250
Caderno de experiências agroecológicas CAMINHOS AGROECOLÓGICOS DO RIO DE JANEIRO

Caminhos Agroecolc3b3gicos Do Rio de Janeiro Caderno de Experic3aancias Agroecolc3b3gicas (1)

Embed Size (px)

Citation preview

  • Caderno de experincias agroecolgicas

    CAMINHOS AGROECOLGICOS DO

    RIO DE JANEIRO

  • CAMINHOS AGROECOLGICOS DO RIO DE JANEIROCaderno de experincias agroecolgicas

    1 edio

    Rio de Janeiro

    2014

  • Caminhos agroecolgicos do Rio de Janeiro: caderno de experincias agroecolgicas / --1 .ed.-- Rio de Janeiro, 2014.249 p.

    Organizao e redao: Grupo de Trabalho de Construo do Conhecimento Agroecolgico da Articulao de Agroecologia do RJ (Alexandre Gollo, Guilherme Strauch, Mnica Cox de Britto Pereira, e Thiago Michelini Barbosa).

    Colaboradores: Paulo Petersen e Claudemar Mattos.

    Editor: AS-PTA.

    Co-editor: Pacs.

    ISBN 978-85-87116-17-8

    Os editores agradecem a todos e todas que participaram do processo de sis-tematizao das experincias que deu origem a essa publicao; agricultores e agricultoras, tcnicos e tcnicas, em seus distintos territrios e no mbito de suas organizaes, instituies e movimentos.

    Essa publicao fruto do esforo coletivo!

  • Sumrio

    Olhares sobre a agroecologia emergente no Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .10

    Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16

    Palmeira Juara: uso da biodiversidade como ferramenta da conservao da Mata Atlntica e desenvolvimento local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .32

    Cristiana Reis, Eduardo Darvin Ramos da Silva, Fernanda Horiye, Luciano Maciel Corbellini

    A agrofloresta promovendo a qualidade de vida: a experincia da Famlia Ferreira - Paraty-RJ 45Danielle dos Santos Sanfins, Jorge Alves da Silva Ferreira, Jos Ferreira da Silva Neto

    Protagonismo juvenil e manejo da Palmeira Juara em comunidades quilombolas (AMOQC) .53Fbio Jos dos Reis Oliveira, Ronaldo dos Santos , Luciano Marciel Corbelline

    Mutires de planejamento e organizao de assentamentos: a experincia do Assentamento Roseli Nunes - Pirai-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .64

    Andria Matheus, Patrcia Dias Tavares, Nivia Regina da Silva

    Rede Ecolgica: uma experincia de organizao de consumidores conscientes . . . . . . . . . . . . . . . . .74Miriam Langenbach

    De ambientalistas a agroecologistas: uma leitura sobre a insero do Verdejar na interao entre comunidades e o ambiente na Serra da Misericrdia-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .84

    Luiz Carlos M. Marins (Poeta), Rafael Santos Nunes, Luiz C. Niccio da Silva

    Plantando a semente: trajetrias, rumos e reflexes da agroecologia numa universidade carioca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .92

    Daniele C. F. Pinheiro, Gabriel Pereira da Silva Teixeira, Vinicius dos Reis Soares, Marcia Vargas Cortines Peixoto

    Um espao de formao na Baixada Fluminense a escolinha de agroecologia de Nova Iguau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    Maria Conceio Rosa (Mariella)

    Semeando agroecologia na cidade - Notas sobre a construo da Rede da Agricultura Urbana do Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

    Marcio Mattos de Mendona, Denis Monteiro

    Prticas alternativas em sade: valorizao de conhecimentos, autonomia e organizao em sade no MST . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121

    Ivi Tavares A. Castillero, Julia da Silva de Farias, Francisco Martinez, Iranilde de Oliveira Silva

  • Gerao participativa de conhecimentos entre pesquisadores e agricultores familiares na regio serrana fluminense: a experincia da Embrapa com o ncleo de pesquisa para agricultores . . 133

    Renato Linhares de Assis, Adriana Maria de Aquino

    FUNBOAS - Valorizando a agricultura familiar, fortalecendo a agroecologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143Natalia Ribeiro, Denise Spiller

    Tapino: a importncia do conhecimento tradicional na conservao de sementes crioulas . . 154Vera Regina Cmara

    Experincia Agroecolgica da Articulao de Agroecologia Serramar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165Claudemar Mattos, Jaime Lima Franch, Maria Ins da Silva Bento, Thiago Michellini Barbosa

    O processo de criao de uma casa de sementes livres - Escola da Mata Atlntica: da semente ao fruto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172

    Carlos Henrique Nicolau da Silva, Tadzia Maya, Tain Mie

    A escolinha de agroecologia: reconstruindo conhecimentos de forma participativa . . . . . . . . . . . 182Juvenal Jos da Rocha, Alcimaro Honrio Martins

    Iniciativas de destaque na transio agroecolgica identificadas pela Cooperativa CEDRO no Programa de Assessoria Tcnica, Ambiental e Social Reforma Agrria no Rio de Janeiro dezembro/2005 a agosto/2009 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192

    Alexandre Magno Lopes Gollo

    Juventude e Participao: Uma experincia de valorizao das prticas de sade popular em Campos dos Goytacazes-RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

    Viviane Ramiro da Silva, Alcimaro Honrio Martins

    Cooperativa CEDRO: 10 anos de ATER pblica no Estatal no Rio de Janeiro . . . . . . . . . . . . . . . . 215Alexandre Magno Lopes Gollo

    Sistematizao Campo e Campus jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agricultura familiar e a construo do conhecimento agroecolgico no RJ . . . . . . . . . . . . . . . . . 223

    Lia Maria Teixeira, Carmen Oliveira Frade, Monica Aparecida Del Rio Benevenuto, Iranilde de Oliveira Silva, Andria C. Matheus, Fernanda Oliveira, Patrcia Dias Tavares, Luciana Moreira, Marina Praa

    ABIO Associao de Agricultores BIOLGICOS do RJ: duas iniciativas no pioneirismo da organizao de produtores e consumidores de alimentos orgnicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233

    Concluso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 245

  • 10

    Olhares sobre a agroecologia emergente no Rio de Janeiro

    O processo que originou este livro pode ser comparado a uma troca de culos. Mas no por que precisvamos de lentes de maior grau para enxergar melhor o que antes vamos embaado. Esses novos culos seriam mais daqueles que utilizamos para assistir filmes 3D, pois eles possibilitam a visualizao de novas luzes, sombras e, igualmente im-portante, permitem que nos vejamos como participantes da realidade.

    O fato mais significativo nessa troca de culos foi que ela se deu como resultado de uma deciso coletiva, conjuntamente executada pe-las organizaes vinculadas Articulao de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), que empreenderam o esforo de identificao e leitura de variadas expresses da Agroecologia no estado do Rio de Janeiro. Para conduzirem esse exerccio de reinterpretao do papel e do lu-gar da perspectiva agroecolgica na agricultura fluminense, tomaram como referncia um conjunto amplo e diversificado de experincias sociais em curso nas vrias regies do estado. Em sua diversidade, essas experincias so rurais e urbanas, de produo e de consumo, agrcolas e no agrcolas. So protagonizadas por atores portadores das mais va-riadas identidades socioculturais (agricultores(as) familiares, assenta-dos(as), quilombolas, caiaras, agricultores(as) urbanos(as), consumi-dores(as), etc.) e afiliaes institucionais (organizaes e movimentos

  • 11

    da agricultura familiar e da reforma agrria, ONGs, cooperativas de servio e de consumo, instituies oficiais de ensino, de pesquisa e de extenso rural).

    O trao de unio que agrega essa impressionante diversidade em um todo coerente no pode ser encontrado em delimitaes normativas, que procuram categorizar a complexa realidade da produo de base familiar entre a agroecolgica e a no agroecolgica. Essa a pri-meira das concluses-chave que emergem quando a realidade enfo-cada pela perspectiva tridimensional empregada pela AARJ. No lugar das classificaes maniquestas e esterilizantes que encaram o mundo em preto e branco, o enfoque agroecolgico procura situar as expe-rincias particulares em diferentes matizes do espectro das cores que correspondem a nveis diferenciados de avano na construo da sus-tentabilidade socioambiental. Nesse sentido, expressa a natureza emi-nentemente processual das lutas sociais. A coerncia entre as experin-cias aqui relatadas est exatamente no fato de que so, antes de tudo, expresses de lutas imersas em contextos socioeconmicos, culturais, polticos e ideolgicos hostis, com razes histricas longnquas, mas que foram mais recentemente remoldados pelo projeto da moderniza-o conservadora e pela globalizao neoliberal.

    Pelo seu carter essencialmente local, e algumas vezes social e geogra-ficamente isolado, essas experincias permanecem pouco visveis e no costumam ser encaradas como expresses relevantes de fora transfor-madora. De fato, vistas individualmente, aparentam ser inofensivas ao status quo. No entanto, segundo a nossa mirada em 3D, a existncia emprica dessa multiplicidade de experincias autnomas, localmente enraizadas e construdas de baixo para cima representa a manifesta-o efetiva de resistncia aos padres de desenvolvimento impostos de cima para baixo.

  • 12

    Analisadas em conjunto, essas expresses localizadas de resistncia re-velam-se, portanto, como poderosas foras sociais. Sua vitalidade so-brevm de cotidianos alimentados pela criatividade popular na busca de solues locais para problemas que tambm se manifestam global-mente, dentre os quais se destacam a insegurana alimentar e nutricio-nal, a degradao e a poluio ambiental, o desemprego, a pobreza, a eroso cultural, o patriarcado, etc.

    Interpretaes convencionais tendem a encarar essas solues locais como resduos de um passado que ser inexoravelmente superado pelo roteiro imposto pelo paradigma da modernizao. Mas, ao si-tu-las no mbito de processos permanentes de construo social imersos no mundo contemporneo, percebemos que essas iniciativas particulares integram um repertrio amplo, ecltico e executado se-gundo arranjos especficos s peculiaridades locais. Essa percepo corresponde tambm a um ponto de ruptura com a viso bidimen-sional da realidade: a nova imagem reala o valor da diversidade e das especificidades locais, opondo-se s solues generalizantes transfe-ridas de fora.

    A luta por autonomia frente aos atores hegemnicos que dominam o mercado, a poltica e a produo de valores culturais parece ser o princpio fundador desse repertrio de prticas sociais que se des-viam da normalidade pregada pela modernizao. Saber e inovao local, racionalidade ecolgica, criatividade, cooperao, solidarie-dade, produo artesanal, cuidado e campesinidade figuram como elementos norteadores desses processos locais de luta pela reinven-o do destino. Contrariam-se assim as narrativas hegemnicas mais centradas em noes como maximizao produtiva, artificializao, competitividade, difuso tecnolgica, produo em srie, eficincia econmica e empreendedorismo mercantil.

