Argumenta_05

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  • ISSN 1676-2800

    ARGUMENTA

    REVISTA DO

    PROGRAMA DE

    MESTRADO EM

    CINCIA JURDICA

    DA FUNDINOPI

  • DIRETORJaime Domingues Brito

    VICE-DIRETORNassif Miguel

    CONSELHO EDITORIALGilberto Giacoia

    Vladimir Brega Filho

    Samia Saad Gallotti Bonavides

    Eduardo Augusto Salomo Cambi

    Mario Frota

    Jaime Domingues Brito

    Soraya Saad Lopes

    Miguel Kfouri Neto

    Gelson Amaro de Souza

    Fernando de Brito Alves

    COORDENAO DO PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIA JURDICAGilberto Giacoia

    ASSESSORIA TCNICAMaria Natalina Costa

    Mateus Faeda Pellizzari (revisor)

    FICHA CATALOGRFICA

    Argumenta: Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica, daFUNDINOPI / Centro de Pesquisa e Ps-Graduao (CPEPG), Conselho dePesquisa e Ps-Graduao (CONPESQ), Faculdade Estadual de Direito doNorte Pioneiro. n. 5 Jacarezinho, 2005.

    Periodicidade: anualISSN 1676-2800

    1. Direito Peridicos. 1. Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro(FUNDINOPI)

    CDU 34(05)CDDir 340

    As idias emitidas nos artigos so de inteira responsabilidade de seus autores. permitida a reproduo dos artigos desde que seja citada a fonte.

    Pede-se permuta. Exchange is solicited. Piedese canje. Si prega l intercambio.

    IMPRESSA EM 2006

  • ARGUMENTANmero 5, 2005

    REVISTA DO

    PROGRAMA DE

    MESTRADO EM

    CINCIA JURDICA

    DA FUNDINOPI

    JACAREZINHO PARAN

  • Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro

    CONSELHO DE PESQUISA E PS-GRADUAO - CONPESQCoordenadora: Samia Saad Gallotti Bonavides

    DEPARTAMENTO DE DIREITO PBLICOChefe: Vladimir Brega Filho

    DEPARTAMENTO DE DIREITO PRIVADOChefe: Srgio Vaz

    DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CORRELATOSChefe: Paulo Ribeiro

    DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUALChefe: Gilberto Giacoia

    DEPARTAMENTO DE ESTGIOChefe: Samia Saad Gallotti Bonavides

    PROGRAMA DE MESTRADO EM CINCIA JURDICA

    Coordenador: Gilberto Giacoia

    Vice-coordenador: Jaime Domingues Brito

    Faculdade Estadual de Direito do Norte PioneiroAvenida Manoel Ribas, 711 Centro Caixa postal103

    Jacarezinho PR CEP 86400-000 Tel.: (43) 3525-0862Site: http:www.fundinop.br e-mail: [email protected]

    Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

  • SUMRIO

    DIREITOS HUMANOS E PROCESSO CIVIL ........................................ 8Gelson Amaro de SOUZA

    FEDERALIZAO DAS VIOLAES DE DIRETOS HUMANOS ........ 45Vladimir BREGA FILHO

    O ACESSO JUSTIA E A IMPORTNCIA DO TRABALHOREALIZADO PELOS ESCRITRIOS MODELO DE APLICAO DASFACULDADES DE DIREITO .................................................................. 64Mateus Faeda PELLIZZARI

    ENSAIO SOBRE A NECESSIDADE DE UMA TEORIA PARA ASUPERAO DEMOCRTICA DO ESTADO CONSTITUCIONALMODERNO ............................................................................................. 87Paulo Mrcio CRUZ

    FORMAO DA CONVICO E INVERSO DO NUS DA PROVASEGUNDO AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO ............... 117Luiz Guilherme MARINONI

    SISTEMA PENAL E EXCLUSO SOCIAL QUESTES DE CLASSESCIO-ECONMICA ............................................................................. 131Aimbere Francisco TORRES

    BREVES NOTAS SOBRE A TUTELA MANDAMENTAL E O ART. 14,INC. V, E PARGRAFO NICO DO CPC.............................................. 144Jos Miguel Garcia MEDINA

    DIREITO E POLTICA EM HANNAH ARENDT ..................................... 160Ivana Nobre BERTOLAZO

    OS POVOS INDGENAS BRASILEIROS E A CIDADANIA ATIVA ..... 180Fernando Antonio de Carvalho DANTAS

    NOES INTRODUTRIAS SOBRE O PLURALISMO JURDICO..... 195Samia Saad Gallotti BONAVIDES

    CARACTERSTICAS DE DIREITO OU INTERESSE DIFUSO DASEGURANA PBLICA......................................................................... 208Valter Foleto SANTIN

    Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

  • SISTEMA PENAL E EXCLUSO SOCIAL: A DISCRIMINAO DONEGRO ................................................................................................... 217Walter de Oliveira CAMPOS

    A FILHA DAS ESTRELAS EM BUSCA DO NOVO CDIGO CIVIL ...... 232Luiz Edson FACHIN

    COLABORAO ESPECIAL

    IL CONTROLLO DI RAZIONALITA DELLA DECISIONE FRA LOGICA,RETORICA E DIALETTICA .................................................................... 237Michele TARUFFO

    ARTIGOS DE GRADUANDOS

    BREVES NOTAS SOBRE A CIDADANIA NO BRASILCONTEMPORNEO .............................................................................. 250Fernando de Brito ALVESLuiz Otvio Vincenzi de AGOSTINHO

    A INEXISTNCIA DE COISA JULGADA SECUNDUM EVENTUM LITISNAS AES COLETIVAS: EM BUSCA DE UMA UNIDADETERMINOLGICA CIENTFICA ADEQUADA ....................................... 266Vincius Jos Corra GONALVES

    DISSERTAES DEFENDIDAS ........................................................... 284

    NORMAS PARA APRESENTAO DE ORIGINAIS ........................... 287

    Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

  • PREFCIOApesar da mudana contnua que o mundo impe quele que est integrado

    nele, e que o Direito exige como condio de sobrevivncia e evoluo, muitoscontinuam fiis a certos ideais.

    Ver a Justia realizada de forma plena um desses ideais e tambm um princpiode atuao. Pensar o Direito implica refletir sobre normas, regras e princpios, e emalgo que est acima disso, que nsito natureza humana. Mas os valores humanosno imperam na sociedade em seu estado puro, porque sofrem influncia cultural, edas prticas que produzem a dominao, de uns sobre os outros vindo da vem apercepo de uns parecem ter mais direito que os outros, mas na verdade o fosso daexcluso bem mais profundo, eis que vai alm de da falta de reconhecimento dedireitos, por ser ainda mais sensvel a falta de aes efetivas para que se igualem ascondies de cada pessoa, a fim de que receba uma formao adequada para interagirno meio social.

    Uma instituio educacional tem uma parcela dessa responsabilidade, e porisso tem que lutar para evoluir e acompanhar as mudanas, sem perder os ideais. AFUNDINOPI, pela sua tradio no ensino superior, como uma faculdade estadual, e,por muito tempo, isolada, teve momentos marcantes: quando nasceu, quando foireconhecida, quando atingiu sua maturidade, e novamente foi reconhecida como umaescola de excelncia, no uma, mas diversas vezes.

    Houve tambm os momentos de medo, de angstia, de decises difceis paraescolher o caminho que auxiliasse a prosseguir com mais qualidade a oferecer. Emmeio a toda essa luta, contou com aes corajosas, com perdas e vitrias, sendo queumas e outras no foram sempre vividas em pblico, e nem compartilhadas em festase recepes, mas, muitas vezes se processaram na intimidade de cada aluno, professor,dirigente e servidor.

    Essa vivncia coletiva feita da soma de aes particulares, e no final dascontas, as dores so compartimentadas, mas a histria no de ningum, de todos, atmosfrica, como o ar que se respira e o calor, em razo do qual, tantas vezes setranspira em salas de aula e outros espaos de estudos.

    O Programa de Mestrado, que agora j est lanando sua quinta revista, temuma parcela de grande importncia no crescimento e consolidao da instituio, porquejustamente veio ocupar um espao importante na produo de conhecimento prprio,sendo hoje indissocivel dela.

    Assim, uma felicidade, cuja sensao no tem como ser traduzida em palavras,prefaciar a Argumenta, pela certeza de que as dificuldades enfrentadas para chegar ataqui, nunca foram em vo.

    Nesse nmero uma grata satisfao ter, mais uma vez, contribuies deprofessores da casa e de outros pesquisadores amigos e sempre solidrios, bem comomestrandos e alunos da graduao, de forma que se conseguiu uma gama realmenteinteressante de reflexes jurdicas contemporneas, as quais esto sendo ofertadas acada leitor que se dispuser a compartilhar seu tempo, e tambm colaborar com oprogresso da cincia jurdica.

    Samia Saad Gallotti BonavidesProfessora e Procuradora de Justia

    Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

  • 8 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    DIREITOS HUMANOS E PROCESSO CIVILGelson Amaro de SOUZA*

    Sumrio: 1. Noes preliminares 2. Conceito de direitos humanos 3. A supremaciados direitos humanos 4. Os direitos humanos e o processo civil 5. Alguns institutosde processo civil em consonncia com os direitos humanos 5. 1. O devidoprocedimento legal e direitos humanos 5. l. 1. Suporte constitucional do devidoprocedimento legal 5. 1. 2. O devido processo legal material - Substantive due process5. 1. 3. O devido procedimento legal processual - Procedural due process 5. 2.Privao da liberdade ou dos bens 5. 3 Gratuidade da justia 5. 4. Proteo ao direitode moradia 5. 5. Prioridade aos processos dos idosos 5. 6. Tutela antecipada 5. 7.Tutela inibitria 5. 8. Efetividade da tutela jurisdicional 6. Alguns costumes queviolam os direitos humanos 6. 1. A abusiva declarao de fraude de execuo sem odevido procedimento legal 6. 2. A absurda priso do depositrio judicial sem lei6.2.1. Antecedentes jurisprudenciais 6. 3. Reteno de dinheiro de incapaz sem lei6.3.1. Da restrio (reteno) inconstitucional de dinheiro de incapaz 6.3.2.Antecedentes jurisprudenciais 6. 4. Priso civil processual da parte que no cumprirordem judicial 6.4.1. Precedentes jurisprudenciais. Concluso. Referncias

    Resumo: O presente estudo visa analisar os direitos humanos em face do processocivil. Procura demonstrar o que se respeita no processo civil, em termos de direitosfundamentais e direitos humanos e demonstrar alguns casos de aberraes jurdicas,em que no se respeitam os direitos humanos que so os direitos fundamentais dapessoa humana e o mnimo necessrio para que possa viver com dignidade, ou seja,o respeito dignidade humana.

    Abstract: The present study seeks to analyze the human rights in face of civilprocedure. It seeks to demonstrate what is respected in the civil procedure, in termsof fundamental rights and human rights and also to demonstrate some cases ofjuridical aberrations, in which the human rights, that are the fundamental rights ofthe human person, are not respected and the minimum necessary in order to livewith dignity, in other words, the respect to the human dignity.

