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    Almeida Garrett(1799-1854)

    Quero contar-se a minha histria:vers nela o que vale um homem. Sabeque os no h melhores que eu; e tobons, poucos. Olha o que ser o resto!

    (Da carta de Carlos a Joaninha em Viagens na minha Terra, captulo XLIV)

    PORTUGUS

    VIAGENS NA MINHA TERRA

    AULAS ESPECIAISOBRAS DA FUVEST-2012

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  • 1. VIDA ALMEIDA GARRETT(Porto, 1799 Lisboa, 1854)

    Em 4 de fevereiro de 1799, na cidade do Porto, nasciaJoo Baptista da Silva Leito de Almeida que, mais tarde,adotaria o sobrenome Garrett (de acordo com o autor apronncia correta seria Garrette) de um ascendenteirlands do pai.

    Com a invaso francesa em Portugal, guerrasnapolenicas e a fuga da Famlia Real para o Brasil,Garrett e os pais se retiraram para Lisboa e de l para ailha Terceira nos Aores, onde o autor iniciou seus estudose acabou sendo encaminhado por um tio para a vidaeclesistica, o que lhe propiciou uma slida formaoverncula e filosfica.

    Em 1815, assinando com o pseudnimo rcade JosinoDuriense, Garrett elabora o primeiro poema seguindo omodelo camoniano, Afonseneida ou Fundao do ImprioLusitano, e abandona a batina seguindo para a Universi -dade de Coimbra, onde se matriculou aos dezessete anosde idade com o apoio dos pais.

    Adotando finalmente o nome Garrett, engajou-se emuma sociedade secreta revolucionria e liberal e, tambm,nas atividades teatrais, alm de causar escndalos com aescritura do poema Retrato de Vnus e com o casamentocom uma jovem de quinze anos de idade (oito anos amenos do que Garrett): Lusa Cndida Midosi. Logodepois, em uma queda do cavalo, o autor adquiriu umacicatriz na cabea que o obrigou a usar peruca pelo restoda vida. Por essa altura, j se engajava Garrett em favordos liberais portugueses.

    Ao receber o grau de doutor em Leis, Almeida Garrettencenou sua tragdia Cato, aludindo ao movimentorevolucionrio portugus, glosando o tema Liberdade emorte, ocasio em que comeou a desenvolver o projetode reformar o teatro em Portugal que se via carente degrandes peas de autoria genuinamente portuguesa. Noano seguinte ele publicou O Retrato de Vnus que seriaduramente atacado pela imprensa conservadora, quevinculava a obra ao epicurismo, ao desmo materialista eobscenidades, indo o poeta a julgamento e ganhando aabsolvio.

    Devido Contrarrevoluo Absolutista, conhecidacomo Vilafrancada, em 1823, Garrett fugiu para aInglaterra, voltou clandestinamente ptria, mas, sendodescoberto, foi deportado, deixando a esposa em Portugal.Nessa ocasio, Almeida Garrett se hospedou em casa deThomaz Haddley e se envolveu sentimentalmente com astrs filhas de seu hospedeiro (essas relaes assemelham-se s de Carlos, protagonista de Viagens na minha terra)at a esposa Lusa ir ter com o marido.

    Vivendo como correspondente na casa bancriaLafitte, o autor portugus escreveu Cames e Dona

    Branca, poemas considerados os introdutores dastendncias romnticas em Portugal e, mesmo em imensasdificuldades financeiras, Garrett tentou negociar seuretorno ptria em 1825.

    Finalmente, com a Carta Constitucional de D. PedroI (IV em Portugal), Garrett regressou terra natal sendoreadmitido no servio pblico e, assim, retomando suaatividade poltica. Em 1827, fundou o peridico O Cronista, sendo perseguido pela defesa Carta e a D. Pedro, fatos que levariam o jornal a ser fechado.

    Em 1828, quando D. Miguel dissolveu as CortesConstitucionais e restabeleceu o poder absolutista a partirde uma atmosfera de violncia e represso, Garrettentristeceu profundamente com a morte da filha e umnovo exlio para o autor, que voltou Inglaterra e fundouem 1831 o jornal poltico O precursor.

    Com a organizao de uma expedio militar contra ogoverno miguelista portugus, Almeida Garrett partiu paraa Frana juntamente com Alexandre Herculano, ocasioem que Garrett comeou a escrever o romance O arco deSantana, justamente durante o cerco da cidade do Porto ea derrota de D. Miguel em vora Monte, o que propor -cionou o retorno de diversos portugueses terra natal,inclusive Almeida Garrett, pobre e desempregado.

    Rapidamente nomeado para uma comisso de reformado ensino portugus, encarregado de negcios junto aogoverno da Blgica e Cnsul Geral de Portugal, no mesmopas em 1834, Almeida Garrett dedicou-se imensamente,nessa ocasio, leitura da obra de Goethe, Schiller eHelder e aos estudos intensos sobre a lngua e literaturaalems, sempre em meio a dificuldades financeiras.

    Em 1836, Garrett e Lusa terminaram o casamento emdecorrncia da traio clara da esposa, o que era de conhe -ci mento de muitos. No ano seguinte, Garrett foi eleitodeputado e passou a viver com Adelaide Deville Pastor.Empenhando-se nos problemas do teatro portugus, oautor leva cena Um auto de Gil Vicente no mesmo anoem que foi nomeado Cronista-Mor do Reino, cargo quefora de Ferno Lopes no sculo XV. Outras peas vieramlogo a seguir: D. Felipa de Vilhena, em 1840, O Alfagemede Santarm, em 1842 e Frei Lus de Sousa, em 1843.

    Almeida Garret acumulou, no entanto, uma srie dedissabores: a morte de mais dois filhos, o que lhe causouprofunda tristeza, amenizada apenas com o nascimento deMaria Adelaide em 1841; a vida pblica conturbada, quelhe ocasionou a demisso dos cargos os quais ocupava; eo falecimento da me e da jovem esposa de apenas vinteanos de idade.

    Em 1842, reeleito deputado e retomando a atividadeparlamentar interferiu na reforma do ensino portugus e,em busca de descanso, fez de 17 a 26 de julho uma viagema Santarm, recolhendo assunto e dados para uma srie deartigos intitulados Viagens na minha terra.

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  • Reintegrado ao cargo de Cronista-mor, o autorpublicou em dois volumes as Viagens na minha terra quehaviam ficado incompletas na edio da RevistaLisbonense, em 1846. O ltimo livro de Garrett, de temabrasileiro, Helena, no foi acabado devido ao agrava -mento de seu estado de sade, falecendo o romnticoportugus em 9 de dezembro de 1854.

    2. PANORAMA HISTRICO DA POCA1799 Nascimento de Almeida Garrett.

    Incio da regncia do prncipe D. Joo VI.1801 Guerra dos Laranjas em que Portugal

    invadido pela Espanha, aliada da Frana. 1803 Surge a locomotiva a vapor. 1804 A neutralidade de Portugal na guerra anglo-

    francesa reconhecida por Napoleo.1805 Morte de Manuel Maria Barbosa du Bocage. 1806 Bloqueio continental decretado por Napoleo.1807 Portugal intimado pela Frana a fechar os

    portos Inglaterra. Primeira invaso francesa comandada por Junot.

    1808 O comrcio do Brasil internacionalizado. Desembarque de tropas inglesas em Portugal. Insurreio contra os invasores franceses. Revoltas populares contra os franceses e

    interveno de tropas inglesas. Os franceses saem de Portugal depois da

    conveno de Sintra. Chegada da Famlia Real ao Brasil.