  • 13

    Em termos prticos, as experincias sistematizadas pela AARJ de-monstram que a luta por autonomia manifesta-se em vrias esferas da existncia: no mbito do manejo produtivo, na organizao para a co-mercializao, no encurtamento dos processos que encadeiam a pro-duo e o consumo, na revalorizao de saberes e prticas culturais, na afirmao de identidades socioculturais, no empoderamento das mu-lheres, na construo do protagonismo juvenil, na reconstruo da cul-tura da paz e do cuidado em comunidades urbanas conflagradas, etc.

    O reencontro com a natureza tambm aparece como elemento estrutu-rante e como pano de fundo do conjunto dessas prticas emancipat-rias. Por meio dessa reconciliao, a produo econmica e a reprodu-o social so ressituadas, material e simbolicamente, como dinmicas de coproduo entre o humano e a natureza. Nessa concepo, a noo de desenvolvimento enfatiza processos endgenos que canalizam os saberes e o trabalho em direo aos potenciais ambientais localmente disponveis. Dessa forma, o ideal de sustentabilidade socioambiental vai se materializando nas experincias atravs da construo de al-ternativas tcnicas, econmicas e scio-organizativas que conjugam produo e distribuio equitativa de riquezas, redinamizao da vida cultural e conservao do meio ambiente.

    Est justamente nesse arranjo da perspectiva agroecolgica a chave para a compreenso das estratgias locais adotadas para desativar os mecanismos geradores de dependncia impostos pela lgica da mer-cantilizao de parcelas crescentes do mundo natural e do mundo so-cial. Vem da tambm a fora social emergente capaz de contrapor com suas respostas concretas o modelo nico de desenvolvimento propug-nado pelos agentes do mercado globalizado em aliana com setores hegemnicos do estado.

  • 14

    A grande virtude do esforo analtico realizado pela AARJ foi a de cons-truir a percepo coletiva de que essa fora social associada aos princ-pios agroecolgicos , no Rio de Janeiro, muito mais ampla e diversifica-da do que at ento poderamos supor. A partir dessa constatao, novas questes surgem no horizonte da articulao, dentre as quais:

    Como canalizar essas foras emergentes em processos trans-formadores que extrapolem a escala local sem que isso signifi-que a criao de aparelhos hierrquicos com baixa sensibilidade s diversidades?

    Como imprimir sinergia entre os grupos protagonistas dessas experincias sem retirar-lhes a autonomia que sustenta sua exis-tncia e vitalidade?

    Como enfrentar o agronegcio no campo poltico-ideolgico sem lanar mo de propostas universalizantes, e que se mostram incapazes de incorporar as estratgias e projetos inscritos nas diversificadas formas nas quais as populaes locais enfrentam seus problemas e constroem suas identidades?

    Questes como essas se colocam no presente momento como o princi-pal desafio poltico-metodolgico para que a Agroecologia que emerge das comunidades como prticas alternativas isoladas se convertam em prticas convergentes contra-hegemnicas em escalas crescentes da luta social.

    Esse desafio vem sendo apresentado como objeto de reflexo da AARJ, assim como de outras articulaes estaduais e regionais do campo agroecolgico vinculadas Articulao Nacional de Agroecologia (ANA). Essa reflexo se faz tanto mais necessria quanto mais evidente

  • 15

    se tornam as limitaes das tradies poltico-organizativas de nossos movimentos e organizaes sociais, naquilo que se refere valorizao da experimentao social e das estratgias contra-hegemnicas que ela implicitamente suscita.

    O aprofundamento desse debate incide tambm sobre a essncia da proposta agroecolgica como enfoque cientfico portador de concei-tos e mtodos para a leitura e a ao sobre a realidade. Estamos, pois, em um momento em que as concluses mais profundas da troca de culos precisam ser tiradas para que a cincia da Agroecologia v ao encontro do movimento agroecolgico, um movimento emergente por excelncia.

    Paulo Petersen Diretor-Executivo da AS-PTA

    Presidente da Associao Brasileira de Agroecologia

  • 16

    Introduo

    Introduo: aprendendo com a sistematizao da diversidade de experincias agroecolgicas

    Este conjunto de artigos materializa o esforo coletivo da Articulao de Agroecologia do Rio de Janeiro AARJ em avanar na dinmi-ca de construo do conhecimento agroecolgico dentro do estado, valorizando o processo de sistematizao de experincias em agroe-cologia como sendo um dos pilares fundamentais para atuao em rede. A publicao desses artigos resultado de intensos processos de articulao, intercmbios e vivncias entre as experincias nele re-tratadas, onde a aprendizagem e a construo coletiva figuram como os principais benefcios do trabalho, assim como a qualificao do debate poltico acerca da Agroecologia e a maior dinamizao do movimento agroecolgico fluminense. Dar visibilidade s suas expe-rincias e potencializar a construo do conhecimento agroecolgico no estado foram os principais motes deste trabalho, assim como os processos de reflexo que envolveram as sistematizaes nos mostra-ram o quanto a construo coletiva foi importante para a consolida-o da rede de mbito estadual.

    A AARJ procura pautar sua atuao poltica a partir das prticas agroe-colgicas vivenciadas no dia-a-dia dos seus protagonistas, que no caso

  • 17

    do Rio de Janeiro engloba uma grande diversidade de atores, movi-mentos e organizaes. Esta metodologia de atuao e abordagem se efetivou de fato quando a rede percebeu que era preciso saber onde se encontravam estas experincias, em qual contexto scio ambiental se localizavam, como se organizavam, e quais inovaes sinalizavam, procurando a partir destas informaes e dos processos relacionados sua obteno, qualificar seu debate poltico e avanar na construo do conhecimento acerca da agroecologia.

    Neste sentido, a AARJ vem nos ltimos anos realizando esforos de ma-peamento, identificao e sistematizao de experincias em agroecolo-gia no estado do Rio de Janeiro, tendo como referncias principais as estratgias de atuao e os princpios apontados pela Articulao Nacio-nal de Agroecologia ANA e pela Associao Brasileira de Agroecolo-gia ABA-Agroecologia. J em 2006 foram identificadas e selecionadas 32 experincias de agroecologia no RJ, atravs do processo ocorrido du-rante o encontro estadual preparatrio ao II ENA Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em Recife. Ao final de 2007, parte destes es-foros de sistematizao foi viabilizada pelo projeto Desenvolvimento participativo de metodologias e processos de construo de conhecimento agroecolgico no estado do Rio de Janeiro, financiado pelo CNPq/MDA e sob a coordenao da Universidade Federal Fluminense - UFF. Nesse processo, as estratgias de mapeamento, identificao e sistematizao de experincias utilizadas pela AARJ se valeram de metodologias par-ticipativas, onde o dilogo de saberes e os intercmbios entre as inicia-tivas formaram a base de todo o trabalho de articulao e consolidao da rede estadual. Partiu-se do princpio que o desenvolvimento de pro-cessos relacionados com a construo do conhecimento agroecolgico no Rio de Janeiro criaria as condies para o fortalecimento da AARJ, e tambm para sua atuao como movimento.

  • 18

    Valendo-se da estratgia de utilizar o processo de sistematizao como catalisador de dinmicas mais profundas de anlise e reflexo acerca das prprias experincias, a partir de seus prprios protagonistas, a AARJ, via projeto CNPq/MDA, estimulou uma espcie de mutiro es-tadual de sistematizao de experincias em agroecologia, e que foi re-forado atravs do processo de sistematizao de experincias em CCA Construo do Conhecimento Agroecolgico, ocorrido em 2009 1. Nesta ocasio participaram da oficina nacional algumas experincias ligadas AARJ. Como consequncia desta participao formou-se um Grupo de Trabalho ligado rede fluminense, dedicado exclusivamente a fomentar o tema relativo Construo do Conhecimento Agroeco-lgico, cabendo ao mesmo deflagrar o mutiro de sistematizao de experincias no mbito do Rio de Janeiro. Este trabalho consistiu pri-meiramente na organizao e realizao de uma Oficina Estadual de Sistematizao, no mbito da AARJ, em outubro de 2009, onde partici-param representantes de 25 experincias em agroecologia do estado do Rio e 01 de So Paulo. A oficina trabalhou os princpios e fundamentos da sistematizao, com o objetivo principal de estimular uma reflexo e uma anlise crtica acerca das experincias ali representadas, vislum-brando a gerao de artigos descritivos e analticos sobre os processos e as prticas, para posteriormente comporem uma publicao2.

    salutar ressaltar que a dinmica da oficina estadual possibilitou uma intensa troca de saberes entre os atores e articuladores das experincias presentes, os exerccios desenvolvidos viabilizaram uma anlise coletiva dos principais pontos de inovao que as iniciativas abordavam, assim

    1 - Esse processo foi deflagrado em todas as regies do Brasil em 2009, numa iniciativa da ABA- Associao Brasileira de Agroecologia e da ANA Articulao Nacional de Agroecologia, com apoio da EMBRAPA, como estratgia preparatria ao III Seminrio Nacional sobre Construo do Conhecimento Agroecolgico (III SNC-CA), realizado de forma integrada ao VI Congresso Brasileiro de Agroecologia (Curitiba, novembro de 2009).

    2 - Materiais de referencia utilizados nessa oficina: Chavez-Tafur, Jorge. Aprender com a prtica: uma me-todologia para sistematizao de experincias, AS-PTA, Brasil, 2007; e Freire, A.G. et al. A sistematizao no fortalecimento de redes locais de inovao agroecolgica. Revista Agriculturas, v. 3 n 2, julho de 2006.

  • 19

    como os desafios colocados em seus caminhos. A prtica da constru-o coletiva do conhecimento agroecolgico estimulou um processo es-tadual de sistematizao de experincias, refletido no mutiro que se seguiu aps a oficina. Ao final do processo o Grupo de Trabalho Cons-truo do Conhecimento Agroecolgico da AARJ 3recebeu 22 artigos elaborados sob o prisma dos protagonistas das experincias, atravs de processos locais participativos de aprendizagem, reflexo e construo.

    Portanto, a gnese desta publicao est baseada fundamentalmente nos processos de construo participativa, que buscam no somente descrever uma determinada prtica ou iniciativa, como tambm dar significado poltico s mesmas. Esses processos sinalizam os avan-os e desafios inerentes dinmica da transio agroecolgica no estado do Rio de Janeiro, assim como a necessidade de articulao para o fortalecimento de um movimento agroecolgico a partir de experincias concretas dos agricultores familiares camponeses e das populaes tradicionais, dos consumidores e grupos de estudantes, das associaes, organizaes e instituies, enfim, de pessoas e de coletivos comprometidos com uma agricultura participativa desen-volvida em bases ecolgicas.

