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Capítulo 8
Professor: Edson
Comunicação e Expressão
Capítulo 8
Professor: Edson
MODOS DE ARGUMENTAR E PERSUADIR
Caro aluno,
Quando falamos sobre a dissertação, vimos que existem dois tipos de textos
dissertativos: o expositivo e o argumentativo. Você consegue diferenciá-los?
Caso ainda não tenha essa diferença clara em sua mente, volte e dê mais uma
olhada no guia de estudo, porque isso será fundamental para darmos continuidade
aos nossos trabalhos, uma vez que iremos abordá-los com mais profundidade.
Quando produzimos um texto argumentativo visamos persuadir o nosso ouvinte ou
leitor, que é o nosso interlocutor, sobre um determinado assunto, ideia ou opinião,
lembra-se? Não necessariamente precisamos fazê-lo pensar como nós, mas
precisamos estabelecer argumentos convincentes para que mostremos ao nosso
interlocutor que há uma lógica ou uma coerência naquilo que pensamos.
Retomando o conceito, podemos dizer que:
Em muitas situações como discussões na imprensa, nas assembleias ou em
conversas cotidianas, a argumentação passa a ser um “bate-papo” e, às vezes,
podem ocorrer insultos ou sarcasmos. Tudo isso, é claro, não contribui para uma
verdadeira argumentação. Pelo contrário, parece que faltou conhecimento de
mundo para que houvesse a defesa o ponto de vista de cada um. Cabe ainda
comentar que preconceitos e superstições também não colaboram para a
construção de um bom texto argumentativo. Uma argumentação legítima precisa
ser construtiva e crítica, sempre baseada em fatos, na ideia de pessoas
conceituadas e deve sempre estabelecer uma lógica de pensamento.
Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer
mediante a apresentação de razões em face da evidência das provas e
à luz de um raciocínio lógico e consistente.
Capítulo 8
Professor: Edson
Dessa forma, poderemos dizer que os argumentos serão as “provas” baseadas no
raciocínio, nos dados, nos acontecimento etc., apresentadas para demonstrar que a
ideia que nós pretendemos defender é correta ou pelo menos lógica. Como há
diferentes tipos de argumentos, vamos aqui definir os principais, para que, no
momento da construção do texto, você possa usá-los adequadamente a fim de ter
um texto mais consolidado na sua estrutura argumentativa.
Os tipos de Argumentação
1. Argumento de Autoridade
Muitas vezes, quando queremos comprovar algo, recorremos a alguns autores que
já falaram sobre esse assunto e que confirmam aquilo que estamos dizendo. É
claro que para isso, devemos buscar autores renomados, autoridades que
demonstram domínio do saber numa certa área da atividade humana. Essa
autoridade tanto pode ser uma pessoa como uma obra ou instituição. Isso mostra
conhecimento de nossa parte e que teremos propriedade em falar sobre esse
assunto. Devemos ter em mente que um argumento de autoridade será um bom
argumento se a autoridade citada for realmente qualificada em relação ao assunto
acerca do qual desejamos provar a conclusão. Exemplo:
Segundo o IPCC (Intergovernmental Panel on Climate
Change) há 90% de probabilidade de o aquecimento global ter
uma causa humana, portanto é muito provável que o
aquecimento global tenha sido causado pelos seres humanos.
Neste caso, procura-se provar que o aquecimento global, possivelmente, tenha sido
causado pela ação humana, recorrendo à autoridade do IPCC. Assim, este
argumento será um bom argumento apenas se aceitarmos que o IPCC é uma
autoridade qualificada em relação ao problema do aquecimento global do planeta.
Da mesma forma, procederíamos com autoridade em afirmar algo se pegássemos
dados da Fundação Getúlio Vargas. Poderíamos construir o texto da seguinte
forma:
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Segundo a pesquisa da FGV, Alagoas concentra o maior
patamar de pobres do País, com um índice de 38,8% da
população sobrevivendo na chamada classe E. Em
comparação com os dados da Pnad de 2007, também
analisados pela FGV, nota-se que a pobreza em Alagoas só
cresceu. Em 2007, 37,9% dos alagoanos estavam na classe
E. Os percentuais de Alagoas chegam a ser piores que o do
Maranhão, onde o índice de pobres caiu em vez de subir. Lá,
33,8% da população se encontra hoje na classe E, enquanto
que em 2007 esse índice era de 38,3%.
(http://www3.fgv.br/ibrecps/Clippings/lc2053.pdf)
Esse tipo de recurso terá muito peso em nossa argumentação, pois partimos de
uma fonte conceituada. Todavia, nem sempre quando citamos alguém renomado,
estamos tendo um bom argumento, pois poderemos citar o nome da pessoa ou da
instituição apenas como uma fonte de crédito, no entanto, o que se afirma poderá
não ser verdadeiro. Por
exemplo: alguém poderia
elaborar um texto em que
procurasse argumentar
sobre a importância do
conhecimento e em seu
texto ele afirmasse:
“Conforme disse
Sócrates, as pessoas
precisam buscar mais
conhecimento para se
constituírem enquanto
seres.”
Observe que nessa afirmação está se buscando um argumento de autoridade,
todavia, se esse texto for lido por alguém que conhece Sócrates saberá que essa
afirmação não é verdadeira e, dessa forma, o texto ficará totalmente desacreditado.
