82
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DO PORTO (PÓLO DA FOZ) FACULDADE DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO TRABALHO REALIZADO POR: FERNANDO MANUEL MACHADO SOUSA BOTELHO ALUNO – 340107327 UNIDADE CURRICULAR DE DIREITO INTERNACIONAL CRIMINAL ORIENTADOR: EXMO. DOUTOR NUNO PINHEIRO TORRES O CRIME DE GENOCÍDIO O CASO DE SREBRENICA

Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

CENTRO REGIONAL DO PORTO (PÓLO DA FOZ)

FACULDADE DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

TRABALHO REALIZADO POR:

FERNANDO MANUEL MACHADO SOUSA BOTELHO

ALUNO – 340107327

UNIDADE CURRICULAR DE DIREITO INTERNACIONAL CRIMINAL

ORIENTADOR: EXMO. DOUTOR NUNO PINHEIRO TORRES

PORTO, 06 DE JULHO DE 2012

O CRIME DE GENOCÍDIO

O CASO DE SREBRENICA

Page 2: Crime de Genocidio 25.06.2012-1
Page 3: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Índice

I – Introdução..............................................................................................................1

II – O crime de genocídio ao longo do tempo...........................................................3

III – Os diplomas codificadores do crime de genocídio...........................................4

IV – Os elementos objectivos e subjectivos do crime de genocídio........................9

A - O elemento subjectivo do crime de genocídio..................................................10

A – 1 – O dolo específico......................................................................................10

A.2 – A prova do elemento subjectivo do crime do genocídio..........................15

B - O objecto do crime de genocídio........................................................................16

C - Os elementos objectivos do crime de genocídio (actus reus)...........................20

a) Homicídio de membros do grupo................................................................20

b) Ofensas graves à integridade física de membros do grupo.......................20

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para

provocar a sua destruição física total ou parcial........................................21

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do

grupo..............................................................................................................21

e) Transferência, à força, de crianças de um grupo para um outro grupo..22

D - A limpeza étnica e o genocídio...........................................................................22

E – A necessidade da existência de uma politica de genocídio..............................24

V – O caso Srebrenica..............................................................................................26

A – Os factos.........................................................................................................26

B – O caso Radislav Kristic (TPIJ).....................................................................33

B.1 – A acusação............................................................................................33

B.2 – A defesa de Radislav Kristic...............................................................34

Page 4: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

B.3 – A posição do TPIJ...............................................................................35

B.4 – O recurso..............................................................................................37

C – O caso Bósnia-Herzegovia contra Sérvia e Montenegro (TIJ)......................39

VI – Conclusão..........................................................................................................39

Fontes Informativas..................................................................................................43

Bibliografia...........................................................................................................43

Jurisprudência......................................................................................................45

Abreviaturas..............................................................................................................47

Page 5: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 1 de 51

I – Introdução

Visarei com este trabalho analisar o massacre de Srebrenica, ocorrido entre 13 e

19 de Julho de 19951, na perspectiva de procurar analisar se tal massacre constituiu, ou

não, a prática do crime internacional de genocídio2, tal como esse crime era já então, e

continua a ser hoje, caracterizado3.

Para isso, começarei por fazer um breve excurso sobre o crime de genocídio,

designadamente com referências históricas ao mesmo, e caracterização dele,

nomeadamente a partir dos elementos objectivos e subjectivos que o tipificam.

De seguida, após uma descrição fáctica dos acontecimentos ocorridos em

Srebrenica, em Julho de 1995, procurarei verificar se esses acontecimentos preenchem,

ou não, os elementos objectivos e subjectivos atrás referidos, para poder então concluir

se, em minha opinião, se tratou, ou não, de um crime de genocídio.

Socorrer-me-ei naturalmente das disposições legais internacionais relativas ao

crime de genocídio, que são, essencialmente, a Convenção Para a Prevenção e

Repressão do Crime de Genocídio de 1948, doravante apenas Convenção, e o Estatuto

do Tribunal Penal Internacional, para o futuro apenas ETPI4, bem como de decisões

jurisprudenciais que recaíram já sobre o massacre de Srebrenica, as quais, e no que a

decisões finais tange, foram, principalmente, as seguintes5:1 Foram então mortos, por bósnios sérvios, entre sete a oito mil homens e rapazes bósnios muçulmanos

(todos em idade militar), naquilo que foi considerada como uma das maiores atrocidades ocorridas no Mundo, e mesmo a maior no espaço europeu, depois da 2ª guerra mundial, a ela se referindo o então Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan, como sendo “…a massacre on a scale unprecedented in Europe since the Second World War” – Press Release SG/SM/7489, Secretary-General Kofi Annan, United Nations, Srebrenica Tragedy Will Forever Haunt United Nations History, says Secretary-General on Fifth Anniversary of City’s Fall (10 July 2000), available at http://wwww.un.org/News/Press/docs/2000/20000710.sgsm7489.doc.html.

2 A origem etimológica da palavra genocídio encontra-se em genos, que é um termo grego, que significa família, tribo, raça ou clã, e no sufixo cide, de origem latina, que se refere a assassinato ou morte

3 A questão fulcral que se coloca é a de saber se o massacre de Srebrenica constituiu, ou não, um genocídio, bem como quem foram os respectivos autores, e, correlacionada com ela, se a chamada “limpeza étnica” será sinónimo de genocídio, uma forma deste, ou algo distinto dele, e, neste último caso, o quê.

4 Por vezes, utilizarei e referirei, também o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (ETPI) e o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (ETPIR).

5 Tendo em conta que o caso Slobodan Milošević, não chegou a ser julgado, em virtude do acusado ter falecido, como faleceu, em 11 de Março de 2006, no centro de detenções da ONU de Haia, onde se encontrava detido, e quando o julgamento estava em curso, o que foi então considerado por Carla del Ponte, e por Fausto Pocar, que eram, na altura, respectivamente, Procuradora e Presidente do TPIJ, como sendo um revés para a justiça, que, no caso Radovan Karadzic , o julgamento, que se iniciou em 26 de Outubro de 2009, se encontra ainda em curso, tendo, recentemente, e em 28 de Junho de 2012, o TPIJ, pela pena do Juiz coreano O-Gon Know, rejeitado, por, e usando uma terminologia de direito processual penal português, falta de indícios suficientes (os quais em Portugal são, para o Ministério

Page 6: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 2 de 51

a) a decisão, de 02 de Agosto de 2001, da Câmara de 1ª instância, do Tribunal Penal

Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) – Caso Procurador contra Radislav Krstic6–

que foi objecto do recurso a que se reporta à alínea b) seguinte.

b) a decisão, de 19 de Abril de 2004, da Câmara de apelação, do TPIJ - Caso

Procurador contra Radislav Krstic –, que constitui o recurso da decisão a que se

refere a alínea a) anterior.

c) a decisão, de 11 de Julho de 1996, do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) –

Bósnia-Herzegovina contra Sérvia-Montenegro –, que foi objecto de um pedido de

revisão, a que diz respeito a alínea d) seguinte.

Público, o critério para, se não houver indícios suficientes, arquivar o processo, ou, havendo-os, acusar, ou seguir, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, um dos meios alternativos à acusação, como sejam, por exemplo, o arquivamento em caso de dispensa da pena, ou a suspensão provisória do processo, previstos, respectivamente nos artigos 280º e 281º, ambos do C.P.P.), uma das onze acusações contra Radovan Karadzic, que era justamente uma acusação de genocídio, cometido entre Março e Dezembro de 1992, em diversas cidades da Bósnia-Herzegovina, mantendo-se ainda contra ele uma outra acusação de genocídio, precisamente pelo massacre de cerca de oito mil homens e rapazes bósnios e muçulmanos, em Srebrenica, em Julho de 1995, e 9 acusações por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, e que o julgamento do caso Ratko Mladić só se iniciou muito recentemente, e, mais precisamente, no dia 16 de Maio de 2012, tendo sido, logo no dia seguinte, pelo juiz holandês Alphons Orie, suspenso, e adiado sine die (muito embora, em 24 de Maio de 2012, o tribunal tenha marcado para o dia 25 de Junho de 2012 a audiência da 1º testemunha no processo, audiência esta que se realizou), em virtude de a acusação não ter fornecido, como não forneceu, à defesa todos os elementos indispensáveis para esta poder exercer cabalmente todas as suas funções, o que não deixa de ser lamentável, principalmente se tivermos em conta que, como, e a fazer fé naquilo que consta da página do próprio TPIJ, consultável no sítio da internet www.icty.org , no separador “os casos”, dizia já Hans Holthuis, que foi secretário do TPIJ, de 2001 a 2008, as pessoas acusadas pelo Tribunal são julgadas com equidade, segundo os critérios mais exigentes da justiça internacional, sendo o respeito absoluto dos direitos do acusado essencial à administração da justiça, situando-se no próprio coração dos trabalhos do Tribunal. É de referir que: Slobodan Milošević, foi Presidente da Sérvia, a partir de 26 de Dezembro de 1990, e Presidente da República Federal da Jugoslávia, a partir de 15 de Junho de 1997 até 06 de Outubro de 2000, em cuja qualidade presidia ao Conselho Supremo da República Federal da Jugoslávia, e era o Comandante Supremo das Forças Armadas Jugoslavas; Radovan Karadzic, foi membro fundador do Partido Democrático Sérvio, do qual foi Presidente, até se demitir, no dia 19 de Julho de 1996, Presidente do Conselho de Segurança Nacional da auto-proclamada República Sérvia da Bósnia-Herzegobina (Republika Srpska – RS), em triunvirato, desde a criação de tal República, em 12 de Maio de 1992, até 17 de Dezembro de 1992, data esta em que se tornou o Presidente único da República Srpska, e o Comandante Supremo das suas Forças Armadas; Ratko Mladić, foi o Chefe do Estado-maior principal das Forças Armadas dos Sérvios da Bósnia (VRS), desde 12 de Maio de 1992, até, pelo menos, 08 de Novembro de 1996, tendo sido promovido a general em Junho de 1994. Todos os três homens atrás identificados foram acusados perante o TPIJ, pela prática de diversos crimes internacionais, incluindo o crime de genocídio contra os bósnios-muçulmanos de Srebrenica.

6 Radislav Krstic foi Chefe do Estado-maior e Comandante adjunto do Corpo do Drina das Forças Armadas dos Sérvios da Bósnia (VRS), tendo sido promovido a general de brigada em 1995, e Comandante presumido do Corpo do Drina, a partir do dia 13 de Julho de 1995. Radislav Krstic foi acusado perante o TPIJ, pela prática de diversos crimes internacionais, incluindo o de genocídio contra os bósnios-muçulmanos de Srebrenica.

Page 7: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 3 de 51

d) a decisão, de 27 de Fevereiro de 2007, do TIJ - Bósnia-Herzegovina contra Sérvia

Montenegro –, proferida em sede da revisão da decisão mencionada na alínea c)

anterior.

