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  • ABELHAS BRASILEIRASSistemtica e Identificao

    APOIO:

    MINISTRIO DO MEIO AMBIENTEPROBIO - PNUD

    FUNDAO ARAUCRIA

    Fernando A. Silveira

    Gabriel A. R. Melo

    Eduardo A. B. Almeida

    IlustraesM. Ftima Seleme Zagonel

    1a edioBelo Horizonte

    2002

  • 2CAPAAs ilustraes das abelhas em nossa capa foram extradas de prancha do Ensaio sobre asAbelhas Solitrias do Brazil de Curt Schrottky, publicado h cem anos no volume 5 da Re-vista do Museu Paulista. Essa nossa homenagem ao primeiro tratamento taxonmicoabrangente da fauna melissolgica brasileira.

    Copyright 2002 by Fernando A. Silveira, Gabriel A. R. Melo e Eduardo A. B. Almeida

    1a edio 2002

    Ficha Catalogrfica

    595.799 Silveira, Fernando A.S587a Abelhas brasileiras : sistemtica e identificao / Fernando A.

    Silveira, Gabriel A. R. Melo, Eduardo A. B. Almeida. BeloHorizonte : Fernando A. Silveira, 2002.

    253 p. : il.ISBN. 85-903034-1-1

    1. Abelha classificao Brasil. I. Melo, Gabriel A. R.II. Almeida, Eduardo A. B.

    ISBN: 85-903034-1-1Depsito Legal na Biblioteca NacionalImpresso no Brasil Printed in Brazil

    2002

  • 3NDICEPrefcio .......................................................................................................................... 5Propsito .......................................................................................................................... 7Agradecimentos .......................................................................................................................... 8

    A. INTRODUO SISTEMTICA DAS ABELHAS ....................................................... 111. Morfologia ......................................................................................................................... 13

    1.1. Integumento ................................................................................................................ 131.2. Tagmatizao .............................................................................................................. 131.3. Cabea ........................................................................................................................ 141.4. Mesossoma ................................................................................................................. 151.5. Metassoma .................................................................................................................. 19

    2. Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo ............................................. 212.1. Coleta ......................................................................................................................... 212.2. Montagem ................................................................................................................... 222.3. Informaes associadas aos espcimes ...................................................................... 252.4. Preservao de abelhas alfinetadas ............................................................................ 252.5. Remessa de abelhas para identificao...................................................................... 262.6. Espcimes testemunhos .............................................................................................. 272.7. Coleta e remessa de abelhas e a legislao brasileira ............................................... 27

    3. Origem, Filogenia e Biogeografia ..................................................................................... 293.1. Origem ........................................................................................................................ 293.2. Filogenia e evoluo .................................................................................................. 323.3. Biogeografia ............................................................................................................... 34

    3.3.1. Padres de distribuio da diversidade e abundncia de abelhas ................. 343.3.2. Origens dos elementos componentes da fauna brasileira .............................. 373.3.3. Disjunes nas distribuies geogrficas das abelhas ................................... 403.3.4. Impactos do homem sobre a biogeografia das abelhas brasileiras ................ 41

    4. Classificao ....................................................................................................................... 434.1. Classificaes ............................................................................................................. 434.2. Nomenclatura .............................................................................................................. 444.3. Uma classificao para as abelhas ............................................................................. 45

    5. Conhecimento Taxonmico sobre as Abelhas do Brasil ................................................... 47

    B. OS GRUPOS DE ABELHAS PRESENTES NA FAUNA BRASILEIRA ......................... 496. Classificao e Identificao das Abelhas presentes no Brasil ........................................ 517. Andrenidae ......................................................................................................................... 57

    7.1. Oxaeinae ..................................................................................................................... 577.2. Panurginae .................................................................................................................. 59

    7.2.1. Calliopsini ....................................................................................................... 597.2.2. Protandrenini ................................................................................................... 617.2.3. Protomeliturgini .............................................................................................. 64

    8. Apidae ......................................................................................................................... 658.1. Apinae ......................................................................................................................... 68

    8.1.1. Anthophorini ................................................................................................... 72

  • 48.1.2. Apini ................................................................................................................ 728.1.2.1. Apina .................................................................................................. 738.1.2.2. Bombina ............................................................................................. 738.1.2.3. Euglossina .......................................................................................... 738.1.2.4. Meliponina ......................................................................................... 79

    8.1.2. Centridini ......................................................................................................... 928.1.4. Emphorini ...................................................................................................... 1038.1.5. Ericrocidini .................................................................................................... 1068.1.6. Eucerini ......................................................................................................... 1118.1.7. Exomalopsini ................................................................................................. 1258.1.8. Isepeolini ....................................................................................................... 1268.1.9. Osirini ............................................................................................................ 1268.1.10. Protepeolini .................................................................................................. 1298.1.11. Rathymini ..................................................................................................... 1298.1.12. Tapinotaspidini ............................................................................................. 1308.1.13. Tetrapediini .................................................................................................. 137

    8.2. Nomadinae ................................................................................................................ 1398.2.1. Brachynomadini ............................................................................................ 1408.2.2. Caenoprosopidini .......................................................................................... 1408.2.3. Epeolini ......................................................................................................... 1408.2.4. Nomadini ....................................................................................................... 145

    8.3. Xylocopinae .............................................................................................................. 1458.3.1. Ceratinini ....................................................................................................... 1468.3.2. Xylocopini ..................................................................................................... 147

    9. Colletidae ....................................................................................................................... 1539.1. Colletinae .................................................................................................................. 1549.2. Diphaglossinae ......................................................................................................... 155

    9.2.1. Caupolicanini ................................................................................................ 1559.2.2. Dissoglottini .................................................................................................. 157

    9.3. Hylaeinae .................................................................................................................. 1589.4. Paracolletinae ........................................................................................................... 1609.5. Xeromelissinae ......................................................................................................... 165

    10. Halictidae ....................................................................................................................... 16710.1. Halictinae ................................................................................................................ 167

    10.1.1. Augochlorini ................................................................................................ 169 10.1.2. Halictini ....................................................................................................... 182

    10.2. Rophitinae ............................................................................................................... 18811. Megachilidae .................................................................................................................... 189

    11.1. Megachilinae ........................................................................................................... 189 11.1.1. Anthidiini ..................................................................................................... 190 11.1.2. Lithurgini ..................................................................................................... 199 11.1.3. Megachilini ................................................................................................. 201

    PARTE C. GLOSSRIO ........................................................................................................ 217

    PARTE D. BIBLIOGRAFIA .................................................................................................. 223

    PARTE E. NDICE TAXONMICO ..................................................................................... 235

  • 5PREFCIO com grande satisfao que abro as pginas deste trabalho que vem facilitar o estudo

    da nossa riqussima apifauna. Merecem os maiores elogios o Ministrio do Meio Ambiente ea Fundao Araucria, do Estado do Paran, pelo fornecimento da cobertura necessria paraque o mesmo viesse a pblico.

    Um dos problemas mais srios para estudar nossa Fauna e nossa Flora est na falta debibliografia adequada. Nossas Universidades comearam com essa falha que j tive oportu-nidade de comentar com o Prof. Ansio Teixeira nos anos quarenta quando o auxiliava nessatarefa, por outro lado absolutamente necessria para dotar todos os Estados das possibilida-des de uma estruturao mais completa na formao de nossa juventude se aspirssemos auma melhor representao no meio das Naes Desenvolvidas. Foi uma tarefa herica e hoje,meio sculo depois vejo-as florescer e cada vez mais ampliando a cobertura de todas as pos-sibilidades de que capaz o Brasil. Certos campos so de maior dificuldade, como o estudoda nossa Fauna e da nossa Flora. No bastante a literatura atual, moderna. necessrio oacesso antiga se quisermos interpretar com segurana o que pensaram os proponentes des-sas espcies. O nosso pas foi alvo de muitas coletas por parte de pesquisadores estrangeirosdada a sua riqueza e variedade em formas de excepcional beleza. Ainda h um trabalho r-duo a realizar com a cobertura de fotos desses exemplares e de uma atualizao de mtodose equipamentos adequados para tal fim. Coleta e estudo das faunas e floras regionais aindaso extremamente precrios e pouco compreendidas e restam imensas reas quase virgens semestudo e sem levantamentos. As Estaes Biolgicas, comeadas pelo Dr. Paulo NogueiraNeto, poderiam ser uma fonte inesgotvel de informaes para a cobertura dessas reas imen-sas, comeando pelas prprias colees regionais e ligao s colees de nossos Museus eUniversidades como fontes preciosas de material de estudo.

    A iniciativa do grupo encabeado pelo Prof. Fernando A. Silveira, do Departamento deZoologia da Universidade Federal de Minas Gerais e Chefe do Laboratrio de Sistemtica eEcologia de Abelhas dessa Universidade, merece todo apoio e incentivo para a formao deSistematas nessa rea, pois todos compreendem a importncia desses insetos comopolinizadores no s das plantas cultivadas, mas na manuteno e desenvolvimento de nos-sas florestas. Como fruto principal espero ver surgir uma pliade de jovens entusiastas pelolevantamento de nossa apifauna. Ele e seu colaborador imediato so frutos da grande escolaamericana desenvolvida e encabeada pelo Prof. Charles D. Michener, a quem auxiliamos nasua primeira tentativa de estudo da apifauna neotropical no levantamento do Panam.

    Outros setores, como o dos insetos-praga da agricultura e de interesse mdico na trans-misso de determinadas doenas j tem cobertura razovel. Esperamos agora acontea o mes-mo com os polinizadores e no futuro com obras equivalentes sobre as diferentes classes deinsetos como nossas fantsticas borboletas e belssimos colepteros.

    Curitiba, 28 de agosto de 2002.

    Padre Jesus Santiago Moure

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  • 7PROPSITOAs abelhas so dos organismos mais bem estudados no Brasil; nosso pas abriga um

    grande contingente de pesquisadores, vrios deles internacionalmente reconhecidos, que es-tudam os mais variados aspectos da biologia desses insetos: comportamento social, biologiade nidificao, fisiologia, morfologia, gentica, ecologia, manejo, sistemtica. Este fato, en-tretanto, est longe de significar que o conhecimento sobre nossas abelhas seja grande hmuito, muito, por ser descoberto.

    Ns, autores deste livro, representamos as duas mais novas geraes de melitlogos bra-sileiros: aquela que acabou de se formar e se instalar em nossas universidades e aquela queainda est se formando nos cursos de ps-graduao. Por isso, tomar para ns a tarefa deescrever esta obra pode parecer uma deciso pretensiosa e talvez seja. Entretanto, foi dasnossas limitaes como novos pesquisadores que se originou este livro: do esforo que faza-mos para juntar, atualizar, adaptar e, freqentemente, traduzir as chaves de identificao dis-persas na literatura para nosso prprio uso; do trabalho de catalogao das espcies de ocor-rncia constatada no Brasil e sua distribuio geogrfica, para embasar as discusses dos re-sultados de nossos projetos de pesquisa; do esforo de entender os vrios sistemasclassificatrios, freqentemente contraditrios, propostos para as abelhas e o relacionamentoentre os vrios txons. medida em que este trabalho foi ganhando corpo e que outros estu-dantes e pesquisadores de nosso crculo mais prximo foram tomando conhecimento de suaexistncia e utilizando o nosso material improvisado, foi ficando evidente que ele poderiaser til a um pblico bem mais amplo, alm das paredes de nossos laboratrios e dos labora-trios de nossos amigos mais prximos.