    Palavras-chaves: Direitos humanos; Direitos fundamentais; Direito processual civil;Processo Civil; Pessoa humana; Dignidade da pessoa humana.

    * Doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, ex-Diretor e atual Professor da Faculdade de Direito de Presidente

    Prudente-SP AET e da Faculdade de Direito de Adamantina FAI. Procurador do Estado (aposentado) e Advogadoem Presidente Prudente-SP.

  • Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi 9

    Key-Words: Human rights; Fundamental rights; Civil procedural law; Civilprocedure; Human person; Dignity of the human person.

    1. Noes preliminares

    Urge ressaltar preliminarmente que em todas as sociedades evoludas huma perene preocupao com o ser humano e a busca constante de providncias emedidas no sentido de aprimoramento do atendimento s pessoas para, com isso,atingir o mais completo aperfeioamento possvel do convvio social, com vistas salvaguarda da dignidade humana.

    O esforo para se encontrar frmula para o alcance da dignidade humanatem levado as sociedades modernas a descobrirem novos caminhos, atravs dasmais variadas tcnicas aplicadas em todo e qualquer setor da cincia. Se assim , nocampo da engenharia, da medicina e dos demais ramos da cincia social, no direito,sabidamente integrante desta ltima, no poderia ser diferente.

    Os avanos, at ento, experimentados pelas mais diversas e modernaslegislaes contemporneas, tm demonstrado no ser em vo a procura para detectarfalha e aperfeioar o direito em busca de um melhor atendimento aos direitos humanose, com esses, pr em relevo a dignidade da pessoa humana.1

    O direito, como se sabe hoje, existe, para atender os interesses das pessoasintegrantes da sociedade2 e, no mais, como era visto no passado, quando seimaginava que ele existisse somente para atender os caprichos dos governantes e dealguns3 poucos poderosos.

    Observa JABUR4 que a escola naturalista enfatizou e resgatou a primaziados direitos naturais, ou seja, aqueles essenciais e inatos do ser humano, antevistoprimordialmente pelo cristianismo, pela qual revigorou a teoria dos direitosoriginrios e fundamentais do indivduo, saindo da abstrao para a concretizao,para dar lugar atuao contra o Estado autoritrio, cujo arbtrio no se tolera mais.Conforme ensina MAZZUOLI,5 no Brasil, no se tem utilizado todos os meiosdisponveis ao seu alcance para efetivar a observncia aos direitos humanos. certoque existem esforos nesse sentido, mas ainda no se atendeu e nem se atende de

    1 Quem pensa o Direito hoje tem que pensar em indivduos livres e iguais. E quem pensa em liberdade e igualdade

    pensa na dignidade dos homens. FELIPE, Marcio Sotelo, Razo jurdica e dignidade humana. p. 54.2 Mais amplamente sobre o assunto, ver nosso Processo e jurisprudncia no estudo do direito, Rio de Janeiro: Forense,

    1989.3 FELIPE, Marcio Sotelo. No h razo pela qual, diante da norma positiva que violenta a dignidade humana, devo

    aprisionar a juridicidade na pressuposio da norma fundamental segundo a qual vale a vontade de algum ou dealguns. Razo jurdica e dignidade humana. P. 23 Em outra passagem: aquela apoiada na idia de unidade doshomens, a norma da totalidade, a norma que diz do direito de ter direitos, a norma fundamental que assegura osdireitos humanos. Idem, p. 37.4 JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito ,a vida privada. p. 75.

    5 MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Direitos humanos, constituio e os tratados internacionais. P. 351.

  • 10 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    forma ampla os direitos mnimos necessrios dignidade do ser humano.

    Todavia, com essa nova realidade, pem-se em relevo os princpios dahumanizao e, as sociedades mais avanadas vm dando exemplo de respeito pessoa e ampliando cada vez mais a incidncia dos direitos humanos. Pena que emuma sociedade como a nossa, onde ainda perdura o coronelismo poltico e a prioridadeao capitalismo selvagem, os direitos humanos fiquem para um segundo plano6.

    No se pode negar algum avano legislativo nesse aspecto, mas alm de seruma evoluo legislativa ainda muito tmida, nem sempre aquilo que estabelecidona lei encontra ressonncia na prtica. Exemplificativamente, lembra-se que o sistemajurdico contempla o direito habitao e que, apesar disso, muita gente no temonde morar7. Tambm o sistema assegura o direito vida e, no entanto, todos os diasos noticirios do conta de que centenas de pessoas perdem a vida, por falta desegurana, falta de atendimento mdico e s vezes at mesmo, por falta de alimentos.Ainda, o sistema jurdico assegura a liberdade de pensamento e a de locomoo eno raro se v casos de censura e impedimento da livre expresso do pensamento epior ainda, casos de privao da liberdade com priso at mesmo sem previso emlei.8 A Constituio Federal assegura o direito de propriedade, mas freqentementese v, pessoas ficarem privadas de seus bens, sem o devido procedimento legal. 9

    2. Conceito de direitos humanosQuando se usa a expresso direito j se est inferindo tratar-se de relao

    entre pessoas, visto que somente entre estas que se pode falar em direito. Quandose usa o termo humano est se referindo tambm a pessoa, visto que somente apessoa natural pode ser considerada como ente da estirpe humana. No entanto, comofora de expresso, sempre que se quer referir a pessoa, tornou-se corrente utilizar aexpresso pessoa humana, como comum dizer-se dignidade da pessoa humana.Direitos humanos so aqueles necessrios para que uma pessoa possa ter uma vidacom dignidade. Talvez o primeiro e o maior de todos seja o respeito ao que todas aspessoas tm direito e nem sempre reconhecido pelos poderes pblicos.

    Tambm quando se diz direitos humanos, est se referindo aos direitos dapessoa. Mas no so quaisquer direitos, restringindo-se queles ligados de formamais ntima natureza da pessoa. So os direitos fundamentais da pessoa, norteadospor sua natureza, ou seja, aquilo que a acompanha desde o seu nascimento at a sua

    6 A teoria tomista tinha por tradio tomar o fundamento da norma de cima para baixo e no como o para os

    estoicista, de baixo para cima.7 Hoje, vive-se a mais triste fase da histria, em que at aqueles que no tm onde habitar e moram nas ruas esto

    sendo barbaramente assinados, conforme se v por todos os cantos os noticirios do dia a dia.8 Ver nosso: Priso do depositrio judicial uma priso costumeira no terceiro milnio. Revista Dialtica de Direito

    Processual, v. 19. So Paulo: Dialtica, outubro de 2004.9 Nesse aspecto remete-se ao nosso: Fraude execuo e o direito de defesa do adquirente. So Paulo: Juarez de

    Oliveira, 2002.

  • Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi 11

    morte. Direitos que, direta ou indiretamente, visam proteger a dignidade da pessoa10.So aqueles direitos bsicos e imprescindveis dignidade do ser humano.11

    O positivismo procura fazer do direito uma cincia12, e o humanismo, porsua vez, procura nas cincias naturais a origem do direito.13 Por isso a dignidade doser humano fim e no meio. O direito positivo apenas meio para se chegar ao fimque o respeito dignidade da pessoa.14 A dignidade do homem intangvel.Respeit-la e proteg-la obrigao de todo o poder pblico.15

    Os direitos humanos tm de serem vistos em conformidade com a naturezae a individualidade da pessoa, muito embora a pessoa no viva isolada, semprefazendo parte integrante da sociedade. Como uma aeronave no pode ser cuidadaapenas em seu conjunto, merecendo ateno pea por pea, sobre pena de, pormaltrato de uma, ser todo o conjunto prejudicado. Assim tambm a sociedade queno pode ser vista apenas em seu conjunto, pois, h necessidade de cuidar-se daindividualidade de cada pessoa.

    Assim, o conceito de direitos humanos pode ser representado pela teoriakantiana de espao e tempo16. Considerando a humanidade como o tempo, cadapessoa como se fosse uma hora. Se no existir essa hora, no haver a integridadedo tempo. Em outros termos, somente se ter o tempo se se considerar a horaunitariamente. Desta forma, somente existe a sociedade, se antes existir a pessoaindividualmente considerada. Sem a pessoa individualmente considerada, no haversociedade. A sociedade, como um todo, deve respeitar e defender a pessoaindividualmente, em busca de sua dignidade. A dignidade da pessoa no umacriao do constituinte, que apenas reconhece a sua existncia.17

    Pode-se dizer, com MORAES18, que o conjunto de direitos e garantias doser humano, que tem por finalidade bsica o respeito sua dignidade, por meio desua proteo contra o arbtrio do poder estatal e o estabelecimento de condiesmnimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definidocomo direitos humanos fundamentais. Ou ainda, como diz SANTOS19, a dignidadeda pessoa humana , por conseguinte, o ncleo essencial dos direitos fundamentais,a fonte jurdico-positiva dos direitos fundamentais. Os direitos humanos, de uma

    10 FELIPPE, Marcio Sotelo. Quem pensa o Direito hoje tem que pensar em indivduos livres e iguais. E quem pensa

    em liberdade e igualdade pensa em dignidade dos homens. Razo jurdica e dignidade humana. p. 54.11

    QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Os direitos humanos so os direitos bsicos, imprescindveis dignidade doser humano, pois que no podero ser jamais violados sem o cerceamento de algum princpio tico. Priso civil e osdireitos humanos. p.73.12

    FELIPPE, Marcio Sotelo. Razo jurdica e a dignidade humana. p. 69.13

    SOUZA, Gelson Amaro de. Processo e jurisprudncia no estudo do direito.14

    FELIPPE, Marcio Sotelo. O Direito no se esgota na norma positiva, e nem tudo que est na norma positiva jurdico obra citada, p. 83. A dignidade o fim. A juridicidade da norma positiva consiste em se poder reconhecerque tendenciosamente, ela se pe para esse fim. E se no se pe, no legtima. p. 100.15

    SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. p. 55.16

    FELIPPE, Marcio Sotelo. Nesse sentido. Obra citada. p. 103.17

    SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. p.79.18

    MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 39.19

    SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. p.97.

  • 12 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    maneira geral, esto consagrados e garantidos na Constituio Federal, sem contudo,esgot-los. A Constituio no esgota todos os direitos humanos, mas se os aliconsagrados fossem respeitados j estaria bom demais.

    Os direitos humanos devem ser entendidos como uma categoria prvia,legitimadora e informadora dos direitos fundamentais, assim como os direitosfundamentais seria uma categoria descritiva dos direitos humanos20, por terem seufundamento em um sistema de valores prvio, de ordem natural e universal que temfora jurdica, mesmo no estando positivado. No se pode perder de vista que osdireitos humanos so, em verdade, todos aqueles inerentes pessoa e conforme asua natureza. Da a razo utilizada por MAZZUOLI, para dizer que todos os direitoshumanos so universais, individuais, interdependentes e inter-relacionados.21

    O sistema constitucional brasileiro bastante abrangente no que diz respeitoaos direitos humanos, pena que a legislao infraconstitucional nem sempre osrespeita e, muitas vezes, quem no os respeita o intrprete ou o aplicador do direito.Isso uma constante na rbita civil, como a utilizao de medidas drsticas evioladoras dos direitos humanos, sem lei alguma que autorize tal medida.22 Emdecorrncia disso se percebeu MAZZUOLI com acuidade observa: Assim que,no atual estgio de evoluo da sociedade, com a constante cada vez mais crescentede desrespeito e de atrocidades, preciso que se busque, seja no direito nacional,seja no internacional, sadas eficazes para soluo do problema dirio de violaodos direitos[...]23

    3. A supremacia dos direitos humanos

    Os direitos humanos esto entre os chamados super-direitos, visto que devemser respeitados e acolhidos, mesmo que no previstos expressamente na lei positiva.Representam princpios de ordem pblica e, por isso, esto acima da lei24 e devemser praticados mesmo sem esta. Adverte FELIPPE25 que existem princpios nopositivados que freqentemente afastam a aplicao das normas positivas, o que j

    20 HERRERA, Chinchilla. Qu son y cules son los derechos fundamentales? p. 59.

    21 MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Direitos humanos, constituio e os tratados internacionais. p. 225.

