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6 Experimentos parte 2: recursividade na língua e habilidades superiores Nos experimentos apresentados no capítulo anterior, apenas questões envolvendo numerais cardinais foram discutidas. Neste capítulo, será abordada a compreensão de numerais ordinais e, especificamente, a interpretação desses elementos em estruturas recursivas. Essa questão é investigada a partir de dois experimentos de compreensão: um com adultos e outro com crianças a partir dos 4 anos de idade. Para finalizar o segundo bloco experimental desta tese, reportamos um terceiro teste concebido com o objetivo de explorar uma possível relação mais direta entre o processamento de sentenças relativas – tradicionalmente caracterizadas como exemplos privilegiados da recursividade lingüística – e o processamento de estruturas recursivas no domínio da cognição numérica. No âmbito desta tese, tem sido argumentado que a língua possibilita a integração de informação proveniente de diferentes domínios da cognição ao funcionar como um sistema representacional que contém termos para nomear objetos e relações cujas representações primárias são construídas por vários sistemas modulares. Além desse repertório de termos, dois tipos de estruturas lingüísticas podem fornecer um suporte crucial nesse sentido: DPs recursivos e sentenças relativas. O primeiro tipo de estruturas permite integrar informação relativa a objetos, número e espaço (Ex: As duas meninas à esquerda do piano no fundo da sala/ Os quatro cachorros do lado da árvore na frente da banca de jornais). As sentenças relativas permitem a individuação de objetos por meio da integração de eventos, possibilitando assim a interação entre tempos distintos 1 . Orações relativas com encaixamento no centro (nested embedding) em particular, são consideradas exemplos paradigmáticos da recursividade lingüística. Os experimentos que reportamos a seguir abordam questões associadas à 1 A representação do tempo em si parece não estar associada a um core system específico, mas a representação de ações e agentes pode precisar da especificação dada pelo tempo para a expressão da sua referencialidade.

6 Experimentos parte 2: recursividade na língua e ... · A recursividade no DP – por meio de PPs – permite estabelecer relações de ordem conceitual, por exemplo de natureza

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  • 6 Experimentos parte 2: recursividade na lngua e habilidades superiores

    Nos experimentos apresentados no captulo anterior, apenas questes

    envolvendo numerais cardinais foram discutidas. Neste captulo, ser abordada a

    compreenso de numerais ordinais e, especificamente, a interpretao desses

    elementos em estruturas recursivas. Essa questo investigada a partir de dois

    experimentos de compreenso: um com adultos e outro com crianas a partir dos 4

    anos de idade. Para finalizar o segundo bloco experimental desta tese, reportamos um

    terceiro teste concebido com o objetivo de explorar uma possvel relao mais direta

    entre o processamento de sentenas relativas tradicionalmente caracterizadas como

    exemplos privilegiados da recursividade lingstica e o processamento de estruturas

    recursivas no domnio da cognio numrica.

    No mbito desta tese, tem sido argumentado que a lngua possibilita a

    integrao de informao proveniente de diferentes domnios da cognio ao

    funcionar como um sistema representacional que contm termos para nomear objetos

    e relaes cujas representaes primrias so construdas por vrios sistemas

    modulares. Alm desse repertrio de termos, dois tipos de estruturas lingsticas

    podem fornecer um suporte crucial nesse sentido: DPs recursivos e sentenas

    relativas. O primeiro tipo de estruturas permite integrar informao relativa a objetos,

    nmero e espao (Ex: As duas meninas esquerda do piano no fundo da sala/ Os

    quatro cachorros do lado da rvore na frente da banca de jornais).

    As sentenas relativas permitem a individuao de objetos por meio da

    integrao de eventos, possibilitando assim a interao entre tempos distintos1.

    Oraes relativas com encaixamento no centro (nested embedding) em particular, so

    consideradas exemplos paradigmticos da recursividade lingstica.

    Os experimentos que reportamos a seguir abordam questes associadas

    1 A representao do tempo em si parece no estar associada a um core system especfico, mas a representao de aes e agentes pode precisar da especificao dada pelo tempo para a expresso da sua referencialidade.

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    recursividade. Os dois primeiros investigam o papel da recursividade no DP (por

    meio de modificadores nominais) no desenvolvimento do conceito de numeral

    ordinal. O terceiro experimento explora o processamento de estruturas recursivas

    equivalentes em dois domnios cognitivos diferentes: lingstico e matemtico.

    6.1 Experimento 1: processamento de modificadores nominais recursivos em adultos

    A aquisio dos numerais ordinais relaciona-se ao aprendizado da seqncia

    de contagem. Os ordinais trazem informao sobre a posio de um dado elemento

    num conjunto. Essa posio pode ser de natureza mais ou menos abstrata e estar

    vinculada ou no ao espao fsico (O segundo livro na primeira estante vs. O

    segundo colocado no concurso pblico). Em qualquer caso, a referncia associada a

    um ordinal s pode ser estabelecida se for considerado o conjunto total no qual esta se

    insere. Assim, a aquisio dos ordinais requer que seja estabelecida uma relao entre

    posies seqenciais de objetos e posies na seqncia numrica (Wiese, 2003a).

    Enquanto o conceito de cardinal est associado a individualizao dos itens num

    conjunto quantificado, a noo de ordinalidade implica a individualizao de posies

    (e elementos vinculados a estas) numa progresso. Embora a seqncia dos ordinais

    em si seja caracterizada pela ordem hierrquica e a sistematicidade, quando estes so

    utilizados ao fazer referncia a um conjunto de elementos a ordem seqencial dos

    mesmos (primeiro, segundo, terceiro) nem sempre coincide com a ordem linear dos

    elementos do conjunto. Assim, a compreenso de uma expresso ordinal requer que

    sejam identificadas as posies relativas dos elementos dentro do conjunto avaliado

    (i.e. o primeiro elemento x no necessariamente encontra-se na primeira posio). A

    verdadeira compreenso dos ordinais implica que seja estabelecida uma distino

    entre posio linear e posio ordinal relativa ao conjunto considerado globalmente.

    A compreenso dessas relaes pela criana pode ser um processo custoso.

    A recursividade no DP por meio de PPs permite estabelecer relaes de

    ordem conceitual, por exemplo de natureza espacial, que podem ser relevantes para o

    desenvolvimento do conceito de ordinalidade (O terceiro prato do armrio no fundo

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    da cozinha). Assim, a compreenso de sentenas que carregam informaes dessa

    natureza poderia ser crucial nesse processo. Entretanto, resultados experimentais

    (Hiraga, 2009; Gentile, 2003; Matthei, 1982) e dados naturalistas (Roeper, 2009)

    parecem compatveis com a idia de que diversos tipos de sentenas envolvendo a

    chamada recursividade indireta (cf. p. 84) receberiam uma leitura no-recursiva

    default nos primeiros estgios da aquisio; isto , no seriam corretamente

    compreendidas pelas crianas.