Além destas quatro decisões jurisprudenciais essenciais, servi-me-ei ainda de

outras, dentro da quais destaco, desde já, as duas seguintes, que são relativas a

acontecimentos ocorridos em Brcko (Nordeste da Bósnia-Herzegovina), em Maio de

1992:

e) a decisão, de 14 de Dezembro de 1999, da Câmara de 1ª instancia, do TPIJ – caso

Procurador contra Goran Jelisic7 –, que foi objecto do recurso a que se reporta a

alínea f) seguinte.

f) a decisão, de 05 de Julho de 2001, da Câmara de apelação, do TPIJ – caso

Procurador contra Goran Jelisic –, que constitui o recurso da decisão a que se reporta

a alínea e) anterior.

II – O crime de genocídio ao longo do tempo

O crime, a que hoje se chama genocídio, mesmo com os seus elementos típicos

actuais, é um crime já antigo (no sentido de que é praticado desde há já muitos anos),

fazendo, infelizmente, parte da história da humanidade, talvez desde sempre8, sendo até

7 Goran Jelisic ocupava um posto de hierarquia superior no Campo de Luka, que era um campo de detenção improvisado em Brcko, onde se fazia chamar de “Adolfo Sérvio”. Goran Jelisic foi acusado perante o TPIJ, pela prática de diversos crimes, nenhum deles relacionado com os acontecimentos de Srebrenica, mas não pelo crime de genocídio. Monica Ilic, mulher de Goran Jelisic, foi também, detida, no dia 21 de Dezembro de 2011, sob a suspeita de ter cometido crimes de guerra contra não Sérvios (bósnios e croatas), no campo de detenção de Luka, em Brcko, disso tendo sido acusada, em Março de 2012, perante um Tribunal de Brcko.

8 Basta pensarmos, como constituindo alguns exemplos de genocídio, nos índios da América do Norte e do Sul, incluindo os do Brasil (muitas vezes defendidos pelo espanhol Francisco de Vitória, e pelo nosso Padre António Vieira), dizimados pelos colonizadores, nos arménios, que, no inicio da 1ª Guerra Mundial, viviam na Turquia (estima-se entre 500.000 e 1.000.000 de pessoas exterminadas), no holocausto judeu, perpetrado pelos nacionais socialistas, da Alemanha de Hitler, com intenção de destruir o grupo de judeus europeus, e no qual morreram mais de 6.000.000 de judeus, nos tutsis, massacrados pelos hutus extremistas no Ruanda, nos Igbos (escreve-se Igbos, mas pronuncia-se Ibos) da região oriental da Nigéria, dos quais, entre 600.000 e 1.000.000, foram exterminados numa guerra civil iniciada naquele país em 1967, e em muitos outros casos, para já não falar das mortes maciças ocorridas no Cambodja, na época de Pol Pot, e na União Soviética de Estaline, embora, nestes dois casos, não seja pacífico que se tenha tratado de genocídio, por falta do elemento subjectivo constitutivo de tal crime, que, como adiante veremos, é a intenção de destruir, total ou parcialmente, um dos quatro grupos protegidos pela Convenção, e pelo ETPI (como aliás também pelo ETPIJ e pelo ETPIR), sendo certo

Page 8: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 4 de 51

de acentuar que houve um recrudescimento deste crime, quer em número de casos, quer

em quantidade de vítimas por cada caso, durante o século XX.

No entanto, o termo genocídio apenas surgiu em 1944, sendo devido a Raphael

Lemkin, que foi um advogado polaco, de origem judia, que nasceu em 24 de Junho de

1900, em Bezwodne, então pertencente ao território da Rússia dos Czares, e que hoje

faz parte da Lituânia, tendo-se interessado até à sua morte, prematuramente ocorrida no

dia 28 de Agosto de 1959, por este tipo de crime, contra o qual lutou denodadamente, e

que foi quem utilizou pela primeira vez tal termo de genocídio, na 1ª edição, do seu

livro Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation – Analysis of Govermment –

Proposals for Redress, Carnegie Endowment for International Peace, Washington, D.C.,

1944, ps. 79-95 (Chapter IX)9 10.

III – Os diplomas codificadores do crime de genocídio

Foi aliás sob o impulso de Raphael Lemkin, que, além de advogado, foi também

professor de direito, na cidade polaca de Warsaw, que o crime de genocídio foi

codificado pela primeira vez, o que aconteceu com a já atrás referida Convenção,

aprovada, com o voto unânime de 56 Estados, por meio da Resolução 260 (III), da

que, no caso do Cambodja e da União Soviética, as vítimas não eram escolhidas por pertencerem a nenhum desses quatro grupos protegidos, antes o sendo por outras razões.

9 Deste livro existe uma 2ª edição, editada, em 2008, pela editora Lawbook Exchange, Ltd, Clark, New Jersey, onde o genocídio continua a estar tratado nas páginas 79 a 95 (Capítulo IX).

10 O Tribunal Militar Internacional (de Nuremberga), criado, conforme previsto pela Declaração Conjunta das quatro Nações (Reino Unido, EUA, URSS e França) de Moscovo, de Outubro de 1943, por meio do Estatuto de Londres, de 08 de Agosto de 1945, muito embora se tenha ocupado, como se ocupou, dos actos conducentes ao já atrás referido extermínio de mais de 6.000.000 de judeus, actos esses que julgou, qualificou tais actos como crimes de guerra e/ou como crimes contra a humanidade, na vertente do crime da perseguição, e na do crime de extermínio, e não como crime de genocídio (por muitos considerado como o crime dos crimes), palavra essa na altura ainda não utilizada (pelo menos generalizadamente), pelo que o genocídio dos genocídios não foi por tal Tribunal chamado de genocídio! Também, em 1941, o então Primeiro-Ministro do Reino Unido, Winston Churchill, numa entrevista que, na altura, concedeu à British Broadcasting Corporation (BBC), e referindo-se à actuação dos nacionais socialistas alemães, considerou que: “We are in presence of a crime without a name” – POWER, Samantha, A Problem From Hell, Perrenial, 2003 (citada por SINATRA, Cynthia, The International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia and the Application of Genocide, in “International Criminal Law Review 5, 2005, p. 418”), ou, se se preferir utilizar o português, “Estamos em presença de um crime sem nome” (PAIS, Ana Isabel Rosa, O Crime de Genocidio: Algumas Considerações, “Direito Penal Hoje Novos desafios e Novas Respostas”, organizado por Manuel da Costa Andrade e Rita Castanheira Neves, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, p. 45), tendo até talvez sido por isto, ou seja, por tal crime não ter ainda um nome, que Raphael Lemkin decidiu dar nome ao crime em causa, escolhendo para isso o nome de genocídio.

Page 9: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 5 de 51

Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 09 de Dezembro de 194811, e na sequência

da Resolução da Assembleia Geral daquela organização 96 (I), de 11 de Dezembro de

1946, que declarou que o genocídio é um crime do direito dos povos, isto é, um crime

de direito internacional, que está em contradição com o espírito e o fim das Nações

Unidas, sendo condenado por todo o mundo civilizado12 13.

Tal Convenção tem as vantagens de reconhecer que o crime de genocídio é um

crime internacional, que pode ser cometido em tempo de guerra ou em tempo de paz

11 Esta Convenção, no entanto, só começou a vigorar em 12 de Janeiro de 1951, quando o vigésimo Estado ratificou o instrumento, conforme previa o artigo XIII, da Resolução 260 (III).

12 Esta terminologia, que parece sugerir haver um mundo civilizado e um mundo não civilizado, não seria por certo hoje já utilizada.

13A proibição do genocídio constituía já então, isto é, aquando da aprovação da Convenção, uma norma internacional consuetudinária, e até de ius cogens (uma definição de normas de ius cogens, isto é, de normas imperativas de direito internacional geral, consta do artigo 53º, da Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, assinada em Viena, em 23 de Maio de 1969 – “norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza”), mas, sem a respectiva codificação, ou, pelo menos, sem redução a escrito, tenho bastantes dúvidas que, reconheço, não são partilhadas pela generalidade da doutrina, de que fosse, válida e legitimamente, possível incriminar alguém pela respectiva prática. E isto por força do Princípio de que não há crime, nem pena, sem lei escrita (nullum crimen, nulla poena sine lege scripta), que é mais rigoroso e garantistico ainda do que aquele que nos diz que não há crime, nem pena, sem lei ( nullum crimen, nulla poena sine lege), princípio este mais consensual do que o anterior, cujo significado originário foi, principalmente, justamente o de afastar o costume como fonte de direito penal, bem como a figura dos chamados “crimes naturais”, que não implicavam uma expressão escrita, tendo o apelo ao costume, e à figura dos “crimes naturais”, sido, no Ancien Regime, isto é, no regime anterior ao Estado de Direito, que se afirmou com a Revolução Francesa de 1789, fonte de grande insegurança jurídica dos cidadãos, e de graves e significativas arbitrariedades judiciais – vide, neste sentido, CARVALHO, Américo Taipa de, Direito Penal. Parte Geral, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, ps. 156 e 157. Em Portugal, e no que ao direito penal interno tange, as leis criminalizadoras (ou as que agravam a punição), bem como aliás as descriminilizadoras, e as redutoras das sanções criminais (penas ou medidas de segurança), têm que ser, não só escritas, mas também até leis formais, isto é, emanadas pela Assembleia da República, seja directamente, seja indirectamente, através das chamadas Leis de Autorização Legislativa, que permitem ao Governo emitir depois os chamados Decretos-lei Autorizados, como resulta de tais leis caírem, como, por força do artigo 165º-1-c) e 2, da Constituição da República Portuguesa, caiem, na chamada reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República. É de notar, no entanto, que, a nível internacional, estes Princípios, que se ligam com os Princípios do nullum crimen sine lege certa (exigência da determinabilidade ou tipicidade da conduta punível), do nullum crimen sine lege previa (proibição da aplicação retroactiva da lei penal) e do nullum crimen sine lege stricta (proibição da aplicação analógica da lei penal), alguns dos quais estão expressamente consagrados nos artigos 22º, 23º e 24º, todos do ETPI, nem sempre foram totalmente respeitados. Na verdade, e por exemplo, no Tribunal Militar Internacional (Nuremberga), foi considerado que tais Princípios não eram absolutos, tendo que ceder perante outros valores, tidos por mais importantes, o que conduziu a que tivessem sido condenadas, inclusive à pena de morte, diversas pessoas (o Tribunal proferiu 12 condenações à morte, 3 a prisão perpétua, 4 a penas de prisão de 10 a 20 anos, havendo 3 absolvições, e 2 acusados que não puderam ser julgados, declarando ainda o Tribunal 4 grupos como organizações criminosas, entre eles se incluindo a famosa Gestapo), em desrespeito de tais Princípios, ou seja, o que conduziu a que houvesse condenações por actos, que, à época da respectiva prática, não eram proibidos expressamente e por escrito, antes sendo até, pelo menos alguns deles, autorizados pela lei do país onde foram praticados, e ao qual pertenciam os respectivos agentes, ou seja, pela lei alemã. Não fez pois esse Tribunal Militar jus à ideia, defendida por alguns, de que podemos dar como exemplo, aqui na

Page 10: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 6 de 51

(artigo 1º), de definir com precisão o conceito de genocídio (artigo 2º), e de punir, no

que tange a tal crime, a autoria (artigo 3º-a)), a instigação, desde que directa e pública

(artigo 3º-c)), a tentativa (artigo 3º-d)), a cumplicidade (artigo 3º-e)), e até mesmo certos

actos preparatórios (artigo 3º-b)).