    1809 Primeiro Jornal dirio (Dirio Lisbonense). Garrett parte para a Ilha Terceira.

    1810 Terceira invaso francesa. Tratado comercial com os ingleses em que estes

    so beneficiados.1811 Retirada dos franceses depois da derrota.1812 Lojas manicas em Portugal.1814 Abdicao de Napoleo.

    Abertura do Congresso de Viena. Jornal Liberal O investigador portugus (Londres)

    1815 O Brasil passa a ser considerado um reino unidoa Portugal.

    Os 100 dias de Napoleo, derrota em Waterloo;exlio em Santa Helena.

    1816 Morte de D. Maria I, no Rio de Janeiro e inciodo reinado de D. Joo VI.

    Garrett ingressa na Universidade de Coimbra.1817 Conspirao anti-inglesa dirigida pelo general

    Gomes Freire, o qual foi executado depois de tersido descoberto.

    1819 Nascimento de D. Maria II. Triunfo do Liberalismo na Espanha.

    1820 Revoluo Liberal, iniciada no Porto em 24 deAgosto.

    Criao da Junta Provisional do GovernoSupremo do Reino em Lisboa.

    Eleies para as primeiras Cortes Constituintes. Incio da utilizao da mquina a vapor em

    Portugal. 1821 Abolio dos direitos feudais.

    Extino do Tribunal do Santo Ofcio. Criao do Banco de Lisboa . Regresso do Brasil de D. Joo VI. Abolida a censura prvia e regulamento da

    liberdade de imprensa em Portugal. 1822 Conclui-se a elaborao da primeira Constitui -

    o jurada por D. Joo VI. Independncia do Brasil.

    Garrett casa-se com Lusa Midosi.1823 Vila Francada, golpe de Estado que restabele -

    ceu o poder absoluto de D.Joo VI e ps fim vigncia da Constituio.

    Restaurao do Absolutismo. Exlio de Garrett na Inglaterra.

    1824 Abrliada, golpe de Estado falhado que leva D. Miguel ao exlio.

    Primeira Constituio Brasileira, outorgada porD. Pedro I do Brasil.

    Os Estados Unidos reconhecem a independnciado Brasil.

    1825 Portugal e Inglaterra reconhecem a independn -cia do Brasil.

    Garrett publica Cames.1826 Morte de D. Joo VI.

    D. Pedro IV aclamado rei. Carta Constitucional outorgada e jurada do

    Brasil. Abdicao de D. Pedro IV em favor de D. Maria

    da Glria (D. Maria II), sua filha. Contrato de matrimnio entre D. Miguel e D.

    Maria. Garrett publica D. Branca e regressa Portugal.

    1827 D. Pedro confia a regncia a D. Miguel. Agitao antiliberal.

    1828 D. Miguel regressa a Portugal como regente doreino e jura obedincia Carta Constitucional

    D. Miguel dissolve as Cortes e manda reuniroutras que o declaram monarca absoluto.

    Comeo das perseguies aos liberais, que soobrigados a fugir.

    1829 Liberais comeam a resistncia nos Aores. Segundo exlio de Garrett na Inglaterra. Reconhecimento de D. Miguel como rei.

    1830 A pea Hernani, de Victor Hugo, encenada naFrana, revolucionando o teatro.

    Morre Carlota Joaquina.1831 D. Pedro abdica do trono do Brasil e regressa

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  • Europa para preparar luta contra D. Miguel. Preparao na Inglaterra, com o auxlio de

    emigrados portugueses, de uma expedio aosAores, sob o comando de D. Pedro.

    1832 Comeo da Guerra Civil com o retorno dosLiberais emigrados e a ocupao do Porto.

    Publicao da segunda parte de Fausto deGoethe.

    1833 Lisboa tomada pelos liberais. Desembarque de D. Pedro na capital.

    1834 Conveno de vora Monte, que marca a der -rota dos partidrios de D. Miguel que renun cia.

    Garrett Cnsulgeral na Blgica. Extino das ordens religiosas e nacionalizao

    dos seus bens. Morte de D. Pedro IV (I no Brasil) e comeo do

    reinado efetivo de D. Maria II. Perseguies aos Absolutistas.

    1836 Revoluo de Setembro. Retorno terico Constituio de 1822 e

    abolio da Carta. Fundao do Conservatrio de Arte Dramtica.

    1837 Garrett deputado pela Ilha Terceira.1838 Nova Constituio.

    Primeira exposio industrial portuguesa. Funda-se a Sociedade de Artistas Lisbonenses.

    1839 Jornal Revoluo de Setembro.1840 Demisso de Garrett de cargos pblicos.1842 Almeida Garrett fez representar na inaugurao

    do Teatro Maria II a pea Alfageme de Santarm. Governo autoritrio de Costa Cabral. Restaurao da Carta Constitucional.

    1843 Publicao das obras Viagens na minha terra,Frei Lus de Sousa e Romanceiro.

    Alexandre Herculano publica o romance O Bobo.1844 Reforma no ensino.

    Revolta Setembrista em Torres Novas.1845 Morse inventa o telgrafo eltrico.

    Nasce Ea de Queirs.1846 Crise financeira.

    Fundao do banco de Portugal. Revolta da Maria da Fonte: queda de Costa Cabral. Incio do movimento da Patuleia. Guerra civil.

    1848 Criao da Associao Industrial Portuense. 1849 Regresso de Costa Cabral ao poder.1850 Limitaes liberdade de expresso.

    Protestos de intelectuais.1851 Golpe de Estado dirigido por Saldanha, que

    inicia a Regenerao. Queda do Cabralismo.

    1852 Criao do Ministrio das Obras Pblicas,Comrcio e Indstria.

    Silva Porto comea a efetuar exploraes emAngola.

    Garrett Ministro dos Negcios Estrangeiros erecebe o ttulo de Visconde.

    Promulgao do Ato Adicional Carta.1853 Morte de D. Maria II e regncia de D. Fernando,

    seu marido, durante a menoridade de D. Pedro Vde Portugal.

    1854 Guerra da Crimeia. Morte de Almeida Garrett.

    3. CARACTERSTICAS DO AUTOR

    Garrett foi uma das principais personagens naevoluo da literatura e teatro portugueses, propondo eexecutando uma sequncia de alteraes inovadoras. Oteatro nacional portugus, idealizado por Almeida Garrett,iniciou um processo de divrcio das tragdias que eramimportadas da Frana e da Itlia para serem encenadas emPortugal, atendendo, desse modo, a expectativa do pblicoportugus desejoso de uma literatura original e queconstrusse o sentido de ptria livre.

    Cames e D. Branca, marcos do incio do Romantis moem Portugal, so dois poemas de carter narrativo em queGarrett retrata o amor ptria e as lutas da reconquista,respectivamente; Um auto de Gil Vicente uma homena -gem de Garrett ao fundador do teatro portugus; Frei Lus deSousa, ambientado no sculo XVII, retoma situaes ligadas Batalha de Alccer-Quibir e o mito de D. Sebastio,atitude nacionalista tambm presente em Viagens naminha terra e O arco de Santana.

    A proposta da construo do Teatro Nacional de D. Maria I, a fundao do Conservatrio Dramtico e oempenho no fomento de uma produo dramtica de carternacional so algumas das iniciativas de Garrett que odestacam no esforo pela valorizao do teatro portu gus,uma tarefa de ampla projeo cultural diretamente associada Revoluo de Setembro na qual Garrett se envolvera.

    Almeida Garrett, tpico representante da revoluoliberal, foi pea atuante e dominante em todo processorevolucionrio, quer no sentido poltico, quer no literrio,chegando a retratar detalhadamente os costumes, ahistria, a religio e a cultura portuguesa.

