13
Trata-se de recentes projetos em espaços públicos em áreas degradadas da região central de São Paulo. Dentre as políticas públicas municipais atuantes na área destaca-se o Programa Morar no Centro, que tem por premissa o trabalho conjunto entre habitação e espaços públicos. Nele opera-se com Perímetros de Reabilitação Integrada do Habitat circunscrevendo áreas críticas com habitação precária e ausência ou escassez de espaços comuns e coletivos. A consecução deste Programa tem contado com a colaboração do Laboratório Paisagem, Arte e Cultura, da Universidade de São Paulo. Este Laboratório tem como diretriz metodológica a associação entre pesquisa qualitativa e trabalho participativo. Associadas ao relato da experiência em dois Perímetros, Luz e Glicério, discutem-se questões envolvendo práticas, tensões e negociações atualmente enfrentadas por esta metrópole em relação aos seus espaços públicos. OPENNING SPACES IN THE METROPOLIS Projects for publics spaces in Sao Paulo City Center This paper focuses on recent urban projects for public spaces found in degraded quarters of São Paulo downtown. Among municipal actions for such places there is the Morar no Centro Program (2002), that is based on a comprehensive approach which encompasses both housing and public spaces. It is developed taking into account the delimitation of sectors called Habitat’s Integrated Rehabilitation Perimeters, which include critical areas with precarious dwellings and lack of collective spaces for leisure and social interaction. Its implementa- tion has been accomplished with the cooperation of Landscape, Art and Culture Laboratory, from the University of São Paulo. The Laboratory methodological guideline involves qualitative research and participatory work. In dealing with the experience generated in two of those Perimeters, this paper also approaches issues involving practices, conflicts and negotiations that are presently handled by this metropolis in relation to its public spaces. ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços públicos no Centro de Sao Paulo Vladimir Bartalini, Catharina Pinheiro C. S. Lima, Vera Pallamin Professores Doutores da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo Universidade de Sao Paulo, Brasil

ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

  • Upload
    others

  • View
    7

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

Trata-se de recentes projetos em espaços públicos em áreas degradadas da região central de São Paulo. Dentreas políticas públicas municipais atuantes na área destaca-se o Programa Morar no Centro, que tem por premissao trabalho conjunto entre habitação e espaços públicos. Nele opera-se com Perímetros de Reabilitação Integradado Habitat circunscrevendo áreas críticas com habitação precária e ausência ou escassez de espaços comuns ecoletivos. A consecução deste Programa tem contado com a colaboração do Laboratório Paisagem, Arte eCultura, da Universidade de São Paulo. Este Laboratório tem como diretriz metodológica a associação entrepesquisa qualitativa e trabalho participativo. Associadas ao relato da experiência em dois Perímetros, Luz eGlicério, discutem-se questões envolvendo práticas, tensões e negociações atualmente enfrentadas por estametrópole em relação aos seus espaços públicos.

OPENNING SPACES IN THE METROPOLISProjects for publics spaces in Sao Paulo City CenterThis paper focuses on recent urban projects for public spaces found in degraded quarters of São Paulodowntown. Among municipal actions for such places there is the Morar no Centro Program (2002), that is basedon a comprehensive approach which encompasses both housing and public spaces. It is developed taking intoaccount the delimitation of sectors called Habitat’s Integrated Rehabilitation Perimeters, which include criticalareas with precarious dwellings and lack of collective spaces for leisure and social interaction. Its implementa-tion has been accomplished with the cooperation of Landscape, Art and Culture Laboratory, from the Universityof São Paulo. The Laboratory methodological guideline involves qualitative research and participatory work. Indealing with the experience generated in two of those Perimeters, this paper also approaches issues involvingpractices, conflicts and negotiations that are presently handled by this metropolis in relation to its public spaces.

ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLEProjetos para espaços públicos no Centro de Sao Paulo

Vladimir Bartalini, Catharina Pinheiro C. S. Lima, Vera PallaminProfessores Doutores da Faculdade de Arquitectura e Urbanismo

Universidade de Sao Paulo, Brasil

Page 2: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

Introduction

O PROCESSO BRASILEIRO DE REDEMOCRATIZAÇÃO QUE

ocorreu durante os anos 1908’s, após mais de duasdécadas de regime militar (1964-1985), possibilitou aelaboração de uma nova Constituição (1988) que,entre outros avanços, atribuiu maior poder aosgovernos locais, visando dotá-los de instrumentosmais eficientes para a realização de políticas públicasde interesse social. Nesta Constituição foram incor-poradas emendas populares voltadas especificamentepara a questão da moradia popular, compreendendo-se-a sob o princípio da inclusão urbana, de modointegrado a transportes, serviços, equipamentoscoletivos e espaços públicos.

Esta premissa significou um enorme avanço emrelação às políticas habitacionais anteriores, sobre-tudo aquelas implementadas a partir do períodomilitar. Naquele momento, o governo federalobjetivou a construção de moradias em massa,promovendo o setor da construção civil comopropulsor de setores econômicos e financeiros,além de fonte de geração de empregos.1 Por meio doBanco Nacional da Habitação (BNH, 1964-1986),financiou a construção de vários conjuntos habita-cionais, muitos deles transformados em verdadeirosdesastres do ponto de vista social e ambiental. Estesempreendimentos consistiram na construção decentenas de unidades habitacionais sempre iguais,precárias e implantadas uniformemente em grandesterrenos, distantes da cidade e desprovidos de servi-ços e infra-estrutura, conformando guetos urbanos.Para essa política habitacional, a quantidadesempre foi privilegiada em detrimento da quali-dade. Os sítios de implantação eram desconsidera-dos em termos geográficos e topográficos: eramreduzidos a superfícies terraplenadas e esquadrin-hadas por uma malha ortogonal que servia de baseà locação das casas. Nesta vertente, a moradia de

baixa renda era concebida isoladamente em relaçãoà cidade.