    Estudos prvios (Roeper, 1972; Matthei, 1982) reportaram que crianas entre os

    3 e os 6 anos de idade interpretam incorretamente seqncias contendo modificadores

    nominais recursivos do tipo A segunda bola verde. Nessas pesquisas utilizada uma

    tarefa de seleo de imagens na qual as crianas so solicitadas a apontar para the

    second green ball num arranjo como o que esquematizamos abaixo. A configurao

    visual dos elementos apresentados chamada pelos autores de tendenciosa

    (biased), j que h nela um elemento na segunda posio linear mas no na posio

    ordinalmente correta ao considerarem-se todos os objetos da seqncia que

    apresenta as duas propriedades fundamentais indicadas na instruo fornecida (cor e

    forma).

    brown green blue red brown green

    A B C D E F

    Figura 11: Exemplo esquemtico do procedimento utilizado por Roeper (1972)

    O padro de resposta registrado nesses estudos sugere que as crianas

    interpretam o ordinal second como tendo escopo apenas sobre o N ball, mas no

    sobre o AdjP completo. Assim, as crianas tendem a escolher o elemento na posio

    B (i.e. a bola que a segunda e que verde) em lugar do elemento na posio F (que

    a segunda bola verde), sugerindo interpretaes no-recursivas, mas coordenadas

    das estruturas em questo.

    Um comportamento similar foi registrado ainda diante de uma segunda

    condio experimental chamada de no-tendenciosa (unbiased), na qual o elemento

    na posio linear correspondente no partilhava as duas propriedades indicadas.

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    Assim, diante de um arranjo visual com as caractersticas do apresentado abaixo

    onde a seta indicava a direo na qual devia ser avaliada a imagem as crianas se

    recusavam a responder ou ento, quando possvel, tentavam alterar a realidade

    trocando a seta de lugar para comear a contar na direo contrria (direita-esquerda).

    marrom azul verde vermelho verde azul

    Figura 12: Exemplo esquemtico do procedimento utilizado por Matthei (1982)

    No foi registrado um efeito significativo de tipo de arranjo visual. Assim,

    independentemente do tipo de arranjo visual apresentado (tendencioso ou no-

    tendencioso) as respostas das crianas foram compatveis com uma leitura

    preferencialmente no-recursiva ou coordenada para os estmulos experimentais. Para

    explicar esses resultados, Matthei (1982) considera que as crianas so

    essencialmente conservadoras no que diz respeito quantidade de estrutura sinttica

    hierrquica inicialmente postulada.

    Recentemente, esses dados tm sido interpretados em conjunto com resultados

    relativos interpretao de outros tipos de estruturas envolvendo recursividade. As

    aparentes dificuldades exibidas pelas crianas na compreenso de tais estruturas tm

    sido apontadas como evidncia de que sentenas recursivas receberiam uma leitura

    no-recursiva default durante um longo perodo no percurso da aquisio da

    linguagem (Roeper, 2009). No caso especfico dos modificadores nominais, os dados

    reportados parecem compatveis com a idia de que as crianas tratam esse tipo de

    seqncias de modificadores recursivos como sendo estruturas coordenadas ou que

    estabelecem relaes de escopo como a representada em (32) abaixo. Todavia, outros

    autores (Fodor & Crain, 1987) afirmam que as crianas so capazes de atribuir uma

    estrutura recursiva a essas sentenas, tal como a apresentada em (33), na qual os

    adjetivos so adjuntos esquerda.

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    De acordo com Fodor e Crain (1987), as aparentes leituras no-recursivas

    registradas podem ser derivadas das demandas impostas pela tarefa experimental

    utilizada. Segundo os autores, embora as crianas possam processar os estmulos

    lingsticos corretamente elas teriam problemas para integrar essa informao junto

    com as outras aes necessrias para a resoluo da tarefa. Em outras palavras, para

    fornecer a resposta esperada as crianas no somente precisam compreender o

    enunciado (The second green ball), mas tambm levar em considerao a cor dos

    elementos e simultaneamente considerar apenas um subconjunto dos elementos

    apresentados.

    Roeper (2009) e Hollebrandse & Roeper (submetido) consideram que, de um

    modo geral, as crianas parecem apresentar uma resistncia interpretao recursiva.

    A literatura fornece um conjunto de dados compatveis com leituras no-recursivas

    e/ou dificuldades de compreenso por parte das crianas diante de estruturas

    envolvendo:

    - Possessivos: at por volta dos 3-4 anos de idade (Gentile, 2003; Roeper,

    2007);

    - Adjetivos: crianas de 3-6 anos (Matthei, 1982; Roeper, 1978);

    - PPs recursivos (Gu, 2008);

    - Compostos sintticos do tipo tea pourer maker: crianas com at 8 anos

    (Hiraga, 2009);

    (33) DP

    bola

    NP

    AdjP

    verde

    XP segunda

    a AdjP

    AdjP

    bola

    AdjP

    DP

    verde

    AdjP

    segunda

    a NP

    NP

    bola

    AdjP NP

    (32)

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    - Verbos seriais2: dados longitudinais de uma criana falante de Bantu (Baker,

    2001);

    - Complementos sentenciais: crianas 6;9 de idade mdia (Hollebrandse et al.,

    2008).

    Uma vez que a recursividade tida como uma propriedade central nas lnguas

    humanas, chama ateno que as crianas apresentem dificuldades importantes no que

    diz respeito a uma caracterstica to crucial e que, a nosso ver, no devia ser

    considerada como um conhecimento a ser adquirido stricto sensu. Na perspectiva

    para a aquisio da linguagem aqui assumida, o que deve ser adquirido so os traos

    associados aos itens do lxico. Assim, no haveria algo do tipo trao [+/- recursivo]

    no lxico, mas a possibilidade de uma mesma categoria ser selecionada reiteradas

    vezes ao longo de uma derivao; o que, juntamente com a informao relativa

    subcategorizao associada a cada elemento, possibilitaria a gerao de estruturas

    recursivas.

    O experimento que reportamos a seguir parte da hiptese de que demandas

    especficas da tarefa por meio da qual a compreenso dessas estruturas recursivas

    vem sendo investigada podem explicar, pelo menos em parte, o padro de resposta

    das crianas. Assim sendo, as demandas da tarefa foram variadas, de modo a verificar

    o quanto adultos levariam em considerao uma leitura coordenada para esse tipo de

    estruturas, num primeiro momento do processo de compreenso da tarefa

    tradicionalmente utilizada. Desta forma, os objetivos do teste foram: (i) verificar

    como adultos processam essas estruturas, diante de demandas diferenciadas e (ii)

    verificar se uma interpretao coordenada seria a primeira interpretao obtida diante

    da tarefa padro, independentemente do desenvolvimento lingstico. 2 As construes com verbos seriais so um fenmeno sinttico comum em vrias lnguas africanas e asiticas. Diferentemente da subordinao, na qual uma clusula encaixada em outra, no caso dos verbos seriais conformada uma sequncia de dois verbos na qual no h subordinao mtua. Essas construes apresentam duas propriedades recorrentes: (i) a cadia de verbos compartilha o mesmo sujeito; (ii) a concordncia de sujeito possui frequentemente referncia cruzada nos dois verbos. Segue abaixo um exemplo do Nupe (Tallerrman, 1998): (1) Musa b l bi. Musa came took knife "Musa came to take the knife."

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    De modo a atingir os objetivos propostos, foi utilizada a tcnica do

    rastreamento ocular (eye-tracking) combinada com uma tarefa de identificao de

    imagens. As variveis independentes foram: tarefa (simultnea ou seqencial) e tipo

    de arranjo visual (tendencioso e no-tendencioso), sendo a primeira um fator grupal.

    A varivel dependente foi o nmero de fixaes iniciais no-alvo; isto ,

    indicando uma interpretao inicial coordenada. Com base no estipulado na literatura,

    o tempo mnimo considerado como fixao foi de 200-250 ms (Richardson, 2006). A

    previso foi a de um nmero maior de fixaes iniciais no-alvo na condio

    simultnea.