    22 Como exemplo lembra-se a priso do depositrio judicial, quando considerado infiel, sem lei que a autorize e como

    foi amplamente tratado em artigo nominado Priso do depositrio judicial uma priso costumeira no terceiro milnio.Revista Dialtica de Processo Civil. v. 19. outubro de 2004. Tambm costumeira a reteno (sem lei) de dinheiro deincapaz at que complete a maior idade. Graves inconvenientes resultam desse ato ilegal e inconstitucional. a) Primeiroporque, nessa faixa de idade que o incapaz mais precisa do dinheiro para sobrevir; b) Por segundo, nem todoincapaz menor e, sendo maior ficaria eternamente sem poder utilizar o dinheiro que seu; c) Por terceiro, que odinheiro em depsito bancrio, com o decurso do tempo perde o poder aquisitivo e quando a pessoa se torna maior,nada mais poder fazer com a migalha que sobra. d) Pior ainda os casos noticiados pela imprensa de desaparecimentosdos depsitos com o passar dos tempos.23

    MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Priso civil por dvida e o pacto de San Jos da Costa Rica. p. 109.24

    ARMELIN, Donaldo: Atualmente, no sistema jurdico, no preponderam as regras, mas sim os princpio, de formaque o sistema jurdico presidido precipuamente por estes, at porque a vulnerao de um princpio pode implicarleso mais grave do que a resultante de violao de uma regra. Flexibilizao da coisa julgada. Revista da ProcuradoriaGeral do Estado de So Paulo. Edio especial. Janeiro-dezembro 2003.25

    FELIPPE, Marcio Sotelo. Nesse sentido. Obra citada. p. 68.

  • Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi 13

    seria bastante para demonstrar a inadequao do modelo positivo nesse particular.No mesmo sentido, SANTOS26 proclama que o legislador apenas reconhece aexistncia dos direitos humanos porque sendo estes inerentes pessoa, j h umconceito a priori. Seguem-se os ensinamentos de GUIMARES27, para quem nose pode cogitar dos direitos e das garantias fundamentais sem se pensar no direitonatural e nele fundamentar, pois tm estes como pressupostos inconfutvel de umanatureza humana, idntica entre todos os homens.

    A supremacia do direito fundamental tambm foi vista por OLIVEIRA28,para quem no so os direitos fundamentais que se movem no mbito da lei, mas alei que deve mover-se no mbito dos direitos fundamentais. Os princpiosconstitucionais processuais, da mesma forma que os demais princpios, gozam defora suprema, vinculando, no caso, toda a sistemtica do processo s suasverificaes e exigncias, como observou RAMOS JUNIOR.29

    Os princpios no precisam ser positivados para serem respeitados ecumpridos, porque sempre esto acima das leis positivas. Como reconheceHERRERA,30 o direito positivo apenas um instrumento bastante modesto de controlesocial. Segue-se PREZ LUO31, para quem os direitos abarcam aquelas exignciasque devendo ser objeto de positivao, ainda que no o tenha sido positivado. Emoutros termos, devem prevalecer os princpios, sejam ou no contemplados pelanorma positiva.

    4. Os direitos humanos e o processo civil.No campo do processo civil notvel a existncia de esforos do legislador

    que aos poucos vai reformulando as suas legislaes sobre o ponto de vista processualou at mesmo procedimental, visando facilitar o acesso ao judicirio e aincrementao de providncias visando a efetivao da justia32. Tem-se ainda criadoe procurado incentivar os meios de atuao alternativa de soluo de conflitos deforma mais gil e menos onerosa para os jurisdicionados, como a nova lei dearbitragem, os juizados especiais, as cmaras de intermediao, juizados deconciliao etc.

    A tutela antecipada surgiu como novidade no sistema quando da primeiraetapa da reforma do Cdigo de Processo Civil, veio como uma luva para por fim aosofrimento de muitos que passaram, a utilizar o bem da vida em disputa antes mesmo

    26 SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princpio constitucional da dignidade da pessoa humana. p.79.

    27 GUIMARES, Ylves Jos de Miranda. Comentrios Constituio direitos e garantias individuais e coletivas,

    p. 4.28

    OLIVEIRA, C.A.Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. RDPC. v. 26, p. 655.29

    RAMOS JUNIOR, Galdino Luiz. Princpios constitucionais do processo. p. 11.30

    HERRERA, Chinchilla. Qu son y cules son los derechos fundamentales? p. 13.31

    PEREZ LUO, Antonio. Los derechos fundamentales. p. 47.32

    HERRERA, Chinchilla. La justicia es la primera virtud de las instituciones sociales, como la verdad lo es de lossistemas de pensamiento. Qu son y cules son los derechos fundamentales? p.40.

  • 14 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    da sentena ao final. As aes coletivas outra criao genial, que permitindo emum s processo a deciso de questes de interesse de muitos, evitando maioresdelongas e maiores custos, alm de afastar as infindveis dificuldades que tem oparticular na propositura e conduo do processo individual e at mesmo odesconforto de se deparar com julgamentos contraditrios. no processo civil, aoque se pensa, onde se concentram os maiores esforos para a efetivao dos direitoshumanos. O recente Cdigo do Consumidor, misto de norma de natureza material eprocessual, abrindo espao para a inverso do nus da prova e a fixao dacompetncia no domiclio do mais fraco, o consumidor. Recentemente promulgou-se o estatuto do idoso, que consagra a prioridade na tramitao dos processos deinteresse pessoa maior de sessenta anos.

    5. Alguns institutos de processo civil em consonncia com os direitos humanosVrios so os institutos de processo civil que visam o atendimento dos

    princpios gerais dos direitos humanos. De uma maneira geral, pode-se apontar oprincpio da igualdade das partes, o princpio da liberdade para se propor ou contestara ao, o princpio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o princpio de queningum pode ser condenado sem o direito de defesa, o princpio do acesso justia,o princpio do direito ordem jurdica justa, o princpio do contraditrio e da ampladefesa, bem como o princpio do devido processo legal, entre tantos outros.

    5. 1. O devido procedimento legal e direitos humanosUm dos pilares dos direitos humanos garantia constitucional do devido

    procedimento legal que o constituinte preferiu manter a nomenclatura histrica dedevido processo legal. Todo processo legal, o que pode ser legal ou ilegal procedimento. 33

    O art. 5, LIV, da Constituio Federal de 1.988 dispe que ningum serprivado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Mas nadadisse, at a sobre o contraditrio e a ampla defesa, que foram objetos de disposiono inciso seguinte (art. 5, LV). Tem-se que, embora andem sempre juntos, ocontraditrio e a ampla defesa so figuras diferentes do chamado devido processolegal que, em verdade, mais tem a ver com o procedimento do que com o processopropriamente dito.

    O constituinte neste inciso preocupou-se com o devido processo legal, masj se entendeu que se autorizado por lei, o contraditrio e a ampla defesa podem serdiferidos.34 Como o constituinte brasileiro tratou desses princpios em incisosseparados, certamente, entendeu que eles so diferentes e independentes. Fossem

    33 SOUZA, Gelson Amaro de. Fraude execuo e o direito de defesa do adquirente. p. 182.

    34 MS. 02553-7. RT. 764/303; Revista de Direito Bancrio, v. 06. p.. 153.

  • Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi 15

    esses princpios sinnimos, no haveriam de receber tratamento em dispositivosseparados. Mas no s. Ver-se-, a seguir, alguns aspectos que, ao que se pensa,levam ao entendimento de que tais princpios no se confundem.

    5. 1. 1. Suporte constitucional do devido procedimento legalO devido procedimento legal encontra seu suporte constitucional na norma

    insculpida no artigo 5, LIV, da Constituio Federal, promulgada em 1.988 queassim dispe:

    Art. 5 [...].LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal.

    O constituinte brasileiro consciente da necessidade de se adaptar aConstituio aos mais modernos e avanados ideais do direito e da justia, e, emmanifesta demonstrao de que estava em sintonia com o seu tempo, erigiu empostulado constitucional, o chamado devido processo legal.

    Pensa-se que melhor seria se o denominasse de devido procedimento legal,pois ao que se imagina, todo processo legal, o que pode ser legal ou ilegal oprocedimento, como restou anotado anteriormente. O processo pelo simples fato decorresponder a uma relao jurdica, no se pode imaginar ilegal. Toda relao jurdicanecessariamente relao legal.

    Pela forma positivada na Constituio, o que se chama de devido processolegal no pode ser confundido, com mero contedo programtico, mas, sim, comoprincpio imperativo e que deve fazer-se presente em todo procedimento. Ningumpoder sofrer restrio de seus bens sem que antes exista um procedimento adequadoe devidamente previsto em lei.

    Ao que se pensa, a Constituio no traa os contornos do procedimento(ou processo), somente exige que exista norma criadora de determinadoprocedimento, numa demonstrao clara e objetiva, alm de peremptria e imperativa,de que, sem a existncia de um procedimento (processo) previsto em lei, ningumpoder sofrer restrio em seus bens.

    O que a Constituio Federal quis, foi afastar a arbitrariedade e oprotecionismo em favor de alguns, em prejuzos de outros. Procurou evitar que emfavor de algum pudesse restringir a liberdade ou os bens de outros, sem que, paraisso haja uma lei anterior descrevendo os atos que podem ser praticados e a formacom que o sero.

    Somente com uma lei anteriormente em vigncia que se pode cumprir a

  • 16 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    igualdade de todos perante a lei, sem discriminaes e sem protecionismo eapadrinhamento. Assim que a Constituio Federal, para evitar distores, exigeque, para que algum possa sofrer restrio de seus bens, antes se deve seguir oprocedimento previsto em lei, ou seja, o devido procedimento legal (art. 5 LIV, daCF).

    Caso inexista procedimento previsto para a providncia que venha restringiro direito de algum, esta providncia no poder ser tomada porque inexiste umprocedimento previsto em lei. Repete-se, somente com o seguimento de umprocedimento previsto anteriormente em lei, que se dar atendimento a essemandamento constitucional.