    Um encontro com algumas das expresses da agroecologia no Rio de Janeiro

    A organicidade da articulao de agroecologia no estado do Rio de Janeiro, em sua dinmica de efetivao autnoma, no se restringe delimitao poltica administrativa das regies de governo. Extrapola essa diviso, ao estabelecer novas conexes e territorialidades na pro-

    3 - O GT Construo do Conhecimento Agroecolgico da AARJ, responsvel pela organizao e edio do ma-terial, foi composto por: Alexandre Gollo; Guilherme Strauch; Mnica Cox e Thiago Michellini.

  • 20

    moo de eventos, reunies e intercmbios entre as famlias, organi-zaes e instituies que desenvolvem a agroecologia fluminense. Em alguns casos de identidade institucional ou cultural, a abrangncia es-tadual tambm extrapolada, como acontece com o Centro Nacional de Agrobiologia da EMBRAPA, assim como com a Rede Juara, a qual incorpora experincias desenvolvidas em Ubatuba-SP, e em Paraty e Angra dos Reis RJ, numa mesma dinmica de territorialidade. Dessa forma, a organicidade da AARJ vem se expressando em regies agroe-colgicas assim denominadas: Costa Verde, Vale do Paraba, Metropo-litana, Serramar e Norte Fluminense, conforme visualizamos no mapa abaixo:

  • 21

    No presente trabalho, o agrupamento das experincias sistematizadas procura refletir essa lgica de organicidade, a qual revela identidades que tanto se determinam pela proximidade fsica, quanto pelos proces-sos de construo histrica relacionados resistncia em torno das lu-tas pela terra, bem como s opes por uma vida mais saudvel, troca de saberes nas inovaes em manejo agroecolgico, conservao das sementes e da biodiversidade, s experincias de formao em espaos formais e informais, ou busca de solues para o abastecimento via comercializao direta de produtos saudveis.

    Esses laos de identidade atuam no fortalecimento das experincias individuais e coletivas, dando vida articulao pela agroecologia nas suas diferentes escalas e dimenses de atuao. Levando-se em consi-derao a dimenso temporal perodo de existncia das experincias percebe-se que a sequncia de apresentao dos textos se pauta em critrios arbitrados pela coordenao de edio, de forma a contemplar a diversidade de artigos enviados em resposta demanda de auto-sis-tematizao, como parte do processo de mapeamento das experincias agroecolgicas em desenvolvimento no estado.

    Regies Costa Verde e Vale do Paraba Sul Fluminense

    A denominada regio da Costa-Verde, que tem em sua trajetria a fora das comunidades tradicionais - quilombolas, indgenas, caiaras leg-timos herdeiros de uma regio que permaneceu praticamente intocada at os anos 1970, quando foi aberto um trecho da BR 101 (Rodovia Rio--Santos) vivenciou uma progressiva marcha de especulao imobili-ria, extrao predatria da biodiversidade, expulso de habitantes e de comunidades nativas, passando pela instalao de reas de preservao ambiental no limtrofe das regies de conflito pela posse da terra.

  • 22

    Nessa regio as experincias agroecolgicas apresentadas se rela-cionam possibilidade de fortalecimento da agricultura familiar em convivncia com a conservao ambiental, ao manejo agroflo-restal e outras estratgias de sustentabilidade, bem como ao fortale-cimento da identidade cultural dos povos tradicionais na luta pela garantia dos direitos territoriais, expressando-se atravs dos fruns interestaduais como a Rede Juara que se propem a ampliar o cultivo e uso da referida Palmeira (E. edulis) como ferramenta de conservao da Mata Atlntica. Com isso contribuem para o debate atual e necessrio sobre o manejo ecolgico dos recursos naturais, realizado justamente pelas populaes tradicionais. As experincias dessa regio nos conduzem tambm ao fortalecimento da identi-dade cultural dos povos tradicionais, em sua luta pela garantia dos seus direitos territoriais, expressando a dimenso sciopoltica da Agroecologia nas aes sociais coletivas exercidas pelo Frum das Populaes Tradicionais.4

    As experincias da famlia Ferreira, da Associao de Moradores do Quilombo Campinho da Independncia - AMOQC e do Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlntica (IPEMA) envolvem ainda temas como manejo da biodiversidade, protagonismo juve-nil, formao e extenso em agroecologia, e o acesso aos mercados institucionais, nos revelando estratgias e conquistas, assim como as lutas e questes atuais colocadas para o enfrentamento pelas ex-perincias.

    J na regio do Vale do Paraba, o processo de ocupao das terras pe-las fazendas de caf, e depois pelos mega projetos de especulao fun-

    4 - O Frum de Populaes Tradicionais um espao de fortalecimento e articulao em rede, criado na regio sul do estado do Rio de Janeiro e litoral norte de So Paulo em 2007, onde as comunidades tradicionais se renem para discutir questes comuns, tais como: o territrio, turismo, educao, cultura, pesca, agricultura, agroecologia, mercado solidrio, etc. Ver http://forumtradicionais.blogspot.com

  • 23

    diria e de desenvolvimento industrial, tanto dizimou as populaes nativas quanto promoveu a degradao ambiental e da agricultura camponesa, na sequncia de apogeu e declnio da cultura do caf.

    A experincia da organizao de trabalhadores rurais sem terra - MST, num processo de estudo e planejamento coletivo, em parceria com gru-pos de estudantes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em atuao pelo Programa de Assessoria Tcnica, Social e Ambiental, do INCRA, registrada para o Projeto de Assentamento Roseli Nunes, situado em Pira/RJ, tendo como foco o mtodo do planejamento para o desenvolvimento sustentvel e a referncia da implantao dos siste-mas agroflorestais de produo. Nessa experincia, evidencia-se que a transio para a agroecologia comea com a quebra do latifndio.

    Regio Metropolitana

    Justamente de onde se poderia mais facilmente supor que as experin-cias agroecolgicas inexistissem face insistncia das estatsticas da alta taxa de urbanizao, da segurana/violncia como principal ques-to do estado, e da preponderncia da expresso industrial e do setor de servios insurgem experincias que traduzem respostas de resis-tncia camponesa; de alertas sobre o desordenamento na ocupao espacial; de resistncia cultural na agricultura urbana; e de estudo e formao em distintos centros acadmicos.

    A EMATER-RIO de Nova Iguau apresenta a premiada experincia da Escolinha de Agroecologia de Nova Iguau5, resgatando o histrico de lutas pela terra na regio, abordando a ocupao e a organizao fundi-

    5 - Em agosto de 2009 a experincia recebeu o prmio Baixada, na categoria Meio Ambiente, concedido pelo Frum de Cultura da Baixada Fluminense, e em novembro de 2010 recebeu o prmio CREA RJ de Meio Ambiente.

  • 24

    ria vivenciadas pelas famlias na baixada fluminense, destacando o pa-pel das organizaes e instituies parceiras na construo da proposta pedaggico-metodolgica, sua integrao aos Conselhos de Desenvolvi-mento Rural e ao processo de comercializao direta nos municpios que abrange, fortalecendo as feiras municipais da agricultura familiar.

    Com o ttulo Semeando a agroecologia na cidade, a Rede de Agricul-tura Urbana registra a presena da utopia de quem no se d por ven-cido por estar confinado entre construes de laje e cimento. Quintais inesperados ocupam nfimos espaos, alimentam a alma e temperam a vida de quem no desistiu do verde. O Verdejar apresenta sua estrat-gia de convivncia entre a violncia urbana e a preservao ambiental no alto da Serra da Misericrdia, num nem sempre pacificado Com-plexo do Alemo: seu artigo de ambientalistas a agroecologistas , em essncia, um poema urbano-agroecolgico.

    Os estudantes universitrios de postura crtica, aqueles que descobriram que no podem se limitar s matrias que so repassadas em salas de aula e por isso se renem/ se articulam aos grupos de estudos extra-acadmi-cos (GAE/UFRRJ, ME/UFF, Agrocrioulo/UENF, entre outros) podem encontrar estmulo e identidade de trajetria no texto que apresentado pelo Grupo Capim Limo da UFRJ. Plantando a semente, na trilha da agroecologia foi tambm a trajetria do departamento de Geografia da UFF, que durante anos numa disciplina optativa tem se proposto a re-pensar o papel da universidade, na formao de tcnicos e acadmicos despertos para um trabalho interdisciplinar.

    Em todas essas experincias, a relao interinstitucional propulsora de novas descobertas e de encorajamentos demonstrando, em con-junto, que a prtica da agroecologia pressupe e determina o fim dos isolamentos.

  • 25

    Regio Serrana

    A regio serrana do Rio de Janeiro tem como caracterstica marcante a expresso de complexos sistemas agroprodutivos, implantados ao lon-go de um processo de colonizao/ ocupao territorial que alia fortes caractersticas camponesas e alta produtividade, com predominncia do uso dos insumos agroqumicos e consequentemente com todos os seus riscos. Ela inspira ateno tanto pela instabilidade climtica e geolgica, fortemente evidenciada na regio no incio de 2011, quanto pela fragilidade social dos trabalhadores que atuam sob condio de meeiros e de arrendatrios, dando vida referida alta produtividade alcanada.

    No obstante o smbolo de ter sido a cidade de Petrpolis a sede do 1 Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa EBAA, em incio dos anos 1980 e ao fato de que, pelo menos desde essa poca, a temtica da agricultura orgnica e da agroecologia vem sendo pautada de forma progressiva entre agricultores, extensionistas e pesquisadores, a ex-presso das experincias em agroecologia nessa regio transparecem, neste trabalho, apenas em duas snteses, quais sejam: a dos ncleos de organizao da ABIO Associao de Agricultores Biolgicos do Esta-do do Rio de Janeiro (experincia que tem abrangncia estadual) e a do Ncleo de Pesquisa e Treinamento a Agricultores NPTA, uma unida-de avanada para integrao de trs Centros de Pesquisa da Embrapa no RJ (Agrobiologia, Alimentos e Solos) com o propsito de promover a transio agroecolgica de sistemas de cultivos familiares.

    A experincia do NPTA da Embrapa, localizado em Nova Friburgo, conjuga caractersticas de experimentao agronmica tradicional com princpios de metodologias participativas. O artigo registra uma abordagem sobre a evoluo dos processos agroecolgicos na regio,

  • 26

    bem como a trajetria interinstitucional de construo da proposta, aproximando agricultores familiares da formulao e conduo da pes-quisa agronmica.

    Regio Serra Mar

    As experincias emergem localizadas entre a desnaturalizada regio do vale do rio So Joo e a bacia do rio Maca. A retificao do So Joo, associada a obras de drenagem, moldaram o cenrio para a ocu-pao socioeconmica que sucedeu a essas intervenes.

    As referidas aes de desnaturalizao, paralelamente construo da Ponde Rio-Niteri, intensificaram o interesse da especulao imobiliria sobre a regio, com a instalao de grileiros e o fortale-cimento de latifundirios, cuja parcial retomada de terras propor-cionou a insero de Projetos de Assentamento de Reforma Agrria (Aldeia Velha, Imburo, Cambucaes, Sebastio Lan, Visconde para citar alguns exemplos).