    6.1.1 Metodologia

    Rastreamento do olhar (eye-tracking)

    O monitoramento do olhar permite estabelecer indicadores dos processos

    atencionais, sendo por isso de grande interesse para a investigao de processos

    cognitivos tais como os envolvidos na compreenso da linguagem. Parmetros do

    olhar podem ser teis para se compreenderem os detalhes de variados processos

    lingsticos como, por exemplo, a resoluo da co-referncia pronominal, a

    ambigidade sinttica e lexical, entre outros (Rayner, 1998).

    Os movimentos oculares so divididos em dois grandes tipos: movimentos

    muito rpidos denominados sacadas (que ocorrem tipicamente de 3 a 4 vezes por

    segundo (cf. Richardson, 2006)) e momentos de pausa, com durao mdia de 200-

    250 ms, denominados fixaes. Atualmente, a maioria dos estudos concentra-se na

    durao das fixaes (Maia, 2008).

    A pesquisa do rastreamento ocular associada compreenso da linguagem

    fornece evidncias em tempo real da interdependncia entre o processamento

    lingstico e a percepo visual. Neste paradigma, utilizado um aparelho especfico

    (existem diversos modelos disponveis) destinado ao monitoramento dos movimentos

    oculares. A depender das caractersticas do aparelho de eye-tracker utilizado, essa

    metodologia adequada para a investigao com crianas e adultos. As medidas

    comumente tomadas como variveis dependentes so o nmero de fixaes em um

    determinado ponto, o tempo de fixao, assim como o nmero de movimentos

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    sacdicos e sua direo.

    Participantes

    Participaram do experimento 27 alunos de graduao e ps-graduao

    pertencentes a diversos cursos da PUC-Rio. Desse grupo inicial, 3 participantes

    foram eliminados por problemas tcnicos no registro das respostas. Todos os

    participantes (idade mdia 27 anos/ intervalo 18-42; dos quais 10 homens) tinham

    viso normal ou corrigida (culos ou lentes de contato). Os voluntrios receberam

    como retribuio pela sua participao uma pequena remunerao ou, no caso dos

    alunos de Letras, uma creditao para ser trocada por horas de atividades

    complementares junto ao Departamento.

    Materiais

    Foram utilizados 16 pares de frases/imagens experimentais (8 por condio) e

    32 pares de distratoras apresentados em formato Power Point. Os estmulos auditivos

    correspondentes foram gravados utilizando o programa Sound Forge. Todos os

    estmulos auditivos (experimentais e distratores) foram gravados sem interrupes,

    para evitar mudanas na entonao e no ritmo, e posteriormente editados de modo a

    poderem ser apresentados como frases separadas.

    A seguir oferecemos exemplos das pranchas e frases utilizadas.

    Olha para o terceiro cubo azul (condio tendenciosa)

    Olha para o terceiro cubo roxo (condio no-tendenciosa)

    Olha para o cubo amarelo atrs do crculo azul (distrator)

    Figura 13: Exemplos do material experimental utilizado no experimento 1

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    Aparato

    O experimento foi conduzido em uma cabine com isolamento acstico

    especialmente preparada nas dependncias LAPAL. Foram utilizados dois notebooks

    Hewlett-Packard (HP) com sistema operacional Windows XP e monitores de 15.

    Um dos computadores apresentava o experimento para o participante dentro da

    cabine, enquanto o outro (do lado de fora) coletava os dados fornecidos por um eye-

    tracker, fazendo o registro em vdeo de cada sesso, alm de permitir que o

    experimentador monitorasse o comportamento do participante.

    O aparelho de rastreamento ocular utilizado foi um eye-tracker de mesa

    (table-mounted) TM2 fabricado pela EyeTech Digital Systems. O equipamento tem 1

    de acurcia, registra as imagens a 55fps, permitindo at 25x16x19cm de

    movimentao da cabea. O software Quick Glance administra o funcionamento do

    aparelho, realizando a calibrao correspondente para cada participante e registrando

    os movimentos oculares durante a sesso experimental. Foram utilizados ainda duas

    caixas de som, um microfone e um mouse especialmente preparado para comandar,

    ao mesmo tempo, ambos os computadores empregados.

    O programa Power Point foi utilizado para a apresentao dos estmulos. Para

    cada lista do experimento foi criado um arquivo nesse formato o qual apresentava

    tanto os estmulos auditivos quanto os visuais. Para a gravao dos estmulos

    auditivos e para a anlise dos dados foi utilizado o software Soundforge. Utilizamos

    ainda o software Snag-it para gravar toda a atividade realizada na tela do computador

    que monitorava a realizao do experimento.

    Procedimento

    Os participantes foram testados individualmente no LAPAL na cabine especial

    j mencionada. A tarefa experimental consistia na identificao de elementos na tela

    com base em instrues verbais. Os participantes foram orientados a responder em

    voz alta s perguntas que receberiam. O objetivo do teste, para os participantes, era

    avaliar a compreenso de instrues de complexidade varivel (porm simples).

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  • 136

    O sujeito era acomodado na posio adequada para o ajuste do aparelho de

    rastreamento ocular e era realizada a calibrao do aparelho durante a qual o

    programa do rastreador era ajustado s caractersticas de movimentao ocular de

    cada participante. Para isso o participante devia fixar a vista numa srie de pontos

    especficos numa tela especialmente preparada para essa funo medida que o

    experimentador ia nomeando-os. Assim que esse procedimento finalizava, o aparelho

    atribua um valor que permitia mensurar a qualidade da calibrao. Se o sujeito no

    tivesse atingido os valores necessrios o procedimento era repetido. Aps a

    calibrao, a velocidade e qualidade do rastreamento eram avaliadas utilizando

    imagens similares s dos estmulos experimentais. Somente quando esses parmetros

    atingiam o nvel desejado comeava o experimento propriamente dito.

    Na fase de teste, o procedimento era diferenciado de acordo com as condies

    experimentais (seqencial e simultnea). Assim, na condio de apresentao

    seqencial os participantes escutavam uma frase (Olha para a estrela amarela) e

    imediatamente depois uma imagem aparecia na tela. Cinco segundos aps a primeira

    frase, uma nova instruo era apresentada (Indique a letra que corresponde

    instruo recebida) e letras maisculas apareciam abaixo de cada imagem na tela. O

    participante era orientado a responder em voz alta. Finalmente, 3 segundos depois da

    segunda instruo, o participante ouvia a seguinte pergunta A instruo recebida foi

    fcil, mdia ou difcil? e novamente era orientado a responder em voz alta.

    Na condio de apresentao simultnea, o procedimento foi idntico exceto

    pela apresentao da primeira frase (Olha para a estrela amarela) ao mesmo tempo

    que a imagem, isto , o estmulo visual e o lingstico apareciam concomitantemente.

    As demais etapas foram iguais s acima descritas.

    A seguir apresentamos um esquema do procedimento em cada condio. So

    indicadas as etapas comuns e diferenciadas em cada caso.

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    Condio seqencial Tela 1 Tela 2

    Instruo 1: Olha para a segunda estrela vermelha

    Condio simultnea Tela 1

    Instruo 1: Olha para a segunda estrela vermelha

    Procedimento comum s duas condies

    A B C D E FA B C D E F

    Instruo 2: Indique a letra que corresponde instruo recebida

    Instruo 3: Agora diga, a instruo foi fcil, mdia ou difcil?