    O que no se pode permitir, que aquele que o encarregado de aplicar alei possa inventar um procedimento no previsto no sistema jurdico e, ao seu modo,determinar a constrio ou restrio de bem sem o devido procedimento legal. Essainveno que se apresenta toda particularizada, sem previso em antecedente lei,fere no s o princpio da anterioridade da lei (tipicidade), bem como atenta contraa garantia do devido procedimento legal. Tal comportamento atenta contra os direitoshumanos e deve ser evitado, sob pena de sacrificar um dos mais elementares direitosda pessoa que a preservao da dignidade humana.

    5. 1. 2. O Devido processo legal material - Substantive due processAlguns autores apregoaram que o devido processo legal se manifesta sobre

    dois prismas diferentes. Dizem que um se d sob o ponto de vista material ousubstantivo (que preferem cham-lo de substantive due process) e outro se apresentaem outro enfoque, ou seja, sob o ponto de vista processual ou formal (que o chamamde procedural due process.)35

    NERY JUNIOR, analisando a questo, deixou assentado o seguinte:

    A clusula due process of law, no indica somente a tutela processual, como primeira vista pode parecer ao intrprete menos avisado. Tem sentidogenrico, como j vimos, e sua caracterizao se d de forma bipartida,pois h o substantive due process e o procedural due process, para indicara incidncia do princpio em seu aspecto substancial, vale dizer, atuando noque respeita ao direito material, e, de outro lado, a tutela daqueles direitospor meio do processo judicial ou administrativo.36

    35 DINIZ, Jos Jangui Bezerra, Princpios constitucional do processo. p. 223; NERY JUNIOR, Nelson, obra citada.

    pp. 31 e 35.36

    NERY JUNIOR, Nelson, obra citada, p. 31.

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    Os autores que adotam esta posio, afirmam que o substantive due processconsiste em dar tratamento no sentido material equivalente ao previsto em lei. Isso,ao que se pensa, no se cuida do devido processo legal e nada tem a ver com oprocesso e nem com o procedimento. Tem a ver e est ligado a outro princpio quese tornou conhecido como princpio da legalidade ou da anterioridade da lei. Daratendimento aos mandamentos legais de direito substantivo corresponde, sem dvida,ao respeito do princpio da legalidade ou da anterioridade da lei.

    Nesse diapaso pronunciou PREVITALLI CAIS (1996):

    Essa garantia magnfica, que traz em si embutido o princpio da legalidade,despontou na Idade Mdia, com a Magna Carta, conquistada pelos baresfeudais saxnicos junto ao rei Joo Sem Terra, no limiar do Sculo XIII,como funo limitadora do poder real e no do Parlamento propriamentedito.37

    Percebe-se que essa autora fala em princpio da legalidade, ao se referirao devido processo legal substantivo. Esse princpio merece respeito e deve sercultivado em todo momento, sempre e at mesmo antes e na fase pr-processual,pois somente surge interesse de agir, quando for violada a lei ou for contrariado oprincpio da legalidade. Desta forma, cumprir ou no cumprir a lei substantiva, peloque se pensa, nada influi no devido processo legal, seno no princpio da legalidadeou no princpio da anterioridade da lei, este princpio que se encontra insculpido noart. 5, II, da CF), como princpio garantia dos direitos humanos.

    Ressalta-se que DINIZ (1997) afirma encontrar-se neste princpio o deverda administrao somente agir conforme aquilo que dispe a lei. So dele as palavrasseguintes:

    Noutro ressaltar, a administrao s pode praticar atos ou celebrar negcios,havendo lei permitidora, o que a doutrina chama de princpio da submissoda administrao lei.

    No direito privado, o mesmo no ocorre, haja vista que os particulares senorteiam pelo princpio da autonomia da vontade, onde prevalece a liberdadede contratao e de realizao de negcios e da prtica de todos os atosjurdicos, mesmo que a lei no preveja, contanto que no afrontem normasde ordem pblica, e que no sejam praticados contra os bons costumes.No direito privado, velho dito, o que no proibido permitido. Isto

    37 PREVITALLI CAIS, Cleide. O Processo tributrio. p. 53. So Paulo. Editora RT. 1.996.

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    decorre do consagrado no princpio nominado por autor de obras deatipicidade dos negcios jurdicos privados. O fato de a administraodever agir somente no sentido positivo da lei, isto , quando, lhe por elapermitido, indica a incidncia da clusula due process no direitoadministrativo.38

    Com isso, confirma-se o que foi exposto acima, de que se trata do princpioda legalidade ou da anterioridade da lei e no do devido procedimento legal. oprincpio da legalidade, pelo qual ningum pode ser punido sem lei anterior quecomine (estabelea) essa pena e que uma das maiores salvaguardas dos direitoshumanos.

    5. 1. 3. O devido procedimento legal processual - Procedural due processDe outra forma, a doutrina analisa o que se tem chamado de procedural due

    process que visto sob o ponto de vista processual, mas, pelos pontos de vistaapresentados, percebe-se a tendncia e inclinao mais para o procedimento, do quepara o processo propriamente dito.

    Sabe-se que o processo forma uma relao jurdica nova e que se chamarelao processual. Porquanto o procedimento no forma relao jurdica nova,apenas determina as etapas e as formas com que os atos devem ser praticados.

    comum encontrar-se afirmao de que por este prisma, esse princpio visto como corolrio ao rpido e pblico julgamento, direito de citao, direito dearrolar testemunhas e fazer reperguntas, direito de produzir provas, oportunidade dedefesa (escrita e oral) perante o juiz, direito ao juiz natural ou competente etc.39

    Versando sobre o assunto, assim afirmou SILVEIRA (1.996):

    O devido legal procedimental refere-se maneira pela qual a lei, oregulamento administrativo, ou a ordem judicial, so executados. Verifica-se, apenas, se o procedimento empregado por aqueles que esto incumbidosda aplicao da lei ou regulamento viola o devido processo legal, sem secogitar da substncia do ato. Em outras palavras, refere-se a um conjuntode procedimentos ().40

    Seguindo a mesma trilha, CARVALHO (1994), tambm acentuou, em

    38 DINIZ, Jos Jangui Bezerra, obra citada, p. 223/224.

    39 DINIZ, Jos Jangui Bezerra, obra citada, p. 224.

    40 SILVEIRA, Paulo Fernando. Devido processo legal. pg. 65.

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    monografia, na qual tratou dos princpios processuais constitucionais, o aspectoprocedimental do devido processo legal e suas so as palavras seguintes: Ora, somentecom o devido processo legal garante-se ao cidado uma atuao imparcial do poderjurisdicional, protegendo a sua liberdade e seus bens.41

    Essas colocaes, aliadas s j anteriormente apresentadas, parecemdemonstrar a incidncia procedimental do devido processo legal, ao passo que amatria relacionada norma substantiva ou material, ao que se pensa, garantia deoutros princpios, tais como o da anterioridade da lei, da tipicidade ou princpio dalegalidade. Esses trs princpios no se confundem com o do devido procedimentolegal.

    5. 2. Privao da liberdade ou dos bensConforme dispe o art. 5, LIV, da CF, ningum ser privado de sua liberdade

    e de seus bens sem o devido processo legal. Exige-se que exista um procedimentolegal (procedimento previsto em lei), para que o mesmo seja seguido e respeitadosem prejudicar a defesa do interessado.

    A partir disso, pode-se firmar posio de que ningum pode ser preso ouficar privado de seus bens sem o devido procedimento legal, ou seja, um procedimentopreestabelecido em lei, j que ningum est obrigado a fazer ou deixar de fazer,seno em virtude de lei (art. 5, II, CF), bem como ningum pode ser condenado aalguma pena sem prvia cominao legal (art. 5, XXXIX, CF). Isto , nem a penaprivativa de liberdade e nem a pena de perdimento de seus bens. A declarao deineficcia por reconhecimento da fraude execuo, nada mais do que uma formadisfarada e simulada de declarar a perda do bem.

    Pode parecer estranho que em pleno terceiro milnio, apesar da garantiaconstitucional de que ningum ser privado de sua liberdade e de seus bens sem odevido processo legal, ainda existem tais anomalias nos meios forenses. No toraro decretar-se a priso de pessoas sem lei anterior que autorize essa priso42 e, damesma forma, comum determinar a constrio de bens do adquirente sob a alegaode fraude de execuo sem que o mesmo tenha antes oportunidade de defesa e semo devido processo legal.43

    5. 3. Gratuidade da justiaA gratuidade da prestao jurisdicional uma das balizas dos direitos

    humanos, porque desumano seria apenas permitir que aquele que tem recurso tivesse

    41 CARVALHO, Luiz Airton de. Princpios processuais constitucionais, Cartilha Jurdica, TRF/1 Regio, n 28, p. 09,

    Setembro de 1.994.42

    SOUZA, Gelson Amaro de. Priso do depositrio judicial uma priso costumeira no terceiro milnio. RevistaDialtica de Processo Civil, v. 19. So Paulo: Dialtica, outubro, 2004.43

    Mais amplamente, ver nosso, Fraude execuo e o direito de defesa do adquirente. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

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    acesso ao judicirio e outras pessoas sem recurso no tivessem a mesma sorte. Visandogarantir a igualdade de oportunidade instituiu-se no mbito do processo civil agratuidade da justia, consistente na dispensa de pagamento de despesas e custasprocessuais, para aqueles que no possam faz-lo sem o sacrifcio do prprio sustentoou da manuteno de sua famlia.

    um instituto da mais alta relevncia, pena que mal compreendido poralguns juzes, que tudo fazem para neg-lo, sob os mais variados argumentos. Negaro acesso ao Poder Judicirio negar a justia, um dos mais legtimos direitoshumanos. Por se tratar de garantia constitucional e por integrar os mais sagradosdireitos da pessoa, como a busca da justia, esse benefcio deve ser concedidomesmo naqueles casos de dvida de sua necessidade.

    Conforme exps ALVARES,44 por justia gratuita deve ser entendida agratuidade de todas as causas e despesas judiciais ou no, relativas a atos necessriosao desenvolvimento do processo e defesa dos direitos do beneficirio em Juzo. Oacesso justia, por ser um dos elementares direitos do cidado, no pode serdificultado, menos ainda impedido por falta de condies econmicas. A pessoatem direito natural justia e no simplesmente de ingresso no judicirio. Tem direito ordem jurdica justa com a aplicao do direito, no bastando um simples acessoao judicirio, tem direito prestao jurisdicional, que atividade desenvolvidapelo judicirio para a efetividade do processo. No basta o simples ingresso emjuzo, o mais importante no a entrada, mas a sada com a prestao jurisdicionalgarantida.

    5.4. Proteo ao direito de moradiaA penhorabilidade e a impenhorabilidade de bens tm sido consideradas

    como disciplinas de direito civil e no processual. Seja como for, os efeitos delasrecai sempre no processo, pois neste que se efetiva ou deixa de se efetivar a penhora.

    Um dos maiores avanos nos ltimos tempos, foi a lei n 8.009 de 1990,que garantiu a impenhorabilidade dos bens que guarnecem a residncia do devedor,bem como o prprio imvel que esteja servindo de sua residncia. Trata-se de grandeavano rumo ao respeito dos direitos humanos, pois se a moradia um dos direitoshumanos mais reclamados, no se pode mesmo retir-la do devedor. No se trata,como pensam alguns, de estimular o calote.45 Muito diferentemente, trata-se derespeitar o princpio constitucional da proporcionalidade, pois, entre o devedor ficarsem moradia e ficar ao relento e o credor ficar apenas sem receber o seu crdito,proporcionalmente, esta ltima muito menos danosa. prefervel que o credorfique sem o seu crdito do que o devedor fique sem moradia.

