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    1 INTRODUO

    O estudo autnomo das problemticas relativas s relaes internacionais

    se institucionalizou apenas no decorrer do sculo XX, especialmente aps a Primeira

    Guerra Mundial e notadamente nos Estados Unidos. J na Europa, esta rea do

    conhecimento s adquiriu frum universitrio praticamente aps a Segunda Guerra,

    tendo tido grande impulso pelo interesse europeu em estudar os fenmenos

    produzidos pela interao dos agentes das relaes internacionais. Neste contexto,

    as relaes internacionais eram concebidas de forma reducionista, onde os Estados

    eram os seus protagonistas exclusivos. Assim, interessante notar como o domnio

    da poltica externa dos Estados identificado como o objeto de estudo das relaesinternacionais, assimilando estas s relaes diplomticas. (FERNANDES, 1998,

    p.16-17).

    Entretanto, a vida internacional tornou-se mais complexa, adquiriu novos

    contornos, maior abrangncia e desdobramentos mais profundos. O fato que as

    Organizaes Internacionais e as empresas multinacionais e transnacionais

    configuram-se em novos atores internacionais e tm papel relevante na dinmica

    destas relaes. No correto, pois, afirmar que os Estados possuem o monoplioda ao em relaes internacionais, apesar do fato inegvel de serem os detentores

    de sua face mais explcita e, qui, mais efetiva. Apesar das divergncias

    conceituais acerca do termo e do seu objeto de estudo, a rejeio da viso

    hermtica com a qual trabalhavam os primeiros estudiosos do assunto ponto

    pacfico.

    Tambm por isso necessrio ressalvar a diferena entre as relaes

    internacionais e as relaes exteriores de um Estado. As primeiras se do emsentido amplo, compreendendo as relaes entre os diversos atores internacionais,

    o que no desabilita falar-se nas relaes internacionais de um pas no mundo. Este

    enfoque trata da posio do pas no cenrio internacional, do seu processo de

    insero, da quantificao ou qualificao de seu peso cultural, econmico ou

    poltico, ou ainda, seus objetivos neste sentido. As relaes exteriores, por sua vez,

    sempre se tratam de relaes entre Estados, tendo a poltica exterior como sua

    essncia. (RODRIGUES, 1994, p.10-13).

    Ao trabalhar com um momento determinado na trajetria internacional do

    Brasil, buscou-se exatamente partir da anlise do fato histrico para elaborar uma

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    interpretao baseada nas cincias sociais, a fim de compreender de forma global

    como o pas intentou integrar-se ao mundo de ento. O esforo deste trabalho

    encontrou-se apoiado na expectativa de analisar como o Brasil procurou afinar suas

    situao interna e seu projeto de desenvolvimento com o cenrio belicoso

    internacional.

    O perodo histrico selecionado para esta empreitada foi o Estado Novo,

    regime poltico autoritrio implantado atravs de um golpe de Estado no pas em

    1937 e que se estende at 1945. Tentou-se, claro, com limitaes, responder a

    indagao de Boris Fausto (1999, p.20): Que diabo esse regime que gera

    essencialmente uma srie de males e, ao mesmo tempo, tem facetas de

    progresso?. Afinal, este regime permeado de ambigidades que definiu aconfigurao da estratgia de insero internacional do Brasil.

    E precisamente neste perodo que eclode a Segunda Guerra Mundial,

    com a invaso da Polnia pela Alemanha, em 1939, marcando o incio do projeto

    germnico de expanso, calcado no iderio nacionalista, personificado pelo Partido

    Nacional Socialista Alemo. (GARCIA, 2000). Nesta ocasio o Brasil declara sua

    neutralidade com relao ao conflito, a despeito de uma pretensa identificao do

    Estado Novo com os regimes nazi-fascistas europeus, expresso em discursos emedidas de afirmao do nacionalismo brasileiro.

    Porm, apesar da impresso mais bvia, que previa uma posio

    francamente pr-Eixo, o Brasil adotou uma postura classificada apropriadamente

    como eqidistncia pragmtica por Gerson Moura(1980), ao tentar tirar o mximo

    proveito da disputa de poder entre os blocos, notadamente representados por

    Alemanha e Estados Unidos. A atitude de indefinio adotada trouxe benefcios

    econmico-comerciais ao pas, mas no pde ser sustentada indefinidamente. Umasrie de fatores externos e tambm internos, j que a presso da opinio pblica foi

    importante para acirrar as divises j existentes na cpula do governo com relao

    posio a ser tomada, levou a um processo de alinhamento aos Estados Unidos em

    fins de 1941. (CERVO; BUENO, 1992, p. 229).

    A insero hemisfrica brasileira era neste momento uma prioridade e

    passou a ser levada a frente atravs de uma aliana no escrita com os Estados

    Unidos (na expresso de Bradford Burns citado por Vizentini). Segundo Vizentini,

    esta aliana teve formas variadas: de acordo, sempre que possvel, nobre

    emulao, parceiros prediletos ou satlites privilegiados. O autor destaca ainda

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    que no se duvidava que todas estas nuances inseriram-se numa mesma

    perspectiva, a de que a aliana com Washington constitua a espinha dorsal da

    poltica externa brasileira. (VIZENTINI, 2004, p.16).

    O alinhamento culminou com a opo pelo abandono da neutralidade e

    apoio aos pases Aliados em agosto de 1942. precisamente o momento de tomada

    desta deciso que foi abordado na pesquisa. Ao utilizar como fonte de anlise tanto

    documentos oficiais, como relatos pessoais sobre os fatos pertinentes e discursos

    proferidos no perodo, procurou-se ainda estabelecer um parmetro de comparao

    entre a viso institucional e a viso pessoal do chefe de Estado sobre a opo

    brasileira pelo abandono da neutralidade perante a Segunda Guerra Mundial.

    Esta pesquisa procurou contribuir para o preenchimento do vcuoexistente nos estudos sobre poltica externa brasileira e inserir-se no processo de

    expanso desta rea, dada a relevncia da qual vem se munindo ao longo dos

    tempos. Neste sentido, a observao de Paulo Fagundes Vizentini proeminente,

    na medida em que vem ao encontro da proposta do trabalho, que da articulao

    entre as esferas da poltica externa e interna:

    necessrio frisar que a articulao entre a poltica externa e ainterna constitui um elemento complexo e no linear. Trata-se deuma relao dialtica, pois nem sempre existe uma afinidade formalabsoluta e, de outro lado, as contradies que por vezes seapresentam entre os dois planos, encontram coerncia numadimenso mais ampla. A poltica externa resulta, em ltima instncia,dos parmetros da formao social que lhe d origem, e daarticulao complexa desta ao meio internacional. (VIZENTINI, 2004,p.15).

    Assim, a relevncia da pesquisa reside exatamente no esforo de

    compreender a atuao internacional do Brasil no como mero desenrolar de

    atividades burocrticas estanques ou ligadas apenas s contingncias externas,

    mas como setor interdependente com relao poltica interna e suscetvel sua

    influncia, por vezes decisiva. Buscou-se, pois, analisar a estratgia de insero

    brasileira no plano internacional atravs da tomada de deciso pelo abandono da

    neutralidade na Segunda Guerra Mundial, considerando-a como fato essencial,

    porm no esgotvel em si mesmo. Considera-se sim este momento especfico

    como culminante de um processo de desenvolvimento de uma estratgia de atuao

    internacional do pas frente a uma conjuntura global. Destaca-se neste item a

    hiptese levantada por Corsi, que afirma ser a poltica externa do Estado Novo a

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    primeira a pautar-se por um projeto nacional de desenvolvimento, dando nfase para

    a busca de tecnologia e capital externos para fomentar a industrializao do pas.

    (CORSI, 2000, p.16).

    A escolha do referido perodo histrico encontra amparo ainda no dizer de

    Aspsia Camargo, que em prefcio obra de Gerson Moura sobre a poltica externa

    brasileira entre 1935 e 1942, esclarece que:

    Antes de mais nada, trata-se de um momento histrico decisivo,marcado por profundas mudanas no quadro econmico e poltico,em meio a forte instabilidade institucional. A emergncia de novosatores e a expanso do Estado provocam oscilaes e incertezas.(...) Estas oscilaes, perfeitamente visveis no plano interno, no

    so menos relevantes no mbito da poltica externa, que como bemsintetiza Gerson Moura, deve ser contraditoriamente definida no casobrasileiro, como autonomia na dependncia. (MOURA, 1980, p.14).

    O objetivo geral da pesquisa foi, portanto, descrever e analisar o processo

    de tomada de deciso brasileiro com relao ao abandono da posio de

    neutralidade adotada quando da ecloso da Segunda Guerra Mundial e a opo

    pelo apoio aos Aliados no conflito. Foram estabelecidos como objetivos especficos,

    ainda: apresentar o panorama geral da poltica internacional no perodo (a partir de

    1939 at 1942) e o quadro de distribuio das foras no conflito instalado,

    apresentar a situao poltica interna do Brasil poca, enfatizando a dinmica de

    suas relaes com a Alemanha e os Estados Unidos, analisar como a entrada do

    Brasil na guerra abordada e justificada nos documentos oficiais (discursos,

    resolues, decretos, circulares, telegramas, notas de imprensa, comunicados,

    relatrios, memorandos, declaraes) e nos dirios pessoais do Presidente Getlio

    Vargas, bem como elaborar uma comparao entre a viso institucional, expressa

    na documentao oficial, e a viso pessoal do Presidente, expressa nos dirios,sobre o abandono da neutralidade no conflito. Buscou-se tambm elaborar uma

    cronologia dos principais acontecimentos do perodo que foram significantes para a

    opo brasileira de declarar guerra ao Eixo.

    Para dar conta dos objetivos estabelecidos, procedeu-se uma pesquisa

    essencialmente qualitativa, em que foram contempladas as pesquisas bibliogrfica e

    documental, atravs da coleta e anlise de dados primrios e secundrios.

    Como dados primrios so classificados os apontamentos do PresidenteGetlio Vargas, registrados em dirio e publicados em livro, bem como seus

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    discursos e correspondncias (cartas e telegramas). Tambm enquadram-se nesta

    classificao documentos oficiais do governo brasileiro - como Declaraes sobre

    assuntos relativos guerra, Decretos, Circulares do Ministrio das Relaes

    Exteriores, correspondncia entre embaixadas e legaes brasileiras no exterior com

    a Secretaria de Estado do Governo Federal e notas do Departamento de Imprensa e

    Propaganda e documentos dos quais o Brasil signatrio Resolues

    Interamericanas e Declaraes de Conferncias Internacionais. Esta documentao

    est compilada e publicada em livro editado pelo Ministrio das Relaes Exteriores,

    em 1944.