    Obviamente, pouco do que se encontra nas pginas que se seguem contribuio origi-nal; nosso objetivo foi principalmente o de compilar o vasto conhecimento produzido pelasgeraes de pesquisadores que nos antecederam e coloc-lo disposio daqueles que, comons mesmos, lutam para compreender melhor a sistemtica de nossas abelhas.

    Por outro lado, a edio deste livro pode parecer suprflua, dada a recente publicaoda obra monumental de Charles D. Michener, The Bees of the World. Realmente, o traba-lho de Michener ser referncia obrigatria para os melitlogos de todo o mundo por dca-das (a exemplo de seu trabalho de 1944, Comparative external morphology, phylogeny, anda classification of the bees). Entretanto, alguns fatores nos encorajaram a dar continuidadeao nosso projeto:

    1) Por tratar de toda a fauna mundial de abelhas e por ser uma obra publicada no exte-rior, o livro de Michener muito grande e caro. Devido a seu preo e barreira representadapela lngua inglesa, prevemos que ele estar inacessvel para muitos daqueles que potencial-mente poderiam vir a precisar dele no Brasil.

    2) Reduzindo a abrangncia geogrfica ao Brasil e, portanto, reduzindo o nmero detxons discutidos, as chaves de identificao puderam ser simplificadas, tornando-as de usomais fcil. Alis, isto notado pelo prprio Michener em seu livro (pg. 115).

    3) A classificao adotada por Michener para vrios dos grupos de abelhas representadosno Brasil no corresponde quela tradicionalmente utilizada em nosso pas e/ou quela quejulgamos mais adequada. Algumas dessas diferenas dizem respeito adoo de diferentesprincpios classificatrios: enquanto Michener (e outros melitlogos) admite a formao detxons parafilticos, ns preferimos adotar apenas txons monofilticos (holofilticos). O n-mero de txons afetado por essa diferena de princpios, entretanto, no muito grande, emdecorrncia da prpria falta de informaes sobre a filogenia dos vrios grupos de abelhas.

  • 84) Alm disto, sempre que em dvida sobre os limites de determinados grupos aparen-temente interrelacionados, Michener adota a postura de junt-los todos em um nico txon,para enfatizar as suas provveis afinidades. Como faltam estudos sobre a filogenia da grandemaioria dos grupos de abelhas, ns adotamos a postura contrria: quando em dvida, preferi-mos manter os grupos separados, para evitar a possibilidade de misturar, em um nico txon,representantes de linhagens no relacionadas. Como conseqncia, nossa classificao (prin-cipalmente no nvel genrico) freqentemente vai se parecer mais com as de outros autoresbrasileiros, como Jesus S. Moure e Danncia Urban, que tendem a reconhecer grupos meno-res.

    5) Por outro lado, em sua maior parte, as diferenas entre os esquemas classificatriosque apresentamos aqui e aqueles utilizados por Michener devem-se apenas colocao dosmesmos grupos em diferentes nveis da hierarquia lineana. Como o prprio Michener enfatizaem diversas passagens de seu livro, essas diferenas devem-se a decises subjetivas em queno h posio correta ou errada. Um excelente exemplo destas diferenas a classificaodos gneros de nossas abelhas indgenas sem ferro: muitos dos grupos que, no Brasil, cos-tumamos tratar como gneros seguindo a opinio de taxnomos como o padre Jesus Santi-ago Moure e o professor Joo Maria Franco de Camargo so considerados como subgnerospor Michener. Assim, por exemplo, Geotrigona, Tetragona e Tetragonisca so considerados,por ele, com subgneros de Trigona.

    Independentemente de todos os aspectos abordados acima, com a intensificao dos es-tudos sobre a filogenia dos diversos grupos de abelhas, de se esperar que mudanas (algu-mas das quais possivelmente profundas) ocorram nos esquemas classificatrios em uso atual-mente.

    Temos conscincia de que o resultado final de nosso trabalho conter muitas falhas; tal-vez muito mais do que nossos leitores estejam dispostos a tolerar e perdoar. Esperamos, con-tudo, que ele contribua para facilitar nossa comunidade de melitlogos a continuidade eaprofundamento de seus estudos. Muito nos alegrar, tambm, se este livro contribuir paradespertar o interesse de novos cientistas brasileiros pelos maravilhosos organismos que soas abelhas.

    Os autores

    Agradecimentos

    Este livro nunca teria sido completado sem a ajuda e apoio de inmeras pessoas e insti-tuies. Ele dependeu, antes de mais nada, daqueles que se dedicaram, antes de ns, taxonomia das abelhas brasileiras. Entre eles, agradecemos especialmente queles que con-triburam diretamente com o nosso aprendizado, compartilhando pessoalmente conosco o seuconhecimento e nos incentivando a seguir os seus caminhos: Padre Jesus S. Moure, Dr.Charles D. Michener, Dr. Byron A. Alexander, Profa. Danncia Urban, Dr. Joo Maria F. deCamargo e Dr. Jos Ricardo Cure.

    Devemos muito aos estagirios do Laboratrio de Sistemtica e Ecologia de Abelhas(Departamento de Zoologia da UFMG), especialmente (em ordem alfabtica), AlexsanderArajo Azevedo, Ana Cristina de Morais Lara, Carolina Ferreira Cardoso, Glucia de Sousa,Juliana de Cssia Moreira, Jnio Damasceno de Souza, Maurcio dos Santos Pompeu, Reisla

  • 9Silva Oliveira, Roderic Breno Martines, Rodrigo de Loyola Dias e Roselaini Mendes doCarmo que foram as cobaias das primeiras verses de muitas das chaves de identificao aquiapresentadas. Tambm a boa vontade dos alunos dos vrios cursos de Taxonomia de Abelhasque ministramos nas Universidades Federais de Minas Gerais, de Viosa e da Bahia foramfundamentais ao aperfeioamento de nossas chaves.

    Somos gratos ao Padre Moure, Profa. Danncia Urban, Favzia Freitas de Oliveira eAntnio Jos Camillo Aguiar por terem disponibilizado material de estudo sob seus cuidadose fornecido referncias bibliogrficas. Profa. Danncia Urban por ter, tambm, gentilmen-te permitido que reproduzssemos vrias das ilustraes publicadas em sua reviso deThygater. Aos doutores Beatriz W. T. Coelho, Charles D. Michener e Michael Engel por in-formaes sobre a distribuio geogrfica de alguns grupos de Halictidae, e ao doutorFernando C. V. Zanella pelo acesso a seus trabalhos no prelo.

    Ftima Zagonel dedicou mais que profissionalismo confeco dos desenhos, contri-buindo consideravelmente para que a utilizao deste livro se tornasse muito mais fcil. Aela, nosso reconhecimento.

    Agradecemos, ainda, Fundao Araucria que financiou a confeco das ilustraesdeste livro e ao Ministrio do Meio Ambiente/ Secretaria de Biodiversidade e Florestas, pormeio do Projeto de Conservao e Utilizao Sustentvel da Diversidade Biolgica Brasilei-ra PROBIO e ao Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, por meiodo Projeto BRA/00/021, que apoiaram a impresso e encadernao deste livro.

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    PARTE AAAAAINTRODUO SISTEMTICA DAS ABELHAS

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    CAPTULO 1

    Morfologia

    O objetivo deste captulo no um tratamento extensivo da morfologia das abelhas. Pro-cura-se apenas apresentar suas principais estruturas externas, de forma a facilitar a leitura dosdemais captulos e a utilizao das chaves de identificao. Um tratamento extensivo damorfologia externa das abelhas pode ser encontrado em Michener (1944). A anatomia exter-na e interna de Apis mellifera discutida detalhadamente por Snodgrass (1956), a morfologiade Melipona marginata foi estudada por Camargo et al. (1967), a de Thygater analis porUrban (1967a) e a de Pseudaugochlora graminea por Eickwort (1969). Instrues ilustradaspara a disseco das abelhas so fornecidas por Dade (1962).

    1.1. Integumento. A camada externa do corpo das abelhas (integumento) a cutcula,como em todos os artrpodes tambm seu esqueleto e secretada pela epiderme. Estaparede no uma camada contnua, mas constitui-se de placas rgidas (escleritos) de espes-sura varivel, fundidas umas s outras ou conectadas por reas membranosas que conferemelasticidade e flexibilidade ao corpo. A rigidez dos escleritos conseguida atravs do pro-cesso de esclerotinizao deposio de protenas sobre a matriz de quitina. A percepodos estmulos do ambiente pelas abelhas feita atravs de estruturas sensoriais que se origi-nam na epiderme e atravessam a cutcula (sensilas e plos sensoriais). Os escleritos podemsofrer dobras que produzem sulcos e fossas na superfcie externa e cristas ou hastes internas(apdemas). Estas dobras conferem maior resistncia aos escleritos e, internamente, servemde ponto de insero para a musculatura.

    A superfcie externa do integumento pode variar bastante em caractersticas que, em con-junto, so chamadas de escultura ou microescultura. Ela pode ser brilhante ou mate (fosca);pode ser lisa ou apresentar uma srie de diferentes padres: reticulado, rugoso ou estriado,por exemplo. Outro elemento importante na definio da aparncia externa do integumento o seu padro de pontuao. Os pontos, em geral, so os locais de insero de plos ou cerdas.Eles variam em dimetro, profundidade e densidade.

    O integumento pode variar, tambm, em sua colorao. Geralmente ele negro, poden-do apresentar reas mais claras, desde castanho-escuras at ferrugneas. No incomum, en-tretanto, que determinadas reas sejam vivamente coloridas com pigmentos amarelos,alaranjados, vermelhos ou brancos. Alm disto, em muitos grupos, o integumento pode apre-sentar-se verde, azul, violeta, vermelho ou acobreado com brilho metlico. O brilho metlicono se deve a pigmentao, mas refrao da luz devido ao padro de deposio da quitinana cutcula.

    1.2. Tagmatizao. (Fig.1.1) O corpo das abelhas, como o de todos os insetos, consti-tui-se de trs partes principais (tagmas ou tagmata): cabea, trax e abdome. Cada uma des-tas partes, por sua vez, constituda por vrios segmentos a cabea por pelo menos quatro,o trax por trs e o abdome por 10. No caso das abelhas (e outros himenpteros Apocrita,como as formigas e as vespas), o primeiro segmento do abdome fundido ao trax, receben-do o nome de propdeo. A estrutura originada desta fuso chamada de mesossoma; a por-o restante do abdome (segmentos dois a 10 na fmea e dois a 11 no macho) chamadametassoma.