    Figura 14: Exemplos do procedimento experimental em cada condio

    O eye-tracker monitorava o olhar do participante ao longo do procedimento e

    todo o material auditivo e visual, alm dos registros de movimentao ocular de cada

    um dos participantes, foi registrado para ser posteriormente analisado.

    Os estmulos foram aleatorizados em trs listas e os participantes distribudos

    de forma equitativa entre as diferentes listas. Cada sesso experimental, incluindo a

    fase de calibrao do aparelho, tinha uma durao de aproximadamente 30 minutos.

    6.1.2 Resultados e discusso Os dados foram submetidos a uma anlise da varincia (2X2 tarefa X tipo

    de arranjo visual) em que foi registrado um efeito principal de tarefa com mais

    fixaes no-alvo na condio simultnea do que na seqencial (F(1,22) = 8.01 p

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  • 138

    =.01). Quando os estmulos lingstico e visual foram apresentados ao mesmo tempo,

    os participantes tenderam a considerar uma interpretao coordenada num primeiro

    momento. O grfico abaixo apresenta esse efeito. No foram registrados outros

    efeitos significativos.

    Grfico 9: Mdia de fixaes no-alvo em funo de tarefa (n=12 Max Score=16)

    3.591.99

    0

    1.5

    3

    4.5

    6

    Condio seqencial Condio simultnea

    Discusso

    Os resultados sugerem que a apresentao simultnea dos estmulos visuais e

    lingsticos pode levar a uma busca inicial errnea na tarefa de identificao das

    imagens solicitadas. Esse tipo de busca compatvel com uma interpretao

    coordenada para as frases contendo modificadores nominais recursivos. Esses dados

    parecem sustentar a idia de que demandas cognitivas impostas pela tarefa podem

    afetar o mapeamento da anlise lingstica no arranjo visual apresentado.

    A tendncia observada pode ter sido favorecida ainda pela ordem dos

    adjetivos em relao ao N no portugus, que diferente da do ingls (Adj

    Ordinal+N+Adj no portugus e Adj Ordinal+Adj+N no ingls). No caso do

    portugus, possvel pensar num fechamento antecipado do DP tendo como escopo

    unicamente o N, sem que um procedimento de verificao das condies de

    fechamento de um constituinte (look-ahead) seja conduzido. O padro de

    comportamento dos adultos avaliados , de todo modo, compatvel com o reportado

    na literatura com relao s crianas.

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    importante salientar que no houve efeito significativo de tipo de arranjo

    visual, ou seja, os adultos no portugus assim como as crianas no ingls

    apresentaram o mesmo padro de resposta diante de ambos os tipos de configurao

    (tendenciosa e no-tendenciosa). Esse fato sugere que a informao veiculada pelo

    ordinal rapidamente associada ordem linear e posteriormente re-avaliada em

    virtude de outras informaes. Cabe salientar que a necessidade desse tipo de re-

    avaliao pode resultar custosa demais para as crianas afetando negativamente seu

    desempenho.

    Levando em considerao os resultados obtidos, torna-se necessrio verificar

    se a forma de apresentao da tarefa pode afetar a compreenso das crianas na

    mesma medida, fato que permitiria por em discusso a afirmao de que a dificuldade

    das crianas estaria no processamento de estruturas recursivas. Assim sendo, com o

    intuito de dar continuidade a essa questo, foi conduzido o experimento 2 que

    relatamos a seguir.

    6.2 Experimento 2: interpretao de modificadores recursivos em crianas

    O experimento reportado nesta seo teve como objetivo avaliar a compreenso

    de modificadores nominais recursivos por crianas. O teste foi uma adaptao da

    tarefa originalmente proposta por Roeper (1972) e replicada por Matthei (1982) para

    o ingls. As modificaes introduzidas foram as seguintes:

    - As imagens foram apresentadas na tela de um computador ao invs de

    gravuras impressas;

    - Somente foram utilizadas figuras simples (cubo, bola, corao e estrela) nos

    estmulos de forma a minimizar o custo do reconhecimento. J o teste de

    Matthei inclua as seguintes figuras: hipoptamo, urso, carro e avio;

    - Foram apresentados 6 estmulos por condio em lugar de 4 como no original,

    de modo a termos um nmero maior de instncias experimentais avaliadas; e

    - Os estmulos lingsticos e visuais foram apresentados seqencialmente, ou

    seja, a frase experimental era apresentada antes do arranjo visual; isto , a

    condio de menor custo de processamento conforme os dados dos adultos

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  • 140

    anteriormente apresentados.

    As variveis dependentes foram idade (4, 5 e 6 anos) e tipo de arranjo visual

    (tendencioso e no-tendencioso). A varivel dependente foi o nmero de respostas-

    alvo, isto , respostas compatveis com a instruo recebida.

    6.2.1 Metodologia

    Participantes

    Participaram do experimento 49 crianas (24 meninas e 25 meninos) sendo que os

    dados correspondentes a dois dos participantes foram desconsiderados na anlise; um

    por ter apresentado problemas na identificao das figuras e das cores durante o pr-

    teste e o outro por demonstrar desinteresse e falta de ateno durante o teste. As 47

    crianas restantes foram divididas em trs faixas etrias (4, 5 e 6 anos). Os grupos

    formados foram os seguintes:

    - Grupo 1: 14 crianas na faixa dos 4 anos (idade mdia 4;7 intervalo 4;3-5;0)

    - Grupo 2: 18 crianas na faixa dos 5 anos (idade mdia 5;5 intervalo 5;1-5;11)

    - Grupo 3: 15 crianas na faixa dos 6 anos (idade mdia 6;4 intervalo 6;0-6;8)

    Todas as crianas foram testadas nas creches que freqentam, (creches-escolas

    particulares, duas em Niteri e uma no Rio de Janeiro). Em nenhum caso foram

    relatados problemas cognitivos ou queixas de linguagem pelas professoras e/ou

    coordenadoras.

    A escolha da faixa dos 4 anos como idade mnima foi motivada pelo fato de

    que, como foi verificado nos testes reportados no Captulo 5, algumas crianas de 3

    anos ainda no dominam plenamente os primeiros nmeros cardinais, o que poderia

    comprometer sua compreenso dos ordinais.

    Materiais

    Foram utilizados 12 pares de frase/imagen experimentais (6 por condio) e 9

    pr-testes. O material foi apresentado em formato Power Point num computador Sony

    Vaio com tela de 15. Os estmulos experimentais foram organizados em 4 listas

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  • 141

    aleatorizadas e as crianas distribudas equitativamente. Seguem exemplos de

    pranchas em cada condio.

    Figura 15: condio tendenciosa Figura 16: condio no tendenciosa

    Mostra pra mim a terceira estrela azul Mostra pra mim a segunda estrela amarela

    Procedimento

    O teste foi apresentado como um jogo de computador no qual os participantes

    deviam seguir as instrues do experimentador, identificando as figuras solicitadas na

    tela. Dessa forma, o participante somava pontos at o fim do jogo. Durante o teste,

    a criana no recebia feedback relativo a cada trial, mas a cada quatro estmulos

    experimentais ganhava os pontos necessrios para passar de nvel. No final da

    atividade, independentemente das respostas fornecidas, todas as crianas ganhavam

    o jogo.

