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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES MARIANA FLORES PAZ CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO PARA IDENTIFICAÇÃO DE POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS QUE POSSAM GERAR BARREIRAS EM NEGOCIAÇÕES VIÇOSA 2006

브라질과 중국 조직문화 비교연구

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브라질 제이칭뉴와 중국의 콴시의 비교

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIOSA

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

    DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES

    MARIANA FLORES PAZ

    CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO

    PARA IDENTIFICAO DE POSSVEIS DIVERGNCIAS QUE POSSAM GERAR

    BARREIRAS EM NEGOCIAES

    VIOSA

    2006

  • I

    MARIANA FLORES PAZ

    CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO

    PARA IDENTIFICAO DE POSSVEIS DIVERGNCIAS QUE POSSAM GERAR

    BARREIRAS EM NEGOCIAES

    Monografia apresenta ao curso de Secretariado

    Executivo Trilnge, do Departamento de

    Letras e Artes, do Centro de Cincias

    Humanas, Letras e Artes, como requisito

    parcial para obteno do ttulo de Bacharel em

    Secretariado Executivo Trilnge.

    Orientadora: Dbora Carneiro Zuin.

    VIOSA

    2006

  • II

    MARIANA FLORES PAZ

    CULTURA ORGANIZACIONAL BRASILEIRA E CHINESA: UM PARALELO

    PARA IDENTIFICAO DE POSSVEIS DIVERGNCIAS QUE POSSAM GERAR

    BARREIRAS EM NEGOCIAES

    Monografia apresenta ao curso de Secretariado Executivo Trilnge, do Departamento de Letras e Artes, do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes, como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Secretariado Executivo Trilnge.

    Aprovada em 21 de agosto de 2006.

    COMISSO EXAMINADORA

    _____________________________________________

    Prof Dbora Carneiro Zuin Departamento de Letras e Artes Universidade Federal de Viosa Orientadora

    _____________________________________________

    Prof. Odemir Vieira Bata Departamento de Letras e Artes Universidade Federal de Viosa

    _____________________________________________

    Prof. Bruno Tavares Departamento de Administrao Universidade Federal de Viosa

    Nota:__________

  • III

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo aos meus pais pelo exemplo. Aos meus irmos pelo incentivo.

    Aos antigos e novos amigos pelos momentos de descontrao, em especial s minhas

    amigas de Viosa com as quais compartilhei os melhores momentos da minha vida

    universitria.

    Agradeo aos professores que estiveram presentes durante os anos de minha

    graduao. De forma especial, agradeo professora Dbora e ao professor Odemir que muito

    contriburam para o cumprimento deste trabalho final.

    Por fim, agradeo pessoa com a qual divido minhas maiores alegrias, mas que

    tambm sempre estar ao meu lado nos momentos difceis: Tyago, obrigada por tudo.

  • SUMRIO

    1. Introduo...........................................................................................................................5 1.1 Justificativa.....................................................................................................................7 1.2 Objetivos.......................................................................................................................10

    1.2.1 Objetivo Geral: ............................................................................................................10 1.2.2 Objetivos Especficos: .................................................................................................10

    1.3 Metodologia..................................................................................................................11 2. Referencial Terico ..............................................................................................................12

    2.1.1 Organizaes ...............................................................................................................17 2.2 Cultura Organizacional.......................................................................................................19

    2.2.1 Cultura organizacional e cultura nacional ...................................................................25 2.3 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ......................................................................31

    2.3.1 Cultura brasileira: suas razes e diversificao cultural...............................................31 2.3.2 Cultura Brasileira e Cultura Organizacional ...............................................................37

    2.4 Cultura Chinesa e Cultura Organizacional .........................................................................47 2.4.1 Um breve histrico da China .......................................................................................47 2.4.2 China: futura maior potncia mundial .........................................................................55 2.4.3 Organizaes Chinesas: o capitalismo socialista.........................................................59 2.4.4 Cultura chinesa: respeito tradio milenar................................................................60 2.4.5 Traos da cultura chinesa nos negcios: dificuldades encontradas pelo Brasil ..........63

    2.5 Brasil X China: barreiras culturais superveis ..................................................................70 3. Concluso .............................................................................................................................72 Referncias Bibliogrficas........................................................................................................76

  • 5

    1. INTRODUO

    O mundo globalizado gera a necessidade das empresas se lanarem no mercado

    internacional. Por outro lado, na acirrada competitividade desse mercado, sair em vantagem

    sobre as demais aquelas que melhor estiverem preparadas.

    Nesta preparao exigida das empresas antes de se projetarem num novo ambiente

    internacional, est a necessidade de identificao das culturas organizacionais. Isso porque

    cada empresa ter uma espcie de identidade que ir reger toda sua vida corporativa,

    influenciando at mesmo na tomada de decises.

    Ainda quando o intuito alcanar o mercado global, a identificao da cultura

    organizacional torna-se imprescindvel. Vemos que as empresas tm culturas diferentes

    quando se localizam em pases diferentes, por mais que sejam do mesmo segmento, vendam o

    mesmo produto, etc. Isso ocorre porque a cultura organizacional possui forte ligao com a

    cultura do local em que se ambienta.

    No final das contas, acabam existindo vrios aspectos que condicionam essas diferenas culturais entre as empresas. claro que a cultura de uma empresa ser sempre diferente da cultura de uma tribo, e ser sempre semelhante cultura de outra empresa. Porm, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, a cultura nacional. Os pressupostos bsicos, os costumes, as crenas e os valores, bem como os artefatos

  • 6

    que caracterizam a cultura de uma empresa, trazem sempre, de alguma forma, a marca de seus correspondentes na cultura nacional. No h como, portanto, estudar a cultura das empresas que operam em uma sociedade, sem estudar a cultura ou as culturas dessa sociedade (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18).

    O presente trabalho visa compreender como a cultura organizacional de empresas

    brasileiras e chinesas devem reagir quando so confrontadas. Isso porque, diante do

    surpreendente crescimento da economia chinesa, a corrida pelo seu grande mercado dever

    atingir tambm as empresas brasileiras. No que estas negociao ainda no existam. Ainda

    de forma muito tmida, estas negociaes devero ser intensificadas de forma muito rpida.

    Sendo assim, se empresas brasileiras tm grande interesse em atingir o mercado

    chins, devero estar atentas s divergncias culturais que podem existir. Algumas dessas

    diferenas so extremamente visveis como, por exemplo, o fato de um ser capitalista e o

    outro socialista, um ocidental e outro oriental. Mas as diferenas culturais devero ir muito

    alm disso.

    Neste sentido, as empresas brasileiras que almejam obter sucesso nas transaes com a

    China devero identificar esses traos culturais chineses, de maneira que estes no se

    transformem em barreiras s possveis negociaes.

    Desta forma, o presente trabalho est dividido em cinco captulos. O primeiro captulo

    nos remete importncia da cultura na estruturao da sociedade. O segundo captulo busca

    demonstrar o processo de formao da cultura organizacional, bem como a sua ligao com a

    cultura do local na qual a organizao se insere. O terceiro captulo direcionado ao estudo da

    cultura brasileira e sua influncia na cultura organizacional brasileira. No quarto captulo, so

    abordadas questes relativas China: um pouco de sua histria, sua importncia para o Brasil,

    seus principais traos culturais, a maneira chinesa de negociar (possveis divergncias com o

    Brasil). Para finalizar, o captulo cinco ressalta como o Brasil deve reagir para impedir que

    diferenas culturais virem barreiras para suas negociaes com a China.

  • 7

    1.1 JUSTIFICATIVA

    Quando se deseja compreender o universo das negociaes, que envolve riscos e muita

    competio, a identificao da influncia da cultura local no ambiente empresarial de

    extrema importncia, uma vez que ela que servir de base para formao da verdadeira

    identidade da organizao.

    Neste sentido, o presente trabalho justifica-se na necessidade cada vez maior de se

    estudar e compreender a cultura organizacional a fim de utiliz-la como ferramenta

    indispensvel para o xito nas negociaes. No caso deste trabalho especfico, que envolve

    dois pases com culturas distintas, este estudo torna-se mais que uma ferramenta, algo

    indispensvel.

    O surpreendente crescimento e desenvolvimento da Repblica Popular da China

    desperta uma corrida entre os pases de todo o mundo, que buscam desfrutar de boas

    negociaes com este pas. Desta forma, verifica-se que estaro em vantagem sobre os demais

    os pases que estiverem bem preparados para esta acirrada competio.

    nesse momento que se verifica a importncia das negociaes com a China para o

    Brasil. Conforme vimos anteriormente, os pases de todo o mundo devero estar atentos ao

    surgimento da nova potncia mundial

    Historicamente, Brasil e China sempre tiveram boas relaes comercias, embora estas

    sempre tenham sido de pouca intensidade. Segundo o Ministrio das Relaes Exteriores

    (2004, p. 49), os dois pases comearam a estabelecer os primeiros contatos comerciais j em

    1949, quando a Repblica Popular da China foi criada. Contudo, devido grande distncia

    geogrfica, o volume de negcios permaneceu reduzido durante um longo tempo.

    A partir de 1974, quando foram formalizadas as relaes diplomticas entre os dois pases, o comrcio bilateral foi se desenvolvendo de forma positiva, embora modestamente em relao ao grande potencial dos respectivos mercados; os contatos comerciais entre o Brasil e a China no aumentaram de forma constante ao longo desses quase trinta anos (Ministrio das Relaes Exteriores, 2004, p. 49).

  • 8

    Entretanto, um fato marcante nesta relao comercial com o Brasil, foi o a entrada da

    China para a OMC, conforme j citado. A partir de ento, o mercado chins seguiu abrindo

    janelas de oportunidades para os exportadores brasileiros. Segundo a Revista Comrcio

    Exterior (2004, p. 19), a entrada da China na OMC despertou a confiana e aumentou o

    nmero de empresas exportadoras e importadoras brasileiras interessadas em comercializar,

    uma vez que os negcios passaram a se situarem em bases legais e transparentes. Outro ponto

    que no podemos esquecer foi a prpria abertura comercial chinesa para o mundo.

    Celso Amorim (apud REVISTA COMRCIO EXTERIOR, 2004, p.06), Ministro de

    Estado das Relaes Exteriores do Brasil, destaca que no ano de 2003 a China passou a um

    dos principais destinos das exportaes brasileiras. O Ministro lembra ainda que de

    extremo interesse do Brasil consolidar e incrementar cada vez mais os fluxos de comrcio

    bilateral.