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    1.3. Cabea. (Figs. 1.1-1.5) Externamente, a cabea das abelhas contm os dois olhoscompostos laterais, trs ocelos dorsais, um par de antenas, um par de mandbulas e o apare-lho bucal (descrito adiante). Ela pode ser dividida em diversas regies, geralmente delimita-das por suturas. A regio dorsal, entre os olhos compostos e contendo os ocelos, chamadavrtice; a regio anterior, acima da insero das antenas, a fronte; a regio situada entre amargem inferior dos olhos e a base das mandbulas a rea ou espao malar. Abaixo dasantenas, delimitado pela sutura epistomal, est o clpeo; acima dele e abaixo da insero dasantenas, geralmente com formato triangular, est a rea supraclipeal; a regio entre o clpeo,a rea malar e os olhos compostos a rea parocular inferior; a rea da fronte adjacente aosolhos compostos chamada rea parocular superior. Ligando cada alvolo antenal (orifcio

    Captulo 1: Morfologia

    Vrtice

    GenaCarena pr-occipital

    Fig. 1.3 - Cabea de Thygater analis (&), vista dorsal.

    Flagelmeros

    FlageloPedicelo

    Escapo

    Fig. 1.5 - Antena de Thygater analis (%, acima, &, abaixo).

    Ocelosrea parocular superior

    Olho compostoAlvolo antenal

    Fossa tentorial

    rea malarClpeo

    Mandbula

    LabroSutura epistomal

    rea parocularinferior

    Suturasubantenal

    Fronte

    Vrtice

    Fig. 1.2 - Cabea de Thygater analis (&), vista frontal.

    Vrtice Formen magno

    Occipcio

    Gena

    Carenahipostomal

    Labro

    Mandbula

    Fig. 1.4 - Cabea de Thygater analis (&), vista posterior.

    Fig. 1.1 - Fmea de Thygater analis, vista lateral (pilosidade omitida).

    Perna posterior

    Asa anterior

    Clpeo

    Asa posterior

    Clula marginal

    Clulas submarginais

    Tgula

    Gena Antena

    Labro

    Perna anterior

    CoxaTrocanter

    Fmur

    Esporo tibialBasitarso

    Tarsmeros

    Garra

    Tbia

    Esporestibiais

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    onde se insere a antena) sutura epistomal, encontra-se uma ou, em alguns casos, duas sutu-ras subantenais. Nestas ou nos ramos laterais da sutura epistomal encontra-se, de cada lado,um pequeno orifcio a fossa tentorial anterior. A fossa tentorial marca o ponto onde otentrio (uma haste que refora a cabea por dentro) funde-se parede interna da cabea.Abaixo do clpeo e articulando-se com ele, est o labro (freqentemente escondido sob asmandbulas, quando estas esto fechadas). Lateralmente, a rea posterior aos olhos compos-tos chamada de gena. Posteriormente, a cabea possui um orifcio central chamado formenoccipital ou formen magno. A rea acima e aos lados do formen o occipcio, que normal-mente diferencia-se das regies em torno pela textura do integumento e que, s vezes, sepa-ra-se do vrtice pela carena pr-occipital. Algumas vezes, h a formao de uma elevaono vrtice, atrs dos ocelos, porm nitidamente anterior ao occipcio, que chamadacomumente de carena pr-occipital. Aqui, adotamos, para esta elevao, o nome de crista ps-ocelar.

    As antenas (Fig. 1.5) so divididas em trs artculos servidos por msculos internos: oescapo, basal, o pedicelo e o flagelo. O flagelo, por sua vez, composto por vrias unidades,os flagelmeros 10 nas fmeas e, com raras excees, 11 nos machos.

    LoroMento Premento

    Cardo

    GlossaFlabelo

    ParaglossaPalpo labial

    Premento

    Lacnia

    Glea

    Palpo maxilarEstpite

    Fig. 1.6 - Base do aparelho bucal de Thygater analis (&),vista anterior.

    Fig. 1.7 - pice do aparelho bucal de Thygater analis (&),vista anterior.

    O aparelho bucal (Figs. 1.6-1.8), ou lngua, inclui dois conjuntos de estruturas intima-mente associados: um par de maxilas e o lbio. Cada maxila composta pelo cardo (que searticula com a parede da cabea), pela estpite e pela glea. O palpo maxilar origina-se naestpite e composto por um nmero varivel de palpmeros (originalmente, seis). O lbiopode ser dividido em duas partes: uma basal composta pelo loro (que articula-se com a ma-xila), mento e premento e outra apical composta pela glossa e pelas paraglossas. O palpolabial, constitudo quase sempre por quatro palpmeros, insere-se no pice do premento. Aforma e o tamanho relativo das vrias partes do aparelho bucal varia bastante entre os diver-sos grupos de abelhas. A glossa pode ser curta e bilobada, curta e acuminada, longa e bfida,ou longa e acuminada. Os palpos labiais podem ser constitudos por palpmeros cilndricos ecurtos ou, algumas vezes, longos e achatados ou cncavos.

    1.4. Mesossoma. (Figs. 1.9-1.12) Os quatro segmentos que constituem o mesossoma so,alm do propdeo, o protrax, o mesotrax, e o metatrax. As pores dorsais dos trs lti-mos so, respectivamente, o pronoto, o mesonoto e o metanoto. O pronoto constitui a maior

    Captulo 1: Morfologia

    Fig. 1.8 - Maxila de Thygater analis (&).

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    parte do protrax, sendo um anel que circunda a regio anterior do trax. Dorsalmente, umazona elevada tangenciando a margem dorsal anterior do mesotrax, s vezes formando umacrista ou carena, constitui o colar pronotal; freqentemente, o colar pronotal limitado, la-teralmente, pelos ngulos dorso-laterais do pronoto e, anteriormente, por uma crista, carenaou lamela pronotal que, normalmente, prolonga-se at os lobos pronotais. Os lobos pronotaisso expanses laterais que avanam para trs e encobrem, a cada lado, a abertura de umespirculo torcico. Ventralmente, o pronoto articula-se com uma pequena placa, o pr-episterno, que se projeta para frente e articula-se com a cabea; posteriormente, o pr-episterno, juntamente com o prosterno, articula-se com as coxas das pernas anteriores. Omesonoto dividido em dois escleritos: o mesoscuto ou escuto, formando um grande discoanterior, e o escutelo, formando uma placa posterior; as pores a cada lado do escutelo sochamadas axilas. Dorso-lateralmente, protegendo a insero das asas, encontra-se um peque-no esclerito chamado tgula. O metanoto, situado imediatamente atrs do escutelo, constitui

    Mesoscuto

    Pronoto

    Lobo pronotal

    Sulco mesepisternal

    Regio omaular

    MesepisternoEscrobo

    Metepisterno

    Propdeo

    Metaposnoto

    Metanoto

    Escutelo

    Pr-episterno

    Prosterno

    Mesepisterno

    ngulodorsolateral

    Mesoscuto

    Axila

    Metanoto

    PropdeoEscutelo

    Lobo pronotal

    PronotoEscutelo

    Metanoto

    Metaposnoto

    Espirculopropodeal

    Metepisterno

    Propdeo

    Fig. 1.9 - Mesossoma de Thygater analis, vista lateral. Fig. 1.10 - Mesossoma de Thygater analis, vista ventral.

    Fig. 1.11 - Mesossoma de Thygater analis, vista dorsal. Fig. 1.12 - Mesossoma de Thygater analis, vista posterior.

    Captulo 1: Morfologia

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    um pequeno esclerito com o formato de um arco. As pores laterais do mesotrax e dometatrax so respectivamente o mesepisterno (s vezes chamado mesopleura) e ometepisterno. Elas so separadas pela sutura meso-metepisternal. A regio onde as superfci-es anterior e lateral do mesepisterno se encontram chamada de omaulo ou regio omaular;a regio lateral do mesepisterno cortada verticalmente pela sulco mesepisternal e horizon-talmente pelo sulco escrobal. Sobre o sulco escrobal encontra-se uma pequena fossa chama-da escrobo (ou escroba). O metaposnoto, que nos Apoidea encontra-se bastante desenvolvi-do, ocupa a rea central do propdeo, dividindo-o em duas reas laterais e formando o cha-mado tringulo propodeal.

    Dois pares de asas inserem-se, um no mesotrax e outro, menor, no metatrax. Cadaasa constitui-se de uma lmina membranosa reforada por veias alares. O sistema de veiasalares define clulas na superfcie das asas. Tanto as veias como as clulas recebem nomesespecficos que esto discriminados na Figs. 1.13 e 1.14. As diversas veias e clulas podemestar ausentes ou apresentar diferentes tamanhos e/ou formas em diferentes grupos de abe-

    C

    Sc + R M + CuM

    Rs

    1A

    cu-aCu

    Rs + MM

    Rs

    2a r-rsRs

    R

    Rs

    3a rs-m 2a rs-m

    2a m-cu 1a m-cu

    M

    Cu1

    Clulassubmarginais

    1a

    2a3a

    MarginalRadial

    Veia basal

    1a Cubital

    2a Cubital

    1a Medial

    2a Medial

    Fig. 1.13 - Asa anterior de Thygater analis.

    Captulo 1: Morfologia

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    lhas. As asas posteriores so dotadas de pequenos ganchos (hmulos) em sua margem anteri-or. Os hmulos prendem-se a uma bainha existente na margem posterior das asas anteriores epossibilitam que ambas as asas movimentem-se como uma nica estrutura durante o vo.

    Trs pares de pernas originam-se na superfcie ventral do trax, cada qual em um seg-mento (Fig. 1.1). Elas podem ser chamadas respectivamente de pernas anteriores, mdias eposteriores ou pernas protorcicas, mesotorcicas e metatorcicas. Todas elas so constitu-das pelos mesmos seis artculos: coxa, trocanter, fmur, tbia, tarso e pr-tarso. As tbias an-teriores e mdias so dotadas de um nico esporo tibial apical em sua face interna ou ven-tral. As tbias posteriores, em geral, possuem dois espores. O esporo da tbia anterior modificado e utilizado juntamente com uma reentrncia na base do tarso, para a limpezadas antenas. Juntas, estas estruturas constituem o estrigilo (Fig. 1.15). As tbias posteriores,na maioria das fmeas das abelhas, possuem modificaes utilizadas para o transporte de p-len das flores para os ninhos. A adaptao mais comum uma escova de plos chamadaescopa. Em alguns grupos de abelhas, como Halictidae e Colletidae, a escopa pode desen-volver-se, tambm, no fmur posterior. Na tribo Apini, que contm as abelhas melferas e nos-sas abelhas indgenas sem ferro, a superfcie externa da tbia posterior cncava e margeadapor uma franja de plos, um arranjo que denominado corbcula. Modificaes adicionaisdo metatarso e metatbia destas abelhas so o rastelo e a aurcula, arranjos de plos que au-xiliam no processo de carregamento da corbcula com plen. Os tarsos so divididos em cin-co unidades, os tarsmeros. O primeiro, sempre maior que os demais, chamado de basitarso

    Hmulos Radial Cubital

    M + Cu(1a abcissa)M + Cu

    (2a abcissa)M

    Lobojugal

    Lobo vanal

    Acu-aCu

    rs-m

    RsTbia

    Esporo

    Basitarso

    Garra

    Arlio

    T1T2

    T3

    T4

    T5

    T6

    T7E1

    E2E3E4E5

    E6

    Fig. 1.14 - Asa posterior de Thygater analis. Fig. 1.15 - Estrigilo de Thygater analis (&).