    O pr-teste foi constitudo por duas partes. A primeira visava a verificar se as

    crianas eram capazes de reconhecer e identificar as figuras e cores que apareceriam

    nos estmulos experimentais. Dado que as frases e as imagens foram apresentadas

    seqencialmente, durante essa etapa foi avaliado ainda se as crianas eram capazes de

    manter na memria frases de tamanho equivalente quelas que seriam apresentadas

    no teste propriamente dito (por exemplo, Me mostra a bola verde pequena). A

    segunda etapa de pr-teste tinha como objetivo avaliar a compreenso dos ordinais

    por parte das crianas. Para isso foram apresentadas trs pranchas com seqncias de

    um, dois e trs tipos de elementos. Em cada caso, a criana era solicitada a apontar

    para a primeira, segunda e terceira estrela. Apenas as respostas relativas primeira

    prancha (que apresentava elementos do mesmo tipo) foram consideradas como

    eliminatrias. Ou seja, as crianas deviam responder corretamente quando solicitadas

    para apontar para a primeira, a segunda e a terceira estrela (num arranjo no qual

    havia apenas esse tipo de elemento). Crianas que no demonstraram conhecimento

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  • 142

    dessa ordinalidade linear (duas no total) no foram includas na amostra.

    Uma vez terminada essa etapa comeava a fase de teste, dividida em trs

    blocos de 4 estmulos (cada bloco equivalia a um nvel do jogo para as crianas). O

    experimentador falava as frases experimentais para a criana e em seguida os

    estmulos visuais eram apresentados. A criana devia apontar na tela do computador a

    figura solicitada. A seguir inclumos um exemplo do procedimento.

    Tela 1: O terceiro corao verde Tela 2: Mostra para mim

    Figura 17: Exemplo do procedimento experimental utilizado

    As respostas de cada participante foram registradas numa folha de controle

    individual junto com outras informaes relevantes. As sesses experimentais

    duraram em mdia 12 minutos.

    6.2.2 Resultados e discusso Os dados foram submetidos a uma ANOVA com design fatorial (3 idade X 2

    tipo de arranjo visual). Os resultados apontaram um efeito principal de idade

    (F(2,44) = 4,47 p=.01), com um nmero de respostas-alvo significativamente maior

    no grupo de crianas mais velhas.

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  • 143

    Grfico 10: Mdia de respostas em funo de idade (Max Score=12)

    9.511.27

    8.35

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    4 anos (n=14) 5 anos (n=18) 6 anos (n=15)

    Foi registrado um efeito principal de tipo de arranjo (F(2,44) = 19,52

    p=.0001) com um maior nmero de respostas-alvo na condio no tendenciosa. O

    grfico 11 apresenta as mdias correspondentes a cada condio.

    Grfico 11: Mdia de respostas em funo de tipo de arranjo (n=47 Max Score=6)

    5.374.33

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    Condio tendenciosa Condio no-tendenciosa

    No foi obtido um efeito significativo da interao entre as duas variveis

    (idade e tipo de arranjo visual). Esse resultado pode ser explicado com base no fato

    de que, independentemente de idade o padro de comportamento das crianas foi

    similar, isto , a condio tendenciosa foi a mais difcil para todos os grupos.

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  • 144

    Grfico 12: Mdia de respostas em funo de idade e tipo de arranjo visual (Max Score=6)

    3.354.4

    5.3 65.15

    0

    1.5

    3

    4.5

    6

    tendencioso no-tendencioso tendencioso no-tendencioso tendencioso no-tendencioso

    4 anos 5 anos 6 anos

    Discusso

    Os resultados revelaram um efeito principal de tipo de arranjo visual que no

    foi registrado no teste conduzido em ingls (Matthei, 1982). Essa diferena pode se

    dever as diferenas na metodologia empregada, crucialmente, o fato de que no

    presente teste os estmulos visuais foram apresentados a posteriori. Se considerarmos

    os resultados obtidos com os adultos no experimento 1, que no revelaram efeito de

    tipo de arranjo visual, podemos concluir que a tendncia de identificar o referente

    solicitado o mais rpido possvel comportamento compatvel com um

    processamento de natureza incremental seria independente das caractersticas do

    arranjo visual que est sendo analisado. Os adultos conseguem se desfazer de uma

    eventual primeira interpretao errada, mas isso parece ser custoso demais no caso

    das crianas que acabam mantendo a interpretao coordenada.

    No teste de Matthei (1982), as crianas avaliadas se situavam em um intervalo

    de idade bastante amplo (3;9-6;3 idade mdia 5;1). O prprio autor chama a ateno

    para a importncia de se realizar um estudo que permita uma anlise por faixas etrias

    mais bem discriminadas, mas esclarece que isso no foi possvel por limitaes da

    amostra coletada. O presente teste permite visualizar melhor o efeito da idade no

    desempenho da tarefa em questo e mostra que mesmo as crianas mais novas tm

    um bom desempenho nos estmulos no-tendenciosos. As crianas na faixa etria

    inferior foram as que apresentaram maiores dificuldades na compreenso dos

    estmulos quando o arranjo visual era tendencioso (representando apenas 56% das

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  • 145

    respostas-alvo). As crianas de 5 anos tiveram um melhor desempenho, mas a

    condio tendenciosa continua gerando uma relativa dificuldade (73% de respostas

    alvo nessa condio). J as crianas mais velhas tiveram 100% de respostas-alvo na

    condio no-tendenciosa e 88% na tendenciosa, o que sugere que mesmo nessa faixa

    etria o tipo arranjo visual continua dificultando a tarefa. De um modo geral, a

    condio no-tendenciosa no parece ser muito complexa para nenhuma das faixas

    etrias pesquisadas, sendo que em todos os grupos o percentual de respostas ficou

    acima de 80% (83%, 85% e 100% respectivamente).

    importante salientar ainda que o domnio do prprio conceito de

    ordinalidade por parte das crianas envolve um grau de complexidade cognitiva no

    desprezvel. Consideramos que, inicialmente, a criana partiria de uma noo que j

    lhe familiar, no caso, a noo de cardinalidade. Assim, numa primeira fase a criana

    estabelece um paralelo entre numerais cardinais e ordinais (um e primeiro, dois e

    segundo, trs e terceiro). Nesse momento, a compreenso da ordinalidade ficar

    fortemente associada linearidade que caracteriza os cardinais e a criana ser capaz

    somente de contabilizar elementos ordenados como sendo parte de uma seqncia

    linear. S depois que passar dessa idia de ordinalidade linear para o conceito de

    ordinalidade relativa ou verdadeira. A lngua pode vir a auxiliar nessa passagem

    justamente ao permitir estruturas como as avaliadas nas quais o ordinal entra em

    relaes de escopo que envolvem recursividade. Essas estruturas de certa forma

    explicitam o carter relativo da ordinalidade ao permitirem a combinao relacional

    de representaes associadas a domnios cognitivos diferentes (neste caso,

    numerosidade e objetos) numa mesma sentena.

    Tomados em conjunto, consideramos que os resultados dos experimentos 1 e 2

    dessa seo permitem questionar a idia de que as aparentes leituras coordenadas para

    sequncias com modificadores recursivos tm sua origem numa dificuldade inerente

    da criana para compreender estruturas envolvendo recursividade. Respostas que

    sugerem interpretaes no-recursivas so, a nosso ver, decorrentes da interao das

    variveis envolvidas na tarefa apresentada e no podem ser explicadas apenas com

    base no desenvolvimento estritamente lingstico da criana.

