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Andrade, Juarez; Paiva, Lauriana g.as Políticas Públicas Para a Educação No Brasil Contemporâneo

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Políticas Públicas

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  • limites e contradies

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  • As polticas pblicas para a educao no Brasil contemporneo:

    limites e contradies

  • Juarez de AndradeProfessor do Centro de Estudos Supletivos Custdio Furtado de Souza

    (CESU - Secretaria de Educao - Prefeitura de Juiz de Fora - MG)

    Lauriana G. de PaivaProfessora do Colgio de Aplicao Joo XXIII/UFJF

    (Organizadores)

    Juiz de Fora2011

    As polticas pblicas para a educao no Brasil contemporneo:

    limites e contradies

  • EDITORA UFJFRua Benjamin Constant, 790 - Centro - Juiz de Fora - MG - Cep 36015 - 400

    Fone/Fax: (32) 3229-7645 | (32) 3229-7646 secretaria@editorauD f.com.br | distribuicao.editora@uD f.edu.br | www.editorauD f.com.br

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

    REITOR Henrique Duque de Miranda Chaves Filho

    VICE-REITOR Jos Luiz Rezende Pereira

    Editora UFJF, 2011

    Este livro ou parte dele no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao expressa da editora.

    O contedo desta obra, alm de autorizaes relacionadas permisso de uso de imagens ou textos de outro(s) autor(es),

    so de inteira responsabilidade do(s) autor(es) e/ou organizador(es).

    DIRETOR DA EDITORA UFJF/PRESIDENTE DO CONSELHO EDITORIAL

    Antenor Salzer Rodrigues

    CONSELHO EDITORIALAfonso Celso Carvalho Rodrigues

    Andr Moiss Gaio

    Andr Silva Martins

    Antonio Ferreira Colchete Filho

    Fabrcio Alvim Carvalho

    Henrique Nogueira Reis

    Rogerio Casagrande

    Sueli Maria dos Reis Santos

    STUDIO EDITORA UFJFPROJETO GRFICO, EDITORAO E CAPA: Milena Dibo

    REVISO DE PORTUGUS: Prof.a Josiane de Castro Candido REVISO DE NORMAS ABNT: Prof.a Camila Silva Pinho

    FICHA CATALOGRFICAElaborada pela Biblioteca Central da UFJF

  • A todos os educadores que vm construindo a histria da Educao Pblica em nosso municpio.

  • Lista de tabelas

    TABELA 1 229Evoluo das matrculas na educao bsica de jovens e adultos por Dependncia Administrativa no perodo de 2000-2004, Brasil

    TABELA 2 229

    Evoluo da matrcula inicial no Ensino Fundamental de jovens e adultos por Dependncia Administrativa no perodo de 2001-2004, Brasil

    TABELA 3 231

    Educao de Jovens e Adultos - Municpio de Juiz de Fora (MG)

    TABELA 4 232

    Evoluo de Matrculas de EJA (Fundamental e Mdio). Municpio de Juiz de Fora - MG

  • Sumrio

    Prefcio ...........................................................................................................11

    Apresentao ...................................................................................................15

    PARTE I - Estado (des)educador e as polticas pblicas educacionais

    Novos fetiches mercantisda pseudoteoria do capital humano no contexto do capitalismo tardio ........................................................................................... 18Gaudncio Frigotto

    Educao e capital social: orientaes dos organismos internacionais para as polticas pblicas de educao como mecanismos de alvio pobreza ............. 36Vnia C. Motta

    A pedagogia das competncias a partir das reformas educacionais dos anos de 1990: relaes entre o (neo)pragmatismo e o (neo)tecnicismo ......................... 56Marise Nogueira Ramos

    O Estado educador: notas para a re8 exo ....................................................... 72Andr S. Martins

    As diretrizes tcnicas e tico-polticas dos organismos internacionais para a formao dos professores ................................................................................ 90Daniela Motta de Oliveira

    Recomposio da poltica social e regulao da educao no Brasil no contexto de ajuste do Estado ....................................................................................... 108Eveline Algebaile

    PARTE II - Limites, contradies e possibilidades das polticas pblicas educacionais para a educao bsica

    A reforma do Estado e a poltica educacional em Minas Gerais: a consolidao de uma concepo de qualidade privada para a escola pblica ...................... 134Renata Landim

  • Re! exes acerca do PDE-Escola ................................................................... 146Cleonice Halfeld SolanoRubens Luiz Rodrigues

    O crebro eletrnico na educao: das polticas s prticas .........................156Lauriana G. de Paiva Paola Fernandes- omaz Spartacus

    Acelerando a incluso/excluso escolar: uma (re)visita ao contexto de implantao dos programas compensatrios de acelerao da aprendizagem no 9 nal do sculo XX .........................................................................................174Ana Paula Sampaio Pereira

    Quando a alfabetizao no se torna um ato poltico, mas um ato de poltica .................................................................................................194Rachel Gomes Lau

    Caminhos conjuntos: construindo polticas para a educao da infncia ...... 208Jader Janer Moreira Lopes, Ana Lcia Adriana Costa e Lopes, Angelane Serrate Fernandes, Egle Xavier de Souza, Lcia Elena da Silva, Maria Clara Lopes de Almeida, Nathalye Nallon Machado Ribeiro e Patrcia Maria Reis Cestaro

    Educao de jovens e adultos diante das (in)certezas de nosso tempo ........... 222Juarez de Andrade

    Sobre os organizadores ................................................................................. 237

    Sobre os autores ............................................................................................ 239

  • Prefcio

    A presente obra se dedica a analisar as relaes entre Educao e Capital, as diretrizes dos organismos internacionais e a pedagogia das competncias, que compe o pano de fundo da reforma do Estado Brasileiro a partir dos anos 1990, direcionando e de) nindo as suas principais polticas pblicas educacionais.

    Nesta oportunidade, ao iniciar o meu prefcio, parabenizo o esforo dos jovens professores pesquisadores mineiros, Juarez de Andrade e Lauriana G. de Paiva, organizadores da importante coletnea As polticas Pblicas para a Educao: limites e contradies.

    Cabe tambm destacar o ineditismo da Secretaria Municipal de Educao de Juiz de Fora (MG), ) nanciadora da obra, com recursos do Ministrio da Educao (MEC), atravs da Fundao de Apoio Pesquisa na Educao Bsica (FAPEB) intentando contribuir com o aprofundamento de temas to signi) cativos para a formao dos professores brasileiros e, em especial, os do estado de Minas Gerais.

    Ao longo dos 13 artigos, de especialistas renomados como Gaudncio Frigotto e Marise Ramos, entre outros, podemos atravs de seus escritos aprofundar nossa anlise acerca das conjunturas que envolvem os fenmenos educativos.

    Na primeira seo do livro recebemos um conjunto de seis artigos que se prope a debater as contradies que envolvem as polticas pblicas educacionais no Brasil, enquanto fenmenos sociopolticos. Tratam-se dos artigos: Novos fetiches mercantis da pseudo-teoria do capital humano no contexto do capitalismo tardio, Educao e Capital Social: orientaes dos organismos internacionais para as polticas pblicas de educao como mecanismo de alvio pobreza, A Pedagogia das competncias a partir das reformas educacionais dos anos de 1990: relaes entre o (neo)pragmatismo e o (neo)tecnicismo, O Estado educador e a Nova Pedagogia da Hegemonia, As diretrizes tcnicas e tico-polticas dos organismos internacionais para a formao dos professores e Recomposio da Poltica Social e Regulao da Educao no Brasil no contexto de ajuste do Estado.

    Quanto primeira parte da obra teo aqui alguns comentrios.O artigo de abertura, de Frigotto, busca entender o tempo presente e quais

    as concepes de educao que foram dominantes nas duas ltimas reformas educativas que tem como base a noo de capital humano.

    Os trabalhos do pesquisador da UERJ (PPFH), tem nos alertado de como o paradigma de capital humano, vem orientando as polticas educacionais no mundo e no Brasil, propondo um modelo de sociedade no qual so mantidas

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    as relaes desiguais de poder, implementando assim, uma viso mercantil associada ao trabalho instvel e precrio.

    Dando prosseguimento, a professora da UFRJ, Vnia Motta, em seu artigo, destaca as duas concepes de educao que encontram-se em disputa: aquela atual, hegemnica que v o processo educativo como capital capital humano e capital social e a defendida pelo conjunto de autores desta coletnea, a de um processo educativo enquanto formao humana, integral, voltada para a emancipao do homem. Ao mesmo tempo, aponta para a necessidade de uma conscincia poltica coletiva, que lute pela escola unitria, voltada aos interesses da classe trabalhadora.

    Marise Nogueira Ramos, do mesmo Programa, PPFH/UERJ, onde atua com Frigotto, contribui com um estudo acerca do iderio neoliberal, a partir dos anos 1990, assinalando que neste momento o mercado passa a assumir a responsabilidade pela oferta educacional, esvaziando a presena do Estado. Neste processo destaca as Diretrizes Curriculares para a Educao Pro: ssional de Nvel Tcnico, que de: nem o conceito de pedagogia das competncias, recon: gurando o papel da escola. Desta forma, se constroem novas identidades para os trabalhadores, permeadas pelos valores hegemnicos da contemporaneidade: ? exibilidade e individualismo.

    A seguir, Andr Martins, aborda o papel do estado educador nas sociedades capitalistas, baseado teoricamente, em especial, nos conceitos gramsciano e poulantziano. O autor analisa ento como se d numa rede: nio do Estado, calcada em concepes como parcerias, colaborao e participao popular. Tambm nos adverte que a nova pedagogia da hegemonia mantm inalterada a instabilidade social que atinge as classes trabalhadoras. E, por outro lado, transformando os professores em organizadores e difusores da viso de mundo dominante, como intelectuais orgnicos da hegemonia burguesa.

    Ainda dentro desta parte inicial da obra, vem se somar a investigao de Daniela M. de Oliveira, acerca dos impactos da ao dos organismos internacionais, em especial Banco Mundial e Unesco, na direo poltica, cultural e econmica, que se refere reordenao do estado capitalista nos pases perifricos, a partir dos anos 1990. Em suas anlises destaca o papel da Declarao Mundial de Educao para Todos (Jomtien, Tailndia), nas reformas educacionais do incio daquela dcada.