Aos resultados desta incisiva disjunção entremoradia popular e tecido urbano somaram-se, nesteperíodo, os problemas agravados pela aceleração doprocesso de urbanização que se estabeleceu no país,em meio a uma situação de crise econômica, inflaçãoe depressão.2 A partir dos anos 1970s, a maioria dapopulação brasileira passou a viver em áreas urbanas,num movimento que se acentuou progressivamente,chegando hoje a mais de 90% do seu conjunto de 152milhões de brasileiros. Deste montante, certa de 60%encontra-se em 28 áreas metropolitanas, das quaisSão Paulo é a maior delas, com 17,9 milhões dehabitantes.

Neste processo, a extensão da mancha urbana deSão Paulo associou-se diretamente ao aumento dasfavelas e do binômio loteamento clandestino e auto-construção, isto é, habitações erigidas pelos morado-res, em lugares não legalizados, sem infra-estrutura efora do mercado imobiliário formal (cidade ilegal).Esta metrópole, caracterizada por um padrãoambiental agressivo, apresenta hoje a maior concen-tração de pobres do país, em sua maioria residenteem suas regiões periféricas, embora grupos menorestambém ocupem certas áreas do seu CentroExpandido — região que abrange o Centro Históricoe bairros adjacentes — alojando-se em sub-habita-ções e cortiços.

Em São Paulo, estas transformações urbanasocorreram em meio a um movimento de desindustria-lização e acentuado desenvolvimento do setor terciá-rio, iniciado nos anos setenta e consolidado nasdécadas seguintes. Seu Centro Histórico, numatendência esboçada já nos anos sessenta, sofreu umsério processo de degradação urbana, concomitante-mente à valorização imobiliária de outros eixos dacidade, para os quais transferiram-se sedes de empre-sas e bancos. Além da perda de parte de sua popula-ção residente — que chegou a cerca de 11% nos anos

26 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

1 A produção em massa foi associada à via tradicional de construção e não à sua industrialização (que absorveria menorescontingentes de mão de obra).

2 A depressão econômica que atingiu o Brasil nos anos setenta — para a qual também colaborou a crise internacional dopetróleo — tornou-se ainda mais grave nos anos oitenta, que são considerados por teóricos brasileiros como a décadaperdida. Um lento e instável movimento de recuperação passou a ser esboçado quando da passagem do século, porémcom índices ainda intimidados por uma possível retomada da inflação.

Page 3: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

oitenta — vários edifícios da região central tornaram-se vacantes ou sub-utilizados, num quadro em expan-são até o final da década de 1990, quando atingiuíndices da ordem de 30%.

Este período marca, para esta metrópole, umagravamento das desigualdades sociais, segregaçãoespacial e violência urbana. Parques, praças e áreaslivres passaram a ser sistematicamente cercados,proliferando-se os condomínios fechados, bolsõesresidenciais de acesso restrito e áreas de uso exclu-sivo. Frente a um processo histórico em que o acessoao mercado habitacional tem sido muito restrito esem linhas de financiamento para baixa renda, tem-selegado à maioria da população apenas saídas ilegais.Em São Paulo, nas últimas duas décadas, metade dasmoradias foi produzida fora da lei (Maricato, 2000).

A contrapelo deste processo, movimentos popula-res reivindicando melhorias das condições de vidaurbana passaram a ocorrer de modo significativo nametrópole a partir dos anos setenta, lutando pormoradia, água e saúde. Sua organização fortaleceu-senos anos seguintes, encontrando ressonância numclima político então voltado para a retomada dademocracia e fim da ditadura militar. Nessemomento, assessorias técnicas passaram a trabalharjunto aos movimentos de moradia, contribuindo paraa discussão e experimentação de novas formas deprojeto participativo. Este trabalho foi diretamenteincorporado pela primeira gestão municipal doPartido dos Trabalhadores, entre 1989-1992, abrindoespaços de ação política e implementando novosparadigmas para a questão da moradia, comoautogestão de mutirões e responsabilidade local.

Estes referenciais, naquele momento, estavam emconsonância com os novos termos da recém aprovadaConstituição Federal (1988), que consistiu numavanço parra a implementação de políticas deinteresse social. Nela incorporou-se o princípio dafunção social da propriedade urbana, o qual foiregulamentado por uma lei federal, em 2001, intitu-lada Estatuto da Cidade. A aprovação desta leicoincidiu com a chegada ao poder de governos mais

comprometidos com questões sociais urbanas, do queresultaram políticas de intervenção em áreas carentesda cidade, em sintonia com as reivindicações dosmovimentos sociais por moradia.

Em relação aos anos sessenta e setenta, uma dasmudanças mais patentes no trato político com ahabitação de baixa renda refere-se à proposta deurbanização de favelas, que tornou-se agora predo-minante, superando o antigo modelo de construçãode grandes conjuntos habitacionais isolados dacidade. A partir de 2003, com a criação do Ministériodas Cidades, novos rumos têm sido tomados emrelação à política nacional de habitação, que incluemo objetivo de ampliar o acesso ao financiamento paracamadas mais pobres, com subsídios escalonados,incentivos e um complexo de medidas fundiárias elegais, de modo a viabilizar o produto do solo urbani-zado a setores mais amplos. Defende-se a considera-ção da moradia de modo integrado à cidade, aosserviços urbanos, transportes e espaços públicos.