    Educado na tradio clssica, Garrett foi um escritorregido pelo ecletismo artstico e pela habilidade dacombinao harmoniosa de elementos temticos e tcni -co-literrios que mesclam a tendncia clssica, na qual elefoi educado, e as novas propostas romnticas europeias.

    A frase impecavelmente trabalhada, o poder de conci -so e o ritmo padronizado so algumas das qualida desclssicas que Garrett desfila ao lado da variedade temticaque discute: literatura, filosofia, religio, arte, histria,poltica, arquitetura.

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  • Para a insero de tantos e variados assuntos, o autorvale-se de digresses constantes, ou seja, a livre associa -o de ideias que se desenvolve por um assunto ir origi -nan do outro, isto , a digresso caracteriza-se pelaestra t gia de os temas irem se desviando medida em quedespertam novos interesses a serem discutidos, sendo quetais divagaes envolvem, na obra de Garrett, questesmorais, cientficas, psicolgicas, artsticas, paisagsticase, principalmente, no romance Viagens na minha Terra,literrias e polticas.

    Almeida Garrett foi um liberal progressista vinculadoafetivamente tradio lusitana e essa postura antitticaperpassou por sua obra como fora de mudana polticafrente mentalidade passadista e frustrada politicamente,mas no renegando a beleza artstica e histrica dopassado portugus.

    4. VIAGENS NA MINHA TERRA

    Em seu livro Viagens na minha Terra Almeida Garrettentremeia vrias narrativas e reflexes que vo da preo -cupao jornalstica e histrica at a poltica e literria.

    O autor inicia explicando porque escreveu o livro,mencionando Xavier de Maistre e sua obra Viagem rodade meu quarto, afirmando que se este ltimo tivesseescrito seu livro em Portugal, certamente iria at aoquintal, numa aluso a que o pas de Garrett deveria servisto de forma mais extensa. Justificando a dimenso desua obra, afirma que de toda sua experincia e do que lhefor contado em sua viagem de Lisboa a Santarm resultarseu livro: De quanto vir e ouvir, de quanto eu pensar esentir se h-de fazer crnica.

    No barco em que viajava estavam presentes doisgrupos distintos: os homens do norte e os do sul a discutirquem era o mais forte. Durante o percurso, Garrett revelaque o verdadeiro motivo de ter escrito sobre uma viagemera mostrar a marcha do progresso social de Portugal. Aochegar costa, Lus Teixeira Sampaio oferece-lhe lugar emsua carroa at Azambuja onde ir acomodar-se em umalojamento deprecivel, mesmo sendo o primeiro lugar comar de conforto s margens do Nilo portugus (rio Tejo).

    Reflete, ento, acerca do materialismo e dos lucrosdos homens, do sofrimento para tornar-se rico, da Cinciaser tolice e orgulho dos nscios. Decidido em fazerreputao com o livro, Garrett parte discursa, ento, sobrea beleza e compara Dmades a Addison, propiciando umverdadeiro debate entre eles. O autor sonha acordado etem conscincia disto, tanto que aconselha os leitores asaltarem as pginas e a passarem ao captulo seguinte.

    Conversa, ento, com o leitor sobre o que escrever umdrama ou um romance dando-nos uma receita de romanceantes de partir para Santarm montado em uma mula:

    Trata-se de um romance, de um drama cuidas quevamos estudar a histria, a natureza, os monumentos, aspinturas, os sepulcros, os edifcios, as memrias dapoca? No seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nso somos. Desenhar caracteres e situaes do vivo danatureza, colori-los das cores verdadeiras da histria...isso trabalho difcil, longo, delicado, exige um estudo,um talento, e sobretudo tacto!... No senhor: a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico.

    Todo o drama e todo o romance precisa de:Uma ou duas damas, mais ou menos ingnuas.Um pai nobre ou ignbil.Dois ou trs filhos, de dezanove a trinta anos.Um criado velho.Um monstro, encarregado de fazer as maldades.Vrios tratantes, e algumas pessoas capazes para

    intermdios e centros.Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de

    Eug. Sue, de Vtor Hugo, e recorta a gente, de cada umdeles, as figuras que precisa, gruda-as sobre uma folha depapel da cor da moda, verde, pardo, azul como fazemas raparigas inglesas aos seus lbuns e scrapbooks; formacom elas os grupos e situaes que lhe parece; no importaque sejam mais ou menos dispara tados. Depois vai-se scrnicas, tiram-se uns poucos de nomes e de palavresvelhos; com os nomes crismam-se os figures, com ospalavres iluminam-se... (estilo de pintor pinta-monos). E aqui est como ns fazemos a nossa literatura original.

    E aqui est o precioso trabalho que eu agora perdi!(p. 22).

    Comentando sobre Os lusadas, verifica que omelhor desde a Divina comdia at Fausto e insuperveldesde que fora escrito. Passa pela charneca e lembra-se daltima revista do Imperador D. Pedro ao exrcito liberal,criticando as guerras que matam muitos e chegam a serinteis. Recorda-se, ento, de nio Manuel Figueiredo,escritor de treze volumes e peas teatrais que, se fossemum pouco mais detalhadas, seriam excelentes comdias.Porm, os ttulos so importantes, alis, segundo ele,alguns nem deveriam ter livro.

    Chegando a Santarm, o autor faz logo um passeio acavalo e descreve o vale. Nele encontra uma janela que oenfeitia e acredita ver um vulto l. Se fosse femininoseria um romance. Durante o desafio de rouxinis,imagina a personagem da janela num quadro romntico,linda mulher de olhos pretos, idealizados pelo poeta, masque, na verdade, eram verdes, sabendo disso pois umcompanheiro de viagem corrige a observao dele e passaa contar-lhe a histria da Menina dos rouxinis.

    Numa conversa com Yorick, personagem deSkakespeare, Garrett discorre sobre a paixo que move a

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    prpria existncia. Receia, por isso, iniciar a histria damenina dos rouxinis por no ter amado o suficiente,numa mistura de dilogos entre leitor, narrador e oscompanheiros de viagem. Decide-se por relatar apenas sleitoras uma viso que tivera h um ms:

    Em 1832, uma velhinha dobava o fio olhando firme -men te para o poente sem pestanejar. Repentinamente, omovimento uniforme das mos parou, pois a meada tinhase embaraado e ela chamou por Joaninha. A velhinha noenxergava. Joaninha, beijando repetidas vezes a velhinha,ajudou-a e trouxe-lhe fruta, po, queijo e vinho.

    A menina era gentil, bondosa, apenas os olhos eramverdes, mesmo assim, fascinantes. A av volta a dobar ofio e a menina chora, deixando cair-lhe uma lgrima namo da velha Francisca que lhe diz que tristeza para osvelhos. Frei Dinis aproxima-se e, de acordo com o autor,o frade indispensvel, pois poetisa a paisagem, alm detrazer notcias do outro neto de Francisca, um maldito quedeveria ser esquecido.

    O frei chamava-se Dinis de Atade e, depois de passarpela carreira das armas e das letras, abandonou tudo epartiu para Santarm, tornando-se, dois anos depois, FreiDinis da Cruz, homem austero que deixara todos os benspara D. Francisca que s tinha um neto e uma neta porfamlia: Joaninha, rf de pai e me, e Carlos, o neto que,para nascer, levou a me morte.

    Antes das mortes, Dinis frequentava constantementea casa de D. Francisca, depois, numa sexta-feira, os doisfecharam-se em casa, conversaram, durante horas, e avelha ficou a chorar a noite inteira, A partir da, Frei Dinispassou a visitar a casa de Francisca todas as sextas-feiras.