    Os achados reportados so ainda compatveis com resultados que contradizem

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  • 146

    a proposta de que oraes relativas ramificadas direita seriam inicialmente

    interpretadas como coordenadas (Tavakolian, 1981; Goodluck & Tavakolian, 1982),

    demonstrando que esta interpretao pode ser atribuda metodologia

    tradicionalmente utilizada (Corra, 1982, 1986; Hamburguer & Crain, 1982).

    O experimento relatado na seguinte seo busca explorar uma possvel relao

    mais direta entre o processamento de estruturas recursivas nos domnios lingstico e

    numrico.

    6.3 Experimento 3: recursividade na lngua e no processamento de expresses numricas

    Hauser et al. (2002) afirmam que um dos aspectos que separam os humanos

    de outros primatas a habilidade de processar estruturas hierrquicas tais como as

    encontradas nas gramticas naturais. As lnguas humanas tm a caracterstica de

    apresentar relaes hierrquicas e de longa distncia e, crucialmente, admitem o

    encaixamento recursivo de sintagmas dentro de outros sintagmas (Hauser et al.,

    2002:1577). Evidncias experimentais apontam para o fato de que humanos so

    capazes de aprender tanto gramticas artificiais de estado finito (Finite State

    Grammar) quanto gramticas de estrutura frasal (Phrase Structure Grammar

    associadas a estruturas hierrquicas), enquanto que primatas no humanos so

    capazes de aprender apenas gramticas do primeiro tipo (Fitch & Hauser, 2004).

    Friederici et al. (2006a) apresentam resultados que sugerem que a rea de

    Broca juntamente com uma regio filogeneticamente mais antiga do crebro que

    lidaria com as gramticas de estado finito estaria envolvida no processamento de

    gramticas de estrutura frasal. Os resultados desse estudo parecem compatveis com a

    idia de que o processamento de estruturas hierrquicas, tais como as presentes nas

    gramticas naturais, est associado a reas especficas do crebro.

    Num trabalho posterior, Friedrich & Friederici (2009) pesquisaram o

    processamento sinttico de frmulas matemticas abstratas num experimento de

    leitura utilizando ressonncia magntica funcional (fMRI). Os autores partiram da

    tese de que linguagens formais e lnguas naturais compartilham o fato de envolver

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  • 147

    uma gramtica subjacente encarregada da gerao de expresses hierrquicas

    estruturadas e que permite determinar se uma expresso gramatical ou no (i.e.

    sintaticamente bem formada). Com base nessa idia, era esperada uma ativao no

    giro frontal inferior esquerdo e, em particular, na rea de Broca regio normalmente

    ativada durante o processamento de estruturas sintticas hierrquicas nas gramticas

    artificiais (Friederici et al., 2006a; Opitz & Friederici, 2007) e nas lnguas naturais

    (Friederici et al., 2006b; Ben-Shachar et al., 2003). Os resultados revelaram, contudo,

    que o processamento de frmulas matemticas (hierrquica vs. no hierarquicamente

    estruturadas) tem lugar numa regio no crtex inferior frontal, qual seja, a poro

    ventral das regies 45/47 das reas de Brodman3 que mais anterior e mais ventral

    que a rea do crebro responsvel pelo processamento de relaes hierrquicas vs.

    no-hierrquicas na linguagem. Com base nos resultados obtidos, os autores

    defendem a idia segundo a qual, a despeito das possveis analogias levantadas, no

    nvel neural, matemtica e lngua natural so processadas de forma diferenciada.

    O processamento de expresses numricas e sentenas da lngua parece,

    entretanto, envolver certos recursos compartilhados, em particular no que diz respeito

    ao uso, em ambos os casos, da memria verbal de trabalho (Fedorenko et al., 2007).

    Outro ponto a partir do qual possvel estabelecer uma correlao diz respeito a

    estruturas similares presentes nesses dois domnios. Isto , em termos estritamente

    estruturais, um paralelo pode ser traado entre determinadas sentenas lingsticas e

    expresses numricas. Especificamente, em ambos os casos, podem ocorrer estruturas

    envolvendo center embedding. Sob essa perspectiva, pode se considerar que,

    independentemente do contedo de domnio especfico, a orao relativa em (34) e a

    expresso em (35) compartilham a mesma estrutura recursiva:

    (34) O cachorro que o veterinrio atendeu escapou

    (35) (6 2 x 2) x 4

    As estruturas acima tm em comum ainda o fato de que a formao de

    3 As reas de Brodmann delimitam regies na citoarquitetura da corteza cerebral, isto a organizao do cortex de acordo com os tecidos formados por clulas nervosas. Essas reas foram determinadas por Korbinian Brodmann (1909) e enumeradas de 1 a 52.

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  • 148

    relaes hierrquicas nelas no arbitrria, mas obedece a regras. Essas regras no

    necessariamente seguem os mesmos princpios em cada caso, mas ainda assim, o

    paralelismo em termos estruturais se mantm. Cabe ento questionar se haveria

    alguma relao, em termos de processamento, entre estruturas equivalentes, mas

    associadas a domnios cognitivos diferentes. Caso tal relao exista, o processamento

    de um desses tipos de estruturas pode afetar, em algum grau, o processamento do

    outro?

    O priming sinttico pode ser caracterizado como a facilitao do

    processamento que ocorre quando uma dada sentena apresenta a mesma forma

    sinttica que a sentena precedente. Embora o priming de base semntica e aquele

    associado forma fontica/fonolgica dos itens sejam os que tm recebido maior

    ateno na literatura, h tambm um bom nmero de estudos que pesquisam a

    chamada persistncia sinttica ou priming sinttico/estrutural (ver Pickering &

    Branigan, 1999 para uma reviso).

    A literatura fornece dados compatveis com a idia de que existe uma

    tendncia repetio de estruturas sintticas em situaes de dilogo (Estival, 1985;

    Giles & Powesland, 1975; Levelt & Kelter, 1982; Schenkein, 1980; Tannen, 1989;

    Weiner & Labov, 1983), na produo de sentenas isoladas (Bock, 1986; Bock &

    Loebell, 1990; Potter & Lombardi, 1998) e tambm na escrita, embora o efeito de

    priming parea ser menos duradouro nessa modalidade (Branigan & Pickering, 1999).

    Bock (1986) mostrou que a estrutura de descries verbais de imagens afetada pela

    estrutura das sentenas previamente apresentadas. Estudos recentes tm apontado

    ainda para efeitos de priming estrutural na compreenso (Ledoux et al., 2007).

    Partindo das consideraes anteriormente traadas, ainda que diferente

    recursos possam estar envolvidos na conduo das operaes de diferentes domnios

    (Friederich & Friederici, 2009), foi concebido um experimento com o intuito de

    explorar um possvel efeito de facilitao no processamento intermodal de estruturas

    envolvendo recursividade. Para isso, foi construda uma tarefa inspirada na tcnica da

    leitura auto-monitorada (self-paced reading) e na noo de priming intermodal.

    O paradigma da leitura auto-monitorada foi introduzido independentemente

    por vrios pesquisadores diferentes (cf. Mitchell, 2004) e se caracteriza pelo fato de

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  • 149

    permitir que o prprio participante controle pressionando um boto o tempo de

    exposio de cada palavra, segmento ou frase inteira durante sua leitura. Assume-se

    que o tempo levado para pressionar o boto (passando de um segmento, palavra ou

    frase para o/a seguinte) depende das propriedades daquilo que est sendo lido e est

    relacionado com o curso dos processos cognitivos durante a leitura e a compreenso.