    44 ALVARES, Anselmo Prieto. Uma moderna concepo de assistncia jurdica gratuita. RT. v. 778, p. 50.;

    45 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A crise da execuo e alguns fatores que contribuem para a sua intensificao-algumas

    proposta para minimiz-la. RJ 316, p. 36.

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    Como observa NUNES46, hoje , reconhecidamente, de fundamentalimportncia a casa de famlia, o lar, constituindo-se essa a base da sociedade e danao, sendo esta, na expresso de Ruy Barbosa, nada mais que a famlia ampliada. sem qualquer sombra de dvida um instituto voltado ao atendimento dos direitoshumanos e, mais especificamente, ao direito de moradia. A pessoa sem moradia nopode viver com dignidade. A falta de condies de vida com dignidade, aniquila apersonalidade, abala a alta estima e coloca a pessoa em sofrimento permanente.

    5.5. Prioridade aos processos dos idososOutra medida recente, mas que desde h muito j se ressentia de sua criao,

    a prioridade do procedimento das causas de interesse dos idosos. Em um Pasigual ao Brasil em que os processos duram anos e anos, seria extremamente desumanodeixar o idoso minga de uma prestao jurisdicional por longo tempo.

    Essa medida adotada recentemente pela Lei n 10.173 de 2001, que alterandoo Cdigo de Processo Civil, instituiu o artigo 1211-A, pelo qual, os procedimentosjudiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ousuperior a sessenta e cinco anos47 tero prioridade na tramitao de todos os atos oudiligncia, em qualquer instncia. Longe de ser um privilgio, o atendimento aosreclamos das necessidades da pessoa idosa e o respeito aos direitos humanos doidoso, atravs do procedimento em processo civil.

    5. 6. Tutela antecipadaOutra figura que indiretamente contribui imensamente para a proteo dos

    direitos humanos a tutela antecipada dos direitos pretendidos. notrio que oprocedimento a ser utilizado no processo longo e demorado, visto que para oatendimento do devido procedimento legal, vrias so as etapas procedimentais,sendo por isso, moroso o procedimento de qualquer ao. Atendendo os reclamosda doutrina mais moderna, o legislador acabou por ceder e instituir essa providnciade grande valia, que se tornou conhecida por tutela antecipada ou antecipao detutela.

    Em verdade, e em princpio, a tutela a ser deferida mesma. Apenas omomento que difere da tutela tradicional. Na tradicional, o pedido somente eraatendido ao final do procedimento, quando ento o juiz proferia a sentena. Natutela antecipada, o pedido que atendido provisoriamente, desde o incio, pordeciso incidente. Isso atende melhor os desgnios dos direitos humanos, porque aparte interessada no precisa amargurar por longos anos a espera do provimentojurisdicional. Assim, poder ter, desde logo e imediatamente tutela de seus direitos

    46 NUNES, Helio da Silva. O bem de famlia e sua evoluo jurisprudencial. RT. v. 785, p. 145.

    47 O estatuto do idoso, Lei 10.741, de 01-10-2003, fixou em 60 anos a idade para ter direito nesse benefcio (art. 71).

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    e garantir, no que diz respeito a isso, a possibilidade de viver com dignidade enquantoo processo tramita lentamente.

    5. 7. Tutela inibitriaTambm a chamada tutela inibitria contribui e, em muito, para a proteo

    e efetivao dos direitos humanos. Sabe-se hoje que efetivar ou proteger direitosno apenas reparar o mal causado. Melhor que isso, impedir que se cause o mal.

    Depois que o mal foi causado, jamais existir uma reparabilidade completa48.Por mais que se pense em reparar o mal causado, haver aspectos malficosirreparveis. Imagina-se em caso de poluio ao meio ambiente, por exemplo, pormais que se imponha multa, reparao por perdas e danos, indenizao, a sade que o bem maior, no mais se recupera. So casos em que a tutela inibitria podecontribuir e muito para evitar o dano e evitar que a pessoa seja prejudicada em suadignidade humana.

    O sistema processual brasileiro, com o instituto da tutela inibitria, podeevitar danos a pessoa e evitar que a mesma seja atingida em sua dignidade pessoal.Pena que se trata de instituto pouco conhecido e ainda pouco utilizado no direitoptrio. No entanto, h de convir com MARINONI,49 para quem, atualmente, dianteda incluso da locuo ameaa a direito, no artigo 5, XXXV, da CF, afirmando oprincpio da inafastabilidade da apreciao do judicirio a qualquer ameaa ao direito,no h mais qualquer dvida sobre o direito tutela jurisdicional, atravs do processocivil, capaz de impedir a violao do direito.

    5. 8. Efetividade da tutela jurisdicionalNada mais constrangedor e at mesmo causador de sofrimento do que a

    indeciso criada por situaes litigiosas, enquanto a lide no resolvida. Traumticacomo se sabe, a demora no provimento jurisdicional final. Tambm j se sabe quenos dias modernos, no basta que o juiz resolva a ao declarativa, necessrio se fazque torne efetiva a prestao jurisdicional, o que se acostumou chamar de efetividadeda tutela jurisdicional.

    A efetividade da tutela jurisdicional um dos apangios da proteo dosdireitos humanos. Ressalta-se que o artigo 5, XXXV, da Constituio Federal,assegura que a lei no pode excluir da apreciao do Judicirio qualquer leso ou

    48 O direito tutela do direito, como bvio, geralmente conferido ao autor - se o caso for de procedncia ao

    final do procedimento. Quando h fundado receio de dano irreparvel ou de difcil reparao, admite-se que o autorpossa, quando lhe possvel demonstrar a probabilidade do direito que afirma possuir, requerer a antecipao datutela almejada. MARINONI, Luiz Guilherme. O direito efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva dateoria dos direitos fundamentais. RDPC. v. 28, p. 304. Curitiba: Gnesis, abril-junho, 2003.49

    MARINONI, Luiz Guilherme. O direito efetividade da tutela jurisdicional na perspectiva da teoria dos direitosfundamentais. RDPC. v. 28, p. 303.

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    ameaa ao direito. A garantia constitucional, mas o meio de efetiv-la processual,atravs do direito de ao. Esse direito de ao somente pode ser exercido atravsdo processo. Disso resulta a importncia do processo civil, na defesa e proteo dosdireitos humanos. Toda a defesa dos direitos humanos na rbita civil, h de passarpelo crivo do direito processual civil.

    6. Alguns costumes que violam os direitos humanos

    A par da utilizao de vrias medidas processuais em atendimento aosdireitos, lamentavelmente, ainda existem alguns costumes que no condizem com aproteo dos direitos humanos, ao contrrio, at atentam contra estes. A priso dodepositrio judicial sem lei que a determine, a declarao de fraude execuo semprocesso e procedimento prprio e sem se atender ao devido procedimento legal, aprivao dos direitos de incapazes, com a reteno de dinheiro a eles pertencentepara ficar em depsito judicial, sem lei que o autorize, a barreira disfarada paraimpedir o envio de recurso instncia superior, entre outros. Tudo isso realizado,tendo vista costume do passado, mas sem lei que o autoriza.

    6.1. A abusiva declarao de fraude de execuo sem o devido procedimento legalO procedimento a ser seguido para o reconhecimento e a declarao da

    fraude execuo tem sido um grande desafio aos aplicadores da lei. Sabe-se que osistema processual no reservou espao para um procedimento especial de declaraode fraude de execuo, como o fez para o caso da incluso como legitimados execuo do esplio ou dos sucessores do executado falecido. Se assim no o fez olegislador, no pode o aplicador da lei faz-lo, ante a ausncia de norma expressa(art. 271, do CPC).

    O velho e superado costume de se decidir pela fraude de execuo, semprova e por mera presuno, coisa do passado e, ante a notria e a flagranteinjuridicidade e inconstitucionalidade deste procedimento costumeiro, ele deve serextirpado do nosso mundo jurdico. Nesse sentido, reconhecendo a necessidade deum procedimento previsto em lei para a privao de bens j se manifestou a eminentemagistrada Rosngela Maria TELLES , que em brilhante trabalho doutrinrio assimse expressou:

    O inciso LIV consagra que ningum ser privado da liberdade ou de seusbens sem o devido processo legal. Com isso, o processo deve seradredemente previsto no ordenamento jurdico.50

    50 TELLES, Rosngela Maria. Princpio constitucional do devido processo legal. in Temas de Processo Civil,

    coordenado por Kiyoshi Harada, p. 171, Editora Juarez de Oliveira. So Paulo: 2000.

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    Se no passado a penhora de bem do terceiro adquirente sem um processo eprocedimento com a defesa do adquirente era considerada normal, hoje j no podemais. Se no sistema jurdico passado isso era aceitvel, deixou de s-lo a partir donovo sistema constitucional institudo com a Constituio Federal de 1.988. Com aConstituio atual afastou-se qualquer dvida a respeito da necessidade de um devidoprocedimento legal para o reconhecimento de fraude execuo51 e a realizao dapenhora do bem de terceiro. Em se reconhecendo a penhora como figura constritivae por isso privativa de bem, impe-se por exigncia constitucional que isso somentese d mediante o devido procedimento legal.

    Nesse sentido a brilhante e acertada advertncia de TESHEINER (2000),quando assim exps:

    O art. 5, LIV, da Constituio estabelece que ningum ser privado daliberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

    Esse processo a que se refere a Constituio, processo jurisdicional,que supe ao, juiz e ru.No se admite, pois, que algum seja privado da liberdade ou de bens deseu patrimnio, por atos administrativos e, menos ainda, por atos de justiade mo prpria.52

    O mesmo eminente professor TESHEINER (2000), mais adiante noticia:

    Numa das primeiras aplicaes do art. 5, LIV, da Constituio de 1988, a3 Cmara Cvel do tribunal de Alada do Rio Grande do Sul afirmou ainconstitucionalidade da execuo extrajudicial prevista no Decreto-Lei n.70, de 21 de novembro de 1966:

    Dir-se-ia que o Decreto-Lei n. 70/66 no impede o acesso Justia, restandosempre ao prejudicado o ensejo de propor demanda onde se apreciem osaspectos materiais e formais da execuo forada extrajudicial, como, porsinal, o fez o proponente desta ao. Porm a possibilidade de posterioringresso no Judicirio jamais pode justificar a permanncia do que inconstitucional, de qualquer forma, porque afronta outros regramentosconstitucionais, como o caso do princpio do devido processo legal, daigualdade perante a lei, da isonomia processual.