Na região central de São Paulo, que tem pornúcleo o Centro Histórico e seu patrimônio arquite-tônico, uma série de intervenções têm sido executadasno sentido de reverter seu processo de degradaçãoambiental, esvaziamento econômico e perda deprestígio urbano. Embora seja uma região bemacessível, dotada de infra-estrutura e seus distritosrespondam por cerca de 28,8% dos empregosformais do município, boa parte da população aíresidente possui baixos rendimentos, habitando emcondições precárias: nestas áreas concentra-se cercade 20% da população encortiçada da metrópole,além de moradores de rua.3

O Programa Morar no Centro (2002), uma dasiniciativas da administração municipal destinadas àrequalificação da área, tem por objetivo não sómelhorar as condições de vida dos seus moradores,como também atrair novos residentes. Consiste emuma intervenção de longa duração e de amplo espec-tro, atuando em 13 distritos, com resultados espera-dos a médio prazo. Trabalha com habitação deinteresse social englobando cinco modalidades de

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

27Abrindo espaço na metropole

3 Em levantamento feito pela fundação Instituto Pesquisas Econômicas (FIPE), em 2000, 50% dos moradores de rua deSão Paulo (cerca de 4.600 pessoas) espalham-se pelas ruas e albergues da região. In: Programa Morar no Centro –Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento, 2002.

Page 4: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

ação: locação social, arrendamento residencial, cartasde crédito, moradia transitória e sub-programa decortiços. A implementação destas modalidades podeter por alvo terrenos ou edifícios isolados — a seremreciclados visando adaptá-los para moradia — ou serdirecionada para certas áreas criteriosamente delimi-tadas, chamadas Perímetros de ReabilitaçãoIntegrada do Habitat (PRIHs). A palavra habitat,definida como lugar da vida, envolve a existência e anecessidade de um espaço que vai além do planoindividual ou familiar, estendendo-se à vida associa-tiva, à esfera pública. Seu significado relaciona-secom a noção de um lugar em que se vive de um modointegrado.

Cada PRIH compreende um conjunto específicode quarteirões caracterizados por alta concentraçãode moradias precárias, escassez ou aus~encia deespaços públicos e rarefeitos equipamentos coletivos.Durante a fase inicial de implantação deste programaforam definidos pela Prefeitura seis Perímetros deintervenção, os quais foram classificados comoZonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), No PlanoDiretor Estratégico de São Paulo. As ZEIS são desti-nadas, prioritariamente, à recuperação urbanística, àregularização fundiária e à produção de habitaçõesde interesse social, à recuperação de imóveis degrada-dos e à provisão de equipamentos sociais e culturais,espaços públicos, serviço e comércio de caráter local.4

Projetos de espaços públicos / labparc

A proposição básica do trabalho desenvolvido peloLABPARC nos Perímetros em que foi chamado aatuar — Luz e Glicério — é que as intervenções sobreos espaços públicos sejam substanciais e não apenasacessórias ou paliativas, mesmo que a ausência depropostas de grande vulto leve a crer o contrário.

De fato, as intervenções sugeridas limitam-sedeliberadamente às situações espaciais em que severificam condições de ação imediata ou a curtoprazo. Mas antes de ser um fator limitante esta é umacondição de grande importância para atingir o princi-pal alvo do trabalho que é favorecer o envolvimento

das pessoas que moram, trabalham, estudam, enfim,que vivem nestes Perímetros, com o espaço coletivo,com a dimensão do bem público. Não é, portanto,necessário que a ação seja fisicamente grandiosa,basta que seja significativa no âmbito do lugar, isto é,que provoque o interesse e promova a identificaçãodas pessoas para com o espaço de intervenção e queseus efeitos sejam duradouros graças à experiência dofazer coletivo, ainda que este coletivo esteja impreg-nado de contradições e divergências.

É intrínseca à atuação do LABPARC trabalhar emprol da qualidade e significado urbano do projeto dosespaços públicos em que intervém. Procura, para isto,estimular a participação dos moradores e demaisfreqüentadores dos Perímetros nas decisões não só doprograma, mas também do partido formal de seusprojetos. Esta conduta se desenvolve num terrenoinstável, exigindo a constante revisão e proposição deprocedimentos metodológicos de modo a balancearentre as necessidades, desejos e percepções dosmoradores e o ponto de vista profissional.

Operar de um modo próximo aos que vivemnestes Perímetros é, pois, um princípio norteador dotrabalho deste Laboratório. Nem sempre, no entanto,as oportunidades de intervenção se oferecem aberta-mente, seja pela inexistência ou exigüidade dosespaços públicos, seja porque os próprios moradoresnão manifestam interesse quanto a estes espaços, atémesmo por não identificá-los como públicos e nãoreconhecer neles as oportunidades que se abrem à suaefetiva apropriação.

Perímetro de Reabilitação Integrada doHabitat na região da Luz (PRIH-Luz)

O bairro da Luz é relativamente antigo. Hojepertence à área central da cidade, no entanto, naépoca em que as primeiras construções foram ergui-das nesta região, no final do século XVIII, ele ocupavauma posição periférica, abrigando funções comojardim botânico, quartel de polícia, seminário dereligiosos. Mais tarde ali instalou-se a estação daestrada de ferro, o que fez crescer o fluxo entre a Luz

28 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

4 Plano Diretor Estratégico de São Paulo, ART. 51 (2002)

Page 5: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

e o centro da cidade. A partir de então a urbanizaçãose processou rapidamente. Dado o vínculo estreitoentre industrialização e estrada de ferro, construíram-se ali vários conjuntos de casas para operários, alémde armazéns e galpões industriais. Para as proximida-des da Luz também foi atraído o comércio especiali-zado e mais popular — ferragens, produtos agrope-cuários e também trajes para casamentos — resul-tando nas feições que hoje o bairro apresenta.

