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B R - F E L I C I D A D E Joao, maria e o lobo mau - Uma estória idiota de bêbados drogados e filhos da puta

Br felicidade joao maria e o lobo mau uma estória idiota de bêbados drogados e filhos da puta

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B R - F E L I C I D A D E Joao, maria e o lobo mau - Uma estória idiota de bêbados drogados e filhos da puta

Recriação adaptação dramaturgia encenação Edward Fão Cenário espaços públicos das grandes cidades Espaço sonoro vento uivante e chuva constante com trovoadas intermitentes O som do espaço é gerado por equipamento alojado no carrinho de recolha de material reciclável e é composto por duas caixas acústicas e um leitor MP3, o ritmo do espetáculo está alicerçado numa paisagem sonora controlada pelas personagens. Iluminação luzes da noite com o brilho da lua e durante o dia um sol apagado e pálido. O dispositivo de luz está instalado no carrinho de recolha de material reciclável e é controlado pelas personagens. È composto por uma mesa de luz caseira, 01 lanterna e 01 foco de luz. Contexto Brasil do século XXI à procura do seu caminho e do seu papel nessa nova ordem mundial. João e Maria são dois vagabundos das grandes cidades, sem teto e já sem qualquer dignidade. Ele bêbado, ela submissa e toxicodependente, incapaz de resistir as vontades e decisões do seu ébrio companheiro. Vagam com seu velho carrinho/casa de compras pelas ruas das grandes cidades, mendigando e revirando caixotes de lixo em busca de restos comestíveis, beatas de cigarros e outro qualquer desperdício que possa ser reaproveitado. Vagam de terra em terra, por caminhos incertos a procura de “Tar”, dia após dia caminham incessantemente sem nunca encontrar o caminho que vai dar a “Tar”, acabam sempre voltando ao mesmo lugar, como se de lá nunca tivessem partido. Começa afinal... QUADRO I unidade 1 É final de tarde, chove a cântaros, João carrega Maria, que é paralítica, no seu carrinho de recolha de material reciclável, ele dá voltas circulares pelo espaço, empurra o carrinho com muito esforço, Maria dormita. Por fora do carrinho de reciclagem amarrados com cordas, há uma variedade de objetos: um tambor, uma coberta enrolada, um cão de pelúcia velho, uma lanterna, uma vara de pescar, mantimentos, água, uma bola de couro, uma caçarola, um guarda-chuva e outros tantos objetos utilitários. O som de trovoadas e de ventos uivantes do norte preenchem o espaço sonoro. O carrinho tem uma placa com a seguinte inscrição

o lobo Mau segue-os como se de um cortejo se tratasse. O Lobo Mau enquanto discursa usando um megafone, vez por outra pendura-se no carrinho e vai a reboque de João. O Lobo Mau é o abre alas do cortejo. Ao fundo pode-se ouvir o Guarani ato 1 de Carlos Gomes. Lobo Mau: A independência. A proclamação da república. A abolição da escravatura. São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos. Repete por diversas vezes, durante todo o percurso até chegar ao local marcado à representação. Unidade 2 Quando chegam ao local da representação o Lobo Mau discursa pela última vez, enquanto João procura um lugar para estacionar seu carrinho. Enquanto discursa o Lobo Mau, João retira do carrinho um rolo de corda, desenrolá-o

formando um grande circulo com seu carrinho ao centro. Ele define o espaço lúdico, separando os universos da representação e da realidade.

Lobo Mau: A independência. A proclamação da república. A abolição da escravatura. São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos. O Lobo Mau mistura-se ao público que se formou para ver o espetáculo. Ele narra uma breve estória, o som da sua voz sai do carrinho que transporta maria. A estória é contada para alguém do meio da platéia, de preferência uma criança, um louco, um bêbado, ou um idoso. ou um ser especial (um passarinho, uma formiga, uma lesma ou qualquer outra criatura viva). Enquanto o Lobo Mau conta a sua estória João prepara-se para despertar Maria. Antes prepara o café da manhã (café preto – pão seco). Lobo Mau- Havia uma vez, já há muito tempo, uma cidade maravihosa chamada Tar. Nesta época todas as nossas cidades estavam intactas. Não havia ruínas porque a guerra final ainda não havia se instalado. Quando ocorreu a grande catástrofe desapareceram todas as cidades menos Tar. Tar ainda existe, se você souber buscá-la a encontrará. E quando chegares a Tar encontrarás um lugar com uma caixa de música que se move com uma manivela. Quando chegares a Tar ajudarás nas colheitas e encontrarás o escorpião que se esconde na terra embaixo de uma pedra branca. Quando chegares a Tar conhecerás a eternidade e verás o pássaro que a cada 100 anos bebe uma gota de água do oceano. Quando chegares a Tar coomprederás a vida e serás gato fenix e cisne e elefante e criança e idoso.

