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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO CAROLINA RODRIGUES LUCIANO DE AZEVEDO ANÁLISE DA (DES)NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO IGF NA BUSCA PELA JUSTIÇA FISCAL NATAL / RN 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE … · regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) no Brasil. Nossa Constituição Federal previu, em seu artigo 153, inciso

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

COORDENAÇÃO DO CURSO DE DIREITO

CAROLINA RODRIGUES LUCIANO DE AZEVEDO

ANÁLISE DA (DES)NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO IGF NA BUSCA

PELA JUSTIÇA FISCAL

NATAL / RN

2014

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CAROLINA RODRIGUES LUCIANO DE AZEVEDO

ANÁLISE DA (DES)NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO IGF NA BUSCA

PELA JUSTIÇA FISCAL

Monografia apresentada ao curso de

Direito da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Msc. Karoline Lins Câmara

Marinho de Souza

NATAL / RN

2014

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CAROLINA RODRIGUES LUCIANO DE AZEVEDO

ANÁLISE DA (DES)NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO IGF NA BUSCA

PELA JUSTIÇA FISCAL

Monografia apresentada ao curso de

Direito da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, como requisito para

obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovação em _______/____________/________

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

Profª. Ma. Karoline Lins Câmara Marinho de Souza

UFRN

________________________________________________

Prof. Drº Otacílio dos Santos Silveira Neto

UFRN

________________________________________________

Profª. Ma. Anna Emanuella Nelson Dos Santos Cavalcanti Da Rocha

UFRN

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3

Dedico este trabalho primeiramente a

Deus, que me proporcionou a força para

concluí-lo com dedicação. Dedico também

a todos os meus amigos e familiares que

estiveram ao meu lado durante sua

realização e me incentivaram a alcançar

com êxito esse objetivo.

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AGRADECIMENTOS

Ao término de mais uma importante etapa da graduação, gostaria de

agradecer de coração a todos que estiveram ao meu lado durante essa jornada.

Agradeço primeiramente e principalmente a Deus, por ter me dado a força

necessária para percorrer esse caminho e superar os meus desânimos.

Aos meus pais, meus maiores amores, que sempre me incentivaram e me

proporcionaram as melhores oportunidades e nunca deixaram faltar amor e cuidado

em minha vida.

À minha irmã, que me acompanhou durante todo o concurso e me incentiva

sempre a lutar pelos meus sonhos.

Aos meus amigos, constantes alegrias da minha vida, sempre presentes e

me ajudando a superar todos os desafios com muito bom humor.

À minha querida orientadora, responsável por me fazer acreditar que era

capaz de chegar até aqui, sempre me incentivando a buscar meus objetivos.

Finalmente, à toda minha família, meu tesouro e meu porto seguro nos

momentos de dificuldades.

Dedico a vocês mais essa vitória e agradeço imensamente pelo apoio,

essencial para que eu pudesse concluir com êxito esse objetivo.

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RESUMO

Diante da realidade econômica brasileira marcada por uma alta carga

tributária e uma alarmante desigualdade social, muitas são as discussões

doutrinárias acerca das possíveis soluções para o nosso país. Os tributos, em razão

de sua importante função social, podem e devem ser utilizados como instrumento de

distribuição de renda e redução das desigualdades. Nesse contexto, surge a

discussão acerca da necessidade ou não de regulamentação do Imposto sobre

Grandes Fortunas (IGF) no Brasil, visto que este imposto foi o único de competência

da União que ainda não foi instituído, bem como alguns estudiosos do Direito o

apontam como possível solução para os problemas de desigualdade social

existentes em nosso país. No entanto, muitos são os doutrinadores que

contrariamente defendem a desnecessidade da instituição do IGF no ordenamento

jurídico brasileiro, em razão das diversas dificuldades práticas deste imposto e dos

prejuízos que poderá trazer para o nosso sistema. Sendo assim, o presente ensaio

busca analisar os aspectos positivos e negativos da tributação das grandes fortunas

no Brasil, para então apresentar alternativas para o Sistema Tributário Nacional caso

a regulamentação do IGF não seja a melhor solução na busca pela justiça fiscal.

Palavras-chave: Desigualdade social. Tributos. Distribuição de renda. Imposto

sobre Grandes Fortunas. Justiça fiscal.

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ABSTRACT

Facing the Brazilian economy reality characterized by a high tax burden and

an alarming social inequality, there are many doctrinal about possible solutions for

our nation discussions. The taxes, because of their important social function, can and

should be used as an instrument of income distribution and reduction of inequalities.

In this context, the discussion about the necessity of regulation of Wealth Tax (IGF)

in Brazil arises, as this tax was the only one competence of the Union which has not

yet been established, as well as some law students indicate this tax as the possible

solution to the problems of social inequality that exists in our country. However, there

are many jurists defending the unnecessary of the institution of the IGF in the

Brazilian legal system, due to several practical difficulties of this tax and the damage

it can bring to our system. Therefore, this paper seeks to analyze the positive and

negative aspects of the taxation of large fortunes in Brazil, then to present

alternatives to the National Tax System if the regulation of IGF is not the best

solution in the pursuit for tax justice.

Keywords: Social inequality. Taxes. Income distribution. Wealth Tax. Fiscal justice.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 8

2. A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUTOS COMO INSTRUMENTO PARA A

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA ............................................................................. 9

2.1 Princípios como limites ao poder de tributar ................................................ 11

2.2 Realidade econômica brasileira ..................................................................... 14

3. ANÁLISE DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS .............................. 17

3.1 Características controvertidas do IGF ........................................................... 17

3.2 Experiências internacionais ............................................................................ 22

3.3 Tentativas de implementação no Brasil ......................................................... 28

3.4 Aspectos positivos e negativos de sua aplicação ........................................ 33

4. ALTERNATIVAS À INCIDÊNCIA DO IGF NA BUSCA PELA JUSTIÇA FISCAL

............................................................................................................................ 39

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 44

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 46

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1 INTRODUÇÃO

O Brasil sofre atualmente com um grave problema de distribuição de renda.

A carga tributária brasileira, a qual deveria auxiliar a redistribuição de riquezas, hoje

é claramente um forte fator de concentração de renda, devido à alta carga tributária

cobrada, a qual onera mais os cidadãos mais pobres do que aqueles que possuem

melhores condições financeiras, em virtude da maior tributação do consumo quando

comparada com a tributação direta das rendas. Em contrapartida, a população não

vê o devido investimento dos recursos financeiros estatais nos setores essenciais do

país, como educação e saúde. Não deve ser essa, no entanto, a finalidade do

Sistema Tributário Nacional.

O Sistema Tributário Nacional, assim como todo o ordenamento jurídico

brasileiro, deve pautar-se nos princípios e regras estabelecidos em nossa Carta

Magna. A Constituição Brasileira de 1988 estabelece como um de seus principais

objetivos o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades

sociais e regionais”. Ao invés de fator de desigualdade social, o tributo pode ser

utilizado como importante instrumento de distribuição de renda, observando-se os

princípios da igualdade, solidariedade, capacidade contributiva, e os demais

encartados em nossa Constituição Federal.

Nesse contexto, surge a discussão quanto à necessidade ou não de

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF) no Brasil. Nossa

Constituição Federal previu, em seu artigo 153, inciso VII, a competência da União

para instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos da lei complementar. No

entanto, mesmo após 26 anos de sua promulgação, ainda não houve a

regulamentação do IGF em nosso país, apesar de já terem sido apresentados

diversos projetos de lei complementar na tentativa de instituir o imposto.

Diversas discussões já foram travadas entre os estudiosos do Direito, em

virtude de ser o Imposto Sobre Grandes Fortunas comumente apontado como uma

possível solução para os problemas de distribuição de renda nacionais. No entanto,

igualmente são demonstradas por alguns doutrinadores dificuldades práticas

relativas à instituição do IGF que poderiam torná-lo um imposto ineficaz aos

objetivos para os quais foi criado. Há consenso, porém, no que tange à clara

necessidade de reforma do Sistema Tributário Nacional.

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Neste pórtico, o presente trabalho busca analisar as diversas nuances do

Imposto Sobre Grandes Fortunas, no intuito de concluir pela necessidade ou não de

regulamentá-lo em nosso ordenamento jurídico. Inicialmente, buscamos observar de

maneira bastante sucinta a experiência de outros países ao redor do mundo na

tributação de grandes fortunas, de modo a utilizar de seus exemplos negativos ou

positivos com a instituição do imposto para reforçar as teses defendidas por nossos

doutrinadores, quanto aos benefícios e prejuízos que sua regulamentação poderia

trazer para o Brasil.

Em seguida, adentra à análise dos diversos Projetos de Lei apresentados

perante nossa Câmara de Deputados e nosso Senado Federal na tentativa de

instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas, esclarecendo suas peculiaridades e

principais normas previstas em seu texto, bem como as justificativas apresentadas

por nossos deputados e senadores quando da criação dos projetos. Isso é feito na

tentativa de alcançar os motivos pelos quais, apesar dos diversos projetos em

trâmite ou já tramitados em nosso ordenamento, ainda não houve a efetiva

regulamentação deste Imposto no país.

Finalmente, passa à discussão sobre os aspectos positivos e negativos do

IGF apresentados pelos estudiosos do Direito, para ao final concluir se a

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas é a melhor solução para o país

atualmente ou se existentes alternativas mais favoráveis ao quadro tributário

nacional, a fim de que se busque alcançar uma melhor distribuição de renda e a tão

sonhada justiça fiscal.

Para tanto, utiliza de pesquisas doutrinárias, de modo a analisar os

argumentos apresentados pelos diversos doutrinadores do Direito sobre o presente

tema, bem como busca pesquisas realizadas pelos órgãos oficiais brasileiros, na

tentativa de obter dados mais precisos sobre o assunto discutido. Com estes

instrumentos, além de entendimentos jurisprudenciais que embasassem as idéias

apresentadas, procura analisar a discussão que rodeia o tema proposto e chegar a

uma solução condizente com a realidade tributária brasileira.

2 A IMPORTÂNCIA DOS TRIBUTOS COMO INSTRUMENTO PARA A

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA

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Os tributos, conforme definição trazida pelo nosso Código Tributário

Nacional1, consistem em “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo

valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei

e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada"2. São instituídos

com a finalidade de arrecadar recursos financeiros para o Estado, de modo a

permitir a satisfação das necessidades coletivas com a prestação dos serviços

essenciais a todos.

No entanto, ao mesmo tempo em que existe o dever do cidadão de pagar os

tributos, o Estado possui algumas limitações ao poder de tributar3, evitando abusos

por parte do Poder Público. Segundo definição de Hugo de Brito Machado (2012, p.

51), o Direito Tributário consiste no “ramo do Direito que se ocupa das relações ente

o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando

o poder de tributar e protegendo o cidadão contra os abusos desse poder”.

Das diversas classificações dos tributos apresentadas pela doutrina4, uma

delas diz respeito à sua função, dividindo-os em tributos fiscais, extrafiscais e

parafiscais. Os tributos fiscais são aqueles cujo objetivo principal é arrecadar

recursos para a manutenção do Estado, sem destinação específica. Hugo de Brito

Machado (2012, p. 69) nos ensina que atualmente é difícil apontar um tributo com

função exclusivamente arrecadatória, podendo ser esta sua função principal, porém

não a única. É o que ocorre igualmente com as demais funções.

Os tributos com função parafiscal objetivam principalmente arrecadar

recursos financeiros para custear atividades que não integram as funções próprias

do Estado, desenvolvidas por meio de entidades paraestatais. Por sua vez, os

tributos extrafiscais possuem como objetivo primordial a intervenção na economia,

1 Lei nº 5.172/1966 – Código Tributário Nacional, art. 3º.

2 Luís Eduardo Schoueri (2012, p. 131) ensina que, apesar de silente o Código Tributário Nacional a

esse respeito, “o tributo é (i) receita derivada; (ii) instituído por entidades de direito público; (iii) nos termos da constituição e das leis vigentes; (iv) destinando-se seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas.” 3 Os limites ao poder de tributar estão previstos nos artigos 150 a 152 da Constituição Federal

Brasileira de 1988, e dizem respeito aos princípios sobre os quais devem pautar-se as normas do Sistema Tributário Nacional, bem como às imunidades que devem ser observadas quando da instituição e cobrança dos tributos. 4 Hugo de Brito Machado (2012, p. 65-68) apresenta mais quatro classificações para os tributos:

quanto à espécie, dividem-se em impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios; quanto à competência impositiva, os tributos podem ser federais, estaduais e municipais; quanto à vinculação com a atividade estatal, podem ser vinculados ou não vinculados; finalmente, os impostos possuem classificação própria, dividindo-se em impostos especiais, impostos sobre o comércio exterior, sobre o patrimônio e a renda e sobre a produção e a circulação.