Capítulo 8
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Além disso, mesmo que Sócrates tivesse dito isso, sabemos, hoje, que esse tipo de
afirmação não procede, pois o homem não se constitui um ser somente pelo
conhecimento. Assim, essa afirmação irá contra a ordem real, tornando o
argumento enfraquecido.
2. Argumentos por comprovação
A sustentação da argumentação se dará a partir de dados, estatísticas, percentuais
etc. Esse argumento é diferente ao de autoridade, pois aqui, não se pensa no nome
da instituição ou da pessoa em si, mas nas informações que são concedidas. A
busca do argumento por comprovação ocorre quando o objetivo é contestar um
ponto de vista equivocado. Estatísticas e dados percentuais costumam ser
encarados, pelo leitor, como uma comprovação da opinião emitida pelo autor do
texto: os números falam por si mesmo (desde que sejam confiáveis, é claro!).
Suponhamos que você tenha que elaborar um texto, falando sobre a melhora da
qualidade educacional no Brasil. É claro que, sem grandes reflexões, esse tema lhe
parecerá um tanto absurdo. No entanto, se você buscar dados do Ministério da
Educação, encontrará argumentos que sustentem a sua tese. Como exemplo:
Em 2008, o investimento público em Educação foi de 4,7% em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), um crescimento de 0,2% em comparação com o ano anterior. Em valores, foi algo em torno de R$ 140 bilhões. É o que revela estudo divulgado ontem pelo Ministério da Educação. A série histórica indica que entre 2000 e 2008 o percentual passou de 3,9% para 4,7%, com alguns períodos de estabilidade e até de queda. O total dos recursos aplicado por um país em Educação proporcionalmente ao PIB é um parâmetro utilizado internacionalmente para aferir os investimentos na área. Em ocasiões anteriores, o ministro da Educação, Fernando Haddad, defendeu que o país chegue a 6%, média do que é aplicado em países desenvolvidos. (http://www.anj.org.br/jornaleeducacao/investimento-em-educacao-sobe-mas-ainda-e-insuficiente)
É claro que em consequência desse investimento, pode não ter havido uma
melhora significativa, mas você pode afirmar que esses dados trazem uma
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perspectiva positiva, pelo menos, sob o ponto de vista do governo. Esse tipo de
argumento dá sustentabilidade ao seu texto e torna a sua ideia mais coerente.
3. Argumentos com base no raciocínio lógico
Nesse tipo de argumento, a relação de causa e efeito é o recurso utilizado pelo
produtor textual para demonstrar que a conclusão a que ele chegou é necessária,
além de coerente, e não um simples fruto de interpretação pessoal e facilmente
contestável. Assim, nesse tipo de argumento você forma uma ideia baseada em
outros fatores co-relatos. Por exemplo: "A pena de morte, depois de adotada em
certos Estados americanos, de nada serviu para diminuição dos índices de
criminalidade; em alguns, pelo contrário, foi até registrado um leve aumento, então,
baseado nisso, tudo leva a crer que se adotada no Brasil a pena de morte teria
resultados semelhantes." Observe que nesse argumento partiu-se de uma premissa
para chegar a uma conclusão. No entanto, Platão e Fiorin (1996, p.289) dizem que
este tipo de argumento pode apresentar alguns problemas, dos quais podemos
destacar:
a) Fugir do tema - artifício muito utilizado por políticos e advogados para evitar
questões que não lhes interessa responder. Por exemplo, quando
perguntado a um político sobre as razões de gastar-se tanto dinheiro para a
realização de determinada obra e ele começa, então, a falar sobre os
benefícios de tal obra e acaba não respondendo a questão formulada.
b) Tautologia (demonstrar uma tese, repetindo-a com palavras diferentes) -
acontece quando se utiliza a própria afirmação como causa dela mesma.
Exemplo: o fumo faz mal à saúde porque prejudica o organismo (prejudicar o
organismo é o mesmo que fazer mal à saúde).
c) Tomar como causa, explicação, razão de ser um fato, que, na verdade,
não é causa dele - O que veio depois de um fato não é necessariamente
efeito do que aconteceu antes dele. Como exemplo, se um indivíduo passar
por baixo de uma escada e, em seguida, tropeçar em um buraco e cair, ele
não poderá dizer que a causa da queda tenha sido ele passar por baixo da
escada, pois isso não tem valor científico.
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Tome muito cuidado ao utilizar esse tipo de argumento, para que você não se
contradiga.
4. Argumento baseado no senso comum
Senso comum é um saber que nasce da experiência quotidiana, da vida que os
homens levam em sociedade. Ele descreve as crenças e proposições que
aparecem como normais, sem dependerem de uma investigação detalhada para
alcançar verdades mais profundas como as científicas.
Por exemplo: quando alguém
reclama de dores no fígado,
esta pessoa pode fazer um chá
de boldo, que já era usada
pelas avós de nossas avós,
sem, no entanto, conhecer o
princípio ativo (substância
química responsável pela cura)
das folhas e seu efeito nas
doenças hepáticas.
Em alguns casos, basear-se no senso comum também pode ser uma estratégia
argumentativa bem sucedida. Proposições do tipo “não se faz um grande país sem
investimentos em educação”, “a destruição do meio ambiente causará sérios
problemas às gerações futuras” são tidas pela sociedade como verdadeiras. Por
outro lado, deve-se tomar muito cuidado com opiniões sem validade científica,
preconceituosas, tais como: “Deus é brasileiro”, “todo político é corrupto”, “Na
primeira vez o mundo acabou em água; na próxima, acabará em fogo”, “o amor é a
solução para todos os problemas”. Esses argumentos são equivocados e
enfraquecem a sua argumentação, pois serão facilmente contestados.