Tem contudo a Convenção diversos inconvenientes, designadamente, o de não

definir, como não define, concretamente, nem fornecer quaisquer critérios que permitam

essa definição, os quatro grupos por ela Convenção protegidos, e que são, nos termos do

respectivo artigo 2º, o grupo nacional, o grupo étnico, o grupo racial e o grupo religioso,

optando a Convenção por grupos a que se pertence de forma involuntária, e pelo

nascimento (com excepção do grupo religioso), não incluindo no conceito de genocídio,

nem o genocídio cultural, nem o genocídio político14. Acresce ainda que o mecanismo

Universidade Católica do Porto, embora num contexto completamente diferente, pois que ligado ao caso, relativamente recente, da agressão sexual de que terá sido vítima a paciente de um psiquiatra da cidade invicta, a Professora Clara Sottomayor, que entendem que o Direito Penal protege muito mais os direitos dos agentes dos crimes do que os das próprias vítimas. O que não é de admirar, pois que, como lucidamente observou Hermann Goering, quando recebeu uma cópia da acusação, contra ele dirigida, por crimes de guerra, e por crimes contra a humanidade, os vencedores serão sempre os juízes, e os vencidos os acusados, sendo motivos de critica ao Tribunal de Nuremberga, entre outros, o facto de os juízes pertencerem apenas às quatro potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial (França, Reino Unido, EUA e URSS), e não a potências neutras, de tal Tribunal nunca ter julgado, como nunca julgou, quaisquer crimes (que também os houve, e não foram tão poucos quanto isso), de cariz igualmente internacional, e praticados no âmbito do conflito, que não tivessem sido levados a cabo por alemães, mas sim por pessoas ligadas às potências vencedoras, e de não haver, nos termos do artigo 26º, do respectivo Estatuto, direito a qualquer recurso da decisão condenatória, o que lança algumas justificadas dúvidas sobre a isenção e a imparcialidade do Tribunal de Nuremberga. Situação similar, embora mutatis mutandis, ocorreu com o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (Tribunal de Tóquio), criado, na sequência da Declaração de Potsdam, de 26 de Julho de 1945, em 19 de Janeiro de 1946, pelo general Douglas MacArthur, comandante supremo das forças aliadas no Japão, sob a forma de uma ordem executiva, a chamada Carta do Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente (Carta de Tóquio), Tribunal este perante o qual foram acusados diversos lideres políticos japoneses, muito embora cerca de 50 deles tenham sido libertados, sem sequer terem ido a julgamento, como aconteceu, por exemplo, com Nobosuke Kishi, que foi depois Primeiro-Ministro do Japão, de 24 de Fevereiro de 1957, a 18 de Julho de 1960, e com Yoshisuke Aikwa, que se tornou mais tarde Presidente do grupo económico do sector automóvel Nissan.

14 A análise do período de discussão da Convenção mostra que, pouco a pouco, os Estados foram limitando os grupos protegidos, de harmonia com os interesses deles Estados. Na verdade, a resolução da Assembleia Geral da ONU 96 (I) considerava grupos protegidos, os grupos raciais, os grupos religiosos, os grupos políticos e outros grupos análogos (conceito algo indeterminado este que permitia alargar significativamente a protecção). Depois, o Projecto do Secretário-Geral da ONU, incluía a protecção dos grupos raciais, dos grupos nacionais, dos grupos políticos, dos grupos religiosos e dos grupos linguísticos, isto é, protegia o genocídio cultural, o qual foi retirado pelo Comité Ad Hoc, tendo, posteriormente, o Sexto Comité, excluído os grupos políticos, não se referindo nenhum destes projectos, o mesmo sucedendo com a Convenção e com o ETPI, a grupos análogos, que era uma forma de aumentar muito a protecção. Esta questão dos grupos protegidos, embora não tenha tido grande relevância no caso Srebrenica, pois que estávamos claramente em presença de um grupo protegido pela Convenção, fosse ele um grupo nacional, ou então, e até talvez mais rigorosamente, uma minoria nacional, correspondente a um grupo étnico, que era o grupo dos bósnios muçulmanos, fosse ele um grupo religioso, teve no entanto significado no Ruanda, pois que os tutsis, que eram o grupo objecto do genocídio (embora os actos criminosos tenham incidido também sobre alguns hutus moderados), não se

Page 11: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 7 de 51

de execução e de garantia, previsto no artigo 6º, da Convenção, nos termos do qual os

actos enumerados no artigo 3º, da mesma Convenção, serão julgados pelos tribunais

competentes do Estado, em cujo território o acto foi cometido, ou pelo Tribunal

Criminal Internacional, que tiver competência quanto às Partes Contratantes que tenham

reconhecido a sua jurisdição, se revelou pouco eficaz. Realmente, se é na verdade certo

que, deixar a competência para julgar o crime de genocídio exclusivamente para os

tribunais internos poderia tornar inoperante a Convenção, pois que nem sempre os

governos estarão interessados em julgar esse crime, cometido nos territórios que

governam, e com o qual poderão até ter sido complacentes, tendendo por isso a negar a

sua existência15, não menos certo é também que a simples previsão desse crime poder

ser julgado por um Tribunal Criminal Internacional era irrelevante, e destituída de

funções preventivas, tanto mais que tal Tribunal Criminal Internacional não foi, durante

muitos anos, instituído, o que só veio a acontecer em 1993 e em 1994, com os tribunais

penais internacionais ad hoc para a Jugoslávia e o para o Ruanda, e, depois, em 1998,

com o Tribunal Penal Internacional (TPI).

Existem ainda outros vícios ou falhas imputáveis à Convenção, como sejam, por

exemplo, ela não prever, como não prevê, a responsabilização de pessoas colectivas (em

sentido amplo), as quais podem contribuir também, e de uma forma muito importante,

para a perpetração do crime de genocídio, com, quanto a tal crime, grande, ou mesmo

total, impunidade16.

enquadravam em nenhum dos quatro grupos protegidos, na medida em que eles tutsis falavam a mesma língua, tinham a mesma cultura, e praticavam a mesma religião que os hutus, em relação aos quais tinham diferenças físicas praticamente imperceptíveis, o que obrigou a que o Tribunal Penal Internacional Ad Hoc para o Ruanda (TPIR) tivesse que alargar interpretativamente os grupos protegidos pela Convenção, e pelo ETPIR, para poder julgar, como sendo genocídio, os crimes contra os tutsis cometidos por alguns hutus (AKSAR, Yusuf. The “victimized group” Concept in the Genocide Convention and the development of International Humanitarian Law trough the Practice of ad hoc Tribunals in “Journal of Genocide Research”, n.5 vol.2, 2003, p.220, citado por CAMPOS, Paula Drumond Rangel, em o Crime Internacional de Genocídio: Uma Análise da Efectividade da Convenção de 1948 no Direito Internacional, consultável no sítio: www.cedin.com.br). Constata-se pois que a Convenção não foi pensada, como certamente devia ter sido, exclusivamente para definir e proteger os direitos humanos, tendo tido, nessa defesa, importantes condicionantes, resultantes dos interesses nacionais de certos Estados (que foram muitos), que não queriam que algumas das suas atitudes pudessem, no futuro, serem afectadas pela mesma Convenção, que ameaçaram aliás não ratificar, se outros grupos, além dos quatro atrás referidos, na mesma Convenção fossem incluídos, o que me trás à lembrança a ideia do pensador francês La Rochefocauld, segundo a qual todas as virtudes se perdem no interesse como os rios no mar, ou, numa outra formulação da mesma ideia de tal autor, outra formulação esta muitas vezes citada, em francês, pelo Professor Júlio Gomes, da Universidade Católica do Porto, apesar de no contexto diferente do direito do trabalho, “l´amour des autres n´est qu´une forme deguisée de l´amour de soi même”.

15 LOMBOIS, Claude, Droit Penal International, Dalloz, Paris, 1971, p. 65.

Page 12: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 8 de 51

Do mesmo modo a Convenção também não prevê que o Estado seja um elemento

activo do crime de genocídio, o que pode ser considerado como uma importante lacuna,

pois que é muito difícil de conceber um crime de tal dimensão, sem a colaboração,

ainda que apenas omissiva, de um Estado, que, sem tal previsão, ficará impune pela

prática do crime em causa17.

Em 1993, o crime de genocídio passou a constar do artigo 4º, do Estatuto do

Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia (ETPIJ)18, e, em 1994, do artigo 2º,

do Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o Ruanda (ETPIR)19, em ambos os

casos em termos parecidos àqueles em que tal crime consta do artigo 2º da Convenção.

Mais tarde o crime de genocídio foi também tipificado no artigo 6º, do Estatuto do

Tribunal Penal Internacional (ETPI), e em termos muito similares àqueles em que o

artigo 2º, da Convenção tipifica tal crime, muito embora acrescentando o ETPI, que a

intenção tem que ser a de destruir, no todo ou em parte (tal como na Convenção), um

dos grupos protegidos (que são os mesmos quatro também protegidos pela Convenção),

mas considerando o grupo “enquanto tal” (expressão esta cujo significado adiante

16 É conhecida a participação da empresa informática norte-americana Internacional Business Machines Corporation (IBM), nos campos de concentração nazis, para os quais, e por contrato que havia estabelecido com o III Reich (este contrato não foi feito entre uma mera filial alemã da IBM e o Governo alemão, antes tendo sido contratante a própria IBM de Nova York), desenvolveu um sistema de cartões perfurados, com a tecnologia Hollerith (vem de Herman Hollerith, cidadão dos EUA, que foi um dos principais impulsionadores do leitor de cartões perfurados, e um dos fundadores da IBM), sistema esse que permitia, e que permitiu, monitorizar os prisioneiros em tais campos de concentração, organizando a identificação e o extermínio desses prisioneiros, muito embora, e como refere Edwin Black, o negócio da IBM nunca tenha sido o nazismo, nunca tenha sido o anti-semitismo, sempre tendo sido apenas o dinheiro, tendo o fundador e Presidente da IBM, Thomas Watson colaborado com os nazis, apenas por amor ao lucro (BLACK, Edwin, A IBM e o Holocausto, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001). Dessa não incriminação das pessoas colectivas pelo crime de genocídio, tirou também proveito a Radio-Television Libre des Miles Collines, que foi uma das estações de rádio ruandesas, através da qual, em 1994, foi cometido o crime de incitamento ao genocídio, sem que por isso tenha tal estação de rádio, sofrido, como não sofreu qualquer condenação, precisamente por não estar prevista a possibilidade legal das pessoas colectivas serem sujeitos activos do crime de genocídio.