Devido sua proximidade ao centro, o PRIH-Luzconta com boa rede de infra-estrutura, sobretudo detransportes. Mas a presença da estrada de ferro e delargas vias de tráfego intenso e pesado, a existência defunções industriais, a concentração de população debaixa renda e as características gerais do comércio

não o tornaram atraente para os investidores imobi-liários. Como resultado, a área não recebe há muitotempo investimentos nem do setor público (comexceção do metrô) nem do privado. Tornou-se umbolsão pobre no centro da cidade, com grande partedas habitações transformadas em cortiços com péssi-mas condições de habitabilidade. Não possui equipa-mentos suficientes para atender às necessidadescotidianas de seus moradores e muito menos espaçoslivres públicos adequados ao lazer e ao encontro dapopulação.

Em todo o Perímetro, que se estende entre a Av.Tiradentes, R. João Teodoro, Av. do Estado e aEstrada de Ferro RFFSA (28 hectares), há apenasuma pequena área — no.8 no mapa — de mais ou

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

29Abrindo espaço na metropole

Page 6: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

menos 1.000 m2, destinada ao uso coletivo para ativi-dades ao ar livre, ou seja, pouco mais de 0,35% dototal. Não bastasse a dimensão ínfima, esta área estáencravada num conjunto de casas construídas nocomeço do século XX, denominado VilaEconomizadora, que se constitui num espaço dotadode certa autonomia em relação ao restante doPerímetro. Na prática, ela “pertence” aos moradoresda Vila Economizadora, o que faz com que todos osdemais não disponham, no seu cotidiano, de áreaslivres públicas apropriadas ao encontro ou ao lazerde um modo geral.

Por ser anterior à decretação das leis que obrigamos empreendedores imobiliários a reservar umaporcentagem do terreno loteado para áreas verdes einstitucionais, o Perímetro em questão, excetuado ocaso acima citado, não possui uma praça sequer. Porser um bairro popular, os lotes são de pequenasdimensões e ocupados em quase sua totalidade, nãorestando praticamente nenhum espaço livre dentrodeles. Enfim, pela transformação do uso do solo que,entre outras coisas, fez os imóveis antes de uso indus-trial passarem a abrigar funções de baixa vitalidade(como estacionamentos voltados a um comércio nãodiretamente ligado às necessidades dos moradores),são raras as expressões de vida coletiva e pública noPRIH-Luz.

De fato, não se percebe de um modo explícito ouso do espaço público para fins de encontro ou delazer. Foi necessário também um esforço especial paradetectar áreas onde eventualmente tal uso pudesse terlugar. Os espaços que se mostraram mais própriospara isto foram trechos de ruas sem saída, conseqüên-cias do bloqueio imposto pela estrada de ferro. Porum lado, apresentam a vantagem de estarem livres dacirculação de veículos de passagem; por outro adesvantagem de serem áreas esquecidas, desprezadas.No entanto, devidamente equipadas, poderiam serapropriadas pela população moradora.

São três as ruas nestas condições: No.s 5, 6 e 7.Uma delas, a Djalma Dutra — no.5 — despertoumaior interesse por ali convergirem algumas condi-ções favoráveis: predominância de uso residencial,em casas típicas das primeiras décadas do século XX,ainda em bom estado de conservação, e ocorrência deinstituições que atendem aos moradores, como crechee igreja. Propôs-se ali uma área de lazer para crianças,

com brinquedos especialmente projetados, bem comomesas e bancos que pudessem atrair pessoas de diver-sas idades. A hipótese de sua transformação emespaço de lazer foi trabalhada com os moradores, pormeio de oficinas, onde buscou-se atingir uma maiornúmero de pessoas a fim de identificar desejos enecessidades com relação ao espaço a ser proposto.Depois de elaborado o projeto, este foi apresentadoem uma reunião aberta na qual compareceram, alémdos moradores anteriormente envolvidos, outros quenão haviam participado do processo. Nessa ocasião,estabeleceu-se um conflito aberto entre essas duaspartes: de um lado, as pessoas já engajadas no projetoe que demandavam tão somente a inclusão de algunsajustes a este; do outro, um pequeno grupo nitida-mente interessado em inviabilizar o processo, namedida em que manifestava uma recusa em dialogarsobre os temas envolvidos. Os arquitetos doLABPARC e da Prefeitura empenharam-se, a partirde então, na mediação entre as partes, propondoestabelecer, na negociação, pontos convergentes edivergentes, objetivando uma conciliação entre osinteresses conflitantes e estimulando ambas as partesà cessão de algumas convicções. Não foi possívelchegar a um acordo uma vez que o referido pequenogrupo sequer queria negociar; a rigor, na sua percep-ção, as melhorias propostas (sobretudo brinquedos emobiliário urbano) “atrairiam população de rua e decortiços causando problemas”, numa postura revela-dora de arraigados preconceitos e micro-poderes queorientam as ações de alguns moradores da região, osquais, no cotidiano, já convivem com essas camadasda população (há um albergue e vários cortiços naprópria rua).

Uma vez que não foi possível estabelecer umdiálogo edificante, optou-se, subseqüentemente, poruma consulta popular atingindo, indistintamente, atodos os moradores daquela rua. Em síntese — combase nos dados de projeto — indagou-se à populaçãosobre quais propostas gostariam que permanecesseme quais deveriam ser descartadas. O resultado foiamplamente satisfatório e sugeriu poucos ajustes aoprojeto. Constatou-se então que aquelas pessoas quemanifestaram amplas divergências não se configura-vam como um grupo que pensava diferente e podiacontribuir com aspectos não antes detectados, mascomo pessoas inflexíveis que se recusavam a enfren-

30 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

Page 7: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

tar mudanças, não possuindo uma visão coletiva dosprocessos em curso nem acreditando numa visãomais democrática de cidade. Esta negociação culmi-nou com a apresentação aos moradores da RuaDjalma Dutra dos resultados da consulta popular. Onível de satisfação no que se refere à condução detodo o processo foi bastante alto e nessa reuniãoaberta, que realizou-se no meio da referida rua, foicriado um mini-conselho gestor que mostrou-sebastante motivado e comprometido com as questõesdo lugar.