    Predominantemente com essas famlias assentadas que se iniciou o trabalho da Articulao de Agroecologia Serra Mar, que entre outros temas se pauta pela troca de experincias na formao terica e prti-ca sobre o manejo agroflorestal, numa integrao de agricultores e de tcnicos em um processo metodolgico autntico, de construo par-ticipativa e interinstitucional, demonstrando a possibilidade de convi-vncia entre o social e o ambiental.

    A ao da Articulao Serra Mar, iniciada em 2004, se ampliou na identificao de novas experincias por toda a regio de governo deno-minada Baixada Litornea, nos revelando cones da resistncia cultural

  • 27

    ao processo de desenvolvimento pautado pela degradao ambiental, como resultado dos mega-interesses econmicos.

    A histria de Tapino - A importncia do conhecimento tradicional na conservao de sementes crioulas, uma experincia apresentada pela EMATER RIO de Araruama, uma referncia de fortalecimen-to da identidade comunitria e valor da expresso cultural de origem africana, destacando os servios de preservao de sementes crioulas, resistindo em meio a tantas transformaes espaciais e sociais.

    Num contexto dinmico, o Projeto de Assentamento Aldeia Velha rea retomada pelo INCRA ao latifndio emancipado e d vez ao ingresso de sitiantes em reas repassadas pelos antigos assentados. Vi-sitando e morando em Aldeia Velha, estudantes de diferentes regies se depararam com uma rica cultura rural, e registram essa histria no artigo O processo de Criao de uma Casa de Sementes Livres, um fruto da Escola da Mata Atlntica, pautada na pedagogia do dilogo de saberes.

    Novos tempos se anunciam com a incorporao de mecanismos de incentivo preservao ambiental, a exemplo do caso do Fundo So-cioambiental de Boas Prticas em Microbacias FUNBOAS. Em arti-go encaminhado pelo Consrcio Intermunicipal Lagos So Joo apre-sentam-se os fundamentos e a metodologia de ao na comunidade de Cambucaes (projeto de Assentamento do INCRA), no municpio de Silva Jardim. A experincia traz uma importante contribuio ao de-bate atual sobre os mecanismos de incentivo preservao ambiental, justamente por trabalhar com uma perspectiva diferenciada do PSA Pagamento por Servios Ambientais, j que utiliza a compensao pelos servios ambientais prestados pelas famlias camponesas atravs da viabilizao de prticas agroecolgicas.

  • 28

    Regio Norte

    Registra-se o desafio e o valor de resistir a dupla latifndio-mono-cultivo. No artigo Escolinha de Agroecologia: re-construindo conhe-cimentos de forma participativa, os agentes da Comisso Pastoral da Terra oferecem um resgate histrico sobre a evoluo do modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, analisando suas influncias e con-seqncias e apresentando a iniciativa do Projeto da Escolinha no foco de fortalecer a reforma agrria e os pequenos agricultores tradicionais da Regio Norte Fluminense.

    Novamente confrontam-se modelos dominantes, capitalizados, com a busca de alternativas, atravs de articulaes interinstitucionais e da ampliao de massa de trabalhadores em condio de conquistar di-reitos, a partir do processo da reforma agrria. Neste tpico, a falncia da agroindstria canavieira fluminense, acentuada no incio dos anos 1990, possibilitou a concentrao de assentamentos de reforma agrria e a ampliao do universo de famlias assentadas na regio do entorno de Campos dos Goytacazes.

    Trata-se, no entanto, de um pblico que apesar do estgio de fragi-lidade social e econmica, atende predominantemente s indicaes do sistema hegemnico nas orientaes para o manejo produtivo. Seguem na referncia da lgica da mecanizao, do uso de insumos qumicos e s no intensificam mais essas formas de manejo por con-ta dos custos proibitivos vivenciados no sistema de produo que ocupam e desenvolvem. O trabalhador rural que sempre foi subor-dinado, precisa de apoio para iniciar um autnomo processo de to-mada de deciso; reside a, portanto, um dos valores da Escolinha de agroecologia.

  • 29

    No artigo Iniciativas de destaque na transio agroecolgica identifi-cadas pela Cooperativa CEDRO no Programa de Assessoria Tcnica, Ambiental e Social Reforma Agrria no Rio de Janeiro Dezem-bro/2005 a Agosto/2009 este tema abordado a partir de foco em duas unidades de produo familiar, nos municpios de Maca e Conceio de Macabu. A despeito das trajetrias de luta em prol da agroecologia, Gilmar Barbudo ainda no possua lote para trabalho no PA prefeito Celso Daniel/ Maca (em dezembro de 2010) e Maria Baixinha fale-ceu em agosto de 2010 sem ter conseguido regularizao na terra que ocupava,por isso trabalhava desde 1996 em Capelinha/ Conceio de Macabu.

    Ainda na regio norte, o artigo do Movimento Popular de Sade Al-ternativa na Regio Norte Fluminense retrata uma experincia de or-ganizao comunitria que ocorre desde 1997, com apoio da Comisso Pastoral da Terra e a iniciativa de mulheres que partilham saberes e constroem estratgias de mobilizao e de organizao para promoo da cidadania e da sade.

    Essa experincia extrapola s reas de reforma agrria e inclui quilom-bolas e trabalhadores sazonais do corte de cana de acar. O artigo descreve desde o ambiente at o mtodo de atuao, pelo processo de articulao com grupos de sade alternativa, como a Rede Fitovida, fortalecendo a concepo de que as prticas de promoo de sade e de autonomia, seja de conhecimentos ou financeira, esto na essncia das pretendidas transformaes agroecolgicas.

    Por fim so apresentados cinco artigos que refletem atuao em mbito estadual ou mesmo inter-estadual, na promoo da transio para a agroecologia: Rede Ecolgica uma experincia de organizao de consumidores conscientes; ABIO Associao de Agricultores Bio-

  • 30

    lgicos do Estado do Rio de Janeiro: pioneirismo na organizao de produtores e consumidores de alimentos orgnicos; Cooperativa CE-DRO 10 anos de ATER pblica no Estatal no Rio de Janeiro; Prti-cas Alternativas em Sade -valorizao de conhecimentos, autonomia e organizao em Sade no MST e Sistematizao Campo e Campus jovens rurais/quilombolas protagonizando o fortalecimento da agri-cultura familiar no estado do Rio de Janeiro.

    O artigo sobre o projeto Campo-Campus, elaborado no perodo da sua primeira fase, j despontava como uma das mais preciosas aes da Articulao de Agroecologia do RJ; sempre com a articulao de parcerias, o envolvimento na formao em agroecologia de jovens per-tencentes a variadas comunidades do estado, representa um conjunto de boas sementes de envolvimento e participao comunitria, e o ali-nhamento do Instituto de Educao da UFRRJ no processo maior de facilitao reflexo e formao crtica dos participantes.

    O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra MST apresen-ta em artigo sua proposta de organizao metodolgica para o curso de formao continuada em sade a partir das condies vivenciadas nos acampamentos e assentamentos de reforma agrria. Agroecologia e sade compem a referncia de mudanas pretendidas pela organi-zao do MST.

    O texto da Cooperativa CEDRO revela o desafio de uma cooperati-va de trabalho, a servio de programas institucionais que apresentam a transio agroecolgica como uma de suas diretrizes, ao promover efetivas aes de mudana nos paradigmas da extenso rural. As li-mitaes de pessoal/ profissional, as concepes sobre o que a tran-sio agroecolgica, a difcil prtica das relaes cooperativas e uma interpretao sobre a percepo dos agricultores com o trabalho, so

  • 31

    elementos que esto na essncia da anlise desenvolvida pela equipe de campo em 2009.

    Por fim as duas pontas do comrcio dos produtos agroecolgicos so representadas pelos textos da organizao dos consumidores Rede Ecolgica e pela organizao dos produtores ABIO. No caso da Rede Ecolgica, alm do resgate do histrico e registro de mtodo e estrutu-ra, o texto uma declarao veemente a favor da vida, pela produo e consumo de produtos saudveis, e pela relao de comrcio justo entre consumidores e produtores. No caso da ABIO, destaca-se o pioneiris-mo na organizao dos agricultores, em duas grandes conquistas: o espao da Feira da Glria e o Sistema Participativo de Garantia, este ltimo um procedimento estabelecido pela legislao atual de atesto de conformidade sobre produtos orgnicos, que privilegia a participao dos agricultores ao invs de empoderar empresas contratadas para di-zer que se est falando a verdade, analogia possvel no caso da lgica da certificao de produtos.

    Apresentamos um breve panorama dos textos reunidos nessa colet-nea, desdobrados da Oficina Estadual de Sistematizao coordenada pela AARJ em outubro de 2009, e que propiciaram uma oportunidade de conhecimento de algumas das expresses da agroecologia no Rio de Janeiro. Esse material foi reunido no processo de organizao do 2 Encontro de Agroecologia do Rio de Janeiro, realizado na UFRRJ em agosto de 20106, atravs do qual acreditamos nos servir tanto de retrato para compartilhar os avanos j efetivados, bem como os desafios que nos impem a construo participativa do conhecimento agroecolgi-co no estado do Rio de Janeiro.

    6 - Organizado pela AARJ e apoiado pelo projeto Desenvolvimento participativo de metodologias e processos de construo de conhecimento agroecolgico no estado do Rio de Janeiro, CNPq/MDA/UFF.

  • 32

    Palmeira Juara: uso da biodiversidade como ferramenta da conservao da Mata

    Atlntica e desenvolvimento local

    Cristiana Reis1, Eduardo Darvin Ramos da Silva2, Fernanda Horiye3, Luciano Maciel Corbellini4

    O Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlntica (IPEMA), desde 2005 vem desenvol-vendo aes e projetos para o desenvolvimento comunitrio e uso sustentvel do Bioma junto aos agricultores familiares e comunidades tradi-cionais (quilombolas, indgenas e caiaras) loca-lizadas no municpio de Ubatuba, litoral norte do estado de So Paulo. So 39 famlias envolvidas diretamente no manejo sustentvel da palmeira juara para produo de polpa e sementes a par-tir de seus frutos. O desenvolvimento da cadeia produtiva de ambos os produtos visam a gerao de renda, segurana alimentar e repovoamento da espcie, em reas no entorno e de sobreposio do Parque Estadual da Serra do Mar e Parque Nacional da Serra da Bocaina.

    1- Engenheira Florestal - IPEMA - Email: [email protected]

    2- Bilogo IPEMA

    3- Engenheira Florestal - IPEMA - Email: [email protected]

    4- Bilogo IPEMA

    rea de coleta na comunidade do Serto do Ubatumirim.

  • 33

    A palmeira Juara (Euterpe edulis Mart.) uma espcie de extrema importncia para a biodiversidade, pois seus frutos servem de alimen-to para mais de 70 espcies de animais e aves, sendo considerada es-pcie chave para a conservao de florestas no Bioma Mata Atlntica. O alto valor comercial do palmito mantido durante dcadas, fez dele um dos produtos florestais mais explorados no Bioma. O extrativismo predatrio e ilegal do palmito levou sua insero na lista oficial de espcies ameaadas de extino (Instruo Normativa n 6, de 23 de setembro de 2008, MMA).