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estimulando ou desestimulando determinadas atividades. Além das três funções

principais ora demonstradas, fala-se atualmente, ainda, em uma quarta função: a

função social dos tributos5.

Conforme esclarece Aline Ribeiro Mamede (2011, p. 21), os tributos

possuem uma função atribuída constitucionalmente, que é a função social. Tal

função justifica-se em razão da possibilidade que os tributos têm de equilibrar as

relações sociais, quando utilizados com o objetivo de fornecer ao Estado recursos

financeiros suficientes para tentar reduzir as desigualdades sociais, sempre se

pautando na equidade e na justiça fiscal6 para alcançar essa finalidade, tão

importante diante da realidade econômica que vivenciamos em nosso país.

Sendo assim, mais do que instrumento arrecadador de recursos, os tributos

podem e devem ser utilizados como instrumento de redução das desigualdades

sociais e distribuição de renda. Seriam os tributos, portanto, mais um recurso para

atingir os objetivos primordiais da nossa Federação, encartados em nossa Carta

Magna, quais sejam “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais” e “construir uma sociedade livre, justa e

solidária”7.

3.1. Princípios como limites ao poder de tributar

Para atingir os objetivos primordiais encartados em nossa Constituição

Federal de 1988, esta estabeleceu diversos princípios essenciais ao Sistema

Tributário Nacional, previstos como limitações ao poder de tributar, com o intuito de

proteger o cidadão contra abusos de poder por parte do Estado e garantir a

efetivação dos objetivos primordiais de nossa Federação. Dentre eles, é possível

citar os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da vedação do

5 Sobre a função social dos tributos, Mota (2011, p. 56) explica que, apesar da ligação entre as

funções extrafiscal e social dos tributos, distinguem-se por ser a finalidade extrafiscal um dos principais instrumentos para a função social, porém essa função pode ser cumprida não só por aquela, mas por qualquer finalidade embasadora da instituição do tributo. 6 Thiago Henrique Cavalcanti Uchôa (2009, p. 44) explica que “Justiça fiscal é um termo utilizado nos

dias atuais para designar uma situação jurídica de respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, não se coadunando com situações que não guardem respaldo no texto constitucional”. Destaca, ainda, que a justiça fiscal tem como intuito principal garantir a harmonia do sistema tributário, efetivando o respeito às limitações ao poder de tributar. 7 Além desses objetivos, diretamente ligados ao assunto abordado neste trabalho, a CF/88

igualmente estabelece como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil os seguintes: “garantir o desenvolvimento nacional” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

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confisco, todos de suma importância para o debate acerca da função social dos

tributos e da busca pela chamada “justiça fiscal”8.

O princípio da igualdade, comum a todos os ramos do Direito, estabelece

que “todos são iguais perante a lei”, conforme previsto no art. 5º de nossa Carta

Magna9. Não consiste, porém, em determinar o tratamento igualitário a todos, mas

sim tratar igualmente aqueles que se encontrem em iguais condições e tratar

desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, consoante ensinou

Aristóteles. Trata-se de um dos princípios mais importantes em nosso ordenamento

jurídico, do qual decorrem diversos outros.

Em matéria tributária, o constituinte veda à União, aos Estados, ao Distrito

Federal e aos Municípios o tratamento desigual entre contribuintes que se

encontrem em situação equivalente, proibindo qualquer distinção em razão de

ocupação profissional ou função exercida, conforme determina o art. 150, II, da

Constituição Federal. Luís Eduardo Schoueri (2012, p. 317-318) ensina que o texto

constitucional fala em “situação equivalente”, não idêntica, e a igualdade,

diferentemente da identidade, é relativa, necessitando de um critério de

comparação, o qual é estabelecido de acordo com a espécie tributária adotada e das

peculiaridades de cada caso concreto10.

Sobre a importância do princípio da igualdade tributária em nosso

ordenamento, André Elali (2008, p. 12) defende que a tributação desigual entre

contribuintes que estejam em igualdade de situação desrespeita o valor igualdade e

gera situações reprimidas na ordem econômica, ferindo diversos outros princípios,

8 A doutrina aponta ainda, como princípios do Direito Tributário, os princípios da legalidade,

irretroatividade, anterioridade, liberdade de tráfego e da uniformidade geográfica. 9 CF/88, art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. 10

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. IPTU. PROGRESSIVIDADE. LEI MUNICIPAL N. 2773/93, ALTERADA PELA LEI MUNICIPAL N. 3598/99. ZONAS FISCAIS DIFERENCIADAS. PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRIBUTÁRIA. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. I. O princípio da isonomia ou igualdade tributária está positivado no art. 150, II, CF, e preconiza ser vedado às pessoas jurídicas de direito público “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.Trata-se de norma que reforça, em matéria tributária, o princípio geral da isonomia disposto no art. 5º, caput da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. II. No caso concreto, verifica-se, do exame da Lei Municipal 2773/93, com alteração dada pela Lei 3598/99, que o legislador municipal teve a preocupação de estabelecer a base de cálculo do IPTU, seguindo os princípios constitucionais limitadores do poder de tributar, em especial o da igualdade tributária, e respeitando o caráter real daquela exação. (TJRS - REEX 70050434281 RS – Rel. Luiz Felipe Silveira Difini – Primeira Câmara Cível – Julgamento em 21.11.2012)

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como a livre iniciativa e livre concorrência, a proteção do consumidor e a busca pelo

pleno emprego, prejudicando o estado de equilíbrio que objetiva a Constituição

Federal Brasileira.

Como conseqüência do princípio da igualdade, existe o princípio da

capacidade contributiva, previsto na Constituição Federal11, a qual estabelece que

os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal e serem graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte. Tem-se da análise desse

dispositivo que os encargos tributários devem ser repartidos entre os contribuintes

de acordo com a sua capacidade contributiva. É igualmente uma forma de efetivar o

princípio da igualdade, cobrando mais impostos daqueles que possuem melhores

condições financeiras.

Está com a razão o doutrinador Roque Antonio Carrazza (2013, p. 97-98),

quando afirma que o princípio da capacidade contributiva é um dos mecanismos

mais eficazes para alcançar a igualdade tributária e a justiça fiscal em nosso país.

Apesar de a Constituição Federal brasileira prever expressamente apenas a

aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos, é mais razoável que

este seja aplicado a todos os tributos, justamente como forma de efetivação do

princípio da igualdade.

Em seu artigo 150, inciso IV, a Constituição Federal veda à União, aos

Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco.

Não há delimitação constitucional para o termo “confisco”, de modo que deve ficar a

cargo do Poder Judiciário analisar se o tributo possui natureza confiscatória12.

Porém, a doutrina entende por natureza confiscatória aquele tributo que impõe ao

contribuinte ônus que não pode suportar, ferindo o direito à propriedade. Este

princípio deve ser analisado levando-se em consideração o conjunto dos tributos

suportados pelo contribuinte.

No que tange ao princípio da vedação do confisco, formou-se uma

discussão doutrinária quanto à sua aplicação ou não sobre as multas. Hugo de Brito

11

CF/88, art. 145, § 1º: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte 12

A dificuldade de definição do termo “confisco”, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 179), está no fato de que, o que para alguns possui efeito confiscatório, para outros pode apresentar-se como forma lídima de exigência tributária. O autor defende que esse princípio acaba por oferecer apenas um rumo axiológico ao legislador, como uma forma de advertí-lo de que existe limite para a carga tributária, porém não vai muito além disso, pois traz uma definição tênue e confusa do termo.

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Machado (2012, p. 41) defende que o princípio não deve ser aplicado à multa, pois

esta é essencialmente distinta do tributo13. Explica o autor que o tributo, por

constituir uma receita ordinária, deve ser um ônus suportável, porém a multa, para

alcançar sua finalidade, deve representar um ônus significativamente pesado, de

modo a desestimular condutas ilícitas dos contribuintes.

No mesmo sentido, defende Estevão Horvath (2002, p. 114), ao afirmar que

os princípios que regem as infrações são distintos dos que informam a tributação e,

havendo diferença ontológica, não há como comparar os dois institutos e aplicar as

mesmas regras. No entanto, os tribunais pátrios vêm entendendo de forma contrária,

já existindo algumas decisões do Supremo Tribunal Federal manifestando-se no

sentido de aplicar o princípio do não-confisco também às multas14.

Os princípios ora discorridos, intimamente ligados entre si, demonstram mais

uma garantia constitucional em favor do contribuinte, evitando ilegalidades e abusos,

bem como uma preocupação do constituinte em possibilitar a utilização dos tributos

como instrumento de mudança social e redução das desigualdades. Neste ensaio,

pretendemos expor a necessidade de mudanças em nosso sistema tributário, diante

da importância da utilização dos tributos para diminuir a desigualdade social, através

de uma tributação mais justa e igualitária.

3.2. Realidade econômica brasileira

No Brasil, ainda não se constata uma realidade tributária justa e igualitária.

Observa-se uma realidade bastante injusta, onerando consideravelmente mais os

cidadãos mais pobres em comparação aos que possuem maior poder aquisitivo. Os

brasileiros reclamam constantemente da elevada carga tributária, que só vem

13

O tributo difere da multa pelo fato de que para aquele a hipótese de incidência sempre será algo lícito, enquanto esta constitui uma sanção de ato ilícito. O próprio legislador, quando define o conceito de tributo no art. 3º do Código Tributário Nacional, estabelece que o tributo é toda prestação pecuniária compulsória “que não constitua sanção de ato ilícito (...)”. 14

SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ISS SOBRE ARRENDAMENTO MERCANTIL. VALOR DA MULTA. INTERPRETAÇÃO DE NORMA LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. (...) 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que é aplicável a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento pelo contribuinte de suas obrigações tributárias. Assentou, ainda, que tem natureza confiscatória a multa fiscal superior a duas vezes o valor do débito tributário. (AI 830300 SC. Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma, DJe 22.02.2012).

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aumentando ao longo dos anos, ao mesmo tempo em que não vislumbram o

investimento dos valores arrecadados nos setores essenciais do país.

Nesse sentido, Elizabeth de Jesus Maria e Álvaro Luchiezi Jr. (2010, p. 123)

defendem que a estrutura tributária observada no Brasil está invertida quando

comparada a outros países desenvolvidos ou de grau de desenvolvimento próximo

ao brasileiro. Nestes países, há maior tributação sobre a renda e a propriedade do

que sobre o consumo, bem como o Estado oferece bens e serviços públicos de

melhor qualidade, proporcionalmente à carga tributária. Por outro lado, no Brasil

tributa-se muito mais o consumo do que a renda, além de que o gravame tributário

sofrido pelos contribuintes é bem maior do que a qualidade dos serviços públicos

ofertados pelo Estado.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), no período de 2000 a 2009 a carga tributária brasileira aumentou

de 20,25% para 34,2%. A carga tributária corresponde à relação entre o volume de

recursos que o Estado arrecada sob a forma de tributos e o Produto Interno Bruto

(PIB) do país (MARIA e LUCHIEZI JR, 2010, p. 124). Mais recentemente, o Instituto

de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) divulgou pesquisa demonstrando que a

nossa carga tributária ascendeu de 32% do PIB no ano de 2002 para 35,5% do PIB

no ano de 201215.

Conforme demonstrado na pesquisa do IPEA, nos últimos anos os impostos

que mais contribuíram para o relevante aumento da carga tributária foram os

impostos sobre o comércio e sobre as transações internacionais, os quais

representaram pouco mais de um terço da ampliação da carga tributária nos anos de

2007 a 2012, em razão do crescimento do volume de importações na economia

brasileira. A porcentagem de 35,5% de carga tributária representa, segundo o

instituto, um recorde histórico em nosso país.

Em pesquisa realizada pela Receita Federal Brasileira16, constatou-se

igualmente que o ano de 2012 registrou o valor máximo histórico de Carga Tributária

desde 2002, com indícios de uma desaceleração buscando uma estabilidade ou

possível redução. Demonstra a pesquisa, ainda, que em 2012 a economia brasileira

15

Pesquisa disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2031/1/TD_1875.pdf>. Acesso em: 15. out. 2014. 16

Pesquisa disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudoTributarios/estatisticas/CTB2012.pdf>. Acesso em: 15. out. 2014.