Uma outra situação a ser destacada refere-se aopequeno parque situado na Vila Economizadora — no.8 —, que também foi alvo de um trabalhoconjunto com a população do entorno. Para tratardeste espaço realizou-se uma “oficina” (workshop)com os moradores da Vila. O objetivo desta“oficina” era captar os problemas específicos daqueleespaço e as aspirações da vizinhança quanto a ele, demodo a fornecer subsídios para uma intervençãoimediata da municipalidade no local. O LABPARC,juntamente com o Escritório Antena5 e com o CentroGaspar Garcia de Direitos Humanos, participou dapreparação e do desenvolvimento deste encontropropondo e acompanhando as atividades dos partici-pantes, que eram em torno de quarenta pessoas eincluíam adultos, adolescentes e crianças de ambos ossexos.

Cada um dos participantes recebeu uma folha depapel com a planta do “parquinho” e sobre elaexpressaram individualmente, num primeiromomento, através de desenhos, as suas expectativas.Em seguida, formaram-se pequenos grupos em que,de início, cada participante expunha suas propostas.Uma vez colocadas as contribuições individuaispartiu-se para a formulação de uma proposiçãoconjunta. Neste momento emergiram alguns proble-mas concretos, tanto relativos à administração doespaço quanto às visões divergentes entre os morado-res, e também entre estes e o poder público. Asentidades envolvidas (LABPARC, Escritório Antena eCentro Gaspar Garcia) atuaram como mediadorasjunto aos moradores, buscando compatibilizar asdiferentes demandas e ajustá-las às realidades

orçamentárias, discutindo alternativas para viabilizaras propostas.

No referente à gestão do espaço, surgiramposições antagônicas: de um lado os moradores, quequeriam um espaço com acesso controlado, ou seja,cercado e com portão de entrada, alegando proble-mas de segurança, que realmente existem. Do outrolado, do ponto de vista institucional, ou seja, o daadministração pública local (Sub-Prefeitura), quearcaria com a construção da obra e talvez com aadministração do espaço, não era lícito utilizarverbas públicas para implantar e administrar umespaço cercado, que seria apropriado por um númerorestrito de munícipes (os moradores da VilaEconomizadora). O argumento de que os parquespúblicos municipais também são cercados, sujeitos ahorários de abertura e fechamento e nem por issodeixam de ser públicos, esbarrava com outroargumento por parte da Sub-Prefeitura: não haviarecursos financeiros para manter um funcionário nolocal todos os dias para abrir e fechar o “parquinho”e vigiá-lo. A solução que se apresentava era entregara gestão da área aos moradores, o que levantou novasquestões: quem faria isto? Quem teria tempo e dispo-sição para fazê-lo? A Prefeitura consideraria o“parquinho” um espaço público para efeito demanutenção, uma vez que a área teria uma apropria-ção restrita? O caso está ainda em processo, mas oque ocorreu até o momento já é bastante positivo namedida em que o projeto desta área de lazer motivouas pessoas a participarem dos destinos de um espaçopúblico no seu bairro e a discutirem formas deorganização para administrá-lo.

Outro exemplo significativo, envolvendo não osmoradores, mas os comerciantes do bairro, é o da ruaSão Caetano – no.3. Esta rua, conhecida como a“Rua das Noivas”, concentra um grande número delojas que vendem trajes de casamento. Trata-se de umcomércio tradicional, voltado às camadas médias oumédias-baixas da população. Por isso, e por estarlocalizado numa área não muito prestigiada dacidade, ele não gera lucros suficientes para que oscomerciantes custeiem por conta própria o processode requalificação da paisagem da rua.

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

31Abrindo espaço na metropole

5 Programa Morar no Centro, 2002.

Page 8: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

Inicialmente optou-se, entre os espaços públicos aserem tratados no PRIH-Luz, por trabalhar oprimeiro quarteirão da rua, justamente o de maiorexposição pública. Para ele estaria reservada umaverba dentro de um empréstimo que a Prefeituranegociou com o Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID). Como não havia umaassociação dos comerciantes organizada e atuante, oprojeto não contou, para a sua elaboração, com aparticipação dos eventuais interessados. Ainda assimfoi apresentado à comunidade do PRIH-Luz, junta-mente com os demais projetos. Tratava-se de umsimples alargamento das calçadas, com a conseqüentedesativação de faixas de estacionamento ao longo domeio fio, numa extensão de aproximadamente 60metros. Isto permitiria a arborização dos passeios e acolocação de bancos, lixeiras, telefones públicos, etc.

A apresentação desta proposta foi suficiente paraque os comerciantes passassem a se preocupar com asua rua. Em pouco tempo reativaram sua associaçãoe passaram a comandar um processo com o objetivode estender a requalificação para toda a via.Começaram a participar ativamente das reuniões emque se discutiam as questões gerais do PRIH-Luz eacertaram com a prefeitura a elaboração de umestudo preliminar de tratamento da rua, efetuadopelo LABPARC. Para a elaboração deste estudo preli-minar foram realizadas várias reuniões com os lojis-tas. De início levantaram-se suas necessidades easpirações. Pretendiam valorizar os imóveis comalgum interesse arquitetônico, melhorar as condiçõesda pavimentação das calçadas, arborizar e equipar arua com mobiliário que desse conforto aos pedestres.Ocorre que as calçadas são estreitas e congestionadaspela presença de muitos objetos dispostos sem crité-rio: vasos para plantas, postes que suportam diversostipos de placas e a fiação elétrica, etc. Para atender àssolicitações era necessário “criar” espaço e a possibi-lidade que se apresentava era a de avançar sobre oleito carroçável, eliminando algumas vagas deestacionamento, repetindo-se, com um determinadoritmo, a solução proposta para o trecho inicial darua. Haveria então, a cada 60 ou 70m, aproximada-mente, o estreitamento da pista e o conseqüentealargamento das calçadas proporcionando as condi-ções para implantar nestes “núcleos verdes” os itensdemandados: árvores, bancos, lixeiras, telefones, etc.