17 Focando-nos apenas nos autores da língua portuguesa, podemos indicar Celso Duvivier de Albuquerque Melo, como defendendo a possibilidade dos Estados virem a ser responsabilizados pelo genocídio, apesar de eles não constarem expressamente, como expressamente não constam, da Convenção (nem do ETPI), como sujeitos activos de tal crime (Curso de Direito Internacional Público, 14ª edição, Volume II, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2002, p. 934), citado por CAMPOS, Paula Drumon Rangel, A norma internacional de genocídio: vícios e virtudes da Convenção de 1948, in “Boletim do Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro”, n.º 2, Janeiro/Dezembro, 2006, p. 32

18 Criado pela Resolução 827 (1993), do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 25 de Maio de 1993.

19 Criado pela Resolução 955 (1994), do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 08 de Novembro de 1994.

Page 13: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 9 de 51

melhor veremos, e que não consta da Convenção, embora conste já do ETPIJ e do

ETPIR)20.

É de referir que, muitas das deficiências que atrás ficaram apontadas à

Convenção, se mantiveram, e se mantêm, no ETPI (bem como, no ETPIJ e no ETPIR).

IV – Os elementos objectivos e subjectivos do crime de genocídio

Verifica-se assim que, quer à face da Convenção (artigo 2º), quer à face do ETPI

(artigo 6º), o genocídio consiste na prática dos actos taxativamente elencados nas

alíneas a) a e), do artigo 2º, da Convenção, e também nas alíneas a) a e), do artigo 6º, do

ETPI21, actos esses que constituem elementos objectivos de tal crime de genocídio

(actus reus), devendo esses actos, para haver crime de genocídio, ser praticados com a

intenção de destruir, no todo ou em parte, um dos quatro grupos protegidos já atrás

referidos, enquanto tal (expressão esta que consta do corpo do artigo 6º, do ETPI, e não

do artigo 2º, da Convenção), constituindo esta intenção reforçada o elemento subjectivo

do crime de genocídio (mens rea), e com conhecimento pelo agente dos respectivos

elementos materiais (artigo 30º-1, do ETPI). Determina o artigo 9º, do ETPI, que esses

elementos materiais constitutivos dos crimes deverão ser adoptados por uma maioria de

dois terços dos membros da Assembleia dos Estados-Partes do ETPI, servindo para

auxiliar o TPI a interpretar e a aplicar, nomeadamente, o artigo 6º, do ETPI (além

também dos artigos 7º e 8º, do ETPI)22

20 O ETPI foi adoptado em Roma, em 17 de Julho de 1998 (120 votos a favor, 21 abstenções, e 7 votos contra – EUA, Israel, Qatar, China, Iraque, Líbia e Iémen), estando aberto, desde essa data, até 31 de Dezembro de 2000, à assinatura dos Estados interessados (no total assinaram 139 Estados), iniciando a sua vigência em 01 de Julho de 2002, após o depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, que ocorreu em 11 de Abril de 2002 (artigo 126º, do ETPI), não estando portanto em vigor quando o massacre de Srebrenica foi cometido, em Julho de 1995, nem sequer quando foram prolatadas, quer a decisão da Câmara de 1ª instância, do TPIJ, no caso Krstic (02 de Agosto de 2001), quer a primeira decisão do TIJ, no caso Bósnia-Herzegovina contra Sérvia-Montenegro (11 de Julho de 1996), não sendo pois possível incriminar o genereal Kiristc, ao abrigo do ETPI (artigo 24º).

21 Tais actos são os seguintes: (i) assassinato ou homicídio de membros do grupo; (ii) atentado grave ou ofensas graves à integridade física e/ou mental de membros do grupo; (iii) submissão deliberada ou sujeição intencional do grupo a condições de existência ou a condições de vida, que acarretarão ou que foram pensadas, para provocar a sua destruição física, total ou parcial; (iiii) medidas, ou imposição delas, destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; (iiiii) transferência forçada, ou à força, de crianças do grupo para outro grupo.

22 Situação similar se verifica no ETPIJ (artigos 2º e 4), e no ETPIR (artigos 2º e 3º).

Page 14: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 10 de 51

A - O elemento subjectivo do crime de genocídio

A – 1 – O dolo específico

Assim, o elemento subjectivo ou psicológico do crime de genocídio, consiste num

dolo especial ou dolo específico (dolus speciali), que terá que acrescer ao dolo relativo

ao crime que está subjacente ao genocídio (crime este que pode ser, por exemplo, o

homicídio [artigo 2º-a), da Convenção, e artigo 7º-a), do ETPI], ou a transferência

forçada de crianças de um grupo para outro [artigo 2º-e), da Convenção, e artigo 6º-e),

do ETPI], ou, enfim, qualquer um dos outros actos elencados nas alíneas a) a e), do

artigo 2º, da Convenção, e do artigo 6º, do ETPI). É precisamente este dolo especial que

eleva o genocídio à categoria de crime internacional, separando-o, por exemplo, do

crime de homicídio.

Face ao disposto no artigo 30º-2-a), do ETPI, as condutas base ou subjacentes ao

crime de genocídio, que são as elencadas nas alíneas a) a e), todas do artigo 6º, do ETPI,

não podem ser condutas meramente negligentes, antes tendo que ser condutas dolosas, e

até com dolo directo, não sendo suficiente o dolo necessário ou o dolo eventual.

E, perguntar-se-á, será possível a comissão de um crime de genocídio, com dolo

necessário, ou com dolo eventual, ou, a intenção de destruir, exigida pelo artigo 6º, do

ETPI, obriga sempre a um dolo directo?

De acordo com alguns autores, como seja, por exemplo, Otto Triffterer23, citado

por Mariana Vilas Boas24, para haver crime de genocídio, não seria necessário o dolo

directo, bastando o dolo necessário (isto é, o agente, muito embora sem querer destruir

um dos grupos protegidos, e podendo até preferir que essa destruição não ocorresse,

saber que tal destruição seria uma consequência necessária, inexorável, da sua

conduta25), ou até mesmo o mero dolo eventual (ou seja, o agente, muito embora sem

23 Genocide, Its Particular Intente to Destroy in Whole or in Part the Group as Such , 14, Leiden Journal of Internacional Law, p.403

24 “A intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religiosos, enquanto tal, “Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Direito Internacional Criminal, integrada no Mestrado de Direito Criminal da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto”.

25 Tal como sucede, por exemplo, que aqui se dá para uma melhor compreensão, e, reportando-nos ao crime de homicídio, com um agente, que pretende matar uma pessoa, o que faz colocando-lhe no automóvel uma bomba de grande potência, sabendo que, necessariamente, inevitavelmente, inexoravelmente, o motorista do visado, motorista esse que ele agente não queria matar, preferindo até talvez que isso não sucedesse, vai morrer também, havendo assim, quanto ao visado, um homicídio com

Page 15: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 11 de 51

querer destruir nenhum dos quatro grupos protegidos, e podendo até preferir que essa

destruição não ocorresse, saber que tal destruição seria uma consequência provável da

sua conduta26).

Segundo nos dá conta Mariana Vilas Boas27, estriba-se tal autor (Otto Triffterer),

designadamente, no artigo 30º, do ETPI, nomeadamente, na alínea b), do seu número 2,

que, conjugada com o número 1, do mesmo artigo 30º, do ETPI, parece, na verdade,

apontar para a suficiência de um dolo necessário, ou mesmo eventual, bem como no

facto de, na altura, o Projecto dos Elementos dos Crimes, a ser aprovado, nos termos do

artigo 9º, do ETPI, não referir qualquer exigência quanto a um dolo directo do

genocídio, contentando-se pois, com qualquer forma de dolo (directo, necessário ou

eventual).

Vejo contudo muito mal, e até tomando por base os exemplos, que, a nível do

crime do direito interno de homicídio, constam das notas de rodapé 25 e 26, como seria

possível construir situações similares para genocídios, para poder haver, que, a meu ver,

não pode, genocídios, praticados com dolo necessário ou com dolo eventual, isto é,

genocídios em que o agente, sem querer propriamente destruir um grupo protegido,

percebesse essa destruição, como uma consequência necessária ou provável da sua

conduta.

Tenho pois para mim como certo, e sem prejuízo do maior respeito, e da maior

consideração, merecidos, devidos e tidos, por opinião contrária, naturalmente sempre

possível, e até certamente melhor, e mais qualificada e autorizada (designadamente a

opinião de Otto Triffterer), que não pode ser assim, ou seja, que não é possível a prática

de um crime de genocídio, com dolo meramente necessário ou eventual, tendo sempre,

para haver genocídio, que haver também dolo directo. Pois que só este dolo directo é

dolo directo, e, quanto ao motorista, um homicídio com dolo necessário.26 Será, por exemplo, e no que tange também ao crime de homicídio, o caso de alguém, que conduz, à

velocidade de 130km/hora, a meio da tarde de um dia útil, o seu automóvel, pela Avenida dos Aliados abaixo, no Porto, para ir apanhar, em Vila Nova de Gaia, o comboio para Lisboa, para o que já está atrasado, e que, vindo-lhe à ideia que pode, com uma boa probabilidade, atropelar e matar alguém, pensa que, se isso acontecer, paciência, pois que não pode é perder o comboio, continuando a acelerar o seu automóvel rumo à estação ferroviária das Devesas, verificando-se aqui, no caso de surgir tal morte por atropelamento, um homicídio com dolo eventual. Se o condutor do automóvel em causa tivesse para si que não ocorreria qualquer acidente, pois que o veículo em causa era muito seguro, e ele condutor muito hábil, então, caso matasse alguém por atropelamento, tratar-se-ia de um homicídio com negligência consciente.

27 A intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religiosos, enquanto tal, “Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Direito Internacional Criminal, integrada no Mestrado de Direito Criminal da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto”.

Page 16: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 12 de 51

compatível com o carácter de especialidade ou intencionalidade, de destruir, no todo ou

em parte, um dos quatro grupos protegidos, carácter este previsto e exigido pelo tipo

legal do crime de genocídio.

E este dolo directo tem que ocorrer também, quanto aos actos materiais do crime

de genocídio.