    Fig. 1.16 - Pr-tarso de Thygater analis (&). Fig. 1.17 - Metassoma de Thygater analis (%), vista lateral.

    Captulo 1: Morfologia

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    (na literatura mais antiga, s vezes, chamado metatarso este termo, entretanto, utilizadoatualmente em referncia a todo o tarso do metatrax). Os demais tarsmeros so chamados,em conjunto, de distitarso. O pr-tarso contm as garras tarsais e o arlio (Fig. 1.16). Osdiversos artculos das pernas apresentam inmeras modificaes nos diferentes grupos de abe-lhas. Estas modificaes incluem projees, pentes e escovas de plos, fossas e glndulas quepodem desempenhar importantes papis no acasalamento e/ou coleta de alimento.

    1.5. Metassoma. (Fig. 1.17) O metassoma, como j foi dito, constitudo pelos ltimosnove dos 10 segmentos abdominais da fmea (ltimos 10 dos 11 segmentos abdominais domacho). Destes, seis esto expostos nas fmeas e sete nos machos, sendo chamados segmen-tos pr-genitais. Cada segmento metassomtico formado por um esclerito dorsal, o tergo, eum esclerito ventral, o esterno. O primeiro desses segmentos possui uma constrio anteriorque forma o pecolo e que d flexibilidade de movimento ao metassoma. O segundo tergo esegundo esterno e os seguintes possuem, cada um, uma linha transversal claramentedemarcada em suas superfcies externas prximo s suas margens basais. Estas linhas so cha-madas grdulos (pequenos degraus). Em alguns grupos de abelhas, parte dos esternosmetassomticos pode estar reduzida ou ausente, principalmente nos machos. Nas fmeas noparasitas da famlia Megachilidae e em alguns grupos da famlia Colletidae, os esternos sodotados de pilosidade especializada que constitui a escopa ventral, utilizada para coleta etransporte de plen.

    Captulo 1: Morfologia

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    CAPTULO 2

    Coleta, Montagem eConservao de Abelhas para Estudo

    Embora pessoas experientes possam determinar muitos dos gneros de abelhas com umasimples inspeo a olho nu, a identificao da maioria das espcies de abelhas impossvelde ser feita no campo. Na maioria dos casos preciso que as abelhas estudadas sejam captu-radas, mortas e convenientemente montadas para, ento, serem identificadas sob lupa de dis-seco.

    2.1. Coleta. O modo como as abelhas so capturadas depende dos objetivos do estudoque se tem em mente. Nos levantamentos faunsticos e nos estudos sobre polinizao, porexemplo, as abelhas normalmente so capturadas enquanto coletam alimento nas flores. Paraisto empregam-se as redes entomolgicas (pus). O tecido empregado no pu no deve sero fil (tule), pois abelhas pequenas so capazes de fugir atravs de sua malha. O organdi (dealgodo) e a organza de nylon so tecidos adequados.

    Dependendo de seus objetivos o coletor pode postar-se diante de uma planta florida,capturando as abelhas medida em que elas pousem nas flores, ou pode deslocar-se lenta-mente ao longo de uma transeo ou rea amostral, coletando as abelhas na medida em queelas forem avistadas. Exemplos de levantamentos faunsticos realizados no Brasil, utilizan-do-se de variaes destes mtodos, so os de Sakagami et al. (1967), Camargo & Mazzucato(1984) e Silveira & Campos (1995).

    Nas florestas, a grande maioria das abelhas forrageia no alto das rvores, permanecen-do fora de alcance do coletor. Por isto, poucos so os levantamentos realizados das faunas deabelhas de reas florestais; nos que foram feitos, as coletas, em geral, foram limitadas ve-getao mais baixa, nas margens de clareiras e trilhas e nas bordas de mata (p. ex., Cure etal., 1992). Mais recentemente, levantamentos da fauna de abelhas no dossel das matas vmsendo realizados com pus de cabo longo (Wilms et al., 1996) e com escalada das rvorespela tcnica de rapel (p. ex. Aguilar, 1999). Algumas abelhas, especialmente as nossas ind-genas sem ferro (Meliponina), podem ser atradas, em alguns locais, por soluo de sal e/ouiscas de feijo com farinha de mandioca ou fatias de goiabada espalhadas no sub-bosque (E.F. Morato, inf. pessoal). Machos de Euglossina podem ser atrados por substncias aromti-cas especficas depositadas em papel ou chumao de algodo e expostas sobre troncos oupedras (p. ex. Reblo & Garfalo, 1991) ou em armadilhas (p. ex. Campos et al., 1989). Ba-cias coloridas (especialmente azuis e amarelas) contendo gua e um pouquinho de detergenteatraem e capturam abelhas (alm de uma variada gama de outros insetos) (p. ex., Laroca,1980). Armadilhas de interceptao de vo (como as de Malaise), embora mais eficientes paraa captura de outros insetos, sempre coletam abelhas, algumas das quais de espcies bem ra-ras nas colees, como por exemplo cleptoparasitas obrigatrias e espcies restritas a ambi-entes florestais. Frascos sugadores podem ser utilizados para coleta de abelhas pequenas. Ni-nhos-armadilha feitos com gomos de bambu abertos em uma extremidade, blocos de madeiraperfurados ou tubos de papel cartonado so utilizados por fmeas de algumas espcies de

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    gneros como Centris, Tetrapedia, Euglossa, Xylocopa e vrios Anthidiini (tambm vespas eformigas), em busca de local para nidificao (p. ex., Garfalo et al., 1993; Morato & Cam-pos, 2000).

    Uma boa amostragem da fauna de abelhas de um dado local s obtida com coletas emvrios horrios do dia e ao longo de todo o ano. Isto porque diferentes abelhas esto ativasem diferentes horas e em diferentes pocas do ano. Quanto maior a diversidade de mtodosde coleta empregados e de ambientes amostrados, maior ser o nmero de espcies de abe-lhas encontradas. Sakagami et al. (1967) e Silveira & Godinez (1996) discutem vrios pro-blemas relacionados obteno de amostras padronizadas para comparao de parmetrosfaunsticos entre diferentes amostragens.

    Ao serem capturadas, as abelhas devem ser transferidas para um frasco mortfero. Osdois agentes mortferos mais comumente utilizados nestes frascos so o cianeto (de sdio oupotssio) e o acetato de etila. Cada um tem vantagens e desvantagens. Um frasco mortferocarregado com cianeto pode permanecer eficiente at por meses. Por outro lado, abelhas mor-tas com cianeto tendem a tornar-se quebradias e, se mantidas por muito tempo dentro dofrasco, perder detalhes de sua colorao devido ao desbotamento de faixas e manchaspigmentadas (manchas amarelas, por exemplo, tornam-se avermelhado-esmaecidas). Alm dis-to, o cianeto extremamente txico ao homem, podendo causar a morte em caso de inalaoacidental.

    Abelhas mortas com acetato de etila, por outro lado, tendem a ficar menos quebradias,alm de morrerem com suas lnguas distendidas (o que facilita o seu estudo e identificao).O acetato de etila, alm do mais, no to txico para o homem quanto o cianeto. A desvan-tagem do acetato sua volatilidade, que faz com que se tenha que recarregar o frasco comalguma freqncia no campo.

    Deve-se ter o cuidado de no deixar as abelhas muito tempo dentro dos frascos mortfe-ros (principalmente em dias de calor e quando as abelhas forem muitas), para evitar que elassejam encharcadas pela condensao de gua dentro do frasco. Isto faz com que seus ploscolem-se ao corpo, dificultando a identificao posterior dos espcimes. Alm disto, aumen-ta a probabilidade de que os espcimes mofem.

    2.2. Montagem. As abelhas capturadas precisam ser montadas para que possam sermanuseadas mais facilmente na hora da identificao ou estudo e para que possam ser arma-zenadas de forma segura nas colees. Para isto elas devem ser alfinetadas. Agulhas e alfine-tes de costura no devem ser utilizados porque enferrujam, quebrando-se e danificando osespcimes. Alm disto, no possuem dimetro, comprimento, nem ponta adequados para ascolees entomolgicas.

    Alfinetes entomolgicos so comercializados em diferentes dimetros que so identifi-cados por nmeros. A maioria das abelhas pode ser montada em alfinetes nmero 1. Apenasabelhas grandes (1,5 cm ou mais de comprimento) devem ser montadas em alfinetes nmero2 ou 3. Algumas firmas produzem alfinetes entomolgicos de ao comum pintados de negro.Eles so mais baratos mas tambm terminam por enferrujar e quebrar, danificando os espci-mes, principalmente em regies midas. Por isto, deve-se preferir, sempre que possvel, osalfinetes de ao inoxidvel. Tambm a cabea dos alfinetes produzida de diferentes manei-ras. Os melhores so os alfinetes de cabea batida (como os alfinetes de costura); infeliz-mente eles so raros. Uma alternativa muito boa, so os alfinetes com cabea de nylon. Alfi-netes com cabeas de lato devem ser evitados, porque elas se soltam, tornando o manuseiodos alfinetes difcil (e, muitas vezes, doloroso).

    Deve-se introduzir o alfinete perpendicularmente superfcie dorsal da abelha, na re-gio anterior direita do mesoscuto, junto tgula. Desta forma preservam-se os detalhes deescultura e pilosidade da regio central do mesoscuto (freqentemente importantes para aidentificao das espcies). Os detalhes estragados pelo alfinete no lado direito do mesoscutopodem ser, ainda, observados no lado esquerdo. As abelhas devem ser posicionadas no alfi-

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    nete de forma a no ficarem to altas que sejam danificadas quando este tomado entre osdedos, nem to baixas que no haja espao para se introduzir, sob elas, as etiquetas de pro-cedncia e identificao. O ideal que haja uma distncia de oito a 10 mm entre a superfciesuperior do trax da abelha e a cabea do alfinete.