    A partir desse marco histrico, se funda a defesa da gesto da qualidade. A autora ainda sinaliza para um outro documento de 2002, do Banco Mundial, que constri um novo conceito de Educao Terciria, visando treinar pro: ssionais para formar a nova sociabilidade. Para tal, se vale de instituies, tais como, as de Educao a Distncia e a Universidade Aberta, que representariam veculos

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    para facilitar o acesso educao terciria. Por $ m, aponta para a importncia assumida pelas tecnologias da Informao e da Comunicao (TICs) nas sociedades modernas.

    Para concluir esta seo do livro, Eveline Algebaile, apresenta seus estudos sobre as mudanas societrias e estatais, desde a dcada de 1970, em escala mundial, com foco na recomposio do setor social no Brasil. Tambm analisa o novo eixo da ao do Estado na rea social, com destaque aos programas focais para jovens, em escala subnacional, considerando criticamente suas reais incidncias para o processo educacional brasileiro.

    Ao abrir a segunda parte da coletnea de artigos composta de um total de 8 trabalhos, a contribuio de Renata Landim que destaca as polticas educacionais no estado de Minas Gerais. Em particular na dcada de 1990, tendo em vista identi$ car a aplicao de aes educacionais em moldes neoliberais, assinalando os princpios da chamada educao de excelncia. A autora tambm destaca a diluio das fronteiras entre pblico e privado na reformulao do Estado brasileiro, seguindo a tica proposta pela lgica neoliberal.

    A seguir, o trabalho conjunto de Cleonice Solano e Rubens Rodrigues, que investigam a aprovao do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola), enquanto uma metodologia de gesto originria da dcada de 1990, decorrente do programa FUNDESCOLA, oriundo de um acordo de $ nanciamento entre Banco do Brasil e MEC. Em seu estudo, assinalam que a partir da instalao do PDE-Escola, a organizao escolar passa a ser marcada por um modelo gerencial de gesto baseado nos critrios de e$ cincia e e$ ccia.

    Dando prosseguimento, um interessante artigo, assinado por trs jovens pesquisadores mineiros, sobre um tema mais do que atual para todos os educadores a utilizao das tecnologias digitais em sala de aula. A investigao analisa os programas das TICs, formulados pelo MEC para o sistema educacional, com um enfoque na rede municipal. Os autores reH etem ento acerca das orientaes dos organismos internacionais que a$ rmam que o simples acesso internet, representaria por si s o acesso ao conhecimento e, deste modo, a insero na nova sociabilidade do capital. Tambm analisam nas escolas municipais de Juiz de Fora (MG) o impacto da presena dos computadores, alertando para o fato de que a tecnologia vem ocupando a posio do sujeito da formulao.

    O quarto artigo dessa seo, de Ana Paula S. Pereira, aborda os programas compensatrios de Acelerao da Aprendizagem, analisando historicamente a questo do fracasso escolar. A autora destaca ainda que a partir dos anos 1990, o governo brasileiro implanta polticas de ajuste escolar de acordo com padres impostos internacionalmente.

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    Tambm preocupada com a questo da alfabetizao e das sries iniciais do ensino fundamental, Rachel G. Lau, nos apresenta seu estudo intitulado Quando a alfabetizao no se torna um ato poltico, mas um ato de poltica. No artigo discute as atuais propostas governamentais, que conferem sentidos ao conceito de alfabetizao no Brasil. Em particular, assinala o que dispe o decreto n 6094 (24/04/07) Plano de Metas Compromisso Todos pela Educao. Se utiliza como trabalho de campo, como j o fazem outros autores desta coletnea, da anlise do processo pedaggico desenvolvido pela Secretaria Municipal de Juiz de Fora (MG).

    Dentro ainda deste mesmo enfoque, o prximo texto resultante de uma investigao do Grupo de Pesquisa e Estudos em GeograB a da Infncia, tendo como coordenador o professor da UFF, Jader Janer Moreira Lopes, em parceria com professores-pesquisadores da SME de Juiz de Fora. O artigo proposto investiga o prprio caminho terico-prtico percorrido pelos integrantes do grupo, em seus Caminhos Conjuntos: Construindo Polticas para a educao da infncia.

    Ao B m e ao cabo, encerrando a presente obra, num total de 13 artigos divididos em duas partes, os estudos desenvolvidos pelo doutorando do PPFH-UERJ, Juarez de Andrade, acerca do tema da educao de jovens e adultos. O pesquisador reR ete acerca das polticas pblicas que vem sendo adotadas quanto a esta modalidade de ensino, sinalizando a diferenciao entre as polticas de insero, de aes imediatas e as de integrao, que se estendem a mdio e longo prazo. O estudo pontua a necessidade de um projeto nacional de desenvolvimento auto-sustentvel e inclusivo, assim como, a urgncia de polticas para a educao proB ssional e tecnolgica, articulados ao conjunto das demais propostas educacionais que vem sendo desenvolvidas.

    Trata-se de um esforo de flego dos dois professores, Juarez e Lauriana, que com muita competncia, souberam reunir estudos que certamente viro contribuir para a formao continuada dos professores mineiros e, por outro lado, em um plano mais ambicioso, permitir a todos os leitores dessa bela coletnea um entendimento mais amplo dos cenrios educacionais em nosso pas, nos instigando a lutar coletivamente pelo direito a uma escola pblica democrtica e cidad.

    Parabns a todos os autores, como proposta, deixo aqui o convite aos educadores e pesquisadores das reas sociais, para que leiam o livro e tomem conhecimento dessa coletnea, uma grande contribuio aos temas que nos aR igem em nossa contemporaneidade.

    Lia Faria

    (Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ)

  • Apresentao

    A ideia de elaborao deste livro nasce da necessidade que sentimos, no atual momento, de criarmos espaos contra-hegemnicos de discusso e avaliao dos eixos ideolgicos norteadores da macropoltica educacional, para que assim possamos compreender a materializao destas orientaes no sistema municipal de ensino, e, por conseguinte, no cotidiano de nossas escolas. Em tempos de disseminao de falsos consensos, torna-se indispensvel estimular o debate crtico acerca dos caminhos percorridos pela educao em nosso pas, a , m de visualizarmos outros trajetos possveis que estejam na direo de uma formao humana omnilateral. Assim, buscamos fornecer, aos nossos leitores em potencial, elementos para real compreenso das atuais polticas, para alm do discurso sedutor que anuncia uma rpida progresso nos certames nacionais e internacionais que supostamente medem a qualidade do ensino.

    Partimos do pressuposto de que a problemtica da poltica educacional est inserida numa discusso mais ampla acerca da reestruturao capitalista e refuncionalizao do Estado, em especial quanto ao seu papel em relao ao provimento dos direitos sociais. No caso do Brasil, a partir dos anos de 1990 com a adoo do novo padro de desenvolvimento poltico-econmico neoliberal possvel observar um redimensionamento do Estado em sentido amplo, promovendo um rearranjo dos papis outrora assumidos por ele, a , m de permitir a contnua valorizao do capital e conformao dos sujeitos ao atual projeto societrio. Da deriva a necessidade de promovermos uma re6 exo do papel assumindo pela educao no quadro das polticas sociais, os limites e as possibilidades da educao escolar em nosso pas, nosso estado e, em especial, em nosso municpio.

    Na primeira parte do livro, realizada uma densa anlise terica que busca fornecer ferramentas para a compreenso das dimenses econmicas, polticas e ideolgicas das atuais polticas educacionais em curso no pas. De modo geral, os autores nos auxiliam a compreender como os novos conceitos vigentes no campo educacional assumem o papel de noes ideolgicas que do nova roupagem velha necessidade capitalista de conformao material dos sujeitos para as relaes sociais de produo, destacando o papel ocupado pelos organismos internacionais e as estratgias tico-polticas utilizadas no sentido de educar para uma nova sociabilidade, baseada na formao de um consenso em torno do atual projeto societrio capitalista.

    Na segunda parte do livro, os autores analisam alguns processos de materializao da atual poltica educacional em nvel nacional, estadual e

  • 16

    municipal, buscando ressaltar alguns dos principais desa$ os para a construo da educao pblica de qualidade como direito de todos e para todos.

    Ao pensarmos numa forma de garantir a democratizao do livro a ser produzido, organizaremos um ciclo de debates no qual todos os professores da Rede Municipal de Educao de Juiz de Fora e demais interessados tero a possibilidade de discutirem com os autores as anlises desenvolvidas no presente livro que ser distribudo para TODAS as escolas da Rede Municipal de Ensino de nossa cidade, assim como para as principais bibliotecas pblicas da regio.

    Cabe delinearmos e expressarmos nosso sincero agradecimento a todos os pesquisadores/professores/autores que prontamente, e com bastante seriedade, aceitaram construir conosco este livro. Por $ m, mas no menos importante, agradecemos tambm Secretaria Municipal de Educao de Juiz de Fora, atravs do FAPEB pelo $ nanciamento deste livro. Gostaramos de destacar tambm o apoio da FAPERJ s nossas pesquisas.

    A nossa esperana contribuir para a necessria re2 exo sobre as concepes e rumos das polticas educacionais em nosso pas, a $ m de rati$ car o papel dos educadores como sujeitos responsveis por pensar, construir e implementar a educao em nosso municpio.

    Juarez e AndradeLauriana G. de Paiva

    Renata Landim

    Primavera de 2010

  • Parte IESTADO (DES)EDUCADOR

    E AS POLTICAS PBLICAS EDUCACIONAIS

  • Gaudncio Frigotto

    1Novos fetiches

    mercantis da pseudoteoria do capital humano no contexto do

    capitalismo tardio

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    INTRODUO

    Como pro" ssionais do campo educativo somos testemunhas ou estudamos, ao longo de nossa formao, as frequentes reformas de ensino em nosso pas. Essas reformas buscam dar respostas a problemas ou supostos problemas no campo educativo e se materializam em concepes educacionais, mudanas na organizao curricular, no contedo, na forma de organizao e nos mtodos pedaggicos. Cada reforma tem implicaes diretas sobre a vida escolar, o trabalho docente e, sobretudo, o tipo de formao humana colonizadora e alienadora ou emancipadora.