    No municpio de Ubatuba o quadro de risco de extino da espcie s no mais grave devido ao papel exercido por algumas comuni-dades que garantiram sua preservao em seus territrios. Fato este constatado atravs da experincia de cinco anos de projeto, onde as reas potenciais de coleta da Juara e populaes remanescentes esto associadas presena humana, mais especificamente, comunidades tradicionais que mantm vnculos e usos dos recursos naturais e seus territrios de origem.

    Ubatuba, assim como todo Litoral Norte do estado, sofreu um forte processo de urbanizao a partir da expanso econmica no eixo Rio--So Paulo e abertura de empreendimentos de infra-estrutura, con-tribuindo para o aumento da presso exploratria sobre os recursos naturais e promovendo uma crescente degradao social e ambiental na regio. Alm destes fatores, nos ltimos anos o impacto tambm registrado pelo incentivo a diversas modalidades de turismo e pela aquisio de terras para instalao de casas de veraneio e stios de lazer, resultante da alta especulao imobiliria por conta da beleza local.

    Por outro lado, 80% do territrio de Ubatuba ocupado pelo Parque Estadual da Serra do Mar, Ncleo de Picinguaba (PESM/ NP), e em

  • 34

    menor poro pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina. Estas duas Unidades de Conservao (UCs) so de proteo integral conforme es-tabelecido no Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC) e se sobrepem em algumas reas, bem como sobre os territrios origi-nais das comunidades locais. Muitas famlias dependem da utilizao dos recursos naturais para sua sobrevivncia, seja atravs de prticas agrcolas ou de extrativismo. Como lidar com esses aspectos aps a criao destas UCs?

    As restries ambientais e a presso de uso sobre tais recursos levaram a um crescente agravamento da situao de vida de muitas famlias e, por consequncia, geraram conflitos socioambientais e territoriais. A partir do momento em que as reas das comunidades tiveram seus territrios sobrepostos pelas UCs, o uso tradicional dos recursos lo-cais por estas foi muito dificultado ou mesmo impedido de ocorrer, o que implicou na ruptura do modo de vida tradicional e na transmisso dos saberes locais a cerca do uso da biodiversidade e prticas agrcolas. Este quadro levou a maioria das comunidades a buscarem outras alter-nativas econmicas para sua sobrevivncia, principalmente ligadas ao turismo e construo civil.

    Este conflito de interesses sobre a Mata Atlntica - conservao pe-las UCs e manejo dos recursos pelas comunidades - ponto chave para discusso do desenvolvimento local. Diante deste contexto, res-saltamos a importncia de se promover o desenvolvimento social das comunidades rurais e tradicionais envolvidas, com base no resgate e valorizao da cultura local e o manejo sustentvel dos recursos natu-rais. Para isso, se devem buscar meios de garantir o acesso a terra e ao uso da agrobiodiversidade como garantia de ampliar as possibilidades de conservao ambiental da Mata Atlntica conjugada a melhoria de vida das populaes tradicionais.

  • 35

    O trabalho desenvolvido tem como foco a promoo e difuso do ma-nejo sustentvel da juara por meio da produo de polpa alimentar e consolidao da cadeia produtiva como forma de garantir a recupera-o da espcie e conservao das florestas. A concretizao disto se d atravs do desenvolvimento de tcnicas de manejo da palmeira em p e sistemas agroflorestais, sendo estimulada a produo de outros pro-dutos que vem sendo associados polpa, como a farinha de mandio-ca e a banana, alm de plantios consorciados com espcies nativas da mata atlntica potenciais para plantios em agrofloresta, como cambuci, cambuc, grumixama, jatob e espcies madeireiras, medicinais, etc.

    O trabalho traado sob a estratgia de fomentar o protagonismo so-cial nas comunidades tradicionais, com o fortalecimento dos grupos e associaes, capacitao em agrofloresta e manejo florestal sustentvel, viabilizando a conquista pelas comunidades de sua sustentabilidade socioeconmica, ambiental e de segurana alimentar.

    Manejo Sustentvel da Palmeira Juara: produo de polpa e sementes

    O inicio deste trabalho, em 2005, teve como objetivo a difuso e capacitao no manejo dos frutos da palmeira juara para produo de polpa e sementes, alm da implantao e manejo de sistemas agroflorestais, resgate e valorizao da agricultura tradicional, bem como o licenciamento ambiental. A partir de 2007, com o avano das aes, dos resultados alcanados e da crescente adeso e fortalecimento das comunidades, ampliamos nossa atuao e passamos a focar na capacitao e articu-

    Oficina de beneficiamento de produtos da agrofloresta.

  • 36

    lao para o desenvolvimento da cadeia/arranjo produtivo da polpa de juara em Ubatuba.

    Foram realizados cursos e oficinas abordando temticas diversas, alm das relacionadas ao manejo sustentvel da juara e seu beneficiamento, assim como visitas tcnicas, mutires, reunies peridicas de planeja-mento e avaliao com as comunidades, participao em eventos, en-contros e trocas de experincias.

    Atualmente trabalhamos na organizao/formalizao de cinco gru-pos de produtores, tendo em vista a estruturao de empreendimentos familiares e comunitrios voltados produo sustentvel de polpa, sementes e mudas de juara, e demais produtos da agricultura familiar e agroflorestal. Outros grupos encontram-se mais focados na produo e plantio de mudas da espcie e sistemas agroflorestais devido, entre outros fatores, a ausncia de estoques de juara suficientes para uma relevante produo de polpa em seus stios.

    Uma das premissas o respeito s particularidades de cada comuni-dade e suas potencialidades na atividade, assim como o dinamismo de suas organizaes. Estas peculiaridades so demonstradas pelos dife-rentes estgios de envolvimento e atuao de cada uma.

    O despertar para a atividade contnuo e a cada safra da juara, novas famlias e comunidades so envolvidas. Em 2009, por exemplo, houve a insero de 17 famlias e 01 comunidade que esto em uma etapa inicial de capacitao e organizao. A incluso de novas famlias e o fortalecimento dos grupos j envolvidos no manejo da palmeira de-monstra a importncia deste recurso florestal para a agricultura fami-liar no Bioma da Mata Atlntica.

  • 37

    O manejo dos frutos da Juara teve sua colheita regularizada no Parque Estadual da Serra do Mar/Ncleo Picinguaba (PESM/NPic), a partir da aprovao pela Fundao Florestal do Estado de So Paulo do Plano de Manejo para Colheita de Frutos de Juara no interior e entorno do Ncleo Picinguaba do PESM, conforme previsto no zoneamento esta-belecido no Plano de Manejo do PESM/NP, nas Zonas Histrico Cul-tural Antropolgica (ZHCA). Nesta zona onde esto as comunidades tradicionais e atravs do Plano de Uso Tradicional (PUT) permite-se o manejo dos recursos naturais dentro de uma Unidade de Conservao de Uso Integral.

    A coleta dos frutos feita principalmente pela escalada manual com uso de pecunha. Para evitar a perda de qualidade dos frutos, e conse-quentemente da qualidade da polpa, a colheita feita, de preferncia, na parte da manh e a despolpa na tarde do mesmo dia.

    O processamento dos frutos ocorre tanto nas comunidades envolvidas como na Planta Piloto de Capacitao e Bene-ficiamento dos Frutos. Para o processamento da polpa, aps a lavagem e higienizao dos frutos, estes so despolpados num equipamento el-trico (despolpadeira) com adio de gua de acordo com a consistncia de polpa desejada. Ento a polpa embalada e levada ao freezer para congelamento logo aps envase.

    As sementes recm despolpadas, lavadas e secas sombra, so um importante produto do manejo dos frutos e destinada ao repovoa-mento da espcie. A semeadura pode ser feita diretamente no local tanto a lano como por enterrio, ou utilizada para a produo de mu-das. A produo e comercializao de mudas e sementes, alternativas

    Coleta dos frutos da palmeira juara.

  • 38

    para o uso da palmeira, possuem um mercado potencial, porm, as atividades so regulamentadas pela Lei Nacional de Sementes e Mu-das 10.711/03 que exige uma srie de procedimentos que dificultam a entrada de pequenos produtores neste ramo.

    Atualmente, temos enfrentado uma dificul-dade logstica visto que a unidade de bene-ficiamento dos frutos se localiza a 35 km da comunidade mais prxima. Isso dificulta o transporte dos frutos entre os locais de coleta e o beneficiamento, alm de tornar a atividade insustentvel e invivel financeiramente, sem o apoio do projeto. Por isso, uma das medidas prioritrias para a consolidao da cadeia produtiva a estruturao e formalizao dos grupos de produtores, e a construo de unida-des de beneficiamento nas comunidades. No entanto, isto tambm esbarra numa srie de exigncias legais e burocrticas relacionadas a adequao e registro dos estabelecimentos de processamento e de registro do produto, relacionados tanto a normas estabelecidas pela Agencia Nacional de Vigilncia e Inspeo Sanitria (ANVISA) quan-to o Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento (MAPA).

    A organizao das equipes de coleta e de beneficiamento dos frutos um tema trabalhado constantemente. A cada safra os grupos mos-tram-se mais envolvidos e organizados, como podemos ver quando comparamos as safras de 2008 e 2009 no municpio de Ubatuba (Ta-bela 1).

    O beneficiamento da polpa realizado na Planta Piloto de Capaci-tao e Beneficiamento dos Frutos da Palmeira Juara, na sede da APTA-UPD Ubatuba que j possui licena de funcionamento expedi-

    Beneficiamento dos frutos da Planta Piloto na APTA - UPD

    Ubatuba.

  • 39

    da pela Vigilncia Sanitria do Municpio, de forma a garantir o for-necimento do produto regularizado no mercado local e na merenda escolar.

    Considerando que a polpa de juara um produto inovador em termos de utilizao da biodiversidade e gerao de renda para o desenvolvi-mento local, demos incio prospeco de estratgias no mercado atra-vs da experimentao e parceria com consumidores e comerciantes no municpio. A estratgia de comunicao e comercializao desen-volvida, desde ento, se deu com o aprimoramento gradual da apre-sentao visual da embalagem para polpa, alm dos banners, cartazes e folders de divulgao. Foi mantida a identidade visual adotada inicial-mente no projeto buscando a referencia local focada na identidade e territorialidade caiara e quilombola da Mata Atlntica.