    A tcnica permite que os estmulos lingsticos sejam apresentados de vrias formas:

    palavra por palavra, por segmentos ou como frases completas. Usualmente, o sujeito

    d a ordem de avanar apertando alguma tecla previamente especificada, j seja no

    prprio teclado do computador, numa caixa de botes ou por meio de algum outro

    dispositivo conectado ao computador (joystick, mouse, etc.).

    comum que os experimentos que utilizam esta tcnica apresentem uma

    pergunta de compreenso aps a leitura de cada frase com o objetivo de verificar o

    nvel de ateno do participante. A varivel dependente considerada relativa aos

    tempos de leitura (medida on-line): de cada segmento, da frase completa, de algum

    dos segmentos previamente definido.

    Diferentemente da tarefa de leitura automonitorada mais comumente utilizada,

    na qual as frases so apresentadas em segmentos (por palavra ou sintagma), no

    experimento que reportamos a seguir, as sentenas (oraes relativas ou expresses

    matemticas) foram apresentadas de forma completa na tela. Alm disso, no que diz

    respeito idia de priming intermodal, este usualmente caracterizado em termos de

    modalidade de apresentao dos estmulos (visual/auditivo, por exemplo), enquanto

    no experimento que relatamos, a idia de intermodalidade diz respeito ao fato de que

    as estruturas a serem processadas vinculam-se a domnios cognitivos diferentes.

    Desta forma, tcnicas vinculadas a paradigmas experimentais clssicos foram

    combinadas e adaptadas de modo a criar uma tarefa especfica para a explorao da

    questo levantada. Nessa tarefa, os participantes deviam ler o mais rpido possvel

    uma sentena na tela do computador e, posteriormente, responder a uma tarefa de

    compreenso4 que consistia em determinar se a nova informao apresentada era ou

    4 comum que experimentos que utilizam a tcnica da leitura automonitorada apresentem uma pergunta de compreenso aps a leitura de cada frase com o objetivo de verificar o nvel de ateno do participante. Neste teste, aps a leitura o participante devia decidir se a nova informao que aparecia na tela (uma nova orao ou uma equivalncia numrica) combinava

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  • 150

    no compatvel com aquilo que tinha sido lido inicialmente.

    O objetivo do teste foi avaliar se o processamento de uma estrutura com

    encaixamento no centro (center embedding), vinculada a um determinado domnio

    cognitivo, afeta o processamento de uma estrutura similar, mas associada a um

    domnio diferente. Nesse sentido, tipo de sentena (oraes relativas e expresses

    numricas) foi tomado como varivel independente. Com vistas a verificar a direo

    de um possvel efeito seja de facilitao ou de inibio os trials foram separados

    em dois blocos (oraes relativas e expresses), sendo a ordem de apresentao

    (leitura de relativas/expresses ou leitura de expresses/relativas) dos mesmos

    tomada como varivel grupal. A varivel dependente foi o tempo de leitura de cada

    tipo de sentena.

    6.3.1 Metodologia Priming

    Os padres de desempenho em tarefas de memria tm sido caracterizados

    como uma dissociao entre processos de recuperao explcitos e implcitos

    (Schacter, 1987, dentre outros). Enquanto a memria explcita faz referncia a um

    tipo de processo consciente que permite recordar experincias prvias de modo

    intencional ou no, a memria implcita consiste na recuperao no intencional, isto

    , sem que o sujeito seja consciente de que est experimentando uma lembrana. O

    primeiro tipo de memria avaliado por meio de medidas diretas, em tarefas nas

    quais os participantes recuperam o material apresentado num momento prvio. J a

    memria implcita avaliada com base em medidas indiretas (Baddeley, 1997).

    O chamado efeito de priming est associado memria implcita e diz

    respeito influncia que um evento antecedente (prime) tem sobre o desempenho de

    um evento posterior (alvo). Esse efeito pode ser tanto de tipo positivo. (i.e. quando as

    pessoas apresentam uma tendncia a responder mais depressa a um item precedido de

    outro item semelhante) ou negativo (quando o prime faz com que o tempo de reao

    ou no com a frase que tinha aparecido antes. Por esse motivo, chamamos essa etapa de tarefa de compreenso, j que no era feita uma pergunta direta aos participantes.

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  • 151

    frente ao alvo seja mais lento, gerando assim um efeito inibidor).

    Participantes

    Participaram do experimento um total de 37 adultos falantes nativos de

    Portugus Brasileiro, dos quais 3 foram excludos porque no seguiram a instruo de

    realizar a tarefa o mais rpido possvel ou porque apresentaram um nmero de erros

    muito elevado na leitura de expresses numricas (fato que foi tomado como

    indicativo de que no dominavam as regras a serem aplicadas). Assim sendo, os

    dados correspondentes a 34 participantes (17 em cada grupo) foram considerados na

    anlise (idade mdia 29 anos/ intervalo 18-615, 10 homens e 23 mulheres). Os

    participantes eram alunos de diversos cursos da PUC-Rio (graduao em Letras,

    Comunicao, Psicologia, Relaes Internacionais e Engenharia e da Ps-Graduao

    em Letras e Comunicao) e foram avaliados na cabina anteriormente descrita no

    LAPAL. Pela sua participao, os voluntrios receberam uma pequena remunerao

    ou, no caso dos alunos de Letras, uma creditao para ser trocada por horas de

    atividades complementares junto ao Departamento.

    Materiais

    Foram utilizados dois blocos com 20 sentenas experimentais em cada

    condio (oraes relativas e expresses numricas) das quais oferecemos alguns

    exemplos a seguir:

    (36)

    Orao relativa: A vtima que o assaltante ameaou reagiu

    Tarefa de compreenso: A vtima reagiu

    Expresso: (8 2 x 2) 1

    Tarefa de compreenso: = 3

    Metade dos trials em cada condio tinha SIM como resposta correta na tarefa

    de compreenso. No caso das oraes relativas, a informao apresentada coincidia j

    5 Foi observado que o comportamento de partipantes com mais de 50 anos na tarefa utilizada no diferiu do de participantes jovens.

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  • 152

    que trazia o nome da matriz e o verbo da matriz (37) ou o nome da relativa e o verbo

    da relativa (38):

    (37) O menino que a mdica examinou emagreceu O menino

    emagreceu (SIM combina)

    (38) A tartaruga que a pesquisadora protegeu sumiu A pesquisadora

    protegeu a tartaruga (SIM combina)

    No caso das expresses numricas os trials cuja resposta na tarefa de

    compreenso era SIM apresentavam a equivalncia correta (39):

    (39) (5 + 2 x 3) x 2 = 22 (SIM combina)

    Nos estmulos com resposta NO tambm foram utilizados dois tipos. Nas

    oraes relativas, nome da matriz + verbo da relativa (40) ou nome da relativa +

    verbo da matriz (41). Nas expresses, um resultado obtido se o clculo fosse feito de

    forma linear (i.e. sem respeitar as regras e a estrutura recursiva) (42) ou um resultado

    parcial obtido se algum passo fosse omitido (43).