    Esse pequeno texto no pretende discutir as reformas educativas que se deram ao longo de nossa histria e as mudanas que engendraram. O que nos interessa entender o tempo presente que nos afeta e quais as concepes de educao que foram dominantes nas duas ltimas reformas educativas que tm como base a noo de capital humano. Todavia, o presente tem elos com o passado, imediato ou mediato. Desta forma, irei inicialmente sinalizar o contexto no qual surge o que se denominou teoria do capital humano e que inf luenciou a perspectiva da educao bsica ps-graduao, no perodo da ditadura civil-militar que durou por duas dcadas. Em seguida, discutirei o porqu desta pseudoteoria, num outro contexto histrico, amplia as mistificaes com as noes de sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competncias e empregabilidade e empreendedorismo e que a literatura denomina de capitalismo tardio1. Por fim, assinalarei as

    1 O capitalismo tardio entendido na literatura em dois sentidos muito diversos. O primeiro faz referncia s naes, como o Brasil, que tiveram longos perodos de colonizao e de regime escravocrata e que s tardiamente completaram, ainda que parcialmente, a revoluo burguesa. Ver a esse respeito a obra de Joo Manuel Cardoso de Mello (1982). O segundo sentido dado originariamente por Ernest Mandel (1972) dentro de uma viso marxista de economia e das crises do sistema capitalista. Designa a fase atual do sistema capital, que tem como carcatersticas a expanso das grandes corporaes multinacionais, a globalizao dos mercados e intensificao dos f luxos internacionais do capital. Para Mandel (1972), trata-se mais propriamente de uma crise de reproduo do capital do que um estgio de desenvolvimento, uma vez que o crescimento do consumo (e, portanto, da produo) tornar-se-ia insustentvel pela exausto dos recursos naturais. Trata-se, como expe Mszros (2000), em sua obra Para Alm do Capital, de uma fase em que este sistema esgotou sua parca capacidade civilizatria e, para continuar, tem que ser eminentemente destrutivo com os direitos do trabalhador e das bases da vida, com a agresso e desmantelamento do meio ambiente. Neste texto estamos nos referindo a essa segunda concepo do capitalismo tardio.

  • 20

    consequncias desta ampliao na educao, no cho da escola pblica e no trabalho e organizao docente2.

    A NOO DE CAPITAL HUMANO: A REGRESSO DA EDUCAO ESCOLAR DE DIREITO SOCIAL A UM SERVIO MERCANTIL

    As noes ou pseudoconceitos, como os de capital humano, sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competncias, empregabilidade, empreendedorismos, apareceram no iderio pedaggico muito recentemente. A noo de capital humano aparece na dcada de 1950 e os demais a partir do - nal da dcada de 1970. O que explicaria que a partir desse perodo a educao escolar seja colada ao mundo econmico e ao mercado? Mais que isso, que a educao passasse a ser vista como causa do desenvolvimento econmico, tbua de salvao para os pases subdesenvolvidos e para mobilidade social das populaes pobres? O que nos importa desvelar o que escondem estas noes e que, no - nal, acabam culpando as vtimas de um sistema social montado sobre a desigualdade e a explorao dos trabalhadores.

    Por milhares de anos os seres humanos se educaram de gerao para gerao aprendendo uns com os outros, dando respostas aos desa- os e aos problemas no processo de produo de suas vidas. A experincia do adulto constitua-se na fonte primordial do aprendizado dos mais jovens. A escola, tal como a conhecemos, como a sociedade que a constitui, no fato natural, mas resultantes de processos histricos. A gnese histrica da escola se d, especialmente, ao longo do sculo XVIII, dentro do mesmo processo de emergncia da cincia moderna, da ascenso da burguesia como classe social hegemnica e como necessidade da crescente diviso do trabalho e do conhecimento vinculado na base dos processos produtivos.

    Como classe revolucionria, a burguesia representa a escola, no plano discursivo ideolgico, como uma instituio pblica, gratuita, universal e laica que tem, ao mesmo tempo, a funo de desenvolver uma nova cultura, integrar as novas geraes na sociedade moderna e de socializar, de forma sistemtica, o

    2 O leitor pode encontrar o contedo bsico desse texto, em grande parte, em vrios trabalhos j publicados, especialmente em A produtividade da escola improdutiva (FRGOTTO, 1984) e Educao e crise do capitalismo real (FRGOTTO, 1995). Sua reiterao e atualizao cumprem um duplo objetivo: dar base para as questes levantadas e socializ-las, enquanto sntese e numa linguagem mais direta, a um maior nmero de interlocutores, especialmente os professores e especialistas que atuam no cho da escola bsica.

  • 21

    conhecimento cienti# co. Trata-se de uma instituio que tinha uma clara dupla funo: contrapor-se ao pensamento metafsico dominante na sociedade feudal, dominado pela igreja, da a defesa da laicidade, e reproduzir os conhecimentos, valores, atitudes necessrias construo do sistema capitalista.

    Todavia, a escola burguesa, desde sua origem, no podia cumprir sua promessa para todos e de igual modo. Isso pela simples razo que a burguesia destrua uma sociedade de classes no para abolir as classes sociais, mas para implantar outra estrutura de classe: os detentores de capital e os trabalhadores que detm apenas sua fora fsica e intelectual para ser vendida.3 Assim, a escola burguesa foi organizada, sobretudo, para aqueles que no precisam vender sua fora de trabalho e que tm tempo de viver a infncia e adolescncia fruindo o cio. Mesmo em sociedades que atingiram elevado grau de democratizao da escolaridade desenvolveu-se a dualidade. Uma escola mais complexa, rica e que desenvolve conhecimentos, valores e atitudes para dirigir, organizar, comandar, etc. e uma escola mais prtica, restrita, adestradora para os que se destinam ao trabalho manual ou de execuo4.

    Mesmo sob essa dualidade, a escola foi concebida como um ambiente de reproduo e produo de conhecimentos, valores, atitudes, e smbolos. sob a gide desta funo clssica, de instituio cultural e social e de profunda aposta na cincia e na formao cient# ca, que se estruturam os mais slidos sistemas educacionais nos pases de capitalismo central. Em sociedades de capitalismo dependente5, como a brasileira, porm, at hoje no se tem um sistema nacional de educao efetivo e chegamos ao # nal do sculo XX sem conseguirmos a

    3 importante sublinhar dois aspectos em relao s classes sociais. Primeiro que a classe social se de# ne por grupos que se constituem historicamente e que tm fora e poder desigual. Assim a nobreza e o clero tinham um poder de dominao sobre os escravos, servos e sditos. No capitalismo, os detentores de propriedade privada, com o objetivo de gerar capital, lucro, detm um poder de dominao sobre os trabalhadores. Isso diferente da propriedade como valor de uso. Exemplos: um apartamento para morar, um carro para uso pessoal ou mesmo uma mercearia ou um pedao de terra que pelo trabalho seu proprietrio e famlia tiram a sua subsistncia sem explorar outrem. O segundo aspecto que a classe detentora do capital e os trabalhadores que vendem sua fora de trabalho constituem as classes fundamentais. Isso signi# ca que so as que caracterizam a especi# cidade desta sociedade, mas no so as nicas classes ou grupos.

    4 Ver, a esse respeito, Baudelot e Establet (1979). 5 Diferente da perspectiva da modernizao, que concebe o desenvolvimento econmico

    e sociocultural de forma linear e, mesmo, das anlises da teoria da dependncia, que apresentam a assimetria de poder entre pases, o conceito de capitalismo dependente explicita a compreenso da aliana, ainda que subordinada, das classes detentoras do capital dos pases perifricos com as classes detentoras do capital dos centros hegemnicos. Ver, a esse respeito, Fernandes (1975) e Oliveira (2003).

  • 22

    universalizao da escola elementar. A dualidade, em nosso caso, se expande em todos os nveis de ensino, inclusive na ps-graduao.

    Em que contexto comea a se construir uma relao linear entre educao, economia e emprego? Duas determinaes bsicas podem ser destacadas a partir da dcada de 1950, para se efetivar esta mudana. Primeiramente, a luta crescente da classe trabalhadora e a expanso do socialismo. Por outro lado e, principalmente, pelo acirramento da crise do sistema capitalista e pelo aumento da desigualdade entre naes, regies e entre grupos sociais e a radicalizao do desemprego estrutural.

    Uma questo central ocupava os dirigentes e intelectuais do sistema capitalista aps a Segunda Guerra Mundial e a ampliao geopoltica do socialismo: qual seria a chave para diminuir a desigualdade entre naes e entre indivduos? O medo que rondava era de que o socialismo pudesse se alastrar em regies pobres. Na Amrica Latina, o temor era de que a Revoluo Cubana se tornasse um caminho para outros pases.

    A equipe de 7 eodoro Schultz, nos Estados Unidos, ao longo da dcada de 1950, buscou responder a essa questo e construiu a noo de capital humano. Esse entendido como o estoque de conhecimentos, habilidades, atitudes, valores e nveis de sade que potenciam a fora de trabalho das diferentes naes. Estas pesquisas lhe valeram o Prmio Nobel de Economia de 1978. Trata-se de uma noo que falseia o sentido real do capital, pois esse no se traduz numa coisa, mas uma relao social e historicamente construda. Uma relao cujo fundamento a explorao e expropriao, pela classe detentora privada dos meios e instrumentos de produo, dos que necessitam vender, para sobreviver, sua fora de trabalho fsica e intelectual, a classe trabalhadora.

    A tese bsica sustentada por Schultz (1973), e que se tornou senso comum, foi de que aqueles pases, ou famlias e indivduos, que investissem em educao acabariam tendo um retorno igual ou maior que outros investimentos produtivos. Por essa via se teria a chave para diminuir a desigualdade entre naes, grupos sociais e indivduos. Trata-se de uma perspectiva integradora da educao escolar ao mundo do emprego e de uma estratgia para evitar a penetrao do iderio socialista, bem como o risco de sua expanso.

    sob a gide da teoria do capital humano que se traam planos, diretrizes e estratgias educacionais, especialmente para os pases de capitalismo dependente, e se aH rma a ideia de que a ascenso e mobilidade social tm um caminho garantido via escolaridade, mediante empregos bem remunerados. Vale ressaltar que no se trata de um truque ou armadilha dos intelectuais orgnicos da classe capitalista contra os trabalhadores, pelo contrrio, trata-se de moldar os sistemas educacionais de acordo com seus interesses de classe.

  • 23

    Entretanto, como veremos adiante, por pensarem as disfunes produzidas pelas relaes sociais desiguais, mas no o que produz a desigualdade, as receitas dos intelectuais burgueses de tempos em tempos evidenciam sua fraqueza e fracasso. Da a busca de novas receitas, ainda que cada vez com sabor mais amargo ou ampliando o veneno da desigualdade.