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16

registrou um crescimento real de 1,0% contra 2,7% do ano de 2011, o que

corresponde ao pior resultado desde o ano de 2009, quando a economia brasileira

sofreu os impactos da crise internacional.

Realizando uma comparação com outros países do mundo, o Instituto

Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) apresentou uma pesquisa sobre a

evolução da carga tributária brasileira e afirmou que, dentre os países que compõem

os BRICs, o Brasil possui a maior carga tributária, correspondente a mais de 36% do

PIB, enquanto a carga tributária na Rússia é de 23%, na China é de 20%, na Índia é

de 13% e na África do Sul é de 18%. Chegou-se à conclusão de que o Brasil possui

quase o dobro da média da carga tributária dos demais países que compõem os

BRICs17.

Além da alta carga tributária existente em nosso país, igualmente as

pesquisas demonstram que a desigualdade de renda no Brasil continua

apresentando índices alarmantes, os quais demonstram a necessidade de uma

reforma em nosso sistema tributário, capaz de melhorar a distribuição de renda e de

reduzir os níveis de desigualdade. Segundo pesquisa realizada pelo IBGE, em 2012,

enquanto os 10% da população com maiores rendimentos detinham 41,9% da renda

total, os 40% com menores rendimentos se apropriaram de 13,3% da renda total.

Explica o estudo que o indicador de desigualdade razão 10/40 demonstra

que, ao se dividir o rendimento dos primeiros pelo rendimento dos segundos, obtém-

se a razão de 12,6, o que significa afirmar que os 10% com maiores rendimentos

possuem um rendimento médio 12,6 vezes superior ao rendimento dos 40% da

população com menores rendimentos18.

Nesse contexto, surge a discussão acerca da regulamentação do Imposto

sobre Grandes Fortunas no Brasil, apontado por alguns estudiosos do Direito como

uma possível solução para os problemas de desigualdade social no país,

possibilitando uma melhor distribuição de renda. O IGF foi previsto na Constituição

Federal Brasileira de 198819, porém até o presente momento ainda não foi instituído

17

Pesquisa disponível em: <https://www.ibpt.org.br/img/uploads/novelty/estudo/1443/20131218asscomEstudoEvolucaodacargatributariabrasileiraPrevisaopara2013.pdf>. Acesso em: 15. out. 2014. 18

Pesquisa disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Indicadores_Sociais/Sintese_de_Indicadores_Sociais_2013/SIS_2013.pdf>. Acesso em: 15. out. 2014. 19

CF/88, art. 153: “Compete à União instituir impostos sobre: (...) VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.

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17

em nosso ordenamento jurídico. Trata-se do único imposto de competência da União

que ainda não foi regulamentado em nosso ordenamento jurídico.

Sendo assim, faz-se essencial trazer novamente à tona a discussão acerca

da tributação das grandes fortunas, analisando os prejuízos e benefícios que a

regulamentação do IGF poderia trazer para o Brasil, bem como se existem outras

soluções mais favoráveis ao quadro econômico nacional, capazes de aproximar o

país da justiça fiscal e proporcionar melhor qualidade de vida à população brasileira.

Nessa intenção, vê-se a seguir uma análise mais aprofundada do Imposto Sobre

Grandes Fortunas.

3 ANÁLISE DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 153, VII, atribuiu à

União a competência para instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos da

lei complementar. No entanto, ultrapassados mais de 26 anos da promulgação da

nossa Carta Magna, não houve sua regulamentação através de lei complementar, o

que não impede a União de ainda realizá-la20. Diante dessa realidade, diversos

debates surgiram entre os estudiosos do direito, no sentido de analisar as

dificuldades relativas à tributação das grandes fortunas que justificassem o não

exercício dessa competência tributária pela União.

3.1 Características controvertidas do IGF

Inicialmente, a primeira dificuldade vislumbrada pelos doutrinadores diz

respeito à definição do termo “grandes fortunas”, necessária para delimitar o fato

gerador deste imposto. Trata-se de um conceito indeterminado e que, portanto,

precisaria ser definido pelo legislador em lei complementar. Ainda que ausente lei

que assim proceda, importa analisar as controvérsias acerca da delimitação do

conceito de grandes fortunas, de modo a aprofundar o debate quanto aos fatores

positivos e negativos sobre a instituição do IGF no Brasil.

20

De todos os tributos cuja Constituição Federal Brasileira atribuiu competência à União para instituir, apenas o Imposto sobre Grandes Fortunas não foi regulamentado até o presente momento. Trata-se, portanto, de um “caso raro de competência tributária não exercitada”, segundo explica-nos Hugo de Brito Machado (2012, p. 355).

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18

A definição do que se deveria entender pela terminologia “grandes fortunas”

é essencial para a análise desse tributo, porém igualmente demanda bastante

cuidado, para que se garanta uma aplicação adequada da norma e condizente com

a realidade econômica atual do país. Conforme ensina Geraldo Ataliba (2003, p.

125-126), as definições jurídicas devem observar como ponto de partida a lei

constitucional, a partir da qual devem ser construídos os conceitos dos tributos.

O artigo 110 do Código Tributário Nacional dispõe que a lei tributária, para

definir ou limitar competências tributárias, não pode alterar definições, conteúdo e

alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados pela

Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do

Distrito Federal ou dos Municípios. Apesar dessa preocupação, não há no direito

privado a conceituação de termos mais gerais, como renda ou fortuna, que auxilie no

debate ora apresentado.

É perceptível, no entanto, que o legislador, ao utilizar o termo “grandes

fortunas”, não quis referir-se a qualquer aquisição de renda, mas sim aquilo que

ultrapasse em grande quantidade o mínimo necessário para a subsistência do ser

humano, excluindo-se a população de classe média e até mesmo aqueles que são

considerados “ricos”, visto que a grande fortuna deve ser entendida como valor bem

maior do que a simples riqueza. O termo “fortuna” já se refere a quantia maior que a

riqueza, de modo que o termo “grandes fortunas” refere-se a valor muito maior que a

simples riqueza, ainda maior que a fortuna.

Nesse contexto, Clovis Belbute Peres (2013, p. 35-36) traz interessante

análise sobre o cálculo do valor correspondente à grande fortuna. Segundo o seu

ponto de vista, poderíamos tomar como base a renda do brasileiro médio,

constatada por institutos de pesquisa. A partir desse valor, admitiria-se que este

brasileiro médio poupasse toda a sua renda por três gerações, aproximadamente

300 anos, mesmo sem levar em conta a correção monetária. O valor atingido

claramente deveria ser considerado como acumulação de riqueza, demonstrando

que se pode chegar a um valor correspondente a “grande fortuna” a partir de

informações simples de poupança e dispêndio intergeracional de uma pessoa.

Ainda na tentativa de definir tais valores, Sergio Ricardo Ferreira Mota

(2010, p. 192-197) demonstra que, apesar da dificuldade em determinar o que pode

ser considerado uma grande fortuna, mais fácil observar o que não se pode

considerar como tal. Esclarece que não pode ser entendido como uma fortuna a

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19

remuneração paga pelo Estado aos seus agentes públicos, sob pena de contrariar

os valores máximos defendidos em nossa Carta Magna.

Sendo assim, o subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, teto da

remuneração paga pelo Estado21, que a partir de janeiro de 2015 corresponderá ao

valor mensal de R$ 35.919,00 (trinta e cinco mil, novecentos e dezenove reais), não

pode ser considerada sequer uma fortuna, que dirá uma grande fortuna. Análises

como esta podem ser utilizadas pelo legislador quando da regulamentação do IGF e

definição do termo “grandes fortunas”.

Apesar de este ensaio não se propor a apresentar o valor exato a que deve

corresponder o termo “grande fortuna”, é possível, utilizando-se dos princípios e

valores seguidos pelo nosso ordenamento jurídico e encartados em nossa

Constituição Federal, definir os contornos do conceito de “grande fortuna”,

exprimindo a vontade do legislador quando da utilização do termo ora discutido, de

modo que, caso o Imposto Sobre Grandes Fortunas seja regulamentado no Brasil,

preveja um limite de isenção condizente com a realidade econômica observada

atualmente no país.

Surgiu, ainda, a discussão acerca da necessidade de lei complementar para

regulamentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil, tendo em vista que a

Constituição Federal prevê a competência da União para instituir impostos sobre

grandes fortunas, “nos termos de lei complementar”. Questionou-se na doutrina se a

lei complementar seria a única maneira de instituir o IGF, ou se seria necessária

apenas para estabelecer as diretrizes gerais do imposto, podendo o mesmo ser

criado por meio de lei ordinária.

Ainda existe atualmente divergência doutrinária quanto à existência ou não

de hierarquia entre lei ordinária e lei complementar. Machado (2012, p. 80-81)

entende que há um equívoco na doutrina dos tributaristas quando negam a

21

Constituição Federal de 1988, art. 37, inciso XI: “a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos”.

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20

existência de hierarquia entre lei complementar e lei ordinária e quando afirmam que

uma lei só pode ser considerada lei complementar quando se ocupa das matérias

que a Constituição especificamente reservou para tal22.

Em sentido oposto, Clovis Belbute Peres (2013, p. 56-57) defende que não é

mais aceita pela melhor doutrina a superioridade da lei complementar, pois se

houver lei complementar tratando de matérias que não foram reservadas para tal

pela Constituição Federal, a mesma será considerada materialmente ordinária,

podendo ser alterada por lei ordinária subsequente. Aponta o autor que, no caso do

IGF, a delineação do tributo deve ocorrer mediante lei complementar, porém se

nessa lei houver dispositivos que não estejam constitucionalmente reservados à lei

complementar, poderão ser alterados por lei ordinária.

A doutrina majoritária concorda que só é obrigatória a utilização de lei

complementar quando norma constitucional reclamar sua edição explicitamente.

Nossa Carta Magna estabelece, em seu art. 146, a necessidade de lei

complementar para criar normas gerais da legislação tributária, especialmente sobre

“definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos

discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de

cálculo e contribuintes”23.

Prevendo a norma constitucional a necessidade de lei complementar para

definição das diretrizes dos tributos, bem como determinando que o Imposto Sobre

Grandes Fortunas deve ser instituído “nos termos” de lei complementar – e não “por

meio” de lei complementar, entende-se mais correta a ideia de que não é obrigatória

a utilização de lei complementar para instituir propriamente o IGF, mas sim é

22

Hugo de Brito Machado (2012, p. 81) defende que a lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária e que “as leis ordinárias editadas antes do advento da atual Constituição Federal tratando de matérias que esta reservou à lei complementar continuam válidas e ganharam status de leis complementares, e só por lei complementar, portanto, podem ser alteradas ou revogadas”. Afirma que é o caso do Código Tributário Nacional. 23

CF/88, art. 146 – Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.

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21

necessário que exista uma lei complementar prévia delineando as características

gerais do tributo24.

Além dos questionamentos já apresentados, houve igualmente discussão

doutrinária quanto à possibilidade de as grandes fortunas serem tributadas através

do gênero contribuição. Tal debate iniciou-se quando da apresentação do Projeto de

Lei número 950/2011, de iniciativa do Deputado Aluízio, prevendo a criação de uma

Contribuição Social das Grandes Fortunas (CSGF), cuja arrecadação seria

integralmente destinada ao Fundo Nacional de Saúde, com o intuito de financiar

ações e serviços públicos relacionados à saúde.

As Contribuições Sociais possuem previsão na Constituição Federal, a qual

estabelece, em seu artigo 149, a competência exclusiva da União para instituir

contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das

categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas

respectivas áreas. São três espécies de contribuições sociais: contribuições de

intervenção no domínio econômico; contribuições de interesse de categorias

profissionais ou econômicas; e contribuições de seguridade social.

Da análise do dispositivo constitucional, observa-se que, quando se fala em

contribuição de intervenção no domínio econômico, deve existir uma vinculação

direta entre a contribuição e a finalidade para a qual foi instituída, ou seja, os

recursos arrecadados devem ser utilizados na atuação social da União que justificou

sua criação. Ainda, tem-se que deve ser evidente através da contribuição a atividade

interventiva do Estado.

Sobre as Contribuições Sociais de Intervenção no Domínio Econômico,

Machado (2012, p. 423-425) ensina que estas se caracterizam pela função

nitidamente extrafiscal, de modo que não pode ser considerado como tal um tributo

cuja finalidade predominante seja a arrecadação de recursos financeiros. Além

disso, explica que a intervenção deve corresponder a uma atividade excepcional e

temporária do Estado, com vistas a corrigir distorções em setores da economia.