    Abelhas muito pequenas para serem espetadas com os alfinetes nmero um devem serpreferencialmente coladas. Para isto, pode-se utilizar o mtodo sugerido pelo Padre Moure:circunda-se o alfinete com um anel de cola de cerca de 1 mm de espessura, repousando-ocom a cola sobre o lado direito do mesossoma da abelha (a cola se soltar depois de seca, sefor depositada apenas em um lado do alfinete). Deixa-se secar por alguns minutos. Monta-gens duplas (em tringulos de papel ou com micro-alfinetes) so recomendadas por algunsautores. No entanto, elas consomem mais tempo e mais material, alm de tornarem o manu-seio dos espcimes sob a lupa mais difcil. O uso de alfinetes 0 e 00 deve ser evitado,uma vez que eles tendem a se entortar ao serem enfiados em superfcies mais duras (espumade polietileno, por exemplo).

    Depois de espetadas, as abelhas devem ser arrumadas no alfinete. Trs fatores devemser considerados neste momento: 1) exposio de estruturas importantes para a identificao;2) reduo do risco das abelhas serem danificadas durante o manuseio e 3) economia de es-pao nas colees.

    Qualquer parte da abelha potencialmente utilizvel para sua identificao. Em algunsgrupos, determinadas estruturas sero mais importantes do que em outros. Se o coletor notem conhecimento suficiente sobre quais caracteres so ou no necessrios para a identifica-o de um dado espcime, prefervel que ele exponha o maior nmero possvel de caracte-rsticas na hora de mont-lo. Abaixo seguem algumas informaes sobre como dispor os apn-dices das abelhas:

    O aparelho bucal deve estar distendido e, se possvel, suas partes devem estar ligeira-mente separadas para que possam ser melhor observadas. No se deve, entretanto, distendera lngua e partes anexas para a frente, deixando-as expostas e aumentando o risco de quesejam quebradas durante o manuseio. O aparelho bucal deve ficar, especialmente no caso deabelhas grandes e de lngua longa, distendido para trs, protegido entre a etiqueta e a cabeae o corpo da abelha.

    O nmero, tamanho relativo e disposio dos dentes nas mandbulas das abelhas de al-guns grupos, como as da tribo Anthidiini (Megachilidae) e as dos gneros Megachile(Megachilidae) e Centris (Apidae) so importantes para a determinao dos gneros ousubgneros a que pertencem as espcies. Em Halictidae, caractersticas do labro e da mand-bula podem ser necessrios para a identificao dos exemplares. Em tais grupos, as mand-bulas devem ser abertas enquanto o espcime est ainda flexvel. Para isto, pode-se introdu-zir uma pina de ponta fina (pina de relojoeiro) fechada entre as mandbulas, por baixo epor trs da cabea, deixando-a abrir-se em seguida. Deve-se tomar cuidado para que o labroda abelha no seja danificado nesta operao.

    Todos os demais apndices (antenas, pernas e asas) devem ser ligeiramente afastadosdo corpo para que possam ser convenientemente observados e para evitar que escondam ou-tras estruturas na cabea, mesossoma e metassoma. Eles no devem, entretanto, ficardistendidos muito longe do corpo para no se exporem ao risco de quebrarem durante o ma-nuseio e para que no ocupem muito espao na coleo. As pernas devem estar ligeiramenteflexionadas e no devem ficar dobradas sob o corpo.

    As asas freqentemente ficam coladas umas s outras e ao metassoma por umidadecondensada, nctar regurgitado, leos florais ou resinas. Isto deve ser corrigido, uma vez quedificulta muito a observao de veias e clulas alares. Ao se montar as abelhas, deve-se pas-sar um estilete entre as asas e o metassoma e entre a asa anterior e posterior de cada par. Istodeve ser feito com cuidado para evitar que as asas se rasguem.

    O principal cuidado que se deve tomar com o metassoma das abelhas no deixar queeles fiquem cados. Isto especialmente importante quando se montam abelhas grandes.

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    Neste caso, o metassoma rouba espao das etiquetas quando fica inclinado para baixo. Almdisto, nesta posio ele mais facilmente quebrado, quando a etiqueta acidentalmente em-purrada contra ele. Pode-se cruzar dois alfinetes em sob o metassoma, para mant-lo naposio horizontal at que a abelha montada esteja seca. Deve-se cuidar, entretanto, para queo metassoma no fique elevado demais, impedindo a observao do propdeo.

    Depois de montadas, as abelhas devem ser colocadas em estufa a cerca de 40C por 24a 48 horas. Isto possibilitar que todos os tecidos do corpo sequem convenientemente, evi-tando que as abelhas mofem. Por outro lado, a permanncia na estufa por tempo muito pro-longado (vrios dias) torna as abelhas ressecadas e excessivamente quebradias.

    Nem sempre possvel montar as abelhas imediatamente aps a captura. Para que se-jam conservadas, elas podem ser mantidas em sacos de papel absorvente flexvel, dentro derecipientes rgidos hermeticamente fechados. Deve-se colocar, dentro destes recipientes, jun-to com as abelhas, um chumao de algodo embebido em acetato de etila. O acetato ajuda aconservar os espcimes, inibindo o crescimento de fungos e mantendo a flexibilidade das abe-lhas durante algum tempo. Caso o intervalo entre a captura das abelhas e sua montagem forde mais que dois dias, recomendvel mant-las em congelador ou freezer. Desta forma elaspermanecem maleveis at serem montadas.

    Se as abelhas chegam a se enrijecer, necessrio relax-las antes de se proceder mon-tagem. Para isto, as abelhas devem ser mantidas por algum tempo (em geral de 24 a 48 ho-ras) em uma cmara mida. A cmara mida um recipiente de vidro ou plstico, hermetica-mente fechado, em cujo fundo se coloca papel ou tecido encharcado em gua com um poucode cido fnico (fenol). A funo deste cido inibir o crescimento de fungos. As abelhasno devem ser colocadas em contato direto com a gua, mas dentro de recipientes abertos(tais como placas de Petri). Deve-se evitar que as abelhas fiquem encharcadas, pois destamaneira seus plos se colaro ao corpo, tornando a identificao do espcime mais difcil.Abelhas de colorao verde ou azul-metlica tendem a ficar avermelhadas quando expostas umidade. Quando a exposio se d por pouco tempo, a colorao volta ao normal quandoas abelhas secam. Entretanto, ela se altera permanentemente, ficando mais avermelhada ouamarelada definitivamente, caso as abelhas sejam expostas umidade por tempo prolongado.

    Os procedimentos acima so os indicados para as abelhas coletadas e mantidas a seco,at o momento da montagem. Abelhas capturadas em lcool (por exemplo em armadilhas deinterceptao de vo, como a de Malaise) precisam de cuidados especiais antes de serem al-finetadas. Se elas so retiradas do lcool diretamente para o alfinete, seus plos ficam gruda-dos, as asas retorcidas e partes do corpo (principalmente os olhos) podem murchar. Uma tc-nica de preparao de insetos conservados em lcool, antes de serem alfinetados, apresen-tada abaixo:

    Os espcimes em lcool 70% ou 80% so transferidos para lcool absoluto onde ficampor 15 a 20 minutos. Aps este tempo, eles so removidos para uma mistura de lcool abso-luto e clorofrmio na proporo de 1:1. Eles devem permanecer a por mais 15 ou 20 minu-tos. Em seguida eles so postos para escorrer em papel absorvente. Os plos das abelhas de-vem ser pincelados periodicamente com um pincel fino enquanto secam. Depois de adquiri-rem seu aspecto normal, as abelhas devem ser colocadas em estufa de secagem por 24 a 48horas. Estes procedimentos so especialmente importantes para abelhas grandes e pilosas.

    s vezes as abelhas esto muito sujas e/ou com plos grudados por substncias oleosasou resinas. Indivduos especialmente valiosos (pela raridade ou pela dificuldade de identifi-cao) podem ser lavados, recuperando sua aparncia natural. O seguinte procedimento podeser empregado:

    O espcime (com o alfinete mas sem as etiquetas, se j estiver montado) colocado emxilol por cerca de 15 minutos. O xilol dissolve massas de plen e/ou resina ressecada queagarram-se pelo corpo e grudam os plos. A abelha , ento, enxaguada em gua corrente.Depois de enxaguado o xilol, as reas mais pilosas da abelha so ensaboadas com detergen-te, sabo neutro ou sabonete, com auxlio de um pincel fino. O espcime enxaguado nova-

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    mente e posto para secar em papel absorvente. A eficincia da secagem pode ser aumentadaencostando-se pontinhas do papel absorvente em reas mais pilosas, onde se acumula maisgua. Esta operao, entretanto, deve ser feita observando-se a abelha sob a lupa. Enquantosecam, os plos da abelha devem ser pincelados com pincel fino, para se soltarem. A seca-gem pode ser feita, tambm, utilizando-se de um secador manual de cabelo. Depois que aabelha recuperou sua aparncia normal, ela deve ser posta em estufa a 40C, por cerca de 24horas. Espcimes muito velhos ou enfraquecidos (por ataque de fungos ou dermestdeos, porexemplo) no devem passar por este processo, por correrem o risco de serem danificados.

    2.3. Informaes associadas aos espcimes. Existem vrias informaes relativas aosespcimes coletados que devem ser guardadas junto com eles. Estas informaes podero au-xiliar no processo de identificao, na determinao da distribuio geogrfica das espcies ede sua variao ao longo do tempo; podero sugerir quais as fontes de alimento utilizadas pe-las vrias espcies etc. Praticamente toda informao guardada junto com o espcime em umacoleo potencialmente til. Em colees de insetos, informaes so guardadas de duas for-mas: em etiquetas espetadas no alfinete, junto com o espcime, ou em cadernos ou fichrios(modernamente, em bancos de dados em computador). Neste caso, os espcimes devem rece-ber um nmero que identifica as informaes relativas a eles no registro da coleo.

    importante que pelo menos algumas informaes bsicas estejam em uma etiqueta,junto de cada espcime: o municpio, estado e pas onde o mesmo foi coletado, a data decoleta e nome do coletor.

    As etiquetas no devem ser muito grandes para evitar desperdcio de espao nas cole-es. Etiquetas grandes tendem tambm a soltar-se mais facilmente do alfinete, girando e que-brando outros espcimes prximos. Um tamanho mximo apropriado seria em torno de 1 cm 2 cm, mas as etiquetas podem ser menores quando as abelhas forem pequenas. conveni-ente, tambm, que o papel utilizado seja grosso (120 g/m2, por exemplo) e, de preferncia,neutro (papis cidos amarelam-se e decompem-se mais rapidamente e contribuem, tambm,para a oxidao dos alfinetes).