E não estou sozinho neste meu juízo28. Na verdade encontro-me, em tal opinião,

até bastante bem acompanhado, pois que ela, ou seja, a opinião de que é indispensável

para o crime de genocídio o dolo directo, não bastando o dolo necessário ou o dolo

eventual, havendo, neste crime de genocídio, um afastamento do artigo 30º-2-b), do

ETPI, é também defendida por diversos autores, como sejam, por exemplo, Antonio

Cassese29, Johan D. van der Vyver30 e Gerhard Werle31, muito embora este último autor

admita que certos actos externos se contentem com um dolo directo, digamos assim,

menos intenso, ou diminuído, do que aquele que é exigido pelo artigo 30º, do ETPI, por

força do direito consuetudinário, e dos já atrás referidos Elementos dos Crimes, dando

disso, como exemplo, os casos das alíneas a), b) e e), do artigo 6º, do ETPI32. Na

verdade, para este autor, e no que toca as acções de homicídio, previstas no artigo 6º-a),

do ETPI, bastará o agente saber que a sua conduta necessariamente conduzirá, ou até

28 Muito embora, não esquecendo que, e sem querer chegar ao “orgulhosamente sós” do Doutor Oliveira Salazar, estar sozinho nem sempre constitua defeito, como, a título de exemplo, se pode concluir dos casos de Galileo Galilei e de Giordano Bruno, cujas opiniões, posto que isoladas no seu tempo, se revelaram depois, contra as opiniões de todos os outros, rigorosamente exactas, apesar de terem valido, como, na época, valeram, aos seus autores inúmeras perseguições, que, no caso de Giordano Bruno, levaram mesmo a que ele tivesse sido queimado vivo, no dia 17 de Fevereiro de 1600, o que só não sucedeu com Galileo Galilei, porque este, revelando, é certo, incoerência e falta de coragem, mas também uma notável inteligência (no caso, prática, a acrescer à teórica, que, indiscutivelmente, tinha), e já então com 70 anos de idade, abjurou, perante um tribunal constituído por dez cardeais, das suas teorias verdadeiras, no dia 22 de Junho de 1633, o que originou um cogitus interruptus, naquilo que, exactamente 300 anos depois, ou seja, em 22 de Junho de 1933, Bento de Jesus Caraça, em conferência, que nesse dia proferiu na Universidade Popular Portuguesa, considerou, talvez com algum exagero, ser um dos momentos mais dramáticos da história da ciência e da história do homem no mundo ocidental (Galileo Galilei. Valor científico e valor moral da sua obra. “A Cultura Integral do Individuo – Conferências e Outros Escritos”, 3ª edição, Gradiva, Lisboa, 2008, ps. 88 a 131).

29 “It logically follows that other categories of mental element are excluded: recklessness (or dolus eventualis) and gross negligence” (International Criminal Law, 2ª edição, Oxford University Press, Abril de 2008, p. 137).

30 “Speciali intent as an element of genocide will be confined to dolus directus” (23 Fordham Int´I L.J. 286 1999-2000), p. 308.

31 “Thus, dolus eventualis and recklessness are insufficient to furfill the mental element of these underlying crimes” (Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, p. 273).

32 Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 273 e 274 e Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, p. 335.

Page 17: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 13 de 51

mesmo, provavelmente levará, à morte da vítima (dolo necessário ou mesmo dolo

eventual), desde que essa conduta seja assumida com a intenção específica de destruir o

grupo (necessariamente um dos quatro protegidos), a que a vítima pertence. Do mesmo

modo, as lesões graves à integridade física ou mental dos membros do grupo, previstas

no artigo 6º-b), do ETPI, levadas a cabo com vontade destrutiva, e com desprezo pela

vida humana (“reckless dirsegard of human life”), são puníveis como genocídio.

Também, dos Elementos dos Crimes para o ETPI, do artigo 6º-e), número 6, resulta

uma diminuição dos requisitos gerais, do artigo 30º, do ETPI, pois que esse número 6,

não exige, no que toca à idade da vítima, que o autor soubesse que ela era inferior a 18

anos, contentando-se com o que autor devesse conhecer essa circunstância (“should

have known”, na versão em inglês; “hubiera debido saber”, na versão em castelhano e

“aurait dû savoir”, na versão em francês)33. Também o Professor da unidade curricular a

que este trabalho se reporta (Direito Internacional Criminal), o Doutor Nuno Pinheiro

Torres, manifestou, nas aulas de tal unidade curricular, a que tive a oportunidade e o

gosto de assistir (que não foram todas, devido a uma arreliadora coincidência de

horários com aulas de outras cadeiras), a opinião da atrás referida exigência do dolo

directo, quanto ao crime de genocídio, e da não aplicabilidade, a tal crime de genocídio,

da alínea b), do número 2, do artigo 30º, do ETPI.

De qualquer forma, refira-se, o crime de genocídio é um crime de perigo ou de

mera actividade34, e não um crime de resultado material, não se exigindo pois, para a

respectiva consumação, que a destruição de todo, ou de parte, de um grupo protegido,

ocorra35, sendo também um crime formal ou modal, porque tem que ser executado por

uma das formas, ou modos, exaustivamente previstos nas alíneas a) a e), quer do artigo

2º, da Convenção, quer do artigo 6º, do ETPI.

É admissível, no entanto, a prática de um crime de genocídio na sua forma tentada

(artigos 3º-a), da Convenção, 4º-3-d), do ETPIJ e 2º-3-d), do ETPIR), que consiste em

33 Segundo nos informa Mariana Vilas Boas, A intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religiosos, enquanto tal, “Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Direito Internacional Criminal, integrada no Mestrado de Direito Criminal da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto”, esta expressão “should have known” não se traduziu na versão portuguesa, o que não pude verificar, na medida em que não encontrei nenhuma versão portuguesa dos Elementos dos Crimes.

34 Ou, na terminologia do Professor Figueiredo Dias, também usada pelo Professor Germano Marques da Silva, um crime de resultado cortado, pois que o resultado, neste caso a destruição total ou parcial de um dos quatro grupos protegidos, já está fora do crime, sendo posterior a este.

35 Destruição esta que é, mesmo teoricamente, quase impossível de conceber sequer, pelo que muito menos de acontecer.

Page 18: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 14 de 51

um agente, sempre com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um dos grupos

protegidos, procurar levar a cabo, sem contudo, por motivo alheio à sua vontade, o

conseguir, algum dos actos de execução do crime em causa, que são os tipificados nas

alíneas a) a e), do artigo 2º, da Convenção, e do artigo 6º, do ETPI36.

Igualmente admissível é também o crime de incitamento ao genocídio, o que

traduz a figura da instigação37, a qual, contudo, terá que ser directa e pública (artigos 3º,

da Convenção, 4º-3-c), do ETPIJ, 2º-3-c), do ETPIR e 25º-3, do ETPI), sendo

indispensável, do ponto de vista subjectivo, que o agente pratique os elementos

objectivos, com a intenção de destruir, total ou parcialmente, um dos quatro grupos

protegidos, e com o conhecimento dos elementos materiais do crime de genocídio

(artigo 30º, do ETPI)38.

Este crime de incitamento ou instigação ao genocídio, uma vez que não se exige,

para a respectiva consumação, a produção do resultado típico, isto é, que o instigado

venha a cometer o crime de genocídio, é também, tal como o crime de genocídio, um

crime de perigo, de mera actividade ou de resultado cortado, e não um crime de

resultado material.

Como assente tenho pois para mim, e nisso me basearei para a análise do caso

Srebrenica, que o crime de genocídio exige, no que toca ao agente, um dolo especial (ou

intenção criminal agravada), consistente em ele agente pretender destruir, total ou

parcialmente, um dos quatro grupos protegidos enquanto tal, bem como o conhecimento

dos elementos materiais respectivos, e ainda que os actus reus, que constituem o crime

subjacente ao crime de genocídio, e que podem consistir em qualquer um dos constantes

36 Como exemplo de uma situação de tentativa de genocídio podemos dar o caso de um agente, que, com a intenção específica de destruir, total ou parcialmente, um qualquer dos quatro grupos protegidos, procura matar, um, pelo menos, dos membros desse grupo, mas sem o conseguir, por um motivo alheio à sua vontade, como seja, por exemplo, dar um tiro nesse elemento do grupo, mas tal tiro falhar o alvo, por falta de pontaria do atirador, não dispondo este de mais balas, que lhe permitissem, como desejava, atirar de novo, o que não fez, por não poder (se tivesse mais balas, e não atirasse novamente, haveria uma desistência de tentativa, que seria certamente relevante).

37 O instigador é, no direito penal interno português, considerado autor (artigo 26º, do C.P.).38 Constitui um exemplo deste incitamento ou instigação ao genocídio o que aconteceu no Ruanda, em

que, antes de se iniciarem os conflitos, os hutus extremistas se apoderaram das estações de rádio, delas lançando campanhas contra os tutsis, tendo o TPIR condenado muitos dos acusados pela prática do crime de instigação ao genocídio, havendo, inclusivamente, alguns dos acusados que foram condenados exclusivamente pela prática deste crime, e apenas devido a declarações que tinham feito incitando o genocídio (Acórdão do TPIR [Ruggiu, TC], de 01 de Junho de 2009, decisão esta que condenou Georges Ruggiu a uma pena de 12 anos de prisão, pelo crime de incitamento directo e público a que outrem cometesse genocídio, crime de incitamento ao genocídio este que estava previsto no artigo 23º-c), do ETPIR, bem como numa pena de prisão, de também 12 anos, pela prática de crime contra a humanidade, muito embora a execução das duas penas fosse concorrente).

Page 19: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 15 de 51

nas alíneas a) a e), todas do artigo 2º, da Convenção, ou, o que vai dar praticamente ao

mesmo, nas alíneas a) a e), as cinco do artigo 6º, do ETPI39, sejam praticados com dolo

directo, não bastando o dolo necessário ou o dolo eventual, pelo que muito menos a

negligência, seja ela consciente ou inconsciente, e ainda que grosseira.

A.2 – A prova do elemento subjectivo do crime do genocídio

É evidente que consistindo o elemento subjectivo do crime de genocídio, como

consiste, numa intenção específica de destruir, total ou parcialmente, um dos quatro

grupos protegidos, esse elemento subjectivo situa-se dentro do agente, sendo a sua

prova por isso não muito fácil, para não dizer mesmo que é muito difícil.

Assim, e retirando os casos em que o agente confessa essa intenção criminosa no

próprio Tribunal, ou que ela resulta de discursos públicos ou de documentos escritos40, a

prova da mesma intenção terá que ser feita, ou por via testemunhal, de alguém a quem o

agente tenha confidenciado a intenção em questão, ou então, digamos assim, por via

indirecta, através de indícios, e daquilo que, no direito interno, constituem as chamadas

presunções judiciais41 42.

39 Vide a nota de rodapé 21.40 Situações estas que se verificam, delas podendo dar, como exemplos, retirados de Mariana Vilas Boas

(A intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religiosos, enquanto tal, “Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Direito Internacional Criminal, integrada no Mestrado de Direito Criminal da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto”), os casos de Adolfe Eichman, que, nas minutas escritas de uma reunião, em que participou no dia 20 de Janeiro de 1942, fez constar, sem margem para quaisquer dúvidas, a sua intenção de destruir o grupo de judeus da Europa, e de Heinrich Himmler, chefe dos serviços secretos alemães, que, num discurso público, que fez em Poznan, no dia 04 de Outubro de 1943, referiu-se, com clareza, ao objectivo de exterminar os judeus da Europa.

41 Constituem tais indícios, designadamente, entre muitos outros, um elevado número de vítimas, a escolha das vítimas pelo facto de elas pertencerem a um determinado grupo protegido, o comportamento do agente durante a prática do crime, bem como algumas acções não típicas, como, por exemplo, a destruição de instalações culturais, monumentos e edifícios religiosos, que poderiam constituir genocídio cultural, se essa forma de genocídio, tivesse sido, que não foi, tipificada, e ainda, e até talvez principalmente, os actos praticados pelo agente terem sido dirigidos ou apoiados por um Estado ou por uma organização, actuando o agente no âmbito de uma política genocida (WERLE, Gerhard, Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 337 e 338), Acórdão do TPIR (Akayesu, TC), de 2 de Setembro de 1998, § 523, e Acórdão do TPIR (Bagilishema, TC), de 07 de Junho de 2001, § 63, sendo a importância do apoio estatal ou organizacional, não só para comprovar a existência do dolus specialis, mas também para negar tal existência, igualmente realçada por António Cassese (International Criminal Law, 2ª edição, Oxford University Press, Abril de 2008, ps. 142 e 143).