    Carlos era o neto maldito que estava no ltimo ano deCoimbra e era perseguido pelo frei. O rapaz voltou dauniversidade triste e melanclico e decidido a emigrar e,ao falar sobre a deciso ao Frei Dinis, Carlos foi proibidopelo frade de pensar e escolher seu caminho.

    Revoltado com a ptria, a casa da av, as ordens defrei Dinis numa casa que no era dele, contra D. Miguel esen do a favor dos liberais, dali h duas semanas, Carlos par - tiu para a Inglaterra e, meses depois, para a Ilha Terceira.

    Aps a partida do rapaz, Frei Dinis foi casa deFrancisca, conversaram longamente e, depois de passartrs dias a chorar no quarto, ficou completamente cega.Joaninha, ainda criana, depois desse dia, nunca maissorriu para o frei que envelheceu dez anos em um dia.

    A guerra era uma evidncia e Frei Dinis trazia notciasde Lisboa sobre os acontecimentos, a movimentaoliterria e, tambm, uma carta de Carlos Joaninha, que,ao l-la em voz alta, omitira alguns dados da av a qual,mesmo percebendo a fraude da leitura da neta, nada disse.

    Na retirada de 11 de outubro, as tropas aproximaram-se devido vitria dos Constitucionalistas e os feridos deguerra foram socorridos pelo frei, Joaninha e D. Francisca.

    Uma ocasio, Joaninha dormia sobre um banco, recostadasob a proteo de um rouxinol, que parou de cantar coma aproximao de um soldado, o qual tomou a mo damenina que, ao despertar, reconheceu-o: era Carlos.

    Enquanto conversavam, os soldados os cercaramsuspeitando deles e chegaram a ferir Carlos que elogiou aatitude dos combatentes. Joaninha, que escrevera umacarta a Carlos, informando-o da aflio da av sem ternotcias do neto querido, estava feliz em rever o primoque amava. Ao ler a carta, o rapaz lembrou-se ternamenteda prima e, simultaneamente, tambm da jura de amor quefizera Georgina, mulher rica e bela.

    Em seus pensamentos, o jovem Carlos supunha a avcriminosa juntamente com Frei Dinis e, ao reencontrarJoaninha ouviu dela a confisso de que tambm nogostava de Dinis, pois sabia que ele era pecador, e oculpado da cegueira da av que ele matava lentamente,afirmando que tudo era pecado e maldade.

    Carlos, ao ouvir Joaninha, franziu a testa e ela pediu-lhe que no o fizesse, pois, desse modo, ficava parecidocom o frei. Ao se despedirem, Joaninha revelou a Carlosque o amava unicamente, mesmo sabendo que ele estavapreso afetivamente a uma outra mulher, cheia de encantose riqueza.

    O autor vai visitar os Olivais, a Igreja de Santa Mariade Alcoova e o palcio de Afonso Henriques e, numareflexo sobre a formao de Santarm, relata a histria deSanta Iria:

    Na verso dos livros, Iria era uma freira de umconvento duplex e que despertara a paixo incontrolvelde Britaldo, filho do Conde Castinaldo, governador dasterras. O rapaz adoeceu por no ser correspondido e Iriatentou consol-lo, converter a paixo dele e, com umdiscurso de santa, colocou-lhe as mos sobre a cabea ecurou o mal do corpo.

    Um monge, Remgio, tambm apaixonado por Iria,jurou, ento, vingar-se por no a conquistar e, numaocasio propcia, deu-lhe uma bebida e Iria apareceudepois com sinais de maternidade. Britaldo, enfurecido,ao invs de esquec-la, reviveu sua paixo.

    Todas as noites, Iria costumava dirigir-se a uma lapaoculta para conversar com Deus e, uma ocasio, Britaldomandou um criado, Banan, mat-la. O homem, depois deassassin-la, despiu-lhe o hbito e jogou o corpo no rioque o levou at o lugar onde hoje h uma vila com o seunome, dando-lhe uma sepultura natural.

    Certo dia, o abade Clio saiu com todos at a ribeirade Santarm e benzeu as guas do rio que se abriramdeixando ver o sepulcro da Santa. Aberto o tmulo, virame tocaram-lhe o corpo, mas no o conseguiram tirar de l.Ao voltarem terra e as guas novamente se juntaram.

    Seis sculos depois, a rainha Isabel pediu, por meiode oraes, que a santa lhe aparecesse e foi atendida.

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    As guas se lhe abriram e o rei, acompanhado de vrioshomens, tentou abrir o tmulo, sem xito. Ento, mandouerguer sobre o lugar um padro que, apenas aps aconstruo, foi encoberto pelas guas. Trs sculos aps,a Cmara de Santarm mandou refazer o marco ecolocarem nele a imagem da santa.

    No entanto, h um outra verso da histria de SantaIria popularmente difundida nas cantigas: A santa estavaem casa e um cavaleiro desconhecido, que foi hospedadopor uma noite pelos pais dela, levantou-se durante a noite,sequestrou a jovem e levou-a at um descampado a fimde violent-la. Ela resistiu bravamente e ele a matou. Anosdepois, ele passava pelo mesmo lugar quando viu umaermida que lhe disseram ser a de Santa Iria que oamaldiou e ele pediu perdo.

    O narrador retoma a histria de Joaninha relembrandoo ponto de onde havia parado. Em meio a novos combates,Carlos partiu imediatamente para a luta e, ferido, foirecolhido ao Convento de So Francisco. Delirando, Carlosdisse Georgina, Georgina, I love you still (p. 156).Uma enfermeira chorando ouve e assiste ao delrio deCarlos: Era Georgina.

    Carlos despertou e suas mos se mantinham seguran -do um pedao de fita com uma medalha contendo fios decabelo de Georgina. Passadas algumas semanas, ela dissea Carlos que iria devolv-lo famlia, uma vez que ele jno mais a amava como antes. Na verdade, enquanto eleesteve doente, Georgina auxiliou e acalentou a dor deJoaninha e da av, confessando-se ao frei Dinis econfidenciando-lhe o amor que ela tinha por Carlos.

    Georgina, ao conversar com Carlos, falou-lhe que viano frei um homem bom, ao que Carlos protestou imedia -ta mente. Frei Dinis entrou no quarto do soldado e, pedin -do perdo ao jovem, revelou que o amava. Em meio asituao reveladora, Carlos perguntou-lhe quem assassina -ra seu pai, cegara sua av e cobrira sua famlia de infmia.Dinis, caindo de bruos no cho, consentiu seus erros epediu ao rapaz para mat-lo, pois no merecia viver.

    Nesse instante, Georgina pediu a Carlos que acudisseFrei Dinis e ele, num gesto de horror, negou-se. Erguidopela moa, o frei dirigiu-se ao rapaz chamando-o de MeuCarlos o qual caiu de joelhos aos ps do frei e todos seabraaram.

    Em meio a to fraternal cena, Dinis disse a Carlos queo jovem tambm deveria perdoar sua desgraada me, oque despertou novamente a ira do rapaz que o chamou defrei do demnio, merecedor de morrer pelas mos doprprio Carlos. Nesse instante, entrou pelo quarto a AvFrancisca que impediu a tragdia dizendo a Carlos queDinis era seu pai. Uma ferida no pescoo de Carlosreabriu, o sangue comeou a escorrer e Carlos perdeu ossentidos.