Esse tipo de recurso é o que predomina num texto argumentativo e isso acaba por
torná-lo muito fraco, argumentativamente falando, pois estamos apenas
reproduzindo o que a sociedade diz, sem ter uma visão crítica do fato analisado.
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5. Argumento baseado na Competência Linguística
Em muitas situações de comunicação, devemos usar a língua de forma culta, pois o
modo de dizer dará confiabilidade ao que se diz. Como exemplo, se um professor
não é capaz de usar a norma culta, achamos que ele não está preparado para
ministrar aulas, além disso, seu discurso passa a ser desacreditado. Todavia,
utilizar um vocabulário adequado à situação comunicativa também poderá dar
credibilidade às informações. Observemos o texto abaixo extraído de um vídeo
exibido na Casa de Detenção de São Paulo, para ensinar aos detentos formas de
prevenção contra a Aids:
Plínio Marcos: Aqui é bandido. Atenção, malandrage! Eu num vô pedir
nada, vô te dá um alô! Te liga aí: Aids é uma praga que rói até os mais
fortes, e rói devagarinho. Deixa o corpo sem defesa contra a doença.
Quem pegá essa praga está ralado de verde e
amarelo, de primeiro ao quinto, e sem vaselina.
Num tem dotô que dê jeito, nem reza brava, nem
choro, nem vela, nem ai, Jesus. Pegou Aids, foi
pro brejo! Agora sente o aroma da perpétua: Aids
pega pelo esperma e pelo sangue, entendeu?
pelo esperma e pelo sangue! (Pausa)
Eu num tô te dando esse alô pra te assombrá,
então se toca! Não é porque tu ta na tranca que
virou anjo. Muito pelo contrário, cana dura deixa o
cara ruim! Mas é preciso que cada um se cuide,
ninguém pode valê pra ninguém nesse negócio de
aids. Então, já viu: transá, só de acordo com o parceiro, e de
camisinha! ( Pausa)
(http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno07-14.html)
Esse texto dá informação sobre o vírus da Aids para detentos. Para que sua
comunicação fosse eficaz e sua linguagem fosse persuasiva, o ator Plínio Marcos
apresenta-se como sendo um deles, por isso ele utiliza uma linguagem a que eles
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estão mais habituados e que não é considerada norma culta. Nesse caso, a
transgressão gramatical tem um valor muito mais argumentativo do que a estrutura
considerada culta. Isso ocorreu, também, com a propaganda da Caixa Econômica
Federal com o slogan “Vem pra caixa você também. Vem!”. Você está lembrado
desse exemplo, que tratamos no guia sobre dissertação? Conforme já dissemos,
segundo a norma culta o verbo deveria ser “Venha”, no entanto houve essa
estratégia argumentativa para aproximar mais a Instituição Caixa Federal e
interlocutor.
Refutação de argumento, falácia e sofismas
Precisamos ter muito cuidado com as palavras. Não podemos ser ingênuos e
aceitarmos tudo o que ouvimos ou lemos. Precisamos ter habilidade para lidar com
discursos, com textos e principalmente com argumentos que nos são apresentados
no dia-a-dia. Para que isso ocorra, precisamos obter critérios para aceitar ou rejeitar
enunciados. Dessa forma teremos um posicionamento crítico e saberemos no
colocar mediante afirmações que poderão evasivas, astutas e enganosas.
Por exemplo, leia os enunciados a seguir. Qual seria a sua postura diante deles?
Quais você aceitaria e quais rejeitaria? Quais argumentos você teria para contestá-
los? Tente.
a) Existe vida em outro planeta, pois nunca provaram o contrário.
b) Minha namorada me traiu. Logo, as mulheres tendem à traição.
Dessa forma, podemos dizer que comunicar não é apenas
informar algo, mas também levar o outro a pensar e a crer que
aquilo que pensamos tem coerência, por isso, a estratégia
argumentativa é fundamental. A persuasão é o ato de levar o outro
a acreditar no que foi dito.
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c) Se eu abrir uma exceção para você, deverei abrir também para Marco. Se
abrir para Marco, devo abrir para Luísa. E depois abrir para todos.
d) Você deve ser rico, pois estuda num colégio de ricos.
e) Deveríamos abolir todas as armas do mundo. Só assim haveria paz
verdadeira.
f) Os brasileiros gostam de praia, café, carnaval e futebol.
g) Se você não está a meu favor, então, você está contra mim.
h) Os empregados são como pregos: temos que bater para que cumpram suas
funções.
i) O vinho é uma bebida saudável, que faz bem ao coração. É estimulante.
Assim foi reconhecido por todos os povos antigos. Inclusive o Apóstolo São
Paulo recomendava vinho em suas epístolas.
j) A razão da timidez da maioria das pessoas solteiras reside no carácter
possessivo das suas mães.
k) Professor, eu preciso tirar boa nota. Se eu aparecer em casa com nota tão
baixa, minha mãe pode sofrer um ataque cardíaco.
Todos os enunciados acima devem ser rejeitados. São falácias. São enunciados ou
tentativas de persuadir o leitor mediante em raciocínio errôneo, mediante um
argumento fraudulento, enganoso. Essas falácias, como você pode constatar, estão
em todos os discursos: na publicidade, na política, nas religiões, na economia, no
comércio etc.