    Tabela 1: dados de monitoramento comparativos das safras de 2008 e 2009 em Ubatuba, SP

    Safra 2008 Safra 2009 Total

    Colheitas 30 40 70

    Frutos coletados (Kg) 1478 3754 5232

    Polpa produzida (L) 810 1871 2681

    Rendimento (L/Kg) 0,54 0,50 0,51

    Semente gerada (Kg) 831 2102 2933

    Mdia de cachos por p 1 1,4 1,5 1,46

    Mdia de cachos bons por p 2 1,2 1,4 1,34

    Mdia de fruto coletado por p (Kg) 3 2,4 3,42 3,04

    Cachos sem interesse para polpa 450 337 774

    Fonte: IPEMA

  • 40

    A estratgia de mercado local est baseada na identificao de pontos de comercializao no municpio em que o proprietrio seja aberto e disposto a colaborar em parceria com os objetivos do projeto. Aps a seleo destes estabelecimentos iniciou-se a articulao com proprie-trios para realizar a comercializao da polpa e difundir a proposta de uso sustentvel da espcie e os valores agregados ao produto de carter socioambiental. Atualmente existem 03 pontos em que a polpa vem sendo comercializada regularmente durante o ano todo e com perspec-tiva de ampliao de pontos de venda at o fim de 2010.

    Nos estabelecimentos em que a polpa j est sendo comercializada estamos disponibilizando material de divulgao, alm de sementes e mudas. Outros produtos vm sendo articulados para comercializao junto polpa de juara, tais como cambuci, acerola, banana e farinha de mandioca. A comercializao tambm realizada pelos prprios produtores atravs da venda direta aos consumidores. Esta insero no mercado vem ocorrendo de maneira bastante positiva, onde o consu-midor tem valorizado o trabalho desempenhado por estas comunida-des, estimulando e fortalecendo a atividade.

    Junto a isto, focado na incluso da polpa na alimentao escolar, ponto este prioritrio do projeto, comeamos a articular os produto-res locais em mercados institucionais como o Programa da Aquisio de Alimentos para Fortalecimento da Agricultura Familiar (PAA/CO-NAB) e Merenda Escolar por meio do CAE/ Conselho de Alimentao Escolar. Sua admisso na alimentao das escolas de ensino pblico est garantida por duas ferramentas importantes: a Lei N 11947, de 16 de junho de 2009 e a Resoluo/CD/FNDE N 38, de 16 de julho de 2009. A entrada da polpa da juara na merenda escolar ocorreu no ms de junho de 2010.

  • 41

    Alm de beneficiar os produtores de juara e contribuir para a introdu-o de um novo hbito alimentar associado a valorizao da rvore em p - a qualidade nutricional dos frutos da juara impressiona e justifica, ainda mais, sua entrada na merenda escolar. Estes dados esto sendo obtidos atravs do projeto de pesquisa Processamento e Sistema de Garantia de Qualidade da Cadeia de Produo da Polpa de Juara (Euterpe Edulis), desenvolvido pelo Departamento de Agroindstria Alimentos e Nutrio da ESALQ/USP, projetos FAPESP 2008 e 2006. 5

    A consolidao do trabalho vem sendo fortalecida com a articulao de uma rede de parcerias, envolvendo instituies governamentais e no governamentais, para a insero da cadeia produtiva da polpa e sementes em polticas e programas pblicos. A Rede Juara integra 14 organizaes nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, So Paulo e Rio de Janeiro com projetos e aes voltados ao uso sus-tentvel da palmeira, com foco no uso dos frutos. A articulao desta rede tomou maior dimenso a partir do projeto O Uso Sustentvel da Palmeira Juara como Estratgia para Conservao da Mata Atlntica, com apoio do Programa PDA Mata Atlntica do Ministrio do Meio Ambiente e executado de forma articulada entre as organizaes que integram a rede no sul e sudeste do Brasil. As aes em rede abrem uma perspectiva mais ampla na construo e articulao de polticas pbli-cas e na estruturao de uma estratgia de desenvolvimento comuni-trio e conservao do bioma, tendo como eixo a cadeia produtiva da palmeira juara e o protagonismo comunitrio.

    As articulaes regionais tambm tem sido um fator importante para potencializar as aes locais, das quais destacamos algumas parcerias. A AMOC (Associao dos Moradores do Quilombo do Campinho)

    5- Pesquisa de Ps-doutorado - ESALQ/USP.

  • 42

    que atua em Paraty e Angra dos Reis no estado do Rio de Janeiro bem como em Ubatuba, fo-mentando o protagonismo juvenil no manejo da juara, e a Akarui (Associao para Cultura, Meio Ambiente e Cidadania), OSCIP que en-volve produtores rurais na produo de mudas, recuperao de reas degradas e produo de polpa de juara nos municpios de So Luis do Paraitinga e Natividade da Serra, configuram um novo cenrio regio-nal. Isto se d com a consolidao de um plo de aes e experincias com o uso sustentvel da palmeira, integrando projetos e instituies governamentais e de pesquisa tambm parceiras como o PESM, Fun-dao Florestal, ESALQ/USP e UNITAU.

    Desafios: Desenvolvimento Socioambiental da Mata Atlntica

    Tendo em vista o histrico de atuao exposto e as experincias gera-das ao longo deste processo, na reflexo e anlise desta trajetria foi identificada uma serie de desafios que se impem para a efetivao e desenvolvimento de prticas de uso sustentvel da biodiversidade e do desenvolvimento socioambiental na Mata Atlntica. Hoje, temos uma legislao ambiental extremamente complexa, fundamentada numa viso estritamente preservacionista e que praticamente desconsidera a possibilidade de uma relao sustentvel entre sociedade e ambiente. Na prtica, esta legislao expressa um carter altamente restritivo e fiscalizatrio, que em maior parte incide sobre agricultores familiares/comunidades tradicionais e em muitos casos desconhece e/ou desqua-lifica os conhecimentos e prticas utilizadas historicamente por estes. No mesmo rumo vemos a legislao relacionada a regulamentao e

    Reunio da Rede Juara.

  • 43

    fiscalizao de estabelecimentos de produo agroindustrial e registro de produtos. Uma legislao concebida num modelo de desenvolvi-mento industrial em grande escala, que tem se mostrado insustentvel, atendendo aos interesses de corporaes e grandes empresas de ali-mentos, inviabiliza pequenos produtores de obterem uma licena de funcionamento, selos para comercializao e registro de seus produtos e estabelecimento. Acaba por relegar aos pequenos produtores o papel de meros fornecedores de matria prima a baixos valores, sem autono-mia na cadeia e capacidade de influir na regulao de preos.

    Talvez ainda seja cedo para afirmar o real potencial que a polpa de jua-ra representa em termos de mercado, mas tudo indica que este produto atingir cada vez mais uma maior importncia e escala nos empreen-dimentos rurais e no mercado nacional e internacional. Diante disto se impe o desafio de construir uma cadeia produtiva que contemple os benefcios sociais e ambientais potenciais, aliados ao manejo dos frutos da juara e de destaque ao papel da agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais na construo deste processo e na conser-vao ambiental.

    Diante destes desafios o IPEMA tem buscado fomentar esta discusso no mbito das redes articuladas e com insero poltica nas esferas p-blicas competentes. A interface com instituies parceiras em munic-pios prximos refora a tendncia do desenvolvimento de programas regionais, neste caso, necessitando de um maior envolvimento e apoio efetivo dos governos municipais, estadual e federal com polticas de fomento e apoio as aes em andamento, cujo objetivo principal seja a promoo de experincias concretas com o uso sustentvel dos recur-sos naturais e de empreendimentos sustentveis protagonizados por comunidades tradicionais e agricultores familiares na Mata Atlntica.

  • 44

    Parceiros

    Associaes e organizaes comunitrias das comunidades do Quilombo do Cambury, Qui-lombo da Fazenda, Serto do Ubatumirim, Aldeia Boa Vista, Bairro do Corcovado e Praia Grande do Bonete, Rede Juara, Prefeitura Municipal de Ubatuba, NP/ PESM, FF, APTA/UPD Ubatuba, Akarui (OSCIP), UNITAU (Universidade de Taubat), Departamento de Nutrio da ESALQ/USP, e AMOC.

    Cartaz de divulgao do projeto.

  • 45

    A agrofloresta promovendo a qualidade de vida: a experincia da Famlia Ferreira -

    Paraty-RJ

    Danielle dos Santos Sanfins1, Jorge Alves da Silva Ferreira2, Jos Ferreira da Silva Neto3

    Um pouco da histria...

    A famlia Ferreira chegou ao bairro do Serto do Taquari em Paraty no ano de 1987, para trabalhar na produo de banana, que na poca tinha grande predominncia no mercado. A partir desse trabalho o agricul-tor Jos Ferreira teve a oportunidade de conhecer um senhor dono de terras da regio que lhe ofereceu um stio em troca de trabalho e dessa forma pode realizar seu sonho de ter uma terra para plantar e tirar o sustento da famlia.

    No comeo no foi muito fcil, Jos Ferreira e sua esposa Carmelita, quando chegaram ao stio, localizado a uma hora de trilha do bairro Ser-to do Taquari, no tinha nada construdo, fizeram um pequeno barraco para moradia e comearam a plantar banana e caf para vender.

    1- Agrnoma. Email: [email protected]

    2- Agricultor. Email: [email protected]

    3- Agricultor. Email: [email protected]

  • 46

    Iniciaram uma roa com pouca diversidade, plantavam milho, man-dioca, feijo e inhame que contribua no sustento da famlia. A renda com a venda da produo de banana e caf era pouca devido s despe-sas com transporte e o pouco que tinham era gasto no mercado. Devi-do essas dificuldades foi preciso que Jos Ferreira sasse para trabalhar fazendo bicos para sustentar a famlia que estava crescendo, pois em 1997 nasceu o quarto filho: Jonatan.

    O trabalho na roa sempre teve a ajuda dos filhos maiores Jorge, Tiago e Catiana que desde muito jovens aprenderam a lidar com a terra. Na poca esse trabalho era muito cansativo, pois utilizavam enxada para manter a rea limpa onde cultivavam em sistema de monocultura, tra-zendo muita insatisfao por passarem a maior parte do tempo capi-nando e, alm disso, o cultivo no dava o retorno esperado.

    A esposa Carmelita, sempre muito dedicada aos trabalhos da casa, se preocupava com as dificuldades financeiras e para ajudar na renda da famlia comeou o trabalho com vendas e algumas vezes na semana descia a trilha para vender roupas e cosmticos, quando sobrava tempo ia com os filhos trabalhar na roa. Estava difcil viver somente da terra e era preciso encontrar outra alternativa para manter a famlia no stio.

    A mudana e os avanos

    No ano de 1999, Jos Ferreira conheceu o agrnomo Rodrigo Barcelar (formado pela escola do GAE da UFRRJ), que na poca trabalhava na Secretaria de Agricultura de Paraty e incentivava a agroecologia na re-gio. Nesse mesmo ano foi convidado por ele a fazer uma visita ao Vale do Ribeira em So Paulo para conhecer umas experincias com siste-mas agroflorestais, junto com Ernest Goest. Essas experincias trouxe-

  • 47

    ram um novo conceito de agricultura para a famlia, aprenderam que no era necessrio capinar e sim roar, pois dessa maneira mantinham o solo protegido e garantiriam sua fertilidade. Aprenderam tambm que plantar em sistemas agroflorestais era mais benfico tanto para o meio ambiente como para a famlia, por plantarem diversificado e exigir menos mo de obra. Com esses conhecimentos adquiridos Jos Ferreira junto com seus filhos iniciou os primeiros experimentos em agrofloresta no stio.