    E o momento de expanso da economia chinesa considerado por diversos autores um

    momento muito oportuno para as empresas brasileiras que querem se tornar multinacionais.

    (...) esse um momento oportuno, talvez nico, para as demais empresas brasileiras adquirirem experincia e proficincia no mercado internacional. Pelos prximos 5 a 10 anos, talvez mais, as empresas brasileiras que puderem entrar na China sero as grandes vencedoras. Com a entrada da China na OMC, as empresas brasileiras tm maior garantia para concorrer com as empresas locais em iguais condies (CHUNG, 2005, p. 36).

    As negociaes entre Brasil e China ocorrem h algum tempo, mas ainda de maneira

    muito tmida se comparadas ao potencial que podem alcanar. Apesar de recentes incurses

    bem-sucedidas em alguns segmentos, h um imenso trabalho a ser feito e um fabuloso

    potencial a ser explorado (REVISTA COMRCIO EXTERIOR, 2004, p. 21).

    Para citarmos um exemplo de uma grande oportunidade para os brasileiros, Chung

    (2005, p. 34) levanta o seguinte questionamento: Ser que a China consegue alimentar sua

    populao sem depender de fontes externas?. O mesmo autor responde a este

    questionamento afirmando que a falta de campos de cultivo aliada grande poluio e

  • 9

    problemas climticos podem gerar grandes defasagens. Surge ento uma tima oportunidade

    para pases produtores, como o Brasil. Um mercado de 1,3 bilho de consumidores

    potenciais o sonho de qualquer agricultor do mundo inteiro (CHUNG, 2005, p. 35).

    Percebemos ento que as empresas brasileiras devem estar cientes da importncia das

    negociaes com a China e, para que se alcance o sucesso esperado, fundamental que

    estejam devidamente preparadas.

    As semelhanas com o Brasil esto na extenso territorial, distribuio de renda relativamente ruim e algum desemprego, principalmente, no caso chins, no campo. As similaridades, porm, no vo muito alm disso (REVISTA COMRCIO EXTERIOR, 2004, p. 21).

    E neste ponto que o trabalho em questo ir buscar informaes, visando que estas

    to almejadas negociaes possam ocorrer sem que barreiras (em nosso caso, barreiras

    culturais das organizaes) possam impedir esse grande potencial de fluxo de comrcio

    bilateral, Brasil e China.

    Nesta fase de preparao, um dos pontos mais importantes para aqueles que

    vislumbram o sucesso nas relaes comerciais com os chineses ser o bom conhecimento da

    cultura e formas utilizadas pelos mesmos em suas negociaes.

    Quando nos voltamos para relaes comerciais entre Brasil e China, devemos logo

    prever que estas diferenas culturais podero gerar impactos de diversas magnitudes. Como a

    ordem no perder as oportunidades que possam surgir com este imenso pas oriental e

    socialista, o Brasil dever estar bastante atento a essas diferenas.

    Sendo assim, este trabalho justifica-se no apenas pela necessidade de

    compreendermos as diferentes culturas organizacionais que envolvem os pases em questo,

    como torna-se fundamental o seu estudo para que tais diferenas no signifiquem barreiras ao

    xito nas negociaes.

  • 10

    1.2 OBJETIVOS

    1.2.1 OBJETIVO GERAL:

    o Identificar os traos culturais brasileiros e chineses que, uma vez refletidos em mbito

    organizacional, possam gerar barreiras nas negociaes entre os mesmos.

    1.2.2 OBJETIVOS ESPECFICOS:

    o Salientar a importncia da cultura nacional no processo de formao da cultura

    organizacional;

    o Identificar traos da cultura brasileira que se refletem em suas organizaes;

    o Apontar caractersticas da cultura chinesa que se refletem no ambiente organizacional;

    o Identificar o modo como os chineses conduzem suas negociaes;

    o Destacar a importncia das negociaes com a China;

    o Traar um paralelo entre as culturas do Brasil e da China;

    o Discutir possveis barreiras culturais que possam surgir entre as negociaes de Brasil

    e China.

  • 11

    1.3 METODOLOGIA

    Com o intuito de alcanar os objetivos propostos, o presente trabalho constitui um

    trabalho terico, desenvolvido atravs de uma reviso bibliogrfica, buscando expor os

    estudos de alguns autores que se dedicaram ao assunto em questo.

    Primeiramente, buscamos conceituar o termo cultura e cultura organizacional tendo

    como base trs autores principais: Dias, Tavares e Souza. Todos eles buscaram identificar a

    influncia cultural em mbito organizacional sendo que, para tanto, foram ao encontro de

    elementos fundamentais nos estudos de grandes antroplogos e socilogos, tais como Schein

    e Tylor.

    Em seguida, quando procuramos identificar os traos da cultura brasileira que se

    refletem no mbito de suas organizaes, baseamo-nos em estudos de diversos acadmicos

    que escreveram importantes artigos sobre o assunto, sendo que estes foram reunidos em uma

    grande coletnea organizada por Caldas e Motta.

    Quando enfim buscamos penetrar no ambiente cultural chins, por se tratar de um

    assunto muito debatido nos ltimos tempos, nos atemos a estudos bastante atuais. Dentre os

    principais autores aqui citados, Chung aparece com maior destaque. Em seus estudos, alm de

    resgatar os traos da cultura chinesa e seu processo de formao, o autor identifica as

    principais caractersticas chinesas frente s negociaes com os demais pases. Alm de

    Chung, destacamos tambm reportagens de algumas revistas que expuseram assuntos

    referentes China, assim como tambm utilizamos alguns catlogos governamentais, tais

    como o do Ministrio das Relaes Exteriores do Brasil.

    Podemos perceber ento que no presente trabalho encontramos as mais variadas fontes

    bibliogrficas para atingir os objetivos propostos.

  • 12

    2. REFERENCIAL TERICO

    2.1 CULTURA E SEUS CONCEITOS

    Visto como um ser social, que precisa dos outros indivduos para enfrentar as

    adversidades impostas pelo meio em que vive, o ser humano encontra a necessidade de se

    organizar para viver em grupo. Sendo assim, surgem inmeros sistemas de smbolos, como

    crenas, valores, linguagens, tecnologias que, transmitidos de gerao em gerao, norteiam

    todo o sentido da coletividade humana.

    A sobrevivncia e evoluo da nossa espcie melhor compreendida, quando pressupomos um processo conjunto de transformaes da cultura/ biologia/ meio ambiente. Atravs do comportamento cultural, a espcie relaciona-se com o meio ambiente, e nesta ao modifica sua biologia, sua cultura e o prprio ambiente (TAVARES, 2002, p. 47).

    Atravs da afirmao de Tavares, notamos que a noo de cultura est diretamente

    relacionada ao sentido de sobrevivncia do ser humano. Neste captulo, explicitaremos o

    termo cultura, buscando demonstrar como funciona este mecanismo de interao do homem

    enquanto ser social e suas formas de reagir ao meio em que vive.

  • 13

    Por se tratar de um assunto que permeia a vida de todos os seres humanos, diversos

    estudiosos, dentre antroplogos e socilogos, tentam conceituar o termo cultura. Tavares

    (2002, p. 45) afirma que existe uma dificuldade em se conceituar o termo. No por falta de

    um conceito adequado de tal objeto da cincia, mas por excesso: h conceitos demais.

    Cultura um conceito antropolgico e sociolgico que comporta mltiplas definies. Para alguns, a cultura a forma pela qual uma comunidade satisfaz a suas necessidades materiais e psicossociais. Implcita nessa idia est a noo de ambiente como fonte de sobrevivncia e crescimento. Para outros, cultura a adaptao em si, a forma pela qual uma comunidade define seu perfil em funo da necessidade de adaptao ao meio ambiente. Nesses dois casos, est presente a idia de feedback. A adaptao bem sucedida leva evoluo nessa direo. A adaptao malsucedida tende a levar correo e evoluo em outra direo (CALDAS; MOTTA,. 1997, p. 16).

    Em seguida, poderemos verificar alguns destes conceitos dados ao termo e verificar

    que, mesmo contendo vrias definies, estudiosos do assunto defendem traos comuns entre

    elas.

    Tylor1 (apud DIAS, 2003) afirma que cultura um todo complexo que inclui

    conhecimento, crena, arte, moral, direito, costume e outras capacidades e hbitos adquiridos

    pelo homem como membro da sociedade.

    Para Malinowsky2 (apud DIAS, 2003) a cultura consiste no conjunto integral dos

    instrumentos e bens de consumo, nos cdigos constitucionais dos vrios grupos da sociedade,

    nas idias e artes, nas crenas e costumes humanos.

    Dias (2003, p. 13) afirma que chegamos cultura atravs dos atos, procedimentos e

    criaes desenvolvidos pelo homem e no relacionados com o instinto natural.

    O dicionrio de sociologia Globo3 (apud DIAS, 2003) define cultura como um sistema

    de idias, conhecimentos, tcnicas e artefatos, de padres de comportamento e atitudes que

    caracteriza uma sociedade.

    1TYLORr, Edward B. (1871) 2MALINOWSKY, BRONISLAW (1997) 3Dicionrio de Sociologia, Globo (1981)

  • 14

    Poderamos ainda encontrar outras tantas definies para cultura. De fato, esta

    uma palavra que pode obter muitos significados, inclusive por ser muito utilizada pelo senso

    comum e estar muito presente no cotidiano das pessoas. O ser humano est sempre

    manifestando a cultura, seja atravs do seu idioma, a maneira como se veste, atravs da

    culinria, ou ainda algo mais subjetivo, o modo de pensar, agir, de se posicionar sobre o meio.

    Dias (2003, p.17), divide esses diferentes tipos de manifestaes como materiais e no

    materiais. Tavares (2002, p.75), prefere adotar outras subdivises, onde encontramos os

    aparatos tcnicos (artefatos e objetos em geral), sistema de interao (regras de conduta,

    estruturas de poder) e sistemas simblicos (linguagem, vises de mundo, cosmologia, teorias

    cientficas, religies).

    Mas sobre o que encontramos e conclumos no mbito acadmico, percebemos que,

    aps confirmarem suas diferentes definies a respeito do termo em questo, os estudiosos do

    assunto conseguem definir traos e aspectos comuns da cultura. Dias (2003, p. 16) afirma que

    todas concordam em trs aspectos essenciais: 1) a cultura transmitida pela herana social e

    no pela herana biolgica; 2) compreende a totalidade das criaes humanas. Inclui idias,

    valores, manifestaes artsticas de todo tipo, crenas, instituies sociais, conhecimentos

    cientficos e tcnicos, instrumentos de trabalho, tipos de vesturio, alimentao, construes

    etc; 3) uma caracterstica exclusiva das sociedades humanas, quer dizer, os animais so

    incapazes de criar cultura.