Nesse sentido, não há como tributar fortunas através da criação de uma

contribuição social, pelo menos não da forma que foi prevista no Projeto de Lei

24

Nesse sentido, Carrazza (2013, p. 1098) defende que, no caso do Imposto sobre Grandes Fortunas, a lei complementar apenas irá definir as diretrizes básicas que nortearão a sua criação, como a definição do termo “grandes fortunas” e a forma de apuração da base de cálculo. Porém, não é necessária lei complementar para instituir o IGF e disciplinar seu lançamento, arrecadação e fiscalização.

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22

950/2011, visto que não se adequa aos requisitos necessários para ser considerada

uma contribuição de intervenção no domínio econômico, bem como não condiz com

as características das contribuições de interesse de categorias profissionais ou

econômicas e das contribuições de seguridade social, únicas espécies de

contribuição previstas em nossa Carta Magna25.

Outra preocupação recorrente quando da discussão sobre o IGF diz respeito

à sua base de cálculo. Conforme previsto na CF/88, o imposto deve incidir sobre as

grandes fortunas, mas se discute a necessidade de inclusão da renda, do

patrimônio, ou de ambos. Carvalho Jr. (2010, p. 11) explica que os impostos sobre a

riqueza costumam ser aplicados anualmente sobre a riqueza líquida do contribuinte,

incluindo patrimônio e renda, no que exceder a um determinado limite de isenção.

Expõe, ainda, que geralmente os residentes no país são tributados com

relação aos ativos presentes em todo o mundo, enquanto os não-residentes sofrem

tributação apenas sobre os ativos presentes no país, evitando uma possível

bitributação sobre estes. Em relação às alíquotas do Imposto sobre Grandes

Fortunas, defende que estas não podem ser muito altas, sob pena de caracterizar

um efeito confiscatório, proibido em nosso ordenamento jurídico.

Após uma análise mais detalhada quanto às principais características

discutidas doutrinariamente sobre o IGF, importa analisar algumas experiências de

outros países ao redor do mundo no que tange à tributação das grandes fortunas, de

modo a observar os benefícios e prejuízos que trouxeram para seus países,

econômica e socialmente, com o intuito de serem utilizados como exemplo para a

discussão da regulamentação deste imposto no Brasil.

3.2 Experiências internacionais

Não se pretende aqui realizar um verdadeiro estudo do direito comparado,

mas sim demonstrar a experiência de outros países com a tributação das grandes

fortunas e compará-las à realidade brasileira, de modo a servir de argumento para

25

Discute-se em nossa doutrina sobre a possibilidade de a União instituir contribuições que não estão entre as espécies especificadas no art. 149 da Constituição Federal. Apesar de existir doutrinadores favoráveis a essa permissão, como é o caso de Luís Eduardo Schoueri (2012, p. 209-210), concordamos com Hugo de Brito Machado (2012, p. 428-429) quando defende a impossibilidade de admitir uma nova espécie de contribuição, pois corresponderia a uma nova fonte de recursos fora do alcance de muitas das limitações constitucionais ao poder de tributar, prejudicando o sistema tributário nacional.

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23

auxiliar na discussão quanto aos benefícios e prejuízos da regulamentação do

Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil, a fim de chegar a uma conclusão

condizente com a realidade econômica e social do nosso país.

A base teórica utilizada para a presente análise do contexto internacional

consiste na obra de Sergio Ferreira Mota26, juntamente com a Nota Técnica27

elaborada por Pedro Humberto Bruno de Carvalho Jr.28 em 2011, além de outros

artigos e obras relativos ao Imposto Sobre Grandes Fortunas. Em sua pesquisa,

Carvalho Jr. (2011, p. 15) esclarece que:

Após análise de vasta bibliografia, tomou-se conhecimento de que todos os países da Europa Ocidental adotam ou já adotaram o Wealth Tax, com exceção da Bélgica, Portugal e Reino Unido. Na Europa, atualmente apenas a Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha possuem o imposto. A partir da década de 1990 ele foi abolido na Áustria (1994), Itália (1995), Dinamarca, Alemanha (1997), Islândia (2005), Finlândia (2006), Suécia (2007), Espanha (2008) e Grécia (2009). Devido à crise fiscal e financeira que assolou diversos países europeus a partir de 2009, ele foi reintroduzido de maneira provisória na Islândia (2010) e Espanha (2011). Na Ásia, têm-se conhecimento que o Japão o adotou por um curto período de tempo (1950-3), a Índia o possui desde a década de 1950 e há experiências no Paquistão e Indonésia. Na África do Sul houve um debate para sua implementação no período pós Apartheid. Na América Latina o imposto está em vigor na Colômbia, Argentina (desde 1972) e Uruguai (desde 1991), com grande crescimento recente da arrecadação nesses três países.

A maioria dos países que instituiu o imposto sobre fortunas, conforme expõe

Sergio Mota (2010, p. 69), utilizou-o de forma restritiva, incidente sobre o patrimônio

global e utilizando como base o patrimônio líquido, abatendo as despesas. Foram

utilizados também diversas denominações, como Impôt sur la fortune, na França;

Vermõgensteur, na Alemanha e Áustria; Vermogenbelasting, na Holanda; Wealth

Tax, na Inglaterra, Irlanda, Canadá e Estados Unidos; dentre outras nomenclaturas.

26

MOTA, Sergio Ricardo Ferreira. Imposto sobre grandes fortunas no Brasil: origens, especulações e arquétipo constitucional. São Paulo: Ed. MP, 2010. 27

CARVALHO JUNIOR, Pedro Humberto Bruno de. As discussões sobre a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas: a situação no Brasil e a experiência internacional. Nota Técnica – IPEA. Rio de Janeiro: 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadinte7.pdf>. Acesso em 25 set. 2014. 28

Pedro Humberto Bruno de Carvalho Jr. é Pesquisador e servidor público de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na Diretoria de Estudos Regionais, Urbanos e Ambientais (Dirur).

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24

Tratam-se de tributos assemelhados ao Imposto Sobre Grandes Fortunas,

porém incidentes normalmente apenas sobre as fortunas, com suas peculiaridades

de acordo com cada país onde foi regulamentado. Em alguns países do mundo as

fortunas continuam sendo tributadas até os dias atuais, em outros, extinguiram-se os

impostos incidentes sobre a fortuna em razão principalmente da baixa arrecadação

ou diante das dificuldades administrativas que acompanham esse tipo de tributação.

Na Espanha, inicialmente foi implementado de forma provisória o Impuesto

Extraordinario sobre el Patrimonio de las Personas Físicas, em 1977. Em 2004, com

a modificação da Lei 19/1991, o imposto foi reconfigurado e passou a se chamar

Impuesto sobre el patrimonio, de caráter permanente (MOTA, 2010, p. 75). Em

2008, no entanto, foi extinto e reintroduzido em 2011 de forma provisória. Apesar do

alto número de contribuintes, cerca de 900 mil, tal imposto possuía uma baixa

arrecadação29, justificada por Carvalho Junior (2011, p. 16) face ao número de

deduções e à ausência de uma boa estrutura de avaliação e fiscalização das

propriedades e ativos financeiros no país.

O imposto sobre a fortuna instituído na Alemanha também foi extinto, porém

o foi por motivos mais políticos do que arrecadatórios. O Vermögensteur foi

declarado inconstitucional pela Suprema Corte Alemã, em 1996, primeiramente em

razão da grande defasagem relativa à avaliação dos ativos, visto que os ativos

imobiliários eram avaliados pelo seu valor cadastral e os ativos financeiros eram

avaliados pelos valores de mercado. Em segundo lugar, porque a tributação direta

através do imposto de renda e do imposto sobre fortunas culminaria em casos de

tributação superior a 50% da renda familiar ou das pessoas jurídicas, situação

inconstitucional face à vedação ao confisco.

Mais um exemplo de país que teve seu imposto sobre fortunas abolido foi a

Suécia, no ano de 2007, no entanto, Carvalho Jr. (2011, p. 17) afirma que a sua

arrecadação auxiliou na significativa redução da desigualdade na concentração de

riquezas no país, sendo o baixo nível de desigualdade em 2007 o motivo ensejador

de sua extinção. Outros países como Finlândia, Dinamarca e Índia, também tiveram

seus impostos incidentes sobre a fortuna extintos, sem índices de arrecadação

significantes para os países.

29

Carvalho Junior (2011, p. 16) aponta que em 2002 “a arrecadação do Impuesto sobre el Patrimonio representou apenas 0,5% das receitas do governo”.

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25

Apesar dos exemplos de extinção do imposto sobre fortunas em alguns

países, existem também aqueles que atualmente ainda tributam as grandes

fortunas, os quais servirão de parâmetro comparativo com o Brasil, observando-se a

realidade econômica daqueles e o índice de arrecadação do imposto, a fim de

analisar a sua possível regulamentação em nosso país e as vantagens e

desvantagens que trariam para nossa economia.

O Impôt Solidarité sur la Fortune, nos moldes atuais, foi instituído na França

no ano de 198830 e é o modelo de imposto mais parecido com aquele previsto no art.

153, VI de nossa Carta Magna. Na França, assim como nos demais países, os

ativos do patrimônio previdenciário estão isentos da tributação. Igualmente isentos

estão os direitos autorais e artísticos, coleções, móveis e certos instrumentos de

trabalho. Suas alíquotas são progressivas e variam entre 0,55% a 1,8%, em um total

de seis alíquotas. A riqueza líquida tributada é aquela que exceda a 800 mil euros.

Interessante demonstrar que a França impõe que a soma dos valores pagos

a título de Impôt Solidarité sur la Fortune e Imposto de Renda não pode ser superior

a 50% da renda bruta do contribuinte, de modo a impedir o efeito confiscatório do

tributo. Carvalho Jr. (2011, p. 19) aponta que no período de 1992 a 2010 o número

de contribuintes deste imposto na França cresceu de 168 mil para 562 mil famílias e

a arrecadação cresceu de cerca de 1 bilhão de euros para 4,5 bilhões.

Sobre a tributação de grandes fortunas na França, Rogério Vidal Gandra da

Silva Martins e Soraya David Monteiro Locatelli (2011, p. 30) explicam que o Impôt

sur lês Grandes Fortunes (IGF), posteriormente revitalizado como Impôt de Solidarité

sur La Fortune (ISF), apesar de ainda existir na França, tem sido alvo de grandes

críticas, sob o argumento de que provoca a fuga de capitais e não alcança o caráter

redistributivo esperado. Segundo os autores, o próprio Partido Comunista Francês,

dez anos após a entrada em vigor do ISF, apresentou um projeto de lei na intenção

de remodelar o tributo, pois este não chegava a contribuir nem com a metade da

quantia destinada ao revenu minimum d’insertion.

Mais próximo ao Brasil, na América Latina, encontra-se exemplos de países

que mantêm a tributação das grandes fortunas. A Argentina instituiu um Imposto

30

No ano de 1981, foi instituído na França o Impôt sur les Grandes Fortunes, o qual abrangia a propriedade de pessoas físicas e jurídicas, mas em 1984 foi restrito somente ao patrimônio das pessoas físicas. No entanto, foi abolido em 1986 em razão da baixa arrecadação, visto que apenas 0,5% das famílias francesas pagavam o importo. Finalmente, o Impôt Solidarité sur la Fortune (ISF) foi reinstituído em 1988 nos moldes existentes atualmente. (CARVALHO JR., 2011, p. 19)

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26

Sobre Bens Pessoais em 1973, passando por algumas mudanças ao decorrer dos

anos31. Atualmente, o imposto é regulado pela Lei 23.966/1991, a qual prevê

alíquotas progressivas, entre 0,75% e 1,25%, e limite de isenção de 305 mil pesos

argentinos. A partir de 2003, a arrecadação desse imposto tem crescido a um taxa

média de 12,2% ao ano, estabilizando-se em 0,3% do PIB.

Pode-se vislumbrar, ainda, o caso do Uruguai, país que regulamentou o

Impuesto al Patrimonio em 1989, mantendo-o até os dias de hoje. Estabelece

alíquotas progressivas variáveis de 0,7% a 2,0% para residentes e de 1,5% para não

residentes, bem como uma faixa de isenção de 2,21 milhões de pesos uruguaios. A

arrecadação do imposto cresceu 3,7 bilhões em 1996 para 9 bilhões em 2010,

porém caiu de 624 milhões para 392 milhões no que tange à arrecadação apenas

sobre a tributação do patrimônio de pessoas físicas.