    Os dados secundrios foram coletados atravs da bibliografia

    selecionada, incluindo livros e artigos de peridicos, inclusive os disponveis emmeio eletrnico. A seleo procurou abranger material que aborda tanto aspectos

    mais relacionados ao regime do Estado Novo, quanto s questes internacionais

    nas quais o Brasil estava imiscudo no perodo. Neste sentido, a concepo

    metodolgica que norteia a pesquisa vai ao encontro da defendida por Marilena

    Chau:

    Se verdadeiro que as cincias do homem comportam vrios ramosespecficos, de acordo com seus objetos e mtodos, essaespecificidade no deveria inibir aproximaes entre as reas, poisas cincias humanas tendem a apresentar resultados maiscompletos e satisfatrios quando trabalham interdisciplinarmente, demodo a abranger os mltiplos aspectos simultneos e sucessivosdos fenmenos estudados. (CHAU apudOLIVEIRA, 1998, p.18).

    Para tanto, a pesquisa abrangeu fontes oriundas de disciplinas como

    histria, relaes internacionais, sociologia e cincia poltica, de modo a ampliar as

    possibilidades de anlise do fenmeno escolhido como objeto de estudo.

    A poltica externa brasileira no perodo do Estado Novo adotou a postura

    de eqidistncia pragmtica, refletindo sua inteno de auferir os melhores

    resultados econmicos possveis do embate estabelecido entre dois blocos de

    poder, representados por Alemanha e Estados Unidos. Ficou evidente, neste

    sentido, a relao estreita entre a formulao e execuo da poltica externa e a

    poltica interna do pas. No possvel, no entanto, afirmar categoricamente se o

    Brasil atuou como sujeito ou objeto da sua prpria atuao internacional no perodo,

    pois esta se desenvolveu dentro de outro projeto nacional: o de consolidao do

    sistema de poder norte-americano no continente.

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    2 O MUNDO NO PERODO

    2.1 Antecedentes da Segunda Guerra Mundial e a ecloso do conflito

    A importncia do conflito blico que envolveu praticamente todo oplaneta e que ficou conhecido como II Guerra Mundial se estendepara muito alm dos acontecimentos que se desenrolaram entre1939-45, pois foi, seguramente, o mais amplo confronto armado dahistria da humanidade e o evento poltico-militar mais importante dosc. XX, como expresso de um mundo em transio, comodesfecho do liberalismo e do sistema econmico capitalista e comomaterializao da luta de foras arquiconservadoras que se opunhams transformaes histricas. (VIZENTINI, 1989, p, 7).

    A Segunda Guerra Mundial foi uma aula de geografia do mundo. A

    afirmao de Hobsbawn (2005, p.32) torna explcito o carter global adquirido pela

    Segunda Guerra, que teve a participao de praticamente todos os Estados

    independentes do mundo a despeito muitas vezes de sua vontade. As colnias

    das potncias imperiais foram impelidas a participar e at a Amrica Latina, mesmo

    que de forma apenas nominal, tomou parte no conflito. Desta forma, nomes de locais

    antes desconhecidos para a maior parte do mundo tornaram-se familiares nomes de

    campos de batalha para aqueles que acompanhavam o desenrolar da guerra pelosnoticirios radiofnicos da poca.

    Mas como um mundo to traumatizado pelas conseqncias trgicas da

    Primeira Guerra deu condies para que outro conflito com tamanha magnitude

    acontecesse? Poucas excees entre os historiadores no apontam sem sombra de

    dvida que Alemanha, Japo e, de forma mais hesitante, a Itlia eram os

    agressores. Mais ainda, de forma simplista, o questionamento sobre quem ou o que

    causou a Segunda Guerra respondido com apenas duas palavras: Adolf Hitler.(HOBSBAWN, 2005).

    Entretanto, atribuir ao arbtrio de uma nica pessoa os rumos tomados

    pela quase totalidade do mundo em um dado perodo histrico parece bastante

    temerrio sem ao menos observar-se o cenrio do ps-Primeira Guerra e a herana

    desta para o mundo. Conforme esclarece Vizentini (1989), exatamente nos

    problemas e transformaes gerados durante a Primeira Guerra Mundial que podem

    ser encontradas as razes mais profundas da Segunda Guerra. Embora no se

    possa negar que o conflito tenha sido marcado pelo nacionalismo e que as questes

    regionais tenham tido papel importante, este pode ser corretamente caracterizado

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    como um conflito tpico entre potncias industriais capitalistas que almejavam uma

    nova repartio de territrios que serviriam de reas para sua expanso econmica.

    O aumento da capacidade produtiva nos pases capitalistas, a expanso

    do capital financeiro e do potencial de investimento estenderam-se para alm das

    fronteiras dos Estados, tornando inevitvel a competio acirrada por recursos,

    mercados e rotas de comrcio. Os alvos estavam dentro da Europa, mas,

    especialmente, fora dela. Entre 1876 e 1914 as potncias europias anexaram cerca

    de vinte e oito milhes de quilmetros quadrados de territrio, concentrados

    principalmente na sia e na frica. (MANDEL, 1989).

    O jovem Imprio alemo despontava como aspirante lder no cenrio

    europeu e vinha embasado por um rpido crescimento econmico e por uma pujantemquina militar. J a Gr-Bretanha, potncia tradicional, vinha sentindo a diminuio

    do dinamismo de sua economia e temia a perda gradual de sua fora dentro da

    Europa. Um embate entre a maior potncia da regio e a postulante ao mesmo

    posto seria, portanto, inevitvel. Porm, o embate no se restringiu aos territrios

    dos pases beligerantes e alcanou dimenses mundiais, trazendo prejuzos

    materiais e em vidas humanas sem precedentes at ento. (VIZENTINI, 1989).

    A guerra no resolveu os problemas que a geraram e ainda provocouuma ruptura no sistema internacional. Mesmo que no se tivesse clareza disso

    naquele momento, os Estados Unidos que saram com sua posio fortalecida, em

    detrimento da corroso do papel europeu no mundo (VIZENTINI, 1989). Para a

    Europa o saldo da guerra no foi nada positivo.

    Arthmar (2002, p.1) pontua que:

    Quando soou o clarim anunciando o trmino da Primeira Grande

    Guerra, em 11 de novembro de 1918, o mundo suspirava enfimaliviado. Ao cabo de quatro anos de luta sem trgua, reacendiam-seos sonhos de uma nova era de prosperidade universal a apagar todoo sofrimento que se abatera sobre o solo europeu.

    Ele ainda salienta que a ningum ocorreria sequer imaginar, naquele

    momento, que os dias de amargura e decepo no haviam ainda se encerrado.

    (2002, p.1). No entanto, as esperanas no se materializaram e o quadro europeu

    no ps-guerra apresentava-se como de crise generalizada, aonde os graves

    problemas econmicos decorrentes da guerra vinham acompanhados de profundosconflitos sociais.

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    Passado apenas pouco mais de um ano aps o Armistcio, em maio de

    1920, a economia internacional sofreu o que Arthmar (2002, p.1) classifica como um

    dos maiores abalos j noticiados em sua histria. A crise na economia trouxe o

    desemprego e a insatisfao da populao, que via diariamente seus postos de

    trabalho desaparecerem e sua renda ser corroda. No por acaso, segundo o autor,

    excetuando-se o breve interldio de relativa estabilidade entre 1924 e 1929, por

    qualquer ngulo que se observe o perodo delimitado pelas duas grandes guerras,

    verifica-se ter ele se configurado numa das etapas mais crticas da histria do

    capitalismo mundial.(ARTHMAR, 2002, p.1)

    O pice deste cenrio j crtico se deu com a quebra na Bolsa de Valores

    de Nova York, em 9 de outubro de 1929. a partir deste momento, e com a

    conseqente grande depresso dos anos 30, que o capitalismo internacional entra

    numa fase conturbada. A emergncia e expanso da experincia sovitica, de um

    lado, e a crise econmica, de outro, ajudam na conformao de um panorama

    propcio ao desenvolvimento de nacionalismos exacerbados. (BRITO, 1995). Este

    clima podia ser sentido especialmente na Alemanha. Derrotada na Guerra e tendo

    seu crescimento econmico e aparato militar estrangulados pelas duras imposies

    do Tratado de Versalhes1, era o cenrio tpico para o fortalecimento das ideologias

    de cunho autoritrio2e nacionalista3.

    O Tratado estava assentado em cinco consideraes. A mais imediata era

    o colapso de inmeros regimes europeus e o surgimento de um regime bolchevique

    1 Tecnicamente, o Tratado de Versalhes s se refere paz com a Alemanha. Vrios parques ecastelos reais nas vizinhanas de Paris deram seus nomes aos outros tratados. Saint-Germain com austria, Trianon com a Hungria, Svres com a Turquia, Neuilly com a Bulgria. (HOBBSBAWN,2005).2Em sentido generalssimo, fala-se de regimes autoritrios quando se quer designar toda a classede regimes antidemocrticos. A oposio entre Autoritarismo e democracia est na direo em que transmitida a autoridade, e no grau de autonomia dos subsistemas polticos (os partidos, os sindicatose todos os grupos de presso em geral). Debaixo do primeiro perfil, os regimes autoritrios secaracterizam pela ausncia de Parlamento e de eleies populares, ou, quando tais instituiesexistem, pelo seu carter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutvel predomnio do poderExecutivo. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1986, p.100).3Em seu sentido mais abrangente o termo nacionalismo designa a ideologia nacional, a ideologia dedeterminado grupo poltico, o Estado nacional, que se sobrepe s ideologias dos partidos,absorvendo-as em perspectiva. O Estado nacional gera o Nacionalismo, na medida em que suasestruturas de poder, burocrticas e centralizadoras, possibilitam a evoluo do projeto poltico quevisa a fuso de Estado e nao, isto , a unificao, em seu territrio, de lngua, cultura e tradies.[...] Porm, juntamente com esta significao, outra existe, mais restrita, que evidencia uma

    radicalizao das idias de unidade e independncia da nao e aplicada a um movimento poltico,o movimento nacionalista, que se julga o nico e fiel intrprete do princpio nacional e o defensorexclusivo dos interesses nacionais. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1986, p.799).

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    na Rssia, que poderia servir como m para foras revolucionrias em todas as

    partes. A segunda era de que havia a necessidade de exercer uma ao restritiva

    sobre a Alemanha, que mostrara todo o seu potencial durante a guerra e quase a

    vencera sozinha. A terceira se referia importncia da redefinio do mapa da

    Europa, visando resolver duas questes cruciais: neutralizar a Alemanha e

    preencher os vazios deixados pelo desmoronamento dos imprios russo, otomano e

    dos Habsburgo. O quarto conjunto de consideraes abarcava as polticas internas

    dos pases vencedores e os atritos entre eles. Finalmente, o quinto bloco de

    consideraes exprimia a maior preocupao daquele momento, qual seja, a de

    estabelecer um acordo de paz que tornasse impossvel o acontecimento de outra

    guerra como a que acabara de se encerrar. (HOBSBAWN, 2005).