De início, esta proposta dividiu as opiniões doslojistas: alguns consideravam vantajoso que suaslojas abrissem para estes “núcleos verdes”; outrosachavam que seriam prejudicados pela eliminaçãodas vagas de estacionamento em frente às suas lojas.Embora presentes, não foi necessário que os técnicosentrassem na discussão, pois os próprios comercian-tes favoráveis à idéia argumentaram com seus paressobre as vantagens que todos poderiam ter com amelhoria da paisagem da rua. Conseguiu-se assim aadesão da quase totalidade dos comerciantes para areforma das calçadas, condição necessária para oslojistas poderem usufruir de um outro programa daPrefeitura, denominado “Ruas Comerciais”, em queesta contrata e administra os projetos, sendo a execu-ção parcialmente rateada entre os comerciantes.Foram, em seguida, realizadas reuniões com técnicosda Prefeitura para compatibilizar a proposta com asexigências relativas às redes de infra-estrutura, àacessibilidade de pessoas portadoras de deficiências eao tráfego e estacionamento de veículos. Finalmente,no início deste ano, foi assinado um contrato entre aassociação dos comerciantes e a prefeitura para aexecução do projeto.

Perímetro de Reabilitação Integrada do Habitat naregião do Glicério (PRIH-Glicério)

O PRIH-Glicério está demarcado numa região cujaurbanização data do início do século XX. Sua ocupa-ção foi evitada até aquele momento por se tratar deárea sujeita às inundações do rio Tamanduateí. Poresta peculiaridade sempre foi uma área popular, comhabitações para operários, mas sem indústrias, poisnão contava com estrada de ferro. A zona de contatocom o centro passou a se verticalizar em meados doséculo XX de modo que hoje encontram-se noPerímetro tanto pequenos conjuntos de casas popula-res como edifícios de apartamentos, ambos com altoíndice de encortiçamento. Como a Luz, por se tratarde bairro antigo, o Glicério é carente de espaçospúblicos abertos — praças e parques — para atenderàs necessidades de lazer e encontro da população.Pesa sobre a região o agravante de ter sido cortadapor vias elevadas de tráfego expresso, que prejudica-ram ainda mais as condições de vida do bairro. Sob

32 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

Page 9: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

33Abrindo espaço na metropole

Page 10: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

os viadutos se abrigam pessoas sem teto, o que tornaesses lugares ainda mais segregados. Sendo áreaadjacente ao centro, portanto muito próxima dosescritórios e do comércio, concentram-se ali muitoscatadores de papel e de lixo reciclável, cuja triagem eestocagem se faz, em regra, sob os viadutos, ou entãoem imóveis bastante deteriorados.

Por tudo isso, encontrar sinais de vida pública noGlicério foi ainda mais difícil que na região da Luz.As intervenções parecem ser necessárias mais peloalto grau de degradação do espaço do que por umademanda explícita dos moradores. Neste caso, otrabalho com a população do Perímetro não sebaseou, logo de início, na discussão de propostas deintervenção. Buscou-se antes conhecer os valores queos moradores do Glicério atribuem ao espaço públicoe, ainda, as práticas de espaço6 que ali ocorrem. Paraisto optou-se por realizar uma pesquisa qualitativa,que se efetivou por meio de quatro oficinas, cada umacom a participação de um número pequeno depessoas (em torno de seis), de modo que todos pudes-sem se expressar à vontade, seja verbalmente, seja pormeio de desenhos ou de maquetes. Eram todosresidentes no bairro; uns moravam em casas normais,outros em cortiços ou pensões (hotéis muito baratos),outros em albergues.

Os relatos verbais foram os mais ricos em infor-mação. Eles não revelaram propriamente as “práticasde espaço” que estávamos interessados em conhecer,mas sim as dificuldades daquelas pessoas em assumiro espaço público (que neste Perímetro se limita prati-camente às ruas). Evitam-no pois o consideraminseguro e palco de violência. A princípio, durante aoficina, não conseguiram sequer expressar suasaspirações ou expectativas. Com muita dificuldadepassaram a expor seus sonhos que, muitas vezes, seremetiam a clichês de praças interioranas.

Ainda assim, as informações recolhidas foramvaliosas para a compreensão dos limites e potenciali-dades de ação sobre os espaços livres públicosurbanos. Permitiram constatar a carência sofridapelos moradores do Glicério no referente às oportu-nidades de lazer de um modo geral, e o seu interesseem ver o bairro equipado com espaços livres destina-

dos à recreação. É importante ainda registrar avontade manifestada pelos participantes, nas diversassessões, de ter as calçadas do bairro mais bem cuida-das, ou seja, sem lixo, com pavimentação adequada earborizadas. Parte destas aspirações foram colhidasnos próprios relatos, e parte em outras atividades queos participantes se dispuseram a executar durante assessões, expressando-se através de desenhos, modelostridimensionais, etc.