    Ao recobrar os sentidos, Carlos ouviu atentamente averdadeira histria contada pela av: Frei Dinis havia sidoamante da me de Carlos antes de ser frei e com ela tiveraum filho. Ao saber do adultrio da esposa, o suposto paide Carlos planejou junto com o cunhado, pai de Joaninha,assassinarem Dinis. No entanto, o frei, defendendo-se,acabou matando os dois sem saber quem eram, devido escurido, e jogando os corpos no rio. Apenas o frei edona Francisca sabiam do crime e, por causa dele, elaficara cega e Dinis amaldioando sua vida eternamente.Carlos beijou as mos da av e retirou-se, mandandonotcias suas apenas trs dias depois.

    O autor, j impaciente de estar em Santarm, desejavapartir. Antes, porm, soubera que Frei Dinis havia sado dacidade e que Joaninha e D. Francisca definhavam ser ternotcias de Carlos. Garrett, que se sentia bem por partir mastambm saudoso do passeio, deixou seus compa nhei ros deviagem irem frente para que ele pudesse vislumbrarsozinho a janela da menina dos rouxinis. Em frente a casa,sentada cadeira estava D. Francisca dobando o fio dameada e ao seu lado, o frei Dinis, magro como um cadver.

    Garrett chegou-se a eles e perguntou por Joaninha etristemente ouviu a notcia de que ela morrera. Receoso,questionou por Carlos e o frei perguntou-lhe se conheciaCarlos. Garrett convenceu o frade de que era um amigode Carlos e recebeu das mos de Dinis uma carta numpapel amarelo e manchado de lgrimas.

    Na carta, Carlos se dizia perdido e explicava quefugira de casa pois sabia de um crime e no podiacompactuar com ele nem viver olhando para frei Dinis. Aav, no entanto, era para ele cmplice e ele, Carlos, specado: fora para a Inglaterra e conhecera uma famliaelegante na qual havia trs filhas que o adoravam eensinaram-lhe muito. Carlos apaixonou-se pela segundafilha, Laura, uma mulher fascinante, que lhe pediu queno fosse mais sua casa. Jlia, irm mais velha e umanjo, comunicou a Carlos que Laura no podia am-lopois era prometida em casamento a um outro rapaz epartiria dali a trs meses para a ndia. No dia do enlace,Carlos recebeu uma carta de Laura dizendo: o nossoromance acabou, comea uma histria sria (p. 222).

    Em Shire, Carlos encontrou-se com Georgina, aterceira irm, por quem se apaixonara e, durante trsmeses, fora feliz como ele mesmo declarou: O meucorao estava em Shire, em Inglaterra, estava nandia, estava no vale de Santarm, pelo mundo empedaos repartido (p. 226).

    Certo dia, Carlos passou grade de um convento euma freira, chamada Solidade, assolou a tristeza delefazendo-o simpatizar ternamente com ela.

    Voltando a Portugal, Carlos descobriu que sua primaJoaninha sempre o amava, porm ele tem conscincia de

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    que a mulher que o amasse seria infeliz e, por isso, nodeveria amar a mais ningum, e seria feliz se morresse naguerra que, infelizmente, para ele, j havia acabado e eleteria de continuar vivendo. Talvez seu destino fosse setornar um homem poltico ou um agiota.

    Garrett entregou a carta a Frei Dinis que lhe perguntouse ele queria saber algo mais, pois, embora no o co -nheces se sentia que podia lhe dizer tudo. Garrett revela-secamarada de Carlos e que embora no o visse h anos; eletinha engordado, enriquecido e era Baro e talvez fossedeputado qualquer dia.

    Joaninha enlouquecera e morrera e Georgina tor naras -se abadessa de um convento que havia fundado naInglaterra. A av Francisca no ouvia, no falava e noreconhecia mais ningum desde que Joaninha morrera emseus braos e de Georgina.

    Frei Dinis voltou a rezar, a velha a dobar o fio e oautor foi embora parando no Cartaxo para dormir e sonharcom o frei, a velha e uma constelao de bares e coresdiversas. No outro dia, sem dinheiro, voltou para Lisboa.

    5. BREVE ANLISE CRTICA5.1. ENREDO

    Viagens na minha Terra mais que um simples relatojornalstico, dirio ntimo ou uma literatura de viagens emtorno de vrios problemas sociais de meados do sculo XIX.A obra apresenta um jogo de palavras, digresses, me -talin guagem em forma de crnica que chega a lembrar asinterferncias irnicas de Machado de Assis em sua obra,autor que, alis, recebeu grande influncia dos literatosportugueses.

    Garrett segue modelos ilustres como Xavier deMaistre, Viagem Roda de Meu Quarto (1794), LawrenceSterne, Viagem Sentimental (1768), alm de Chateaubriande Shakespeare.

    A obra est dividida em quarenta e nove captulosrelatando as peripcias ocorridas entre Lisboa e Santarme a divagao do viajante em torno do idlio entreJoaninha e Carlos. Os dez primeiros captulos descrevema viagem entre as duas cidades vistas pelo vapor, a cavaloe de carruagem, observando as divergncias, polticas,sociais e, at arquitetnicas.

    O mar no poderia estar ausente na narrativa, uma vezque tradicional elemento das artes da Pennsula Ibricae, logo nos primeiros momentos, por meio de uma disputarealizada entre os Homens do Norte e os dos Sul, durantea travessia do Tejo, ele surge como o mais poderoso eindestrutvel lusitano (comparado ao Rio Nilo), tema dadiscusso dos homens na barca.

    Numa reflexo sobre o materialismo, Garretpreocupa-se com a destruio da humanidade para a

    conquista de regalias frente a um mundo que reduz tudo acifras: Quantas almas preciso dar ao Diabo e quantoscorpos se tm de entregar no cemitrio para fazer um riconeste mundo; Cada homem rico, abastado, custa centode infelizes, de miserveis; A sociedade materialista;e a literatura que a expanso da sociedade, todaexcessivamente e absurdamente e despropositadamenteespiritualista! Sancho, rei de facto, Quixote rei de direito.

    Essa busca materialista faz com que o autor critiquetambm os lisboetas que viviam apenas o tringulo centralda capital, a rua do Ouro, Chiado e o Teatro de So Carlos,como se esse meio fosse suficiente para a totalidade daessncia humana; ... no prestais para mais nada ...ficarais a alfacinhas para sempre.

    Os ingleses tambm no escapam crtica feroz deGarrett que os v insensveis, distantes e de quem osportugueses no tm medo, pois o que faz do britnicohomem justamente o vinho portugus, o do porto e oMadeira, logo, a dependncia dos ingleses em relaoaos portugueses e no o inverso: ... o ingls no cantaseno quando bebe ... alis quando est bebido (p. 35).

    H momentos de profundo lirismo como, por exem -plo, quando tenta diferenciar o trabalho do poeta e o dofilsofo. O privilgio estaria em o poeta ser namoradodurante toda a existncia enquanto o filsofo noconsegue ser salvo Aristteles que, j velho, apaixonara-se. Garrett, declarando-se mais poeta do que filsofo,afirma que a imaginao domina e no o sentimento, tantoque Byron, Schiller, Cames, Tasso morreram justamen -te por amor, enquanto Homero, Goethe, Sfocles, Voltaireviveram pela imaginao que no depende de vida:Imaginar sonhar, dorme e repousa a vida no entanto;sentir viver ativamente, cansa-a e consome-a ... (p. 140).

    A descrena nos frades vai se fortalecentdo ao longoda narrativa (prenncio Realista), chegando a declarar queeles de nada serviam a no ser do ponto de vista artstico,sendo indispensveis, principalmente na paisagemcampestre, justamente a do livro Viagens na minha Terra.Garrett afirma que se contasse todos os freis da literatura,certamente daria um convento lotado.