E estarás sozinho e acompanhado. E amarás e serás amado. Eestarás aqui e mais além. E possuirás os desejos dos desejos. E a medida que cairem os céus sobre tua cabeça. Sentirás que o extâse existe por você, para não mais deixá-lo. Lobo Mau- (como alguém que faz uma entrevista) Você é feliz? De quanto você precisa para ficar feliz hoje? (elogia a roupa de uma pessoa) Nossa você esta de parabéns... Eis aqui entre nós uma pessoa de bom gosto. (cumprimentado - De forma particular faz diversos questionamentos sobre a felicidade entre o público ) Você é feliz? O que te deixa feliz? Qual é o preço da sua felicidade? (após um tempo cresce num discurso espetacular, como alguém que faz uma entrevista) Você é feliz? De quanto você precisa para ficar feliz hoje? unidade 3 João retira do bolso uma garrafa de vinho tinto e dá alguns goles. Enquanto procura pelo chão beatas de cigarro, Maria acorda meio perdida, não sabendo onde se encontra exatamente. Durante o diálogo entre Maria e João o Lobo Mau entrega ao público presente, panfletos de promessas de felicidade. Tenta convencê-los das vantagens dessas promessas. Maria – (cantando)- eu morrerei e ninguém se recordará de mim eu morrerei e ninguém se recordará de mim de mim de mim Maria agita-se assustada, como se acordasse de um pesadelo Maria- Mas eu vou morrer e ninguém vai se lembrar de mim (chora como um bebê). João caminha na sua direção, toma-a nos braços e embalá-a carinhosamente. João -(Docemente) -Sim Maria. Eu vou me lembrar de você e irei vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro. (Longa pausa. João olha Maria. Emocionado.) -E no seu enterro cantarei baixinho o refrão “Como é bonito um enterro", cuja música é muito engraçada. (Ele a olha silenciosamente e continua com ar satisfeito.) - Eu farei isso por você. João limpa Maria, usa um trapo velho e uma garrafa plástica com água. Maria – (acalmando-se) Você me ama muito. João -Amo, mas prefiro que você não morra. (Pausa) Vou ficar muito triste no dia que você morrer. Maria – (não acreditando) Ficar triste? Por quê? João -(Desolado) - Não sei. Maria - (fazendo manha) Você me diz isso, só porque ouviu-me dizer. Isso é sinal de que você não ficará triste. Você sempre me engana. João – Não Maria, eu estou dizendo a verdade, vou ficar muito triste. Maria - Você vai chorar? João -Farei um esforço, mas não sei se vou conseguir. Não sei se vou conseguir! Não sei se vou conseguir! Você acha que isso é uma resposta? Acredite em mim, Maria. Maria – (confusa) Mas acreditar em quê? Unidade 4 João -(Refletindo) - Não sei bem. Diga apenas que acredita em mim.

Maria -(Como um autômato) - Eu acredito em você. João – (desapontado) Mas nesse tom, não vale. Maria – (Alegremente falsa) - Eu acredito em você. João -Assim também não vale, Maria. (Humildemente) -Fale direito, pois quando você quer, você sabe dizer muito bem as coisas. Maria -(Num outro tom, também pouco sincero) - Eu acredito em você. João -(Abatido) Não, Maria, não. Não é assim. Tente outra vez. Maria -(Faz um esforço, mas não são sinceras suas palavras) - Eu acredito em você. João -(Muito triste) -Não, não, Maria. Como você é, como se comporta mal comigo. Tente, mas direito. Maria -(Sem ainda conseguir) - Eu acredito em você. João - (Violento) - Não, não, não é isso. Maria -(Faz um esforço desesperado) - Eu acredito em você. João -(Violentíssimo) - Assim também não. Maria -(Muito sincera) - Eu acredito em você. Unidade 5 João prepara o café da manhá à Maria.

João -(Comovido) - Você acredita em mim, Maria! Você acredita em mim! Maria -(Também comovida) - Eu acredito em você. João – (alegria infantil) Como eu sou feliz! Maria -(sonhadora) Eu acredito em você, porque quando fala, você parece um coelho e quando dorme comigo, você me deixa ficar com toda a coberta e fica sentindo frio. João – (envergonhado) Isso não tem importância. Maria -(sonhadora) E sobretudo porque pelas manhãs você me banha na fonte e, assim, eu não tenho que me lavar, pois isso me aborrece muito. João -(Depois de uma pausa, resoluto) - Maria, quero fazer muitas coisas por você. Maria – (eufórica) Quantas?