42 As presunções judiciais são situações em que, num quadro de conexão entre factos provados e não provados, à luz da experiência comum, da lógica corrente, e por via da própria intuição humana, a existência dos primeiros, em termos de alta probabilidade, justifica a existência dos últimos – Acórdão do STJ (Salvador da Costa), de 15/06/2005 - Processo 05B3853.

Page 20: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 16 de 51

B - O objecto do crime de genocídio

O objecto do crime de genocídio é constituído por um dos quatro grupos

protegidos, quer pela Convenção, quer pelo ETPI, sendo tal enumeração exaustiva, e

não gozando de protecção outros grupos, de que podemos dar, por exemplo, e por

contraposição ao grupo religioso, o grupo dos ateus, que pode ser, por quem quer que

seja, destruído à vontade na sua totalidade, sem que essa destruição constitua a pratica

de um crime de genocídio, o mesmo sucedendo, por exemplo, com o grupo das

mulheres (ou com o grupo dos homens), o grupo dos homossexuais, etc.

É precisamente esta limitação dos grupos protegidos que leva a que, de acordo

com a maioria da doutrina, não seja possível qualificar os massacres ocorridos no

Cambodja, no tempo dos Kmers Vermelhos, e na URSS, no consulado de Estaline,

como crimes de genocídio. E isto porque as vítimas de tais massacres não eram

escolhidas por pertencerem a nenhum dos quatro grupos protegidos, previstos pela

Convenção, mas sim por outros motivos. Situação quase similar se passava, como atrás

vimos já, com o massacre dos tutsis, no Ruanda, dadas as similitudes deste grupo

perseguido, com o grupo perseguidor dos hutus. Similitudes estas que eram de tal

ordem, e tantas, que, para distinguir esses dois grupos, os colonizadores belgas

estabeleceram um sistema de cartões de identidade, que determinava quem eram os

tutsis, e quem eram os hutus, com base no número de cabeças de gado, que cada

indivíduo, ou a sua família, possuía43.

A dificuldade de colocar os tutsis num dos quatro grupos protegidos pela

Convenção, foi ultrapassada pelo TPIR, recorrendo aos trabalhos preparatórios da

referida Convenção, para defender, de uma forma expansiva, ou numa interpretação

extensiva, que os grupos protegidos eram, não apenas os expressa e explicitamente

previstos na Convenção e no TPIR, mas todos aqueles que tivessem como denominador

comum a pertença aos mesmos grupos ser involuntária. Chegou assim o TPIR à

conclusão que as vítimas tutsis eram seleccionadas pelos perpetradores hutus

(extremistas), por pertencerem, de uma forma estável, permanente, e involuntária, a um

43 SHAH, Sonali B., THE OVERSIGHT OF THE LAST GREAT INTERNACIONAL INSTITUTION OF THE TWENTIETH CENTURY: THE INTERNACIONAL CRIMINAL COURT´S DEFINITION OF GENOCIDE, in “Emory International Law Review”, Volume 16, 2002, p. 368.

Page 21: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 17 de 51

determinado grupo, que o TPIR teve, por isso, por protegido pela Convenção, e pelo

ETPIR.

Apesar das dificuldades, já atrás referidas, para enquadrar certos massacres no

crime de genocídio, dificuldades essas decorrentes, em grande parte, da limitação,

resultante da Convenção, dos grupos protegidos, o ETPI continuaram a considerar como

protegidos apenas os mesmíssimos quatro grupos protegidos pela Convenção, e nos

precisos termos em que esta os protegia. E isto pelos mesmíssimos motivos já surgidos

na altura da Convenção, motivos esses consistentes em os Estados membros do ETPI, e

por razões muitas vezes de oportunidade e/ou de mera conveniência própria, assim o

terem querido, sabendo-se, como se sabe, que, em Direito Internacional, a vontade dos

Estados é soberana, pois que estes só se tornam parte dos tratados que entendem.

Desses quatro grupos protegidos, um deles é o grupo nacional, ou seja, o grupo de

todos os indivíduos ligados entre si pelo mesmo vínculo, que é o vínculo da

nacionalidade, isto é, pelo vínculo de todos esses indivíduos serem nacionais de um

mesmo e determinado Estado.

Não é fácil de conceber a possibilidade de se destruírem todos os cidadãos de um

determinado Estado, ou mesmo uma parte significativa deles, ou de alguém ter a

intenção de o fazer. Assim, a protecção deste grupo, interpretado como correspondendo

a todos os nacionais de um dado Estado, terá um interesse prático relativamente

reduzido, para não dizer mesmo nulo.

Contudo é possível uma outra interpretação, fazendo corresponder o grupo dos

nacionais, como referindo-se, por exemplo, a todas as pessoas de uma dada Nação,

sendo certo que, como é por demais sabido, os conceitos de Estado e de Nação não

coincidem. Realmente um Estado pode conter várias Nações, e uma nação pode repartir-

se por vários Estados, sendo o conceito de Nação, um conceito espiritual, cultural e até

poético, tendo inclusivamente Fernando Pessoa, na sua obra Mensagem, dito: “As

Nações são todas mistérios. Cada uma é todo o mundo a sós”. Conceito distinto do de

Nação é o conceito de Pátria, que tem um sentido mais sentimental do que Nação, sendo

por exemplo, usual que quem está longe de Portugal, diga, pelo menos por vezes, que

tem saudades da Pátria, não dizendo que tem saudades da Nação.

Poderemos então, ao referirmo-nos a grupo nacional, estar em presença daquilo a

que usualmente se chama de uma minoria nacional.

Page 22: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 18 de 51

Nesta acepção se poderia, e reportando-nos, por exemplo, à nossa vizinha

Espanha, considerar como grupo protegido o grupo dos Bascos, entendendo-se que eles

seriam um grupo nacional, correspondendo a uma Nação espraiada por dois Estados,

que são a Espanha e a França, isto é, que seriam, dentro do Estado Espanhol (e também

do Estado Francês), uma minoria nacional44.

Com os grupos étnicos pretende-se proteger um conjunto de pessoas, ligadas,

principalmente, pela existência de uma determinada tradição cultural, e um

desenvolvimento histórico comum, falando os membros do grupo a mesma língua,

tendo usos e costumes comuns, e uma forma de vida também comum, encontrando-se o

grupo frequentemente localizado em uma determinada região geográfica45 46. Há uma

certa proximidade, com a consequente dificuldade de distinção, entre as minorias

nacionais e os grupos étnicos.

Relativamente ao grupo rácico, trata-se de um conjunto de pessoas que, pelo

fenómeno biológico da hereditariedade, possuem as mesmas características corporais

hereditárias, e facilmente visíveis e cognoscíveis por terceiros, como sejam, por

44 Motivo pelo qual a perseguição levada a cabo pelo Generalíssimo Franco, e o seu regime, aos bascos, se poderia, e caso se verificassem os restantes pressupostos, para isso exigidos pela Convenção, incluindo a mens rea, ser considerada um crime de genocídio. Isto, é claro, se os actos praticados contra os bascos, coubessem, que, a meu ver, e apesar de tais actos terem compreendido até bombardeamentos, como, por exemplo, o de Guernica, ocorrido em 26 de Abril de 1937 (embora os motivos desse bombardeamento, que não são verdadeiramente conhecidos, possam até nada ter a ver com qualquer perseguição ao povo Basco, levada a cabo pelo Caudilho Espanhol, tanto mais que, quando tal bombardeamento se verificou, o general Juan Francisco Franco não era ainda o Chefe de Estado Espanhol, o que só veio a acontecer em Janeiro de 1938), não cabiam, nem de longe, nem de perto, nos actos típicos arrolados nos artigos 2º-a) a e), da Convenção, e 6º-a) a e), do ETPI. Diferente seria se, como chegou a ser proposto, mas não adoptado, houvesse uma protecção do genocídio cultural. E isto porque o regime franquista procurou, de certa maneira, destruir os bascos, enquanto grupo cultural, não fisicamente, mas sim, identitáriamente, nomeadamente proibindo a sua cultura, designadamente a sua língua, com o objectivo de os integrar no conjunto dos espanhóis, onde o grupo, por, digamos assim, diluição, desapareceria enquanto tal. E isto devido ao grande receio que aquele dirigente político/militar sempre teve da possibilidade de que da afirmação das diferenças dos Bascos, bem como das de outras minorias nacionais existentes em Espanha (e estou a pensar nos Catalães), pudessem surgir movimentos independentistas, que levassem às respectivas independências de tais minorias da Espanha, nomeadamente nos casos do País Basco e da Catalunha, e, muito embora com muito menos amplitude, também da Galiza e da Andaluzia. O que o então Chefe de Estado do país vizinho queria evitar a todo o custo, na linha, aliás já anteriormente defendida por José Calvo Sotelo (não confundir com Leonardo Calvo Sotelo, que foi também um político espanhol, mas 50 anos depois), deputado monárquico, que, já em 1936, e apesar da enorme aversão que tal personalidade tinha ao comunismo, proclamou que: “Antes una España roja que una España rota” (leia-se, antes uma Espanha vermelha, ou seja, comunista, do que uma Espanha não comunista, mas da qual se tivessem tornado independentes diversas partes).

45 WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, p. 321 e Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 261

46 O atrás referido grupo dos Bascos, que atrás consideramos como constituindo um grupo nacional, na vertente das chamadas minorias nacionais, também poderia, face às referidas características dos grupos étnicos, ser considerado um grupo étnico.

Page 23: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 19 de 51

exemplo a cor da pele, ou a constituição física, nos grupos raciais se incluindo também

as tribos47.

No que toca ao grupo religioso, nele se incluem as pessoas que professam a

mesma religião, partilhando as mesmas crenças, e/ou praticando o mesmo culto.

Incluem-se nos grupos religiosos, não apenas as grandes comunidades religiosas, como

por exemplo, os cristãos, os budistas, os muçulmanos, etc, mas também as pequenas

seitas48.

É de referir que, nos termos constantes do artigo 6º, do ETPI, para haver

genocídio os actus reus têm que ser praticados com a intenção de destruir, no todo ou

em parte, um dos quatro crimes protegidos enquanto tal.

Esta expressão “enquanto tal”, que foi adicionada pelo ETPI, pois que não

constava no artigo 2º da Convenção, visa realçar que o elemento subjectivo do crime de

genocídio, isto é, a mens rea de tal crime, se justifica pelo facto da vítima do acto

subjacente (por exemplo, o homicídio) pertencer ao grupo protegido que o agente visa,

sendo pois a vítima escolhida, não pelas suas características próprias e individuais, isto

é, por ser quem é, mas sim por pertencer a um determinado grupo, o que se traduz numa

despersonalização da vítima, vítima essa que tanto poderia ter sido aquela que foi, como

uma outra qualquer, desde que pertencente ao mesmo grupo49.