    (40) A celebridade que o fotgrafo perseguiu fugiu A celebridade

    perseguiu o fotgrafo (NO combina)

    (41) O passageiro que a aeromoa serviu acordou A aeromoa

    acordou (NO combina)

    (42) (7 6 : 3) x 4 = 5 (NO combina)

    (43) (2 + 3 x 2) x 2 = 20 (NO combina)

    Todas as oraes relativas tinham 17 slabas ortogrficas e o gnero dos

    nomes na matriz e na relativa foi contrabalanado (a relao completa dos estmulos

    experimentais completos pode ser consultada no Apndice).

    Aparato

    Foi utilizado um laptop Apple MacBook A1181 para a apresentao do

    material e o experimento foi programado e implementado utilizando o software

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  • 153

    PsyScope X B536, que permite projetar e monitorar experimentos psicolingsticos,

    registrando as respostas dos participantes e o tempo de reao em milsimos de

    segundos.

    Procedimento

    A tarefa utilizada foi construda com base na tcnica da leitura auto-

    monitorada (self-paced reading) e na noo de priming intermodal. Durante o teste, o

    participante devia ler as frases que apareciam na tela do computador (oraes

    relativas e expresses numricas), sendo o prprio leitor quem controlava a entrada

    das frases na tela, apertando a barra de espaos no teclado do computador. Aps cada

    frase era apresentada uma tarefa de compreenso que consistia em decidir se a nova

    informao recebida combinava ou no com a anterior. A resposta (SIM ou NO) era

    dada atravs do teclado, apertando na tecla correspondente.

    Os estmulos foram apresentados aleatoriamente em cada um dos blocos

    experimentais. Os participantes forneciam suas respostas por meio do teclado,

    utilizando duas teclas especificamente marcadas para as respostas SIM e NO e a

    barra de espao para avanar entre uma frase e outra. Segue abaixo um exemplo do

    procedimento.

    Tela 1 Tela 2

    6 O PsyScope um software que permite desenhar e rodar experimentos nas reas de psicologia e psicolingstica. O programa foi desenvolvido na Carnegie Mellon University por uma equipe formada por Jonathan Cohen, Matthew Flatt, Brian MacWhinney e Jefferson Provost, dentre outros.

    A baleia que a biloga fotografou mergulhou

    A biloga mergulhou

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  • 154

    Tela 1 Tela 2

    Figura 18: Exemplo do procedimento utilizado

    Os participantes eram orientados a realizar todo o procedimento o mais rpido

    possvel, mas era salientada a importncia de responder corretamente tarefa de

    compreenso. Cada sesso experimental durou entre 10 e 13 minutos.

    6.3.2 Resultados e discusso

    Os resultados foram submetidos a uma anlise da varincia com design

    fatorial 2 X 2 (ordem de apresentao X tipo de sentena) que revelou um efeito

    principal tipo de sentena (F(1,32) = 59.5 p

  • 155

    Discusso

    Os dados obtidos no experimento 3 no sustentam a idia de que o

    processamento de estruturas semelhantes associadas a domnios diferentes seja

    afetado por um efeito de priming de natureza estrutural. De um modo geral, os

    resultados se mostram compatveis com os reportados por Friedrich & Friederici

    (2009). Esse estudo prov evidncias baseadas em tcnicas de neuro-imagem de que

    as redes neurais envolvidas no processamento de frmulas matemticas somente

    envolvem a rea de Broca numa forma bastante seletiva, o que sugere que matemtica

    e lngua natural so em boa medida processadas de forma diferenciada. Ou seja, o

    fato de diferentes operaes vinculadas a reas diferentes do crebro estarem

    envolvidas suplanta um possvel reconhecimento de semelhana estrutural entre

    sentenas de diferentes domnios.

    A memria verbal de trabalho parece estar envolvida tanto no processamento

    de sentenas da lngua, quanto de expresses numricas, fato que sugere certo grau de

    compartilhamento de recursos entre ambos os domnios (Fedorenko et al., 2007).

    Relaes entre esses domnios cognitivos vinculadas ao modo como a computao

    de estruturas associadas a cada um conduzida no tm sido, contudo, claramente

    apontadas at ento. Embora seja possvel pressupor uma relao estrutural forte

    entre lnguas naturais e linguagens formais essa idia no se v confirmada pelos

    dados de processamento atualmente disponveis.

    A analogia explorada nesse experimento foi estabelecida com base em

    caractersticas de certas estruturas, no caso, estruturas recursivas. Um enfoque

    diferente, j mencionado nesta tese, implica considerar a recursividade como um

    mecanismo (Lobina & Garca-Albea, 2009). Pesquisar a questo sob essa perspectiva

    requereria, inicialmente, estabelecer uma distino no que diz respeito ao

    processamento de estruturas hierarquicamente organizadas e estruturas recursivas

    isto porque, se bem toda estrutura recursiva hierarquicamente organizada, o

    contrrio no verdadeiro de modo a verificar se existe alguma diferena nesse

    sentido. Essa distino seria crucial para a obteno de um parmetro que permitisse

    caracterizar de forma objetiva como um mecanismo de natureza recursivo aplicado

    no processamento de informao (seja esta de que natureza for).

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  • 156

    6.4 Sntese

    Neste captulo foram reportados os resultados de 3 experimentos construdos

    com o intuito de explorar a idia de que a recursividade lingstica seria uma

    propriedade relevante a ser levada em conta na pesquisa sobre o papel da lngua no

    desenvolvimento de habilidades superiores.

    Os dois primeiros experimentos relatados trazem evidncias compatveis com

    a proposta segundo a qual estruturas recursivas possibilitam a integrao de

    informaes de domnios diversos e que tal integrao pode ser crucial na

    compreenso de relaes assim como na construo de conceitos. Certas estruturas

    recursivas podem, contudo, ser totalmente dominadas do ponto de vista do

    processamento mais tardiamente pelas crianas, seja por fatores maturacionais

    possivelmente associados capacidade de memria necessria para a manuteno da

    estrutura em processamento enquanto as relaes recursivas entre os elementos so

    computadas ou pelo prprio processo de aquisio das propriedades relevantes

    associadas aos diferentes itens do lxico. Nesse sentido, possvel que traos

    associados subcategorizao sejam mais tardiamente especificados. Com base na

    teoria da aquisio assumida nesta pesquisa, os traos associados aos itens do lxico

    podem ser progressivamente especificados, o que permitiria explicar porque em

    determinados momentos as crianas interpretam e/ou produzem corretamente

    sentenas contendo certos elementos em algumas circunstncias, mas no em outras.

    importante lembrar que os resultados dos experimentos 1 e 2 chamam a

    ateno para a relevncia de uma cuidadosa avaliao das tarefas utilizadas nas

    situaes experimentais, especialmente na pesquisa com crianas. O custo envolvido

    na execuo de uma dada tarefa pode incidir negativamente nos resultados,

    obscurecendo a verdadeira natureza dos processos que esto sendo investigados. O

    experimento 2 mostrou que pequenos ajustes na tarefa original trouxeram uma

    mudana expressiva no desempenho dos participantes.

    O terceiro experimento conduzido teve como objetivo explorar uma relao

    mais direta entre recursividade lingstica e recursividade em outros domnios, neste

    caso o domnio da matemtica. Os resultados obtidos no permitem sustentar a

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  • 157

    hiptese de uma relao direta e esto em consonncia com dados recentes reportados

    pela literatura que enfatizam a independncia de recursos na conduo da

    computao.

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