A Colômbia instituiu o Impuesto al Patrimonio no ano de 1986, tendo sido

extinto em 1991 e reintroduzido temporariamente em 2003, porém vem sendo

prorrogado no decorrer dos anos. Possui atualmente alíquotas de 2,4% ou 4,8%,

incidindo sobre o patrimônio líquido de pessoas físicas e jurídicas, no que exceder o

limite de 1,6 milhão e de 2,7 milhões de dólares, respectivamente.

Analisando as experiências internacionais com a tributação de grandes

fortunas, parte da doutrina aponta que os exemplos daqueles países que aboliram o

imposto sobre fortunas de seu ordenamento demonstram que o IGF não deve ser

regulamentado no Brasil, face à baixa arrecadação comparada ao alto custo

administrativo de avaliação das riquezas e cobrança do imposto, bem como em

razão do incentivo à transferência de capital para os denominados “paraísos fiscais”.

Corroborando com esse entendimento, Ives Gandra da Silva Martins32

afirmou estarem com a razão os países que não adotaram a tributação das grandes

fortunas, tendo em vista ser o IGF um imposto rejeitado no mundo. Explica que os

poucos países que o adotaram criaram tantas hipóteses de exclusão que este

deixou de ter qualquer relevância arrecadatória no decorrer dos anos. O autor

defende, ainda, que o volume de arrecadação do Imposto sobre Grandes Fortunas

31

Dentre as mudanças realizadas no Imposto Sobre Bens Pessoais Argentino, temos como principal a base de cálculo, que entre 1973 e 1989 era a riqueza líquida, mas a partir de 1991 passou a ser a riqueza bruta. Sobre a arrecadação, inicialmente o Imposto representava, em média, 4,5% das receitas entre 1977 e 1990, porém a partir de 1993, caiu para entre 1% e 2% das receitas. No entanto, pesquisas apontam que o montante arrecadado tem crescido em termos reais concomitantemente ao crescimento da arrecadação de outros impostos. (CARVALHO JUNIOR, 2011, p. 20-21) 32

Documento on-line, 2008, não paginado.

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27

não compensa o alto custo operacional de sua administração, fiscalização e

cobrança, bem como que é muito mais coerente e justo tributar a geração de

riquezas na sua circulação, seus rendimentos ou seus lucros.

Por outro lado, alguns doutrinadores acreditam que a realidade brasileira é

sim favorável à tributação das grandes fortunas, sob o argumento de que o nível de

desigualdade observado em nosso país é alarmante, ao mesmo tempo em que há

grande evolução tecnológica capaz de diminuir os custos de avaliação e

arrecadação do imposto, de modo que sua regulamentação traria benefícios ao

quadro econômico observado atualmente no Brasil.

Defende-se que o exemplo negativo de alguns países não é condicionante

para excluir a possibilidade de instituição do IGF no Brasil, visto que as realidades

econômicas são bem distintas, bem como porque o exemplo de países como a

França e Argentina, os quais mantêm a tributação de fortunas, demonstram a

possibilidade de este imposto trazer grandes benefícios para o país na busca pela

diminuição das desigualdades.

Nesse sentido posiciona-se Sergio Ricardo Ferreira Mota (2010, p. 136),

defendendo que a carga tributária brasileira não pode ser analisada levando-se em

consideração unicamente a sua comparação com a carga tributária de outros países

ao redor do mundo, pois cada país possui suas peculiaridades econômicas e

sociais, de modo que a realidade observada em nosso país é distinta da maioria dos

países que são utilizados como paradigma nos estudos sobre o tema ora discutido.

Afirma o autor que nessas pesquisas não são considerados os objetivos

fundamentais enumerados em nossa Constituição Federal, nem o processo histórico

pelo qual passou o Brasil, o qual teve como conseqüência uma alta concentração de

riquezas e enormes desigualdades sociais, realidade esta que demonstra um quadro

favorável à regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas no país. Sendo

assim, apesar de experiências internacionais negativas com a tributação das

fortunas, o doutrinador entende que estas não retiram a possibilidade de a instituição

do IGF obter êxito em nosso país.

Apesar de o Imposto Sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição

Federal de 1988, ainda não ter sido regulamentado no Brasil, alguns projetos de Lei

já foram apresentados perante nossa Câmara dos Deputados e nosso Senado

Federal, no entanto, nenhum obteve aprovação até o momento, mas demonstram a

expectativa do que pode ser adotado pelo legislador em nosso país. A seguir, será

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demonstrada uma análise dos projetos apresentados e as discussões que

repercutiram de suas criações.

3.3 Tentativas de implementação no Brasil

Vários foram os Projetos de Lei apresentados em nosso país na tentativa de

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas33. O primeiro projeto de

significante repercussão apresentado com o intuito de regulamentar o Imposto Sobre

Grandes Fortunas foi o Projeto de Lei Complementar (PLP) 162/1989, o qual previu

a criação do IGF, incidente sobre a riqueza líquida, tendo como faixa de isenção o

valor de até dois milhões de cruzeiros, moeda à época da apresentação do projeto,

o que atualmente corresponderia a aproximadamente R$ 11.000.000,00 (onze

milhões de reais). Estabeleceu alíquotas progressivas, variáveis de 0,3% a 1%.

Após ser aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, foi

enviado à Câmara dos Deputados e apensado ao Projeto de Lei Complementar

(PLP) 202/1989, juntamente com os projetos de números 108/89, 202/89, 208/89,

218/90 e 268/90. Na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação

apresentou parecer favorável à aprovação do projeto, concluindo pela

constitucionalidade e juridicidade da matéria.

No entanto, a sua aprovação ficou condicionada à também aprovação de

uma emenda estabelecendo o valor de um bilhão de cruzeiros como base de

incidência do imposto, ao invés dos dois milhões previstos no projeto original.

Defenderam os parlamentares que a proposta inicialmente apresentada recairia

sobre valor que não se enquadra no conceito de grande fortuna, caracterizando

efeito de confisco e bitributação.

Perante a Comissão de Finanças e Tributação, no entanto, o relator

Deputado Francisco Dornelles opinou pela rejeição do projeto de lei em discussão,

alegando que o Imposto sobre Grandes Fortunas é um imposto ultrapassado, que já

foi adotado e abandonado por diversos países do mundo, não existindo nenhum

país de peso que o manteve, nem mesmo algum que demonstrasse valores

consideráveis de arrecadação.

33

Os dados ora apresentados neste tópico foram retirados dos sites oficiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, disponíveis em: <www2.camara.leg.br> e <www.senado.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2014.

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29

O deputado defendeu, ainda, que deveria ocorrer a sua substituição por um

imposto de renda progressivo, o qual melhor representaria a capacidade financeira

das pessoas e alcançaria a justiça fiscal. Argumentou, ainda, que a incidência do

IGF sobre bens imobiliários é inconstitucional, pois a União não pode instituir um

imposto que tenha como base de cálculo o imposto municipal e o estadual,

consistindo uma bitributação.

Apresentadas novas emendas ao projeto, o mesmo foi rejeitado por maioria

na Comissão de Finanças e Tributação, no ano de 1999, em virtude principalmente

da baixa arrecadação do imposto, o alto custo administrativo demonstrado e seu

histórico de abolição em diversos países europeus. Apesar de vencidos, houve

votos, como o do Deputado José Pimentel, defendendo a aprovação do projeto em

virtude da capacidade desse imposto de diminuir a grande concentração de renda

existente em nosso país. Atualmente, o projeto encontra-se pendente de votação

perante a Câmara dos Deputados.

No ano de 2008, surgiram novos debates sobre a implementação do IGF em

nosso país, através da apresentação de novos projetos de Lei Complementar. O

Projeto de Lei Complementar (PLP) 277/2008, de iniciativa da Câmara dos

Deputados, através dos deputados Luciana Genro, Chico Alencar e Ivan Valente,

igualmente com o intuito de regulamentar o Imposto Sobre Grandes Fortunas no

Brasil, estabeleceu como limite de isenção o valor correspondente a R$

2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Previu como contribuintes do imposto “as pessoas físicas domiciliadas no

país, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior em relação ao

patrimônio que tenha no país”. Ainda, estabeleceu alíquotas progressivas, variáveis

de 1% a 5%, de acordo com o aumento da capacidade contributiva do contribuinte.

No artigo 8º, determinou que “haverá responsabilidade solidária pelo pagamento do

imposto sobre grandes fortunas, sempre que houver indícios de dissimulação do

verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o seu patrimônio ou a

sua apresentação sob valor inferior ao real”.

Na justificativa apresentada pelos deputados, defendeu-se a necessidade de

alteração do Projeto de Lei Complementar 162/89 apresentado pelo Senador

Fernando Henrique Cardoso, face à ausência de progressividade suficiente das

alíquotas, bem como diante da previsão de dedução do valor pago a título de IGF do

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30

pagamento do Imposto de Renda, vez que o objetivo deve ser aumentar a tributação

sobre as camadas mais ricas da população e não o contrário.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de

Cidadania, em junho de 2010. Perante a Comissão de Finanças e Tributação,

igualmente recebeu parecer favorável à sua aprovação, porém condicionada à

alteração de alguns artigos, resumidos no parecer da seguinte forma:

As alterações mais significativas dizem respeito: (i) à readequação, para menor, das alíquotas do imposto; (ii) à autorização para que o valor pago a título de IGF seja deduzido do Imposto sobre a Renda (IR); (iii) à dedutibilidade do IGF de outros impostos sobre patrimônio, incidentes sobre bens imóveis (ITR e IPTU) e sobre veículos automotores, aeronaves e embarcações (IPVA); e (iv) a mudança do seu aspecto temporal, vale dizer, o momento em que se considera ocorrido o fato gerador, para compatibilizá-lo com o do imposto sobre a renda, cuja incidência se verifica ao final do ano-calendário.

Apensado a este, encontra-se o Projeto de Lei Complementar 26/2011, de

iniciativa do Deputado Amauri Teixeira, trazendo como inovação a faixa de isenção

no valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). Em sua justificativa, defende a

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas por entender que diminuirá a

regressividade do sistema tributário, descentralizará mais recursos para os Estados

e Municípios e contribuirá para a redução da informalidade em razão da

desoneração da folha de pagamento das empresas, gerando mais emprego e

desenvolvimento para o país.

Igualmente apensado ao Projeto de Lei 277/2008, o Projeto de número

62/2011, apresentado pelo Deputado Cláudio Puty, prevê a incidência do Imposto

Sobre Grandes Fortunas apenas sobre o patrimônio que exceder o valor de R$

3.000.000,00 (três milhões de reais). Não inclui como contribuintes as pessoas

jurídicas, mas tão somente o espólio e as pessoas físicas residentes no Brasil e no

exterior, estas apenas em relação ao patrimônio que possuam no Brasil. Estabelece

alíquotas progressivas de 0,5% a 2,0%.

O artigo 9º do referido projeto estabelece que “o produto da arrecadação do

imposto sobre grandes fortunas, bem como o das transferências de que trata o art.

9º, será aplicado pela União, integralmente, na manutenção e no desenvolvimento

do ensino”. Em sua justificativa, o Deputado Cláudio Puty defende que tal vinculação

representa a institucionalização de uma nova fonte de financiamento para a

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31

educação, segmento que repercute significativa e positivamente no crescimento

econômico e na redução das desigualdades.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) número 128/2008, de iniciativa do

Senador Paulo Paim, previa a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas no

Brasil, incidente sobre o patrimônio de pessoa física ou espólio, incluídos aqui os

“bens e direitos, móveis, imóveis, fungíveis, consumíveis e semoventes”, situados no

Brasil ou no exterior, a serem declarados pelo seu valor venal. Estavam imunes,

dentre outros, os imóveis de residência e os bens guardados por cláusula de

inalienabilidade. Estabeleceu como limite de isenção o valor de R$ 10.000.000,00

(dez milhões de reais), a ser atualizado anualmente pelo índice oficial de inflação do

Governo, e alíquota fixa de 1%.

Ainda, existia a possibilidade de dedução dos valores pagos a título de

ITR34, IPTU35, IPVA36 e ITCMD37, desde que incidentes sobre bens constantes da

declaração utilizados na apuração da base de cálculo do imposto. Em sua

justificativa, o Senador Paulo Paim relaciona a necessidade de regulamentação do

IGF ao cumprimento de alguns dos objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil, previsto no art. 3º da CF, quais sejam o de “construir uma sociedade livre,

justa e solidária, bem como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais”.