    Os ciclos de reformas, da pr-escola ps-graduao, ao longo da ditadura civil militar no Brasil, deram-se incorporando a doutrina do capital humano. A Lei de Diretrizes e Bases 5992/71 toda inspirada nesta noo e por esta razo previa a pro5 ssionalizao compulsria na educao bsica. No cabe aqui expor porque essa reforma fracassou em seu intento, ainda que tenha lesado milhes de jovens no seu direito educao bsica. A razo bsica, todavia, de que a dualidade escolar uma exigncia estrutural da sociedade de classes. No caso do Brasil, acrescia-se uma forte determinao histrica. Trata-se de uma classe dominante forjada na cultura colonizadora e de estigma escravocrata e que desenvolve profundo preconceito com o trabalho manual e tcnico.

    Por certo que a defesa e a luta ao direito educao bsica, unitria6 - que desenvolva todas as dimenses da vida humana e que seja, portanto, pblica, gratuita, laica e universal- algo fundamental e para a qual devemos nos empenhar prementemente. Por que, ento, a noo de capital humano orienta processos educativos antagnicos ao direito educao bsica unitria e no se constituiu em efetiva fora para diminuir as desigualdades entre pases, regies e entre os grupos sociais?

    A noo de capital humano orienta processos educativos antagnicos viso da educao bsica unitria pelo fato da mesma se orientar por uma concepo de sociedade na qual se ignora as relaes desiguais de poder, uma concepo de ser humano reduzida ao indivduo racional cujas escolhas independem da classe ou grupo social a que pertence e uma reduo da concepo de educao e conhecimento pelo fato dos mesmos no estarem referidos ao desenvolvimento de todas as dimenses da vida humana e vinculados s necessidades humanas, mas esfera unidimensional das necessidades do mercado e do lucro.

    As polticas educativas - no contedo, mtodo e forma- no se constituram na galinha dos ovos de ouro para diminuir a desigualdade entre pases e entre grupos, exatamente porque a educao e as escolhas no dependem apenas do querer, mas das condies objetivas das relaes de poder entre pases, classes sociais e grupos sociais.

    6 A escola unitria signi5 ca o acesso universal a todas as crianas e jovens ao patrimnio de conhecimentos de todas as reas, produzidos pela humanidade e que lhes so fundamentais para entender como funciona a matria, a natureza, a vida e as relaes sociais.

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    A tese do capital humano fica desnudada quando buscamos responder a seguinte questo: os pases pobres, subdesenvolvidos e os indivduos pobres assim o so porque escolheram no ter escolaridade, pouca escolaridade ou uma precria escolaridade, ou por que os pases colonizados, e de capitalismo dependente, e os filhos da classe trabalhadora no alcanam os nveis mais elevados de escolaridade, em escolas de melhor qualidade, porque so mantidos na pobreza por relaes de dominao e explorao pelas classes detentoras do capital?

    Uma elementar constatao, no Brasil e ao nosso redor, da realidade dos trabalhadores que vivem amontoados nas periferias das grandes e mdias cidades e dos que vivem de pequena propriedade ou dos milhes de trabalhadores com trabalho precrio ou desempregados nos tira a dvida. Seus 2 lhos frequentam poucos anos de escolaridade e em escolas destroadas, porque so pobres.

    Essa perspectiva integradora da escola, paradoxalmente, nascia num contexto no qual o sistema capitalista comeava esboar sua face de capitalismo tardio com concentrao de capital, hegemonia do capital 2 nanceiro, monoplio privado da cincia e da tcnica, aumento do desemprego estrutural e ampliao do trabalho precrio, ao mesmo tempo em que se produzia a derrocada do socialismo realmente existente7.

    AS NOVAS MISTIFICAES DO PSEUDOCONCEITO DE CAPITAL HUMANO: O VELHO TRAVESTIDO DE NOVO

    As noes, categorias ou conceitos so instrumentos de linguagem que servem tanto para nos ajudar a entender como a realidade social e humana se produz quanto podem servir para mascarar o sentido real desta realidade. Acabamos de explicitar isto com o aparecimento da noo de capital humano. O que explicaria, ento, que a partir da dcada de 1970 aparecessem com fora no vocabulrio social e pedaggico as noes de sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competncias, empregabilidade e empreendedorismo e capital social8?

    7 Sobre o colapso do socialismo realmente existente, a anlise de Eric Hobsbawm (1992a) no texto: Adeus a tudo aquilo. Mas, nesta mesma obra, Hobsbawm (1992b) no texto Renascendo das cinzas convida-nos a perceber que o socialismo no est fora da agenda, porque os seres humanos no foram feitos para o sistema capitalista.

    8 A noo de capital social objeto de um captulo desta coletnea desenvolvido por Vnia Motta e, como o leitor ver, se relaciona com este rejuvenescimento no campo da educao, mas num sentido bem mais amplo.

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    Este conjunto de noes que vem na esteira do iderio economicista do capital humano, ao mesmo tempo o mantm e o rede) ne num contexto em que o capital move-se sem controles externos aos seus interesses. Com efeito, sem a ameaa do socialismo e apropriando-se de um salto qualitativo - desenvolvimento cient) co e tecnolgico que lhes permite alterar as formas de produzir e a organizao da produo e romper as fronteiras nacionais - a globalizao ou mundializao do capital pode vingar-se contra o trabalhador.

    Mais de cento e cinquenta anos depois da caracterizao de Marx e Engels sobre a natureza espec) ca do modo de produo capitalista, no qual a burguesia no pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produo, portanto, as relaes sociais de produo, e, por conseguinte todas as relaes sociais e que [...] tudo o que slido se desmancha no ar (MARX; ENGELS, 2008, p. 13-14, grifo nosso), suas assertivas no s guardam atualidade, mas explicitam-se de forma candente.

    Tambm guardam atualidade as anlises de Marx, no prefcio da Contribuio crtica economia Poltica (MARX, 1980) e na Introduo crtica da Filoso) a do Direito em Hegel (MARX, 2006), nas quais indica-nos, respectivamente, que no a conscincia dos homens que determina seu ser, mas sim a conscincia que se produz dentro de determinadas relaes sociais e, por outra parte, no a religio que faz o homem, mas o ser humano, em determinadas relaes e situaes sociais, que faz uma determinada religio.

    Cada uma destas novas noes resulta da forma como os organismos internacionais e seus intelectuais representam as mudanas nas relaes de produo e nas relaes sociais neste novo contexto do capitalismo tardio.

    No plano dos instrumentos de produo e relaes de produo, a mecnica, a energia eltrica, o petrleo, a qumica ) na etc.- que so a base da revoluo taylorista-fordista da organizao do processo produtivo, nas relaes de produo e nas relaes sociais numa perspectiva do pleno emprego (ainda que invivel som o capitalismo) - do lugar de forma dominante revoluo digital molecular. Trata-se de um salto tecnolgico qualitativo que associa microeletrnica e informao e tm, em sua base, novas fontes de energia e do desenvolvimento das cincias da informao e cincias da natureza.

    Sob esta nova base apropriada privadamente, modi) cam-se os instrumentos de trabalho mquinas inteligentes, autmatos, sistemas e redes interligadas. Uma tecnologia O exvel que permite organizar o sistema produtivo e as relaes de produo de forma radicalmente diversa. Abre-se, sem fronteira, o mercado mundial ao O uxo de capitais e explorao da fora de trabalho. A forma de apropriao privada do conhecimento humano produzido socialmente volta-se, sobretudo, contra os direitos do trabalho, dentro de relaes sociais cada vez mais violentas e de superexplorao e expropriao do trabalhador.

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    Os intelectuais ultraconservadores, cujo maior expoente Friedrich Hayek9, Prmio Nobel de Economia em 1972, por suas teses contra o socialismo, as teses keynesianas de planejamento da economia e as polticas do Estado de bem-estar social, neste contexto, ressurgiram com fora e deram base ao que se denominou de cartilha do Consenso de Washington. Trata-se de um conjunto de medidas formulado em novembro de 1989 por economistas de instituies 9 nanceiras baseadas em Washington D.C., como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial que passou a ser receitado para o ajuste das economias, especialmente dos pases endividados. Trata-se de um receiturio, de um escopo de ideias mais amplo que se denominou neoliberalismo.

    O livre movimento do capital, especialmente especulativo, e das mercadorias, a subordinao dos Estados nacionais como garantia da reproduo ampliada do capital e o uso de tecnologias no processo de produo que podem, ao mesmo tempo, dispensar trabalhadores em massa e intensi9 car a explorao dos que trabalham, permitem um golpe nos trabalhadores e nas organizaes sindicais e polticas que lutam por seus direitos.

    A tese de Margaret B atcher, conhecida como a Dama de ferro por sua poltica ultraconservadora - no via a sociedade, mas apenas os indivduos-, sinalizava a natureza deste novo tempo do capitalismo tardio. O capital j no necessita de todos diretamente e, portanto, no h lugar para a estabilidade do trabalhador. H apenas lugar para os mais competentes ou os que desenvolvem, ao longo de sua vida, aquelas qualidades tcnicas e psicossociais que interessam ao mercado. Cada indivduo tem que isoladamente negociar o seu lugar e moldar-se com a D exibilidade que o mercado necessita e pelo tempo que necessita.

    Como se pode perceber j no a sociedade, a integrao a um conjunto de direitos sociais como o emprego, sade e educao, moradia, transporte, a cultura etc. que so a referncia, mas a luta do indivduo sem proteo. desta tessitura de relaes de produo e de relaes sociais que emergem as noes de sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competncias, empregabilidade e empreendedorismo e capital social.

    Sociedade do conhecimento deriva do fetiche da tecnologia. Trata-se de fazer acreditar que a tecnologia por si supera as desigualdades e a sociedade de classes, mascarando a realidade de que a tecnologia cada vez mais propriedade do capital contra o trabalho. Um exemplo desta fetichizao da tecnologia a tese de Bell (1973) que postula o advento da sociedade ps-industrial que, pelo conhecimento, faria desaparecer o proletariado e, em seu lugar, teramos o cognitariado.

    9 Duas obras deste autor so a bblia do neoliberalismo: Liberdade de escolher (1980) e O caminho da servido (1987)

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    A qualidade total deriva da nova base cient# ca-tcnica da produo e da organizao e gerncia do trabalho e se refere a um trabalhador que produz em menor tempo, dentro das prescries, uma mercadoria ou um servio ao custo menor possvel e que, portanto, chegue ao mercado com vantagens competitivas.

    Empregabilidade, uma noo que busca apagar da memria o direito ao emprego, j que este est dentro de um sistema de regulao social que garante um conjunto de direitos ao trabalhador, defendido por suas organizaes. No plano da misti# cao, a ideia que se difunde a de que o + m do emprego algo positivo para a competitividade e de que, em realidade, com isso todos ganham. Nada mais explcito e cnico do que o texto abaixo de Moraes (1998, p. 56, grifo nosso).