    A poesia uma constante na obra. Carlos, por exemplo,chega a deixar alguns versos sobre seu sentimentoamoroso, porm eles no foram escritos, lidos oudeclamados para o autor do livro, na verdade a soldadono poria em palavras os pensamentos poticos, pois nocondizia com sua figura, o autor que tirara umafotografia mental do poeta e flagrara tais versos.

    O bem e o mal, o profano e o sagrado so tematizadosno livro por meio de referncias a obras que discutemtambm a dualidade do ser humano. Atravs de D. Quixote,analisa os dois princpios do mundo que andam juntos eprogridem sempre, o espirirutalismo e o materialismorepresentados no Cavaleiro da Mancha e Sancho Pana. Em

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    outro instante, lana-se anlise de Fausto e o pacto com odemnio e, chegando a ter medo de brincar com o profano,volta-se para o sculo das Trevas e ope-se ao das Luzes ealudindo ao transreal, encerra parcialmente com as bruxasque surgem a Banquo em Macbeth.

    Sem dvida alguma a maior envergadura do autor sed por meio da metalinguagem que o triunfo constante -mente empregado para garantir a permanncia da atenodo leitor e aludir importncia deste no transcorrer danarrativa, fazendo-o participar da obra e, at, conversarcom o prprio autor e vice-versa, aliado sempre irnia eao sarcasmo contundente: A minha opinio sincera econscienciosa que o leitor deve saltar estas folhas, epassar ao captulo seguinte, que outra casta decaptulo (p. 20); Sabers, pois, leitor, como ns outrosfazemos o que te fazemos ler (p. 22). Cuidas que vamosestudar a histria, a natureza, os monumentos, aspinturas, os sepulcros, os edifcios da poca? No sejapateta, senhor leitor, nem cuide que ns o somos (p. 22);Ainda assim, belas e amveis leitoras, entendemo-nos: oque eu vou contar no um romance, no tem aventurasenredadas, peripcias, situaes e incidentes raros; umahistria simples e singela, sinceramente contada e sempretenso. (p. 49)

    Outro recurso excepcionalmente bem talhado porGarrett em Viagens na minha Terra a mistura propositalentre personagem/autor/narrador; tornando-se, por vezes,difcil a distino entre eles, fazendo com que os destinose experincias dos trs elementos da narrativa mesclemseus componentes a fim de transformar o leitor no quartoelemento e nico capaz de costurar toda a narrativa, almde participar dela indiretamente e ser alvo de comentriosirnicos e crticos do narrador.

    Desse modo, o livro Viagens na minha Terra apre -sen ta diferentes nveis narrativos: o narrador, o com pa -nheiro de viagem e Carlos. A proposta narrativa a daviagem propriamente dita em que o narrador estabelece olimite inicial de um tempo que durar de segunda asbado, perodo do decurso da viagem, repleto deinciden tes, discusses, e outras personagens viajantessendo que uma delas, ao passarem por Santarm satisfaza curiosidade do narrador, relatando a histria da Meninados Rouxinis. No final do romance, o narrador passapelo Vale de Santarm e l uma carta em tom autobio -grfico que Carlos escrevera a Joaninha e que ser oeplogo da novela da Menina dos Rouxinis. Surgeento um narrador epistolar. Eis os trs narradores: onarrador propriamente dito, o companheiro de viagem eCarlos (em dois planos narrativos: o da viagem e o danovela).

    5.2. PERSONAGENS

    1. CARLOSInicialmente a personagem aparece de maneira discre -

    ta e misteriosa despertando a curiosidade do leitor o qualmanter a leitura at elucidar os segredos que envolvemCarlos.

    De olhos pardos e no muito grandes, mas de umaluz e viveza imensa (p. 98) Carlos simboliza o liberalis -mo vitorioso e, recompondo-se do transe amoroso, tomarumo trajetrio de homem pblico. Personagem instvel,ele divide-se entre o chamamento do amor e a fidelidade causa social.

    Por um lado, o percurso de desencantos amorososcom Jlia, Laura, Georgina, Soledade e Joaninha e, poroutro lado, a atrao pela causa social que se resolve navitria do Liberalismo, mas Carlos acaba se degradando e,contaminado pelos males sociais, cede ao materialismo:Quando calado e srio, aquela fisionomia podia-se dizerdura; a mais pequena animao, o mais leve sorriso afazia alegre e prazenteira, porque a mobilidade e agravidade eram os dois plos desse carter pouco vulgare dificilmente bem entendido. (p. 98)

    Carlos vive uma trajetria semelhante de AlmeidaGarrett, viajando, emigrando, envolvendo-se em questespolticas e problemas amorosos intensos, identificando-setambm com os excessos do Romantismo e; ao mesmotempo, desvirtuando-se deles em meio a reflexes edivagaes que o fazem ver fadas e duendes como ocorreem Macbeth de Shakespeare.

    2. JOANINHAMenina de dezesseis anos que no era bela, era gentil,

    elegante e desembaraada, pois a natureza a fizeraeducada e equilibrada por si s. Nela, os vcios sociaisinexistem e a pureza original caracteriza seu perfil: Masnesta foi a natureza que fez tudo, ou quase tudo, e aeducao nada ou quase nada. (p. 56)

    Ar de melanclico saudosismo, seus olhos verdesassociados natureza e, indicando a ligao vital deJoaninha ela surpreendem o narrador que os consideramem discordncia com a harmonia romntica de seremcastanhos: Os olhos porm singular capricho danature za, que no meio de toda esta harmonia quis lanaruma nota de admirvel discordncia! (...) Os olhos deJoaninha eram verdes ... no daquele verde mau edestingido que no seno azul imperfeito, no; eramverdes-verdes, puros e brilhantes como esmeraldas domais subido quilate. (p. 58)

    Carlos chega a confrontar os olhos de Joaninha comos olhos azuis de Georgina e os negros de Soledade: Osde Georgina dizem Amo-te, sou tua; os de Soledade,

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    Ama-me, que s meu! (p. 13) e os de Joaninha; so umlivro imenso, escritos em caracteres mveis, cujascombinaes infinitas excedem a minha compreenso. Que querem dizer os teus olhos, Joaninha? que lnguafalam eles? (p. 113)

    3. FREI DINISDinis de Atade seguira a carreira das armas e depois

    a magistratura, mas abandonou tudo e, partindo paraSantarm, torna-se frei Diniz de Cruz, homem austero,rgido e teimoso, defensor da monarquia e esperanoso deoutra vida, j que a da terra era miservel.

    O narrador sequencia uma srie de interrogaessobre frei Dinis, criando, desse modo, mistrio quedespertam a curiosidade do leitor: o que o levou vidamonstica? Por que abandonou carreira e dinheiro? Quala razo de sua viso agourenta e desgraada? Por que fazvisitas D. Francisca e Joaninha s sextas-feiras?

    tica e psicologicamente, frei Dinis um homem deprincpios rgidos: O despotismo, detestava-o comonenhum liberal capaz de o aborrecer; mas as teoriasfilosficas dos liberais, escarnecia-as como absurdas,rejeitava-as como perversoras de toda ideia s, de todo osentimento justo, de toda a bondade praticvel. Para ohomem em qualquer estado, para a sociedade emqualquer forma, no havia mais leis que as do declogo,nem se precisavam mais constituies que o Evangelho:dizia ele. Refora-las suprfluo, melhor-las impossvel,desviar delas, monstruoso. Desde o mais alto da perfeioevanglica, que o estado monstico, h regras paratodos ali, e no falta seno observ-las. (p. 73)

    Frei Dinis representa o mundo velho, um frade doAntigo Regime em conflito com um hovem liberal(Carlos): Duvidar o nico princpio, enriquecer onico objetivo de toda essa gente. Liberais e realistas,nenhum tem f: os liberais ainda tm esperana; no lheh de durar muito. Deixem-nos vencer e vero (p. 69).