O Senador argumentou que os impostos indiretos, incidentes sobre o

consumo, são injustos e regressivos, visto que a população de baixa renda acaba

por consumir proporcionalmente mais e, consequentemente, contribuir

proporcionalmente mais com incidências indiretas do que os indivíduos de renda

alta. Defende que a renda não consumida é acumulada sob a forma de patrimônio,

34

O Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) está previsto em nossa Constituição Federal, art. 153, VI. É um imposto de competência da União e possui como fato gerador “a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana no Município”, conforme estabelece o art. 29 do Código Tributário Nacional (CTN). 35

Previsto no art. 156, I, da Constituição Federal de 1988, o Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) é de competência dos municípios e, segundo determina o art. 32 do CTN, tem como fato gerador “a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município”. 36

O IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – é um imposto de competência dos Estados e está previsto em nossa Carta Magna no art. 155, III. Seu fato gerador é a propriedade de veículo automotor. 37

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é de competência dos Estados, conforme determina a Constituição Federal, em seu art. 155, I. Possui como fato gerador a transmissão da propriedade de quaisquer bens ou direitos por causa da morte ou doação, excluindo-se apenas a transmissão de bens por ato oneroso entre vivos.

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32

de modo que, ao incidir novos impostos sobre esse patrimônio, o sistema vai

compensar e corrigir a tributação sobre o consumo.

O projeto, no entanto, foi rejeitado pela Comissão de Assuntos Econômicos

do Senado em fevereiro de 2010, sob o argumento de que a “instituição do imposto

sobre grandes fortunas é um retrocesso e não atingirá as metas imaginadas”.

Defendeu-se que já houve a adoção do tributo em outros países, porém os

resultados não foram satisfatórios, em virtude das dificuldades administrativas e da

sua pequena arrecadação, o que demonstraria a necessidade de buscar a justiça

social por outros meios, como através do imposto de renda.

O Projeto de Lei do Senado (PLS) número 534 de 2011, de iniciativa do

Senador Antonio Carlos Valadares, regulamentou o Imposto Sobre Grandes

Fortunas da seguinte forma: previu como contribuintes as pessoas físicas de

naturalidade brasileira, em relação aos bens situados em qualquer país, e

estrangeiros, em relação aos bens localizados no Brasil, bem como o espólio.

Definiu como faixa de isenção o valor de R$ 2.500.000,00 (dois milhões e

quinhentos mil reais), com alíquotas progressivas que vão de 0,5% a 2,5% de

acordo com o valor do patrimônio. Este seria composto por todos os bens e direitos,

de qualquer natureza, situados no país ou no exterior, excluídos os bens guardados

por cláusula de inalienabilidade, o imóvel de residência do contribuinte, até o valor

de um milhão de reais, dentre outros. Igualmente prevê o abatimento das

importâncias pagas a título de ITR, IPTU, IPVA, ITBI e ITCMD, de modo a evitar a

chamada bitributação.

Interessante apontar que o artigo 10 do PLS 534/2011 estabelece que “o

Governo Federal assegurará que a destinação final dos recursos obtidos pela

cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas será feita, prioritariamente, a ações

na área de saúde”. Em sua justificativa, o Senador Antonio Carlos Valadares

defende que, além de assegurar a redistribuição de renda, os recursos arrecadados

com o IGF devem ser destinados prioritariamente a ações na área de saúde, visto

que o Brasil vive uma grande necessidade de recursos para financiar tal área. O

projeto encontra-se atualmente pendente de julgamento.

Fugindo do padrão dos projetos de lei acima discutidos, houve em 06 de

abril de 2011 a apresentação do Projeto de Lei número 950/2011, de iniciativa do

Deputado Aluízio, no qual previu a criação da Contribuição Social das Grandes

Fortunas (CSGF), determinando que o produto de sua arrecadação fosse

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33

integralmente depositado no Fundo Nacional de Saúde, destinando-se

exclusivamente ao financiamento de ações e serviços públicos de saúde.

Em sua justificativa, o deputado explicou que o projeto apresentado visava

adequar a intenção do legislador de 1988 às realidades social e orçamentária do

nosso século, como mecanismo para melhorar o financiamento da saúde pública.

Dessa forma, utilizando-se da vontade do legislador de tributar as grandes fortunas,

porém caracterizando-o como contribuição ao invés de imposto, haveria a

possibilidade de vincular sua arrecadação à garantia de recursos para a saúde, área

tão necessitada de investimentos em nosso país.

Com a apresentação deste projeto, iniciou-se uma discussão quanto à

possibilidade de o Imposto Sobre Grandes Fortunas ser instituído como uma

contribuição social ao invés de um imposto. Tal discussão foi apresentada

anteriormente neste trabalho, quando da análise dos aspectos controvertidos sobre

o IGF. O projeto número 950/2011, no entanto, foi devolvido ao Deputado Aluizio,

sob a justificativa de que seria impossível dar seguimento à proposição, pois “a

referida matéria deve ser regulada em lei complementar, conforme o disposto no art.

146, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição Federal”.

Analisados os projetos de lei apresentados em nosso país na tentativa de

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas, bem como observadas

algumas experiências internacionais com a tributação das fortunas e as

consequências que trouxeram para estes países, importante iniciar uma análise

mais detalhada sobre os aspectos positivos e negativos apontados pela doutrina

quanto à implementação do IGF no Brasil. Com a presente discussão, pretende-se

avaliar se a sua criação é realmente a melhor solução para diminuir a grande

desigualdade de renda existente em nosso país ou se existem alternativas mais

favoráveis à realidade econômica vivenciada pelos brasileiros.

3.4 Aspectos positivos e negativos de sua aplicação

Observados os fatos apresentados neste ensaio, percebe-se que ainda

existem grandes discussões envolvendo o Imposto Sobre Grandes Fortunas. Trata-

se de um imposto comumente apontado pelos estudiosos do Direito como solução

para os problemas de desigualdade de renda existentes em nosso país, porém

igualmente há aqueles que defendem a impossibilidade de regulamentação do IGF

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34

no Brasil, por trazer mais prejuízos do que benefícios para a realidade econômica

brasileira.

Aqueles que defendem a sua implementação, justificam-se principalmente

pela sua capacidade de efetivar uma melhor distribuição de renda em nosso país,

reduzindo as desigualdades e a excessiva concentração de renda, bem como

incentivando a utilização mais progressiva do capital. Utilizam-se dos exemplos dos

países que mantêm atualmente a tributação das grandes fortunas como

demonstração de que é possível ultrapassar as dificuldades administrativas deste

imposto e instituí-lo no Brasil.

Nesse sentido, defende Mota (2010, p. 164-165), ao afirmar que o Imposto

sobre Grandes Fortunas pode vir a representar um instrumento capaz de alcançar a

justiça tributária no Brasil, pois permitiria, em tese, uma justa tributação da carga

tributária entre os contribuintes brasileiros e uma maior distribuição de renda e

riquezas nacionais. Essas vantagens permitiram, também em tese, a redução das

alarmantes desigualdades sociais vislumbradas em nosso país e,

consequentemente, a pobreza existente em grande parte da população nacional.

Sobre o tema, Machado (2012, p. 355), um dos defensores da

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas no Brasil, afirma que as

dificuldades técnicas apontadas por alguns doutrinadores não são realmente

empecilhos para sua regulamentação, pois não impediram a instituição de outros

impostos que possuem os mesmo problemas. Defende que a razão para a inércia do

legislador em exercitar sua competência tributária é exclusivamente política, pois os

titulares de grandes fortunas ou estão investidos de poder, ou possuem grande

influência sobre aqueles que os detêm.

Entretanto, parece mais acertada a posição de que, apesar de realmente

existir pressão política contra a regulamentação do IGF, há diversas dificuldades

administrativas e práticas que podem justificar a impossibilidade de sua

implementação em nosso país. Inicialmente, é possível discorrer sobre as baixas

alíquotas adotadas para este imposto. Analisando o assunto, Carvalho Jr. (2011, p.

11-12) explica que se faz necessário adotar alíquotas baixas, por se tratar de um

imposto de tributação anual e recorrente sobre a propriedade, de modo que

alíquotas mais altas poderiam caracterizar efeito de confisco.

Conforme já discorrido, a Constituição Federal de 1988 veda a utilização de

tributo com efeito de confisco. A definição do que seria um efeito confiscatório é

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35

bastante complicada, porém cabe utilizar a razoabilidade para identificar quando o

tributo impõe ônus superior ao que o contribuinte deveria suportar. A alíquota do

Imposto Sobre Grandes Fortunas, portanto, em consonância com os princípios

constitucionais, não pode ser elevada demais ao ponto de ferir o direito à

propriedade do contribuinte. Principalmente porque o princípio da vedação do

confisco leva em consideração o conjunto dos tributos suportados pelo contribuinte,

não cada tributo individualmente.

Apesar de constitucional o imposto, possíveis leis que viessem a instituí-lo

poderiam ser consideradas inconstitucionais se as alíquotas previstas contrariassem

os princípios encartados em nossa Carta Magna. Nesse sentido, diante da

impossibilidade de estipular altas alíquotas para o IGF, este acaba por resultar em

uma baixa arrecadação. Trata-se de uma característica apontada pelos

doutrinadores contrários à instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas como um

dos principais motivos para excluí-lo do nosso ordenamento jurídico. Tal argumento

é fortalecido pelo fato de que, além da baixa arrecadação, a cobrança do IGF

demandaria altos custos administrativos, dificultando ainda mais a sua instituição.

Os altos custos administrativos apontados ao Imposto Sobre Grandes

Fortunas dizem respeito à dificuldade de avaliação dos ativos financeiros e não

financeiros, fundamental para constatar o valor total dos bens do contribuinte e

cobrar o imposto sobre o que exceder o limite de isenção. Essa dificuldade está

presente principalmente quando se trata de jóias de família, obras de arte, mobiliário

residencial, dentre outros bens de mais difícil avaliação. Além disso, faz-se

necessário identificar os reais proprietários ou usufrutuários das propriedades, o

que, segundo Carvalho Jr. (2011, p. 12-13), seria a principal causa do alto custo

administrativo do imposto.

Sendo assim, pode-se observar que a instituição do Imposto Sobre Grandes

Fortunas demandaria grandes custos de fiscalização e aferimento dos bens de

propriedade do contribuinte e dos valores devidos. No entendimento de Martins e

Locatelli (2011, p. 37), o custo de administração do IGF é muito elevado quando

comparado com a complexidade dos procedimentos exigidos para controlar os

valores devidos e com o baixo valor arrecado, o que pode ser considerado um dos

maiores problemas para sua implantação no Brasil.

Alguns doutrinadores, como Clovis Belbute Peres (2013, p. 60) afirmam que

quanto maior o número de alíquotas instituídas para o IGF, maior também o custo

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36

administrativo exigido, de modo que a adoção de menos alíquotas aliviaria o

problema relativo aos altos custos do imposto. No entanto, a adoção de poucas

alíquotas igualmente teria como conseqüência uma baixa progressividade do

imposto, o que comprometeria o principal propósito da tributação das grandes

fortunas: a promoção da justiça fiscal.

A progressividade das alíquotas dá-se quando as alíquotas do tributo

aumentam na medida em que aumenta a base de cálculo. A progressividade, em

matéria tributária, complementa e concretiza o princípio da capacidade contributiva,

auxiliando a busca pela justiça distributiva. Sendo assim, demonstra-se mais correto

o entendimento de que é necessária a adoção de alíquotas progressivas para o

Imposto sobre Grandes Fortunas, sob pena de este perder a sua essência de

distribuidor de renda. No entanto, tal constatação mantém a demonstração de que

serão altos os custos administrativos do IGF se regulamentado no Brasil.

A doutrina aponta como mais um problema do Imposto Sobre Grandes

Fortunas o fato de que a sua instituição em nosso ordenamento jurídico poderia

acarretar uma bitributação, em razão de incidir sobre fatos geradores já tributados

através de outros tributos. A bitributação pode ser definida como a cobrança de

tributos por dois entes de direito público distintos sobre o mesmo fato gerador e

mesmo sujeito passivo. Trata-se de uma prática vedada em nosso sistema tributário.

Sobre o assunto, Martins e Locatelli (2011, p. 35) defendem que já existe

tributação sobre praticamente todas as relações socioeconômicas no Brasil e, por

isso, o patrimônio sobre o qual incidiria o IGF já seria alvo de tributação por parte de

outros tributos, como o IPTU, ITR, ITCMD, IPI38, dentre outros exemplos, de modo

que o sistema adotado pelo legislador já onera de forma excessiva a riqueza. Não

haveria necessidade, portanto, da regulamentação do Imposto sobre Grandes

Fortunas em nosso país.