    Se antes havia acrdos resolvendo pela constitucionalidade, preciso levarem conta que no se encontrava, na anterior Carta Magna, norma como a

    51 Ver nosso: Fraude execuo e do direito de defesa do adquirente. So Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

    52 TESHEINER, Jos Maria. Pressupostos processuais. P.25/26.

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    do art. 5, LIV, da atual, impondo que ningum ser privado da liberdadeou de seus bens sem o devido processo legal.53

    Vale citar e transcrever aqui, as palavras do Eminente Dcio Antonio ERPEN,em relao ao assunto, quando disse: Para evitar cometimento de injustias,penalizando inocentes, reitero que nosso sistema jurdico se arrima no princpio daboa-f.54

    A boa-f do adquirente deve ser sempre presumida e a m-f deve ser sempreprovada. Isso princpio elementar de direito; no pode ser desconhecido de ningum,muito menos ainda de um julgador. A declarao de fraude de execuo atinge terceiroque no participa do processo de execuo e, por isso, exige melhor ateno normaConstitucional (art. 5, LIV e LV) e, por via de conseqncia, ser-lhe- assegurada aampla defesa, o contraditrio e o devido procedimento legal em toda a sua extenso.

    O respeito ao devido procedimento legal no pode faltar em processo eprocedimento algum, assim tambm dever ser em relao ao procedimento paraconhecer, reconhecer a existncia de fraude de execuo e declarar a ineficcia daalienao feita em fraude.

    A Constituio Federal, em seu artigo 5, LIV, afirma de forma peremptriaque: ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processolegal. Bem de ver que a Carta Maior no abre exceo e nem permite excluso. Eladiz ningum ser privado de seus bens sem o devido processo legal.

    Se a Constituio Federal diz ningum porque no permite exceo etodos ficam ao abrigo do devido processo legal. Assim tambm deve estar o adquirenteda coisa, cuja aquisio est sendo acoimada de fraudadora da execuo. Que apenhora sobre o bem do terceiro adquirente provoca-lhe restrio de direitos e deseu bem propriamente dito, no pode haver dvida.

    A penhora sempre ser uma restrio ao direito do titular sobre o bem e nopode ser realizada sem a previso de um procedimento previsto em lei.

    de se lembrar que dentre as regras inovadoras da atual Constituio esta contida no artigo 5, LIV, dispondo que ningum ser privado da liberdade ou deseus bens sem o devido processo legal. Nesse sentido aparece a lio de TEIXEIRA,para quem o princpio constitucionalmente contemplado significa a sntese de trscnones fundamentais do processo: o do Juiz natural, o do contraditrio e o doprocedimento regular. Esclarecendo que este ltimo corresponde observncia das

    53 TESHEINER, Jos Maria. Obra citada, pg. 26. Indica como fonte: TARS, 3 Cm. Civ. Ap. 189.040.983(sic). Rel.

    Srgio Gischkow Pereira, j. 25-10-1989. No mesmo sentido encontra-se julgamento em incidente de Arguio deInconstitucionalidade na ap. 189040938 rgo Especial do TACRS, j. 1/6/1990. Relator Ivo gabriel da Cunha,publicado em JTARGS 76/81.54

    Revista dos tribunais, vol. 624, pg. 37.

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    normas e da sistemtica previamente estabelecida como garantia das partes noprocesso.55

    O terceiro adquirente deve ter direito e deve ter acesso ao devidoprocedimento legal, com direito ao contraditrio e a ampla defesa e somente depois que deve o juiz pronunciar sobre a eventual existncia de fraude execuo coma declarao de ineficcia do negcio jurdico, e a partir da, que seu bem podersofrer a constrio pela penhora.

    Permitir-se a constrio do bem de terceiro, antes de oportunizar, aoadquirente da coisa, o procedimento legal com o contraditrio e a ampla defesa, ,sem qualquer sombra de dvida, violar o princpio constitucional do devidoprocedimento legal. Interessante nesse sentido foi a observao do nclito magistradoJoaquim MOLITOR, que com muita lucidez assim se exprimiu:

    Outrossim, o direito de defesa no se exerce apenas no momento da resposta,com o oferecimento da contestao, ou se for o caso, exceo oureconveno, mas se amplia por todas as etapas procedimentais, constituindocerceamento de defesa, com violao da garantia constitucional, qualquerrestrio aos meios de prova , ou decises no antecedidas de contraditrio.56

    Decidir pela fraude de execuo, em simples incidente, dentro do processode execuo, onde se ouve apenas o credor, como vem acontecendo, prtica queno deve ser estimulada.57 No o direito do credor satisfao do crdito quepoder ilidir outros direitos maiores como as garantias fundamentais e constitucionaisdo direito ao tratamento igualitrio, do devido procedimento legal, da ampla defesae do contraditrio, que devem ser assegurados ao adquirente, at mesmo porque secuida de garantia maior prevista na Constituio Federal. O direito de defesa omais sagrado e importante direito conhecido e existente entre os povos, neste passovale a pena anotar a advertncia de COUTURE (1951), para quem, nunca haverjustia se, havendo duas partes, apenas se ouvir a voz de uma. 58

    Se verdade que o credor tem um direito infraconstitucional satisfao deseu crdito, no menos verdade que o adquirente tem outros direitos maiores egarantidos Constitucionalmente, que so os direitos humanos e fundamentais docidado. Assim, h confronto de direitos, o direito do credor e o direito do terceiroadquirente na qualidade de novo proprietrio. Em sendo assim, o que se tem quedirimir em primeiro plano qual o direito ou quais os direitos que devem ser atendidospreferencialmente.55

    TEIXEIRA, Slvio de Figueiredo. AJURIS 44/86.56

    MOLITOR, Joaquim. Plenitude da defesa. in Temas de Processo Civil. Pg. 157-158. Coordenao de KiyoshiHarada. Editora Juarez de Oliveira. So Paulo: 2000.57

    TAMG. Ap. 269.966-1. RJTAMG 74/196.58

    COUTURE, Eduardo J. Introduo ao estudo do processo civil. Pg. 54, 3 edio. Tradutor Mozart VictorRussomano. Rio de Janeiro: Jos Konfino Editor. 1951.

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    princpio geral de direito que no confronto entre o direito garantidoconstitucionalmente e outro direito em sentido contrrio, garantido por normainfraconstitucional, deve prevalecer o primeiro. de saber notrio e elementar quesempre haver de prevalecer a Constituio Federal frente legislaoinfraconstitucional.

    Dessa forma, antes da satisfao do crdito do credor interessado nadeclarao da fraude de execuo, deve ser garantido ao adquirente o devidoprocedimento legal, ainda que isso demande certo tempo e algumas despesasprocessuais. certo que o credor tem um direito infraconstitucional de crdito, maso terceiro adquirente tem, alm da garantia constitucional de um direito de defesa,ainda o direito constitucional de propriedade, que por serem garantidosconstitucionalmente devem prevalecer sobre o direito do credor.

    Seguindo esses parmetros, de se convencer de que antes da declaraoda fraude de execuo, deve assegurar-se o devido procedimento legal, tanto aoexecutado (alienante), quanto ao terceiro adquirente, sendo que este, na grandemaioria das vezes, o faz na mais expressiva inocncia e boa-f. Fora isso, o que sev arbitrariedade, inconstitucionalidade e ausncia de um estado de direito. Umsistema jurdico evoludo e um estado de direito que se presa no pode permitir quealgum sofra restrio ou constrio de seu bem sem o devido processo legal. AConstituio Federal em sua funo altaneira e com os mais ldimos propsitos dese estabelecer no Pas, um verdadeiro estado de direito, preocupou-se de estabelecera exigncia de um devido procedimento legal anterior, com ampla defesa econtraditrio, para somente depois algum poder sofrer constrio em seus bens ouseus direitos, conforme clara e expressamente a normatizao do artigo 5, LIV eLV da CF .

    O jurista do seu tempo, no entanto, deve viver com sua poca, se no quiserque esta viva sem ele.59 Por isso que a doutrina e a jurisprudncia mais modernaproclamam a necessidade antes do devido procedimento legal, ampla defesa e ocontraditrio para somente depois e por sentena em ao prpria reconhecer-se afraude de execuo.60

    O homem do seu tempo no deve curvar-se s doutrinas convencionais ou jurisprudncia subserviente, mas revestir-se da coragem de se preferir ser justo,parecendo injusto, do que injusto para salvar as aparncias (Calamandrei), mesmoque tenha que divergir do entendimento predominante, procedendo como bonusiudex, ou seja, aquele que adapta as normas s exigncias da vida.61

    de lembrar ainda a advertncia de CANOTILHO (1997) lavrada nosseguintes termos:

    59 Ver Josserand, Derecho Civil, n 558, vol. I.

    60 RT. 772/153, 776/231; RNDJ 7/202; ADV-COAD 18/287(2000)

    61 Confira: Salvio de Figueiredo Teixeira, Revista Brasileira de Direito Processual, vol. 28, pg. 120.

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    Seria, porm, cientfica e pedagogicamente redutor ensinar apenas o direitopositivo sem fornecer algumas propostas quanto aos modos de interpretar eaplicar as normas de uma lei fundamental. Quem quiser ser um verdadeirojurista no pode desconhecer a metdica constitucional. O ltimo patamardo saber fornecido pela teoria da constituio(...). 62

    Em nome dos direitos humanos fica, pois, este brado de alerta, o direitocomea pela Constituio e somente poder ser considerada perfeita a interpretaoque parte dessa norma maior e que a respeite e a adote. Ningum poder se dar aoluxo de se dizer intrprete ou jurista, sem seguir as normas constitucionais. Malconhece o direito, quem mal conhece a Constituio.

    6. 2. A absurda priso civil do depositrio judicial sem leiO Tribunal de Justia do Estado de So Paulo decidiu que no tem mais

    cabimento a priso do depositrio em razo da supervenincia do Pacto Internacionalde So Jos da Costa Rica.63 Indiferentemente do partido que se queira tomar emrelao ao alcance do Pacto de So Jos da Costa Rica que, para os mais conceituadosestudiosos do assunto64, afastou toda e qualquer possibilidade de priso civil, aquiapenas se procura levar em conta a questo relativa responsabilidade do depositriojudicial e no a convencional ou legal, prevista no Cdigo Civil.

    Como fcil perceber, para a figura do depositrio judicial no de essnciaa guarda de coisa alheia. Na grande maioria dos casos, o depositrio devedor eguarda a sua prpria coisa, o que se afasta do depsito clssico. Ademais, para quese configure o depsito clssico necessrio que a guarda da coisa alheia seja aobrigao principal e no acessria e, secundariamente, somente para a garantia dedvida.

    No se encontra no sistema jurdico brasileiro norma alguma a contemplara priso do depositrio judicial, que uma espcie de priso administrativa. Entre odepositrio judicial e o juiz existe uma relao de subordinao hierrquica, nodizer de THEODORO JUNIOR.65 Ora, se o que existe uma relao de hierarquiaentre o juiz e o depositrio judicial, afastada est a idia de contrato onde as partesficam em igualdade, sem hierarquia. De outra forma, a hierarquia induz relaojurdica administrativa e se nesta h depsito, este ser de natureza administrativa e

    62 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituio. Pg. 21.

    63 TJSP. AgIn. 62.449-5.09-02-1998. PRISO CIVIL - Depositrio infiel No cabimento com o advento do Pacto

    Internacional de So Jos da Costa Rica, do qual o Brasil signatrio. Decreto Federal n. 678, de 1992". JTJ-Lex. v.204, p. 207.64

    Por todos: MAZZUOLI, Valrio de Oliveira Priso civil por dvida e o pacto de San Jos da Costa Rica. 2002.65

    THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execuo. 18 edio, p. 363

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    no se cuida de relao contratual civil, conforme dispe o Cdigo Civil.66 Comoeste somente regula a relao de depsito civil e no a administrativa, esta ficou semregulamentao.