    4. D. FRANCISCAD. Francisca era uma velha solitria, infeliz, cega, que

    renunciou vida material e tornou-se uma mulher tementea Deus e manipulada por Frei Dinis.

    5. GEORGINAGeorgina era uma generosa moa que se compadeceu

    do sofrimento de Carlos e por ele acabou se apaixonando.No entanto, ela percebeu que, mesmo se sacrificando aoextremo, no conseguiria o amor dele e, por isso,recolheu-se ao convento e tornou-se abadessa.

    6. SANTA IRIA/IRENESanta Iria era uma freira de um convento duplo que se

    dedicou vida espiritual e transcendente. Dela se originouo nome da cidade de Santarm.

    7. BRITALDOBritaldo, filho do governador, nutria um amor

    incontrolvel por Iria. Ele pode ser relacionado ao amorsentimental de Carlos, puro e obsessivo em relao a umaou vrias mulheres.

    5.3 ESPAO E TEMPO

    A primeira localizao espacial a que o autor se refereno livro o seu prprio quarto, em meio a constantesdigresses do narrador: Que viaje roda do seu quartoquem est beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que quase to frio como Sampetersburgo entende-se. Mascom este clima, com este ar que Deus nos deu, onde alaranjeira cresce na horta, e o mato de murta, o prprioXavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia ato quintal. (p.3).

    Encontrando-se em Lisboa, transferindo-se lenta -mente at alcanar seu destino, o narrador refere-se avrias outras cidades que encontra pelo caminho, atchegar Santarm e a compar-la Pompeia e Nnive.

    Os locais santos referidos na obra representamdistintamente a natureza saudvel, alegre e refrescante daqual o homem de vida social necessita (a charneca e o Valede Santarm), e a urbanizao repleta de tradio e deelementos histricos (Santarm). No primeiro, a purificaodo homem se conquista graas beleza, simplicidade eharmonia do Vale: A majestade sombria e solene de umbosque antigo e copado, o silncio e escuri do de suasmoitas mais fechadas, o abrigo solitrio de suas clareiras,tudo grandioso, sublime, inspirador de elevadospensamentos. Medita-se ali por fora; isola-se a alma dossentidos pelo suave adormecimento em que eles caem... eDeus, a eternidade as primitivas e inatas ideias dohomem ficam nicas no seu pensamen to. (p. 38)

    J Santarm um espao urbano que completa e,simultaneamente, desilude o narrador, uma vez que ariqueza da memria do passado contrasta com a runagalopante: Santarm um livro de pedra em que a maisinteressante e mais potica parte das nossas crnicas estescrita. Rico de iluminuras, de recortados, de flores, deimagens, de arabescos e arrendados primorosos, o livroera o mais belo e o mais precioso de Portugal (...) As runasdo tempo so tristes mas belas, as que as revolu es trazemficam marcadas com o cunho solene da histria. Mas asbrutas degradaes e as mais brutas reparaes daignorncia, os mesquinhos consertos da arte parasita,esses profanam, tiram todo o prestgio (p. 141).

    Ressalte-se que o elemento ednico do Vale deSantarm projeta-se na personagem Joaninha, integrada epertencente esse meio e smbolo do espao puro daNatureza: E uns e outros respeitavam e adoravam amenina dos rouxinis. Entre uns e outros por tcitaconveno parecia estipulado que aquela suave e

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    anglica figura pudesse andar livremente no meio dasarmas inimigas, como a pomba domstica e vlida a quenenhum caador se lembra de mirar (p. 94).

    A narrativa da Menina dos Rouxinis que se passa porvolta de 1832 e transcorre em meio guerra civilportuguesa, passa-se na regio de Santarm, uma cidadesituada margem direita do Rio Tejo que foi mandadaedificar por Abidis, rei da Espanha em 1100 a. C., sendopor ele denominada Esca-Abidis e seus habitantes athoje conhecidos como escalabitanos. Fundada por voltade 100 a. C, passou pelos domnios romano PraesidiuJulium e Scalabiscatrum, visigtico Santa Irene,muulmano Xantarim, leons e portugus Santarm.Santarm foi conquistada por D. Afonso Henriques(primeiro rei de Portugal) em 1147, tendo se tornado maistarde a residncia da Corte e o lugar predileto dostrovadores. D. Dinis chamou-lhe Paraso de Portugal eFerno Lopes caracterizou-a como uma das grandes vilasque h no reino.

    BIBLIOGRAFIA:

    GARRETT, Almeida. Viagens na minha Terra. BibliotecaDigital Coleo CLSSICOS DA LITERATURAPORTUGUESA. Porto: Porto Editora.

    DIAS, Augusto da Costa. Estiltica e Dialctica. Viagensna Minha Terra. Organizao, fixao do texto, prefcioe notas de Augusto da Costa Dias, Lisboa: EditorialEstampa, 1983.

    MONTEIRO, Oflia M. Caldas Paiva. A Formao deAlmeida Garrett: Experincia e Criao. Coimbra:Centro de Estudos Romnticos, 1971.

    SARAIVA, Antnio Jos. Para a Histria da Cultura emPortugal. 2 vols. Lisboa: Livraria Bertrand e Gradiva,1980 e 1995.

    6. QUADRO SNTESE POR CAPTULOCAPTULO ASSUNTO

    I O porqu do livro Partida na regata Briga dos homens do norte X do sul

    II A viagem representa o progresso Portugal

    III Critica ao materialismo Chegada estalagem

    IV Divagao sobre o filsofo e o ministro

    V Receita para se fazer um drama Transporte at Santarm na mula

    VI Clssicos X Romnticos Sculo das Luzes X Sculo das Trevas

    VII Crtica aos lisboetas e ingleses VIII Crtica s guerrasIX Comparao entre as liadas

    X Incio da Menina dos Rouxinis Interesse pela janela e pelos pssaros

    XI Conversa com Yorick, personagem de HamletXII Justificativas para a cor dos olhos de Joaninha XIII Oposio aos fradesXIV Carlos desembarca no PortoXV Frei Dinis e o LiberalismoXVI Histria de Frei DinisXVII Dinis traz notcias de Carlos numa cartaXVIII D. Francisca diz que Carlos precisa saber a verdade

    XIX Retirada de 11 de Outubro Porque menina dos rouxinis

    XX Um soldado desperta Joaninha. Era CarlosXXI Outros soldados comentam sobre Carlos e JoanaXXII Carlos lembra-se de GeorginaXXIII Poesia de CarlosXXIV Carlos e Joaninha conversam sobre a av e o freiXXV Carlos pede segredo a JoaninhaXXVI Referncia a Macbeth e s bruxasXXVII O autor chega SantarmXXVIII Descrio do Palcio de Afonso HenriqueXXIX Trova justificando a formao de Santa IriaXXX Histria de Santa IriaXXXI Visita Igreja de Alcava (fechada)XXXII Retorno ao captulo XXV

    Carlos ferido em batalhaXXXIII Georgina opina sobre Frei DinisXXXIV Frei Dinis pede para Carlos mat-loXXXV D. Francisca revela a Carlos seu verdadeiro pai: Frei DinisXXXVI Antecipao da conclusoXXXVII Histria da Igreja do Santo MilagreXXXVIII Visita Ribeira

    Comentrios sobre mdulos literriosXXXIX Visita ao colgio dos Jesutas e a S. Domingos

    XL Procisso das freiras Mosteiro das Claras

    XLI Autor deseja partir de SantarmXLII Autor visita o tmulo de S. FernandoXLIII Conversa de Garrett com Frei DinisXLIVXLVXLVIXLIIXLIII

    Carta de Canos Joaninha

    XLIX O autor entrega a carta a Frei Dinis e parte para Lisboa

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    7. EXERCCIOS

    Texto para a questo 1

    Todo o drama e todo o romance precisa de:Uma ou duas damas, mais ou menos ingnuas.Um pai nobre ou ignbil.Dois ou trs filhos, de dezanove a trinta anos.Um criado velho.Um monstro, encarregado de fazer as maldades.Vrios tratantes, e algumas pessoas capazes paraintermdios e centros.