Com base nas informações provenientes das ofici-nas e nas oportunidades divisadas pela equipe doLABPARC nas diversas visitas “in loco”, levantaram-se algumas possibilidades de intervenção nos limitesdo PRIH-Glicério. Estas possibilidades devem sersubmetidas ao crivo dos moradores de modo a aferirsua validade. Trata-se, quase sempre, de intervençõesque requerem pequeno investimento, localizadas emáreas que já são públicas, mas que não são apropria-das como tais, ou que não têm todo seu potencialrealizado

Na parte do Glicério situada ao norte das viaselevadas que seccionam o bairro, o conjunto depropostas incui:

no. 15: a valorização da escadaria que conecta asruas Conde de Sarzedas e Anita Ferraz;

no. 13 e no. 16: a requalificação de uma pequenaárea de lazer situada numa das esquinas da rua AnitaFerraz

no. 19: tratamento da faixa de área verde junto àrua Dr. Lund, que separa as ruas locais do trânsito depassagem junto ao viaduto. Esta faixa, emboraestreita, parece ser estratégica para a delimitação doespaço do bairro e para a sua ambientação, além deregistrar-se ali uma apropriação incipiente.

Na parte ao sul, algumas das propostas compreen-dem:

no. 11: anexação de uma faixa de rolamento darua Junqueira Freire, sub utilizada, ao passeio depedestres, integrando-se ao espaço já apropriado pelopúblico, junto a um bar, numa das esquinas da rua;

no. 4: implantação de área de lazer no trecho semsaída da rua Cesário Ramalho

no. 5: ampliação e arborização do passeio da rua

34 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

6 Na definição dos Perímetros de Reabilitação foram articuladas às propostas da Prefeitura, aquelas advindas das asses-sorias técnicas e dos movimentos populares por moradia atuantes na área central.

Page 11: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

Teixeira Mendes, junto ao Pólo da Terceira Idade,que é uma importante referência no bairro reformu-lação das praças José Luís de Mello Malheiros e NinaRodrigues, hoje praticamente inacessíveis aosmoradores por estarem ilhadas pelo tráfego devehículos

Por fim, aventou-se uma possível integraçãoespacial dos setores norte e sul do Glicério atuando-se justamente nas vias que os separam. Assim, osmesmos elementos que causaram a drástica divisãopodem vir a ser peças chaves para a reintegração daspartes. Atualmente, os baixos da avenida RadialLeste-Oeste e do viaduto do Glicério, que lhe dácontinuidade, formam um espaço segregado, malmantido, inseguro, evitado pelos moradores doPRIH-Glicério e pelas pessoas que por ali transitam,de um modo geral. Esse espaço — no. 18 — poderiaser alvo de projeto que o reabilitasse através de pisos,pintura (que poderia incluir murais e outros recursosartísticos), iluminação, etc., tornando-se de fato umespaço de ligação entre os dois setores.

As intervenções propostas nas praças José Luís deMello Malheiros e Nina Rodrigues, a que já se fezmenção, poderão auxiliar na formação de um “tecidoconectivo”, adequado ao uso pelos pedestres, interli-gando os espaços ao sul e ao norte da avenida RadialLeste-Oeste. Vislumbra-se assim a possibilidade deconstituição de um percurso paisagisticamente quali-ficado, tendo a escadaria da rua Anita Ferraz comoum dos pontos extremos, passando pelos espaçoslivres tratados ao longo da rua Dr. Lund, prosse-guindo pelos baixos da avenida Radial Leste-Oeste edo viaduto do Glicério, devidamente recuperados, atéatingir as praças José Luís de Mello Malheiros e NinaRodrigues.

Comentários sobre a experiencia

A experiência de desenvolvimento de pesquisas eprojetos de espaços públicos nos referidos‘Perímetros’ evidenciou a insipiência de áreas livrescoletivas, tanto do ponto de vista quantitativo quantoqualitativo, na região central da metrópole paulis-tana. Por outro lado, revelou inéditas oportunidadesquanto à promoção de lugares que transcendem

categorias mais tradicionais de espaços destinados àrecreação, ao lazer e à convivência das comunidadesenvolvidas. Considerando essa perspectiva de espaçopúblico como um grande e pervasivo tecido queacomoda a diversidade das atividades e funções docotidiano, foi possível identificar várias oportunida-des, à primeira vista pouco perceptíveis, mesmo emsetores degradados e compactados, sinalizando paraa necessidade de um aprofundamento conceitual emetodológico capaz de fazer frente ao encaminha-mento dessas novas abordagens.

No que diz respeito ao processo participativopropriamente dito, evidenciou-se a importância de setrabalhar com abordagens democráticas dessanatureza, no que conferem à população envolvidauma medida de ingerência sobre os desígnios que lhesdizem respeito, além, evidentemente, de uma maiorchance de apropriação otimizada dos espaços proje-tados. Uma primeira avaliação do trabalho realizadopermitiu identificar uma série de aspectos passíveis deimpulsionar futuras pesquisas:

O terreno do trabalho com comunidades é, via deregra, o da contradição (como no caso da RuaDjalma Dutra). É preciso aperfeiçoar formas deenfrentamento de situações nas quais o dissenso seestabelece, garantindo uma participação equilibradados sujeitos envolvidos, atuando na mediação dosconflitos sem que se busquem saídas mais fáceis delegitimação da maioria e buscando-se garantir práti-cas mais inclusivas, capazes de dar voz às minoriaslocais. Por outro lado, é preciso identificar com muitaprecisão situações onde o grupo minoritário não é oque tem uma visão diferente do processo em curso,podendo inclusive contribuir com percepções muitoespeciais dos problemas, mas é aquele que participatumultuando o processo de andamento do projeto ouse posiciona de uma forma estritamente pessoal emdetrimento dos benefícios coletivos.