    Conforme restou exposto acima, mudando seu pensamento, o mesmoProfessor THEODORO JUNIOR67 passou a afirmar que inexiste na regulamentaolegal do depsito judicial qualquer dispositivo que regule ou autorize a priso civildo depositrio judicial. Afirma ainda que a previso contida na Constituio Federal genrica e excepcional, esclarecendo que conforme o artigo 5, LIV, ningumpoder ser privado de seus bens ou de sua liberdade sem o devido processo legal.

    No seu descortino avanado, THEODORO JUNIOR68 arremata que noseria jamais aberto ao juiz o arbtrio de ordenar a priso do depositrio judicial, sema mnima previso em lei, at porque se a ao de depsito a nica via processualem que se chega priso do depositrio judicial, a concluso forosa seria a de queinexiste forma legal para decretar-se a priso do depositrio do juzo.

    Essa concluso parece ser a nica vivel diante da circunstncia de que oCdigo Civil (art. 652) fala apenas em depsito voluntrio ou necessrio, espciedo gnero depsito civil. Nada falando sobre depsito judicial ou administrativo,at porque no seria ali sede prpria para tal. O Cdigo de Processo Civil no cominapena ao depositrio judicial, e o procedimento descrito nos artigos 901 a 906 somentese refere aos casos de depsito civil ou clssico e no aos casos de depsito processualou administrativo, de forma que nem mesmo cabe ao de depsito, no caso dedepositrio judicial.69

    A confirmao que aqui se tem sustentado em relao inexistncia de leia amparar a priso do depositrio judicial, est estribada no Projeto de Lei (n 1214/03) apresentado pelo nobre Deputado Luiz Bittencourt e que se encontra na Comissode Constituio e Justia, pelo qual se busca a alterao do art. 150 do CPC, paranele incluir a possibilidade de priso do depositrio judicial.

    Este aspecto interessante por um lado, porque demonstra que at agorainexiste lei nesse sentido, pois se lei existisse no precisaria de outra para autorizara priso. Se o nobre Deputado est querendo com o projeto de lei obter alterao doCPC, para criar essa figura de priso, porque at o momento ela inexiste.

    De outro lado, como alerta MAZZUOLI,70 esse projeto de lei inconstitu-cional, porque contraria o Pacto de So Jos da Costa Rica, incorporado em nossosistema constitucional.

    66 Cdigo Civil. Artigo 652. Seja o depsito voluntrio ou necessrio, o depositrio que no o restituir quando

    exigido ser compelido a faz-lo mediante priso no excedente a um ano, e ressarcir os prejuzos.67

    THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execuo. 18 edio, p. 364.68

    THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo de execuo. 18 edio, p. 36569

    Priso Depositrio para garantia do crdito, e no para a guarda da coisa- Priso do depositrio desautorizada,especialmente na hiptese de bens fungveis, quando aplicveis as regras do mtuo Anlise da jurisprudncia Priso indeferida. Deciso mantida. JTACSP-Lex v. 150, p. 18.70

    MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. Priso de depositrio infiel e responsabilidade internacional do Estado. Braslia:Correio Brasilense de 26/07/2004. p. 01.

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    Ainda que se esquea o referido pacto, a inconstitucional subexiste porquea Constituio da Repblica no permite a priso por dvida e depsito judicial porser apenas meio de garantir a execuo, que a relao principal, indiretamente seconstitui em pagamento de dvida. Tanto assim que basta o depositrio pagar paraa priso se encerrar. No se trata de depsito como relao principal e sim depsitopara satisfazer a execuo, o que caracteriza caso de priso por dvida.

    Se de um lado inexiste norma cominando pena de priso civil ao depositriojudicial, de outro existe norma estabelecendo quais as conseqncias a que estsujeito o depositrio judicial e, como bem lembra AMARAL SANTOS71, esteresponde pelos prejuzos que, por dolo ou culpa, causar s partes, no descumprimentodo encargo. Assim tambm j foi decidido pelo Tribunal de Justia de Santa Catarina,72com o entendimento de que em caso de descumprimento do encargo de depositriojudicial, a conseqncia a responsabilidade pelos prejuzos causados.

    Em verdade, o artigo 150 do Cdigo de Processo Civil, a nica norma queregula matria, impe apenas, como conseqncia do descumprimento dos deveresdo depositrio, a obrigao de responder pelas perdas e danos, nada falando depriso do depositrio.73

    Como o depositrio judicial um auxiliar do juzo e a este est vinculadoadministrativamente, caso fosse admitida a priso civil, esta seria de naturezaadministrativa. No entanto, a nossa sistemtica constitucional atual no permite maisa priso administrativa, fora dos casos de priso militar (art. 5, LXI, da CF).

    Que a priso de depositrio judicial de natureza administrativa, j foireconhecida pelo Tribunal de Justia de So Paulo.74 Em se tratando de priso denatureza administrativa, no est autorizada pela Constituio Federal (art. 5, LXI).Observando a questo por outro enfoque, pode-se dizer que a priso do depositrioinfiel somente poder ocorrer nos casos de depsito tpico, em que a obrigaoprincipal se constitua no prprio depsito e no quando se trata de obrigao principalde dvida onde o depsito aparece secundariamente. Nesse sentido j foi decidopelo Superior Tribunal de Justia, onde se entendeu que a Constituio da Repblicaautoriza a priso civil por dvida em dois casos, apontando um deles, como a situaode depositrio infiel e advertindo que se devem separar as duas situaes de depsito,uma como obrigao principal e outra como obrigao acessria, afirma que a prisocivil somente cabvel no caso de depsito como obrigao principal, sendoimpossvel estend-la segunda, ou seja, nos casos de obrigao acessria, onde

    71 AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 3, p. 296.

    72 TJSC. AgIn. 96.009925-5, 3 Cmara. J. 28.04.1998. A funo pblica de depositrio judicial gera a obrigao de

    guarda e conservao dos bens penhorados, sob pena de responder pelos prejuzos causados por culpa ou dolo,conforme dispe o art. 150 do CPC.. RT. 754/407.73

    CPC. Art. 150. O depositrio ou o administrador responde pelos prejuzos que, por dolo ou culpa, causar parte,perdendo a remunerao que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no exercciodo encargo.74

    TJSP. 3 cmara Criminal. 3.780-3. j. 22-09-1980; Cabvel, no caso, o habeas corpus, pois a deciso que decretaa priso administrativa de depositrio infiel agravvel de instrumento, sem suspensividade. RT. 544/316.

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    impossvel a decretao da priso do depositrio.75

    Dois aspectos interessantes merecem ser lembrados:

    a) o primeiro deles o absurdo caso em que o devedor diante da penhora docrdito, na forma do artigo 671 e 672, 2 do CPC, mesmo alegando que no pagariaporque a dvida estava prescrita, teve a sua priso decretada. O terceiro no foiexecutado, o seu credor que o foi e houve a penhora apenas do crdito e sem haverqualquer ato de transferncia de coisa para depsito, mesmo porque coisa algumaexistia, foi esse terceiro considerado depositrio (art. 672, 1 do CPC), e por seentender prescrita a dvida deixou de fazer o depsito (art. 672, 2 do CPC).76 Umcaso tpico de priso por dvida e no de depsito pela guarda de alguma coisaalheia.

    b) o segundo aspecto que merece muita ateno a circunstncia de que odepositrio judicial somente o , em razo de alguma dvida que se quer garantir eno em razo de guarda de coisa alheia que se tem de devolver. De regra, o depositriojudicial assume esse encargo no por livre e espontnea vontade, mas por imposioda situao em que se v envolvido em alguma execuo. O bem depositado paraa garantia de pagamento de dvida ou de alguma obrigao de entrega de coisa.

    Se o bem j se encontra sob constrio judicial, a sua disposio podeconfigurar fraude execuo (art. 593, do CPC) e a disposio em fraude de execuo considerada ineficaz perante o credor-exeqente (art. 592, do CPC). Ora, se adisposio da coisa considerada ineficaz (art. 592, do CPC), podendo o credorprosseguir na execuo e busc-la nas mos de quem quer que seja, nenhum prejuzohaver para esse credor, nesse caso a coisa sai das mos do depositrio, mas no saido processo, continua como garantia da execuo. A execuo prossegue como antessobre o bem alienado. Logo, no se h de falar em prejuzo e nem em depositrioinfiel, menos ainda em priso do depositrio infiel como j se decidiu. Alis, assimj foi decidido pelo Egrgio Tribunal de Justia de So Paulo, com o entendimentode que tal disposio inoperante diante do juzo da execuo.77

    75 STJ. RHC. 3.901.9. JSTJ e TRF-Lex. v. 82, p. 304. So Paulo: Lex, junho 1996 e ainda REsp. 3.413 e 3.909,

    citados em RT. v. 751, p. 288..76

    STF. 2 Turma. RHC. n 66.614-1-SC. Rel. Min. Carlos Madeira. J.13.09.1988. DJU. 30.09.1988. p. 24.986.Depositrio de crdito do devedor, determinada pelo Juiz do processo de execuo. Se o depositrio no depositouem Juzo a importncia respectiva, no vencimento do ttulo, eximindo-se de faz-lo por entender prescrita a ao decobrana, cabe a priso civil, independente da ao de depsito. Bol. AASP. n 1560. p. 272. de 09-11.1988,77

    PRISO CIVIL. Ameaa de decretao contra depositrio infiel Alienao de parte do bem imvel penhorado,por cuja evico no responde Ineficcia da mesma, em face do art. 592, do CPC. Constrangimento ilegal configurado.Concesso de Habeas Corpus. A alienao, sem responder pela evico, de parte do imvel penhorado pelodepositrio, a par de ser por lei ineficaz, nos termos do art. 592, n. V, do C.P.Civil, no constitui motivo para adecretao de sua priso civil, mesmo porque esta no se destina a tutelar regras de moralidade, porm estinstrumentalmente disposta realizabilidade do crdito. TJSP. HC. 134.925 . Rel. Des. Cavalcanti Silva. RF. v. 266,p. 293. No corpo do acrdo consta: operada a penhora (houve sua inscrio?), qualquer posterior alienao inoperante e, ante tal conjuntura, sem acrscimo de convencimento, no endossamos se legitime a priso do depositrio,embora o depositrio seja infiel, ao que tudo indica. Interpretao teleolgica da lei no o facultaria. Seria formacompulsiva rpida cobrana do dbito, apenas. RF.266/293.

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    6.2.1. Antecedentes JurisprudenciaisNa jurisprudncia so registrados antecedentes que comungam com a posio

    at agora exposta. Bastante exemplificativo foi o julgamento proferido no Tribunalde Justia de So Paulo, pela Egrgia Stima Cmara de Direito Pblico, com relatoriado eminente Des. Walter Swensson, com a seguinte ementa.