    Ainda neste processo de definio de aspectos similares, Tavares (2002, p.46)

    reafirma os pontos ressaltados por Dias e ainda completa com mais algumas concluses sobre

    o termo largamente aceitas pelos antroplogos: a) a cultura parte da biologia do homem; b)

    a biologia da espcie humana produto da cultura; c) a cultura no transmitida

    geneticamente, mas socialmente atravs da aprendizagem; d) a capacidade de aprender,

    desenvolver e criar cultura transmitida hereditariamente; e) a cultura o mecanismo

  • 15

    adaptativo por excelncia da espcie humana, responsvel por sua sobrevivncia,

    desenvolvimento e evoluo; f) a cultura socialmente produzida: embora os indivduos

    sejam os portadores da cultura, tal comportamento s possvel num processo conjunto,

    coletivo; g) a interao com o meio ambiente, na espcie humana, feita atravs do aparato

    cultural.

    Devemos destacar ainda que toda cultura possui alguns elementos bsicos em sua

    formao que, mesmo apresentando contedos diferentes, so elementos comuns a toda

    cultura. Podemos nos apoiar na descrio de Dias (2003, p.20) que define estes elementos:

    crenas, valores, normas, sanes, smbolos, idioma e tecnologia. Abaixo, seguiremos com

    uma breve explicao de cada um desses elementos.

    Toda cultura fundamentada em um conjunto de crenas, que compartilham

    conhecimento e idias sobre a natureza da vida. Dias (2003, p. 20) cita o exemplo do budismo

    entre os indianos. Estes acreditam que sua alma reencarne em animais e objetos, fato que os

    levam a cultuar muitos animais que acreditam ser antepassados reencarnados. J para um

    cristo ocidental, essa crena no possui nenhum valor.

    Os valores influenciam o comportamento das pessoas e servem como critrio para

    avaliar as aes de outros. Valores so concepes coletivas do que considerado bom,

    desejvel, certo, bonito, gostoso (ou ruim, indesejvel, errado e feio) em uma determinada

    cultura (DIAS, 2003, p.20).

    As normas traduzem crenas e valores em regras especficas para o comportamento.

    Dias (2003, p.20) afirma que as normas podem ser formais ou informais. So formais quando

    codificadas no direito, e informais quando ritualizadas nos costumes.

    As sanes identificam-se atravs das punies e recompensas utilizadas para

    seguimento das normas. Tambm so classificadas por Dias (p.21) como formais ou

    informais. As formais so recompensas e punies oficiais e pblicas. J as informais

  • 16

    constituem as no-oficiais, so sutis, mas provocam reaes inconscientes no comportamento

    cotidiano.

    Os smbolos constituem qualquer coisa que carrega um significado particular

    reconhecido pelas pessoas que compartilham uma determinada cultura. Segundo Dias (p.21),

    um mesmo objeto pode simbolizar sentimentos diferentes em culturas diferentes.

    O idioma elemento chave, mecanismo que permite a comunicao entre os membros

    de uma sociedade. Considerando que outros animais se comunicam por sinais (sons e gestos

    cujos significados so fixos), os humanos se comunicam por meio de smbolos (sons e gestos

    de cujo significado dependem compreenses compartilhadas) (DIAS, 2003, p. 21).

    E, fechando a lista dos elementos bsicos que compem a cultura, encontramos a

    tecnologia, que estabelece parmetro para cultura, influencia o cotidiano das pessoas, o modo

    como trabalham, como se socializam e o que pensam sobre o mundo. Dias (p. 22) destaca que

    toda mudana tecnolgica implica mudanas culturais.

    Aps termos definido o termo cultura e apontado seus elementos bsicos, outro ponto

    que precisa ser observado onde e como a cultura se manifesta. Para Dias (2003, p. 13), o

    homem, ao se distanciar do instinto biolgico, passando a criar novas formas de organizao,

    novos objetos, novos materiais, cria um novo ambiente prprio para sua existncia diferente

    do ambiente natural, o que ele chama de ambiente cultural.

    O ambiente cultural do homem inclui vilas, aldeias, cidades, animais domsticos, plantaes, novos relacionamentos entre os indivduos, linguagem, crenas, religies, msica, tecnologia, etc. Essa cultura humana, que compreende tudo criado pelo homem, seja tangvel ou no, apresenta singularidades que podem variar de regio para regio, em cada localidade e dentro das cidades mesmo ocorrem variaes (DIAS, 2003, p. 13).

    Atravs da afirmao acima, vemos ento que este ambiente cultural criado pelo

    homem nada mais do que a forma encontrada por ele para interagir com o meio e grupo

    social no qual est inserido. neste ambiente cultural que encontraremos os elementos

    bsicos que constituem a cultura.

  • 17

    Sobre isso, Tavares (2002, p. 50) ainda completa dizendo que cada grupo ou subgrupo

    seleciona, dentre esse elenco de possibilidades (cultura/ biologia/ ambiente), um nmero

    ainda menor de elementos, que so efetivamente concretizados, e o resultado dessas

    escolhas que produz as diferenas culturais observveis no comportamento dos grupos sociais

    humanos.

    Diante disso, Dias (2003, p.13) ressalta que esses diferentes agrupamentos humanos,

    que apresentam diferenas perceptveis e podem ser hbitos, costumes, linguagem etc.,

    formam um todo composto por diversos indivduos que se constituem como grupos sociais

    homogneos denominados subculturas.

    Nesse sentido, ainda citando Dias (2003, p. 14), podemos encontrar inmeras e

    indeterminadas diferentes culturas dentro de cada subcultura que, na realidade, so culturas

    que apresentam traos perfeitamente discernveis dentro de uma cultura mais geral.

    Nesta busca por divises e classificaes de subculturas, chegamos ao subgrupo das

    organizaes, e sobre este grupo especfico que o presente trabalho ir se desenvolver. Para

    tanto, torna-se necessrio conhecermos algumas descries elaboradas por autores do assunto

    acerca do que seria uma organizao.

    2.1.1 ORGANIZAES

    Segundo Dias (2003, p. 14), organizaes so grupos sociais formados por pessoas

    com objetivos perfeitamente definidos e criados para cumprir atividades determinadas.

    Atravs desta afirmao de Dias, percebemos claramente a descrio de uma subcultura.

    Tavares (2002, p. 57) afirma que a organizao empresarial um conjunto delimitado

    de interaes humanas, que podem apresentar as caractersticas que conseguimos identificar,

    como sendo as da cultura.

    Uma outra definio, que complementaria as duas citadas, seria a de Albano e Lima

    (2002, p.33) que defendem que organizao um sistema de atividades conscientemente

  • 18

    coordenadas de duas ou mais pessoas onde, devido a limitaes pessoais, os indivduos so

    levados a cooperarem uns com os outros para alcanar certos objetivos que a ao individual

    isolada no conseguiria. Vemos ento que organizao parte sempre da idia da ao de um

    grupo e, como todo grupo, parte do princpio de que seus membros precisam trabalhar o

    mesmo foco para alcanarem seus objetivos. Albano e Lima ainda comparam a organizao a

    um organismo vivo: ... as organizaes se constituem nessa interao que faz com que elas

    sejam dinmicas e complexas, ou seja, um organismo vivo. Assim, pode-se compreender

    porque a definio etimolgica do termo organom = rgo (ALBANO & LIMA; 2002, p.

    33).

    Ainda dentro do contexto do que seria uma organizao, Facchinetti (2002), descreve

    que esta se formaria de forma complexa, a partir da caracterizao de sua estrutura e dos

    impactos do desempenho dos papis profissionais, bem como das interrelaes que se

    estabelecem entre os indivduos de uma organizao e a sociedade que o cerca.

    Qualquer organizao ou grupo de pessoas interagindo ordenadamente, na busca de

    um objetivo comum, tem cultura, uma vez que ela faz parte da histria humana e de um

    contexto muito maior que em si um repositrio de cultura (TAVARES, 2002, p. 57).

    A seguir, tentaremos demonstrar os principais aspectos do que chamamos de cultura

    organizacional.

  • 19

    2.2 CULTURA ORGANIZACIONAL

    Conforme vimos no captulo anterior, a cultura geral pode ser subdividida em grupos

    sociais menores que apresentam traos e perfis comuns, o que chamamos de subculturas.

    Segundo Dias, [...] podemos afirmar que a concepo de cultura pressupe a

    existncia de culturas, pois cada grupo social apresentar diferenas, adquiridas e

    consolidadas por sua maior convivncia, em relao aos demais (DIAS, 2003, p. 15).

    nessa busca por grupos sociais que apresentam traos e perfis comuns que

    identificamos subculturas, tais como as culturas francesa, indiana, curda, paquistanesa,

    brasileira, etc.

    Essas subdivises dentro de uma cultura geral podem ser feitas de maneira

    ininterruptas. Assim tambm identificamos a cultura organizacional, que se enquadra como

    uma subcultura composta por uma srie de outros pequenos grupos formadores de outras

    subculturas. Dias (2003, p. 14) utiliza-se de um hospital para exemplificar essas subdivises.

    Ele afirma que num ambiente hospitalar as pessoas que o integram possuem linguajar, hbitos

    e costumes prprios e diferentes do restante da sociedade. Desse modo, podemos falar em

    cultura organizacional hospitalar.

    Ainda neste contexto, considerando a organizao como uma subcultura, Pfiffner e

    Sherwood4 (apud SOUZA, 1978, p. 10) afirmam que, neste caso, aplica-se simplesmente o

    modelo da cultura prpria organizao. Como instituio, supe-se que a organizao

    adquira tipos prprios de conduta e de comportamento aprendido, desenvolvidos dentro do

    contexto do modelo cultural mais amplo.

    Assim como ocorre com o termo cultura, diversos estudiosos tambm tentam

    conceituar o termo cultura organizacional.

    4PFIFFNER, J. e SHERWOOD, F., Organizao Admistrativa, S. Paulo, Bestseller 1965, p.254.

  • 20

    No so apenas raas e etnias, ou ainda suas combinaes, que produzem culturas. Classes sociais, instituies e organizaes tambm as produzem. Os muitos livros e artigos sobre cultura organizacional e empresarial produzidos desde a dcada de 80 tm se ocupado em definir e aprofundar essa apropriao das diversas concepes de cultura no mbito social e organizacional (CALDAS & MOTTA, 1997, pgina 19).