João -(Reflete) - Quanto mais melhor. Maria – (determinada) Então o que você tem de fazer é lutar pela vida. João – (vencido) Isso é muito difícil. Maria – (determinada) É assim que você pode fazer alguma coisa por mim! João -(irônico) Lutar pela vida? Que coisas você diz! (Pausa) -Quase uma brincadeira. (Muito sério) -É que, Maria, não sei porque tenho que lutar pela vida e, talvez se eu soubesse o porque, não teria forças; e inclusive se eu tivesse forças, não sei se elas me serviriam para vencer. Maria – (incentivando) João, faça um esforço. João – (pensativo) Fazer um esforço? (Pausa) - Talvez assim seja mais simples. Maria – (determinada) Temos que fazer um acordo. João – (decidido) E você acha que isso nos ajudará? Maria – (com certeza) Estou quase certa. João -(Pensa, perdido) - Mas, ajudar em que? Maria – (exclarecedora) Não importa, o que interessa é que nos ajude. João - Para você tudo é muito simples. Maria - Não, para mim também é difícil. João - Mas você tem soluções para tudo. Maria - Não eu nunca encontro soluções, o que ocorre é que me iludo dizendo que as tenho encontrado. João - Isso não vale. Maria -Já sei que não vale, mas como ninguém me pergunta nada, dá no mesmo; além do mais, é muito bonito. João - Sim, está certo, é muito bonito. Mas e se alguém lhe perguntar alguma coisa? Maria -Tanto faz. Ninguém pergunta nada. Todos estão muito atarefados buscando uma maneira de enganarem-se a si mesmos. João - Uh! Que complicado! Maria - Sim, muito. Unidade 6 João -(Comovido) - Como você é esperta, Maria! Maria - Mas não me serve de nada, você sempre me faz sofrer. João - Não, Maria. Eu não lhe faço sofrer, muito pelo contrário. Maria - Lembra-se de como você me bate quando pode. João -(Envergonhado) - É verdade. Não voltarei a fazer isso, você verá que não. Maria -Você sempre me diz que não voltará a fazer, mas logo me atormenta o quanto pode e diz que vai me amarrar com uma corda para que eu não possa me mover. Você me faz chorar. João -(Terníssimo) -Fazia você chorar, principalmente, quando você estava naqueles dias. Não, Maria, não voltarei a fazer. Comprarei uma barca quando chegarmos a “Tar” e levarei você para ver um rio. Você quer, Maria? Maria - Sim, João. João - E eu sentirei todas as suas dores, Maria, para que veja que eu não quero fazer você sofrer. (Pausa) - Terei filhos como você também. Maria -(Comovida) - Como você é bom! Unidade 7 João -Quer que eu lhe conte estórias bonitas, como a do homem que levava uma mulher paralítica, a caminho de “Tar”, num carrinho de reciclagem? Maria - Primeiro, me leva pra passear. João -Sim, Maria. (João toma Maria nos braços e passeia com ela pela cena) -Olhe, Maria, como são bonitos o campo e a estrada. Maria - Sim, como eu gosto! João - Olhe as pedras. Maria - Sim, João, que pedras lindas! João - Olhe as flores.

Maria - Não tem flores, João. João -(Violento) - Dá no mesmo, olhe as flores. Maria - Eu estou dizendo que não tem flores. Maria fala agora num tom muito humilde, João, pelo contrário, se torna mais autoritário e violento por momentos. João -(Gritando) - Eu disse para olhar as flores! Será que não entende? Maria - Sim, João, me perdoa. (Longa pausa) - Como sofro por ser paralítica! João - É bom que seja paralítica, assim sou eu que levo você para passear. Unidade 8 João se cansa de carregar Maria nos braços ao mesmo tempo que se torna cada vez mais violento. Maria -(Bem docemente, temendo desagradar João) -Como está bonito o campo com suas flores e suas árvorezinhas. João -(Irritado) - Onde é que você está vendo árvores? Maria -(Docemente) - Assim se diz: o campo com suas lindas árvores. (Pausa) João - Você é muito pesada. (João, sem nenhum cuidado, deixa Maria cair no chão.) Maria -(Grita de dor) - Ai João! (Imediatamente com doçura, com medo de desagradar João) - Você me machucou! João -(Duramente) - Você ainda se queixa. Maria -(Quase chorando) -Não, não me queixo. Muito obrigada, João. (Pausa) -Mas eu gostaria que você passeasse comigo no campo e me mostrasse as flores tão bonitas. Unidade 9 João, visivelmente desgostoso, segura Maria por uma perna e a arrasta pela cena. João -Então, agora está vendo as flores? O que mais queria ver? Heim? Diga. Já viu o bastante? Maria -(Soluça esforçando-se para que João não a ouça. Sem dúvida sofre muito) – Sim, sim. Obrigada... João. João - Ou quer que eu a carregue até o carrinho de reciclagem? Maria -Sim, se não for incômodo. (João arrasta Maria pela mão até deixá-la junto ao carrinho) João -(Visivelmente chateado) -Eu tenho de fazer tudo pra você e ainda por cima você chora. Maria - Me perdoa, João. (Ela soluça) João - Qualquer dia eu lhe deixarei e irei para bem longe de você. Maria -(Chora) - Não, João, não me abandone. Eu só tenho você no mundo. João - Você não faz nada mais que me amolar. (Grita) - E não chora. Maria -(Faz um esforço para não chorar) - Não estou chorando. João -Pare de chorar, eu já disse. Se você continuar chorando, vou me embora agora mesmo. Maria apesar de tentar impedi-lo, continua chorando. João -(Muito chateado) -Então você continua chorando, sempre, sempre, hein? Pois agora mesmo eu vou embora e não volto nunca mais. Unidade 10 João Abandona Maria e dá algumas voltas na cena, está enfurecido. O Lobo Mau invade o espaço da representação em direção à Maria, enquanto João num canto toca no seu trompete uma conhecida marcha militar. Lobo Mau: A independência.

A proclamação da república. A abolição da escravatura. São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos. Tempo...