    As etiquetas tm de ser absolutamente legveis. Deve-se ter em mente que os espcimescoletados podero ser teis a inmeros outros pesquisadores, desde que as informaes mni-mas sobre localidade e data de coleta estejam legveis. As etiquetas devem ser preenchidascom tinta durvel. Se manuscritas, deve-se utilizar preferencialmente tinta nanquim (ou outratinta base de pigmento coloidal). Se forem impressas a partir de arquivos de computador,deve-se utilizar, se possvel, impressoras a laser. A tinta das impressoras matriciais e a jato-de-tinta so solveis em gua e tendem a borrar com a umidade. Uma soluo alternativa imprimir-se as etiquetas com tinta solvel e, depois, fazer-se fotocpia em mquina de boaqualidade ou recobri-las com verniz fixador na forma de aerossol.

    Se as abelhas forem parte de algum projeto de pesquisa especfico, bom que cada umareceba uma pequena etiqueta que a identifique como espcime testemunho do projeto. Estaetiqueta deve ser a primeira a ser colocada no alfinete (ficando, portanto, em posio superi-or) e pode ser colorida, para chamar ateno. No se devem utilizar, entretanto, as cores ver-melha e amarela pois estas so tradicionalmente utilizadas, nas colees, para distinguirholtipos e partipos.

    2.4. Preservao de abelhas alfinetadas. As abelhas montadas como explicado acimapodem ser guardadas por centenas de anos, desde que se tomem alguns cuidados. Um dosprincipais problemas para a conservao de insetos em geral, e das abelhas em particular, oexcesso de umidade. Em ambientes midos, h grande proliferao de fungos (mofo) que aca-bam por destruir completamente os espcimes. Para evitar que isto acontea, deve-se secarbem as abelhas montadas, como explicado acima, e guard-las em local seco. Caso cheguema mofar, as abelhas podem ser limpas com xilol, com o auxlio de um pincel fino e postas asecar em estufa.

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    Outro problema srio para a manuteno das colees de insetos secos o ataque porinsetos daninhos, principalmente os pequenos insetos das famlias Psocidae (ordemPsocoptera ou Corrodentia) e Dermestidae (ordem Coleoptera). Para evitar que isto aconte-a, as abelhas montadas devem ser mantidas em recipientes (caixas ou gavetas) hermetica-mente fechados, sem frestas ou rachaduras, e contendo naftalina ou creosoto. A naftalina ini-be a entrada dos insetos daninhos, mas no mata aqueles que porventura cheguem a penetrarnas caixas. J o creosoto tem ao inseticida.

    Uma forma segura e eficiente de se controlar a infestao dos espcimes por psocpterose dermestdeos o tratamento alternado com frio e calor. As abelhas, espetadas dentro decaixas com tampa, so colocadas em freezer, onde so mantidas durante trs dias. Duranteeste tempo, larvas e adultos de insetos so mortos pelo frio. Em seguida, elas so transferidaspara estufa de secagem a 40C por um ou dois dias. A esta temperatura novas larvas eclodirodos ovos que porventura existirem no material a ser preservado. As abelhas so novamentecolocadas no freezer, onde as larvas recm emergidas dos insetos-praga sero mortas. Depoisdeste tratamento, as abelhas so postas a secar em estufa e podem retornar coleo.

    Insetos mortos devem ser mantidos no escuro, uma vez que a exposio prolongada luz provoca sua descolorao, dificultando sua identificao correta no futuro. As gavetasdevem ser mantidas em armrios prprios, bem fechados, para melhor garantir a conservaodas abelhas. Os armrios e gavetas devem ser inspecionados periodicamente. Espcimes con-tendo sinais de infestao por mofo ou de ataque por insetos daninhos devem ser imediata-mente retirados para tratamento.

    Pesquisadores que possuam colees grandes de abelhas devem se preocupar com o con-trole microclimtico do ambiente. Os armrios contendo as abelhas secas devem estar emambiente seco e, preferencialmente, fresco. Este controle pode ser alcanado por intermdiode desumidificadores de ambiente e/ou condicionadores de ar.

    2.5. Remessa de abelhas para identificao. Abelhas coletadas em projetos de pes-quisa freqentemente tm que ser mandadas a especialistas para identificao. Como o n-mero de taxnomos capazes de identific-las muito pequeno, preciso entrar em contatopreviamente com eles, para verificar sua disponibilidade. Deve-se estar ciente que identifica-o de material alheio no a nica tarefa a que se dedicam os sistematas. conveniente,tambm, que se proceda a uma triagem prvia do material, tentando-se a separao dos esp-cimes em grandes grupos (subfamlias, tribos ou gneros) e em morfoespcies. Isto facilita otrabalho do especialista, permitindo que ele gaste o tempo disponvel na identificao dasespcies e no na triagem inicial do material. Quando se consegue uma identificao prviaat o nvel de subfamlia ou tribo, deve-se mandar os espcimes de cada txon para o especi-alista naquele grupo. Dificilmente um nico pesquisador vai ser capaz de reconhecer bem asespcies de todos os grandes grupos de abelhas. De qualquer forma, deve-se ter em menteque a taxonomia da maioria dos grupos de abelhas neotropicais necessita de reviso e queno possvel conseguir a identificao de todas as espcies.

    As abelhas podem ser remetidas aos especialistas pelo correio. Esta uma forma corri-queira de se enviar insetos secos, mas os espcimes devem ser convenientemente embaladospara que no sejam danificados. Primeiramente as abelhas devem ser espetadas ao fundo deuma caixa forrada com isopor, cortia ou, preferencialmente, espuma de polietileno expandi-do. Abelhas grandes devem ser contidas com alfinetes espetados lateralmente, junto aos seuscorpos. Etiquetas grandes ou frouxas no alfinete tambm devem ser contidas da mesma for-ma. Para economizar espao, as abelhas devem estar prximas umas das outras mas, para evi-tar danos durante o transporte ou ao serem desembaladas, elas no devem estar em contatoumas com as outras ou com as laterais da caixa. O tamanho da caixa deve ser proporcionalao nmero de abelhas a serem acondicionadas e alfinetes entomolgicos devem ser espeta-dos com espaamento regular (2-3 cm de distncia uns dos outros) no espaos vazios. Sobreos alfinetes, deve ser colocada uma folha de papelo rgido para distribuir eventuais com-

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    presses de fora. O espao entre o papelo e a tampa da caixa deve ser preenchido com isoporou espuma, por exemplo, para que os alfinetes no fiquem soltos. Esta caixa deve, ento, seracondicionada dentro de outra, em meio a flocos de isopor (devem-se evitar os flocos de ami-do, que podem atrair insetos potencialmente daninhos aos espcimes). A caixa interna, con-tendo as abelhas, no deve ficar a menos do que 10 cm de distncia da outra, externa, emnenhum dos lados. Tanto a caixa interna quanto a externa devem ser de papelo grosso ououtro material resistente, pois, de outra maneira, a presso exercida por fora seria facilmentetransmitida para o interior da caixa com as abelhas, o que pode levar quebra dos espci-mes. Por fora, alm dos endereos do destinatrio e remetente, devem ser fixadas etiquetascom dizeres como: Insetos secos para estudo cientfico sem valor comercial e Frgil(em ingls, se o material estiver sendo enviado para o exterior: Dry insects for scientificstudy no commercial value e Fragile).

    2.6. Espcimes testemunhos. Uma questo importante que resta a ser discutida ondemanter colees de espcimes testemunhos. Quando se faz qualquer trabalho, sobre qualquerorganismo, produzem-se informaes que ajudam a entender melhor a sua biologia. As infor-maes obtidas, entretanto, so importantes apenas na medida em que possam ser associadascom certeza a um determinado txon. Como as identificaes esto sempre sujeitas a dvida, imprescindvel que haja material testemunho depositado em colees pblicas. Desta for-ma a identidade do material poder ser conferida, em qualquer poca, por outros pesquisado-res. Outro ponto a ser levantado o do destino geral das abelhas capturadas. Abelhas de gran-de interesse para a cincia, coletadas a duras penas e em locais s vezes nunca antesamostrados, so freqentemente perdidas por estarem guardadas em locais inadequados. Cadapesquisador deve sempre contrapor a utilidade que suas abelhas tm para si, quela que elasteriam para outros pesquisadores, caso fossem depositadas em uma coleo pblica. Espci-mes sem utilidade imediata devem, preferencialmente, ser enviadas para colees universit-rias ou museus. Nestes locais elas recebero o cuidado necessrio para que sejam conserva-das para as geraes futuras.

    Informaes gerais sobre tcnicas de coleta, montagem e conservao de insetos podemser encontradas, por exemplo, em Almeida et al. (1998) e Borror & Delong (1988 captulo32).

    2.7. Coleta e remessa de abelhas e a legislao brasileira. O ritmo acelerado de des-truio que vem sendo imposto aos nossos ambientes vem levando um nmero crescente deespcies ameaa de extino. Em conseqncia da preocupao da sociedade com este fato,vrias leis e normas que visam garantir a preservao da biodiversidade brasileira tm sidopromulgadas recentemente. Embora leis e portarias quase sempre sejam criadas tendo comopreocupao central a conservao de animais vertebrados, plantas ou ambientes, muitas delastm implicaes sobre as atividades de estudo, conservao e criao de nossas abelhas e ou-tros invertebrados nativos. Aqui discutiremos brevemente a legislao federal em vigor.

    Os princpios bsicos que regulamentam a coleta de espcimes nativos da fauna silves-tre brasileira foram definidos pela Lei dos Crimes Ambientais (lei no 9.605 de 12 de feve-reiro de 1998). Nela (artigo 29), so definidos como crimes os atos de matar, perseguir, ca-ar, apanhar e utilizar espcimes da fauna silvestre brasileira sem a devida permisso, licen-a ou autorizao da autoridade competente ou em desacordo com a licena obtida. As pe-nas previstas para este crime so a deteno por seis meses a um ano e multa. Segundo a lei,a mesma pena vlida para quem a) modifica, danifica ou destri ninhos e b) vende, exportaou adquire, guarda, tem em cativeiro ou transporta ovos, larvas ou espcimes da fauna sil-vestre brasileira, bem como produtos e objetos dela oriundos, sem autorizao. A pena au-mentada em 50% se o crime for praticado a) contra espcie rara ou considerada ameaada deextino, ainda que somente no local da infrao; b) durante a noite; c) com abuso de licenae d) em unidade de conservao.

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    Dessa forma, a coleta de abelhas (vivas ou mortas) crime se efetuada em desacordocom as exigncias legais. At o momento, a coleta de espcimes da fauna silvestre para finsdidticos e cientficos regulamentada pela Portaria 332 de 31 de maro de 1990 do IBAMA.O artigo primeiro desta portaria estipula que a captura de animais para pesquisa cientfica oufins didticos s pode ser executada por membros de equipes de cientistas e profissionaisqualificados pertencentes a instituies cientficas brasileiras, pblicas ou privadas,credenciadas pelo IBAMA ou por elas indicadas. O artigo quinto desta mesma portaria, dis-pensa de licena a coleta de invertebrados (e, portanto, de abelhas) para fins de pesquisa,exceto quando: a) ela for executada em unidades de conservao de proteo integral fede-rais, estaduais e municipais (neste caso, o coletor dever obter consentimento prvio das au-toridades responsveis pelas unidades) e b) para a coleta de espcies que constem da ListaOficial de Espcies da Fauna Ameaada de Extino (neste caso a licena dever ser obtidadiretamente no IBAMA).

    preciso ressaltar, portanto, que, embora a captura de abelhas seja dispensada de licen-a (excetuando-se, obviamente, as espcies ameaadas de extino e/ou coletas em unidadesde conservao), ela s pode ser efetuada por cientistas e profissionais pertencentes a insti-tuies cientficas credenciadas pelo IBAMA. Desta forma, esto fora da lei os colecionado-res e colees particulares de insetos.