    Segundo Burke e Hornstein5 (apud SOUZA, 1978, p.16), a cultura de uma organizao

    um conjunto de pressupostos e normas, aprendidos e compartilhados, que regulam o

    comportamento dos membros de uma organizao.

    Schein6 (apud CALDAS & MOTTA, 1997, p. 40) completa a afirmao de Burke e

    Hornstein ao acrescentar a estes pressupostos bsicos, formadores da cultura organizacional,

    os artefatos visveis e outros conjuntos simblicos que criam os valores do cotidiano.

    Enquanto os pressupostos bsicos so pr-conscientes e tidos como certos, os valores so conscientes. Nas organizaes, esses valores contribuem para criar parmetros de como pensar, sentir e agir; por isso, desempenham papel fundamental para o sucesso das organizaes (SCHEIN, 1987, apud CALDAS E MOTTA, 1997, p. 40).

    Para Dias (2003, p.41), a cultura organizacional o conjunto de valores, crenas e

    entendimentos importantes que os integrantes de uma organizao tm em comum; ela

    oferece formas definidas de pensamentos, sentimento e reao que guiam as atividades dos

    participantes de uma organizao.

    Notamos atravs das trs citaes acima que os autores tm definies similares ou

    ento que se complementam quando falamos em cultura organizacional.

    O estudo da cultura organizacional tornou-se um tema de maior interesse a partir dos

    anos 80 e 90, numa poca em que os pases de todo mundo e suas economias comeam a

    sentir os efeitos da globalizao, as economias se abrem e o mercado torna-se cada vez mais

    competitivo.

    Sobre este cenrio que se apresenta a partir desta poca, Dias (2003, p. 10) aponta este

    estudo sobre a cultura das organizaes como uma forma de conhecer melhor o

    5BURKE, W. W., e HORNSTEIN, H. A., The Social Technology of Organization Development (1972) 6SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1987.

  • 21

    comportamento das mesmas, conseqentemente, elaborar estratgias eficientes que visem a

    maximizar o desempenho dessas organizaes.

    Ainda neste sentido de manuteno e evoluo das organizaes, Schein (apud

    SOUZA, 1978, p. 17) declara que, da mesma forma que as sociedades desenvolvem uma

    estrutura social, leis, tradies e cultura como uma maneira de se estabilizarem, tambm as

    organizaes desenvolvem e precisam conservar sua estrutura e cultura. Percebemos ento

    que a grande preocupao das organizaes em se adequarem a um novo mundo, agora

    global, para conseguirem se estabilizar e se manter atuante frente grande competitividade

    que passa a imperar.

    Notamos esta preocupao tambm em Tavares (2002, p. 58). Para o autor, a

    sobrevivncia ou extino de uma organizao est relacionada ao seu poder de adequao ou

    no s condies ambientais que a cercam.

    O agrupamento humano em interao numa organizao, ao se relacionar entre si, e com o meio externo, atravs de sua estruturao interna do poder, faz uma construo social da realidade, que lhe propicia a sobrevivncia como unidade, segundo os mesmos princpios pelos quais mutaes so preservadas dentro de cadeias ecolgicas do mundo vivo (TAVARES, 2002, p. 58).

    Nesta afirmao de Tavares notamos que a adaptao de uma organizao ao meio em

    que esteja inserida fundamental para sua sobrevivncia e, a seguir, o mesmo autor aponta

    este mecanismo adaptativo, identificando-o como cultura.

    Tavares (2002, p. 59) afirma que, quando um grupo social atinge esse nvel de criao

    de uma interpretao prpria de sua relao com o meio ambiente externo, passa a usufruir

    plenamente do mecanismo adaptativo por excelncia, ou seja, a cultura.

    Este mecanismo de adaptao citado por Tavares precisa ser destacado, uma vez que a

    cultura organizacional precisa estar em constante transformao, principalmente quando

    percebemos a velocidade com as quais ocorrem as mudanas no mundo a partir da dcada de

    80, como j mencionado.

  • 22

    Quando falamos em mudanas na cultura organizacional, alguns autores, como

    Chiavenato7, Nassar8 e Vergasta9 (apud ALBANO & LIMA, 2002, p.34), afirmam que elas

    podem ocorrer ao longo do tempo, mesmo que a organizao resista a elas. Segundo

    Vergasta (2001), a cultura organizacional no algo pronto e acabado, mas est em constante

    transformao, de acordo com sua histria, os seus atores e com a conjuntura.

    Vemos, ento, que as organizaes passam a se destacar e se manterem unidas quando

    desenvolvem uma cultura organizacional forte, que as identifique, mas que tambm seja

    flexvel, de maneira que consiga se adequar s constantes mudanas. importante destacar,

    porm, que toda mudana cultural demanda tempo, mesmo em momentos de profundas

    transformaes como o atual.

    Segundo Dias (2003, p. 42), uma organizao se mantm unida por meio da cultura

    organizacional, que expressa os valores ou ideais sociais e crenas que os membros da

    organizao chegam a compartilhar, manifestados em elementos simblicos como mitos,

    rituais, histrias e uma linguagem especfica.

    Podemos complementar esta afirmao de Dias a respeito do poder de unidade de uma

    empresa transmitido atravs da cultura organizacional da mesma, atravs da afirmao de

    Tavares (2002, p. 58) que diz que o grupo de pessoas que compreende a organizao, ao

    transacionar com o meio ambiente, e ao criar as estruturas internas, para responder a essa

    interao externa, estabelecem uma maneira prpria de agir e interagir, criando uma

    identidade reconhecvel tanto para o conjunto geral do ambiente de negcios quanto para os

    que compartilham de seus limites internos.

    Um outro ponto a ser destacado quando falamos em cultura organizacional, e que

    tambm serve como ponto de grandes estudos para escritores do assunto em questo, o fato

    7CHIAVENATO, Idalberto. Os novos paradigmas: como as mudanas esto mexendo com as empresas. So Paulo: Atlas, 1996. 8NASSAR, Paulo. Histria e cultura organizacional. In: Revista Comunicao Empresarial N 36, 2000. 9VERGASTA, Patrcia Dantas. Cultura e aprendizagem organizacional. 2001. Disponvel em: http://www.terravista.pt/enseada/5831/trabalho/t20001310.html. Acesso em: 7 abr. 2002.

  • 23

    da recente abertura econmica dos pases e os efeitos da globalizao levarem ao surgimento

    de uma cultura organizacional tpica das grandes organizaes, que transcende as culturas

    sociais locais.

    Souza (1978, p. 77) destaca o fato das grandes organizaes, espalhadas por diversas

    partes do mundo, serem mais semelhantes entre si do que as grandes e pequenas empresas

    situadas no mesmo pas.

    Sem negar a existncia de diferenas culturais caracterolgicas e ambientais, pode-se observar uma padronizao crescente de tcnicas e normas organizacionais a nvel internacional. Estamos assistindo ao surgimento de uma cultura das grandes organizaes que transcende as fronteiras dos pases (Souza, 1978, p.72).

    Neste momento, podemos perceber o papel importante desempenhado pelo fundador,

    ou fundadores, de uma organizao, pois dele ser proveniente todo aparato cultural que

    servir de alicerce para a organizao em questo.

    Segundo Tavares (2002, p. 65), quando o fundador cria a empresa, ele agrupa um

    conjunto de pessoas que chegam com seus conhecimentos, valores e comportamentos, em

    torno do objetivo de constituir a empresa, produzir um objetivo e coloc-lo no mercado.

    Schein10 (apud PACHECO; PEREIRA; RODRIGUES; TZECHEM, 2002, p. 4)

    outro autor a destacar a importncia do fundador da organizao no processo de moldar seus

    padres culturais. Ele afirma que os primeiros lderes, ao desenvolverem formas prprias para

    equacionar os problemas organizacionais acabam por imprimir sua viso aos demais.

    Mas apesar de toda carga cultural trazida pelo fundador de uma empresa, responsvel

    pela base de toda uma organizao, no podemos esquecer, conforme j destacamos no

    captulo anterior, que a cultura surge das interaes do homem com a sociedade e com o meio

    em que esteja inserido.

    E, enfatizando o meio no qual uma organizao se insere, torna-se necessrio destacar

    um dos efeitos do mundo global, em que cada vez torna-se mais comum o surgimento de

    10SCHEIN, Edgar. Psicologia Organizacional. 3. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1982.

  • 24

    empresas atuantes em diversos pases, aparecem as exportadoras, multinacionais,

    franqueadoras e transnacionais. Por isso, antes de verificarmos a influncia das culturas

    nacionais sobre as organizaes em questo, vale ressaltar aqui as definies dadas aos

    diferentes tipos de atuaes das empresas.

    Segundo Laudon e Laudon11 (apud SOUZA, ano, p.2), as exportadoras so as

    empresas que possuem alta concentrao das funes corporativas no pas de origem,

    servindo-se de escritrio de vendas para a distribuio em outros pases.

    Os mesmos autores definem ainda as multinacionais como sendo aquelas que

    descentralizam as funes de produo, marketing e vendas, de maneira a melhor adaptar seus

    produtos aos mercados locais. Por outro lado, nessas empresas h uma centralizao das

    funes de finanas, contabilidade, recursos humanos e planejamento estratgico. Esse tipo de

    empresa , atualmente, o tipo que predomina quando falamos em empresas internacionais.

    Ainda segundo Laudon e Laudon, vemos que as empresas franqueadoras so aquelas

    que concentram as funes de projeto do produto mas, por caractersticas especficas destes

    produtos, dependem em grande parte de esforos locais para a produo, venda e distribuio.

    Por fim, tambm seguindo as afirmaes dos estudiosos acima, encontramos as

    transnacionais, que so aquelas cujas funes e atividades verdadeiramente cruzam as

    fronteiras nacionais, so gerenciadas de forma realmente global e tendem a representar a

    maior parte dos negcios internacionais no futuro. Segundo os autores, essas empresas so

    aquelas que encaram os diversos mercados mundiais como apenas um mercado: o mercado

    global.

    Antes de darmos seqncia a este raciocnio, devemos ressalvar aqui que no

    objetivo do presente trabalho analisar como ocorre a formao da cultura organizacional em

    cada um dos diferentes tipos de empresa citados acima. Suas incluses aqui servem apenas

    11LAUDON, K. C. e LAUDON, J. P. (1996). Management information systems: organization and technology (4 ed.). Prentice Hall, 1996.

  • 25

    como forma de demonstrar as diversas maneiras de interao entre diferentes culturas, de

    diferentes pases, seja este contato com o diferente motivado pela venda de mercadorias,

    como ocorre com as exportadoras, seja atravs da construo de uma filial da empresa em

    outro pas, como ocorre com as multinacionais e transnacionais.