Lobo Mau- Durante milhares de séculos o homem acumulou conhecimento; Enriqueceu sua inteligência até atingir essa maravilhosa perfeição que é a vida moderna. Por toda parte a felicidade, a alegria, a tranquilidade, o riso, a compreensão abundam. Tudo foi criado para tornar a vida do

homem mais simples, sua felicidade maior, sua paz mais duradora O homem descobriu tudo o que é necessário para o seu conforto. E hoje é o ser mais sereno e o mais feliz de todos os seres da criação. Construirei para mim uma gaiola de madeira e nela me fecharei. De lá perdoarei à humanidade por todo o ódio que ela nutre por mim. Perdoarei meu pai e minha mãe pelo dia que uniram seus ventres para me engendrar. E perdoarei à minha cidade, meus amigos e meus vizinhos por não terem percebido meu valor e ignorado quem sou, e perdoarei, e perdoarei, e perdoarei... unidade 11 Depois de alguns instantes acalma-se e volta devagar e temeroso, até chegar onde está Maria. João - Maria, me perdoa. Humilde, João toma Maria nos braços e a beija. Depois ele a senta comodamente. Ela se deixa levar sem dizer nada. João - Eu nunca mais vou ser mau com você. Maria - Como você é bom, João! João - Sim... Maria, você verá como eu vou me portar bem de agora em diante. Maria - Sim, João. João - Me diga o que é que você quer. Maria - Que nos coloquemos a caminho de “Tar”. João -Vamos partir imediatamente. (João toma Maria nos braços com muito cuidado e a coloca no carrinho) -Há muito tempo que nós estamos tentando chegar a “Tar” e não conseguimos nada. Maria - Vamos tentar outra vez... João - Muito bem, Maria, como você quiser. Unidade 12 João empurra o carrinho que começa a cruzar lentamente a cena. Maria, dentro dele, olha para o fundo. João pára de repente, se dirige para Maria e lhe acaricia o rosto com as duas mãos. Pausa João - Eu peço perdão pelo que aconteceu. Eu não queria te fazer sofrer. Maria - Eu sei disso, João. João - Confia em mim. Nunca mais vou fazer isso. Maria -Sim, confio em você. Você é sempre muito bom comigo. Eu me lembro que quando eu estava no hospital, você me enviava cartas enormes, para que eu pudesse me gabar que recebia cartas tão grandes. João -(Envaidecido) - Isso não tem importância. Maria -Também me lembro que, muitas vezes, como não tinha nada pra me contar, você me mandava um monte de papel higiênico para que a carta ficasse bem cheia. João - Isso não é nada, Maria. Maria - Como eu ficava contente! João - Você está vendo como tem que confiar em mim? Maria - Sim, João, eu confio. João - Sempre farei o que você mais gosta. Maria - Então, vamos nos apressar para chegarmos a “Tar”. João -(Triste) - Mas não chegaremos nunca. Maria - Eu já sei, mas tentaremos. Unidade 13 João empurra o carrinho de reciclagem pela cena João faz círculos contrários aos anteriores, dá várias voltas pelo espaço.

QUADRO II unidade 1 O Lobo Mau dirige-se para o meio do público. Enquanto fala com as pessoas distribui dinheiro. Ele é muito generoso. Anoitece. João Pára. Retira alguns objetos do carrinho de reciclagem e prepara uma cama para Maria, volta ao carrinho de reciclagem e lentamente, com muito cuidado, tira Maria do carrinho de reciclagem e a coloca na cama que lhe preparou. Pega numa grossa corrente de ferro e prende um dos pés de Maria o carrinho de reciclagem. A corrente é bastante comprida. João fala num tom docemente desesperante, enquanto bebe seu tintol.

João -Maria, estou muito cansado. Vou descansar um pouco. (Maria olha distraída) -Estou dizendo que estou muito cansado e que vou me sentar um pouco. (Maria olha sacudindo a cabeça e inexpressiva.) -Você quer alguma coisa? Me diga se você quer alguma coisa. (Maria não responde) -Fale comigo, Maria, não se cale, diga alguma coisa. Eu sei o que é que você tem. Você está zangada comigo, porque depois de tanto andar não avançamos e estamos no mesmo lugar de sempre. (Parece que Maria não ouve nada.) -Maria, me responde. (Suplicando) -Deseja alguma coisa? Maria, fale comigo. (João continua falando num tom suplicante e lamentável) -Quer que eu lhe mude de posição? Você não está bem assim? (Maria não responde, Maria não faz o mínimo caso de João) -Já sei: você quer mudar de posição. (João, com muito cuidado, a muda de posição. Ela se deixa levar. Ele a trata com muita atenção) -Você vai ficar melhor assim. (João coloca as mãos sobre o rosto de Maria e a olha com entusiasmo) -Como você é bonita, Maria! (João a beija. Maria continua imóvel.) -Me diga alguma coisa, Maria. Fale comigo. Você está aborrecida? Quer que eu toque tambor para

você? (João olha para Maria esperando uma resposta, depois continua muito contente) - Claro, vejo que você quer que eu toque tambor pra você. (João, muito contente, vai ao carrinho de reciclagem, pega o tambor e coloca na altura do estômago) -O que você quer que eu toque? (Maria nada fala. Silêncio) -Bom, eu vou tocar a canção da pena. Você gosta? (Silêncio) -Ou prefere que eu toque a canção da pena? (Silêncio. Maria não responde) -Como você quiser. (Ele vai começar a tocar o tambor, mas pára.) Estou com vergonha, Maria. (Silêncio) -Bem, vou fazer um esforço por você e vou tocar a canção da pena que você gosta tanto. (Ele vai começar, mas não se decide. Envergonhado) – Eu sinto muito por não saber outra canção além da canção da pena. (Pausa. De repente, João começa a tocar tambor de um modo muito sem jeito, enquanto canta com uma voz desafinada a seguinte canção.) - a pena estava na vara E a vara estava na pena. (bis) João- Gostou, Maria? Maria não diz nada. João muito entristecido vai até ao carrinho de reciclagem para deixar o tambor. Antes disso, ele olha para Maria, retoma o tambor e toca de novo. Olha de soslaio para Maria, mas vê que sua música não faz efeito nela. Desencorajado, deixa o tambor junto ao carrinho de reciclagem. Mais triste que nunca