    O Tratado de Versalhes, portanto, imps Alemanha uma paz punitiva,

    calcada na idia de que o Estado fora o nico responsvel pela guerra (expressa na

    clusula da culpa de guerra) e suas conseqncias, para mant-la enfraquecida de

    forma permanente. Este objetivo foi alcanado no tanto pelas perdas territoriais,

    mas sim pela tomada de medidas restritivas em mbito militar, como a privao da

    Alemanha de uma marinha e fora area efetivas e a limitao ao nmero de

    homens no seu exrcito. Havia ainda as medidas de cunho econmico, como a

    obrigatoriedade do pagamento de reparaes de guerra teoricamente infinitas,

    referentes aos custos do conflito incorridos pelos vitoriosos, bem como a privao do

    pas de suas colnias no ultramar (redistribudas entre britnicos, franceses e, em

    menor grau, japoneses). (HOBSBAWN, 2005). Esta ltima tinha ainda a propriedade

    de limitar o poder alemo e minar sua capacidade de retomar um lugar de destaque

    na geopoltica mundial. Havia ainda a ocupao militar de parte da Alemanha

    Ocidental, que serviu para acirrar os nimos internos e corroer a auto-estima dopas. Este conjunto de fatos constituiu um verdadeiro caldo de cultura para a

    radicalizao do nacionalismo alemo comandada pelas foras conservadoras.

    (VIZENTINI, 1989, p.14). As bases para a ecloso de um novo conflito estavam

    sendo assentadas.

    Hobsbawn (2005, p.42) ainda mais enftico ao afirmar que no

    necessrio entrar em detalhes da histria do entreguerras para ver que o acordo de

    Versalhes no podia ser a base de uma paz estvel. Estava condenado desde oincio, e, portanto, outra guerra era praticamente certa. De fato, a criao da

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    Sociedade das Naes4, como parte do Sistema de Versalhes para assegurar a paz

    mundial, estava fadada ao fracasso, na medida em que no contava com a

    participao dos Estados Unidos: a recusa em ratificar o tratado de criao da

    instituio retirou-lhe qualquer possibilidade de efetividade. Afinal, j neste perodo

    estava claro o papel hegemnico crescente desempenhado pelo pas, que tomava

    para si o vazio de poder deixado pelos pases europeus ao fim da Segunda Guerra.

    A crise de 1929 e a sucessiva grande depresso dos anos 30 atingiram

    praticamente a totalidade dos pases do mundo, os quais de maneira mais ou menos

    intensa estavam inseridos no sistema capitalista internacional, minando as bases de

    suas economias e trazendo uma srie de convulses sociais.

    Os efeitos sociais, polticos e diplomticos da grande criseeconmica capitalista iniciada em 1929 constituem o fator maisimportante no desencadeamento da II Guerra Mundial. Embora atradio historiogrfica e poltica tenha consagrado a invaso daPolnia pela Alemanha em 1 de setembro de 1939 como o incio doconflito, este momento marcou, na realidade, apenas a generalizaoda guerra na Europa, com o envolvimento oficial de grandespotncias. (VIZENTINI, 1989, p.17).

    Estes efeitos sentidos no perodo alimentaram o gradual desmoronamento

    do sistema de Versalhes5, que promoveu uma mudana de paradigma no sistema

    internacional, culminando com a ecloso da segunda guerra de propores

    planetrias a que o mundo assistiria. Na verdade, uma srie de conflitos locais

    diretamente ligados aos reflexos da forte crise na economia mundial, iniciada com o

    ataque japons Manchria6, se intensificou em 1939 e em 1941 se globalizou.

    4A Sociedade das Naes, tambm chamada de Liga das Naes foi uma organizao internacionalcriada em 28 de abril de 1919, na Conveno que ps fim primeira Guerra Mundial. Ela visava

    manter a paz atravs de instrumentos jurdicos e representou a primeira organizao de alcancemundial a se propor a tal fim. Em 1923 a organizao j contava com cinqenta e quatro Estados-membros, porm os Estados Unidos so impedidos pelo Congresso Nacional de ratificar o Tratado deadeso por no terem ratificado o Tratado de Versalhes, representando um ponto crucial para ofracasso da instituio. Oficialmente, a Liga encerrou suas atividades em 31 de julho de 1947 mas,desde meados da dcada de 30 sua credibilidade javinha sndo abalada. (SEITENFUS, 2005).5A expresso se refere s relaes entre os Estados no Ps-Primeira Guerra, estabelecidasnotadamente a partir dos termos do Tratado de Versalhes. Paulo Roberto de Almeida (1997)esclarece os efeitos mais gerais do chamado sistema: o sistema de Versalhes avanou na direode uma regulao multilateralista das relaes internacionais, mas alm de seu penchant tipicamentepoltico-militarista, ele deixava a desejar na seleo dos instrumentos e mecanismos mobilizados parafazer reviver o universo do padro-ouro e o mundo do livre-cambismo, de resto mais proclamados doque reais.6O Japo invadiu a Manchria em 21 de setembro de 1931, num teste reao da Sociedade dasNaes, da qual a China era membro, e dos Estados Unidos. A organizao se manifestoutimidamente e o governo chins aceitou o fato consumado devido guerra civil chinesa e sresistncias dos seus aliados. (VIZENTINI, 1989).

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    A ascenso de Hitler na Alemanha intensificou os conflitos regionais com

    sua poltica militarista e expansionista. J em 1935 o pas reincorporava a regio do

    Sarre, o servio militar obrigatrio era institudo e a expanso da marinha alem

    permitida na proporo de 35% da britnica, de acordo com o Acordo naval Anglo-

    Germnico. Estas medidas contrariavam as diretrizes de Versalhes, mas tinham o

    consentimento das potncias ocidentais, que preferiram investir na criao de uma

    frente capitalista dar espao para o crescimento da influncia da URSS na Europa.

    Caberia Alemanha, portanto, o papel de dominar a Europa centro-oriental e evitar

    que tal possibilidade se concretizasse. (VIZENTINI, 1989).

    Foi neste mesmo ano que a Itlia invadiu a Abissnia. Desta vez, porm, a

    SDN foi mais efetiva ao condenar a invaso e aprovou um embargo comercial ao

    pas. A medida no se deu por acaso, mas por presso da Gr-Bretanha, que via

    ameaa aos seus interesses petrolferos se Mussolini expandisse seus domnios na

    regio. Um outro desdobramento deste episdio foi a aproximao de Mussolini com

    Hitler, na tentativa de fazer frente ao embargo britnico, explcita com a criao do

    Eixo Roma-Berlim7, ao qual mais tarde o Japo se juntaria.

    Em 1939 que a diplomacia triangular (as potncias capitalistas liberais

    EUA, Gr-Bretanha e Frana; as potncias capitalistas fascistasAlemanha, Itlia

    e Japo; e a potncia socialista URSS) se torna mais evidente e demonstra as

    oscilaes das relaes internacionais do perodo. (VIZENTINI, 1989, p.38). A

    questo da rediviso das reas de influncia econmica teria duas formas de

    resoluo: atravs de uma guerra entre o bloco fascista e o das democracias liberais

    ou por um acordo entre os blocos para uma guerra com a URSS. Na primeira

    possibilidade, a questo estaria resolvida, mas o socialismo sobreviveria e poderia

    sair fortalecido. Na segunda situao, apesar da destruio da URSS, haveria

    apenas um adiamento do confronto entre os dois blocos. A Segunda Guerra, na

    verdade, representou uma combinao das duas possibilidades. Houve uma aliana

    da URSS com as democracias liberais deixando espao suficiente para que

    houvesse um desgaste entre esta e o Eixo. (VIZENTINI, 1989).

    7 Criado atravs da assinatura de um tratado entre Mussolini e Hitler em 25 de outubro de 1936.Posteriormente, em 27 de setembro de 1940, atravs do Pacto Tripartito, foi formado o Eixo Tquio-Roma-Berlim.

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    neste contexto poltico, econmico e social no qual se encontrava o

    mundo e, notadamente, a Europa que houve a efetiva ecloso do conflito. E

    Hobsbawn aponta ainda como a ao (ou no ao) das potncias capitalistas em

    determinadas situaes deixa clara sua busca por uma via de ao que atendesse

    aos seus interesses no continente, a despeito do incio de uma nova guerra:

    (...) Fosse qual fosse a instabilidade da paz ps-1918 e aprobabilidade de seu colapso, bastante inegvel que o que causouconcretamente a Segunda Guerra Mundial foi a agresso pelas trspotncias descontentes, ligadas por vrios tratados desde meadosda dcada de 30. Os marcos milirios na estrada para a guerra forama invaso da Manchria pelo Japo em 1931; a invaso da Etipiapelos italianos em 1935; a interveno alem e italiana na Guerra

    Civil Espanhola em 1936-39; a invaso alem da ustria no incio de1938; o estropiamento posterior da Tchecoslovquia pela Alemanhano mesmo ano; a ocupao alem do que restava daTchecoslovquia em maro de 1939 (seguida pela ocupao italianada Albnia); e as exigncias alems Polnia que levaram de fatoao incio da guerra. Alternativamente, podemos contar estes marcosmilirios de um modo negativo: a noao da Liga contra o Japo; ano tomada de medidas efetivas contra a Itlia em 1935; a no-reao de Gr-Bretanha e Frana denncia unilateral alem noTratado de Versalhes, e notadamente reocupao alem daRennia em 1936; a recusa de Gr-Bretanha e Frana a intervir naGuerra Civil Espanhola (no interveno); a no-reao destas

    ocupao da ustria; o recuo delas diante da chantagem alemsobre a Tchecoslovquia (o Acordo de Munique de 1938); e arecusa da URSS a continuar opondo-se a Hitler em 1939 (o pactoHitler-Stalin de 1939). (2005, p.44)

    2.2 O contexto em que o Brasil entra na guerra

    O ano de 1941 representou um momento importante dentro da Segunda

    Guerra Mundial, por representar realmente a mundializao do conflito, que passa a

    ser caracterizado como guerra total. Com a invaso alem na URSS a entrada dos

    Estados Unidos, a guerra v seu palco ser estendido para a sia e para o Pacfico.

    Esta fase tambm marcada pela supremacia do Eixo, embora aconteam a

    tambm as suas primeiras derrotas. (VIZENTINI, 1989). Assim, a guerra, ainda

    basicamente europia, se tornara de fato global. (HOBSBAWN, 2005, p. 47).

    Por ser a nica potncia socialista, a URSS mantinha uma poltica externa

    preocupada em manter o pas fora da guerra e explorar as divergncias entre aspotncias capitalistas a seu favor. Quando, no vero de 1939, a guerra parecia estar

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    prxima, o governo do Kremlin fez sua derradeira tentativa de aliana militar com a

    Gr-Bretanha e a Frana, mas no obteve xito. Assim, a URSS deu sua cartada

    final ao oferecer um acordo a Hitler, temendo as conseqncias de uma invaso

    alem na Polnia.

    O Pacto de No-Agresso Germano-Sovitico foi assinado em 23 de

    agosto de 1939. Embora parecendo paradoxal, o Pacto representou um ganho de

    tempo precioso para a URSS, que pde se preparar militarmente e aplicar um golpe

    na formao de uma poltica anti-sovitica. A preocupao com um conluio dos

    inimigos da URSS era ainda maior, pois o pas estava em guerra contra o Japo na

    Monglia. Havia ainda um item secreto do acordo referente partilha da Polnia,

    que permitia o avano das fronteiras soviticas em aproximadamente 200 Km paraoeste, aumentando sua zona defensiva. J para o Reich, o Pacto significou a

    explorao de uma fraqueza anglo-francesa e a possibilidade de preparar-se melhor

    para aumentar suas conquistas. Os ganhos seriam ainda maiores porque os acordos

    econmicos com os soviticos permitiriam neutralizar as perdas decorrentes de um

    possvel bloqueio comercial anglo-francs Alemanha. (VIZENTINI, 1989).