    Em maro de 2000 novamente convidado para fazer visita as expe-rincias do Vale do Ribeira dessa vez junto com seu filho Tiago e alguns agricultores de Paraty; foi um momento importante, por poder intera-gir com os agricultores da regio e trocar experincias.

    Aps essa viagem Z Ferreira se aproximou do movimento agroecol-gico que iniciava em Paraty, comeou a participar de mutires promo-vidos pela Secretaria de Agricultura, durante a Residncia do agrno-mo Claudemar Mattos, onde teve a oportunidade de estar em contato com estudantes do Grupo de Agricultura Ecolgica (GAE) da Univer-sidade Federal Rural do Rio de Janeiro e conhecer mais os trabalhos da agroecologia. A partir da passou a sair para fazer cursos com o intuito de aprender mais sobre agroecologia e aplicar no stio o aprendizado.

    Com as experincias adquiridas, Z Ferreira junto com seus filhos deci-diu implantar sistemas agroflorestais em uma grande rea de pasto que haviam aberto para criar gado, mas como esse tipo de criao requer uma grande rea no se tornava sustentvel para a famlia, alm de observarem que o pisoteio do gado causava degradao do solo. Nessa rea tiveram trabalho no controle da braquiria e perceberam que a nica forma de control-lo seria sombreando, introduziram ento o Ing, uma leguminosa de crescimento rpido, resistente a podas drs-

  • 48

    ticas e com boa produo de biomassa. Testa-ram vrias espcies de Ing e observaram que algumas no tinham todas essas caractersti-cas, ento selecionaram as que seriam mais importantes para a finalidade.

    Durante esse tempo a famlia comeou a rece-ber visitas de estudantes, de agricultores e de alguns tcnicos para conhecerem os sistemas agroflorestais do stio; estes tambm traziam suas experincias e ajudavam na implantao de novos SAFs. O filho Jorge aproveitava es-sas visitas para aprender um pouco da parte botnica com os estudantes e tcnicos, assunto que sempre o interessou e no qual passou a se aprofundar e aprender cada vez mais de forma autodidata. Esse conhecimento foi de suma im-portncia para a identificao das espcies nativas da floresta o que faci-litou as coletas de sementes para a produo de mudas e a implantao de um viveiro que contribuiu para o reflorestamanto do stio e de outras propriedades da regio como, Fazenda Goura e Pousada da Bromlia.

    No ano de 2004 Jorge iniciou um trabalho de acompanhamento do desenvolvimento das espcies dos SAFs, onde demarcou algumas es-pcies e mediu circunferncia, dimetro e altura de forma avaliar como estava o desenvolvimento das espcies a cada ano. O acompanhamento foi realizado at 2007 e foi montada uma planilha que atualmente est sendo trabalhada para concluir a pesquisa avaliando todos os fatores negativos e positivos que influenciaram no desenvolvimento das esp-cies, para observar o que erraram e o que acertaram em cada experi-mento de SAF implantado.

    Do planejamento interveno: um dos SAFS da rea de Brachiaria

    implantado em 2006 com Ing e mandioca e manejado

    em 2009, com poda drstica do Ing para plantio de feijo.

  • 49

    A sustentabilidade da famlia

    Com os conhecimentos agroecolgicos aflorados e sendo colocados em prtica, os frutos vieram e logo no primeiro ano em que iniciaram os experimentos j comearam a perceber a melhoria na sustentabilidade do stio, pois com a melhoria da diversidade dos produtos foi possvel aumentar a colheita e diminuir os gastos no mercado. Nesse perodo a esposa Carmelita teve a oportunidade de participar de um curso de fabricao caseira de doces, compotas e conservas onde aprendeu a conservar sem o uso de produtos qumicos utilizando o processo de cozimento do produto dentro do vidro em banho maria, de maneira a obter o vcuo e garantir a conservao dos produtos, por um prazo de validade que chega at dois anos.

    Como no stio no existe luz eltrica essa experincia foi de grande importncia para o armazenamento da colheita e dessa forma pode aproveitar frutas, legumes e gros produzidos e que se perdiam em quantidades, como: goiaba, mamo, jabuticaba, jussara, milho verde, guandu, chuchu, feijo e inhame garantindo diversidade na mesa du-rante o ano inteiro, alm de poder vender o excedente, gerando nova fonte de renda para a famlia.

    Alm das compotas e conservas Carmelita tambm fez um curso sobre remdios caseiros, onde aprendeu a manipular as ervas medicinais e a produzir seus prprios remedinhos. Com os conhecimentos aprendi-dos e com a diversidade de plantas no stio no demorou muito e ela colocou logo em prtica os seus novos saberes, conciliando tambm com o que j conhecia.

    Comeou a produzir xaropes, xampus, tinturas, repelentes naturais, sabonetes e diversos outros produtos que foram de grande ajuda para

  • 50

    a sade da famlia e de vrias outras pessoas, pois quando os amigos e moradores das re-gies prximas conheceram os produtos e comearam a fazer uso gostaram muito do resultado, ento Carmelita passou a descer a trilha, uma vez na semana, para vender os produtos complementando a renda da famlia e deixando para trs as vendas de roupas.

    A promoo da troca de saberes

    Com o aumento do interesse de pessoas em conhecer as experincias da famlia Ferreira, no ano de 2004 o amigo e agrnomo Claudemar Mat-tos, props que fosse realizada uma Vivncia Agroflorestal no stio, com o intuito de reunir estudantes, tcnicos e agricultores com interesse em aprender e trocar experincias sobre agroecologia e sistemas agroflores-tais. A I Vivncia Agroflorestal do Stio So Jos foi ento realizada no ms de novembro de 2004 com a presena de estudantes do GAE da Uni-versidade Federal Rural do Rio de Janeiro, alguns agricultores da regio e tcnicos. Nessa vivncia foi implantado um sistema agroflorestal.

    A vivncia deu to certo, que no ano seguinte foi realizada novamente, mas dessa vez com es-tudantes de outros estados, envolvendo maior nmero de pessoas. O interesse s aumentou e a vivncia passou a ser realizada todos os anos no ms de novembro, recebendo grupos de es-tudantes de diversas universidades como: Gru-po MAE da Universidade Federal Fluminense UFF; Capim Limo da Universidade Federal

    Mostrurio de produtos: doces, compotas e conservas

    preparadas no stio.

    V Vivncia Agroflorestal realizada em 2008.

  • 51

    do Rio de Janeiro UFRJ; Grupo Yeb da Uni-versidade Federal de Lavras UFLA, entre ou-tros. Atualmente a famlia tem um programa de estgio onde recebe pessoas, estudantes da rea, ou no, que possuem interesse em prati-car a agroecologia, vivenciando as atividades do dia-a-dia da famlia, como: plantar, colher, beneficiar produtos e manejar as reas.

    As dificuldades vivenciadas e o aprendizado

    Apesar da qualidade de vida ter sido garanti-da ao longo desses anos, a famlia no obtm a produtividade esperada, devido ao clima do local ser muito mido. Por causa dessa umi-dade a produtividade com os gros fica com-prometida; principalmente no que refere co-lheita e ao armazenamento, sendo fases com muitas perdas por apodrecimento e por ataque de fungos.

    Alm da baixa produtividade causada pelos fa-tores climticos, atualmente a famlia observa uma dificuldade de produtividade nos primei-ros SAFs implantados, pois o espaamento utilizado entre as rvores de grande porte e as frutferas foi muito pequeno o que resultou num sombreamento das frutferas dificultan-do a produo das mesmas.

    Primeiro SAF implantado no stio em estgio avanado de

    desenvolvimento.

    Preservao Ambiental

    Desde que a famlia comeou a trabalhar dentro dos princpios

    da agroecologia, uma das preocupaes foi a recuperao da floresta, que fora suprimida

    antes da poca em que entraram no stio.

    A implantao dos SAFS foi uma das formas que

    encontraram de repor espcies nativas da mata atlntica como a palmeira Jussara,

    ameaada de extino devido ao corte indiscriminado para

    comercializao de seu palmito.

    Durante o perodo de 2000 a 2005 foram produzidas,

    no prprio stio e plantadas 31.844 mudas de espcies

    arbreas e frutferas, sendo que 80% foram de espcies

    nativas da mata atlntica, tais como: ararib, jatob, canela, cambuc, guapuruvu, pitanga, sassafrs, diversidade de ings,

    entre outras.

  • 52

    A soluo para esse problema tem sido o manejo de algumas rvores, com poda ou at mesmo a retirada de algumas das plantas que se repe-tem em grande nmero nos SAF`s.

    Com essas dificuldades foi possvel perceber que muito importante a observao e o estudo aprofundado das espcies a serem colocadas na rea, conhecendo e avaliando seu porte, para que se dimensionem os espaamentos, de forma a que as espcies adquiram harmonia entre si, sem comprometer futuramente o seu desenvolvimento e a sua produ-tividade.

    Atualmente o Stio So Jos possui doze SAFs cada um com uma ca-racterstica diferente e a partir das observaes tem sido possvel avaliar aos erros e acertos dos sistemas implantados, servindo de aprendizado tanto para a famlia como para os estudantes, tcnicos e agricultores que visitam o stio no intuito de conhecer mais sobre os Sistemas Agro-florestais.

  • 53

    Protagonismo juvenil e manejo da Palmeira Juara em comunidades

    quilombolas (AMOQC)

    Fbio Jos dos Reis Oliveira1, Ronaldo dos Santos2 , Luciano Marciel Corbelline3

    Direitos Territoriais e Resistncia dos Quilombolas

    As comunidades Remanescentes de Quilombos, cujas primeiras exis-tncias so datadas do sculo XVI, sempre estiveram s margens do projeto de desenvolvimento nacional. Inicialmente, os quilombolas eram considerados bandidos, por se tratar de grupos que viviam na ilegalidade, pessoas que se rebelavam contra o regime escravocrata, fugindo da condio de escravizado, e passando a fazer parte da cres-cente rede de negros fujes, o que representava cada vez mais, uma grande ameaa soberania nacional. Outras maneiras menos lembra-das de formao dos quilombos so aqueles que se originaram de fa-zendas falidas, das doaes de terras para ex-escravos, das compras de terras pelos escravos alforriados, da prestao de servios de escravos em guerras como a do Paraguai, Balaiada entre outras, das terras de Ordem Religiosas deixadas a ex-escravos, dentre outras situaes.