João– Fale comigo, Maria. Diga-me alguma coisa. Como é que você quer continuar o caminho se não fala comigo? Estou cansado. Me sinto muito só. Fale comigo, Maria, diga alguma coisa. Conte-me qualquer coisa, mesmo que seja uma bobagem, mas diga alguma coisa. Você sabe falar muito bem quando você quer. Maria, não se esqueça de mim. (Pausa) -Eu vou te levar para “Tar”. (Pausa) -Às vezes você se cala e eu não sei o que o que está acontecendo com você. Não sei se está com fome, ou se quer flores ou se está com vontade urinar. Claro, eu posso me enganar, eu sei que você não tem nada do que me agradecer e inclusive pode estar zangada comigo, mas isso não é um motivo para não falar comigo. (Pausa) -Como sei que você quer ir para “Tar”, eu lhe estou levando.

Não me importam as dificuldades, só quero fazer aquilo que possa lhe agradar. (Silêncio) – Mas, Maria, fale comigo. (Maria olha sem expressão). Unidade 2 João dirigindo-se ao público, enquanto bebe seu tintol. João - (Lembrando-se entusiasmado) - Oh, como vocês falavam bem, como era bonito!... Sim, mas não prestava atenção, somente ouvia a música. Soava muito bem. (Cantarolando) – “Patati, patatá, simimi, simimó, que se o, que se a...” Lá de longe, era muito bonito de ouvir.... O que é que o senhor disse? Que existe pior que um porco, que existe melhor que um porco?... Não, eu somente pergunto se o que ele procura são animais melhores ou piores que o porco.... (Muito contente, fala precipitadamente) - Eu sei. Os piores são o leão, a barata, a cabra e o gato. E os melhores são a vaca, o coelho, a ovelha, o papagaio e o canguru.... Sim, o canguru... O senhor coloca as coisas de uma tal maneira que lança a dúvida no meu espírito.... (Chorando) - O senhor é demasiado forte.... (Desculpando-se) - Mas eu chorei muito pouco: duas lágrimas... Sim, é verdade, ela não me incomoda em nada. Ela é encantadora... Olhem para ela. (João move a cabeça de Maria, colocando-a em diversos ângulos, enquanto diz:) – Olhem como ela é bonita! Abaixem-se para vê-la por baixo, em perspectiva.... Venham aqui, os senhores vão ver como é bonito. ... Olhem que pernas bonitas e como o pano da sua combinação é suave. Toquem-na.... Olhem suas coxas, tão brancas e tão suaves. (João levanta a combinação de Maria)...O que eu mais gosto é de beijá-la. Seu rosto é muito suave. Dá gosto acariciá-lo. Experimentem.... Sim, acariciem assim. (João, com as duas mãos acaricia o rosto de Maria e as escorrega ternamente) – Venham, podem acariciá-la, vocês vão ver como é bom....Então, o que acha?... Você também.... Beijem-na também, como eu. (João beija rapidamente Maria na boca) – Façam isso, vão ver como é bom. ... Então, gostou?... (Muito satisfeito) - Pois é minha noiva.... um dia decidido a não falar, comecei a pensar no que poderia fazer para compensar o silêncio e me pus a andar de um lado para o outro.... No princípio eu andava e andava. Mas logo aconteceu o pior. (João se cala)...Não, não vou contar, é muito íntimo.... É melhor que eu me cale agora... a história acaba mal.. Desde a infância eu experimento sistemas infalíveis para reconhecer a razão.... um deles é o dos dias da semana, mas é muito complicado.... É assim: nos dias múltiplos de três, têm razão os senhores de idade, nos dias pares têm razão as mães e, nos dias terminados em zero, ninguém tem razão.... Mas é muito complicado: tem que se estar sempre atento ao dia que é e ter bastante cuidado para não se confundir. Foi assim que alguns dias eu dei razão a quem não tinha. Muitas vezes, isso impedia que me crescessem as unhas...por isso uso frequentemente o sistema da palavra, que é assim: se em cinco minutos, ninguém disser a palavra "onde", dou razão ao primeiro que disser a palavra "mosca".... sim, sem dúvida é um sistema perfeito...bom se ninguém disser a palavra mosca, então eu troco pela palavra "árvore"... se ninguém disse a palavra árvore, então eu dou razão ao primeiro que disser a palavra "água"... Com o tempo fica mais fácil, apesar de ser mais difícil no começo, tenho tudo previsto se ninguém disser a palavra "água" eu dou razão ao primeiro que disser (dúvida) ... que disser... (pensa) que disser a palavra... a palavra... "palavra"!... Não, não é verdade, eu não acabei de inventar.... (Envergonhado) A verdade é que eu não experimentei ainda... Unidade 3 Ninguém lhe dá atenção. Ele volta para junto de Maria olha por algum tempo docemente para ela, silêncio, bebe seu tintol. João -(Maria continua sem olhá-lo, ele docemente) Maria, você é melhor do que eles. Você sabe dizer coisas lindas. Fale comigo. (Maria continua em silêncio) -Quer que eu faça uma exibição para lhe agradar? Vou fazer acrobacias, heim? Maria continua em silêncio. João executa uma série de exercícios que são uma mistura de ballet, palhaçadas e gestos de bêbado. Por fim, sustentando-se sobre uma perna, une o joelho da outra com o cotovelo, enquanto que com a mão do mesmo braço ele faz caretas, colocando o polegar na ponta do nariz

