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Entrevista com Lutero

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Page 1: Entrevista com Lutero

Chamada da entrevista – “Cristãos autênticos são os que trazem a vida e o nome de Cristo

para dentro de sua vida”. O que Lutero teria a dizer para os dias de hoje? E se ele tivesse

liderado o movimento da Reforma há poucos meses e fosse possível entrevistá-lo? Foi o que

nós fizemos. No culto de hoje vamos receber o Dr. Martinho Lutero. Uma salva de palmas...

Entrevistador – Olá Doutor Lutero. É um prazer receber o senhor, reconhecido

internacionalmente como teólogo, pregador e reformador. Qual a sua primeira

mensagem para os luteranos, membros desta congregação?

Lutero – Primeiro quero dizer que continuo inconformado com o fato de igrejas e pessoas se

chamarem de “luteranas”. Eu peço, por favor, não vangloriem o meu nome, mas vangloriem-se

de ser cristão. Afinal, quem é Lutero? A doutrina não é minha. Muito menos fui eu o crucificado

em favor de alguém. Seria muita pretensão de um miserável e fedorento saco de vermes como

eu, se quisesse que os filhos de Cristo fossem chamados pelo meu nome. Gostaria muito que

as siglas se acabassem e nos chamássemos todos de cristãos. Afinal, é de Cristo que temos a

doutrina.

Uma segunda observação é para não valorizarmos demais as minhas palavras, já que

não há receitas prontas para os nossos problemas. “Queria que todos os meus livros fossem

sepultados e esquecidos para sempre, para dar lugar a outros melhores.” Eu entendo que vivi

na minha época e para a minha época. Para mim, nós deveríamos olhar com atenção para

este tempo, que é totalmente diferente do tempo em que eu vivi, encontrando por vocês

próprios a melhor forma de pregar e viver a palavra de Deus. E mais: “Aproveitem a palavra de

Deus e sua graça enquanto estão aí, pois elas são como chuva de verão, que não retorna ao

lugar por onde passou.”

Entrevistador – Dr. Lutero... hoje é dia 31/10, dia em que a Igreja Cristã Protestante

celebra a Reforma. Para o senhor, o que foi a Reforma?

Lutero – Para mim a Reforma tem a ver principalmente com as palavras “justiça de Deus”. Eu

tratei de estudar muito o que é esta justiça na Carta aos Romanos. Odiava essa expressão,

porque todos os professores tinham me ensinado que esta era a justiça com a qual Deus é

justo e castiga os pecadores e injustos. A esse Deus, justo e que pune, eu não amava. Ao

contrário, eu odiava. Mesmo quando era monge e vivia de modo exemplar, continuava me

sentindo pecador. Era torturado pela minha consciência.

Entrevistador – Mas o que Romanos tem a ver com essa história?

Lutero – Pois é. Eu procurei em vários textos bíblicos entender isto, mas sempre de novo eu

acabava batendo naquela passagem do capítulo 1 de Romanos: “A justiça de Deus se revela

no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá por fé.” Não entendia a relação

entre as palavras. Que será que Paulo queria dizer? Pensava, pensava... e sem descobrir, eu

ficava confuso e muitas vezes eu ficava furioso. Aí Deus teve pena de mim. Finalmente,

entendi que a justiça ali expressada é aquela justiça que vivemos pela dádiva de Deus, a fé. A

justiça de Deus é revelada através do evangelho, é a justiça que Deus cria em nós pela fé.

Exatamente como está escrito: “O justo viverá por fé”.

Page 2: Entrevista com Lutero

Entrevistador – Nossa! Que legal! E quais foram as conseqüências disso para o senhor?

Lutero – Sabe, foi como se eu tivesse renascido. Foi como se Deus me fizesse estar passando

pelas portas do paraíso. A Escritura, depois que eu a li nessa perspectiva, ficou totalmente

diferente. A frase “justiça de Deus”, antes odiada, passou a ser para mim a mais amada de

todas. Quanto ao resto, bem, vocês conhecem a história: indulgências, briga com Roma e com

o imperador, introdução da Reforma em comunidades e escolas, tradução da Bíblia, liturgia e

hinos, catecismo… e por aí vai. Todo o resto foi decorrência dessa descoberta e do

compromisso posto por Deus para quem vivenciou esta mudança.

Entrevistador – Dá para perceber o quanto o estudo da Escritura ajudou o senhor. O que

o senhor sugere para quem lê a Bíblia?

Lutero – É fundamental procurar as partes que apresentam Cristo Jesus e ensinam tudo o que

é necessário e bom saber sobre ele. O evangelho e a primeira carta de João, as cartas de

Paulo - em especial Romanos, Gálatas e Efésios - e a primeira carta de Pedro são como o

esqueleto, entre todos os livros. Cada pessoa cristã deveria lê-los por primeiro e com maior

freqüência. Ali achará enfatizado de forma magistral como a fé em Cristo supera o pecado, a

morte e o inferno. Perceberá que a obra de Jesus dá vida, justiça e salvação. Ali achará o

evangelho propriamente dito.

Entrevistador – Nossa, quanta coisa importante e interessante! Mas até agora o senhor

falou quase que exclusivamente sobre aquilo que Deus faz. E nós, Dr. Lutero?

Especialmente nós, pessoas cristãs, que fazemos nós?

Lutero – Pessoas cristãs autênticas são as que trazem a vida e o nome de Cristo para dentro

de sua vida. A pessoa cristã não vive em si mesma, mas em Cristo e em seu próximo, ou então

não é vida cristã. Vive em Cristo pela fé; no próximo, pelo amor. Pela fé a pessoa cristã é

levada para o alto, acima de si mesma, para Deus. Por outro lado, pelo amor desce abaixo de

si, até o próximo, assim mesmo permanecendo sempre em Deus e seu amor. Uma pessoa

cristã é senhora absoluta sobre tudo e a ninguém está sujeita. Ao mesmo tempo, no entanto,

serve a tudo e a todos, estando sujeita a todos.