    O Pacto Germano-Sovitico, tambm chamado Pacto Ribbentrop-

    Molotov, no impediu, no entanto, a invaso da URSS por Hitler em 22 de junho de1941, marcando a data decisiva da Segunda Guerra Mundial. inegvel que a

    assinatura do acordo evitou a entrada dos alemes em 1939 e pode ser considerado

    com uma vitria estratgica de Stalin. Porm, a crtica feita por autores, como

    Vizentini (1989), de que ele no conseguiu transform-la em um ganho estratgico

    ao no preparar-se militar e economicamente para um possvel ataque e ainda

    fornecer matrias-primas importantes para a Alemanha. Tal atitude talvez se deva ao

    fato apontado por Hobsbawn (2005) de que a estratgia de comprometer aAlemanha em duas frentes era to insensata, que Stalin no acreditava que Hitler

    pudesse lev-la adiante.

    Porm, para Hitler, avanar em direo a um territrio vasto e rico em

    recursos naturais e mo-de-obra barata representava um prximo passo lgico e,

    alm disso, ele subestimou a capacidade sovitica de resistncia. Esta falha de

    avaliao no foi exclusividade sua, mas sim opinio corrente entre especialistas

    militares, exceo do Japo, que, em vista da desorganizao do Exrcito

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    Vermelho pelos expurgos8 da dcada de 30, da aparente condio do pas, dos

    efeitos gerais do terror e das intervenes militares ineptas de Stalin, era bastante

    razovel. (HOBSBAWN, 2005).

    Os japoneses, por sua vez, foram mais bem sucedidos na tarefa de evitar

    a coalizo de seus inimigos, pois ficaram de fora tanto da guerra da Alemanha

    contra a Gr-Bretanha e a Frana em 1939-40 quanto da guerra contra a Rssia

    depois de 1941. (HOBSBAWN, 2005, p.45). Apenas com a invaso da base naval

    norte-americana de Pearl Harbour, no Hava, em 7 de dezembro de 1941, o Japo

    entra na guerra contra a Gr-Bretanha e os Estados Unidos, mas no contra a

    URSS.

    possvel que o ataque fosse inevitvel para o Japo, a no ser queabrisse mo de um dos esteios da sua poltica externa: estabelecer um poderoso

    imprio econmico, chamado de Grande Esfera de Co-prosperidade Leste-

    Asitica. As pretenses japonesas na regio desagradaram os Estados Unidos e

    contriburam para o incio do conflito no Pacfico:

    O triunfo de Hitler na Europa deixou um vcuo imperial parcial noSudeste Asitico, no qual o Japo entrou, afirmando um protetoradosobre as desamparadas relquias dos franceses na Indochina. Os

    EUA encararam essa extenso do poder do Eixo no Sudeste Asiticocomo intolervel, e aplicaram severa presso sobre o Japo, cujocomrcio e abastecimentos dependiam inteiramente dascomunicaes martimas. Foi este conflito que levou guerra entreos dois pases. (HOBSBAWN, 2005, p.48).

    Para os Estados Unidos era preciso ainda evitar que os japoneses se

    aproveitassem da situao ruim em que a URSS se encontrava no conflito com a

    Alemanha e fortalecesse sua posio na sia. De acordo com Vizentini (1989),

    inclusive, o ataque j era esperado pelos EUA, que o utilizou para catalisar a opinio

    pblica norte-americana, ainda reticente quanto entrada do pas na guerra. H

    indcios de que o ataque no foi to surpresa quanto os norte-americanos alegaram,

    uma vez que Washington admitiu ter conhecimento de mensagens do governo

    japons aos seus embaixadores na Amrica indicando at a hora do ataque. H

    tambm a possibilidade pequena da esquadra japonesa ter viajado quase 6000 km

    sem ser percebida pela espionagem, nem pelas operaes de reconhecimento dos

    8Em 11 de junho de 1937, Stalin inicia expurgo no Exrcito Vermelho acusando oito oficiais de altapatente de conspirao com os nazistas. Cerca de 30.000 membros das foras armadas soexecutados nos meses seguintes.

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    EUA, alm do estranho fato de seus navios estarem posicionados para um contra-

    ataque, escapando da destruio pelas embarcaes japonesas.

    No h total esclarecimento sobre tal episdio, mas a tese de que os EUA

    teriam permitido o ataque somente para obter uma justificativa legtima para entrar

    na guerra perante a opinio pblica interna problematizada na perspectiva de

    Hobsbawn, ao afirmar que, de fato, a opinio pblica americana encarava o Pacfico

    (ao contrrio da Europa) como um campo normal para a ao dos EUA, mais ou

    menos como a Amrica Latina. Assim, estava claro que o isolacionismo

    americano pretendia manter-se fora apenas da Europa.(HOBSBAWN, 2005, p.48).

    Neste cenrio de guerra verdadeiramente global, portanto, Hobsbawn

    (2005, p. 49) traz o sentido mais profundo da estratgia adotada naquele momentopelas potncias beligerantes, afirmando que as decises de invadir a Rssia e

    declarar guerra aos EUA decidiram tambm o resultado da Segunda Guerra

    Mundial. Isso no pareceu imediatamente bvio, pois o Eixo atingira o auge do seu

    sucesso em meados de 1942, e s perdeu inteiramente a iniciativa militar em 1943.

    precisamente neste nterim que o Brasil entra na guerra. O pas havia

    declarado-se neutro9em relao ao conflito quando da sua ecloso, em setembro de

    1939. Porm, acatando a recomendao da resoluo da III Reunio de Consultados Ministros das Relaes Exteriores Americanos, rompe relaes comerciais e

    diplomticas com o Eixo. A aprovao da recomendao no foi unnime, j que

    Argentina e Chile foram contra10.

    Como retaliao, a partir de 15 de fevereiro do mesmo ano, iniciam os

    torpedeamentos de navios brasileiros pela marinha alem. Os ataques ocorrem ao

    longo da costa brasileira e estendem-se pelo continente. No total, foram afundados

    37 navios da marinha brasileira e dois barcos pesqueiros, no perodo de fevereiro de1942 julho de 1945, como mostra a Figura 1.

    9O termo neutralidade serve para designar a condio jurdica em que, na comunidade internacional,

    se encontram os Estados que permanecem alheios a um conflito blico existente entre dois ou maisEstados.(BOBBIO; MATTEUCCI, 1986, p.822).10 Posteriormente, o Chile declara guerra Alemanha e ao Japo em 20 de janeiro 1943 e aArgentina rompeu relaes diplomticas com o Eixo em 26 de janeiro de 1944.

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    Figura 1: Navios brasileiros afundados durante a Guerra

    Fonte: http://www.sentandoapua.com.br/

    A presso norte-americana pela entrada do Brasil na guerra cresceu e

    diversas negociaes paralelas foram acontecendo para tal fim. Houve, inclusive,

    um acordo poltico-militar secreto entre os dois paises, em maio de 1942, para a

    criao de uma Comisso Mista e utilizao das bases do Nordeste brasileiro como

    apoio para os Estados Unidos. Porm, o estado de beligerncia com a Alemanha e a

    Itlia s foi reconhecido pelo Brasil em 21 de agosto deste ano. Dez dias depois foi

    baixado o Decreto-Lei n 10.358, declarando estado de guerra em todo o territriobrasileiro.

    O abandono brasileiro da neutralidade e a entrada na guerra junto com os

    Aliados causou grande debate interno, uma vez que parecia uma incongruncia o

    regime estadonovista autoritrio e, portanto, pretensamente identificado com os

    regimes nazi-fascistas europeus, lutar ao lado das democracias liberais. No captulo

    a seguir ser apresentado um panorama do Brasil no Estado Novo e a influncia do

    regime na formulao da poltica externa brasileira, procurando problematizar oslimites da identificao do regime brasileiro com os regimes europeus da poca.

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    3. O BRASIL NO PERIODO

    3.1 O Estado Novo e a poltica nacional

    O Estado Novo foi instalado no Brasil atravs de um golpe, em 1937.

    Getlio Vargas (1938a, p. 337) apresentava o novo regime como resultado bvio de

    um processo iniciado com a Revoluo de 1930: o meu governo nasceu de um

    movimento revolucionrio. A Assemblia Constituinte de 1934 deu-lhe fisionomia

    legal, para que eu pudesse continuar a obra de reconstruo econmica e

    financeira, iniciada em 193011. Dulce Pandolfi (2002, p. 183), porm, conclui que,

    longe de ser um desdobramento natural dos acontecimentos de 30, o Estado Novofoi um dos resultados possveis das lutas e dos enfrentamentos travados no

    perodo. Isto se deve conformao heterognea das foras que participaram do

    movimento em 1930.

    As divergncias apareceram logo aps a instaurao do Governo

    Provisrio, especialmente entre aqueles que defendiam a convocao imediata de

    uma Assemblia Nacional Constituinte e os que acreditavam que a volta a uma

    ordem democrtica s deveria ocorrer aps a promoo das reformas sociais. Omodelo de Estado a ser adotado tambm no encontrava consenso entre os

    revolucionrios: existiam os defensores de um Estado mais liberal e os adeptos de

    um regime forte e autoritrio. Havia ainda uma posio centralizadora que entrava

    em confronto direto com a proposta de maior autonomia estadual. Dentro das Foras

    Armadas, que emergiram divididas do movimento, havia muitas disputas. O ponto

    crucial era a participao dos tenentes no governo, subvertendo a hierarquia militar,

    j que poucos oficiais de patente mais alta haviam participado da revoluo. Assim,a tenso no meio militar era grande e as sublevaes nos quartis, constantes.

    (PANDOLFI, 2002).

    As relaes do novo governo com a Provncia de So Paulo tambm

    eram delicadas. Getlio marginalizou a elite paulista, nomeando interventor um

    tenente. O tenente Joo Alberto no resistiu s presses e se demitiu em julho de

    1931, sendo sucedido at 1932 por trs interventores. Os tenentes no conseguiram

    11Entrevista publicada na Gazzeta del polo, na Itlia, em 25 de dezembro de 1937 e no Brasil, em 26de dezembro do mesmo ano. Na mesma entrevista, perguntado se a nova situao pode serconsiderada como lgico desenvolvimento da Revoluo de 1930, o Presidente concluiuafirmativamente. (VARGAS, 1938a, p. 338).

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    estabelecer uma base de apoio na provncia, que girava em torno de uma elite

    regional, descontente com os rumos do governo e a nomeao de dirigentes que

    no eram paulistas, alm de favorvel constitucionalizao do pas. Vargas

    caminha para a pacificao da regio ao nomear um interventor civil e paulista,

    Pedro de Toledo, mas este no era uma figura de grande expresso regional e a

    medida no surte o efeito desejado pelo governo federal. (FAUSTO, 2002).