Nós não podemos confundir falácias com mentiras. Conforme diz Fredric Litto:
Falácia é, pois, todo o raciocínio aparentemente válido, mas, na
realidade incorreta, que faz cair em erro ou engano.
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as mentiras são desvios ou erros propositais sobre fatos reais;
falácias, por outro lado, são discursos, ou tentativas de
persuadir o ouvinte ou leitor; promovendo um engano ou
desvio, porque suas estruturas de apresentação de
informação não respeitam uma lógica correta ou honesta, pois
foram manipuladas certas evidências ou há insuficiência de
prova concreta e convincente. Uma afirmação falaciosa pode
ser composta de fatos verdadeiros, mas sua forma de
apresentação conduz a conclusões erradas. Toda pessoa
esclarecida, instada a elaborar argumentos, por força do
trabalho que executa ou de situações cotidianas, deve
reconhecer nos próprios argumentos o uso proposital do
raciocínio falacioso (intenção de ludibriar) e a imperícia de
raciocínio (lógica acidentalmente comprometida).
(http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_colunas/f_litto/index.htm)
Quando há essa intenção ao engano Othon M. Garcia diz que isso é um sofisma.
Segundo ele, há diferença entre o sofisma e a falácia. Embora ambos sejam
basicamente raciocínios errados, a falácia é involuntária. Ao passo que o sofisma
tem como objetivo induzir a audiência ao engano, o raciocínio falacioso decorre de
uma falha de quem argumenta. Quem usa sofismas, sabe o que está fazendo
quando, por exemplo, tenta nos empurrar uma conclusão para a qual não dispõe de
dados ou demonstrações suficientes. Quem se vale de falácias, por sua vez,
simplesmente se enganou ou faz o uso do senso comum para isso.
É muito comum ocorrer sofisma quando há alteração de dados estatísticos para
estabelecer uma argumentação, ou quando, em um tribunal um advogado tendo
consciência de que seu cliente seja culpado, procura estabelecer fatos e provas que
ajudem na construção de uma lógica argumentativa a fim de convencer os jurados
de que seu cliente é inocente.
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No entanto, entendemos que é a apropriação de um discurso falacioso que ocorre,
normalmente, na produção de um texto ou no estabelecimento de um argumento
quando se está debatendo um assunto. Por isso, o conhecimento do que é ou não
um raciocínio falacioso certamente é um dos mais úteis que existem quando vamos
analisar criticamente qualquer assunto. As falácias e os equívocos lógicos são
contínuos em nossa sociedade e são utilizados o tempo todo, como podemos
verificar facilmente nos pronunciamentos que abordamos acima. Essas falácias
permitem que alguém faça declarações aparentemente racionais e aceitáveis sem o
mínimo necessário de conhecimento ou ainda fugindo de um tema e confundindo os
interlocutores, fazendo-os se desviarem do assunto tratado. Reconhecê-las nem
sempre é fácil, especialmente quando aparecem em diálogos, pois, por meio deles,
podemos acabar absorvendo coisas que, uma vez submetidas a uma análise mais
profunda, se revelam sem fundamento. É muito comum encontrarmos tais
argumentos no discurso político e no publicitário. Leia, com muita atenção, o texto
que acompanha a propaganda reproduzida a seguir:
O sigilo bancário é a forma de manter a conta de maus contribuintes em segredo. Graças a ele, o dinheiro dos traficantes de drogas, dos sonegadores de impostos e dos corruptos fica protegido e guardado a sete chaves.”
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O objetivo dessa propaganda é convencer as pessoas de que a quebra do sigilo
bancário é um bem para o país e que, portanto, elas não devem se opor à
aprovação de leis que a tornem legal. Para isso, o texto da campanha faz uso de
um raciocínio falacioso.
Você é capaz de perceber onde está a falácia? Repare que o mote da campanha se
baseia em um ditado muito popular: “quem não deve, não teme.”
Veja como a propaganda começa: “O sigilo bancário é a forma de manter a conta
de maus contribuintes em segredo. Graças a ele, o dinheiro dos traficantes de
drogas, dos sonegadores de impostos e dos corruptos fica protegido e guardado a
sete chaves.” Como podemos ver, este texto parece sugerir que apenas criminosos
são favoráveis à manutenção do sigilo bancário, porque dele se beneficiam para
cometer seus crimes impunemente. No entanto, não se discute o direito do cidadão
honesto de não querer o governo interferindo em suas contas bancárias, mesmo
que não tenha absolutamente nada a esconder.
Isso é um modelo de discurso falacioso ou até mesmo, um discurso sofista. Vamos
agora examinar algumas falácias e algumas estratégias retóricas mais frequentes, a
fim de que possamos não apenas nos prevenir contra elas, como também, quem
sabe, mudarmos nossa maneira de falar às pessoas.
1. Apelo à Autoridade
Você está lembrado de quando falamos sobre o argumento de autoridade? Esse
argumento é muito importante para sustentar a nossa ideia, no entanto, quando
citamos uma autoridade não-qualificada para sustentar uma opinião, estamos nos
apropriando de um discurso falacioso.
Exemplo:
Pelé disse que o Governo Federal não está preocupado nem com a educação nem
com a saúde, pois destina pouco investimento para essas áreas.
Capítulo 8
Professor: Edson
Análise: Nós poderemos contra-argumentar essa afirmação mostrando que a
pessoa citada não é autoridade
qualificada para discutir esse assunto.