Aprofundando-se no tema, os autores mencionados demonstram sua ideia

analisando em concreto a tributação. Iniciam com a tributação na fonte de renda

declarada, etapa na qual o contribuinte recebe o valor auferido da fonte pagadora, já

descontado o valor relativo ao imposto sobre a renda. Desse valor recebido, dois

38

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) é de competência tributária da União, previsto em seu art. 153, IV, e possui como fato gerador “I – o seu desembaraço aduaneiro, quando de procedência estrangeira; II – a sua saída dos estabelecimentos a que se refere o parágrafo único do artigo 51; III – a sua arrematação, quando apreendido ou abandonado e levado a leilão”, conforme prevê o art. 46 do Código Tributário Nacional.

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37

são os destinos: ou ele será utilizado para consumir bens e serviços, ou será

convertido em poupança. Sobre o valor poupado incidirá o IOF39 nos casos de

aplicações financeiras de curto prazo, como também Imposto de Renda na fonte

sobre os rendimentos acumulados no período de aplicação.

No mesmo raciocínio, explicam que se o valor não for poupado, mas

utilizado para adquirir bens de consumo, parte desses valores será utilizado para o

pagamento de impostos indiretos, como o IPI e o ICMS40, além daqueles que já

estão embutidos no preço dos produtos, como o PIS41 e a COFINS42, dentre outros.

Além disso, não se poderia ignorar a tributação das relações que envolvem

transferência de bens patrimoniais, como a compra e venda, sobre a qual incide o

ITBI43, ou a doação, sobre a qual incide o ITCMD. Ainda, deveria ser incluída neste

cálculo a incidência de impostos diretos exigidos anualmente dos contribuintes,

como o IPTU, o ITR e o IPVA.

A doutrina aponta, ainda, a possibilidade de ocorrência de dupla tributação

referente aos contribuintes que possuem riqueza no exterior. Em seu estudo,

Carvalho Jr. (2011, p. 13-14) discorre que pode ocorrer dupla tributação no caso de

contribuintes cuja riqueza líquida existente no exterior já seja tributada, de modo que

haverá tributação tanto no exterior quanto no Brasil, visto que a maioria dos projetos

de lei apresentados para a instituição do IGF prevê como contribuintes as pessoas

39

O Imposto sobre Operações de crédito, câmbio e seguro e sobre operações relativas a títulos e valores imobiliários, mais conhecido como Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), é de competência privativa da União Federal, conforme determina o art. 153, V, de nossa Carta Magna. Possui como fato gerador, de acordo com a previsão do art. 63 do Código Tributário Nacional, “I - quanto às operações de crédito, a sua efetivação pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado; II - quanto às operações de câmbio, a sua efetivação pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocação à disposição do interessado em montante equivalente à moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta à disposição por este; III - quanto às operações de seguro, a sua efetivação pela emissão da apólice ou do documento equivalente, ou recebimento do prêmio, na forma da lei aplicável; IV - quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários, a emissão, transmissão, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicável”. 40

O ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços – de competência dos Estados, está previsto no art. 155, II, da CF/88. Seu fato gerador deve ser descrito na lei do Estado que o institui. 41

PIS – Programa de Integração Social, instituído pela Lei Complementar n. 07/70. 42

COFINS – Contribuição para financiamento da Seguridade Social, instituída pela Lei Complementar n. 70/91. 43

De competência tributária dos Municípios, o Imposto sobre a transmissão de bens imóveis e direitos a ele relativos (ITBI) está previsto em nossa Carta Magna no art. 156, II, e em nosso Código Tributário nos artigos 35 a 42. Possui como fato gerador: “I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II”

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físicas domiciliadas no exterior, no que tange aos bens que tenha no país, porém o

mesmo contribuinte poderá ter seu patrimônio tributado no país em que reside.

Para o autor, a solução seria a realização de tratados fiscais que impeçam

essa prática, porém muitos países podem não ter recursos para a negociação de

tratados nessa área. Seriam necessárias, portanto, algumas modificações na forma

de fiscalização e cobrança do imposto sobre esses contribuintes. Trata-se de mais

uma dificuldade prática relativa ao Imposto Sobre Grandes Fortunas que poderia

justificar a ausência de sua regulamentação em nosso país.

Interessa demonstrar os argumentos trazidos por alguns de nossos

parlamentares quando da votação dos projetos de lei apresentados por nossos

políticos na tentativa de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas no

Brasil. Perante a Comissão de Finanças e Tributação, quando da análise do Projeto

de Lei Complementar nº 162/1989, o Deputado Francisco Dornelles opinou pela sua

rejeição, afirmando que o Imposto sobre Grandes Fortunas é um imposto

ultrapassado e que a tributação das grandes fortunas está sendo retirada em todos

os países do mundo e substituída por um imposto de renda progressivo, o qual

representa verdadeira norma de justiça fiscal.

Em votação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, o projeto de

lei número 128/2008 foi rejeitado. Em seu voto, o relator senador Antonio Carlos

Júnior defende que, apesar de louvável a tentativa de instituição do IGF, este tributo

demanda atividades administrativas complexas e de êxito discutível, face à

existência de bens de fácil ocultação. Definiu o IGF como um tributo “caro demais

para a administração tributária” e afirmou que a justiça social buscada pelo projeto

poderia ser feita de maneira mais eficiente através do imposto de renda.

Analisando os aspectos positivos e negativos apresentados pela doutrina

acerca do Impostos sobre Grandes Fortunas, Ives Gandra da Silva Martins (2008)

defende que as vantagens deste imposto apresentadas pela doutrina são duvidosas.

Inicialmente, aponta que, apesar das alegações sobre a promoção de distribuição de

riquezas, tal afirmativa é atalhada pelo fato de que poucos países adotaram a

tributação das fortunas e, para aqueles que o fizeram, terminaram por abandoná-la

ou reduzi-la a nenhuma expressão.

O autor continua sua análise afirmando que a alegação de que a instituição

do IGF desencorajaria a acumulação de renda e induziria a aplicação de riqueza na

produção fere o princípio da igualdade, possibilitando que os grandes empresários

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estivessem a salvo da imposição. Alega, ainda, que aqueles que defendem o

aumento da arrecadação do Estado com a tributação das grandes fortunas não

levam em conta a possibilidade de sua regulamentação acelerar o processo

inflacionário por excesso de demanda.

Finalizando a sua defesa, o doutrinador aponta mais alguns aspectos

negativos da instituição do IGF no Brasil: o desestímulo da poupança, com efeitos

negativos sobre o desenvolvimento econômico; a baixa arrecadação, demonstrada

pelo fato de que a média de arrecadação nos país que o adotaram correspondeu

apenas de 1% a 2% do total dos tributos arrecadados; a complexidade do seu

controle, exigindo um considerável número de medidas para regulá-lo e fiscalizar

sua aplicação; e, finalmente, a possível fuga de capitais para países que não adotam

a tributação das grandes fortunas, que é a maioria no mundo.

Diante de todo o exposto, pode-se concluir que, apesar de o Imposto Sobre

Grandes Fortunas ser teoricamente favorável à distribuição de renda e à diminuição

da acumulação de riquezas, sua implementação no ordenamento jurídico brasileiro

apresenta diversas dificuldades práticas, as quais acarretarão maiores prejuízos do

que benefícios para o nosso sistema econômico. Sendo assim, ao invés de

regulamentar um novo imposto, faz-se mais razoável realizar algumas alterações no

Sistema Tributário Nacional, aprimorando algumas de suas características para nos

aproximar da equidade tributária. A seguir, demonstra-se a análise de algumas

possíveis modificações que nos auxiliariam na busca pela justiça fiscal.

4 ALTERNATIVAS À INCIDÊNCIA DO IGF NA BUSCA PELA JUSTIÇA FISCAL

Conforme exposto, é evidente a necessidade de reforma no Sistema

Tributário Brasileiro. No entanto, demonstrou-se que no momento não é a

regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas a melhor solução para o nosso

país, pois este imposto traz consigo diversas dificuldades técnicas e administrativas

que dificultariam sua aplicação. Além disso, mais importante do que instituir um novo

imposto em nosso ordenamento, é necessário corrigir os problemas que rodeiam os

tributos já incidentes sobre os contribuintes brasileiros, de modo que a carga

tributária brasileira esteja de acordo com os princípios e regras previstos em nossa

Magna Carta.

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40

Inicialmente, pode-se apontar como uma possível solução para a

desigualdade de renda no país a alteração de alguns aspectos do Imposto de Renda

(IR). Anteriormente foi demonstrada a grande vantagem de se tributar diretamente a

renda, visto que a tributação do consumo é regressiva e vêm atingindo muito mais

aqueles que não possuem muita capacidade contributiva, quando comparados com

os que possuem. No entanto, o Imposto de Renda cobrado em nosso ordenamento

jurídico necessita de algumas modificações, as quais irão auxiliar-nos na busca por

uma melhor distribuição de renda no país.

O Imposto de Renda está previsto em nossa Constituição Federal, em seu

artigo 153, inciso III, no qual prevê a competência da União44 para instituir impostos

sobre renda e proventos de qualquer natureza. O Código Tributário Nacional

estabelece como fato gerador deste imposto a aquisição da disponibilidade

econômica ou jurídica de renda45, assim entendido o produto do capital, do trabalho

ou da combinação de ambos; e de proventos de qualquer natureza, assim

entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda46.

Outras legislações ordinárias regulamentam o IR47.

O Imposto de Renda é uma das principais fontes da receita tributária da

União. Sua função é nitidamente fiscal, arrecadatória de recursos para o Estado. No

entanto, é igualmente um instrumento de intervenção do Poder Público no domínio

econômico e importante instrumento de redistribuição de renda, se aplicados

corretamente os princípios constitucionais. Determina o artigo 153, § 2º, da

Constituição Federal, que o Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza

44

Hugo de Brito Machado (2012, p. 319) aponta que a competência federal para instituir o Imposto de Renda justifica-se pelo fato de que só assim esse imposto poderá ser utilizado efetivamente como instrumento de redistribuição de renda, buscando manter o equilíbrio e o desenvolvimento econômico das diversas regiões. Além disso, poderiam ocorrer diversos problemas de dupla ou múltipla tributação se o IR fosse de competência dos Estados ou dos Municípios. 45

Aliomar Baleeiro (2000, p. 283) já explicava que, do ponto de vista jurídico-tributário, a existência de renda pressupõe uma fonte permanente, como a casa, a atividade física ou intelectual do indíviduo; o decurso de um período de tempo; o caráter periódico ou regular das utilidades; e a aplicação da atividade do titular na gestão da fonte. 46

Código Tributário Nacional, art. 43, I e II. 47

Dentre as Leis ordinárias que regulamentam o Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, estão as seguintes: Lei n. 8.166 de 1991, que dispõe sobre a não incidência do IR sobre lucros ou dividendos distribuídos a residentes ou domiciliados no exterior, doados a instituições sem fins lucrativos; Decreto n. 3.000 de 1999, que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda; e Lei n. 4.506 de 1964.

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deverá pautar-se nos critérios da generalidade, da universalidade e da

progressividade48.

Significa dizer que o Imposto de Renda deve incidir sobre todas as rendas

dos contribuintes, bem como deve alcançar a todos aqueles que realizarem o fato

gerador, independente de qualquer discriminação, salvo as hipóteses em que os

princípios constitucionais justificarem sua exclusão. Além disso, a progressividade

diz respeito ao aumento das alíquotas de acordo com o aumento da base de cálculo

do imposto, conforme já explicitado, estando esse princípio intrinsecamente ligado

aos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.

Caso tais princípios fossem devidamente cumpridos pelo Imposto de Renda,

este consistiria em um importante instrumento de redistribuição de renda e de justiça

fiscal, com a mesma capacidade que teoricamente teria o IGF de diminuir as

desigualdades sociais. No entanto, não é essa a realidade vislumbrada no país

atualmente. O baixo número de alíquotas e faixas de renda existentes para o IR

atualmente impedem a concretização dessa capacidade.

Inicialmente, o IR possuía alíquotas variáveis de 3% a 55%, através de 12

faixas aplicadas progressivamente. No entanto, a Lei nº 7.713 de 1988 alterou

consideravelmente a legislação ordinária, prevendo apenas duas alíquotas para o

IR. Atualmente, são previstas quatro alíquotas49 – 7,5%, 12,5%, 15% e 27,5%, bem

como o limite de isenção anual no valor de R$ 21.453,24 (vinte e um mil,

quatrocentos e cinqüenta e três reais e vinte e quatro centavos)50. Apesar de uma

grande evolução em comparação com a lei anterior, a atual estrutura do Imposto

sobre a renda ainda é insuficiente para atingir o caráter pessoal e a capacidade

contributiva de cada contribuinte.