    A Revoluo Constitucionalista, ou guerra paulista, eclode em 9 de julho

    de 1932, exigindo o fim do regime ditatorial e maior autonomia para So Paulo. Com

    recursos militares muito inferiores aos do governo central, a provncia ainda

    consegue resistir por trs meses, mas se rende em outubro. Derrotados

    militarmente, os paulistas obtiveram uma vitria poltica, ao demonstrar que nopoderiam ser ignorados pelo poder central. Entretanto, tambm perceberam que

    teriam de fazer algum tipo de composio com Vargas. Como conseqncia direta

    do confronto, em agosto de 1933, foi nomeado um interventor civil e paulista que

    agradou s elites locais. Estas, a partir de ento adotaram atitude mais cautelosa.

    (FAUSTO, 2002).

    Os ecos do movimento contriburam ainda para a convocao da

    Assemblia Constituinte em maio de 1933. Em julho de 1934 foi promulgada a novaConstituio e Vargas foi indiretamente eleito Presidente da Repblica. Era o fim do

    Governo Provisrio. A nova Carta representava, de certa forma, uma vitria dos

    setores mais liberais ao assegurar, simultaneamente, o predomnio do Legislativo e

    a ampliao dos poderes do Executivo, sem que esta pudesse ser confundida com

    aumento do poder do Presidente. O mandato presidencial teria a durao de quatro

    anos, portanto, Vargas deveria deixar o poder em 1938. (PANDOLFI, 1999).

    Boris Fausto (1999, p.18-19) questiona se existia um projeto autoritriopara o Brasil desde ento ou se este foi sendo construdo ao longo dos anos por

    fora da crise mundial, a partir de 1929, e dos embates polticos. Apesar da

    possibilidade da segunda opo, ele adota a seguinte posio:

    Inclino-me, meio intuitivamente, pela primeira alternativa, tendo emvista entre outras coisas, medidas adotadas muito cedo peloGoverno Provisrio no sentido de estabelecer canais de propagandagovernamental e reforar os instrumentos de represso poltica. Istono quer dizer que em 1930 j estava dado, inexoravelmente, odesfecho de 1937. Parece-me ter existido, porm, desde logo, umprojeto poltico centralizador, unitrio, antiparlamentar, formado por

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    Getlio e sua entourage civil e por alguns nomes da cpula doExrcito, dentre os quais se destaca o general Gis Monteiro.

    Iglesias (1993, p.248) corrobora este posicionamento ao afirmar que o

    presidente, de 1934 em diante, j homem determinado, com programa a seguir, e

    o faz com obstinao. A campanha sucessria de 1937 por ele escamoteada e

    chega facilmente ao golpe.

    J em abril de 1935 o Congresso aprova a Lei de Segurana Nacional,

    que revogava vrios dispositivos constitucionais e institua a censura prvia aos

    meios de comunicao, o fechamento das entidades sindicais consideradas

    suspeitas e a pena de priso para aqueles que estimulassem ou promovessem atos

    de indisciplina nas Foras Armadas ou greves no servio pblico. Era uma respostatambm ao crescimento da Aliana Nacional Libertadora (ANL), organizao poltica

    que fazia oposio direta ao governo, formada por muitos revolucionrios

    descontentes e que vinha ganhando adeso popular. (PANDOLFI, 2002).

    Em novembro de 1935 houve levantes de comunistas e tenentes em

    Natal, Recife e Rio de Janeiro, que foram rapidamente debelados. Em meados de

    1936, Vargas busca redefinir suas alianas com os militares e congressistas. No foi

    to bem sucedido com os ltimos, que, apesar de aprovar o recrudescimento dasmedidas repressivas do regime, no aprovam a lei para prorrogar seu mandato. O

    clima poltico fica ainda mais tenso com a proximidade das eleies, marcadas para

    janeiro de 1938, e a rejeio do Congresso ao pedido do governo para prorrogar o

    estado de guerra vigente no pas h cerca de um ano. Alguns presos polticos so

    anistiados e trs meses depois a Cmara aprova o retorno ao estado de guerra e a

    suspenso das garantias constitucionais por noventa dias. Estas medidas se do

    aps a divulgao do Plano Cohen, em 30 de setembro. (PANDOLFI, 1999).

    Para Cruz Costa (1974, p. 106), era claro [que] Vargas preparava um

    golpe. E o pretexto desse golpe foi um srdido documento forjado por um oficial

    integralista do Estado-Maior, o famigerado Plano Cohen, revelador, diziam, de um

    vasto plano terrorista dos comunistas!. Parte ou no de um plano previamente

    formulado, a revelao do Plano Cohen foi o grande pretexto para o golpe do Estado

    Novo, ao colocar o perigo comunista como a maior ameaa a ser combatida pelo

    pas. Nas palavras do Presidente Vargas (1938a, p. 340): a luta contra o

    comunismo ser intensificada at alcanar o mximo grau de eficincia. O

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    comunismo no conseguir jamais o direito de cidadania no Brasil e no tornar

    nosso pas teatro das faanhas sinistras verificadas em alguns outros.

    Cruz Costa ainda aponta que um indcio forte de que o tal Plano era

    apenas uma justificativa para o golpe, que j em fevereiro ou maro de 1937

    alguns polticos sabiam que o Ministro da Justia Francisco Campos havia elaborado

    uma Constituio para ser outorgada.

    Iglesias (1993, p.248) avalia que a sucesso no podia caminhar: a

    candidatura dita oficial era torpedeada em suas bases; a integralista, tal como

    Vargas, no gostava de eleio e a oposicionista no dispunha de fora para lutar

    s. Getlio ainda conseguiu apoio quase unnime dos governadores e as Foras

    Armadas deram as bases para o golpe, especialmente atravs da figura do GeneralGis Monteiro. Procuradas para impedi-lo por Armando de Sales (candidato

    Presidncia pelo Partido Constitucionalista), nada fizeram. O episdio serviu apenas

    para antecipar o golpe, marcado para o dia 15 de novembro. (FAUSTO, 2002). O

    depoimento do Brigadeiro Francisco Teixeira, oficial da Marinha poca,

    elucidativo quanto participao dos militares na questo:

    Eles [os generais] dariam o golpe mesmo sem Getlio. Naturalmente,para eles era mais cmodo dar com o Getlio, no ? Teriam maiscobertura. E o Getlio era hbil o suficiente para no perder aquelaoportunidade de ter plenos poderes. O golpe de 37 foi um golpemilitar, do Exrcito. A idia que predominou na estratgia do Exrcitofoi a do Gis: a interveno controladora do Estado. (TEIXEIRA,1986 apud PINTO, 1999, p. 293).

    Assim, na manh de 10 de novembro de 1937, tropas militares cercaram

    o Congresso Nacional e o novo regime era implantado no Brasil. Boris Fausto (2002,

    p.200) acrescenta que dado o momento poltico pelo qual o pas passava o regime

    foi implantado no estilo autoritrio, sem grandes mobilizaes e justifica:

    O movimento popular e os comunistas tinham sido abatidos e nopoderiam reagir; a classe dominante aceitava o golpe como coisainevitvel e at benfica. O Congresso dissolvido submeteu-se, aponto de oitenta de seus membros irem levar solidariedade a Getlioa 13 de novembro, quando vrios de seus colegas estavam presos.

    Segundo Iglesias (1993, p.248), Vargas funda o Estado Novo, com apoio

    de boa parte do Legislativo e da maioria militar, como tambm do povo, trabalhado

    pela campanha integralista contra o sistema liberal. Em pronunciamento radiofnico

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    na noite do mesmo dia, o Presidente anunciou a mudana populao, justificando-

    a:

    Para comprovar a pobreza e desorganizao da nossa vida poltica,nos moldes em que se vem processando, a est o problema dasucesso presidencial, transformado em irrisria competio degrupos, obrigados a operar pelo suborno e pelas promessasdemaggicas, diante do completo desinteresse e total indiferenadas foras vivas da Nao. [...] Quando as competies polticasameaam degenerar em guerra civil, sinal de que o regimeconstitucional perdeu o seu valor prtico, subsistindo, apenas, comoabstrao. A tanto havia chegado o pas. A complicada mquina deque dispunha para governar-se no funcionava. No existiam rgosapropriados atravs dos quais pudesse exprimir os pronunciamentosda sua inteligncia e os decretos da sua vontade. Restauremos a

    Nao na sua autoridade e liberdade de ao: - na sua autoridade,dando-lhe instrumentos de poder real efetivo com que possasobrepor-se s influncias desagregadoras, internas ou externas; nasua liberdade, abrindo o plenrio do julgamento nacional sobre osmeios e os fins do governo e deixando-a construir livremente a suahistria e o seu destino. (VARGAS, 1937 apud CARONE, 1976, p. 9-12).

    A fala do Presidente expressa uma das premissas do regime, a de que o

    sistema liberal anterior no mais dava conta das necessidades do pas e, portanto,

    precisava ser substitudo. Esta idia no era, necessariamente, nova e encontravarespaldo em experincias contemporneas na Europa. Alis, desde o final da I

    Guerra Mundial, o modelo liberal clssico de organizao da sociedade vinha sendo

    questionado em detrimento de concepes totalitrias, autoritrias, nacionalistas,

    estatizantes, corporativistas. (PANDOLFI, 1999, p.10).

    O Velho Continente, desde os anos 20, assistia a emergncia de uma

    nova direita que, ao contrrio da direita tradicional preservadora de valores

    clssicos e contrria s mobilizaes sociais se prope a utilizar o arsenalideolgico revolucionrio e mobilizar as massas. Entre outros exemplos, os mais

    notrios so o regime fascista italiano e o nazista alemo, ascendentes em um

    contexto de avano das ideologias anti-liberais e anti-democrticas. Apesar de

    guardar suas peculiaridades, o Estado Novo recebeu certa influncia destes regimes

    na sua organizao e na construo de sua ideologia. (FAUSTO, 1999).

    A Constituio do Estado Novo, outorgada em 37, foi um dos mais

    evidentes reflexos da influncia dos regimes europeus. Chamada de Polaca

    porque Francisco Campos inspirou-se no modelo da Constituio Polonesa de

    Pilsudski, de origem totalitria e fascista, a Carta beneficia-se de muitos elementos

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    da Constituio de 1934, alguns tirados da Carta del Lavoro e da Constituio

    Fascista Italiana. Segundo Carone (1976, p. 142), o trabalho de Campos era uma

    amlgama entre frmulas fascistas, nacionalistas e as de carter liberal, a ltima

    como soluo de camuflagem. Este conjunto de frmulas subordinado a uma

    estrutura legal totalitria, onde o Executivo o poder dominante. O prembulo da

    nova Constituio (citado por CARONE, 1976, p. 142-143) esclarece os motivos da

    sua outorga e justifica a sua necessidade, atribuindo mais uma vez o perigo

    comunista e a falncia do sistema liberal queda do Governo Constitucional:

    Atendendo s legtimas aspiraes do povo brasileiro paz polticasocial, profundamente perturbada por conhecidos fatores de

    desordem, resultantes da crescente agravao dos dissdiospartidrios, que uma notria propaganda demaggica procuradesnaturar em luta de classes, e da extremao de conflitosideolgicos, tendentes pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violncia, colocando a Nao sob a funestaiminncia da guerra civil;Atendendo ao estado de apreenso criado no pas pela infiltraocomunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda,exigindo remdios de carter radical e permanente;Atendendo a que, sob as instituies anteriores, no dispunha oEstado de meios normais de preservao e de defesa da paz, dasegurana e do bem estar do povo;

    Com o apoio das foras armadas e cedendo s inspiraes daopinio nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diantedos perigos que ameaam a nossa unidade e da rapidez com que sevem processando a decomposio das nossas instituies civis epolticas:Resolve assegurar Nao a sua unidade, o respeito sua honra ea sua independncia, e ao povo brasileiro, sob um regime de pazpoltica e social, as condies necessrias, ao seu bem estar e a suaprosperidade.