    A empregabilidade um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a certeza de emprego. Ela o conjunto de competncias que voc comprovadamente possui ou pode desenvolver - dentro ou fora da empresa. a condio de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a voc como indivduo e no mais a situao, boa ou ruim da empresa - ou do pas. o oposto ao antigo sonho da relao vitalcia com a empresa. Hoje a nica relao vitalcia deve ser com o contedo do que voc sabe e pode fazer. O melhor que uma empresa pode propor o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom para os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios nossa vontade. [...] (empregabilidade) como a segurana agora se chama.

    Na realidade d-se, como mostra Forrester (1996), tudo ao contrrio. A empregabilidade prima da ; exibilidade, cujo escopo a intensi# cao e precarizao do trabalho.

    Competncia e pedagogia das competncias. Cabe de imediato distinguir o termo competncia no seu sentido dicionarizado do signi# cado que assume na pedagogia das competncias no contexto do capitalismo tardio. No primeiro caso, e de forma abstrata, trata-se de executar uma tarefa, servio ou atividade e cujo resultado seja o desejado e previsvel. Nada, pois, a opor a algo feito de forma competente. Todavia, a pedagogia das competncias deriva de relaes sociais concretas de ultraindividualismo, desmonte dos direitos sociais e coletivos e de polticas universais. No se refere educao integral e unitria e nem ao direito ao trabalho, mesmo que seja sob a forma de trabalho explorado, emprego. Vincula-se a uma viso mercantil e ao trabalho ; exvel, instvel e precrio. Trata-se do trabalhador buscar as competncias que o mercado exige e adaptar-se a elas a qualquer preo ou, ento, deixar o lugar para outrem e sem, ou ao menor, custo para o empregador. Da que para o sucesso desta pedagogia implica, tambm,

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    desmantelar a organizao sindical e postular a negociao direta do trabalhador com o empregador. A pedagogia das competncias, como analisa Ramos (2002), constitui-se por processos pedaggicos pragmticos, fragmentados e de adaptao aos processos de intensi+ cao e explorao do trabalho.

    Empreendedorismo: por + m, ainda que no esgote o conjunto de noes que rejuvenescem a ideologia do capital humano, a nfase ao empreendedorismo, a ser dono do prprio negcio etc. desloca a responsabilidade para a grande massa de trabalhadores, que por diferentes razes no so necessrios ou no se enquadram nas exigncias do mercado, para que busquem a sobrevivncia por conta prpria. Para a grande maioria, trata-se de um convite ao trabalho informal e precrio, totalmente desprotegido dos direitos sociais.

    Do que acabamos de, sucintamente, expor, no difcil deduzir que se trata de novos fetiches mercantis da ideologia do capital humano e que explicitam um contexto de regresso da regresso nas relaes sociais e educacionais. Isto , se a noo de capital humano - que expressava um reducionismo de sociedade, ser humano, e educao subordinando-os ao mercado, mas que ainda tinha a sociedade e a integrao ao emprego como horizonte- as novas noes expressam uma perspectiva desintegradora, jogando no indivduo isolado e desprovido de proteo social e da organizao sindical a responsabilidade por seu destino.

    No por acaso que a partir do + nal da dcada de 1970 os organismos internacionais, acima referidos, guardies da reproduo e segurana do capital, passam a educar intelectuais para difundirem estas novas noes e estimularem reformas educativas para ajustar os sistemas educacionais nova (des)ordem mundial. O Brasil tem vrios representantes formados nestes organismos e que se constituram ncoras e idelogos das reformas educativas da dcada de 1990. Paulo Renato de Souza, Ministro da Educao por oito anos no Governo Fernando Henrique Cardoso, constitui-se num desses proeminentes quadros. Joo Batista de Oliveira, Maria Helena Guimares, Cludia Costin, entre outros, constituem-se em expoentes desta vulgata.

    Parte desses quadros tm seus escritrios, institutos ou Organizaes No Governamentais (ONGs) privados e vendem seus servios, apostilas, mtodos a sistemas privados e pblicos de educao. Outros so contratados para gerirem Secretarias de Educao, como o caso exemplar da Cludia Costin, no municpio do Rio de Janeiro e Paulo Renato de Souza, no Estado de So Paulo. No por acaso se constituem nos exemplos mais competentes na implantao deste iderio, no contedo escolar, nos mtodos e nas formas de avaliao e controle do trabalho docente. As consequncias, especialmente para a classe trabalhadora e para os docentes que atuam no sistema pblico de educao, so, como veremos a seguir, perversas.

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    A TTULO DE CONCLUSO: CONSEQUNCIAS SOCIAIS, NO CHO DA ESCOLA PBLICA E NO TRABALHO E ORGANIZAO DOCENTES

    A necessidade que a burguesia tem de revolucionar constantemente os instrumentos de trabalho, como demonstraram Marx e Engels (2008), faz com que o sistema capitalista seja conduzido a destruir precocemente tecnologias que ainda seriam teis sociedade. Carros, computadores, celulares, geladeiras, TVs, lmpadas, liquidi3 cadores, mquinas de lavar, impressoras, relgios, etc. tm um tempo estrategicamente programado de vida til cada vez menor. A este processo o economista Schumpeter (1961) denominou, paradoxalmente, de destruio produtiva, pelo fato de que impulsiona a criar novas tecnologias e de processos tcnicos que dinamizam o mercado a produzir mais e com novidades. O descartvel vira lixo ou um mercado de sucatas entre os pobres.

    Todo este processo, cujo foco o lucro e no as necessidades humanas e a vida, acaba voltando-se contra o trabalhador. Em vez de liberar tempo livre, libera a desgraa do desemprego, subemprego e trabalho precrio. No capitalismo tardio, como brevemente o caracterizamos, esse processo assume o que Mszros (2000) denomina produo destrutiva. Destruio de direitos e das bases da vida com a degradao do meio ambiente. Um exemplo emblemtico, em todo o mundo, de que diante da crise que eclodiu em setembro de 2008 com a falncia de grandes seguradoras e, em cascata, de empresas, especialmente do setor automobilstico, se discutia, ao mesmo tempo, a necessidade de diminuir a poluio do meio ambiente e dava-se incentivos compra de automveis. As vendas, no s no Brasil, mas tambm em outros pases, bateram recordes. No momento que escrevo este texto, os noticirios propalam que a cidade de So Paulo chegou ao limite de poluio. Esta motivada, fundamentalmente, pelo excesso de carros circulando.

    Em recente entrevista, o historiador marxista Hobsbawm (2010)10 situa como o problema mais grave do sculo XXI essa lgica de produo sem 3 m em nome do lucro e seus efeitos destrutivos para o futuro da espcie humana.

    As reformas educativas, desde a dcada de 1970, protagonizadas pelos intelectuais das burguesias locais, especialmente nos pases de capitalismo dependente, tm como base dominante a ideologia do capital humano e, atualmente, as noes que a rede3 nem e a rejuvenescem tm como horizonte ajustar os sistemas educativos, da educao infantil ps-graduao a essa lgica destrutiva produtivista. Os critrios mercantis esto cada vez mais arraigados na

    10 Cf.: HOBSBAWM, Eric. Historiador Eric Hobsbawm aponta questes cruciais do sculo XXI. Folha.com, So Paulo, 18 abr. 2010. Ilustrada. Estrevista concedida a New Left Review. Disponvel em: .

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    organizao da escola, nos contedos, nos mtodos pedaggicos, nos processos de controle e de avaliao.

    Os efeitos, do que Neves (2005) denominou a nova pedagogia da hegemonia para educar o consenso, da cartilha da dcada de 1990, penetraram fundo nos vrios nveis e mbitos da educao pblica no Brasil. O indicador mais emblemtico de que, a partir da segunda metade do ano de 2010, quem presidir a Cmara de Educao Bsica no Conselho Nacional de Educao um histrico representante do Sistema S11 gerido pelos rgos de classe dos empresrios. O iderio de ensinar o que serve ao mercado ou fazendo pelas mos a cabea do trabalhador (FRIGOTTO, 1983) antes restrito ao adestramento pro9 ssional do Sistema S, tende a impor-se para a educao bsica no seu conjunto. Trs mecanismos se articulam neste processo de mercantilizao do conhecimento e das relaes pedaggicas no mbito da educao bsica pblica.

    O trabalho docente, por suas caractersticas, tem sido historicamente um dos espaos que di9 culta a aplicao dos critrios e mtodos de gerncia mercantil da fora de trabalho. Trata-se de separar quem planeja e controla a produo de quem a executa. O primeiro mecanismo diz respeito s estratgias orientadas pelos organismos Internacionais, especialmente o Banco Mundial, que esto sendo utilizadas para adequar a escola a estes critrios.

    Este primeiro mecanismo chega ao cho da escola calcado na ideia de que a esfera pblica ine9 ciente e que, portanto, h que se estabelecer parcerias pblico e privada ou mediante o disfarce do privado, pela pirataria semntica, com o eufemismo de organizaes sociais ou terceiro setor. A estes institutos privados ou ONGs12 cabe selecionar o conhecimento, condens-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar e de9 nir os critrios de avaliao, mtodos de ensino, processos de avaliao e controle dos alunos e dos professores.

    Em termos concretos signi9 ca no s desautorizar a formao docente, mas liquidar com aquilo que a de9 ne: quali9 car-se dentro de uma rea de conhecimento para individual e coletivamente selecionar e organizar os contedos e de9 nir os mtodos e estratgias do processo de ensino, tendo em conta sujeitos concretos com suas particularidades sociais, culturais etc.

    11 Uma observao de duas ordens se faz necessria. Primeiro que no se trata aqui de uma referncia pessoal ao conselheiro, mas de representao de classe. A segunda, sempre ter-se presente que os milhares de trabalhadores que atuam neste sistema vendem a sua fora de trabalho como qualquer outro trabalhador.

    12 Referimo-nos aqui ao Instituto Ayrton Sena, Instituto de Qualidade na Educao (IQE), Positivo, Pitgoras, Fundao Roberto Marinho, Fundao Bradesco e congneres que assumem a direo pedaggica de muitas Secretarias Estaduais e, especialmente, municipais, em nome do ensinar e9 ciente.