Entrevistador – O senhor tem insistido na doutrina da salvação por graça e fé. Tem

afirmado que não há nada que possamos fazer para merecer a salvação. Na sua opinião,

os cristãos têm também alguma responsabilidade social?

Lutero – Claro que sim! Cristo nos ensina para quem devemos fazer obras, e nos mostra quais

são as boas obras. Todas as obras, com exceção da fé, devemos fazê-las para o próximo.

Deus não exige de nós que lhe façamos uma obra, a não ser unicamente a fé, através de

Cristo. Com a fé ele tem o suficiente. Com ela o honramos como aquele que é misericordioso,

sábio, bom, verdadeiro, e tudo o mais que nosso Deus é. Em resumo, perfeito. Depois disso,

cuide apenas para proceder com o próximo como Cristo procedeu com você, e deixe todas as

suas obras e toda a sua vida visar sempre o bem do próximo. O seu próximo é aquele que

necessita de você para o corpo e a alma.

Page 3: Entrevista com Lutero

Entrevistador – Eu fiz esta pergunta para o senhor porque estamos vivendo uma fase de

mudanças. Como o senhor deve bem saber, hoje é dia de eleição para presidente. E, no

Brasil, estamos vivendo um tempo de muita discussão política. É legítimo que os

cristãos assumam cargos e participem ativamente da política?

Lutero – Primeira coisa. Não se iludam com estas eleições de hoje. Devemos saber que,

desde o início do mundo, um governante sábio é pássaro raro, e mais raro ainda, um

governante honesto. Mas a política é um campo de serviço à coletividade e nenhum cristão

deve assumir cargo político para defender interesses pessoais. Se ele fizer isto para benefício

próprio é um porco miserável que chafurda na própria lavagem. Mas se o fizer em favor de

outros, porém, pode e deve assumir para impedir a maldade e proteger a honestidade.

Entrevistador – Ainda seguindo com assuntos políticos, por que o senhor tem insistido

tanto na necessidade de criar e manter escolas?

Lutero – Na verdade, é pecado e vergonha o fato de termos chegado ao ponto de haver

necessidade de estimular e de sermos estimulados a educar nossos filhos e a juventude... e de

buscar o melhor para eles. Aliás, na minha opinião, nenhum pecado exterior pesa tanto sobre o

mundo perante Deus e nenhum merece maior castigo do que justamente o pecado que

cometemos contra as crianças, quando não as educamos. O ensino escolar é uma vergonha

para o povo. Eu sempre pensei em uma igreja junto de uma escola. Hoje não vejo mais isto. A

sabedoria adquirida nas escolas é a segunda maior bênção depois da fé e da Palavra de Deus,

adquiridas na igreja.

Entrevistador – O senhor então acredita que a sociedade terá algum proveito se investir

em educação?

Lutero – Com toda a certeza! Eu penso que o progresso de um povo não depende apenas do

acúmulo de grandes tesouros, da construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de

armamentos de guerra e da fabricação de muitas defesas. Inclusive, onde existem muitas

coisas dessa espécie e aparecem alguns tolos sem estudo e enlouquecidos, o prejuízo é muito

pior e maior para a sociedade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é

quando possui muitos homens e mulheres bem instruídos, muitos cidadãos ajuizados,

honestos e bem-educados. Estes, então, também podem acumular, preservar e usar

corretamente riquezas e todo tipo de bens.

Entrevistador – O senhor é lembrado como alguém que valoriza o trabalho como uma

verdadeira vocação. Poderia explicar isso um pouco melhor?

Lutero – Veja bem! Um sapateiro, um metalúrgico, um agricultor, cada um tem o ofício e a

ocupação própria de seu trabalho. Mesmo assim, todos são como sacerdotes ou bispos

ordenados por Deus de igual modo, mas cada um deve ser útil e prestativo aos outros com o

seu ofício ou ocupação, de modo que múltiplas ocupações estão voltadas para uma

comunidade, para promover corpo e alma, da mesma forma como todos os membros do corpo

servem uns aos outros. Deus nos vocaciona para desempenharmos da melhor forma possível

o nosso trabalho e assim estarmos servindo ao seu Reino. Por isto digo: Faça sempre o melhor

que você puder no que você faz. Isto será um bom testemunho da sua fé cristã.

Page 4: Entrevista com Lutero

Entrevistador – Bem, o nosso tempo está se esgotando... gostaria de lhe pedir que

fizesse as suas considerações finais. O que o senhor tem a dizer para o povo de hoje,

Doutor Lutero?

Lutero – Gostaria de dizer que a Reforma foi uma batalha para que a Palavra de Deus

voltasse a ser a única norma de vida dos cristãos. Eu batalhei muito contra posicionamentos

políticos, sociais e econômicos. Mas isto foi apenas algo a mais na minha revolta contra a

igreja e o estado. O principal sempre será a pregação verdadeira do Evangelho. A doutrina que

leva o meu nome, luterana, está alicerçada nesta verdade. É uma doutrina séria e que com

certeza nos encaminha para o céu. Aos irmãos na fé de hoje peço que jamais se esqueçam do

Sola Fide, Sola Gratia, Sola Scriptura. Somente a fé é que salva. Somente a graça de Deus

que nos traz à fé. Somente a Escritura, a Palavra de Deus, tem poder para criar e manter esta

fé em nós. E por fim, somente Cristo. Ele é a única porta pela qual chegamos à comunhão do

céu. Que Deus abençoe a cada cristão. Amém.