Embora ele seja uma pessoa
mundialmente conhecida, nesse
assunto, ele não é um especialista.
Dessa forma, quando ele dá essa
opinião, ele simplesmente fala como
um cidadão.
Você se lembra de outro exemplo
desse tipo? Pense um pouco.
2. Apelo ao Status Sócioeconômico
Consiste em apelar à compaixão ou procura garantir que o estado social de
pobreza ou de riqueza de alguém seja muito mais virtuoso do que seus atos. Ou
então, a sua condição social pouco favorecida o torna mais honesto e íntegro.
Exemplos:
a) Ele não pode ser condenado, porque é arrimo de família, é uma pessoa que
ajuda muito sua comunidade e é órfão de pai.
b) Ele é o melhor candidato, porque veio do povo e sabe o que é sofrer. Ele não é
nenhum doutor. Ele come arroz e feijão como a gente.
c) Podemos confiar nele, pois é um homem rico, por isso, é o melhor candidato. Ele
não precisa roubar.
Capítulo 8
Professor: Edson
Análise: Precisamos ter consciência de que se trata de questões diferentes, que o
que é invocado não tem a ver com a proposição. Quem argumenta assim ignora a
questão, foge do assunto. Parte da falsa premissa de que os pobres são
incorruptíveis e ricos por oposição, seriam corruptos ou o contrário.
3. Apelo à Novidade
Consiste no erro de afirmar que algo é melhor ou mais correto porque é novo, ou
mais novo.
Exemplo:
Certa vez, em uma reunião, uma coordenadora para justificar o porquê de sua
equipe ser formada apenas por professores jovens disse: “Nós somos novos, mas
isso não significa que somos inexperientes, pelo contrário, por sermos novos, nossa
equipe é dinâmica, disposta para o trabalho e muito mais atualizada.”
Análise: A coordenadora poderia dizer das qualificações de sua equipe para
sustentar sua argumentação, todavia, ela recorreu a um argumento falacioso
deixando implícito de que o profissional que não for jovem não é uma pessoa
disposta, atualizada e dinâmica. Portanto, segundo esse argumento o jovem não é
retrógrado e tem mais energia, o que não necessariamente seja uma verdade.
4. Falso Dilema
Consiste em apresentar apenas duas opções, quando, na verdade, existem mais.
Exemplos:
a) Você prefere a pobreza ou a riqueza?
b) É melhor viver num país com corrupção do que em um país com guerra como
Afeganistão.
Capítulo 8
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c) Você prefere uma mulher cheirando a alho, cebola e frituras ou uma mulher
sempre arrumadinha?
Análise: Nós não podemos ser ingênuos e pensarmos que existem somente essas
opções. Para contra-argumentarmos aos falsos dilemas é muito fácil, basta mostrar
que há outras opções.
5. Apelo Dirigido à Emoção
Procura ignorar as evidências e busca convencer o outro mediante um apelo
emocional. Sua afirmação está baseada num sentimento de autopiedade.
Exemplo:
Isso é muito comum na escola, quando o aluno quer justificar o seu trabalho
incompleto. Às vezes ele diz: "Isto não é o que a senhora queria, mas eu trabalhei
bastante nele, dessa forma a senhora deve ficar satisfeita, deve avaliar minha força
de vontade. De fato, trabalhei horas extras na biblioteca e em casa. Cheguei até
faltar de meu emprego. Então, a senhora deve dar uma boa nota pelo meu esforço
e o tempo consumido nesse projeto".
Análise: É preciso perceber que: se não entregou o tipo de trabalho solicitado, não
adianta criar uma cortina de fumaça, procurando justificar a sua falha. Esse tipo de
argumento se torna irrelevante, pois o enunciador está fazendo um apelo emocional
para que o esforço seja aceito em lugar da competência.
6. Generalização
É quando se faz uma afirmação de caráter geral, em que procura incluir a
totalidade. Pode ocorrer, também, o erro de afirmar que o que é verdade em
algumas situações deverá ser verdade em todas ou em quase todas as instâncias,
ou então, de tentar estabelecer uma regra geral após achar algumas poucas
evidências.
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Exemplo:
Veja a propaganda da Petrobras:
Observamos que essa promoção promovida pela Petrobras procura trabalhar com a
generalização, para procurar convencer o interlocutor que essa rede de postos de
combustível tem uma preferência mundial.
Pode ocorrer a generalização quando se diz: “Todo mundo sabe que o brasileiro é
apaixonado por futebol, carnaval e samba.”
Análise: É importante dizer que esse é um recurso muito usado, principalmente no
discurso publicitário; entretanto, na produção de um texto dissertativo ele deverá ser
evitado, pois é facilmente contra-argumentado. Basta ter uma única pessoa que não
goste de carnaval ou da rede Petrobras, que esse argumento fica desqualificado.
Por isso, precisamos buscar argumentos mais específicos. É sempre bom usarmos
termos como: uma boa parte, segundo o conceito de alguns, muitas pessoas etc.
7. Falsa Analogia
Cometemos uma falsa analogia, quando estabelecemos uma igualdade pela
simples verificação de certas semelhanças, sem termos em conta as diferenças, ou
seja, quando comparamos objetos ou situações que não são comparáveis entre si.