    Se voltarmos ento para as crescentes transformaes mundiais, quando vemos surgir

    as organizaes maiores e mais complexas, aquelas que atuam em mais de um pas - as

    empresas exportadoras, as multinacionais, as franqueadoras e as transnacionais e, ainda, se

    considerarmos que, quanto mais uma organizao se expande, mais complexa torna-se sua

    estrutura, com o aparecimento de um maior nmero de subculturas dentro desta mesma

    organizao, iremos perceber um certo distanciamento da cultura original - dos fundadores e

    perceberemos uma maior influncia do meio no qual a organizao se insere e, at mesmo, a

    cultura dos ambientes com os quais mantm relaes comerciais. Dias (2003, p.28) ressalta

    esta confirmao dizendo que, na medida em que as organizaes se expandem e diversificam

    seus produtos, tendem a desenvolver estruturas com multidivises.

    E nesta dificuldade de formar uma unidade em organizaes cada vez maiores e

    complexas, formadas por subgrupos diferentes, e, conseqentemente, o distanciamento do

    aparato cultural do fundador desta organizao, surge a importncia de se estudar ainda mais a

    influncia do ambiente cultural no qual ela se insere.

    A organizao no um sistema fechado, , portanto, permevel a outras culturas como as nacionais, regionais, etc. Cada organizao, embora apresente sua prpria cultura organizacional, est sempre sofrendo influncia das culturas existentes em seu entorno (DIAS, 2003, p. 34).

    2.2.1 CULTURA ORGANIZACIONAL E CULTURA NACIONAL

    No final do sculo XX, o mundo passou por profundas transformaes. As inovaes

    tecnolgicas, principalmente as que se referem aos meios de comunicao, tornaram-se

    ferramentas facilitadoras do intercmbio cultural entre as naes. Este fenmeno, denominado

    globalizao, passou a projetar um mundo sem fronteiras e interligado.

  • 26

    Neste sentido, no s o fluxo comercial entre os pases cresceu, como tambm a

    preocupao das empresas em se tornarem empresas globais. Tal preocupao fez aumentar o

    nmero de filiais de empresas espalhadas pelo mundo. Mas apesar de todo esse intercmbio

    gerado pela globalizao, a diversidade cultural dos povos ainda prevalece. nesse momento,

    que a cultura de uma nao, formada por diversos sistemas de smbolos (valores, crenas,

    linguagem, tecnologia), influencia nas diferenas culturais do ambiente de uma empresa

    situada em um pas, de uma situada em outro.

    Se as organizaes sofrem grande influncia do meio, devemos reforar a necessidade

    de se estudar a cultura na qual ela se localiza a fim de melhor compreend-las.

    No final das contas, acabam existindo vrios aspectos que condicionam essas diferenas culturais entre as empresas. claro que a cultura de uma empresa ser sempre diferente da cultura de uma tribo, e ser sempre semelhante cultura de outra empresa. Porm, um dos fatores mais importantes a diferenciar a cultura de uma empresa da cultura de outra, talvez o mais importante, a cultura nacional (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18).

    A afirmao de Caldas e Motta transmite cultura nacional grande importncia no

    processo de formao da cultura organizacional. Atravs do estudo da cultura de um pas,

    conseguiremos entender, por exemplo, o porqu do sucesso ou fracasso de uma organizao

    situada em determinado pas, ou ainda, identificar os motivos que levam ao xito ou ento ao

    surgimento de barreiras nas possveis negociaes entre organizaes provenientes de

    diferentes localidades. Todas as formas de expresso cultural devero ser consideradas:

    poltica, economia, vida social, culinria, etiqueta, dentre outros.

    Toda organizao se encontra inserida dentro de um entorno formado pela Sociedade, seus membros tambm fazem parte desta, seus valores fundamentais tem-na como origem. E muitos eventos polticos, econmicos, sociais, ideolgicos, culturais e outros afetam as organizaes de uma forma ou outra, influenciando sua cultura organizacional (DIAS, 2002, p. 135).

    Podemos concluir ento que os principais valores na constituio de uma organizao

    estaro diretamente ligados cultura da regio na qual a empresa est inserida. Para Dias

    (2002, p. 136), quando uma empresa surge no territrio de um pas com cultura dominante, os

  • 27

    valores deste local predominaro na organizao em seu incio e prevalecero em ltima

    instncia no decorrer de sua existncia. Isso ocorre porque seus integrantes pertencem a esta e

    assumem seus valores fundamentais.

    No podemos esquecer que, quando nos voltamos para o discurso de aldeia global, que

    leva as organizaes ao constante confronto com diferentes pases, identificamos a tendncia

    de uma certa uniformizao na cultura empresarial, conforme citado quando falamos sobre o

    crescimento de empresas transnacionais. Podemos notar isso tambm nas afirmao a seguir

    de Caldas e Motta.

    Entretanto, mesmo com a potencial diversidade de culturas que podem ser geradas dentro das sociedades, tambm verdade que, com a globalizao, h tendncia para profunda uniformizao nas classes dominantes e mdias de todo o mundo. Essa uniformizao comea nas empresas, onde a ideologia tecnocrtica instaurou um modo muito semelhante de racionalidade e de comportamento (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 18)

    No entanto, mesmo com este discurso para uma tendncia uniformidade, ainda

    conseguimos observar grandes diferenas entre a cultura das organizaes de diferentes

    pases. No se sabe ao certo at que ponto esta tendncia uniformidade das empresas deve

    chegar, o fato que, apesar disso estar ocorrendo com as empresas espalhadas pelo mundo,

    ainda conseguimos identificar muitas barreiras de povos que possuem culturas bem diferentes.

    Ainda segundo Caldas e Motta (1997, p. 18), toda sociedade, em maior ou menor medida,

    filtra e adiciona seu prprio tempero a idias e tecnologias globalizantes, criando suas

    prprias verses. Isso ocorre tambm com as organizaes, que tambm refiltram e

    retemperam essas idias, costumes e valores, globalizados mas j nacionalizados, a sua

    prpria maneira. Assim, o objeto de estudo que trata da cultura organizacional tambm

    constitudo por essa mistura de empresa para empresa, bem como o processo de sua formao.

    Desta forma, destacamos ainda mais a importncia de se estudar a cultura na qual se

    localiza a organizao em questo, sendo esta tambm uma forma de se preparar para a

    competio vigente neste mesmo sistema global. Neste sentido, quando compreendemos a

  • 28

    cultura organizacional de empresas localizadas no Brasil, por exemplo, se estar mais bem

    preparado para lidar com uma empresa de um pas de cultura to diferente, como a China,

    outro exemplo. necessrio estudar a cultura nacional na qual se localizam as organizaes

    para que se vislumbre possveis negociaes entre elas.

    Mesmo com o crescente surgimento das empresas transnacionais, que encaram o

    mercado como um s, o global, no podemos esquecer, conforme j visto anteriormente, que

    quando estamos falando de mudanas num mbito cultural, apesar de serem necessrias e at

    correntes, estas mudanas culturais demandam tempo e ainda enfrentam grandes barreiras.

    Sobre as dificuldades que possam surgir nas negociaes em mbito internacional,

    podemos citar o exemplo dos estudos de Ives e Jarvenpaa12 (apud SOUZA e ZWICKER,

    2001, p. 5). Em seus estudos sobre as aplicaes globais da tecnologia da informao (TI)

    declaram que a mesma deve ser desenvolvida para ser utilizada em um ambiente cultural

    heterogneo, destacando, ento, a necessidade cada vez mais atenuante de se estar ligado a

    mundo global, porm sem esquecer as particularidades de cada regio. Em seguida, Ives e

    Jarvenpaa destacam algumas dificuldades encontradas no processo de incluso dessa

    tecnologia em alguns pases. Entre as principais, foram citadas barreiras expressas em frases

    como no inventado aqui ou o sistema no adequado para o nosso ambiente. Essas

    frases mostram que eventualmente imperam atitudes dos usurios locais que podem dificultar

    tentativas de adoo de aplicaes globais.

    Em anlise do estudo de Ives e Jarvenpaa, Souza e Zwicker (2001, p.5) destacam

    outras dificuldades encontradas nesse processo, fatores estes relativos a valores pessoais

    atribudos, por exemplo, produtividade de funcionrios, mudana de procedimentos e

    responsabilidade pelas qualidades das informaes. Os mesmos autores citam ainda que,

    12IVES, B. e JARVENPAA, S. L. (1991). Applications of global information technology: Key issues for management. MIS Quarterly, mar/ 1991, pp. 33-49.

  • 29

    eventualmente, at aspectos relacionados com a religio podem interferir, como por exemplo,

    horrios especficos de parada para oraes ou feriados santos.

    Continuando com o exemplo das aplicaes globais da tecnologia da informao,

    Stephens13 (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5) encontra mais algumas dificuldades no

    processo de criao e desenvolvimento da mesma. O autor destaca diferenas de lngua,

    legislao relativa troca internacional de dados e informaes, legislao local e problemas

    especficos de recursos humanos locais.

    Outros autores a fazerem sua anlise a respeito da internacionalizao da TI so

    Laudon e Laudon (apud SOUZA e ZWICKER, 2001, p. 5). Estes afirmam que diferenas

    polticas e culturais afetam profundamente os procedimentos operacionais padronizados das

    empresas. Entre os motivos apresentados esto as diferentes prticas contbeis, as diferentes

    leis que regem o trnsito de informaes, polticas de privacidade, horrio comercial, termos

    utilizados nos negcios e mesmo aspectos culturais extremamente especficos como, por

    exemplo, o fato de no Japo o uso do fax prevalecer sobre o e-mail.

    Os mesmos autores destacam ainda o fato dos aspectos culturais e legais tambm se

    refletirem nas prticas contbeis. Utilizam o exemplo de na Alemanha os lucros relativos a

    um determinado investimento s serem contabilizados quando os projetos esto terminados e

    pagos, enquanto que na Inglaterra esses lucros comeam a ser contabilizados no momento em

    que h uma razovel certeza de que o projeto dar certo. Os autores tambm destacam que at

    razes intrnsecas de procedimentos podem intervir, por exemplo, os sistemas contbeis das

    empresas anglo-saxnicas so focados em mostrar a velocidade com que os lucros da empresa

    esto crescendo, enquanto que no restante da Europa o foco dos sistemas contbeis mostrar

    a adequao da empresa s regras e leis, diminuindo a possibilidade de ser legalmente

    penalizada.