O que ocorre é que, apesar das quatro faixas de renda e alíquotas previstas

demonstrarem uma progressividade, ela não é suficiente. Se cada faixa de renda for

muito extensa, dentro dela vai deixar de existir progressividade para existir

proporcionalidade, ou seja, contribuintes com diferentes rendas arcarão com

alíquotas iguais de IR, proporcionais à sua renda, o que significa dizer que aquele

48

Carrazza (2013, p. 88) defende que a progressividade deve ser aplicada a todos os impostos, de acordo com o que determina o art. 145, § 1º da CF/88, com exceção dos que são incompatíveis com a progressividade em razão de sua regra-matriz, de modo que possam ter caráter pessoal e ser graduados conforme a capacidade econômica dos contribuintes. 49

Parte da doutrina entende que devem ser consideradas cinco alíquotas para o Imposto de Renda atualmente, contando a faixa de isenção como alíquota de 0%. 50

Valor válido a partir do exercício de 2015, ano-calendário de 2014, de acordo com a Tabela aprovada pela Lei nº 11.482/2007, alterada pelo art. 1º da Lei nº 12.469/2011.

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que auferiu mais renda pagou uma quantia maior que o outro, porém na mesma

proporção. Nesse caso, não existe progressividade e não se está tributando de

acordo com o princípio da capacidade contributiva e com o critério pessoal51.

O aumento do número de alíquotas, portanto, será capaz de colocar em

prática os princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e

progressividade, possibilitando o alcance de uma justiça distributiva e a diminuição

das desigualdades sociais no Brasil52. Corroborando com o entendimento esposado,

Thiago Henrique Cavalcanti Uchôa (2009, p. 46-47) afirma que “o princípio da

capacidade contributiva é o mais importante meio para a concretização da justiça

fiscal”, pois impregna a tributação dos valores constitucionais mais importantes.

Defende o autor que a capacidade contributiva, atingindo a justiça fiscal,

traduz-se em uma verdadeira simbiose entre a justiça social e a justiça distributiva.

Isso ocorre porque consolida o dever de solidariedade social, possibilitando que o

Estado reverta os valores pagos, de acordo com a capacidade contributiva, para o

custeio de programas sociais aos mais necessitados, como também possibilita que o

Estado dê a cada contribuinte o tratamento tributário que lhe é devido, de acordo

com sua condição econômica.

Sobre as propostas de mudanças em nosso Sistema Tributário Nacional,

Maria e Luchiezi Jr. (2010, p. 183) afirmam que é necessário reorientar a tributação

brasileira para que incida prioritariamente sobre o patrimônio e a renda dos

contribuintes, devendo ser o Imposto de Rende o pilar do sistema tributário, em

razão de sua capacidade de garantir o caráter pessoal e a graduação de acordo com

a capacidade econômica do contribuinte. Para os autores, aplicando esse

entendimento será possível inverter a regressividade e efetivar a distribuição de

renda no país.

Não é a intenção deste trabalho discutir a fundo todas as peculiaridades

atinentes ao Imposto de Renda, visto que se trata de imposto de extrema

complexidade, característica esta fundamental até mesmo para efetivar o seu

caráter pessoal. Para tanto, seria necessário um estudo bastante detalhado,

passível de um novo trabalho unicamente para discuti-lo, visto que o foco deste

51

Aliomar Baleeiro (2000, p. 299) defende que “quanto mais pessoal o tributo, maior deverá ser a progressividade, a fim de que as incidências mais pesadas das alíquotas mais altas possam compensar o maior volume de deduções, que atendem às necessidades pessoais dos contribuintes”. 52

Ricardo Pires Calciolari (2007, p. 223) alerta, no entanto, que a mera progressividade não significa a adoção de justiça distributiva, pois é de extrema necessidade a participação e orientação orçamentária efetiva com o intuito de dirigir os gastos públicos com a finalidade de distribuir a renda.

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ensaio é apenas demonstrar que existe a possibilidade de melhorar o nosso sistema

tributário através de algumas mudanças nos tributos já existentes no ordenamento

jurídico brasileiro, adequando-os aos princípios encartados em nossa Carta Magna.

Além das alterações previstas para o Imposto de Renda, é de extrema

necessidade também que o Sistema Tributário Nacional priorize as tributações

diretas em decorrências das tributações indiretas. Isso porque, conforme defendido

diversas vezes, a tributação direta é muito mais eficiente na aplicação dos princípios

constitucionais da igualdade, capacidade contributiva, vedação ao efeito de confisco

e progressividade, essenciais à concretização dos ideais defendidos em nossa

Constituição Federal.

A tributação indireta, ao contrário, demonstra severa regressividade, pois

acaba por onerar mais o consumidor que não possui tanta capacidade econômica,

visto que estes arcam com a mesma quantidade de tributos daqueles que a

possuem. Sendo assim, os brasileiros mais necessitados comprometem parte

considerável de seus rendimentos com a tributação indireta, enquanto o mesmo

valor para os contribuintes de maior capacidade financeira não faz tanta diferença

em seus orçamentos53.

Sobre a tributação indireta, Luciano Amaro (2009, p. 148) discorre que esta

possui a “virtude” de vir disfarçada no preço dos bens adquiridos pelo contribuinte de

fato, o qual normalmente não percebe o pesado ônus tributário embutido no preço

pago. Dessa forma, os contribuintes acabam não sentindo o peso dos tributos

indiretos em seus orçamentos, porém eles geram um impacto negativo em nosso

sistema financeiro, impedindo a evolução do nosso país em termos de desigualdade

social e distribuição de renda.

As modificações aqui demonstradas são apenas exemplos de alterações

capazes de transformar o Sistema Tributário Nacional em um modelo mais justo e

eficiente, condizente com os princípios defendidos pela nossa República. No

entanto, diversas outras mudanças podem e devem ser refletidas pelos

doutrinadores do Direito, porém demandariam um estudo mais aprofundado de

53

Sobre a regressividade, Ingrid Zanella Andrade Campos, Karoline Lins Câmara Marinho e Mariana de Siqueira (2014, p. 12) defendem que “pode ser vista como a injusta inversão de valores em um determinado sistema tributário, em que a maior parcela dos encargos fiscais recai sobre aqueles que menos possuem capacidade econômica, deve ser coibida pelo próprio sistema através de outros tributos que possam ser capazes, por meio de sua função indutora, de corrigir as distorções provocadas por tal fenômeno que, diga-se de passagem, é extremamente violador da justiça fiscal”.

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44

nosso sistema, com o intuito de trazer mais soluções que auxiliem na Reforma

Tributária pretendida.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto, é possível perceber a importância da discussão acerca

da necessidade de uma reforma tributária em nosso ordenamento jurídico. A

crescente carga tributária cobrada no Brasil e as diversas características observadas

em nossos tributos contribuem para a manutenção da realidade econômica que

vivenciamos atualmente, marcada pelo elevado nível de desigualdade social e pela

evidente necessidade de uma melhor distribuição de renda em nosso país.

É consensual na doutrina a necessidade de uma reforma tributária, porém

não existe consenso sobre os contornos dessa reforma. Diversos são os

doutrinadores que apontam o Imposto sobre Grandes Fortunas como uma solução

para os problemas de desigualdade em nosso país, baseando-se no fato de que

este imposto acarretaria uma melhor distribuição de renda e, portanto, ajudar-nos-ia

a alcançar a tão sonhada justiça fiscal. Para tanto, utilizam a experiência de outros

países com a tributação das fortunas como exemplo de que a regulamentação do

IGF é possível e deve ser realizada no Brasil.

No entanto, não é essa a conclusão a que se chega através deste ensaio. A

regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas demanda inúmeras

dificuldades práticas, que vão desde a definição do termo “grandes fortunas” até o

seu alto custo administrativo, as quais demonstram que a sua instituição poderá

trazer mais prejuízos do que benefícios ao nosso país. A expectativa de distribuição

de renda deste imposto não é suficiente quando comparada aos aspectos negativos

que apresentaria diante de nossa realidade econômica.

Através de uma análise superficial da experiência de outros países com a

tributação das grandes fortunas, foi igualmente possível perceber a baixa

perspectiva de êxito da regulamentação do IGF no Brasil. A maioria dos países que

se aventurou na tributação de riquezas acabou por extinguir tais impostos de seus

ordenamentos jurídicos, seja pela baixa arrecadação, pelo alto custo administrativo

ou até mesmo por motivos políticos. Os poucos países que mantêm esse tipo de

tributação demonstram valores irrisórios de arrecadação.

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45

Dessa forma, apesar de utilizadas à guisa de exemplificação, as

experiências internacionais com a tributação das grandes fortunas serviram como

argumento para corroborar com as opiniões doutrinárias contrárias à sua

regulamentação no Brasil. Foram, inclusive, fonte de argumentação de diversos

doutrinadores quando da análise do Imposto sobre Grandes Fortunas, bem como

argumento da maioria de nossos parlamentares quando da rejeição dos projetos de

lei complementar apresentados por nossos Deputados e Senadores na tentativa de

regulamentação do imposto em nosso país.

Constatada a inviabilidade da regulamentação do Imposto sobre Grandes

Fortunas no Brasil, diante das dificuldades administrativas e da baixa arrecadação

teoricamente demonstradas, o presente trabalho buscou apresentar alternativas na

busca pela justiça fiscal, de acordo com a realidade econômica do nosso país. Isso

porque não basta apenas indicar os prejuízos que a instituição do IGF traria para o

Brasil, sem apresentar outras opções eficientes para o Sistema Tributário Nacional,

visto que a necessidade de uma reforma tributária em nosso ordenamento é

evidente e imperiosa.

Sendo assim, mais eficiente do que instituir um novo imposto no Sistema

Tributário Nacional seria modificar alguns aspectos dos tributos já cobrados em

nosso ordenamento jurídico, de modo a adequá-los aos princípios estabelecidos na

Constituição Federal brasileira, intentando alcançar uma carga tributária mais justa e

que nos leve a diminuir os níveis de desigualdade social no país. Nesse sentido,

apresentou-se inicialmente algumas mudanças que deveriam ser realizadas no

Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR), mais conhecido como

Imposto de Renda.

O IR possui plena capacidade de configurar um instrumento de diminuição

das desigualdades sociais e redistribuição de renda, porém não é o que se observa

atualmente em nosso ordenamento jurídico. No entanto, algumas características

podem e devem ser alteradas para que efetivamente esse imposto esteja de acordo

com os princípios constitucionais da igualdade, capacidade contributiva e

progressividade, de modo a aproximar-nos da justiça fiscal.

A principal alteração a ser realizada deve ser o aumento do número de

alíquotas e faixas de renda do Imposto sobre a renda e proventos de qualquer

natureza, tendo em vista que atualmente são previstas apenas cinco alíquotas: 0% -

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limite de isenção anual para valores até R$ 21.453,24 (vinte e um mil, quatrocentos

e cinqüenta e três reais e vinte e quatro centavos), 7,5%, 12,5%, 15% e 27,5%.

Com o aumento do número de alíquotas, seria possível aferir de modo mais

eficiente a capacidade contributiva dos contribuintes deste imposto, bem como seria

aplicada devidamente a progressividade, tributando de forma mais onerosa aqueles

que possuem maior capacidade financeira, em nome do princípio da solidariedade

defendido em nossa Constituição Federal.

Através das alterações expostas, o Imposto de Renda seria capaz de

concretizar os princípios tributários previstos constitucionalmente. Dessa forma, com

uma maior eficiência da tributação direta, o Sistema Tributário Nacional deveria

priorizá-la em face da tributação indireta. A diminuição da tributação sobre o

consumo é, portanto, mais uma dentre as alterações capazes de aproximar-nos da

justiça fiscal.

Dessa forma, observa-se claramente que existem várias características do

Sistema Tributário Nacional que precisam ser alteradas para que atinjamos a tão

sonhada justiça fiscal. As modificações aqui apontadas são apenas demonstrativos

de que, apesar de urgente a necessidade de uma Reforma Tributária em nosso

ordenamento jurídico, é possível realizar alterações que nos aproxime de um

sistema mais igualitário, bem como que não há necessidade de regulamentação de

um novo imposto, visto que os tributos existentes em nosso país representam carga

tributária suficiente e são capazes de efetivar os princípios constitucionais.

REFERÊNCIAS

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