Capítulo 8
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Exemplos:
No dicionário do cético temos o seguinte exemplo:
A fim de dar respaldo à crença na lei homeopática da similitude, Dana Ullman,
membro do corpo consultivo do instituto de medicina alternativa das escolas de
medicina de Harvard e Colúmbia, argumenta que o corpo humano reage a remédios
da mesma forma que uma corda de piano reage a uma corda vibrante de outro
piano. Ela diz:
Se um dos pianos está na extremidade de uma sala e toca a tecla
Dó, as notas Dó no outro piano na mesma sala irão reverberar. Este
experimento funciona porque cada tecla é hipersensível a vibrações
em seu próprio tom. Isto chama-se 'ressonância'.
(http://www.skepdic.com/brazil/analogiafalsa.html)
Análise: Isto é considerada uma analogia falsa, porque o corpo humano não tem
quase nada em comum com uma corda de piano, e a reverberação não se parece
com nada no sistema natural de cura do organismo. A analogia pode fazer sentido
para Dana Ullman, devido à sua aceitação da ideia de que a homeopatia seja um
tipo de "medicina energética". Dessa forma, a doença seria causada por um
bloqueio da energia e a saúde seria restaurada quando a energia fluísse livremente.
8. Raciocínio circular
Trata-se de repetir a mesma coisa em palavras diferentes sem uma fundamentação
do que está se dizendo. Quem usa esse tipo de argumento tenta usar repetição ou
a reiteração como evidência ou prova numa discussão de relação entre causa e
efeito. Por isso, dizemos que é um argumento em círculo.
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Exemplo1:
Ser paraquedista é uma profissão
muito perigosa porque é insegura e
arriscada.
Análise: Dizer que algo é “inseguro e
arriscado” não é o mesmo que dizer
que ele é “perigoso”? Ora, o que essa
“explicação" acrescentou que
justificasse a ideia de que ser
paraquedista é perigoso? Nada.
Simplesmente repetiu-se a primeira
afirmação com outras palavras.
Exemplo 2:
O texto a seguir foi produzido por um aluno na Universidade:
O jovem de classe média está acostumado a receber bombardeios de
todos os lados, principalmente nas grandes cidades. O jovem de classe
média não tem vez, pois é podado. Os jovens são podados porque se
convencionou que o jovem, enquanto não é adulto, é somente jovem o
que, para muitos, é sinônimo de ignorância. E o jovem continua sendo
podado. Por que? O que pode danificar os jovens são os bombardeios.
Análise: Como podemos notar, nesse texto não há um desenvolvimento de ideia,
ele é totalmente circular. Em todas as orações o autor diz a mesma coisa. Os seus
argumentos podem ser claramente refutados.
Capítulo 8
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É claro que existem outros tipos de falácia. Você poderá vê-las no texto
complementar. No entanto, essas, que foram abordadas, nos fazem rever nossa
forma de argumentar, pois, muitas vezes, podemos estar usando esse tipo de
estratégia argumentativa e isso tem prejudicado o nosso texto: quer seja escrito ou
oral, principalmente quando estamos debatendo um assunto. Além dos argumentos
falaciosos, existem outros defeitos de argumentação. É isso que iremos ver agora.
Defeitos de argumentação
Muitas vezes uma pessoa é muito boa na área comercial e consegue convencer
com facilidade o seu cliente a comprar determinado produto. Isso demonstra que
oralmente ela tem grande capacidade de persuasão. No entanto, no momento de
elaborar um texto, essa mesma capacidade não ocorre, pois ela não consegue
defender suas ideias.
Devemos entender que a escrita é uma das modalidades de linguagem, com
características típicas, diferentes da modalidade oral. Uma das diferenças entre a
conversação e a escrita é que, nesta, normalmente, o interlocutor não pode intervir
no momento da produção linguística e solicitar explicações sobre aquilo que está
sendo dito. Já na modalidade oral, essa interrupção ocorre frequentemente e isso
ajuda a pessoa a ser mais persuasiva.
Por isso, na escrita, tudo deve ser dito com muita clareza para que o leitor possa
compreender o que se quer dizer. Salvo em raríssimos casos, ninguém escreve
para si mesmo, mas para um interlocutor com a intenção definida de persuadi-lo e
de obter sua adesão prática, intelectual ou afetiva. Partindo dessa premissa de
que, na escrita, o interlocutor está ausente e não pode fazer interrupções para
obter esclarecimentos, o texto escrito deve ser o mais autônomo possível não só
no que diz respeito à clareza e à quantidade de informações necessárias como,
principalmente, no que toca aos procedimentos argumentativos. Por isso, nesse
momento, iremos falar sobre alguns defeitos que ocorrem num texto
argumentativo.
Capítulo 8
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Para fazer o levantamento desses defeitos, tomamos como base o que escrevem
Platão e Fiorin (1994, pp. 201-215), cujos autores tratam, com muita propriedade,
dessa questão, pois eles buscaram alguns estudos elaborados por pesquisadores
que, em teses universitárias, se ocuparam desse tema, analisando redações dos
candidatos ao curso superior, elaboradas nos exames vestibulares. A partir da
análise dessas redações, detectaram-se vários defeitos de argumentação.
Vejamos alguns:
1) Emprego de noções confusas
Na língua, existem palavras com uma extensão de significado muito ampla, cujo
uso pode estar presente nos mais variados contextos, cobrindo noções diferentes e
até contraditórias. Quando usamos essas palavras, para não prejudicar o esquema
de argumentação, devemos previamente defini-las e dizer em que sentido será
usada naquele texto. Como exemplo, pense no
uso que o mundo atual tem feito da palavra
liberdade. Veja qual é o conceito de liberdade
empregada nesses dois enunciados.
