática, reconhece-se o lugar fundante da experiência na construção do

conhecimento, como também o caráter histórico e situado deste, afastando-se da

pretensão de uma suposta verdade universal. Assim, assume-se, no âmbito desta

pesquisa, a impossibilidade de prever e controlar as diversas formas de

manifestação empírica do fenômeno estudado. Por outro lado, compreende-se que é

possível aprender a partir das experiências dos diversos atores envolvidos com

processos de migração de escala em instrumentos de políticas públicas, produzindo

conhecimento útil orientado ao futuro e à transformação, como ensina Dewey (2007 ,

2011, 2011a). Dessa forma, e respondendo ao questionamento presente no título

desta seção, são formuladas algumas recomendações, em diferentes planos, para

os processos de redesenho de instrumentos de políticas públicas, motivado por

migração de escala.

Foco no problema público

Os instrumentos de políticas públicas não devem ser vistos como um fim em

si mesmos. Eles se constituem em meios, em respostas aos problemas públicos que

se deseja tratar. Assim, o redesenho para a migração de escala deve levar em

consideração a configuração do novo problema a ser governado por meio do

instrumento migrante. Isto porque as mudanças em algumas escalas que

conformam um instrumento de políticas públicas (a exemplo de cobertura territorial,

etiqueta, setor de políticas públicas etc) resultam, muitas vezes, na redefinição do

próprio problema a ser tratado. Ao alterar os elementos visíveis e invisíveis, altera-se

também o conteúdo e os contornos do problema em questão. Nesse sentido, o

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redesenho do instrumento de políticas públicas deve partir da identificação da nova

configuração do problema público a ser tratado.

Flexibilidade do desenho

O desenho dos instrumentos de políticas públicas precisa,

permanentemente, dialogar com seus contextos de implementação. Assim, deve ser

flexível o suficiente para adaptar-se aos diferentes contextos, as suas

especificidades e às condições presentes no momento da implementação. Não é a

realidade que deve ser ajustada/moldada para “caber” no instrumento, mas sim o

contrário: o instrumento deve ser capaz de moldar-se a partir das realidades

vivenciadas, sem, contudo, perder o foco do problema a que se destina governar.

Reconhecimento da dimensão sociopolítica dos IPP

Para além dos seus aspectos gerenciais, todo instrumento de políticas

públicas possui uma dimensão política, carregando em si um conjunto de valores e

de representações do mundo, uma particular compreensão dos modos de regulação

social. Assim, ao migrar, de agenda institucional, por exemplo, um instrumento leva

também premissas e pressupostos de trabalho, que nem sempre são compatíveis

com seus novos implementadores. Tal situação pode gerar uma incompatibilidade

entre os projetos políticos que orientam o instrumento antes e depois da migração. É

preciso, assim, considerar, nos processos de redesenho de instrumentos de políticas

públicas motivado por migração de escala, não só a teoria explícita, mas também a

teoria implícita do instrumento migrante.

Sistema de aprendizagem

O desenho ou redesenho de um instrumento de políticas públicas deve

incluir um sistema interno de aprendizagem. Ainda são poucas as experiências que

incorporam a dimensão da aprendizagem de forma transversal ao design do

instrumento. Em muitas situações, a aprendizagem ainda é vista como uma etapa

posterior à implementação. Uma vez finalizada a implementação, busca-se registrar

os aprendizados. perspectiva de migração de escala, compreende-se que a

aprendizagem deve ser processual. Mais do que isso, pode constar como um dos

objetivos do instrumento a ser migrado e deve contar com um sistema próprio, que

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inclua rotinas, procedimentos e artefatos de aprendizagem. Para além de ajustes

incrementais, a aprendizagem deve incluir a possibilidade de mudanças estruturais

no instrumento em questão, sempre que necessárias.

Equilíbrio entre inovação e aperfeiçoamento

Uma vez desenhado um sistema interno de aprendizagem, é preciso

considerar que a migração de escala de um instrumento de políticas públicas requer

o equilíbrio das capacidades de aperfeiçoamento e de inovação. É preciso refinar o

que já está sendo implementado, por meio dos aprendizados da prática, mas

também é necessário experimentar novas formas de fazer ou tratar uma

determinada questão. Mesmo instrumentos considerados exitosos necessitam, para

manter seus bons resultados, reiventar-se permanentemente.

7.2 UM CAMINHO EM CONSTRUÇÃO

Esta dissertação não é um ponto de chegada, mas sim um ponto de partida.

O estudo da migração de escala em instrumentos de políticas públicas abre

diferentes e novos caminhos de pesquisa. Entende-se que estão aqui reunidos

alguns primeiros elementos para reflexão sobre um fenômeno que ainda não tinha

sido explorado na literatura sobre políticas públicas. Do ponto de vista teórico, não

se teve a intenção de desenhar um programa de pesquisa, mas apenas de apontar

alguns possíveis caminhos no tema, que precisam ser desbravados a partir de

diferentes olhares, considerando a natureza multidisciplinar das políticas públicas, já

anunciada por Lasswell. Deve-se registrar que este estudo apresenta limitações,

descortinando parcialmente as dimensões do fenômeno estudado e direcionando o

olhar analítico e metodológico para os elementos e as dinâmicas que conformam

sua natureza e fronteiras de aprendizagem, buscando melhor compreendê-lo. A

proposta de tipologia que emerge das problematizações realizadas em diferentes

planos é, ao mesmo tempo, processo e produto, pois foi sendo conformada ao longo

da investigação, buscando produzir conhecimento útil para alcançar os objetivos de

pesquisa. Assim, reúne um conjunto de elementos que singularizam diferentes tipos

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de manifestação do fenômeno estudado, sem a pretensão de alcançar o universo

total dos instrumentos.

Do ponto de vista empírico, entende-se que esta pesquisa gera também

contribuições para o campo da gestão social, na medida em que registra um

conjunto de problematizações mínimas que podem ser consideradas em processos

de migração de escala em instrumentos de políticas (co)ativados por diferentes

atores sociais. Buscou-se, dessa forma, contribuir para futuras trasladações de

instrumentos orientados ao governo de problemas coletivamente percebidos como

de relevância pública, construindo a natureza e os contornos do fenômeno em

questão, bem como suas implicações para os processos de aprendizagem e

mudanças em políticas públicas.

Algumas portas que foram abertas nestas primeiras reflexões parecem ser

particularmente interessantes para a continuidade dos caminhos de pesquisa sobre

a migração de escala em instrumentos de políticas públicas. Dentre estas, estão:

ampliação da proposta de tipologia a partir da observação empírica do fenômeno; a

reflexão sobre as migrações resultantes de composições complexas, por meio da

junção de partes de diferentes instrumentos de políticas públicas, por exemplo; as

dinâmicas de (re)construção de sentidos em políticas públicas por meio da migração

de escala, dentre outras.

Ao final desta primeira etapa do caminho, parece ser importante afirmar que

a migração de escala em instrumentos de políticas públicas se constitui em um

fenômeno complexo, que promove uma reconfiguração política da arena de policy,

estabelece novos padrões de governança entre seus atores e novas matrizes

interpretativas sobre o problema a que se destina governar e que, portanto, merece

continuar a ser estudada.

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