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    O segundo mecanismo, decorrente deste, justamente atacar a natureza da formao docente em Universidades, especialmente as pblicas, com o argumento que os cursos de pedagogia e licenciatura ocupam-se muito com a teoria e com anlises econmicas e sociais inteis e no ensinam o professor as tcnicas do bem ensinar. O Estado de So Paulo, o mais rico e importante da Federao, h oito anos tendo como Secretrias de Educao intelectuais orgnicos ligados aos organismos internacionais que protagonizaram as reformas educativas, lidera esta escalada. A ideia central de que a formao docente tem que se 0 xar no adestramento em tcnicas do bem ensinar dentro da sala de aula.

    Os rgos de imprensa, que so aparelhos desta pedagogia do mercado educacional, esmeram-se em promover os novos magos, de preferncias dos pases dos centros hegemnico do capital, e os divulga mediados pelo reforo dos intelectuais locais que protagonizam as reformas educativas.

    Um exemplo emblemtico a matria da Revista poca de 26 de abril de 2010. Numa reportagem de dez pginas (110-120) apresenta o tema: Os segredos dos bons professores. Os mestres que transformam nossas crianas em alunos de sucesso (e o que todos temos que aprender). Os livros tomados como referncia, para este adestramento docente, so: Ensinar como um lder: o guia do professor supere4 ciente para diminuir o d4 cit de aprendizagem de Stiven Farr; e Ensine como um campeo: 49 tcnicas que colocam os estudantes no rumo da universidade, de Doug Lemov.

    Uma das receitas destes manuais, destacadas pela revista em letras maiores e em negrito, de que Avaliar o desempenho individual dos professores permitiria no s premi-los de forma mais justa, mas tambm fazer algo mais importante: entender como eles trabalham. Esta receita a pedra de toque tanto para o controle externo do professor para ver se ensina o que est prescrito e como ensina, quanto para instaurar o terceiro mecanismo de desmantelamento da pro0 sso docente: instaurar a competitividade entre professores e entre alunos.

    Para que os dois primeiros mecanismos tenham sucesso, h que se aplicar o iderio de que no h sociedade, o que existe so indivduos. Trata-se de desmontar a carreira e organizao docentes mediante polticas de prmio s escolas que alcanam melhor desempenho e que os professores sejam remunerados de acordo com sua produtividade em termos de alunos aprovados. Os institutos ou organizaes privadas para assessorar ou atuar diretamente nas escolas tm a incumbncia de avaliar professores e alunos de acordo com os contedos, mtodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepo mercantil de educao, utilizar na escola os mtodos do mercado.

    Dois aspectos aprecem de imediato para vislumbrar que o receiturio educacional do capitalismo tardio engendra claras contradies e, por outra parte, foras que resistem. No plano das contradies, os recentes dados do ndice

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    de Desenvolvimento da Educao Bsica (IDEB) mostram, por ironia, que das escolas que tiveram melhor desempenho dois aspectos se destacam: escolas onde os professores tinham ou estavam cursando ensino superior e onde os professores estavam coletivamente empenhados no processo pedaggico. A resistncia tem-se evidenciado, ao longo dos ltimos anos, sobretudo, nos estados e municpios onde o receiturio da escola mercantil tem avanado mais.

    No plano mais geral e permanente, o caminho a pautar, por aqueles em que a educao e a escola pblica so um direito social e subjetivo, aquele das lutas do Frum Nacional em defesa da educao pblica, gratuita, laica, unitria e universal, que mobilizou mais de trinta organizaes sindicais e cient5 cas, tendo como concepo pedaggica a perspectiva da formao politcnica13. Ou seja, uma formao que desenvolva no educando as bases cient5 cas de todos os campos do conhecimento e desenvolva no educando a autonomia e a capacidade de anlise da sociedade em que vive lutando por seus direitos coletivamente.

    Trata-se de uma concepo de qualidade de educao antagnica concepo mercantil fragmentria e pragmtica da qualidade total, da pedagogia das competncias e empregabilidade. Da a luta por condies objetivas para que a mesma se efetive no cho da escola. Luta que implica que a organizao dos educadores se junte s demais organizaes da classe trabalhadora que lutam por alterar radicalmente nossa ordem econmica, social, cultural das mais desiguais e injustas do mundo. S assim se poder alcanar o ponto em que cada docente atue numa s escola, que tenha no mais que 50% do seu tempo em sala de aula, que tenha uma carreira docente e piso salarial, que digni5 que sua pro5 sso, dobrando o atual piso, e que as escolas constituam-se de laboratrios, bibliotecas, espaos de lazer e de cultura para as crianas e jovens.

    O que se pe como fundamental para a grande massa dos pro5 ssionais da educao na construo deste caminho , ao mesmo tempo, aprofundamento de sua formao terica numa perspectiva histrica (dialtica), ampliao e solidi5 cao de suas organizaes cient5 cas, sindicais, polticas e culturais e a construo de uma subjetividade com determinao para alterar a atual ordem social que dilacera a vida da grande maioria dos brasileiros e lhes nega os direitos elementares e, por consequncia, os mutila no direito educao.

    Por isso, o esforo de organizao e divulgao de coletneas como esta, que buscam desvelar o sentido anacrnico e de alienao da incorporao do iderio mercantil nos sistemas educativos, constitui-se uma efetiva luta contra-hegemnica. Uma tarefa que , sem dvida, de natureza cient5 ca, mas, alm disso, e, sobretudo, de carter tico-poltico.

    13 Para uma compreenso de concepo de educao politcnica, ver Saviani (2003).

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    REFERNCIAS

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  • 2Vnia C. Motta

    Educao e capital social: orientaes dos

    organismos internacionais para as polticas pblicas

    de educao como mecanismos de alvio

    pobreza

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    INTRODUO

    [...] as ideologias no so de modo algum arbitrrias; so fatos histricos reais, que devem ser combatidos e revelados em sua natureza de instrumentos de domnio, no por razes de moralidade, etc., mas precisamente por razes de luta poltica: para tornar os governados intelectualmente independentes dos governantes, para destruir uma hegemonia e criar outra, como momento necessrio subverso da prxis. (GRAMSCI, 1999, p. 193).

    A concepo de ideologia em Gramsci enfatiza a fora material que esta adquire no decorrer do desenvolvimento do modo de produo e civilizatrio capitalista com o fortalecimento dos trabalhadores no cenrio poltico. Nesse processo, a educao escolar se revestiu de carter poltico e, situada na esfera do poder, passou a ser disputada pelas classes fundamentais e fraes de classes. Com isso, ao longo da histria da educao brasileira identi7 camos ajustes e reformas educacionais como resultado dos embates entre concepes diferenciadas e at antagnicas de educao conforme conjuntura poltica. Fundamentalmente, duas concepes de educao esto em disputa: a que atribui educao uma funo econmica na perspectiva da expanso da acumulao do capital e do estreito marco das necessidades imediatas do mercado de trabalho, compreendendo o processo educativo como capital capital humano e capital social e a que defende o processo educativo como formao humana, integral, que desenvolve em cada um a capacidade do domnio das cincias da natureza e a compreenso das relaes sociais, voltada para a emancipao do homem, nos termos da politecnia marxiana e da escola unitria gramsciana. Entretanto, historicamente, a concepo hegemnica, predominante no senso comum (escolar e da populao em geral), a funo econmica, variando em seus procedimentos estratgicos, pedaggicos e curriculares, conforme momento conjuntural e especi7 cidades de cada formao social.

    Nosso objetivo neste artigo indicar o movimento conservador do pensamento econmico educacional a partir dos anos 1960, considerando: as especi7 cidades da formao social brasileira situada na dinmica da expanso do capitalismo mundial como variante do tipo capitalismo dependente, que se desenvolve subordinado dinmica do mercado mundial, de forma heternoma, desigual, combinando setores produtivos modernos com setores atrasados e arcaicos14; a inH uncia dos organismos internacionais na difuso da teoria do capital humano, bem como na produo e difuso de ajustes ideolgicos

    14 Com base nas anlises de Fernandes (1981).

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    realizados para legitimar as novas polticas e estratgias econmicas neoliberais e administrar seus efeitos perniciosos; as atuais con' guraes desse pensamento relacionadas busca em atribuir uma face mais humana ao capital15, incorporando elementos da teoria do capital social de Putnam (2002).

    Na primeira parte, discorreremos sobre a funo econmica da educao nos contextos nacional-desenvolvimentista e neoliberal dos anos 1990 - da superao do atraso competitividade no mercado mundial. Na segunda, sobre um terceiro momento de ajuste, voltado para educar o conformismo pela via da incluso forada, articulando o investimento do capital humano com o do capital social como forma de alvio da pobreza, insero das comunidades e indivduos mais vulnerveis s dinmicas do mercado nas esferas da produo e do consumo, de conteno de tenses sociais e polticas e de conformao da vontade.

    FUNO ECONMICA DA EDUCAO: DA SUPERAO DO ATRASO COMPETITIVIDADE

    Foi com a teoria do capital humano, amplamente difundida nos anos 1950-60, que a funo econmica da educao penetrou no tecido social das sociedades capitalistas e, efetivamente, introduzida no Brasil com as reformas da educao bsica e universitria expressas nas Leis 5.540/68 e 5692/71.

    A ideia fundamental da teoria consiste em analisar o trabalho como mais do que um fator de produo, como um tipo de capital capital humano. Esse capital to mais produtivo quanto maior for sua qualidade que atribuda pela intensidade de quali' cao cient' co-tecnolgico e gerencial que cada trabalhador adquire ao longo de sua vida. Nessa concepo, a qualidade do capital humano no apenas melhora o desempenho individual do trabalhador tornando-o mais produtivo mas tambm um fator decisivo para gerar riqueza e crescimento econmico no pas.

    No caso espec' co das sociedades de capitalismo dependente e no contexto da ideologia do nacional-desenvolvimentista, a teoria do capital humano foi incorporada, ainda, como fator de superao do atraso econmico e um instrumento de distribuio de renda e de mobilidade social. Nessa abordagem, o investimento no capital humano, principalmente das camadas mais pobres da populao, levaria ao aumento da produtividade e, consequentemente, da renda, trazendo bem-estar social para todos, passando a ser um fator explicativo das diferenas individuais de produtividade e de renda e das desigualdades sociais.