    Entretanto, preciso fazer algumas ressalvas quanto identificao do

    regime brasileiro com o fascismo. Evidentemente, por serem contemporneos e

    ocorrerem em um contexto que dava a democracia liberal como liquidada, alguns

    eixos de sua construo ideolgica so consonantes. Lcia Lippi Oliveira (1982, p.8)

    esclarece que esta relao, aparentemente bvia, ignora muitas especificidades

    que caracterizam o quadro brasileiro e o regime de 1937. Antes de mais nada,

    preciso pontuar que, ainda segundo Oliveira, a doutrina deste Estado no teve

    existncia enquanto uma unidade.

    Maria Helena Capelato (1999, p.168) analisa que, por exemplo, asformas de organizao e planejamento dos rgos encarregados da propaganda

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    poltica revelam identidade com a proposta nazista. Como nos regimes europeus, a

    imprensa adquiriu papel fundamental, ao agregar o monpolio da fora simblica ao

    j possudo monoplio da fora fsica do Estado. Na Constituio de 1937, a

    imprensa conceituada como agncia pblica ou poder pblico e, portanto, tinha

    seu funcionamento diretamente regulado e, muitas vezes, cerceado, por presses

    polticas ou financeiras. O Presidente (VARGAS, 1938b, p. 23), esclarece o papel da

    imprensa no seu regime: homens de imprensa e homens de governo devem agir

    sob as mesmas inspiraes do bem publico, empenhados em assegurar o progresso

    moral e material da Ptria.12Mas, Maria Helena (1999, p.168) faz a ressalva de que

    as formas de organizao dos meios de comunicao brasileiras apresentam

    caractersticas particulares e produziram resultados distintos do modelo europeu.A heterogeneidade ideolgica do regime, porm, no impede o esforo,

    realizado por Silva (2004, p. 22), de reconstituir a estrutura de argumentao da

    ideologia autoritria contempornea do primeiro governo Vargas. Este objetivo se

    cumpre atravs da anlise das idias polticas de Alberto Torres, Azevedo Amaral,

    Francisco Campos e, principalmente, Oliveira Vianna, os quais compem o ncleo

    do pensamento autoritrio brasileiro. sobre estas idias que se funda a criao e

    a legitimao da ditadura do Estado Novo.A estrutura argumentativa desta ideologia do Estado autoritrio encontra-

    se pautada na busca por dar sentido e legitimidade a uma ordem poltica

    caracterizada pela preeminncia do Estado sobre a sociedade civil, pela

    preeminncia do Executivo sobre os demais poderes dentro do Estado, pela

    preeminncia das elites tcnicas sobre as elites polticas dentro do poder Executivo.

    Assim, tal ideologia estatista, alm de essencialmente tecnocrtica, buscando o

    arsenal terico da sociologia, e posteriormente da cincia econmica, para justificara hipertrofia do Executivo. Existe tambm um forte apelo desmobilizador, que pauta

    seu modelo educacional para a formao das massas para a obedincia e a

    passividade. A fora militar tem papel importante no projeto autoritrio, tendo sua

    coero direta legitimada em momentos crticos, bem como a prpria instituio

    militar, dentro do sistema de controles do Estado sobre a influncia popular. (SILVA,

    2004).

    12Discurso proferido por ocasio da visita Associao Brasileira de Imprensa, em 20 de outubro de1939.

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    De acordo com Silva (2004, p.332), no entanto, O Estado autoritrio at

    pode coexistir com instituies da democracia liberal, inclusive com a manuteno

    de eleies, j que no h propriamente uma proposta de liquidao absoluta dos

    parlamentos e dos processos eleitorais. Mas isto ocorre desde que a existncia

    desses mecanismos no crie constrangimentos gesto tecnocrtica das polticas

    estatais. (2004, p.332). Neste sentido, est contemplado o papel do Legislativo

    como mero apndice do Executivo, por exemplo, explicada a partir da premissa da

    negao da soberania popular. Deste modo, dada a irracionalidade das massas e

    seu apoliticismo, a coero que o Estado exerce contra o povo feita em nome do

    povo e para seu prprio bem. (2004, p.334).

    A prpria concepo de educao da ideologia autoritria vai ao encontrodesta premissa, como explica Clio da Cunha:

    A poltica educacional do Estado Novo valorizou o ensino tcnico-profissional, concretizando uma antiga aspirao. [...] O relevo dadoao ensino profissional atendia s intenes da Carta de 37, bemcomo aos diversos pronunciamentos de Vargas, que sempre deramnfase profissionalizao. Atendia ainda poltica deindustrializao posta em prtica por Getlio. (1989, p.169-170).

    O novo Estado nascente pretendia formar um novo cidado, compatvelcom o papel que deveria desempenhar na nova sociedade. A reforma educacional

    promovida no perodo atendeu ainda ao esforo de nacionalizao empreendido

    pelo governo estadonovista, que compreendia em dar um contedo genuinamente

    nacional educao. Isto inclua mudanas nos currculos e contedos, incluindo

    disciplinas como histria e geografia do Brasil, bem como os professores, que

    deveriam ser brasileiros natos, e a obrigatoriedade do ensino em lngua portuguesa.

    Havia uma apropriao dos aspectos mais ufanistas do modernismo, umamitificao da histria nacional, permeada de heris a serem glorificados, alm do

    culto s instituies e autoridades. Os cursos de educao moral e cvica datam

    deste perodo e vinham cumprir habilmente este papel. (SCHWARTZMAN;

    BOMENY; COSTA, 1984).

    A educao teve importncia fundamental na poltica de nacionalizao,

    que buscava construir uma nacionalidade brasileira tambm, e talvez,

    principalmente, entre os imigrantes estrangeiros. nesta perspectiva que a

    nacionalizao aparece como um problema de segurana nacional. A partir de 1938

    iniciada uma poltica de assimilao institucionalizada no Brasil, voltada

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    especialmente s comunidades formadas por imigrantes alemes. Foi criada uma

    legislao especfica para este fim, como: o Decreto-lei n 383, de 18 de abril, que

    vedava o exerccio de atividades polticas por estrangeiros no pas, o Decreto-lei n

    406, de 4 de maio, que regulamentava o ingresso e permanncia de estrangeiros em

    territrio nacional, determinando as providncias para a assimilao e criando o

    Conselho de Imigrao e Colonizao e o Decreto-lei n 868, de 18 de novembro,

    criava a Comisso Nacional de Ensino Primrio, cuja atribuio principal era

    nacionalizar o ensino dos ncleos estrangeiros. (SCHWARTZMAN; BOMENY;

    COSTA, 1984).

    Apesar das preocupaes com a incorporao dos imigrantes e seus

    descendentes estarem presentes no Brasil desde meados do sculo XIX, esta setornou uma questo urgente de segurana a partir dos anos 30, notadamente

    associada imagem mais radical de quistos raciais no assimilveis. Apesar de

    todos os grupos de imigrantes estarem sujeitos s prticas de nacionalizao, a

    preocupao maior do governo estava centrada sobre as colnias alems. Os

    alemes foram os primeiros a formalizar por escrito uma identidade tnica teuto-

    brasileira, ou seja, reivindicavam participao na vida poltica da nova ptria sem

    abrir mo de sua nacionalidade originria. Esta dupla vinculao, aliada propaganda pan-germanista, com seu discurso sobre os Auslanddeutsche (os

    alemes no estrangeiro, considerados parte da nao alem) e as investidas

    nazistas, que produziram uma radicalizao racista na noo de etnicidade, serviram

    para colocar os alemes e descendentes como alvo primordial da poltica de

    nacionalizao. (SEYFERTH, 1999).

    A proposta de construo da nacionalidade brasileira se estendia para

    alm dos estrangeiros. Olvia Maria Gomes da Cunha (1999, p.282) chama aateno para o advento de um novo discurso sobre o negro, destitudo de suas

    heranas histricas e biolgicas, que s possvel porque envolto num outro

    campo discursivo relativo construo da nao. Os indgenas tambm estavam

    contemplados no projeto nacional, adquirindo forte valor ideolgico ao serem

    encarados como possuidores das verdadeiras razes da brasilidade. Aliada

    preocupao com a formao racial do pas, havia a necessidade da defesa

    territorial e unificao nacional, que levaram adoo de medidas especficas e

    legislao prpria. De acordo com Garfield (2000, p.15), sem mesmo serem

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    ouvidos, os ndios receberam o papel de heris, e eram parte de um projeto mais

    amplo se ocupar e desenvolver o interior do Brasil.

    Havia ainda um elemento fundamental para o projeto de construo da

    nacionalidade, o modelo de cidado, afinal, o novo Estado no pode prescindir de

    um novo cidado: o trabalhador. (Oliveira, 1982, p.12). O Presidente (VARGAS,

    1938a, p. 339), inclusive, declara que reservamos ao trabalhador lugar de honra;

    faremos tudo para estimul-lo, proteg-lo, garanti-lo em seus direitos. Para tanto,

    segundo ngela Maria de Castro Gomes (1982, p. 151), estrutura-se uma ideologia

    poltica de valorizao do trabalho e de reabilitao do papel e do lugar do

    trabalhador nacional, de onde decorre toda uma legislao especfica e at a

    criao da Justia do Trabalho, componentes importantes da poltica interna dogoverno Vargas.

    Este , em linhas gerais, o perfil do regime estadonovista, sob o qual o

    Brasil se encontrava no momento da ecloso da Segunda Guerra Mundial. A seguir

    apresentaremos as caractersticas e orientaes da poltica externa do regime,

    buscando atentar para os condicionantes impostos tanto pela conjuntura externa do

    perodo, quanto ao projeto nacional de desenvolvimento.

    2.2 A poltica externa do Estado Novo

    Fiel tradio brasileira, de que os governos se sucedem ou seeternizam levando mais em conta as pessoas que os programas, onovo regime varguista concede pouca importncia aos objetivosgovernamentais de poltica externa. De qualquer modo, a polticaexterna do Estado Novo no poder, em virtude das circunstnciasinternacionais, escolher livremente seus objetivos. Estes lhe seroimpostos pelos acontecimentos que o mundo se prepara para viver.(SEINTENFUS, 1985, p. 155).