    EXECUO FISCAL Penhora Bens do estoque rotativo Alienaoem outras execues fiscais Depositrio Decretao da priso Inadmissibilidade Matria regulada pelo Cdigo de Processo Civil Inexistncia de previso legal para a hiptese Recurso provido.

    Inexiste na regulamentao legal do depsito judicial qualquer dispositivoque regule ou autorize a priso civil do depositrio. 78

    Agravo de instrumento Executivo fiscal Penhora de bens do estoquerotativo, alienados em outras execues fiscais Deciso que decretou prisode depositrio Inadmissibilidade Inexistncia na regulamentao legaldo depsito judicial de qualquer dispositivo que regule ou autorize a prisocivil do depositrio Recurso provido.79

    Em outros acrdos da lavra do eminente Des. Srgio Pitombo, a mesmaposio foi adotada, com a seguinte passagem:

    preciso repetir e mais outra vez: no se cuida de depsito, derivado decontrato; nem de depsito necessrio; todas hipteses nascentes do CdigoCivil (arts. 1.265 a 1.281 e 1.282 a 1.287). O depsito, aqui, se rege peloCdigo de Processo Civil (arts. 139; 148 a 150; 666; 672, 1 677 e 678;690, 1 n. III; 733; 824 e 825; 858 e 859; 919; e 1.145, 1). Osmandamentos processuais no aludem priso. No se aplicam aodepositrio de bem penhorado, arrestado ou seqestrado por exemplo os preceitos referentes ao de depsito (art. 901 a 906, do Cd de Proc.Civil). 80Necessidade de interpretao restrita dos preceitos, em razo daexcepcionalidade da constrio liberdade de ir e vir, no regulamentovigorante. Inexistncia de norma infraconstitucional, que especifique eregulamente a imaginada priso do depositrio judicial. 81

    78 TJSP. AI 200.116-5. in JTJ-Lex 247, p. 103.

    79 TJSP. AI. 200.116-5, in JTJ-Lex 247, pp. 103-104.

    80 TJSP. AI. 129.078.5/4. Tambm o Primeiro Tribunal de Alada Civil de So Paulo em julgamento do Hbeas

    Corpus, n 544.695-7, rel. Juiz Jacobina Ribeiro, assim decidiu: No englobando a hiptese de o prprio devedorassumir a funo processual de depositrio, de bem ou direito prprio (arts. 665, n IV e 666, caput, do Cd. de Proc.Civil), citado in JTJSP v. 247, p. 105.81

    AgIn. 088.736-5/0 Rel. Des. Sergio Pitombo. RF. v. 360, p. 233.

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    Tambm, o Tribunal de Alada do Estado de So Paulo tem prestigiado esseentendimento e assim decidiu:

    inadmissvel a priso civil de devedor que se recusa a entregar bens dadosem garantia de dvida, por no poder ser considerado depositrio infiel,uma vez que, para a caracterizao do contrato de depsito necessrio queeste tenha como finalidade principal a guarda e no a garantia de determinadobem. 82

    O Superior Tribunal de Justia j decidiu que, somente, pode haver prisode depositrio quando o depsito corresponder obrigao principal, isto , quandose tratar de depsito tpico e no de depsito como obrigao acessria, como aqueleem que o devedor, fora da obrigao principal, assume a condio de depositriojudicial, esta como obrigao administrativa e secundria. Assim restou o acrdoementado:

    RECURSO DE HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. CDULARURAL PIGNORTICIA E HIPOTECARIA. PRISO CIVIL.A Constituio da Repblica autoriza a priso civil, por dvida em doiscasos: inadimplemento voluntrio e inescusvel de obrigao alimentcia edo depositrio infiel (art. 5, LXVII). Cumpre, no entanto, distinguir duassituaes: a) o depsito a obrigao principal: b) o depsito obrigaoacessria. No primeiro caso, o depositrio deve restituir a coisa, conformeo convencionado, no segundo, o depsito refora a obrigao decumprimento de contrato. A priso civil restrita primeira hiptese.Impossvel estend-la segunda, sob pena de a restrio ao exerccio dodireito de liberdade ser utilizada para impor ao devedor honrar dvida civil.Interpretao coerente com a evoluo histrico-poltica dos institutosjurdicos.83

    6. 3. Reteno de dinheiro de incapazes sem lei.Em homenagem aos direitos humanos, a Constituio Federal, ao tratar dos

    DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, disps em seu artigo 5, II, queningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude delei.

    82 TACSP. AgIn. 749.947-0, 1 Cam. J. 20.10.1997, rel. juiz. Elliot Akel. RT. v. 751, p. 287.

    83 STJ. RHC. 3.901.9. j. 20-09-1994. JSTJ-TRF, v. 82, p. 304. junho 1996.

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    Por esta norma constitucional, fica claro que ningum est obrigado a deixaro seu dinheiro retido disposio do juzo e em banco contra a sua vontade, salvo sehouvesse previso expressa em lei. No entanto, tornou-se costume no Brasil, odinheiro de incapaz ficar retido at que complete a maioridade.

    Portanto, determinar-se que o dinheiro pertencente ao incapaz seja retidosem lei clara e expressa ferir mortalmente a Constituio federal. A reteno debem de qualquer pessoa somente poder ocorrer quando prevista clara eexpressamente em lei. Tal medida restritiva de direito e por isso representa exceo.Toda norma restritiva de direito e de exceo deve ser expressa, no podendo sofrerinterpretao ampliativa e no possvel interpretao analgica.

    6.3.1. Da restrio (reteno) inconstitucional de dinheiro de incapazAlm da norma estilizada no artigo 5, II, da CF/88, que no obriga fazer ou

    deixar de fazer, seno em virtude de lei, norma protetora do direito fundamental daliberdade e da dignidade humana. A reteno do dinheiro do incapaz viola os direitoshumanos e a Constituio Federal que em seu artigo 5, LIV, assim dispe:

    LIV - ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devidoprocesso legal; (Art. 5, CF. 1.988)

    Desenganadamente, a Constituio Federal no permite que algum sejaprivado de seus bens, sem o devido processo legal. Ora, se ningum poder serprivado de seus bens, como haveria de privar o incapaz, que o maior necessitado?Ou ser que o incapaz no pessoa? Estaria ele fora da garantia constitucional?Porque desta privao? Qual a razo do vetusto costume de reter dinheiro de menorat completar a maioridade? S porque seria ele incapaz at esta idade? E se aps amaioridade ainda permanecer a incapacidade (ex: deficiente mental), ficar o dinheiroretido eternamente?

    So questes que qualquer leigo saber responder, sem a necessidade deser bacharel em direito.

    a) Ningum em s conscincia poder negar ser o menor, o maior necessitado.Nesta faixa etria, no tem emprego e indefeso. Retirar dele o dinheiro hoje, napoca em que mais precisa no mnimo atentar contra a vida e a dignidade humanado incapaz. Hoje que ele mais precisa deste dinheiro para alimentar-se, vestir-se,medicar-se etc. Caso passe por esse perodo, por ser o mais crucial de sua vida, aoatingir a maioridade, talvez, no mais necessitar do dinheiro, pois j estar emcondies de trabalhar e j no ser por certo indefeso. Sem levar em conta de queo dinheiro depositado desaparecer ou diminuir seu poder aquisitivo ao longo dosanos pela desvalorizao natural, visto que a atualizao bancria para os depositantes

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    em geral pilhrica e no acompanha a realidade.

    b) Tambm em s conscincia ningum poder negar que o menor incapaz gente (pessoa). No de hoje que se reconhece direito at mesmo ao nascituro(RT. 625/172 e 587/e 182 e 183). Se at mesmo o nascituro pessoa e deve ter seusdireitos fundamentais protegidos, porque ento haveria de ser diferente para oincapaz? O incapaz pessoa e deve ter seus direitos fundamentais respeitados eentre eles, o de no poder sofrer restrio em seus bens, sem o devido processo legal(art. 5 , LIV, da CF/88);

    c) Como foi visto, o menor pessoa e no pode ficar fora da garantiaconstitucional prevista no artigo 5 , LIV, da CF/88. Impor restrio aos bens dosmenores, pelo simples fato de ser incapaz, sem amparo legal e ainda sem o devidoprocesso legal (no caso, sem processo algum), violar a norma constitucional, noque tem de mais puro, que so os princpios da livre administrao e disposio dosbens, do devido processo legal, e ainda do direito alimentao, educao e sade;

    d) bem verdade que se tornou costume nos meios forenses a reteno dodinheiro de menor, at que este atinge a maioridade; Entretanto, at hoje no seconseguiu demonstrar qual a razo desta restrio.

    Alm de no constar de texto de lei expresso, ainda que constasse seria a leiinconstitucional, pois feriria o artigo 5, LIV, da Constituio Federal, que no permiterestrio de bens sem o devido processo legal. Na boa inteno de proteger o incapaz,acaba por ferir a sua dignidade e atentar contra os direitos humanos.

    e) Razo nenhuma existe para reter o dinheiro do menor at atingir amaioridade. At hoje nunca se explicou o porqu deste obsoleto, incoerente eultrapassado pensamento. Fosse porque o titular do dinheiro menor e por isso incapaz, seria o mesmo que dizer, que aquele que nunca atinge a capacidade, mesmoaps esta idade, ficaria pela vida inteira privado de seus bens. Em caso assim obanco ficaria eternamente com o dinheiro? E o direito do titular do dinheiro?

    Estas e outras observaes servem para demonstrar no s ainconstitucionalidade e ilegalidade da medida, mas, pior que tudo isto, a imoralidade,eis que retira alimento da boca do incapaz indefeso, para entregar o dinheiro emdepsito a banco, que dele se utilizar, para todo o tipo gio, sem retribuioequivalente.

    Os direitos privacidade e administrao dos bens familiares sointegrantes do grande grupo direitos humanos e contrari-los o mesmo que contrariartambm as garantias asseguradas pela Constituio Federal, dos direitos humanos.

    Na doutrina ecoa a voz de CARNELUTTI84 ao dizer que a vida do filho ,de regra, tambm um interesse do pai. Se assim , ningum melhor do que o prprio

    84 CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. p. 98.

  • 36 Revista do Programa de Mestrado em Cincia Jurdica da Fundinopi

    pai para administrar os bens dos filhos. Na doutrina nacional, CARVALHOSSANTOS, anota:

    Ao pai, para o desenvolvimento das faculdades contidas no instituto doptrio poder que ele exercita, concede o Cdigo uma ampla liberdade deao, estabelecendo que nenhum outro critrio deve nortear-lhe a atividade,como administrador do patrimnio do filho, que no seja aquele da utilidade,do bem-estar deste, presumindo, por outro lado, que ningum possa melhordo que o pai, e com mais vantagem, administrar o que pertence ao menor.85

    O mesmo CARVALHO SANTOS, em outro momento arremata:

    Poder o pai conservar em seu poder o dinheiro dos filhos para lhe dar odestino que, na qualidade de administrador, julgar mais proveitoso? Parece-nos que sim. Porque o art. 432 contm uma proibio que s se aplica aostutores, e, como sustentou o Desembargador RAFAEL MAGALHES, ospais com relao aos bens dos seus filhos, de que so administradoresnaturais, isentos da obrigao de prestar contas, no esto sujeitos mesmadisciplina (voto na