    15 Expresso de Kliksberg (2003).

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    No contexto nacional-desenvolvimentista, o investimento na educao era visto como fator de progresso, modernizao dos setores produtivos, de desenvolvimento econmico e social e de integrao dos indivduos vida produtiva - fator fundamental para elevar o Brasil ao patamar de pas desenvolvido. A teoria do capital humano comps as bases ideolgicas do desenvolvimentismo calcado num modelo de desenvolvimento amplamente concentrador e associado ao capital internacional e serviu para justi0 car e legitimar polticas do Estado (perodo da ditadura militar), na medida em que estas estariam situadas na ideia de democratizao das oportunidades educacionais como forma de distribuio de renda e de desenvolvimento social.

    importante destacar o papel que pelo menos dois organismos internacionais tiveram nesse contexto16: a Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL), como o organismo regional que assumiu a produo e difuso da ideologia do desenvolvimento e que teve grande in: uncia nas de0 nies de polticas econmicas de vrios governos brasileiros e o Banco Mundial, como 0 nanciador do investimento na infraestrutura voltada para a superao-modernizao dos setores produtivos atrasados e assessor tcnico-0 nanceiro das reformas educacionais, em apoio ao convnio MEC-USAID. Convnio este realizado, no 0 nal dos anos 1960, entre o Ministrio da Educao (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID) para a realizao de reformas em todos os nveis do ensino brasileiro. O foco na educao bsica tinha em vista o aumento da capacidade produtiva da populao mais pobre como fator de segurana internacional, isto , para conter o avano do comunismo. Para McNamara, gestor do Banco Mundial nesse perodo, ajudar os governos pobres a superar as necessidades humanas bsicas, que so sempre crticas, no questo de 0 lantropia, mas de prudncia. E apontava como uma pssima economia aquela que permite cultivar e difundir a pobreza a tal ponto que comece a infectar e erodir todo o tecido social. A pobreza [...] como um vrus que contagia a amargura, o cinismo, a frustrao e o desespero. (LEHER, 1998 apud MOTTA, 2007, p. 197, grifo nosso).

    Na conformao para o mundo dos mercados livres e mundializados, a ideologia desenvolvimentista que legitimava o modelo de substituio de importaes sai de cena, esgotam-se suas estratgias com a crise dos anos 1970-

    16 Os limites do recorte desse artigo no nos permitem trazer a discusso sobre a natureza desses organismos no contexto de consolidao da hegemonia dos Estados Unidos e da Guerra Fria. Sobre o mito ou a ideologia do desenvolvimento indicamos, entre outros, as obras de Florestan Fernandes, Octvio Ianni e Miriam Limoeiro Cardoso. Em relao ao papel do Banco Mundial nesse perodo, mais precisamente na gesto de McNamara (1971-1980) e com relao s orientaes de polticas social e educacional, sugerimos Leher (1998) e Fonseca (1996).

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    198017, e entra a ideologia da globalizao (LEHER, 1998). A partir de ento, os encaminhamentos de polticas econmicas nos governos brasileiros seguem as medidas de ajustes 3 scais (contas pblicas em patamares baixos, principalmente no tocante aos investimentos em polticas sociais) e reestruturao produtiva (liberalizao dos mercados, 6 exibilizao da legislao e da privatizao dos setores [mais lucrativos] do Estado) como alternativa superao da crise do Estado, de ingresso no competitivo mercado mundial e garantia do pagamento da dvida externa.18 Tais medidas resultaram no aprofundamento do processo de 3 nanceirizao da economia,19 na centralizao de capitais20 e na introduo da prtica generalizada da terceirizao21 que implicou, segundo Filgueiras (2006, p. 191, grifo nosso), na articulao orgnica entre as fraes do capital, tornando-as aliadas e scias no processo de precarizao das condies de trabalho e de / exibilizao do mercado de trabalho.

    No mbito da diviso internacional do trabalho, tais polticas aprofundaram a relao de dependncia tpica do capitalismo dependente e a manuteno da posio subordinada de exportador de produtos primrios (commodities). O projeto neoliberal intensi3 cou a polarizao entre pases e entre classes, o que derivou na ampliao do poder poltico do capital internacional e dos grandes grupos econmico-3 nanceiros nacionais, no caso brasileiro, inclusive o agronegcio em razo de sua importncia estratgica nas exportaes.

    17 No caso brasileiro, a crise da dvida de 1980-1981 foi a mais emblemtica.18 Carcanholo (2010) esclarece que o projeto neoliberal e suas respectivas polticas e

    estratgias econmicas no foram introduzidas no Brasil como um pacote fechado para ser executado. Embora estivesse condicionado aos emprstimos do Fundo Monetrio Internacional (FMI) e ao receiturio do Consenso de Washington, o neoliberalismo brasileira, alm de tardiamente, vai apresentar especi3 cidades e expresses prprias das correlaes de foras internas.

    19 No sentido de predominncia da lgica financeira no interior de seus procedimentos de decises e do capital financeiro em relao ao capital produtivo (FILGUEIRAS, 2006, p. 190).

    20 Atravs de aquisies, incorporaes e fuses de empresas, concomitantemente a uma maior desnacionalizao e internacionalizao da economia brasileira atingindo os setores da indstria, comrcio e servios. Segundo Filgueiras (2006, p. 190), baseado em dados de 2001, entre os 100 maiores grupos econmicos privados do Brasil, 19 eram de origem 3 nanceira e 11 de outros setores, mas tendo algum tipo de instituio 3 nanceira pertencente ao grupo e, pelo menos 19 grupos estavam associados ao processo de privatizao [...] da aquisio de empresas pblicas. E, ainda, entre esses 100 maiores grupos econmicos privados, pelo menos 50% eram estrangeiros. (FILGUEIRAS, 2006, p. 190).

    21 Com novas formas de articulao entre os grandes, mdios e pequenos capitais e mesmo segmentos de trabalhadores autnomos, atravs da constituio de redes de subcontratao (FILGUEIRAS, 2006, p. 191).

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    Se tais polticas foram introduzidas paulatinamente no Brasil, a partir do % nal dos anos 1980, condicionadas garantia do pagamento da dvida externa, foi com a orientao do Banco Mundial que as polticas sociais passaram a ter carter focalizado e compensatrio, como forma de administrar e aliviar a pobreza decorrente dessas medidas. Conforme observou Leher (1998), o Banco Mundial estava ciente de que as polticas econmicas e reformas estruturais (im)postas como alternativa crise % scal do Estado implicariam em medidas austeras que resultariam em desemprego estrutural, aumento da pobreza e da desigualdade, ainda mais exacerbados nos pases de capitalismo dependente.

    Legitimando a precarizao das condies de trabalho e a 8 exibilizao dos direitos trabalhistas processou-se, no mbito ideolgico educacional, uma alterao no corpus terico da teoria do capital humano conduzindo a uma radicalizao das premissas individualistas e meritocrticas que sustentam a teoria [...] e perda de% nitiva do seu substrato liberal-democrtico (GENTILI, 1998, p. 48). Rompeu-se o vnculo que se estabelecia entre o desenvolvimento do capital humano e do capital social.22 No se tratava mais da falcia desenvolvimentista de um esforo conjunto para o pas-Nao galgar etapas superiores de desenvolvimento ou de que se vivia no contexto do pleno emprego ou do milagre econmico, mas a da pacincia de aguardar os bons frutos que viriam com os benefcios do mercado livre e globalizado.

    Foram introduzidos nas reformas da educao dos anos 199023 os arsenais ideolgicos da competitividade como fator de insero do pas no mercado mundial e da empregabilidade, justi% cando o investimento no capital humano atravs da aquisio de competncias e habilidades necessrias a nova con% gurao produtiva de base tecnolgico-cient% ca e de servios que cada indivduo deveria adquirir no mercado educacional para atingir melhores condies de disputa e melhor posio no mercado de trabalho.24 Para Gentili (1998, p. 89): A garantia do emprego como direito social [...] desmanchou-se diante da nova promessa de empregabilidade como capacidade individual para disputar as limitadas possibilidades de insero que o mercado oferece.

    22 O termo capital social, aqui, se refere infraestrutura social relacionada ao investimento e modernizao dos setores produtivos e de reproduo do capital educao, sade, seguridade, assistncia social de um determinado pas.

    23 Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, lei n 9394/97.24 Cf. RAMOS, Marise. Os limites da noo de competncia sob a perspectiva da formao

    humana. Movimento: revista da Faculdade de Educao da Universidade Federal Fluminense, Niteri, n. 4, p. 47-64, 2001. Cf. RAMOS, Marise. Trabalho, cultura e competncias na contemporaneidade: do conhecer ao saber-ser. Teias, Rio de Janeiro, ano 5, n. 9-10, p. 1-13, jan./dez. 2004.

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    O processo de reforma intelectual e moral desencadeado sobre as bases ideolgica e cultural neoliberais pautou-se na necessria formao do trabalhador de novo tipo- adaptado nova sociedade do conhecimento- e num conjunto de noes que comps a cultura ps-moderna como as ideias do , m das metanarrativas, do , m da histria, de que no tem outra alternativa e do , m da sociedade do trabalho, entre outras. Esse conjunto de mudanas nas esferas econmica, poltica, ideolgica e cultural colaborou com o declnio de formas de ao poltica tradicional do trabalhador (sindicato; partidos) e a fragmentao das foras polticas da classe trabalhadora nas formas de enfrentamento das expresses da questo social, conciliando interesses privados, re, lantropia e gerenciamento e, caz e de resultados.

    FUNO ECONMICA DA EDUCAO: EDUCAR O CONFORMISMO PELA VIA DA INCLUSO FORADA

    Contudo, num tempo muito curto, j em meados dos anos 1990, em meio srie de crises econmicas e polticas que se estenderam em todo o mundo, ou melhor, do esgotamento da capacidade civilizatria da sociabilidade capitalista, da crise do sistema capital25, a promessa dos benefcios globais (STIGLITZ, 2003)26 e as ideologias das competncias e empregabilidade j no mais se sustentavam diante dos fatos da realidade. Foi crescente a onda antiglobalizao em todos os pases capitalistas. Diferentes setores, polticos e intelectuais conservadores e organismos multilaterais apontaram para uma ameaa ruptura da coeso social e indicaram a necessidade de introduzir outros mecanismos que reduzissem os efeitos das polticas neoliberais, criando um novo rearranjo econmico, social e poltico de forma a atribuir uma face mais humana ao capitalismo.

    O Banco Mundial assume as falhas de suas orientaes e a razo maior do fracasso: excessivo foco no investimento em capital humano em contextos constitudos de fracas instituies. No Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial 2000/2001: Luta contra a Pobreza, o Banco Mundial reconhece que

    25 Explica Frigotto (2004) que a expresso sistema capital amplia a noo de que o que est em crise no o modo de produo capitalista em si, mas a relao social capitalista como um todo, de acordo com Mszros (2002).

    26 Subttulo da obra de Stiglitz (2003), economista chefe do Banco Mundial nos anos 1980, discorre sobre essa tenso no mundo, alerta sobre a possibilidade de ruptura da coeso social e prope alteraes no encaminhamento de polticas econmicas e sociais para os pases mais pobres.