    1- Eng. Florestal, Coordenador Tcnico do Projeto Protagonismo Juvenil - Email: [email protected]

    2- Coordenador Executivo da CONAQ - Email: [email protected]

    3- Bilogo, Coordenador Rede Juara - Email: [email protected]

  • 54

    A manuteno dos territrios quilombolas representa a manuteno da identidade cultural das comunidades negras rurais nos mais distintos contextos socioambientais no territrio nacional. A criao do artigo 68 do ADCT (Atos das Disposies Constitucionais Transitrias), em ocasio da promulgao da constituio de 1988, e tambm centenrio da abolio, representou um passo fundamental para o reconhecimen-to dos povos quilombolas, trazendo a questo quilombola novamente para a pauta de discusso da sociedade brasileira, no mais se tratando de um grupo perseguido em condio de marginalidade, mas um povo excludo do processo de desenvolvimento social e econmico do pas, agora na condio de um novo sujeito de direito.

    Hoje, com cerca de 3.500 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas pelo estado brasileiro, e mais de 5.000 estimadas pelo movimento quilombola em todo o territrio nacional, lutam para manter seus territrios tnicos, sua identidade cultural, a implementa-o de polticas pblicas e a promoo da qualidade de vida dos distin-tos grupos que compem as comunidades: juventude, gris, artesos, agricultores, mulheres e lideranas locais.

    Os avanos das comunidades quilombolas na luta por reconhecimento e por direitos tm provocado uma grande reao por parte do setor ruralista que historicamente tem suas bases sustentadas pelo racismo e pelo capitalismo. O ano de 2003 foi um marco na histria do movimen-to quilombola, pois no dia 20 de novembro o Presidente da Repblica publicou o decreto 4887/2003 regulamentando os procedimentos para o processo de reconhecimento, demarcao e titulao dos territrios quilombolas. Esse decreto foi criado de forma participativa atravs de um grupo de trabalho que inclua organizaes representativas do go-verno e da sociedade, entre elas a CONAQ (Coordenao Nacional de Articulao das Comunidades Negras Rurais Quilombolas). Logo, o

  • 55

    resultado final desse grupo de trabalho representou um avano signifi-cativo para o movimento, bem como uma grande ameaa para o agro-negcio. A estratgia do movimento quilombola ampliar suas bases de sustentao e fortalecer politicamente suas organizaes, fazendo a formao de seus quadros e subsidiando com informaes para uma atuao mais qualificada.

    Articulao em rede regional e o protagonismo juvenil

    Nos municpios de Angra dos Reis e Paraty (RJ), bem como em Uba-tuba (SP), vrias comunidades quilombolas vem conseguindo resistir s ameaas da regio. Essas comunidades mantiveram historicamen-te uma relao cultural, comercial, poltica, e at mesmo de migrao para moradia e casamento entre si. Porm, essa relao foi interrompi-da devido situao que cada uma dessas comunidades, isoladamente, passou a viver nas ltimas dcadas, por conta dos grandes projetos na-cionais desenvolvidos na regio, como a criao de diversas unidades de conservao, a construo da rodovia Rio-Santos e da usina nuclear em Angra dos Reis, e a conseqente especulao imobiliria.

    Dentro da idia da reorganizao poltica das comunidades quilombo-las, a partir de 2005, renasce uma rede de articulao das comunidades quilombolas do litoral sul fluminense e norte paulista, fortalecendo uma identidade territorial comum, como uma nova estratgia polti-ca de luta. a partir desse contexto que se organiza o Protagonismo Juvenil no Fortalecimento das Comunidades Quilombolas e Promoo da Palmeira Juara, projeto aprovado junto ao Programa de Projetos Demonstrativas do Ministrio do Meio Ambiente PDA/MMA, com o intuito de estimular e envolver a juventude quilombola nos processos de organizao comunitria em curso e intercmbio cultural perma-

  • 56

    nente atravs de uma campanha da valorizao da palmeira juara no s como parte importante do ecossistema, mas tambm como alterna-tiva para a soberania alimentar nos cinco territrios envolvidos nessa construo: Quilombos do Campinho da Independncia, do Cabral, e de Santa Rita do Bracu, no Sul Fluminense, e os Quilombos da Fa-zenda e de Cambury, no Litoral Norte Paulis-ta, alm do Instituto de Permacultura da Mata Atlntica - IPEMA.

    O projeto teve inicio no final de 2007, com previso de concluso prevista para o final de 2010, e orienta o foco de sua ao no Protago-nismo atravs de trs linhas: Juventude, Orga-nizao Comunitria Quilombola e Manejo da Palmeira Juara. Essas estratgias de atuao aconteceram a partir da consolidao e difuso da agroecologia atravs da formao de agentes locais nas comunida-des quilombolas envolvidas, estimulando o repovoamento da palmeira juara em sistemas agroflorestais, o enriquecimento produtivo da vege-tao de capoeira e o manejo florestal comunitrio.

    Para tanto, formou-se em cada comunidade as equipes de agentes lo-cais, cada uma com no mnimo cinco jovens, que passaram a ser iden-tificados como Protagonistas, os quais contaram com uma ajuda de custo pela sua participao. A efetivao dos objetivos propostos neste projeto requer um esforo centrado na capacitao e animao perma-nente dos agentes locais escolhidos pelas comunidades. Nos mdulos do curso de formao foram abordados os princpios, fundamentos e tcnicas que possibilitam a formao de agentes de desenvolvimento comunitrio de base sustentvel. partir de uma abordagem terica mais ampla fundamentada na agroecologia e no desenvolvimento sus-tentvel, foram desenvolvidas atividades e experincias prticas sobre

  • 57

    temas mais pontuais e especficos que possibilitassem integrar tais co-nhecimentos a realidade scio-ambiental de cada comunidade.

    O programa do curso preconiza a participao de todos os atores envolvidos na condio de sujeitos e no espectadores do processo, rompendo com o sistema de aula expositiva baseada puramente no repasse de tcnicas. Tal programa aconteceu de forma flexvel quanto ao nmero de mdulos e contedos, abordando temas como: Movi-mento Negro/Quilombola: Sua Trajetria e Perspectivas, Desenvol-vimento Rural sustentvel, Manejo da Palmeira Juara, entre outros. Os instrutores fundamentalmente tm como principal papel atuarem como mediadores entre o grupo, estimulando e problematizando a

    reflexo dos temas e saberes necessrios para a construo de conceitos e princpios para o manejo da agrobiodiversidade e formao de lideranas comunitria.

    Essa dinmica de formao abriu um leque de possibilidades que permitiu a integrao de te-mas transversais, como os de comunicao e

    turismo de base comunitria, contribuindo para ampliao das reas de ao e fortalecimento dos intercmbios culturais, no s Quilom-bola, mas favorecendo a interao destes com os Caiaras e com os Indgenas Guaranis, atravs da participao nas atividades do Frum de Comunidades Tradicionais4. A articulao desses trs grupos tni-cos na regio, em prol da garantia dos seus respectivos territrios, tem abordado temas de grande relevncia para manuteno da identidade cultural desses grupos. O Turismo de base comunitria prope um tu-

    4- O FRUM DE COMUNIDADES TRADICIONAIS um espao poltico constitudo por legtimos representantes das comunidades tradicionais Quilombolas, Caiaras e de ndios Guaranis, situados no territrio compreendi-do entre o sul de Angra dos Reis, o municpio de Paraty e o norte de Ubatuba (SP), lutando pela garantia dos direitos e a manuteno da identidade cultural dessas comunidades.

  • 58

    rismo onde seja reconhecida e valorizada a cultura local, bem como a Comunicao, as quais a partir do contato com as ferramentas para produo udio visual, refletem-se sobre a democratizao da comu-nicao e sua funo social, alm da grande mdia, sempre partir do protagonismo e da autogesto das comunidades.

    Vale ainda ressaltar as contribuies da construo da cultura de redes, ao buscar a interao em mbito estadual com a Associao de Comu-nidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro ACQUILERJ e com a Articulao de Agroecologia do Rio de Janeiro, e a nvel interes-tadual com a Coordenao Nacional das Comunidades Quilombolas CONAQ, com a Rede Juara e a Rede Mocambo5. Tais articulaes tm favorecido as trocas de experincias e compreenso da dimenso dos demais movimentos sociais, assim como de processos polticos gover-namentais que influenciam as dinmicas de construo local.

    Manejo da palmeira Juara como estratgia de conservao em territrios tradicionais da Mata Atlntica

    O manejo dos frutos da palmeira juara (Euter-pe edulis Mart.) para obteno tanto da polpa alimentar como das sementes, pode ser consi-derado como uma importante estratgia de conservao desta espcie e das florestas nativas, alm do potencial scio-econmico e contri-buies para soberania alimentar das comunidades na Mata Atlntica.

    O estmulo para manejo dos frutos, ao invs da extrao do palmito, pode contribuir consideravelmente para reduzir a presso sobre esta

    5- Sites: www.redejucara.org.br e www.redemocambo.org.br

  • 59

    espcie, e favorecer na resoluo de conflitos socioambientais relacio-nados ao uso de recursos naturais por comunidades em reas de inte-resse para conservao.

    Esta palmeira at ento era conhecida e usada apenas para a produo de palmito, atravs de um processo de explorao sem controle, e que representou uma opo de renda para muitas famlias de agricultores e comunidades exclu-das, mas que levou esta espcie ao risco de ex-tino nesta regio, e em praticamente todo o

    domnio da Mata Atlntica. A partir da perspectiva de utilizao de seus frutos para a produo de polpa, de forma similar a do aa (Eu-terpe oleracea) produzido na Amaznia, esta espcie passou a possuir uma posio de destaque, conferida pela multifuncionalidade do pon-to de vista ecolgico e scio-econmico.

    Um aspecto positivo do manejo da juara para a produo da polpa do fruto, em relao ao manejo para palmito, que a retirada do pal-mito implica na morte da planta, que leva de 5 a 8 anos para chegar a um estgio de corte, enquanto que a coleta de fruto pode ser feita aproximadamente a partir dos 7 anos, e possibilita a coleta ano aps ano com a mesma planta, pois no necessrio cort-la. Outro fa-tor relevante que os frutos depois de serem despolpados fornecem como produto no s a polpa para ser consumida como alimento, mas tambm uma grande quantidade de sementes viveis que po-dem ser utilizadas para incremento das populaes dessa espcie, e repovoamento de reas onde ela foi extinta, inclusive em locais aonde no h mais capacidade de repovoamento natural e implantao em diferentes sistemas produtivos.

  • 60

    A partir das aes do protagonismo Juvenil ocorreu um incremento nas atividades de promoo da palmeira juara, que j vinha ocorren-do em Paraty desde 2006 como ao da Associao de Moradores do Quilombo Campinho da Independncia - AMOQC e em Ubatuba, por incentivo e empenho do Instituto de Permacultura da Mata Atlntica IPEMA, desde 2005, parceiro nessa empreitada, contribuindo para a construo das possibilidades de manejo e da criao de identida-de scio-ambi