João -(enquanto grita entusiasmado) Olhe como é difícil. Maria, olhe como é difícil! Maria continua calada. João, em silêncio e abatido, termina seu número, vai até Maria e dá uma volta em torno dela cheio de tristeza. Silêncio. Bebe seu tintol João -(Num tom de queixa, ainda sem gritar) - Fale comigo, Maria, fale comigo. João pega em Maria e coloca-a delicadamente no carrinho de reciclagem, guarda a cama e volta a puxar o carrinho de reciclagem pela cena, dá várias volta circulares. QUADRO III unidade 1

Lobo Mau: A independência. A proclamação da república. A abolição da escravatura.

São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos. Tempo. Lobo Mau- Aprenderão... aprenderão... Dominarei essa terra Botarei essas histéricas tradições em ordem, em ordem, pela força, pelo amor da força, pela harmonia universal dos infernos, e chegaremos a uma civilização O que eu não posso explicar aos meus amigos, são as razões que me levaram a abandonar o exercício da solidão pelo sacerdócio da vida pública. Nem cristo pôde explicar, a não ser com a própria vida. Assim eu responderei aos meus inimigos que cristo deu a vida pelo povo Quando os exploradores do povo quiseram que ele compactuasse com a exploração do próprio povo, morreu mas não traiu. Eu morrerei sem trair, proclamando a grandeza do homem, da natureza e de deus. Amanhece. João pára, bebe seu tintol, Maria está acordada e abatida. João - O que há com você? Maria - Estou doente. João segura Maria com muito cuidado e desce-a do carrinho de reciclagem. Maria tem uma comprida corrente de ferro que prende seu calcanhar ao carrinho João - Onde é que dói? Maria - Não sei. João - Que doença você tem? Maria - Não sei. João – Isso é o pior, se eu soubesse que doença você tem, tudo mudaria. Maria - Mas eu me sinto muito mal. João -(Com muita tristeza) – Você não vai morrer. Maria – Tenho um mal-estar muito grande. Me sinto muito mal, João você andou muito depressa. João – Sim, estou em grande vantagem. Maria – Mas outra vez voltamos ao mesmo lugar. Não adiantamos nada. João - Como você é pessimista. O importante é que nós estamos andando. Maria -Você correu muito, andou muito depressa. Essa rapidez não me fez bem. Eu já lhe disse isso. João -(Envergonhado) - É verdade, Maria, me perdoa. Maria - Você sempre me pede perdão, mas nunca me leva em consideração. João – É verdade, como eu sou mau com você... (Pausa) Maria -E ainda por cima você sempre diz que vai me algemar as mãos, como se não bastasse a corrente. João - Não, não vou algemar você. (Pausa) Maria - Você nunca me considera. Lembra-se de como às vezes, antes de eu ficar paralítica, você me amarrava na cama e me batia com a correia?! João - Eu não sabia que lhe maltratava. Maria – Mas eu dizia sempre. Quantas vezes eu disse que não podia suportar o mal que você me fazia! João -Maria, me perdoe. Eu não voltarei a lhe amarrar na cama a lhe bater com a correia, Eu prometo. Maria - Depois entrou numa de me amarrar com a corrente que me impede de me afastar do carrinho de reciclagem, apenas posso me arrastar. João - É verdade, Maria. Você devia ter me avisado.

Maria - Eu sempre lhe digo tudo, mas você nunca me ouve. João - Maria, não fique zangada comigo, me beija! Maria -(Com resignação) - Você pensa que assim tudo se ajeita arranja? João -Você me atormenta, Maria. (Abatido. Silêncio. Continua contente) -Em quem vou dar um beijinho na boquinha? Maria - Não são horas de brincadeiras, João. João -Maria, não brigue comigo,eu sei que sou culpado, mas não brigue comigo que vou ficar muito triste. Maria - Não pense que assim se ajeita tudo. João -Me beija, Maria. (Maria, muito séria e sem expressão, permite que João, apaixonadamente, a beije) -Esqueça todas estas coisas e não me faça pensar nelas. Silêncio unidade 2 Maria -Ontem você inventou de me deixar nua toda a noite na estrada e sem dúvida é por isso que eu estou doente. João -Mas eu fiz isso para a vissem os homens que passassem: para que todo mundo visse como você é bonita. Maria - Fazia muito frio. Eu estava tremendo. João -Pobre, Maria... Mas os homens a olharam e ficaram muito felizes e é claro depois deviam ter continuado o caminho com mais alegria. Maria - Eu me sentia muito só e com muito frio. João -Eu estava do seu lado. Você não me viu? Além do mais, muitos homens a acariciaram quando lhes pedi. (Pausa) -Mas eu nunca mais vou fazer isso, Maria, estou vendo que você não gosta. Maria - Você sempre diz isso. João -É que as vezes você é estranha e não percebe que tudo o que eu faço é para o seu bem. (Pausa. Ele se lembra) -Você estava muito bonita toda nua. Era um espetáculo maravilhoso. Maria – A parte chata é sempre pra mim. João - Não, Maria. Que pena que você não tenha os meus olhos para ver a si mesma. Maria - João, eu estou muito mal. Me sinto muito mal. João - O que quer que eu faça por você, Maria? Maria -Agora não há mais remédio. (Pausa) -O que eu quero é que você me trate sempre bem. João - Sim, Maria, lhe tratarei bem. Maria - Mas faça um esforço. João - Está bem, vou fazer. Unidade 3 Pausa. Maria percebe um volume na calça de João. Maria - O que é que você tem no bolso? João como uma criança apanhada fazendo uma bobagem, procura disfarçar João - Uma coisa. Maria - Me diz o que é. João - Não, não. Maria -(Autoritária) - Me mostra o que você está escondendo! João - Não é nada demais. Maria - Eu já disse pra me mostrar! João tira do bolso, envergonhado, algemas de ferro Maria - Está vendo? As algemas! João - Mas não é pra fazer nada de mal. É só pra brincar.