    At recentemente, a concesso de licenas para a coleta de espcimes da fauna silvestrepara fins didticos e cientficos era atribuio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renovveis (IBAMA). Isto foi alterado, uma vez que a Medida Provi-sria (MP) n. 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, instituiu, em seu artigo 10, o Conselho deGesto do Patrimnio Gentico, no mbito do Ministrio do Meio Ambiente, com atribui-es deliberativa e normativa. Discutida em um novo frum e sob novas perspectivas, a re-gulamentao da coleta de material biolgico para estudos sofreu mudanas considerveis.Por enquanto, ao regulamentar o acesso ao patrimnio gentico nacional, essa MP, imps no-vas restries coleta e transporte de material biolgico no pas, trazendo novas preocupa-es aos taxnomos brasileiros. Aps sua edio, alguns incidentes j foram registrados, en-volvendo material coletado e/ou remetido pelo correio para estudos taxonmicos. Maioresdetalhes a respeito da legislao em vigor podem ser encontrados na Internet na pgina doMinistrio do Meio Ambiente (http://www.mma.gov.br/).

    A MP 2.186-16 estipula que patrimnio gentico da fauna silvestre seria a informaode origem gentica, contida em amostras do todo ou de parte de espcime animal, na formade molculas e substncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos ob-tidos destes organismos. Portanto, espcimes mortos de abelhas, preservados a seco ou emmeio lquido, so portadores de amostras do patrimnio gentico (na forma, por exemplo, demolculas de DNA) que podem, em tese, ser extradas para fins comerciais. Entretanto, me-didas esto sendo estudadas, no mbito do Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico, paraevitar que a aplicao da lei impea o desenvolvimento de estudos cientficos bsicos sobrea biota brasileira.

    Captulo 2: Coleta, Montagem e Conservao de Abelhas para Estudo

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    CAPTULO 3

    Origem, Filogenia e Biogeografia.

    3.1. Origem. As abelhas so vespas (Hymenoptera, Aculeata) cujas fmeas, em vez decapturarem outros artrpodes como alimento, coletam plen e nctar diretamente nas florespara alimentarem suas larvas. Embora as abelhas paream, primeira vista, muito distintasde outros grupos de himenpteros aculeados, elas guardam estreita relao com um grandeconjunto de vespas tradicionalmente chamadas de vespas esfecides (Sphecidae sensu Bohart& Menke, 1976). Estes grupos esto reunidos em uma superfamlia Apoidea (Brothers,1975; Brothers & Carpenter, 1993). Em um estudo recente das relaes filogenticas destasuperfamlia, Melo (1999) reconheceu, alm das abelhas, quatro grandes grupos de vespasem Apoidea: Heterogynaidae, Ampulicidae, Sphecidae s.str. e Crabronidae. Dentro deApoidea, o grupo mais prximo das abelhas (seu grupo-irmo) Crabronidae. De fato, asabelhas guardam muitas semelhanas morfolgicas e comportamentais com estas vespas, oque sugere um perodo relativamente longo de evoluo comum antes de sua divergncia.

    Os membros de Apoidea podem ser distinguidos de outras grupos de vespas aculeadaspelas seguintes caractersticas morfolgicas (Melo, 1999):

    a. Extenso do pronoto, atravs de um par de projees ltero-ventrais que circundamventralmente o trax, logo atrs das coxas anteriores. O pronoto apresenta-se firmemente en-caixado ao mesotrax, formando um anel sua frente, e tem sua poro dorso-posterior re-duzida, fazendo com que os lobos pronotais tornem-se mais individualizados do restante dopronoto. Alm disso, o pronoto apresenta um par de carenas internas, situadas em posiooblqua a cada lado, que normalmente so visveis externamente como um par de sulcos. Namaioria das abelhas, estas carenas encontram-se ausentes ou muito obsoletas, sendo mais de-senvolvidas apenas nos grupos basais.

    b. Prepecto completamente fundido ao mesepisterno. Nesse aspecto, os Apoidea asse-melham-se aos pompildeos. Nestes, porm, a sutura ainda bastante evidente, enquanto nosapideos a sutura encontra-se completamente obliterada.

    c. Fuso completa entre o meso e o metatrax ao longo da poro ventral do trax. Namaioria dos Apoidea, a sutura entre o meso e o metepisterno encontra-se completamenteobliterada ventralmente. Internamente, essa fuso corresponde perda do msculo unindo asfurcas meso e metatorcicas.

    d. Expanso pstero-medial do metaposnoto. Nas abelhas e na maioria dos Crabronidae,o metaposnoto forma um longo tringulo separando o propdeo em duas pores laterais.

    Vrias outras caractersticas morfolgicas (sinapomorfias), indicando a estreita relaoentre esfecdeos, crabrondeos e abelhas (p. ex. o sulco mesepisternal), ou apenas entre asabelhas e os crabrondeos (p. ex., a placa pigidial) so apresentadas em Melo (1999). Emtermos comportamentais, as abelhas assemelham-se s vespas apideas pelo fato de constru-rem um ninho que vo aprovisionar, onde vo ovipositar e onde suas larvas vo se desenvol-ver. Como entre as vespas, tambm as abelhas adultas se alimentam nas flores, principalmen-te de nctar.

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    Apesar de todas essas semelhanas, no h nenhuma razo para suspeitar que diferentesgrupos de abelhas possam ter evoludo independentemente a partir das vespas apideas. Existeampla evidncia de que as abelhas constituam um grupo monofiltico (ou seja, tenham se ori-ginado, todas, de uma nica espcie ancestral e reunam todas as espcies descendentes desteancestral). Michener (2000) faz uma listagem das principais sinapomorfias que comprovam amonofilia do grupo. Abaixo so apresentadas algumas delas, referentes morfologia externade adultos e ao comportamento:

    a. Consumo de plen por larvas e fmeas adultas. Em Hymenoptera, alm das abelhas,o uso de plen como alimento larval surgiu, independentemente, somente na linhagem ances-tral que deu origem aos Masarinae, uma subfamla de Vespidae, e em Krombeinictus nordenaeLeclercq, uma espcie de vespa crabrondea recentemente descoberta (Krombein & Norden1997). H evidncias de que tanto os Masarinae quanto as abelhas originaram-se aproxima-damente no mesmo perodo do Cretceo, porm, diferentemente dos Masarinae que contmapenas cerca de 300 espcies (Gess 1996), as abelhas representam uma das maiores radia-es dentro de Hymenoptera, com mais de 16.000 espcies descritas (Michener, 2000).

    b. Presena de plos ramificados, freqentemente plumosos. Tradicionalmente, essesplos tm sido considerados como adaptaes para a coleta de plen, por auxiliarem tanto nareteno, quanto na atrao eletrosttica dos gros de plen (p. ex., Thorp, 1979). Atualmen-te, entretanto, esta idia tem sido contestada (p. ex., Michener, 2000; Engel, 2001). Segundoestes autores, esses plos talvez tenham sido selecionados no ancestral das abelhas, por auxi-liarem a reteno de gua e, sendo normalmente claros, por refletirem a luz solar (mantendoa temperatura corporal do inseto mais baixa) e camuflarem as abelhas nos ambientesdesrticos onde elas possivelmente originaram-se (ver abaixo). Contudo, esta hiptese noexplicaria porque outros grupos de insetos vivendo em tais ambientes no teriam desenvolvi-do pilosidade plumosa.

    c. Basitarso posterior mais largo que os tarsmeros seguintes. O alargamento do basitarso mais acentuado nas fmeas de abelhas que transportam plen nas pernas posteriores. Al-guns grupos, principalmente as que transportam plen no papo e as cleptoparasitas obrigat-rias, apresentam o basitarso apenas um pouco mais largo que os outros tarsmeros.

    d. Presena da placa basitibial. Esta uma caracterstica presente em quase todas as abe-lhas que escavam ninhos no solo (principalmente nas fmeas). Embora seja uma caractersti-ca derivada que, certamente, surgiu no ancestral de todas as abelhas, ela foi perdida vriasvezes em diferentes grupos, mais notavelmente em muitos dos grupos de abelhascleptoparasitas.

    Vrios cenrios evolutivos tm sido apresentados para descrever as possveis etapasna diferenciao das abelhas a partir das vespas apideas. Michener (1944) comenta breve-mente que um exame dos vrios grupos atuais de vespas esfecideas sugere que as abelhasno teriam surgido a partir de nenhum deles. Malyshev (1968) props um cenrio que ga-nhou certa popularidade: as abelhas teriam se originado a partir de um ancestral comum comvespas da subfamlia Pemphredoninae (Crabronidae). A hiptese de Malyshev foi baseada nassupostas semelhanas entre os ninhos de vespas do gnero Psenulus e abelhas dos gnerosHylaeus e Colletes. Naquele grupo de vespas, as paredes dos ninhos so revestidas com se-crees glandulares que conferem um aspecto semelhante ao revestimento encontrado nos ni-nhos de Hylaeus e Colletes. Malyshev especulou, tambm, que o uso de afdeos como presapor Psenulus (e por outros Pemphredoninae) poderia ter facilitado a transio para uma dietade nctar e plen uma vez que estes insetos tem o corpo mole e cheio de lquidos aucara-dos. As semelhanas observadas por Malyshev so, contudo, superficiais: as secrees em-pregadas por Psenulus so derivadas de glndulas epidermais (Melo, 1997), ao passo queaquelas de Hylaeus derivam de uma mistura de produtos da glndula de Dufour e das gln-dulas salivares (Espelie et al., 1992). Alm disso, as anlises filogenticas conduzidas porMelo (1999) no corroboraram a hiptese de Malyshev, favorecendo a posio de Michener

    Captulo 3: Origem, Filogenia e Biogeografia

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    de que pouco seria aprendido sobre a evoluo inicial das abelhas a partir do estudo dos gru-pos atuais de vespas apideas.