    A implantao do Estado Novo teve boa acolhida em Berlim e Roma, j

    em Washington, houve uma apreenso inicial. Entretanto, logo a situao se

    inverteu, pois a postura externa do Brasil no foi exatamente a que se esperava.

    Neste sentido, talvez a poltica externa seja o exemplo mais acabado de como

    existiam limites para a identificao do Estado Novo com os regimes fascistas

    europeus e de como precipitado fazer a automtica ligao entre os regimes. O

    Itamarati buscou sempre deixar claro que o novo regime no implicaria emmudanas radicais no rumo da poltica externa, conforme a Circular s Misses

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    Diplomticas estrangeiras no Rio de Janeiro, datada de 17 de novembro de 1937

    (citada por SEITENFUS, 1985, p. 164):

    A transformao poltica por que acaba de passar o Brasil em nadaaltera a sua tradicional poltica internacional. Continuamos fiis comosempre aos ideais democrticos, pacifistas e pan-americanistas, paraa realizao dos quais estamos agora com meios de ao maisfortes, rpidos e decisivos. A nossa carta poltica no obedece aosditames de nenhuma ideologia extica. Ela consagra a realidadebrasileira e se ajusta s nossas necessidades dentro do mundomoderno. No nos seduziram conselhos, inspiraes ou sugestes,que nunca existiram nem o nosso patriotismo admitiria, de qualquerlder de grande fama mundial. No cogitamos tampouco por nsmesmos de imitar exemplos de fora. Dentro da agitao dahumanidade contempornea tiramos no momento oportuno a lio

    prtica e realista da experincia histrica sinceramentecompreendida e aceita de meio sculo de regime republicano. aclara viso do presente, sem repdio do passado e com apreocupao constante do futuro.

    Na realidade o pas no teve nenhuma ao externa que levasse a crer

    em um alinhamento direto s potncias do Eixo. Ao contrrio, o Brasil buscou manter

    uma postura que no se chocasse com os interesses dos EUA e tambm no

    desagradasse a opinio pblica interna por exemplo, no assinando o Pacto anti-

    Komintern13. (CERVO; BUENO, 1992).Apesar da insistncia da Itlia, o governo brasileiro se absteve de

    participar do Pacto para no deteriorar suas relaes com os Estados Unidos. Na

    ocasio, a voz de Osvaldo Aranha se fez ouvir, inclusive ameaando renunciar, caso

    o Brasil assinasse o Pacto, alm do seu trabalho intenso junto Embaixada

    brasileira em Washington para minimizar as desconfianas quanto ao novo regime e

    desmentir seu alinhamento com o Eixo. (SEITENFUS, 1985).

    Assim, apesar da suspenso do pagamento da dvida externa as relaesBrasil Estados Unidos se mantiveram intactas. A disposio brasileira em manter

    aberto um canal para renegociao da dvida tambm foi fundamental para isso,

    alm da justificativa apresentada pelo pas. A deciso foi mais econmica do que

    poltica e se explica pela queda crescente no volume de exportaes brasileiro

    13Em 1936, o governo japons assinou com a Alemanha o Pacto Anti-Komintern (anticomunista) com

    o objetivo de combater o comunismo que ganha impulso internacional e tinha na URSS a principalliderana. A princpio entre japoneses e alemes, posteriormente, foi aderido por Espanha, Hungria eItlia e significou a constituio prvia do bloco fascista.

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    desde 1928, que culminou com a ruptura no equilbrio da balana comercial em

    1937, inviabilizando o pagamento, conforme explicita a tabela.

    Tabela 1: Balana comercial brasileira e o pagamento da dvida externa

    (1928-1934)

    Ano Exportaes Importaes BalanaPagamento da

    dvida1928 97.426 90.668 6.758 16.1351929 94.831 86.653 8.178 17.3901930 65.745 53.618 12.127 19.8831931 49.543 28.735 20.808 17.6891932 36.629 21.744 14.885 6.6821933 35.790 28.131 7.659 6.4491934 35.239 25.467 9.772 7.1081935 33.011 27.431 5.580 7.4941936 39.069 30.065 9.004 8.0121937 42.529 40.607 1.922 9.9001938 36.337 35.834 503 suspenso

    Fonte: ARANHA, 1939 apud SEITENFUS, 1985, p. 165.

    Outros dois acontecimentos importantes tiveram contribuio e tambm

    indicaram que a diplomacia norte-americana gozava de maior prestgio que a alem

    junto ao Brasil: a crise diplomtica entre o Rio de Janeiro e Berlim, em 1938 e a

    Misso Aranha, em 1939. (CERVO; BUENO, 1992).

    As medidas de assimilao e nacionalizao implantadas pelo novo

    regime desagradavam Berlim por atingirem especialmente as colnias de origem

    alem. A medida que mais incomodava era a proibio dos partidos polticos, que

    acabou com as atividades do Partido Nacional Socialista Alemo (NSDAP) no pas.

    O Embaixador alemo no Brasil, Karl Ritter, adota uma posio vigorosa contra a

    nova legislao e inicia uma longa srie de protestos junto ao governo brasileiro,

    solicitando audincia particular com o Presidente Vargas. Diante da insistncia de

    Ritter, Vargas concede a audincia, em que o Embaixador condiciona as relaes

    econmicas e comerciais entre os dois pases resoluo de forma positiva da

    questo do NSDAP. So trs os pontos cruciais da preocupao alem: a situao

    dos cidados do Reich e membros do partido, a situao dos germano-brasileiros e

    a questo das escolas alems. Tambm ponto de discusso as manifestaes

    anti-germnicas presentes na imprensa brasileira. (SEITENFUS, 1985).

    As promessas de negociao feitas pelo Presidente no resultam em

    nenhum efeito prtico e Ritter busca elementos que expliquem a atitude brasileira.

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    Em relatrio enviado Berlim, ele destaca duas possibilidades: a vontade do Brasil

    de eliminar as diferenas tnicas da sua populao e a dependncia poltica em

    relao aos Estados Unidos. Apesar de reconhecer no prprio Presidente e de

    alguns militares e ministros influentes a simpatia pelo elemento alemo, encontra-se

    ctico quanto a uma soluo positiva ao impasse. Aps farta correspondncia e

    nova audincia do Embaixador com autoridades brasileiras, desta vez com o

    Ministro das Relaes Exteriores Osvaldo Aranha, as relaes bilaterais

    encaminham-se para uma irreversvel deteriorao. Tendo visto frustrada sua

    manobra para substituio do Embaixador alemo sem que o Brasil precisasse se

    pronunciar oficialmente, Aranha toma uma medida drstica para impedir o retorno de

    Ritter ao declar-lopersona non grata14. Berlim recebe muito mal a atitude brasileirae em represlia tambm solicita a remoo imediata do Embaixador brasileiro no

    Reich. A partir de outubro de 1938, portanto, a crise germano-brasileira atinge seu

    ponto mximo e os dois pases no tm mais encarregados de negcios defendendo

    seus interesses. (SEITENFUS, 1985). A situao diplomtica s ir se normalizar em

    junho de 1939, com a nova troca de embaixadores.

    A Misso Aranha ocorreu entre fevereiro e maro de 1939, j em uma

    conjuntura de eminncia da guerra e estimulada pela preocupao norte-americanacom o crescimento das relaes comerciais entre Brasil e Alemanha15. A poltica

    comercial brasileira foi bastante pendular no perodo, voltando-se ora para a

    Alemanha, ora para os EUA. Entre 1934-1938 a presena dos EUA no Brasil foi

    ameaada pela alem, chegando a ser superada em 1936,1937 e 1938, apesar do

    Tratado assinado com os EUA em 1935, baseado na clusula da Nao mais

    14A expresso (doLatim,no plural:personae non gratae), cujo significado literal "pessoa no bemvinda", um termo utilizado em diplomacia com significado especializado e juridicamente definido.Segundo a Conveno de Viena sobre Relaes Diplomticas (1965), no seu Artigo 9; 1: O Estadoacreditado poder a qualquer momento, e sem ser obrigado a justificar a sua deciso, notificar aoEstado acreditante que o Chefe da Misso ou qualquer membro do pessoal diplomtico da Misso persona non grataou que outro membro do pessoal da misso no aceitvel. O Estado acreditante,conforme o caso, retirar a pessoa em questo ou dar por terminadas as suas funes na Misso.Uma pessoa poder ser declarada non grataou no aceitvel mesmo antes de chegar ao territrio doEstado acreditado.15 A apreenso norte-americana encontrava respaldo nos nmeros do comrcio brasileiro. AAlemanha, que em 1932 participava com um percentual de 9% nas importaes do Brasil, saltou para23,5%, 23,9% e 25%, respectivamente em 1936, 1937 e 1938. Os Estados Unidos, que em 1932

    detinham a cifra de 30,2% das importaes brasileiras, caram para 22,1%, 23% e 24,2%, tambmrespectivamente. Quanto s exportaes, os Estados Unidos, que compravam 45,8% dos produtosbrasileiros em 1932, em 1938 compraram apenas 34,3%, enquanto a Alemanha, que em 1932recebia 8,9% dos produtos, em 1938 passou a receber 19,1%. (CERVO; BUENO, 1992, p. 232).

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Latimhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Diplomaciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Diplomaciahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Latim
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    favorecida.16 J com a Alemanha, o Brasil estabeleceu relaes baseadas no

    comrcio compensado17. Desta forma, o pas recorria a duas modalidades de

    comrcio que, em tese, se excluam, evidenciando a ambigidade de sua poltica

    comercial. (CERVO; BUENO, 1992).

    No por acaso, as conversaes entre Osvaldo Aranha e o prprio

    Presidente Roosevelt (ocorridas em duas situaes, em 12 de fevereiro e 8 de

    maro) versaram fundamentalmente sobre a conjuntura internacional, em particular

    acerca das conseqncias de um provvel conflito na Europa. O Brasil foi alertado

    para o perigo de uma maior aproximao com a Alemanha e declarou sua

    disposio em colaborar com as aes norte-americanas visando paz, ressaltando

    porm, que para tanto, seria necessrio o nosso equipamento econmico e militar.(CORSI, 2000, p. 115).

    Apesar do tom inicial das negociaes, o eixo dos encontros foi mais

    econmico do que poltico, centrando-se nas questes cambiais e comerciais e

    ligadas criao de um banco central. Osvaldo Aranha adotou certas posturas,

    classificadas por Corsi (2000, p.121) como vinculadas luta no interior do Estado

    Novo entre as foras pr-Alemanha e pr-EUA. Para ele, ao adotar este

    procedimento, Aranha esperava criar um fato consumado, que contribusse paradefinir a poltica exterior brasileira a favor de uma inequvoca aproximao com os

    EUA.

    Entretanto, as pretenses brasileiras de financiamento do

    desenvolvimento com capital norte-americano no foram contempladas, pois o

    governo dos EUA no estava muito interessado na industrializao brasileira, por

    entender esta economia como complementar a sua. Assim, os resultados da Misso

    foram bastante inferiores queles almejados, encontrando repercusso interna muitonegativa, especialmente entre os militares, opositores diretos de Aranha. Porm, foi

    na rea militar o maior ganho da Misso, ao iniciar o movimento de aproximao

    entre os dois Exrcitos. (CORSI, 2000).