    1. Na passagem anterior, Almeida Garrett apresenta umareceita de como se fazem os romances portugueses.Pode-se afirmar que os ingredientes citados seapresentam no romance Viagens na minha terra?

    RESOLUO:As personagens de Viagens na minha terra cabemperfeitamente na receita de romance apresentada por Garrett,uma vez ela elenca elementos tpicos da obra romntica que sefazia na Europa do sculo XIX e que eram devidamentecopiados nos folhetins portugueses. Podem ser identificadas na passagem: Georgina e Joaninha: Uma ou duas damas, mais ou menosingnuas; Frei Dinis: Um pai nobre ou ignbil; : Carlos eBritaldo: Dois ou trs filhos, de dezanove a trinta anos; Banan(Santa Iria) e Frei Dinis Um criado velho. Um monstro,encarregado de fazer as maldades; Jlia e Soledade: Vriostratantes, e algumas pessoas capazes para intermdios e centros.

    2. Qual a figura de linguagem que encontramos emSantarm um livro de pedra em que a mais interes -san te e mais potica parte das nossas crnicas estescrita?a) Metforab) Comparaoc) Anttesed) Prosopopeiae) AnforaRESOLUO:A comparao abreviada entre a cidade e o livro caracterizauma metfora.Resposta: A

    3. Relacione adequadamente o fragmento extrado dolivro Viagens na minha terra respectiva personagem:I. Os seus pensamentos, as suas consideraes em

    toda aquela noite, em todo o dia que a seguira, nahora mesma em que ia encontrar-se com o objetoque mais lhe prendia agora o esprito, se no quetambm o corao, todas participavam daquelaflutuao inquieta e doentia de seu ser de homemsocial, em que o tbio reflexo do homem naturalapenas relampejava por acaso.

    II. (...) contemplou-a alguns momentos nesse estadoe pareceu comover-se; mas aqueles nervos eramtorais de fios de ferro temperado que novibravam a nenhuma suave percusso: deu doispassos para a porta da casa, bateu com o bordoe disse com voz firme e segura:

    Joana, acuda a sua av que no est boa.III.(...) no era alta nem baixa, era forte sem ser

    gorda, e delicada sem magreza. Os olhos de umcor-de-avel difano, puro, aveludado, grandes,vivos, cheios de tal majestade quando se iravam,de tal doura quando se abrandavam, que difcildizer quando eram mais belos. O cabelo quase damesma cor tinha, demais, um reflexo dourado,vacilante, que ao sol resplandecia, ou antes,relampejava, mas a espaos, no era sempre,nem em todas as posies da cabea: cabeapequena, modelada no mais clssico da estaturiaantiga, poisada sobre um colo de imensa nobreza,que harmonizava com a perfeio das linhas dosombros.

    IV.(... ) no era bela, talvez nem galante sequer nosentido popular e expressivo que a palavra tem emportugus, mas era o tipo da gentileza, o ideal daespiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo dedezasseis anos, havia, por dom natural e por umaadmirvel simetria de propores, toda a elegn -cia nobre, todo o desembarao modesto, toda aflexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conver -sa o da corte e da mais escolhida compa nhia vma dar a algumas raras e privilegiadas criaturas nomundo. Mas nesta foi a natureza que fez tudo, ou quasetudo, e a educao nada ou quase nada.( ) Carlos( ) Joaninha( ) Frei Dinis( ) Laura

    Resposta: I IV II III

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  • 4. Assinale a alternativa incorreta sobre o romanceViagens na minha terra:

    a) Um dos momentos mais importantes da narrativa a passagem pelo Vale de Santarm, relatada nocaptulo X, e a contemplao de uma casa quedesperta a curiosidade e estimula a imaginao donarrador.

    b) No final da viagem, o narrador-viajante passa peloVale de Santarm e l uma carta (de tomautobiogrfico) que Carlos escrevera Joaninha,sendo uma espcie de eplogo do romance.

    c) Complementando as inmeras digresses, onarrador comenta a histria de Carlos e Joaninhaevitando ilaes de teor crtico e social.

    d) No romance no h apenas uma nica e linearinstncia de comunicao narrativa, uma vez que,alm do relato da viagem, encontramos tambm anarrativa que instituda pelo companheiro deviagem que conta a histria de Carlos e Joaninha ea que se traduz na carta de Carlos a Joaninha.

    e) A narrativa desencadeada por um narradorannimo, empenhado numa viagem a Santarm einteressado de disseminar vrias digresses detendncia ideolgica ao longo de seu discurso.

    RESOLUO:Durante a narrativa desenvolvem-se vrias digresses de tomcrtico, irnico e de grande preocupao scio-poltica.Resposta: C

    Texto para o teste 5

    Perverteu-se por tal arte o gosto entre ns desde omeio do sculo passado especialmente, os estragosdo terramoto grande quebraram por tal modo o fiode todas as tradies da arquitectura nacional, quena Europa, no mundo todo talvez se no ache um pasonde, a par de to belos monumentos antigos comoos nossos, se encontrem to vils, to ridculas eabsurdas construes pblicas e particulares comoessas quase todas que h um sculo se fazem emPortugal. Nos reparos e reconstrues dos templosantigos que este pssimo estilo, esta ausncia detodo estilo, de toda a arte mais ofende e escandaliza.Olhem aquela empena clssica posta de remate aofrontispcio todo renascena da Conceio Velha emLisboa. Vejam a emplastagem de gesso com que estomascarados os elegantes feixes de colunas gticas danossa s. No se pode cair mais baixo emarquitectura do que ns camos quando, depois que omarqus de Pombal nos traduziu, em vulgar e

    arrastada prosa, os rococs de Lus XV, que nooriginal, pelo menos, eram floridos, recortados,caprichosos e galantes como um madrigal, esse estilobastardo, hbrido, degenerando progressivamente etomando presunes de clssico, chegou nos nossosdias at ao chafariz do passeio pblico!

    5. Sobre o texto no se pode dizer quea) As crticas do narrador dirigem-se a aspectos da

    vida social portuguesa.b) O narrador critica a desnacionalizao da arquite -

    tura portuguesa e sua falta de estilo prprio.c) Para o narrador no est em causa apenas a invaso

    de estilos artsticos franceses, mas a perda daidentidade nacional.

    d) A referncia s colunas gticas sugere a IdadeMdia que tanto seduzia os romnticos, justamentepor se entender nela a preservao da identidadenacional.

    e) A simples observao de um monumento assumedimenso de reflexo histrica envolvendo vriaspocas: sculo XIX, o tempo de Lus XV, a IdadeMdia e as grandes navegaes.

    RESOLUO: No fragmento no h nenhuma referncia ao sculo XIV e sgrandes navegaes.Resposta: E

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