    13STEPHENS, D. O. (1999). The globalization of information technology in multinational corporations. Information Management Journal, jul/ 1999.

  • 30

    Vimos ento, atravs do exemplo dos estudos para implementao da tecnologia da

    informao em diversos pases, que as diferentes culturas nacionais muitas vezes impem

    dificuldades que podem levar ao insucesso dessas negociaes entre os pases. Por isso,

    importante estar atento s diferenas culturais para se vislumbrar um melhor entendimento

    dessas transaes no mbito internacional e tudo que ela possa envolver, uma vez que dessas

    negociaes depender, cada vez mais, a manuteno e sobrevivncia de uma organizao.

    Segundo Freitas (1997, p.38), no mundo gerencial, a influncia da cultura nacional

    sobre a cultura organizacional adquire maior relevncia, por exemplo, quando se analisam os

    modelos de gesto importados que freqentemente so implementados em nossas

    organizaes ou trazidos pelas multinacionais.

    Por esses modelos e prticas gerenciais serem concebidos em suas culturas natais, muitas vezes trazem pressupostos e valores culturais diferentes e at conflitantes com os nossos. Como muitos deles pressupem mudana significativa nas organizaes, mexem, por uma reao natural de autodefesa, com valores e pressupostos culturais de indivduos e de sua organizao. Muitos desses modelos e prticas gerenciais, portanto, podem fracassar ou ser tmidos em seus resultados, justamente por no terem respaldo em alguns traos bsicos de nossa cultura (FREITAS, 1997, p. 39).

    A citao acima confirma e justifica o porqu do aparecimento de barreiras como

    vimos nos estudos de Ives e Jarvenpaa.

    Uma vez que verificamos que os pases ainda encontram barreiras, ou as impem

    como mecanismo de auto-defesa de suas culturas nacionais, quando esses buscam lidar com o

    mercado internacional, partiremos a partir de ento identificao dos traos das culturas de

    dois pases distintos como o Brasil e a China, verificando como seus valores refletem em suas

    organizaes. Feito isso, faremos um paralelo entre estes pases, ressaltando os pontos que

    possam gerar atrito nas negociaes entre os mesmos.

    Neste sentido, iremos abordar a cultura brasileira e sua influncia nas organizaes

    situadas no pas. Feito isso, buscaremos identificar a cultura chinesa e como seus traos

    refletem na cultura das organizaes na China.

  • 31

    2.3 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL

    Conforme estudado anteriormente, para entendermos o mecanismo de formao da

    cultura organizacional, torna-se necessrio estudar a cultura do local onde esta se insere.

    Seguindo os objetivos do presente trabalho, neste captulo passaremos a estudar a

    cultura brasileira e sua ligao no processo de criao da cultura das organizaes situadas no

    pas, bem como toda forma de interao utilizada pelas mesmas para com empresas de outras

    localidades.

    Como primeiro passo para estudar a cultura de uma nao, devemos buscar suas razes

    histricas. Para tanto, destacamos o fato desse estudo no ser uma tarefa muito simples, uma

    vez que o Brasil um pas de dimenses continentais e concentra aqui valores de muitos

    diferentes povos que compem sua histria. Podemos perceber essa afirmao nas palavras de

    Souza (1978, p. 64) o qual nos diz que analisar a cultura brasileira tarefa gigantesca e

    pretensiosa. Sendo assim, iremos nos ater aos traos culturais que possam ter maior relevncia

    para nossos estudos da influncia da cultura nacional em suas organizaes.

    2.3.1 CULTURA BRASILEIRA: SUAS RAZES E DIVERSIFICAO CULTURAL

    O Brasil um pas extremamente heterogneo, com diferenas ressaltadas pela sua extenso, pela influncia de povos de inmeros pases, pela grande miscigenao, somando ainda as diferenas regionais com suas culturas prprias. Mesmo havendo essas subculturas tpicas de cada regio, no seria justo pensar a cultura nacional de forma fragmentada, mas sim como a integrao de todos esses traos culturais (ALBANO e LIMA, 2002, p. 36).

    Vimos atravs da citao acima que a cultura nacional formada pela integrao dos

    mais variados traos culturais, por isso, iremos abordar os principais povos formadores dessa

    cultura. Para tanto, vamos nos concentrar no estudo sobre o assunto em questo, realizado por

    Caldas e Motta (1997).

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    Para os autores acima (p. 16), existe um consenso entre os estudiosos em se apontar

    sempre trs matrizes formadoras da cultura brasileira: a indgena, a portuguesa e a da frica

    negra.

    Sobre a cultura indgena, os autores afirmam (p.17) que pouco se conhece a respeito

    de suas origens, mas sabe-se que h uma enorme diferena com relao portuguesa.

    Sabemos que os ndios brasileiros estavam divididos em inmeros grupos tnicos e culturais,

    mas os autores citam os maiores e principais com sendo os tupi-guaranis, tapuias, nu-aruaques

    e carabas.

    Os tupi-guaranis e os tapuias eram os grupos mais importantes. Os primeiros, com uma cultura mais prxima da portuguesa, habitavam o litoral. Os segundos, considerados mais brbaros pelos europeus, habitavam o interior. Embora os habitantes das Amricas tivessem no milho sua alimentao bsica, os ndios brasileiros alimentavam-se principalmente de mandioca. Sua agricultura era de subsistncia e quem trabalhava nela eram as mulheres. Os homens eram responsveis pela caa, pela pesca e pela guerra (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17).

    Diferente do grupo indgena, no qual notamos a forma de vida bem primitiva, no

    segundo grupo formador da base da cultura brasileira, os autores destacam o fato de serem um

    povo de comerciantes e navegadores. Devido a isto, os portugueses j estavam acostumados

    com o contato com povos diferentes e com a prtica da escravido. A constante busca por

    novos ambientes, os trouxeram ao Brasil no para ocupar territrio, mas para explorar o pau-

    brasil. Caldas e Motta ainda destacam as origens desses portugueses que chegaram ao Brasil.

    Tiveram origens muito diversas, entre as quais os romanos, os brbaros suevos, os rabes, os berberes e os judeus sefaraditas. (...) Com freqncia, eram fidalgos decadentes ou simplesmente degredados. No vinham para c com mulheres e filhos, mas sozinhos. Por essa razo, casavam-se ou juntavam-se com ndias, sendo essas as verdadeiras primeiras mes dos brasileiros, com seus conhecimentos de plantas medicinais, de preparao de alimentos e de utenslios domsticos (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17)

    Seguindo a ordem dos povos formadores da base da cultura brasileira, em terceiro

    lugar, encontramos os negros africanos. Os mesmo autores acima destacam duas origens para

    estes africanos que chegaram ao pas: bantus e sudaneses. Afirmam ainda que a cultura

    africana era muito mais prxima dos portugueses do que as culturas indgenas. Com

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    freqncia, eram mulumanos e alfabetizados, coisa que nem sempre acontecia com os

    portugueses. Conheciam a minerao do ferro, e a diviso do trabalho entre os sexos era mais

    prxima da dos portugueses (CALDAS e MOTTA, 1997, p. 17).

    Outro ponto de interesse com relao aos africanos que chegavam ao Brasil era a

    necessidade que possuam de aprender a lngua portuguesa para se comunicarem. Segundo

    Caldas e Motta (p. 17), desta forma, os negros africanos se tornaram os principais difusores

    do portugus no Brasil.

    Essas trs raas misturaram-se em diversas propores e deram origem a vrias

    subculturas no Brasil.

    Hbrida desde o incio, a sociedade brasileira logo incorporou o trao portugus da miscigenao. Sem a existncia de restries de raas e devido escassez de mulheres brancas, nosso colonizador logo se misturou ndia recm-batizada, transformando-a em me e esposa das primeiras famlias brasileiras. Com o incio da escravido, misturou-se ao negro, completando assim o chamado tringulo racial (FREITAS14, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 41).

    Seguindo os estudos de Caldas e Motta (p. 17), identificamos algumas dessas

    subculturas formadas pela mistura desse tringulo racial. Os autores destacam a cultura

    cabocla (matriz indgena forte) na regio Norte, a cultura sertaneja (que equilibra as trs

    matrizes) na regio Nordeste e Centro-Oeste, a cultura caipira (predomnio do portugus) nos

    estados de Minas Gerais e So Paulo. Somado a estes, no podemos esquecer dos imigrantes

    europeus (no portugueses) e orientais que chegaram ao pas mais tarde. Estes tambm foram

    de grande importncia para colonizao na regio Sudeste e Sul.

    Vimos que a cultura nacional tem suas principais origens em trs raas bem distintas,

    no entanto, verificamos que os estudiosos do assunto afirmam que devemos sempre dar um

    destaque cultura dos portugueses, isso porque estes chegaram ao pas impondo seus

    costumes aos demais, o que resultou numa certa adequao de ndios e negros. Podemos

    14FREITAS, ALEXANDRE BORGES DE. (1997) Cultura Organizacional e Cultura Brasileira; Traos brasileiros para uma anlise organizacional; Ed. Atlas S.A.; 1997

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    dizer que de l (Portugal) nos veio a forma atual de nossa cultura, o resto foi matria que se

    sujeitou bem ou mal a essa forma (HOLANDA15, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 42).

    No pretendemos, no entanto, minimizar a importncia que negros e africanos tiveram

    na mistura cultural formadora da cultura nacional.

    No entanto, no h como negar que a influncia africana sobreviveu no plano ideolgico, nas crenas religiosas, nas prticas mgicas e nos sabores e gostos culinrios. De mesmo modo, apesar de nossos ndios terem sofrido degradao moral e virtual disseminao cultural, legaram-nos influncias nas relaes sexuais e de famlia, na magia e na mtica. Contudo, foi o colonizador portugus que mais contribuiu para sermos o que somos hoje e, portanto, justamente nele que precisamos centrar a discusso das razes formadoras de nossos traos (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.42).

    Conforme este histrico da colonizao brasileira nos demonstra, percebemos que

    neste imenso pas, de vasta extenso territorial, formaram-se culturas regionais bem

    caractersticas que, de certa forma, expem uma certa dificuldade nos estudos para

    identificao de uma cultura nacional. Isso implica, por exemplo, no caso do estudo da

    influncia da cultura nacional nas organizaes aqui instaladas. Segundo Dias (2001, p. 137),

    as culturas regionais e locais, do mesmo modo que nacional influenciam a cultura

    organizacional.