- Bush, em defesa da liberdade dos povos
democráticos, solicita à ONU ações de embargo
ao Irã, pelo enriquecimento, ilícito, de urânio que,
segundo o presidente norte-americano, vem
sendo praticado pelo país do Oriente Médio.
- Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, em nome da liberdade dos
povos muçulmanos, solicita, na ONU,
sanções contra os Estados Unidos pela
tentativa de prejudicar o
desenvolvimento da subsistência
energética de seu país, que tem sido
obtida através do enriquecimento de
urânio.
O conceito que Bush tem de
Capítulo 8
Professor: Edson
liberdade é o mesmo de Mahmoud Ahmadinejad? Como podemos ver, o mesmo
termo está sendo utilizado como argumento para duas atitudes opostas: uma dos
Estados Unidos contra o governo do Irã; outra do governo iraniano contra os
Estados Unidos.
Diante disso, surge a seguinte questão: o que é que permite essa diversidade no
uso de uma mesma palavra? Você saberia me dizer?
Essa diversidade ocorre porque muitos termos possuem o que chamamos de um
caráter amplo e vago de definição. Neste momento, você deve estar se
perguntando: Como assim?
Assim como o termo liberdade, outros
termos tais como democracia, justiça,
ordem, alienação, responsabilidade
etc., possuem definições amplas e a
concepção deles dependerá
puramente de um caráter ideológico.
Como exemplo, a concepção de
democracia para Hugo Chaves é
diferente da concepção de Barack Obama. Por isso, quando empregamos esses
tipos de termos em um texto, precisamos deixar
claro o que entendemos por eles. Por isso, as
palavras dessa ordem precisam ser definidas
antes de serem exploradas como argumento para
apoiar qualquer ponto de vista. Do contrário, o
argumento se esvazia e perde o seu poder de
persuasão.
Frequentemente, em redações, os alunos usam
esse tipo de palavras e, sem o devido cuidado.
Eles lançam mão delas para apoiar suas
afirmações com argumentos de fundo
moralizante, repetindo, sem elaboração própria e sem critério, expressões do
senso comum destituídas de qualquer consistência.
Capítulo 8
Professor: Edson
Frases como as que seguem podem dar uma dimensão do que seja essa
exploração de palavras vazias para manifestar julgamentos de caráter moralizante:
- o problema dos posseiros e a luta pela terra não têm sentido, pois
perturbam a ordem estabelecida.
- deve-se respeitar o professor porque, afinal de contas, na escola ele é uma
autoridade.
Como podemos ver, haveria necessidade do aluno especificar que tipo de ordem
que está sendo perturbada, pois para os posseiros ou pessoas ligadas às questões
sociais, o conceito é diferente. Isso dependerá do ponto de vista que se olha.
Assim como também, o termo autoridade do professor, pois muitos pedagogos não
vêm o professor dentro dessa concepção.
Cabe deixar claro que muitas vezes, o defeito não está no termo empregado, mas
na forma como foi empregado, porque isso pode causar uma desvalorização de
conceito e tornar um argumento vazio, baseado apenas no que todo mundo diz.
2) Emprego de noções de totalidade indeterminada
Em muitos textos de alunos também aparecem, com frequência, palavras de
abrangência tão vasta que comprometem o esquema argumentativo exatamente
por causa do inconveniente de envolverem, num conjunto indeterminado e
impreciso, dados de realidade que têm em comum, apenas, alguns aspectos. Essa
questão está bem próxima, quando falamos sobre os argumentos falaciosos
provocados por generalização.
Há afirmações que constituem verdadeiras afrontas a uma reflexão mais
cuidadosa. Por exemplo, temos algumas expressões usadas por alunos nas
redações do vestibular.
- Todos os políticos são iguais: só querem o poder para encher os próprios
bolsos.
- O comunismo e o capitalismo, no fundo, são a mesma coisa.
Capítulo 8
Professor: Edson
- Os países latino-americanos são diferentes em tudo: nos hábitos, nos
costumes, nos valores, na moral, etc.
Como pudemos perceber, o uso dessas noções totalizadoras compromete e muito a
força argumentativa do texto, pois dá margem a contra-argumentações imediatas.
Basta contrapor, por exemplo, que nem todos os países latino-americanos são
diferentes ou que não são diferentes em tudo: a Venezuela, por exemplo, possui o
mesmo sistema de governo da Colômbia, ambos os países falam o castelhano, a
maioria da população é católica, ambos os países são de colonização espanhola
etc.
Esse modo de argumentar demonstra falta de visão clara, falta de informação e é
sintoma de uma mente preguiçosa, que apaga, por simplismo ou por comodismo,
as diferenças e as reduz a uma sombra neutra que esconde dados completamente
diferentes.
3) Emprego de noções semiformalizadas
Em algumas produções textuais, muitas vezes para exibir erudição, se empregam
alguns termos de forma incoerentes ao contexto.
É preciso muito cuidado para empregar termos, tais como: sistema, estrutura,
classe social, práxis, infraestrutura, superestrutura, burguesia, corpo social,
manipulação, cultura de massa, socialismo, idealismo, estruturalismo e tantos
outros; pois os enunciados podem ficar desfigurados e descaracterizados por
unirem, de maneira desencontrada, termos de correntes científicas distintas. O
exemplo a seguir, retirado de uma redação de aluno, ilustra como o mau emprego
de alguns termos pode produzir efeitos perturbadores:
- Professores e alunos pertencem a classes sociais distintas: os primeiros, à
burguesia; os últimos, ao proletariado.