As chamadas “lideranças” locais nem sempre sãomesmo líderes (não têm “liderados”); por vezes sãopessoas mais eloqüentes que, em relação a seus pares,expressam-se com mais facilidade no coletivo. Éfundamental fazer com que não apenas os “represen-tantes” se manifestem em nome da comunidade mas,igualmente os “representados”; em determinadassituações, é importante buscar ainda os “representa-tivos”, aqueles indivíduos que são emblemáticos de

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

35Abrindo espaço na metropole

Page 12: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

percepções de determinadas instâncias tais comofaixa etária, classe social, gênero, entre outras.

Em algumas situações onde o processo participa-tivo se estabelece, conta-se com uma populaçãoorganizada e/ou motivada para reivindicação dosseus interesses. Entretanto, em muitos outros casos, éo próprio desenvolvimento do projeto que estimulaessa movimentação, no que permite à comunidade teruma maior consciência acerca dos problemas bemcomo vislumbrar perspectivas ainda não imaginadas.No caso da Rua São Caetano, a Associação de comer-ciantes se reorganizou quando percebeu o impactopositivo que o projeto teria na região e como oespaço proposto ia ao encontro de seus interessescomerciais, tornando ainda mais amena a vidacotidiana dos que ali trabalham.

Quanto à comunicação entre as partes envolvidas,é fundamental, por parte dos técnicos envolvidos noprocesso, o desenvolvimento de uma linguagem quepossibilite fluidez, evitando-se excessos de vocábulostécnicos e sofisticados. Por outro lado, soa falso eprosaico buscar uma linguagem excessivamentecoloquial, subestimando a capacidade de entendi-mento da população: é importante ampliar o seurepertório fazendo com que ela se aproprie de outrossaberes, instrumentando-se para a argumentação. Noque diz respeito ainda à expressão das comunidadesenvolvidas, é preciso entender que, não raro, estaspossuem fragilidades no tocante à organização de umraciocínio articulado, capaz de formular idéias oudefender em público seus pontos de vista. A questãoda comunicação é, evidentemente, uma via de mãodupla na qual os técnicos têm papel capital na detec-ção dos problemas e proposição de respostas.

O debate acerca da gestão dos espaços públicostem buscado saídas para problemas ligados à suasustentabilidade. Até pouco tempo atrás tal empreen-dimento era atribuição praticamente exclusiva deórgãos públicos (envolvendo manutenção, fiscaliza-ção e ajustes de projeto). À população cabia manifes-tar desejos e reivindicar demandas, assumindo umaposição de certa forma cômoda, por vezes portando-se como “cliente”. Na atualidade é possível identifi-car, em muitas situações em que se trabalha comcomunidades, a vontade da população de atuar nagestão dos espaços públicos, participando dela ativa-mente Essa motivação é estimulada em parte pela

constatação de que o poder público não conseguefazer frente sozinho a esse problema, como tambémpela existência de novos instrumentos legais — comoo Estatuto da Cidade — que definem melhores condi-ções para a efetiva participação da população emencaminhamentos que lhe dizem respeito. No caso daRua Djalma Dutra, o processo participativo motivoua criação de um pequeno conselho gestor, com repre-sentantes de várias faixas etárias. Entretanto, essaquestão apresenta também suas susceptibilidades.Nem sempre se consegue um efetivo engajamento dacomunidade nesse processo; o “parquinho” da VilaEconomizadora, por exemplo, embora tenha envol-vido a participação dos moradores em oficinas, nãoobteve ainda, efetivamente, um compromisso dosmesmos em relação à sua manutenção. Neste campo,é importante pesquisar os meios pelos quais essarelação uso-responsabilidade possa se consolidar.

A temática da criação coletiva da paisagem é umfértil e complexo campo de investigação ainda poucoexplorado, com muitas questões em aberto. Éevidente que o suporte de várias áreas do conheci-mento será imprescindível se de fato almejarmosavançar no entendimento desses problemas e propo-sições para a resolução dos mesmos. No que dizrespeito aos espaços livres públicos é inequívoco seupotencial de participação na construção de melhorescondições sócio-ambientais urbanas, implicandodesde aspectos de regulação microclimática e perme-abilidade do solo (entre muitas funções no ecossis-tema urbano), até a acomodação das práticas sociaisdo cotidiano associadas à estimulação da escalagregária da cidade e à consolidação de uma aborda-gem mais equânime e, portanto, democrática decidade.

36 Bartalini, Pinheiro, PallaminPe

rspe

ctiv

as u

rban

as /

Urb

an P

ersp

ectiv

es #

6

Page 13: ABRINDO ESPAÇO NA METROPOLE Projetos para espaços …

References:

BRUNO, E. da S. Histórias e tradições da cidade de SãoPaulo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1954. (2a ed.).

CERTEAU, M. de. The practice of everyday life. Trad.Steven Rendall. Berkeley, University of California Press,1984.

MARICATO, Ermínia. (2000). “Habitação social em áreascentrais”. Óculum Ensaios, vol 1, 2000, pp. 14-24.

MARTINS, M. L. R. R.; RONCONI, R. L. N. (2003).“Habitação e cidade – qual a questão?” PÓS – Revistado Programa de Pós-Graduação da Faculdade deArquitetura e Urbanismo da Universidade de SãoPaulo. 2003, no. 13, pp. 10-23.

PREFEITURA DE SÃO PAULO. SECRETARIA DEPLANEJAMENTO URBANO (SEMPLA). PlanoDiretor Estratégico do Município de São Paulo. SãoPaulo, 2002, s. n.

PREFEITURA DE SÃO PAULO. SECRETARIA DEHABITAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO.Programa “Morar no Centro”, São Paulo, 2002.

ww

w.e

tsav

.upc

.es/

urbp

ersp

37Abrindo espaço na metropole