Também o Tribunal de Justiça Federal Alemão, mantendo uma decisão que a ele

subiu em recurso, considerou que os prepretadores de um crime de genocídio, não

visam a vítima em função da sua capacidade como pessoa individual, não a vendo como

um ser humano, mas apenas como um membro do grupo que perseguem50.

Esta expressão enquanto tal, consta também do ETPIJ (artigo 4º-2) e do ETPIR

(artigo 2º-2)

C - Os elementos objectivos do crime de genocídio (actus reus)

47 Vide, neste sentido, PLANZER, ANTÓNIO, Le crime de genocide, F. Shwald, 1956, p. 97.48 WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, p. 323, e

Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 262 e 263.49 CASSESSE , Antonio, International Criminal Law, 2ª edição, Oxford University Press, Abril de 2008, p.

137.50 Jorgic (Appeal), Germany, Federal High Court (Bundesgerichtshof), 30 April 1999, printed in Neue

Zeitschrift für Stafrecht, 8 (1999) at 396-404 (with a note by K. Ambos, ibid., at 406-6…65, 137).

Page 24: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 20 de 51

Os elementos objectivos do crime de genocídio estão elencados nas alíneas a) a e),

do artigo 2º, da Convenção, e, do artigo 6º, do ETPI51, sendo aqueles que,

resumidamente, constam da nota de rodapé 21, do presente trabalho, para a qual, e para

evitar aqui repetições inúteis e fastidiosas, tomo a liberdade de remeter.

Vou analisar, no entanto, ainda que brevemente, cada um destes actos típicos de

genocídio, dos quais, os constantes das alíneas a), b) e c), do artigo 6º, do ETPI,

constituem formas dos genocídio físico, enquanto que o acto previsto na alínea d), do

mesmo artigo 6º, do ETPI, pode classificar-se como uma forma de genocídio biológico,

e, a transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo, a que alude a alínea

e), ainda do artigo 6º, do ETPI, como uma forma especial de genocídio cultural, que, de

outro modo, não seria punível52.

É de notar que muito embora as alíneas a), b), d) e e), do artigo 6º, do ETPI, usem

o plural (membros, nascimentos e crianças), basta, para haver crime de genocídio, que

apenas um dos membros do grupo seja afectado pela conduta do agente53.

a) Homicídio de membros do grupo

O artigo 6º-a), do ETPI, exige que o agente cause a morte de pelo menos um dos

membros de um dos quatro grupos protegidos.

b) Ofensas graves à integridade física de membros do grupo

A alínea b), do artigo 6º, do ETPI, exige que o agente cause uma lesão física ou

mental (moral), pelo menos a um dos membros de um dos quatro grupos protegidos.

Como lesões graves à integridade física a jurisprudência internacional tem

entendido as deformações, os danos graves dos órgãos internos e externos, e dos órgãos

dos sentidos, entre outras, como sejam, por exemplo, as agressões sexuais, que são

incluídas nas agressões à integridade física, e também à integridade moral, concedendo-

51 Bem como nos artigos 3º-2, do ETPIJ, e 2º-2, do ETPIR.52 Vou, nesta análise dos actus reus do genocídio, seguir, muito de perto, WERLE, Gerhard, Tratado de

Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, ps. 324 a 332.53 DROST, The Crime of State, Tomo II, Genocide, 1959, p. 86 (citado por WERLE, Gerhard, Tratado de

Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, p. 325).

Page 25: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 21 de 51

se igual importância às consequências físicas das agressões sexuais, e aos efeitos

psíquicos negativos delas decorrentes54.

Não é necessário que a lesão grave da integridade física ou mental seja de grande

duração ou irreversível, muito embora não baste também um pequeno incómodo físico

ou psíquico de curta duração, devendo tratar-se de uma lesão “that results in a grave

and long-term disadvantage to a person´ ability to lead a normal and constructive

life”55.

c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar a sua

destruição física total ou parcial.

A alínea c), do artigo 6º, do ETPI, reporta-se a acções, ou a actos, que não matam

os visados de imediato, mas que podem, a prazo, conduzir à morte dos mesmos visados.

São as chamadas slow death measures. Como exemplos destes tipos de actos podemos

dar a privação de alimentação, de vestuário, de alojamento, de assistência médica e

medicamentosa, de contactos com outras pessoas, etc.

Essas acções ou actos não devem ser utilizados como actos finais em si, caso em

que poderiam constituir, ou constituiriam mesmo, um crime autónomo, mas não um

crime de genocídio, mas sim como um mero meio instrumental para atingir a destruição

física da totalidade ou de parte de um grupo protegido.

d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo.

A medida típica abrangida por esta actuação é naturalmente a esterilização forçada

e obrigatória, sempre com a intenção de destruir o grupo56.

54 Acórdão do TPIR (Akayesu, TC), de 02 de Setembro de 1998, parágrafos 706 e 731, que considerou que as violações e agressões sexuais sofridas, em 1994, no Ruanda, pelas mulheres tutsi (principalmente, porque também algumas mulheres hutu foram abrangidas por esses actos), representavam a pior forma de lesão à integridade física e mental, pois que provocavam nas vítimas, quer danos físicos, quer danos morais.

55 Acórdão do TPIR (Akayesu, TC), de 02 de Setembro de 1998, TPIR, parágrafo 502, e Acórdão do TPIJ (Radislav Kristic, TC), de 02 de Agosto de 2001, parágrafo 503.

56 É esta falta de intenção que leva a que esterilizações forçadas e obrigatórias, levadas a cabo em alguns países super-povoados (exemplo: China), visando reduzir obrigatoriamente a natalidade, mas unicamente por motivos sociais ou económicos, que faz com que essas medidas não constituam o crime de genocídio (além de, naturalmente, os visados com tais medidas não serem escolhidos em função da sua pertença a um qualquer dos quatro grupos protegidos, o que, só por si, afastaria a prática do crime de genocídio, ainda que, o que, repita-se, não é o caso, as esterilizações forçadas e obrigatórias em

Page 26: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 22 de 51

e) Transferência, à força, de crianças de um grupo para um outro grupo.

O artigo 6º-e), do ETPI, tipifica como crime de genocídio a transferência à força

de crianças de um grupo para um outro grupo, naturalmente desde que essa

transferência seja permanente, e vise a destruição do grupo (total, ou, pelo menos,

parcial).

De acordo com os Elementos dos Crimes, as crianças que são abrangidas por esta

disposição, são aquelas que sejam menores de 18 anos, sabendo o agente, ou devendo

saber57, que a pessoa que foi transferida à força de um grupo para outro, tinha menos de

18 anos (artigo 6º-e), números 5 e 6). Retira-se também dos Elementos dos Crimes que

a força a que esta norma se reporta, pode ser física ou moral (nota ao número 1, do

artigo 6º-e), que nos diz que o termo “à força” não se limita à força física, e pode

compreender um acto cometido contra a vítima, ou vítimas, ou terceiras pessoas, como

seja a ameaça do uso da força ou a coação, como sucede, por exemplo, no caso de

ameaça de violências, detenção, pressões psicológicas, abuso de poder, etc), o que

mereceu a concordância do TPIR58.

D - A limpeza étnica e o genocídio.

A expressão ”limpeza étnica” não é um termo jurídico, não constando,

nomeadamente, da Convenção, nem do ETPI (bem como do ETPIJ e do ETPIR)59.

Refere-se a uma situação de facto, consistente na prática de diversos actos,

integrados numa política que visa a expulsão de um grupo étnico de um determinado

território, com a consequente alteração da composição étnica da população desse

território.

causa visassem o extermínio de um determinado grupo, pois que, relembre-se, é condição necessária, embora não suficiente, para haver genocídio, que o grupo cuja destruição se visa seja um dos quatro grupos protegidos pela Convenção, e, agora, pelo ETPI).

57 Consagra-se aqui o conhecimento étnico, que abrange o conhecimento real ou efectivo, e também o desconhecimento com culpa, só se considerando pois verdadeiro desconhecimento, o desconhecimento não culposo, não relevando pois o mero desconhecimento psicológico ou subjectivo, que é, para este efeito, tido por conhecimento.

58 Acórdão do TPIR (Akayesu, TC), de 02 de Setembro de 1998, parágrafo 509, e Acórdão do TPIR (Kayishema y Ruzindana, TC), de 21 de Maio de 1999, parágrafo 118.

59 Este termo de limpeza étnica foi inicialmente usado por jornalistas e políticos tendo também sido utilizado pelo Conselho de Segurança e por outras instituições das Nações Unidas (Petrovic Drazen, in EJL, 1994, p. 342).

Page 27: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 23 de 51

Pode-se dizer que, enquanto o genocídio tem por finalidade um povo, a limpeza

étnica tem por finalidade um território, distinguindo-se a limpeza étnica do genocídio,

na medida em que a exterminação de um grupo protegido, que é o que se visa com o

genocídio, é, na limpeza étnica, um meio eventual, mas não o fim último do processo,

sendo esse fim último a transformação do povoamento de um determinado território60.

Poder-se-á perguntar se as limpezas étnicas, com as características que atrás lhes

ficaram apontadas, constituem um crime de genocídio, uma forma deste, ou qualquer

outra coisa distinta. E, como resposta, dir-se-á que não poderá haver, pelo menos como

regra geral, uma equiparação das limpezas étnicas ao genocídio. E isto porque, se o fim

único, ou mesmo principal, de uma limpeza étnica consistir apenas na expulsão de um

grupo étnico, de um determinado território, sem visar a destruição, ainda que apenas

parcial, de tal grupo étnico, e até sem ser executada com a prática de qualquer um dos

actos típicos elencados nas alíneas a) a e), todas do artigo 6º, do ETPI, então, essas

limpezas étnicas, não poderão, manifestamente, ser consideradas genocídio, por lhes

faltarem, como lhes faltam, as características subjectivas, e até, na hipótese teórica atrás

colocada, as objectivas, isto é, os actus reus, indispensáveis para que ocorra um crime

de genocídio61.

No entanto, isto nem sempre sucederá nas limpezas étnicas, pois que, em muitas

delas, o respectivo autor pretende, não apenas a expulsão de um determinado grupo de

uma dada região, mas também a destruição, ao menos parcial, desse grupo. Nestes

casos, estaremos em presença de um genocídio, desde que o grupo em questão, isto é, o

grupo do qual o agente pretende limpar etnicamente a região em causa, seja um dos

quatro grupos protegidos pelo crime de genocídio, como em geral será, porque se tratará

de um grupo étnico, como do próprio nome limpeza étnica se infere.

Assim, resposta à pergunta que atrás ficou formulada, ou seja, a resposta á questão

de saber se as limpezas étnicas constituem, ou não, um crime de genocídio, uma forma

deste, ou qualquer outra coisa distinta, é apenas esta: depende. E depende de que?