Nesse enunciado, os conceitos de classe social, burguesia e proletariado estão
empregados inadequadamente. Na verdade, dentro de uma instituição social, um
Capítulo 8
Professor: Edson
indivíduo pode ocupar uma posição superior e pertencer à mesma classe social
daquele que ocupa uma posição inferior. A burguesia, por exemplo, é constituída
pelos proprietários de indústrias e pelos grandes comerciantes; o proletariado é
constituído por todos aqueles que entram com a mão-de-obra para produção de
bens. Esses conceitos nada têm que ver com a posição de professores e alunos no
interior da escola.
Veja ainda um outro tipo de enunciado com o mesmo defeito:
- Não se deve negar ao cidadão o direito de protestar: isso já é comunismo.
Conforme comentam Platão e Fiorin, o enunciador da frase deve acreditar que o
comunismo seja sinônimo de governo autoritário, que não dá a menor liberdade
para o cidadão. No caso, em vez de comunismo teria sido mais adequado
autoritarismo. Basicamente, comunismo é um sistema econômico que não admite
que os meios de produção (fábricas, terras etc.) estejam nas mãos de particulares.
4) Defeitos de argumentação pelo exemplo, pela ilustração ou pelo modelo
É muito comum, também, que os alunos, nas redações, usem os exemplos
concretos e as ilustrações como recursos de argumentação. Não que isso seja um
defeito. É muito comum esse tipo de estratégia em textos jornalísticos, quando o
jornalista narra um fato para fundamentar sua argumentação. Mas é preciso tomar
cuidado para que o dado apresentado como exemplo seja verdadeiro, isto é, que
corresponda a um dado da realidade,
observável para quem quiser conferir.
Imagine-se uma afirmação como a que
segue:
- Na cidade de São Paulo, a
maioria da população vai para o
trabalho de carro, por isso, existe esse
trânsito infernal.
Capítulo 8
Professor: Edson
Esse dado é simplesmente falso, não corresponde à realidade, e dele não se pode
concluir coisa alguma que tenha conteúdo de verdade, embora tenha uma
conclusão como aparente verdade. Não é somente a população que mora em São
Paulo que transita pela cidade de carro e por mais que haja esse trânsito, a maioria
utiliza o transporte público.
Além da necessidade de partir de um dado verdadeiro, é preciso que a conclusão
que se extrai esteja efetivamente implicada nele. As redações escolares costumam
apresentar muitos defeitos desse tipo: sem tomar o devido cuidado, os alunos
acabam por citar fatos e deles extrair conclusões que não se implicam logicamente
e, com isso, comprometem seriamente a qualidade de seus trabalhos. Vejamos
alguns casos como exemplo:
Venho acompanhando pelo jornal um debate acalorado entre
professores universitários a respeito de um tema da especialidade
deles: Sistemas de Informação. O debate, que se iniciou com dois
professores e acabou envolvendo outros mais, terminou sem que
se chegasse a uma conclusão uniforme. Isso nos leva a concluir
que o homem não é mesmo capaz de entrar em entendimento e,
por isso, o mundo está repleto de guerras.
A conclusão contém uma generalização indevida e apressada, sem fundamento no
fato narrado. Como se pode notar, a partir de um desentendimento específico,
numa situação concreta, chega-se a uma conclusão excessivamente generalizante
de que o homem (sem limite da extensão do conceito) é incapaz de entrar em
entendimento. Um fracasso situado não implica necessariamente uma
incapacidade total.
Além disso, as redações podem apresentar, também, defeitos mais gritantes. Há
casos em que o relato apresentado encaminha para uma conclusão e o narrador
tira outra, completamente contrária.
Capítulo 8
Professor: Edson
Na festa não havia nenhum conhecido. As pessoas que me
convidaram tiveram de sair às pressas e eu fiquei completamente
só. Nunca experimentei uma solidão tão grande no meio de tanta
gente. Ia até o banheiro olhava no espelho e minha imagem
refletida era a única cara conhecida. Tentei alguns contatos, mas...
que nada! O pessoal era fechado demais. No fim, desanimado,
sentei-me num sofá e fiquei plantado até quase o final da festa.
Mas valeu. Afinal de contas voltei para casa e não me
arrependi de ter ido à festa, pois novos relacionamentos sempre
acabam enriquecendo a gente.
Na verdade, o relato encaminhava para uma conclusão contrária. O que ele diz é
que o narrador não conseguiu nenhum novo relacionamento, a menos que ele
tenha ocultado sem explicar o por quê. Abruptamente, surge uma conclusão
inesperada, o que quebra a unidade do texto e faz o relato precedente perder toda
a força de argumentação.
Como comentário final a esses casos de argumentação, devemos dizer que a
conclusão deverá ser sempre um desfecho cuidadosamente pensado pelo aluno, e
não uma fórmula pronta e apressada que se encaixa no final, perdendo de vista
tudo o que foi relatado antes. Se os fatos anteriores não têm nenhuma relação
funcional com a conclusão, então não precisam ser contados. O texto tem que
preservar sua unidade.
Quando construímos um texto, devemos pensar no que iremos dizer e como
iremos dizer, para que as nossas ideias sejam claras e convincentes e para que
produzamos em nosso interlocutor o prazer de ler o nosso texto. Para isso, o nosso
texto deverá ter reflexões importantes e coerentes ao tema que estamos
argumentando.