    Num pas de dimenses continentais como o Brasil, a cultura organizacional de uma empresa poder apresentar profundas diferenas no comportamento de seus empregados, se tiver unidades no Nordeste e Sul do Pas. Alguns valores da cultura da organizao provavelmente sofrero alteraes, conceitos considerados corretos no sul, podero ser errados no norte ou nordeste e vice-versa (DIAS, 2001, p. 137).

    Assim como Dias, outros tantos autores j buscaram identificar essas diferenas

    regionais to marcantes na cultura nacional. Diegues16 (apud SOUZA, 1978, p. 65) um autor

    que estudou diretamente estes traos regionais, inclusive destacando como se deu a formao

    dessas diferentes regies. Um ponto interessante o fato dessa formao de especficas

    caractersticas regionais estar ligada, segundo o mesmo autor, ao tipo de explorao

    econmica que ocorrera. Desta forma, identifica algumas regies, como (...) o nordeste

    15HOLANDA, S. B. Razes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1984. 16DIEGUES JNIOR, M. Regies Culturais do Brasil. Rio. INEP, 1960, p. 6

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    agrrio do litoral; o nordeste mediterrneo pastoril; a Amaznia e a atividade extrativa; a

    minerao do planalto; o centro-oeste extrativista e pastoril; o extremo-sul pastoril (p. 66).

    O autor ainda destaca algumas caractersticas psicolgicas regionais que, quando

    analisadas, verificamos que tm origem justamente no modo como foram colonizadas, nos

    costumes e valores daqueles que protagonizaram esta colonizao fazendo com que seus

    traos fossem mais fortes.

    (...) o paulista sempre olhado como homem ativo, empreendedor, dono de riqueza; o carioca visto, pelos de fora, como o ironista, o malicioso, esprito que traduz, alis, no seu anedotrio, sempre rico, a respeito de tudo e de todos; o mineiro apresenta-se reservado, formao clssica e erudita; o cearense o imigrante eterno que anda, no s por terras do Brasil, mas por toda parte do mundo, a respeito de quem se contam as histrias mais curiosas (DIEGUES, apud SOUZA, 1978, p. 66).

    No vamos nos estender nesta anlise individual de cada regio, apenas apresentamos

    algumas principais percepes das localidades brasileiras, a fim de melhor compreendermos

    estas diferenas e sabermos que elas de fato existem e no podem ser ignoradas.

    justamente diante dessa variedade cultural encontrada no Brasil que cabe nos

    voltarmos para o questionamento deixado por Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.

    40) de como podemos definir traos nacionais17 em um pas que mais parece um caos cultural.

    De fato, quando analisamos esta cultura to pluralista, logo devemos imaginar o quo

    difcil deve ser a identificao de uma cultura nica, a cultura nacional. Porm, existe certo

    consenso entre os estudiosos do assunto, os quais conseguem identificar traos culturais

    perceptveis em todo territrio nacional.

    (...) parece haver unidade orgnica, um ncleo central, durvel ainda que mvel, que pouco ou mais lentamente se modifica. nesta unidade que se reconhece o gnio da nao, a alma de um povo, explicando suas tendncias e aspiraes, refletindo tanto suas glrias como suas fraquezas (FREITAS, apud CALDAS E MOTTA, 1997, p. 42).

    17Freitas define traos nacionais como as caractersticas gerais que podemos dizer serem comuns ou freqentes na maioria dos brasileiros. Para o autor, traos representam aqueles pressupostos bsicos que cada indivduo usa para enxergar a si mesmo como brasileiro.

  • 36

    Neste sentido, tentaremos expor algumas dessas percepes comuns a todo territrio

    nacional e que consenso entre diferentes autores.

    O prprio Diegues, que estudou as diferenas culturais em cada regio, tambm nos

    fala a respeito dos traos de uma cultura nacional. (...) o fausto exterior, a bondade, o

    sentimentalismo, a hospitalidade, a despreocupao com o futuro (DIEGUES, apud SOUZA,

    1978, p. 66).

    Segundo Azevedo18 (apud SOUZA, 1978, p. 66), outro autor que no descarta a

    dificuldade em definir um carter coletivo, podemos dizer certamente e, de modo geral, que o

    brasileiro altrusta, sentimental e generoso, capaz de paixes impulsivas, violentas mas

    pouco tenazes, amando mais a vida do que a ordem, pacfico, hospitaleiro mas desconfiado,

    tolerante por temperamento e por despreocupao.

    Continuando com os autores que buscaram estudar os traos brasileiros, podemos citar

    tambm Leite19 (apud SOUZA, 1978, p. 68) que, aps analisar as ideologias e os esteretipos

    colhidos entre estudantes, recolheu 62 caractersticas psicolgicas para o brasileiro e as

    distribuiu em quatro agrupamentos: individualismo, sentimentalismo ou bondade, indolncia

    e tolerncia ou acessibilidade.

    Antes de buscarmos entender como os traos citados iro refletir na cultura das

    organizaes brasileiras, devemos ressaltar que no foram abordados todos os traos que

    compem a cultura nacional. Procuramos estrutur-los de maneira que possam ser facilmente

    associados e visualizados no cotidiano das organizaes no Brasil, desta forma, dirigimos

    maior ateno ao que parece ser mais determinante no campo organizacional.

    Passaremos ento identificao dos traos da cultura nacional em suas organizaes.

    18AZEVEDO, F. de. A Cultura Brasileira, S. Paulo. Melhoramentos, 1964 (4.a Edio). P. 228 19LEITE, D. M. Carter Nacional Brasileiro. S. Paulo. USP, 1954. pp. 222-223.

  • 37

    2.3.2 CULTURA BRASILEIRA E CULTURA ORGANIZACIONAL

    Para tentarmos analisar como se d a influncia da cultura nacional no mbito de suas

    organizaes, iremos nos basear principalmente nas caractersticas do povo brasileiro que

    surgem como destaque para os estudiosos do assunto.

    Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.44) procura sumarizar os traos brasileiros

    mais nitidamente influentes no mbito organizacional. Para tanto, o autor destaca os seguintes

    traos principais: hierarquia, personalismo, malandragem, sensualismo e aventureiro.

    Buscaremos fazer uma breve explicitao desses traos de maneira a melhor compreender

    como estes influenciam nas organizaes nacionais.

    2.3.2.1 Hierarquia

    Segundo Freitas, a hierarquia tem suas origens no processo de colonizao. O sistema

    agrrio, adotado no incio de nossa colonizao, deu um poder patriarcal aos senhores de

    engenho.

    (...) o ncleo do sistema agrrio no Brasil foi a famlia patriarcal. Foi ela a grande colonizadora do Brasil, que estabeleceu um poder aristocrtico e virtualmente ilimitado. Centralizando o poder na figura do patriarca (o que sem dvida ajudou a dar origem a nossos elementos machistas), a famlia colonial forneceu a idia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obedincia irrestrita. Essa organizao, compacta e nica, representante de uma minoria social, fez prevalecer as preferncias por laos afetivos, e no deixa de marcar nossa sociedade, nossa vida pblica e todas nossas atividades (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 46).

    Segundo o autor, foi a famlia patriarcal quem forneceu o grande modelo moral que

    regula as relaes entre governantes e governados no Brasil. Neste modelo, encontramos a

    centralizao de poder nas mos dos governantes e a subordinao resguardada aos

    governados. Segundo Freitas (p. 46), a hierarquizao no pas agravada por se tratar de uma

    sociedade miscigenada, o que pode implicar diversas possibilidades de classificaes.

    Podemos, por exemplo, situar as pessoas pela cor da pele ou pelo dinheiro, pelo nome de sua

    famlia ou at pelo carro que usam (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p.46).

  • 38

    Freitas afirma que, desta forma, nossos preconceitos raciais ficam quase desapercebidos, uma

    vez que ficam encobertos por essas mltiplas variaes, que pouco se definem.

    Quando procuramos trazer essa caracterstica, que acaba por concentrar o poder na

    mo dos dominantes, para um momento mais atual da sociedade brasileira, percebemos que o

    ditado popular manda quem pode, obedece quem tem juzo reflete bem este ngulo da

    cultura nacional. Segundo Barros e Prates20 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 59), a

    sociedade brasileira tem se valido da fora militar tradicionalista e do poder racional-legal

    para o estabelecimento e a manuteno da autoridade, criando, assim, uma cultura de

    concentrao do poder baseada na hierarquia/subordinao.

    2.3.2.2 Personalismo

    A segunda caracterstica identificvel nos traos brasileiros, o personalismo, est

    relacionada ao fato do brasileiro procurar dar valor s relaes como forma de manuteno ou

    ascenso de algum papel ou posio que queira desempenhar. Neste sentido, o brasileiro

    sempre busca uma figura paternal no meio organizacional, estabelecendo com este relaes

    pessoais, buscando sempre a proximidade e relaes de afeto.

    Segundo Freitas (apud, CALDAS e MOTTA, 1997, p. 46), a idia de sociedade

    capitalista na qual vivemos, fundou-se com o propsito de defender que todos so iguais

    perante a lei, concepo esta que se originou na Inglaterra e foi inaugurada pela Revoluo

    Industrial, utilizou como apoio as ideologias do protestantismo calvinista e puritano. Nesta

    sociedade, o indivduo ou cidado aquele que deve ser universal e abandonar suas

    singularidades: ele deixa de ser um homem que possui determinada profisso ou famlia.

    Vimos que no Brasil a sociedade foi influenciada pelo sistema agrrio escravocrata e

    patriarcal e, apesar dessa influncia nos parecer distante se considerarmos os dias de hoje, em

    20BARROS, B. T. & PRATES, M. A. S.. O estilo brasileiro de administrar: sumrio de um modelo de ao cultural brasileiro com base na gesto empresarial. 1997. Fundao Dom Cabral-MG

  • 39

    que o Brasil possui um parque industrial moderno, com a maior parte da populao vivendo

    em cidades e no em fazendas, no podemos esquecer que nosso desenvolvimento econmico

    capitalista ocorreu apoiado em nosso passado colonial.

    Seguindo esta lgica, Freitas (p. 47) afirma que as mudanas de relao com o

    mercado mundial, que colocaram em cheque o sistema agrrio, foraram a ordem social

    escravocrata e senhorial, existentes no pas, a alimentar um tipo de crescimento econmico

    que negava as estruturas preexistentes.

    Houve, de fato, uma revoluo dentro da ordem. Os pilares desse novo sistema emergente, a competio e a livre iniciativa, foram rapidamente redefinidos, tanto econmica, quanto social e politicamente, como um fator de distribuio de privilgios e favores. Os processos econmicos deveriam adaptar-se aos interesses e relaes pessoais da oligarquia agrria. A coletividade passou a arcar com os custos do uso instrumental da competio em prol de privilgios exclusivistas, que pouco consideravam as foras naturais do mercado (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 47).