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    embora as condies humanas tenham melhorado nos ltimos 100 anos, a riqueza global, as conexes mundiais e a capacidade tecnolgica nunca foram maiores, [...] a distribuio desses ganhos globais extraordinariamente desigual [...], uma diferena que duplicou nos ltimos 40 anos. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 3). E que, com todo o empenho do organismo na luta contra pobreza nos anos 1990, no incio de um novo sculo, a pobreza continua sendo um problema global de enormes propores. O que se deve atentar, continua, que pobreza em meio abundncia o maior desa> o que o mundo enfrenta. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 19).27

    O Banco identi> ca que as bases de orientao de polticas sociais voltadas para aliviar a pobreza nos anos 1980-90 pautavam-se no investimento em capital humano como forma de insero no mercado de trabalho e em polticas focadas e compensatrias para aqueles que no eram munidos desse tipo de capital. Naquela concepo, segundo o Banco, os indivduos no munidos de capital humano (os pobres) seriam incapazes de atuar no mercado de forma autnoma e competitiva. Com isso: o Estado deve(ria) preocupar-se, compensando-os com suas polticas sociais focalizadas de aumento do capital humano. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 59, grifo nosso).

    Ainda constata que o investimento no capital humano dos pobres e a promoo do uso intensivo da fora de trabalho [barata e] abundante, porm desquali> cada, no foram fatores nem de crescimento econmico, nem de reduo da pobreza como se previa nos anos 1990. E avalia como uma das causas do fracasso nas polticas de reduo da pobreza daquele perodo o excessivo otimismo em relao s realidades institucionais, sociais e polticas da ao pblica. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 61).

    Conforme expresso no Relatrio de 2000:

    certo que as reformas de mercado podem promover o crescimento e ajudar os pobres, mas tambm podem ser uma fonte de desajuste. Os efeitos das reformas de mercado so complexos e guardam uma profunda relao com as instituies e estruturas sociais. A experincia com a transio, especialmente nos pases da ex-Unio Sovitica, um vivo exemplo de que, na ausncia de instituies internas eficientes, possvel que as reformas de mercado no consigam gerar crescimento e reduo da pobreza. (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 32, grifo nosso).

    27 Fukuyama (2005), em seu livro Construo de Estados: governo e organizao no sculo XXI, ps 11 de setembro, vai dizer que a pobreza passa a ser um fator de segurana mundial. Novamente a pobreza ganha o status de ameaa internacional como o fora nos tempos da Guerra Fria, durante a gesto de McNamara no Banco Mundial.

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    Em relao s polticas de investimento no capital humano das camadas mais pobres, o Banco Mundial (2000, p. 32) faz a seguinte avaliao:

    [...] evidencia-se que a mudana tecnolgica da ltima dcada favoreceu em escala crescente a especializao. Portanto, ao contrrio do que era preciso e esperado, o padro de crescimento nos pases em desenvolvimento no consiste necessariamente em fazer uso intensivo de mo de obra no quali6 cada.

    Ao que parece, o entendimento do Banco que a vantagem de viver num pas atraente para as grandes empresas transnacionais pela abundante fora de trabalho barata o que seria um fator de empregabilidade , no resultou em benefcios para os pobres. O atraso na modernizao tornou-se um fardo para os trabalhadores sem quali6 cao de ponta, que 6 caram de fora da expanso do capital e mais empobrecidos.28

    Frente a intensi6 cao da condio de pobreza de uma grande massa de subproletariados descartveis (FONTES, 2005) e aos riscos de ruptura da coeso social que tal situao potencializava, a Organizao das Naes Unidas (ONU) e suas unidades Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO) e a CEPAL elaboraram, em 2000, consensual e articuladamente com o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as polticas de desenvolvimento do milnio29.

    Compreendemos tais polticas como novos mecanismos de ajustes nas bases da reforma intelectual e moral neoliberal, a6 nadas com a abordagem neoinstitucionalista30, voltadas para o fortalecimento das instituies e para a

    28 Castel (2003), ao analisar as metamorfoses da questo social na Frana dos anos 1980, com base na centralidade do trabalho, identi6 ca que a elevao do nvel de quali6 cao dos trabalhadores pelas empresas afetou diretamente os jovens, pois desmonetariza uma fora de trabalho antes mesmo que tenha comeado a servir (p. 519). Ainda hoje, so os jovens trabalhadores, de todo o mundo, que mais sofrem esse processo. Conforme constata Andrade (2009), no Brasil, entre o grupo de desempregados os jovens, entre 16 e 24 anos, so em maioria (46%), especialmente os jovens com maior nvel de escolaridade.

    29 As polticas de desenvolvimento do milnio surgem da Declarao do Milnio das Naes Unidas elaborada em setembro de 2000, em Nova York, no encontro denominado de Cpula do Milnio. Esta Declarao, acordada e adotada pelos 191 Estados membros, compe uma srie de compromissos e um conjunto de metas com prazos pr-6 xados sobre a erradicao da pobreza no planeta, desenvolvimento social, meio-ambiente, sade, etc.

    30 Vis terico da Cincia Poltica que foca suas anlises nas instituies e prope o fortalecimento das mesmas como forma de assegurar a democracia liberal.

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    boa governana como meios de aliviar e administrar a pobreza e as tenses sociais. Esta abordagem confere s instituies da sociedade civil e ao Estado a fora poltica para assegurar um ambiente estvel, solidrio, harmonioso para o enfrentamento das expresses da questo social. Busca-se construir uma aparente concepo de mundo coesa e unitria, atravs da consolidao da sociedade civil solidria e da construo de Estados sem inimigos31, conferindo uma face mais humana ao capital com mais oportunidades para os pobres e trabalhadores condenados do sistema (FERNANDES, 1981). Retoma-se a ideologia do desenvolvimentismo, porm enfatizando o desenvolvimento local e sustentvel.32

    Na perspectiva de que a pobreza frente a riqueza global e a capacidade tecnolgica um problema de segurana internacional, o Banco Mundial recomenda criar oportunidades aos pobres atravs de polticas que facilitem sua autonomia, em relao aos servios estatais, e d mais segurana, diante das intempries do mercado (BANCO MUNDIAL, 2000).

    Para facilitar a autonomia dos pobres, sugere promover a descentralizao e o desenvolvimento comunitrio, pois a descentralizao pode aproximar as instituies estatais das comunidades pobres melhorando sua capacidade de resposta e sensibilidade em relao condio socioeconmica dessa populao, e pode fortalecer a participao da comunidade nos processos polticos e decisrios locais o que acarretaria no seu desenvolvimento. Nesse sentido, continua, importante colaborar com os grupos que representam os pobres e aumentar seu potencial, vinculando-os com organizaes intermedirias, mercados mais amplos e instituies pblicas (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 9).

    31 A expresso Estado sem inimigo compe o conjunto de propostas da terceira via de Giddens (2005). Na mesma linha, o Banco Mundial (2004) prope a formao de Estados ativos e Fukuyama (2005) Estados fortes.

    32 O modelo de desenvolvimento do milnio tem como base a retomada do Estado na coordenao (e no interveno) das polticas macroeconmicas calcadas nas vantagens comparativas - que seriam as commodities (exportao de produtos primrios), fora de trabalho barata e abundante e mercado potencial de consumo popular; manuteno da poupana externa, como forma de investimento nas estruturas produtivas e dinamizao do mercado interno; financeira e ambientalmente sustentveis. Tais polticas, que vem sendo redesenhadas mais claramente a partir do segundo mandato do governo Lula, vm sendo difundidas com a nomenclatura novo-desenvolvimentismo. Cf. SICS, Joo; PAULA, Luiz Fernando de; MICHEL, Renaut (Org.). Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundao Konrad Adenauer, 2005. Para uma anlise crtica, Cf. CASTELO (2010).

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    Em relao aos mecanismos para melhorar a segurana das comunidades

    pobres, so sugeridos mecanismos de gerao de empregos atravs da expanso dos mercados internacionais, de forma bem planejada (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 8), de investimentos privados eficazes, reduzindo os riscos para os investidores, mediante polticas fiscais e monetrias estveis, sistemas financeiros slidos e um contexto empresarial claro e transparente, assegurando o imprio da lei (BANCO MUNDIAL, 2000, p. 8), investir nas pequenas e mdias empresas, pois estas so as principais fontes de gerao de empregos nos pases em desenvolvimento,33 facilitando o acesso ao crdito e reduzindo os custos de transao e aliviando o grande peso da regulamentao. Como tambm introduzindo mecanismos de gerao de renda, com reformas no nvel microeconmico, atravs de apoio institucional criao e formalizao de microempresas34 e acesso aos microfinanciamentos35. Ainda, criar um patrimnio para os pobres, concentrando os gastos pblicos nos pobres e assegurando a prestao de

    33 Pochmann (2009), numa entrevista revista Caros Amigos, em setembro de 2009, observa que no Brasil 95% do mercado so constitudos de mdias e pequenas empresas.

    34 No Brasil, o Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) tem sido o principal agente de capacitao e diagnstico da vocao produtiva das comunidades mais pobres e de formalizao de seus empreendimentos. Este ano, a partir da promulgao da Lei Complementar n 128 de 19 de dezembro de 2008 que regulamenta as pequenas e micros empresas, o SEBRAE vem desenvolvendo vrios projetos voltados para o Empreendedorismo Social que visa a, entre outras aes, formalizar a situao de diversos proF ssionais autnomos e empresas de fundo de quintal legalizando empreendimentos individuais e respectivos empregados.

    35 Na ndia, o banqueiro Muhammad Yunus, Prmio Nobel de Economia 2006, criou um Banco Banco Grameen -, em 1970, em Bangladesh, para emprestar dinheiro aos pobres, preferencialmente s mulheres. Ele editou sua autobiografia na obra YUNUS, Muhammad; JOLIS, Alan. O Banqueiro dos Pobres: a revoluo do microcrdito que ajudou os pobres de dezenas de pases. So Paulo: tica, 2000. Sua experincia tem servido de modelo para diversos pases, inclusive o Brasil. A Caixa Econmica Federal, em convnio com o Banco do Povo, assinou em novembro de 2006, o primeiro contrato de Microcrdito Orientado do Brasil. A previso de investimento em operaes de microcrdito ser em torno de R$2 milhes, que ser viabilizado aos empreendedores populares, de acordo com as regras do Programa Nacional de Microcrdito Produtivo Orientado (JB online,