Maria - Está vendo? Você está apenas esperando um descuido meu, para colocá-las. João - Não, Maria, eu não vou colocar em você. Maria - Então, jogue fora! João -(Agressivo) - Não! (Torna a guardá-las) Maria -(Quase chorando) - Vê como me trata. João -(Muito comovido) - Maria, não chore. Maria, eu amo você, muito. Não chore, Maria. Maria o abraça apaixonadamente

Maria - Não me deixe, João. Só tenho a você. Não me trate tão mal. João -(Comovido) -Como eu sou mau com você! Mas agora você vai ver como é que eu vou ser bom. Maria - Me abrace, João, me abraça. (Eles se abraçam com paixão) - Estou me sentindo muito mal. João -Você já vai ficar boa e então nos poremos a caminho para “Tar” e nós passaremos muito bem e eu te darei de presente todos os animais da terra para que você brinque com eles: as baratas, os escaravelhos, as borboletas, as formiguinhas, os sapos... E cantaremos juntos e eu tocarei tambor todos os dias. Maria - Sim, João, seremos felizes. João - E vamos continuar caminhando para “Tar”. Maria - É, isso mesmo, para “Tar”. João - Os dois juntos. Maria – Sim, sim, os dois juntos. Pausa. Eles se olham mutuamente João - E quando chegarmos a “Tar”, sim, então seremos felizes. Maria - Como você é bom, João! Como me trata bem! João - Sim, Maria. Tudo farei por você, porque amo muito você. Unidade 4

João vai até o carrinho e desamarra o tambor com muito cuidado. Depois, com muito respeito, ele o mostra a Maria João - Olhe o tambor, Maria. Maria - Como é bonito! João - Olhe como é redondinho. Maria - Sim, é verdade que é redondinho. João - Pois bem, eu só o tenho para cantar canções para você. Maria - Como você é bom! João -Quando chegarmos a “Tar”, como seremos felizes! Eu inventarei novas canções para você. Maria - A canção da pena é muito bonita. João -(lisonjeado) - Ah, não tem importância! Inventarei outras coisas muito melhores. Outras que não só fale das penas, mas também de... (reflete) – de penas de pássaros e também... penas de águia e também... ( reflete, mas não acha nada) - ... e também de... Maria - E também mercados de penas. João – (Contente) -Sim, sim, e também de penas e também de... de... ah, e também penas. Maria - Que lindas canções! Como você é bom, João! Unidade 5 Pausa. João tira de repente as algemas do bolso e olha para elas nervosamente

Maria - Não me faça sofrer. João -(Duramente) - Por que você acha que vou lhe fazer sofrer? Maria – (Suave) – Não me fale nesse tom, João. João -(Entediado, se levanta e responde) - Eu falo com você sempre no mesmo tom. 2Maria - O que é que você está pretendendo? João -(Violento) - Nada.

Maria – Se está querendo fazer alguma maldade, você vai ver. João -(Violentamente) - Lá vem você com as suas coisas. Maria -(Humilde) - Sei muito bem que você quer me colocar as algemas. Não faça isso, (Ela soluça) João -(Com aspereza) - Não chora. Maria -(Se esforça para não chorar) - Não, não vou chorar, mas me ponha as algemas. João -(Irritado) - Você sempre desconfia de mim. Maria -(Com doçura) -Não, não desconfio de você. (Muito sincera ela continua) – Acredito em você. Unidade 6 João dá alguns passos entre o carrinho de reciclagem e Maria. Ela chora João -(Autoritário) - Me dê as mãos. Maria - Não, não faça isso, João. Não me ponha as algemas. Maria estende as mãos. João coloca as algemas nervosamente João – Assim é melhor. Maria - João. (Muito triste) - João. João - Eu coloquei para ver se você pode se arrastar com elas. Vá, tente se arrastar. Maria - Eu não posso, João. João - Tente. Maria - João, não me faça sofrer. João -(Fora de si) - Eu já lhe disse pra tentar. Vá, se arraste. Maria tenta se arrastar, mas não consegue; suas mãos unidas pelas algemas a impedem Maria - Não posso, João. João - Tente, ou será pior para você. Maria -(Docemente) - Não me bata, João, não me bata. João - Tente, eu já disse. Maria faz um grande esforço sem conseguir se arrastar Maria - Não posso, João. João - Tente outra vez. Maria - Não posso, João. Me deixa. Não me faça sofrer. João - Tente, ou será pior para você.. Maria - Não me bata. Sobretudo, não me bata com a correia. João -(Irritado) - Tente. Maria - Não posso. João vai ao carrinho de reciclagem e pega a correia João - Tente ou vou lhe bater. Maria - João, não me bata. Estou doente. João açoita em Maria com violência João - Arraste-se. Maria faz um esforço supremo e consegue se arrastar. João a contempla palpitante de emoção Maria - Não posso mais.