    Sendo assim, podemos concluir que a aristocracia rural da poca importou o sistema

    capitalista e o ajustou segundo os seus interesses. A ideologia impessoal do liberalismo

    democrtico jamais se naturalizou integralmente entre ns (FREITAS, apud CALDAS e

    MOTTA, 1997, p.47). No Brasil, a relao senhor-escravo e a dominao patriarcal

    influenciaram a vida moral, poltica e institucional da sociedade.

    Ainda segundo Freitas (p. 48), a noo de individualismo nasce a partir da vontade do

    senhor ou do chefe, impondo-se de cima para baixo. O ncleo familiar centrado na figura do

    patriarca dirigido por princpios de laos de sangue e de corao. Como conseqncia, nossa

    unidade bsica no est baseada no indivduo, mas na relao. O que vale aqui no a figura

    do cidado, mas a malha de relaes estabelecidas por pessoas, famlias e grupos de parentes

    e amigos.

    Sobre todo esse paternalismo existente na cultura brasileira, Dias (2001, p. 138) afirma

    que esse trao forte constri uma relao social de dependncia, em que um poder tradicional

    conhecido como legtimo. O autor ainda destaca o fato desse paternalismo possuir uma

  • 40

    fora tal que constri um sistema de valores em que o certo a dependncia e o errado a

    tentativa de se cortarem os laos de dependncia. Mais uma vez ganha destaque na cultura

    local o processo de construo de relaes mais intimistas.

    Outros autores a contriburem com o estudo dessa caracterstica da cultura nacional

    so Barros e Prates (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60). Segundo estes autores, o

    indivduo ganha destaque na sociedade brasileira por intermdio de seu discurso ou de seu

    poder de ligaes (relaes com outras pessoas), e no por sua especializao.

    A rede de amigos, para no falar de parentes, o caminho natural pelo qual trafegam as pessoas para resolverem seus problemas e, mais uma vez, obterem os privilgios a que aqueles que no tm uma famlia no podem habilitar-se. Este o cidado brasileiro, que se diferencia pela hierarquia e pelas relaes pessoais. No Brasil, o indivduo isolado e sem relaes considerado como altamente negativo, um ser marginal em relao aos outros membros da comunidade (BARROS e PRATES, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 60).

    Os autores citados concordam com o fato de que o povo brasileiro possui essa

    necessidade de formar essa teia de relacionamentos como a melhor forma de ganhar destaque

    perante a sociedade. Freitas (p.48) ainda vai alm e afirma que esta caracterstica ultrapassou

    a esfera meramente social e contaminou nossa esfera poltica e jurdica.

    Mas o personalismo, que gera esta necessidade de relaes, acaba levando o brasileiro

    a desenvolver relacionamentos mais prximos e afetuosos. E as razes desse comportamento

    tambm podem ser explicadas pela influncia africana. Segundo Freyre21 (apud CALDAS e

    MOTTA, 1997, p. 48), o negro contribui para formar nossos traos to brasileiros de

    afetividade e intimismos.

    E essa caracterstica tambm faz o brasileiro ser reconhecido internacionalmente por

    seu calor humano. Freitas (p. 48) lembra que ao cumprimentarmos as pessoas, no

    economizamos beijos e abraos apertados, o que pode parecer totalmente absurdo para outras

    culturas.

    21FREYRE, G. Casa grande e senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1966

  • 41

    Essas atitudes confirmam a necessidade do indivduo produzir relacionamentos cada

    vez mais intimistas, negando qualquer tipo de formalidade.

    2.3.2.3 Malandragem

    Continuando com nossa busca aos traos que caracterizam os brasileiros,

    identificamos a malandragem. J vimos que a sociedade brasileira hierarquizada, marcada

    pela desigualdade social. Conseqentemente, vimos que essa desigualdade possibilita uma

    tendncia dos indivduos a buscarem nos relacionamentos o principal meio de interao

    social, caracterizando o personalismo.

    Em nossa sociedade, o indivduo freqentemente reconhecido e valorizado em funo de sua rede de relaes interpessoais. Assim, quando deparamos com leis ou situaes universais e homogneas que ignoram nossas pessoalidades, apelamos para relaes e para intimidade. Tentamos criar uma sada intermediria para o impasse entre o impessoal e o pessoal (DaMATTA22, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50).

    O que o autor da citao acima quis dizer que o brasileiro est sempre tentando

    adaptar as situaes a uma maneira que gere o mnimo de identificao pessoal, uma relao.

    Freqentemente, os brasileiros deparam-se com situaes onde em qualquer outra sociedade

    s existiria o certo ou errado, mas, no Brasil, conforme essa cultura da malandragem,

    encontra-se um ponto intermedirio. Para tanto, o indivduo lana mo de tudo para

    convencer ao outro. Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), mesmo no

    conhecendo o outro lado ou a pessoa, tentamos criar uma referncia comum a ambos, um elo

    pessoal que estimule este outro lado a realizar aquilo que desejamos.

    por essa caracterstica cultural que o brasileiro ganhou sua fama internacional com

    relao ao chamado jeitinho. DaMatta23(apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), que

    estudou mais a fundo esse trao brasileiro, afirma que, como um estilo de vida originalmente

    brasileiro de se relacionar socialmente, o jeitinho mais que um modo de viver, uma forma

    22DaMATTA, R. Carnavis, malandros e heris. Rio de Janeiro: Zahar, 1983 23DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocca, 1986.

  • 42

    de sobreviver. O autor ainda cita que o agir com jeitinho significa agir com sensibilidade,

    inteligncia e simpatia para relacionar o impessoal e o pessoal.

    Conclumos ento que, no Brasil, a cultura do malandro valorizada. Este se

    caracteriza pela flexibilidade, de fcil adaptao s mais diferentes situaes. O malandro

    possui a sensibilidade para se relacionar, consegue sair de situaes complicadas com

    sucesso.

    Parece-nos que o Brasil uma escola de malandros. Somos conhecidos fora do pas por nossa capacidade de adaptao, por buscarmos solues originais e por sermos dinmicos e flexveis. Inconscientemente, cada um de ns adquire um pouco deste carter, e em diferentes nveis sabemos que a relao um dos caminhos para o sucesso, seja ele pessoal seja profissional. Sabemos que para tudo h jeitinho, basta um pouco de tato que as coisas se resolvem (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50).

    2.3.2.4 Sensualismo

    Quando falamos em algo que represente o Brasil, uma das primeiras coisas que nos

    vem cabea a festa do Carnaval. Uma festa pag, a festa da carne, repleta de sensualidade,

    mulheres seminuas e coisas do tipo. Mas no toa que o Carnaval ganha grande destaque na

    cultura nacional.

    Segundo Freitas (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 50), podemos explicar essa

    identificao do povo com o Carnaval atravs da prpria histria do pas. O autor cita que os

    portugueses receberam grande influncia dos povos rabes que invadiram seu pas.

    Logo ao primeiro contato com esses invasores maometanos, as populaes crists, no s nas classes populares como tambm nas elevadas, absorveram forte tendncia poligamia, o que levou a moral maometana a exercer grande influncia sobre a moral crist. Nenhum outro catolicismo na Europa conservou gosto to forte pela carne e pelo flico como o catolicismo portugus (FREITAS, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51).

    Mas alm desta tendncia ao sensualismo que possuam os portugueses, podemos

    identificar tambm essa caracterstica nas demais raas responsveis pela colonizao no

    Brasil.

  • 43

    Ocorria ento que os portugueses, chegando ao Brasil, deparavam-se com ndias nuas

    e, no podemos esquecer, na prpria cultura indgena era comum a poligamia.O Europeu

    saltava em terra escorregando em ndia nua; os prprios padres da Companhia precisavam

    descer com cuidado, seno atolavam o p em carne (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA,

    1997, p. 51).

    O mesmo autor ainda destaca a chegada das mulheres africanas neste ambiente de

    libertinagem sexual, sendo utilizadas como descarga de sentidos e desejos.

    No que as negras trouxessem da frica, em seus instintos, em seu sangue, maior sensualidade que as portuguesas ou as ndias: aqui no era uma questo de desejo, mas de imperativo. O rapaz ou mesmo o menino branco tinha precocemente uma iniciao sexual. Por poderem fazer o que bem entendiam com os escravos, antecipavam-se na vida ertica pela negra ou mulata, quando no pelo companheiro negro de brincadeiras (FREYRE, apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 51).

    Neste sentido, misturando-se estas raas num ambiente favorvel ao instinto sexual,

    forma-se na cultura brasileira uma tendncia para que as relaes interpessoais sejam envoltas

    num certo sensualismo afetivo. Quando trazemos esse sensualismo para as relaes atuais,

    vemos que, de fato, o brasileiro sempre procura dar um certo toque de sensualidade na fala e

    na maneira de agir, procurando sempre um contato mais prximo.

    2.3.2.5 Aventureiro

    Passamos agora a outro trao bem caracterstico da sociedade nacional, sua ligao ao

    esprito de um aventureiro. Mas antes de tentarmos explicar um pouco das razes desse

    comportamento, iremos destacar dois conceitos defendidos por um autor que buscou

    identificar e ordenar estes conjuntos sociais.

    Segundo Holanda24 (apud CALDAS e MOTTA, 1997, p. 54), nas sociedades

    rudimentares eram divididas em dois tipos: as de indivduos caadores e coletores, e a

    composta por lavradores. A primeira sociedade, de caadores e coletores, representaria a

    figura do aventureiro: o ideal colher o fruto sem plantar a rvore, seus esforos buscam

    24HOLANDA, S. B. Razes do Brasil. 17. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1984.

  • 44

    sempre respostas imediatas. J a segunda sociedade, representada pelos lavradores,

    representam a figura do trabalhador: enxerga primeiro a dificuldade a vencer, depois o triunfo

    que ir alcanar. O grupo dos lavradores acredita que o trabalho disciplinado e sacrificado o

    nico caminho para se progredir na vida.

    O autor nos fornece dois grupos bem distintos, porm, importante ressaltarmos que

    as sociedades no so formadas somente por trabalhadores ou aventureiros. O autor busca

    enfatizar essas caractersticas visando um melhor entendimento, mas devemos aceitar que as

    sociedades reais possuem os dois tipos de figura. A diferena est no grau de participao de

    cada um desses tipos, quer dizer, podem existir mltiplas combinaes entre trabalhadores e

    aventureiros numa sociedade, umas tendendo mais para uma dessas figuras que outras.

    A cultura de Portug