    A origem da relao estreita entre abelhas e angiospermas tem tambm despertado bas-tante interesse. J foi sugerido vrias vezes que as abelhas talvez tenham se originado noJurssico, antes do surgimento das angiospermas. Neste caso, elas talvez coletassem o plende estruturas reprodutivas de outras plantas florferas, como as extintas Bennettitales, queantecederam as angiospermas. Dessa forma, as abelhas estariam pr-adaptadas aoforrageamento nas flores quando as angiospermas se diferenciaram e ter-se-am beneficiadograndemente desta nova fonte de alimentos, quando as plantas florferas tornaram-se domi-nantes no planeta. Estas hipteses, entretanto, no tm qualquer sustentao no registro fs-sil de Hymenoptera. Uma detalhada refutao das hipteses postulando uma origem anteriorao Cretceo para as abelhas pode ser encontrada em Engel (2001).

    A idia mais aceita que as abelhas tenham surgido aps a origem das angiospermas,h, no mximo, cerca de 125 milhes de anos, no final da primeira metade do Cretceo. Seesta hiptese correta, a primeira grande diversificao das abelhas teria ocorridoconcomitantemente grande radiao das plantas florferas, que se deu aproximadamente en-tre 130 e 90 milhes de anos de anos atrs (p.ex. Crane et al., 1995; Wing & Boucher, 1998).Uma importante evidncia disto a mais antiga abelha fssil conhecida Cretotrigona prisca(Michener & Grimaldi) cuja idade estimada em cerca de 65 milhes de anos (Grimaldi,1999). Cretotrigona um meliponineo tpico e, como os meliponineos so um dos grupos deabelhas mais derivados, presume-se que grande parte da diversidade morfolgica ecomportamental exibida pelas abelhas, hoje, j havia surgido ao final do Cretceo.

    A idia corrente que as abelhas teriam se diferenciado em uma regio com clima semi-rido temperado (Michener, 1979; Engel, 2001). Esses autores suportam esta hiptese combase nas seguintes constataes e hipteses auxiliares:

    a. As abelhas (e os Apoidea, em geral) so muito mais diversificadas em regies semi-desrticas temperadas do que em regies temperadas ou tropicais midas.

    b. As linhagens basais da maioria das famlias de abelhas so mais abundantes ediversificadas nesses ambientes. Engel (2001) sugere que, por isso, uma reconstruocladstica da preferncia por hbitats pelas abelhas provavelmente indicaria que o seu ances-tral tinha distribuio restrita a regies xricas.

    c. Considerando a hiptese de que as angiospermas tenham se originado e se restringi-do, nas fases iniciais de sua evoluo, s regies xricas no oeste do supercontinente deGondwana, esta seria, tambm, a regio onde as abelhas teriam se originado. Esta regiocorresponderia, atualmente, ao sul da Amrica do Sul, frica e pores da Antrtida. inte-ressante ressaltar, ento, que muitos dos grupos basais da maioria das famlias de abelhasapresentam sua maior abundncia e diversidade nos continentes ao sul do Equador, princi-palmente Amrica do Sul, sul da frica e Austrlia.

    Dois aspectos importantes precisam ser considerados com relao hiptese deMichener. Realmente, parece plausvel supor que as abelhas tenham se originado em uma re-gio temperada semi-rida. Porm, como assinalado por Melo (1999), os padres de distri-buio e diversidade observados para os grupos basais de abelhas no podem ser estendidosa todos os Apoidea. Apenas Crabronidae, dentro de Apoidea, apresenta padro semelhanteao das abelhas. Tal padro no evidente entre os Sphecidae s.str., o grupo irmo doscrabrondeos e abelhas, cujos grupos basais parecem ocorrer preferencialmente em ambien-tes msicos.

    Mas, ainda mais relevante, so as evidncias para o tipo de ambiente ocupado pelas pri-meiras angiospermas. Ao contrrio dos cenrios postulados por Axelrod & Raven (1974), emque tanto Michener (1979) quanto Engel (2001) se baseiam, as evidncias correntes apontampara o aparecimento das angiospermas em ambientes msicos das regies equatoriais do in-cio do Cretceo, seguido de uma gradual migrao em direo aos plos (Wing & Boucher,

    Captulo 3: Origem, Filogenia e Biogeografia

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    1998). Todos os grupos basais (p. ex., Qiu et al., 1999) de angiospermas viventes esto res-tritos a ambientes msicos das regies subtropicais e tropicais do mundo, o que constitui evi-dncia adicional contra hipteses que postulam uma origem em ambientes semi-ridos.

    Portanto, um cenrio mais refinado para a origem das abelhas seria que vespas apideas,vivendo em ambientes semi-ridos temperados, teriam abandonado o hbito predador e pas-sado a utilizar o plen de grupos mais derivados de angiospermas que, neste perodo, j ti-nham desenvolvido adaptaes que as permitiam ocupar regies com clima mais rido e frio.Toda a primeira radiao das abelhas ter-se-ia passado neste tipo de ambiente e, apenas maispara o fim do Cretceo, aps a diferenciao dos principais clados de abelhas, incluindo aque-las de lngua longa, que teria havido uma ocupao dos ambientes midos das regies equa-toriais. A presena de faunas de abelhas bastante distintas nas regies neotropical epaleotropical sugere uma ocupao independente destas regies a partir das faunas de reastemperadas e subtropicais de cada uma destas grandes regies.

    3.2. Filogenia e evoluo. Embora, j em 1944, Michener tenha proposto uma rvorefilogentica para as abelhas a partir de seus estudos de morfologia comparada, apenas recen-temente que as relaes entre os principais clados de abelhas (famlias, subfamlias e tribosda classificao de Michener) foram investigadas com a aplicao de mtodos modernos deanlise cladstica. Dois estudos, principalmente, trouxeram luz novas idias e apontaramuma srie de pontos cujo esclarecimento exige estudos mais aprofundados. Estes estudos soo de Roig-Alsina & Michener (1993), sobre as relaes entre as abelhas de lngua longa, e ode Alexander & Michener (1995), sobre as relaes entre as abelhas de lngua curta. Nessesegundo estudo, Alexander & Michener propuseram uma classificao para as abelhas em que9 famlias so reconhecidas: Colletidae, Stenotritidae, Andrenidae, Halictidae, Melittidaes.str., Dasypodaidae, Meganomiidae, Megachilidae e Apidae.

    Os principais resultados desses dois estudos, incluindo suas diversas implicaesclassificatrias, so resumidos abaixo, considerando-se cada uma das famlias de abelhas se-paradamente:

    a. Colletidae: embora apaream como um grupo monofiltico em algumas das hiptesesfilogenticas apresentadas por Alexander & Michener (1995), estas abelhas formam um gru-po bastante heterogneo e, talvez, artificial, principalmente por causa da posio ambgua deEuryglossinae. Contudo, alguns detalhes da morfologia da glossa fornecem suporte para amonofilia da famlia e para o posicionamento de Euryglossinae prximo a Hylaeinae eXeromelissinae. Internamente, a classificao atual em subfamlias permanece questionvel.Alexander & Michener foram conservadores com relao utilizao dos seus resultadosquando discutiram a classificao de Colletidae. A subfamlia Colletinae sensu Alexander &Michener parece ser a mais problemtica. Como no h evidncias para uma estreita relaoentre Colletini (isto , Colletes e formas proximamente relacionadas) e os Paracolletini, deci-dimos ento elevar estes dois txons a subfamlias para acentuar a distino entre eles. Omesmo deveria ser feito com o gnero Scrapter, um grupo restrito ao sul da frica, tradicio-nalmente colocado dentro de Paracolletini sensu Michener que, claramente, parece mais re-lacionado aos Hylaeinae e Xeromelissinae.

    b. Stenotritidae: a posio deste txon mostrou-se bastante instvel nas anlisesfilogenticas de Alexander & Michener, o que levou estes autores a classific-lo como umgrupo parte. Este pequeno grupo, contendo apenas dois gneros restritos Austrlia, temsido tradicionalmente considerado como parte de Colletidae (p.ex. Michener 1944). Algumascaractersticas, como a presena de duas suturas subantenais, sugerem uma possvel relaomais prxima com os Andrenidae, um arranjo encontrado em muitas das anlises de Alexander& Michener, em particular naquelas baseadas nos planos bsicos das famlias, ondeStenotritidae aparece dentro de Andrenidae, como grupo-irmo de Oxaeinae.

    c. Andrenidae: de acordo com as anlises de Alexander & Michener, trata-se de um gru-po monofiltico, desde que Oxaeinae, um grupo por muito tempo tratado como uma famlia

    Captulo 3: Origem, Filogenia e Biogeografia

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    parte, seja tambm includo. Como comentado acima, Stenotritidae talvez devesse ser tam-bm includa aqui.

    d. Halictidae: as anlises confirmaram a monofilia desta famlia que, de certo modo, jera considerada bem estabelecida.

    e. Melittidae s.str., Dasypodaidae, Meganomiidae: estas trs famlias tinham sido, atento, tratadas como um nico grupo, Melittidae s. lato. Apesar de possurem lngua curta,vrias outras caractersticas morfolgicas apontam sua relao estreita com as abelhas de ln-gua longa (Megachilidae e Apidae) e, de fato, nas anlises de Alexander & Michener (1995),estes grupos formaram um grado na base do ramo das abelhas de lngua longa, o que os le-vou a colocar cada um dos subgrupos em uma famlia parte. Mais recentemente, Michener(2000) voltou atrs, por achar prematura a adoo de um nmero elevado de famlias paraum grupo to pequeno, e passou novamente a adotar uma classificao em que estes trs gru-pos aparecem subordinados a Melittidae s. lato.

    f. Megachilidae: a composio desta famlia foi pouco alterada com as anlises de Roig-Alsina & Michener, exceto por fornecer ampla evidncia para a incluso de Fideliinae, atento tratada como uma famlia parte, como o grupo mais basal de Megachilidae s. lato.

    g. Apidae: at pouco tempo considerada como contendo apenas as abelhas corbiculadas(isto , a tribo Apini deste livro), o escopo de Apidae foi bastante alterado pelas anlises deRoig-Alsina & Michener. Na verdade, as anlises revelaram, com poucas excees, um ar-ranjo muito semelhante ao proposto por Michener (1944). Anthophoridae, por muito temporeconhecida como um grupo parte, foi novamente subordinada a Apidae. A triboCtenoplectrini, anteriormente tratada como parte de Melittidae ou um grupo isolado(Ctenoplectridae) por causa de sua lngua curta, foi corretamente reconhecida por Roig-Alsina & Michener como parte de Apidae.

    Como exposto acima, as investigaes conduzidas por Roig-Alsina & Michener eAlexander & Michener permitiram uma ampla reavaliao da classificao dos grandes gru-pos de abelhas, bem como a proposio, em bases mais seguras, de txons com composiomais natural. Por outro lado, as anlises de Alexander & Michener, de maneira geral, contri-buram pouco para resolver as relaes filogenticas entre as principais linhagens de abelhas.Conseqentemente, uma discusso mais aprofundada e menos especulativa dos padres deevoluo e diversificao das abelhas fica comprometida pela baixa resoluo obtida por elese algumas das hipteses relacionadas diversificao das abelhas no podem ser adequada-mente avaliadas.

    Este