João - Mais, mais. Maria - Não me bata mais. João - Arraste-se. João volta a açoitá-la. Maria se arrasta com dificuldade. Num falso movimento, esbarra suas mãos amarradas no tambor e rasgam o couro João -(Colérico) - Você rasgou o meu tambor. Você rasgou o meu tambor. João a açoita. Ela cai desmaiada cuspindo sangue pela boca. João, irritado, pega o tambor e, distante dela, começa a consertá-lo. Maria, deitada e inerte com as mãos amarradas sobre o peito, está no meio da cena. Longo silêncio. João trabalha no tambor. Unidade 7 Lobo Mau: A independência. A proclamação da república. A abolição da escravatura. São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos.

Lobo Mau: Ele havia prometido que quando ela morresse ele iria vê-la no cemitério com uma flor e um cachorro.

O que aconteceu realmente é que ela havia dito que queria se suicidar e ele disse que era o melhor que ela podia fazer. Eu me lembro que ele passava o tempo todo dormindo. Ele dizia que não queria pensar porque era muito cansativo. Ela disse que seria melhor se ele pensasse em anedotas e ele respondeu que não sabia anedotas. Eu me lembro que ele disse que ouvira dizer que era muito difícil chegar a Tar, mas que tentaria. Mais tarde ele disse à ela que quando chegassem a Tar, ele ia compor muitas canções lindas, como a canção da pena e passeariam nas águas tranquilas do rio translúcido. Disse ainda que tocaria tambor para ela, foi então que eles se abraçaram. Foi aí que ela descobriu que ele levava algemas no bolso para colocar nela. Ele disse que não era nada demais e depois guardou-as. Então ela se zangou e disse que era muito difícil de entendê-lo porque ele idiota. Foi ai que ele se entediou muito. Ela e ele começaram então a brincar de pensar. Mas como ele não sabia ficar numa boa posição, ele pensava muito mal. E quando ela ensinou a ele a postura correta que ele devia se colocar para pensar, ele só conseguiu pensar em morrer. Aconteceu também que ela levantou as saias para atrair os homens que passavam e se aproximou deles, e eles a beijaram de diferentes e variadas formas. Aconteceu também que ele não sabia nenhum método para classificar tudo E que de mais a mais estava preocupado porque ela tinha dito que se achasse o plano ruim ela diria, sem se importar com nada. . QUADRO IV unidade 1 João vai até Maria. A olha com respeito e se aproxima dela com uma grande tristeza. A abraça, incorporando-a. A cabeça de Maria, cai, inerte para trás. João não diz nada. João recoloca a cabeça de Maria no chão com muito cuidado. João está a ponto de chorar. De repente, ele apoia sua fronte contra a barriga de Maria. Apesar de não se ouvir nada, é provável que ele chore. João enrola o corpo de Maria num lençol branco e coloca-o no centro do espaço, vai até ao carrinho de reciclagem pega numa vela numa flor e num cachorro amarrado numa cordel de sapato, ele atravessa a cena sem nada dizer, ajoelaha-se junto a Maria, acende a vela e coloca a flor sobre seu peito. João enquanto embala Maria em seus braços, canta uma canção de acalanto. João (cantando)- que bonito é um enterro eu vou ver-te no enterro com uma flôr e um cachorro que bonito é um enterro eu vou ver-te no enterro com uma flôr e um cachorro Lobo Mau: Vocês estão aqui reunidos, amontoados...Homens, mulheres, crianças... Unidos com um propósito. Vocês estão cientes de suas responsabilidades, orgulhosos de nossos

lideres... Aqueles poucos conscientes tecnocratas bem organizados que decidem por você. Vocês estão reunidos esta noite para aplaudirem os homens que preparam o paraiso na terra. Estes homens hoje, pedem que vocês sejam conscientes. Amanhã Nossos bifes estarão mais ricos em proteinas... O que precisamos fazer são homens de nossos filhos. Amanhã computadores servirão as donas de casa, decidindo dietas para que nossos filhos sejam descendentes saudaveis de nossa raça. Amanhã a televisão interativa estara em cada uma de nossas casas e dara a todos instruções necessárias para serem bons cidadãos... Amanhã, armas biologicas garantirão a paz duradoura e para sempre eliminarão aqueles idealistas vis que glorificam o individual... Passar chapeu

João levanta-se lentamente, dirige-se para o carrinho de reciclagem e começa a puxá-lo pela cena, o som do vento uivante lentamente desaparece, o lobo Mau segue-os como se de um cortejo se tratasse. Ele discursa usando um megafone, vez por outra pendura-se no carrinho e vai a reboque de João. O Lobo Mau é o abre alas do cortejo. Ao fundo pode-se ouvir o Guarani ato 1 de Carlos Gomes. Lobo Mau: A independência. A proclamação da república. A abolição da escravatura. São conquistas do nosso povo. E por isso eu as defenderei até a morte. Mesmo quando exerço a violência. Estou consciente de que estou defendendo o mais sagrado dos direitos humanos. Repete por diversas vezes até abandonar por completo o local da apresentação.

Fim