    16A Clusula da Nao mais Favorecida determina que um produto transacionado no mercadointernacional por um pas com qualquer outro deveria ter as mesmas taxas de importao praticadasem relao a outros pases. Ou seja, deveriam ser aplicados os mesmos direitos aduaneiros (tarifasde importao) a todos os seus parceiros comerciais, com base na menor tarifa praticada.

    (DEPONTI, 2000).17Esta modalidade de comrcio consiste em um sistema em que importaes e exportaes eramfeitas base de troca de mercadorias, cujos valores eram contabilizados nas caixas decompensao de cada pas. (CERVO; BUENO, 1992, p. 233).

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    Para Cervo e Bueno (1992, p. 226), o Ministro Osvaldo Aranha foi uma

    espcie de contra-peso no governo em relao aos elementos simpatizantes das

    potncias do Eixo. Estes elementos encontravam-se principalmente na cpula do

    exrcito brasileiro e possuam forte papel no governo atravs do Chefe do Estado

    Maior do Exrcito, General Gis Monteiro e do Ministro da Guerra, General Dutra. O

    primeiro, um dos articuladores do golpe do Estado Novo, defendia a atuao poltica

    do Exrcito dentro de um Estado nos moldes dos regimes autoritrios europeus,

    sendo, portanto, apoiador da aproximao do Brasil com o Eixo. Dutra comungava

    das idias de Gis Monteiro, tendo sido seu colega na Escola Superior de Guerra e

    foi, inclusive, nomeado por sua indicao ao Ministrio. (PINTO, 1999).

    Tendo na cpula do governo, duas faces diametralmente opostas emsuas posies, o Presidente Vargas precisou atuar de forma a manter o equilbrio na

    atuao internacional do Brasil. Porm, a prpria nomeao de Aranha, antes

    Embaixador em Washington, para o cargo de Ministro das Relaes Exteriores j

    demonstra um certo pendor da poltica externa brasileira para o alinhamento aos

    EUA, desafiando as suposies acerca das afinidades com o nazi-fascismo.

    A questo siderrgica tem papel de relevo na formulao da poltica

    externa por ser um dos pilares do projeto de desenvolvimento estadonovista e ilustrabem a estratgia brasileira de aproveitar o embate entre os dois blocos na eminncia

    da guerra para obter os melhores resultados econmicos. A busca por capitais

    externos para investir no setor leva o Brasil a negociar com EUA e Alemanha,

    oscilando entre as conversaes com a U.S. Steel Co. e a Krupp. (CORSI, 2000).

    Esta situao s possvel pela existncia de dois sistemas de poder

    concorrentes no plano internacional, ansiosos por ampliar e solidificar alianas,

    tratando para isso de fazer concesses e acenando com as vantagens de suaproteo, (...) Alemanha e Estados Unidos disputam o Brasil. (MOURA, 1980, p.

    62). Esta conjuntura internacional favorece o Brasil, que v ento sua margem de

    atuao ampliada. Por fim, o financiamento acabou vindo atravs do capital norte-

    americano, representando mais um passo dos EUA na conquista de apoio brasileiro

    em um eventual conflito mundial.

    Aproveitar as disputas entre estes sistemas de poder passa a ser a

    conduta adotada pelo Brasil. A prpria poltica externa brasileira responde

    diretamente dinmica da conjuntura interna do pas, que se v dividido em

    tendncias pr-Eixo e pr-EUA. Assim adota-se uma poltica de indefinies ou de

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    eqidistncia pragmtica entre os centros hegemnicos emergentes. Esta trajetria

    no , no entanto, retilnea, mas compreende aproximaes alternadas e at

    simultneas. A eqidistncia de 1935 a 1941 produziu ganhos significativos no

    plano internacional e aumentou sem dvida o poder de barganha do governo

    brasileiro. (MOURA, 1980, p. 63).

    Mantendo a mesma linha de conduta, com a deflagrao da Segunda

    Guerra Mundial o Brasil declara-se neutro, atravs do Decreto-lei n 1561, em 2 de

    setembro de 1939. Mesmo antes disso as autoridades brasileiras j acompanhavam

    o desenrolar da poltica internacional com apreenso e no vislumbravam a

    possibilidade do conflito restringir-se ao continente europeu. Em 29 de junho de

    1939 o Ministro Osvaldo Aranha procurou o Presidente da Repblica para propor asregras da neutralidade. Na mesma ocasio, anteviu as dificuldades enfrentadas pelo

    Brasil em manter a neutralidade, caso a guerra se generalizasse, como ocorrera na

    Primeira Guerra. A partir deste cenrio tambm sugeriu providncias, entre, elas:

    arregimentar a opinio pblica, economizar combustveis e trigo, proibir a exportao

    de ferro, regularizar vencimentos e obrigaes internacionais, bem como a

    constituio de estoques de produtos indispensveis e racionalizao de seu

    consumo. (CERVO; BUENO, 1992).A adoo da neutralidade foi defendida e justificada pelo Presidente

    Vargas perante a imprensa em outubro de 1939:

    Politicamente nada nos prende aos beligerantes. No existem, nestaou naquela parcialidade, laos profundos de linguagem ou decostumes que nos arrastem e empolguem irremediavelmente.Eqidistantes de ambos os grupos pelo pensamento poltico, notemos, para intervir na luta, sequer a justificativa dos interesseseconmicos. (VARGAS, 1938b, p. 25).

    Para Cervo e Bueno (1992, p. 228) a neutralidade foi violada mais de

    uma vez em razo da falta de capacidade militar brasileira para exercer a vigilncia

    em todo o extenso litoral. Mesmo assim, o Presidente deixou claro na mesma

    ocasio as caractersticas da postura adotada pelo Brasil:

    Neutralidade no quer dizer passividade. A verdadeira atitude neutralse traduz pela vigilncia e iseno de nimo em face de situaesque no concorremos para criar e nas quais no desejamos intervir.

    [...] Ali, assentamos por consenso unnime e livre das naesamericanas, manter a frente comum contra a guerra, defender a paz

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    continental e assegurar o intercmbio de nossas atividades.(VARGAS, 1938b, p. 26).

    Houve ainda um episdio de grande repercusso no perodo, que abalou

    a imagem de neutralidade a qual o Brasil vinha buscando se vincular: o discurso de

    Vargas comemorativo ao 11 de junho18 bordo do encouraado Minas Gerais, no

    Arsenal da Marinha, em 1940. O discurso foi feito no momento da queda da Frana,

    quando as foras do Reich pareciam mais fortes e a expectativa era de que o Brasil

    ficaria ao lado do Eixo. (CARONE, 1976). Seintenfus (1985p.308) ainda aponta que

    quando se analisa as tomadas de posio favorveis o Eixo defendidas por Gis

    Monteiro [...] difcil admitir que ele no estivesse envolvido na redao do discurso

    [...] De qualquer maneira, ainda que Vargas seja o nico responsvel [...] evidenteque a escolha do momento e sobretudo de seus ouvintes no devida ao acaso.

    No discurso, Vargas faz uma anlise da situao mundial ao afirmar:

    atravessamos, ns, a Humanidade inteira transpe, um momento histrico de

    graves repercusses, resultante de rpida e violenta mutao de valores. Na sua

    avaliao: marchamos para um futuro diverso de quanto conhecamos em matria

    de organizao econmica, social, ou poltica, e sentimos que os velhos sistemas e

    frmulas antiquadas entram em declnio. Tambm ressalta que esta nova etapaser conquistada por cada povo, uma vez que os povos vigorosos, aptos vida,

    necessitam seguir rumo das suas aspiraes, em vez de se deterem na

    contemplao do que se desmorona e tomba em runa. E ainda completa, que

    preciso, portanto, compreender a nossa poca e remover o entulho das idias

    mortas e dos ideais estreis. (SEITENFUS, 1985).

    O discurso tem grande repercusso tanto internamente, quanto no

    exterior, gerando manifestaes de satisfao e mal-estar e dividindo opinies. No

    Brasil, a reao mais significativa foi do Ministro Aranha, que aconselha Vargas a

    publicar uma declarao explicando as verdadeiras razes que o levaram a fazer o

    discurso, em uma tentativa de minimizar o choque causado pelo pronunciamento em

    Washington. O prprio Presidente (VARGAS, PEIXOTO, 1995, p. 319) aponta em

    seu dirio no dia 11 de junho que o discurso que pronunciei teve muita repercusso,

    produzindo alguma surpresa pelo tom, julgado muito forte e, por outros, tido,

    insensatamente, como germanfilo. No dia 12 ele reitera: fervem os comentrios

    18A comemorao se d pela vitria da Batalha do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, em 11 dejunho de 1877.

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    em torno do discurso do dia 11: os alemes embandeiraram, os ingleses atacaram,

    os americanos manifestaram-se consternados. Internamente, acusam-me de

    germanfilo e conclui: vou publicar uma nota explicativa.

    Apesar das reaes entusiasmadas nas capitais do Eixo, o

    descontentamento dos norte-americanos encarado com muita preocupao pelo

    Brasil. Desta forma, acatada a sugesto de Aranha para tranqilizar os nimos nos

    EUA. Uma nota explicativa ento publicada pelo Departamento de Imprensa e

    Propagando (DIP) no dia seguinte ao do discurso, afirmando que o propsito da fala

    do Presidente foi to-somente a vida interna do seu pas e chamar a ateno dos

    brasileiros para as transformaes que se esto operando no mundo, justificando,

    assim, a necessidade de se fortalecer o Estado, econmica e militarmente. Em umrecado explicito ao bloco dos pases liberais, especialmente os Estados Unidos, o

    comunicado reafirma a neutralidade:

    A poltica externa do Brasil de inteira solidariedade americanaintegral, na defesa comum do continente contra qualquer ataquevindo de fora, o nosso pas, por sua vez, no intervm em conflitoseuropeus, mantendo estrita neutralidade. As relaes entre o Brasil eas outras naes da Amrica, principalmente os Estados Unidos,nunca foram to boas quanto agora.

    O desenrolar desta situao, demonstrou que o Brasil permanecia fiel

    sua poltica de indefinio, mas, j deixa claro, que os limites desta atuao

    comeam a aparecer. Mesmo aps a declarao de neutralidade, a atitude dbia

    brasileira parecia a mais correta na busca pela consolidao de dois objetivos que

    permaneciam em aberto: a ampliao da ajuda econmica e o rearmamento das

    Foras Armadas. Fatores internos e externos tambm contribuam para a

    manuteno da indefinio, como a fora da faco pr-Eixo no governo e aindefinio em fins de 1940 da situao da guerra. Vargas evitava assumir

    compromissos formais, mas j percebia que sua possibilidade de manobra vinha se

    estreitando, enquanto as presses norte-americanas s aumentavam. (CORSI,

    2000).

    Estava aberto ento o caminho para o alinhamento aos Estados Unidos e

    o abandono definitivo da neutralidade. As circunstncias em que estes eventos se

    deram e como eles fora