60 STÉPHANE, Rosière, Le netttoyage etnique, Terreur et peuplement, Ellipses, Paris, 2006, p. 24.61 É claro que se trata de uma hipótese meramente teórica, que nunca irá ocorrer na prática, na medida

em que, similarmente ao que sucede com as classes dominantes, e como assinalava já Karl Marx, na sua conhecida obra O Capital, que nunca irão nunca perder esse seu domínio sem resistência (maior ou menor), também não é crível que um grupo étnico aceite, sem qualquer resistência, ser afastado de uma determinada região, onde, por vezes, se encontrava há muitos anos ou mesmo séculos, sendo certo que, para vencer essa resistência vai sempre ser precisa alguma violência (muito embora em Srebrenica não tenha havido praticamente nenhuma resistência, designadamente da 28ª divisão das Forças Armadas bósnias-muçulmanas).

Page 28: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 24 de 51

Naturalmente, do caso concreto em análise, não podendo pois a resposta ser dada, de

uma forma abstracta, e em termos gerais.

E – A necessidade da existência de uma politica de genocídio

Uma questão que se pode colocar é a de saber se, para haver crime de genocídio, é

necessária a existência de uma política de genocídio, política essa em que tal crime se

integre. E a resposta a esta questão, é a de que o crime de genocídio não exige, ao

contrário do que sucede nos crimes contra a humanidade, que exista uma política global,

visando a destruição parcial ou total de um determinado grupo protegido. E isto porque,

no crime de genocídio, o elemento contextual deslocou-se para a mens rea, ao exigir

este tipo de crime, como exige, a intenção específica de destruir, total ou parcialmente,

um grupo protegido62.

É de notar, no entanto que, e repisando o que atrás ficou já dito, a existência de

uma política de genocídio, é muito importante para a prova da intenção genocida.

Assim, e no limite, é admissível que uma só pessoa possa cometer um crime de

genocídio, mediante um único acto, dos previstos no artigo 6º, do ETPI, por exemplo,

um homicídio, desde que ao praticar esse acto (esse homicídio), tenha a intenção de

destruir, total ou parcialmente, o grupo a que a vítima do mesmo acto pertence, e que

esse grupo seja um dos quatro grupos protegidos, sendo ainda indispensável, nos termos

do artigo 30º, do ETPI, que o agente conheça os elementos materiais do crime de

genocídio63.

Esta posição, que era já a do direito consuetudinário internacional, e que é a que

consta do artigo 6º, do ETPI, é, digamos assim, de certa maneira, contrariada pelos

elementos dos crimes.

Na verdade, os elementos dos crimes parecem exigir, para que haja crime de

genocídio, que, similarmente ao que sucede nos crimes contra a humanidade, exista uma

política geral de genocídio. É o que resulta dos elementos dos crimes para os artigos 6º-

62 WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, p. 332, e Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, p.271, Acórdão do TPIR (Kayishema y Ruzindana, TC), de 21 de Maio de 1999, § 94 e Acórdão do TPIJ (Goran Jelisic, TC), de 14 de Dezembro de 1999, § 100.

63 Este caso, embora teoricamente possível, é na prática de verificação muito difícil, para não dizer mesmo impossível, pois que as acções genocidas típicas de cada pessoa, farão, pelo menos em regra, parte de um plano ou de uma política global.

Page 29: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 25 de 51

a) e b), do ETPI, número 4, 6º-c) e d), do ETPI, número 5, 6º-e), do ETPI, número 7,

que rezam assim (tradução minha): “Que a conduta tenha tido lugar no contexto de um

padrão manifesto de conduta similar dirigida contra esse grupo ou que tenha podido por

si mesma causar essa destruição64”.

Por outro lado, nos elementos dos crimes do artigo 6º, do ETPI, a expressão “no

contexto de” e a palavra “manifesta”, são delimitadas e definidas pela forma seguinte:

— a expressão “no contexto de”, incluiria os actos iniciais de uma série de actos

que começa a manifestar-se,

— a expressão “manifesta”, é uma qualificação objectiva.

Acrescentando-se ainda nos elementos dos crimes, para o artigo 6º, do ETPI, que

(tradução minha): “Apesar do artigo 30º, exigir normalmente um elemento de

intencionalidade, e reconhecendo que o conhecimento das circunstâncias geralmente se

terá em conta ao provar a intenção de cometer genocídio, o requisito eventual de que

haja um elemento de intencionalidade relativamente a esta circunstância é algo que terá

que ser decidido pelo tribunal em cada caso particular”.

Os Elementos dos Crimes não esclarecem se os requisitos por eles exigidos, e

atrás mencionados, terão que ser abrangidos pelo dolo do autor, ou se é suficiente a sua

presença objectiva, isto é, e dito de outra maneira, se tais requisitos fazem parte do tipo

do crime, ou se estão fora deste, sendo afinal como que meras condições objectivas de

punibilidade65.

Os requisitos em questão terem que ser abrangidos pelo dolo vai claramente

contra o texto do ETPI, não devendo pois ser levados em consideração, pois que os

elementos dos crimes não podem limitar o aspecto interno dos actos, contra o teor literal

do ETPI63 (artigo 21º-1-a)).

Assim, tais requisitos dos elementos dos crimes devem ser considerados como

requisitos processuais, e não de direito substantivo, que têm como única finalidade e

64 Só vejo uma situação em que uma única conduta, de um só indivíduo, possa causar, por si mesma, isto é, por si só, a destruição, ainda que parcial, mas necessariamente substancial, de um grupo protegido, conduta essa que terá que ser o lançamento de um engenho nuclear.

65 WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, ps. 333 e 334, e Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 271 e 272.

Page 30: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 26 de 51

consequência limitar a competência do TPI, aos casos concretos de genocídio em que

tenha havido uma agressão sistemática, fruto de uma política de genocídio global66.

V – O caso Srebrenica

A – Os factos

Na descrição que de seguida farei dos factos ocorridos em Srebrenica, nos

primeiros dias de Julho de 1995, vou, e até porque não assisti aos mesmos factos, tendo

pois que os colher de alguém, seguir bastante de perto a descrição que de tais factos é

feita por Patricia M. Wald67, descrição esta que aliás se baseia nos factos que ficaram

provados no julgamento do caso Radislav Kristic, ao qual recorrerei também68.

Em Julho de 1995, antes do ataque de que depois foi alvo por parte das forças

bósnios-sérvias, Srebrenica era uma pequena cidade, com cerca de 37.000 habitantes,

situada no leste da Bósnia, a sul de Saraievo, e a uma distância de 15 km da fronteira

entre a Bósnia e a Sérvia.

Nessa altura, a população de Srebrenica era constituída por 73% de bósnios-

muçulmanos, e 25% de bósnios-sérvios, pertencendo os restantes 2% a outros grupos

étnicos, não existindo praticamente tensões entre todas estas comunidades.

A atrás referida localização geográfica de Srebrenica fazia de tal cidade, e da

região em que ela se inseria, um lugar de importância estratégica para os bósnios-

sérvios, que pretendiam unir essa região à Sérvia, para assim constituírem a chamada

Grande Sérvia, com eliminação do rio Drina como sendo a fronteira entre os Estados

Sérvios, pois que, sem essa área, a República Sérvia da Bósnia, não constituiria mais do

que um enclave dentro do território bósnio-muçulmano.

Por razões diversas, a região em causa era também muito importante para os

bósnios-muçulmanos, principalmente tendo em conta que a população de tal região era,

de uma forma largamente maioritária, constituída por elementos desse grupo.

66 WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia, 2005, ps. 333 e 334, e Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser Press, Maio de 2009, ps. 271 e 272.

67 General Radislav Krstic: A War Crimes Case Study, in “GeorgeTown Journal of Legal Ethics”, volume 16, ps. 444-449

68 Para melhor compreensão e localização geográfica dos factos descritos poderão ser consultados os mapas correspondentes aos Anexos números 1 a 5.

Page 31: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 27 de 51

Em 12 de Março de 1993, o general francês Philippe Morrillon, que era então o

comandante das forças da ONU na Bósnia, atravessando as linhas Sérvias, chegou a

Srebrenica, e, vendo o pesadelo do refugiados que aí então se encontravam, declarou

tais refugiados, e, mesmo sem ter para isso permissão dos seus superiores, como

encontrando-se sob a protecção das Nações Unidas.

Em Abril de 1993, tal declaração de Philippe Morrillon, foi, de certa maneira,

confirmada, pois que, através da Resolução do Conselho de Segurança das Nações

Unidas número 819, de 16 de Abril de 1993, Srebrenica, e uma área à sua volta, de

cerca de 30 milhas quadradas, passou a constituir a primeira área protegida pelas

Nações Unidas (United Nations Safe Area), para ficar livre de qualquer ataque armado,

ou de qualquer outro acto hostil, tendo até, oportunamente, entre Ratko Mladić, que era

o comandante das forças bósnias-servias, e Emar Halilovic, que era o comandante das

forças bósnias-muçulmanas, sido estabelecido um acordo, que determinava que o

enclave de Srebrenica fosse uma zona desarmada, e colocada sob a protecção das forças

das Nações Unidas. Forças estas que, em 1995, consistiam em menos de 600 soldados

holandeses, novos, inexperientes e pouco armados, o que contrastava com as forças

armadas bósnias-sérvias na região, compostas por mais de 2.000 soldados, experientes,

treinados e bem equipados, dispondo de tanques e de artilharia.

Em 08 de Março de 1995, Radovan Karadzic, Presidente da auto-proclamada

República Autónoma Sérvia da Bósnia, emitiu uma ordem, autorizando o chamado

Corpo do Drina, das forças armadas dos sérvios da Bósnia (VRS), a capturar a cidade de

Srebrenica, separando-a materialmente da região limítrofe, tendo escrito expressamente

(tradução minha): “…através de acções de combate, diárias, planificadas e bem

conseguidas, criar um clima de insegurança total, e uma situação insuportável, sem

esperança de sobrevivência, para a população de Srebrenica”. Esta era verdadeiramente

uma ordem para limpar etnicamente Srebrenica dos bósnios-muçulmanos, naquilo que

foi interpretado como uma reacção de Radovan Karadzic à pressão internacional para

por fim à guerra na Bósnia, e negociar um acordo de paz69. O que veio a acontecer

alguns meses depois, e, mais precisamente, em 14 de Novembro de 1995, que foi

quando se chegou ao Acordo de Dayton (na base aérea Wright-Patterson, perto de

Dayton, no estado norte-americano do Ohio), acordo esse que foi depois assinado

69 SOUTHWICK, Katherine G., Srebrenica as Genocide? The Krstic Decision and the Language of the Unspeakable.

Page 32: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 28 de 51

formalmente em Paris, no dia 14 de Dezembro de 1995, e que é conhecido como

Acordo de Dayton, ou Protocolo de Paris, através do qual foi estabelecido o quadro

geral para a paz na Bósnia-Herzegovina, com a criação da Federação Bósnia-Croata, ou

federação Muçulmano-Croata, controlada por bósnios-muçulmanos, e da República

Srpska (República Sérvia da Bósnia), dirigida por Sérvios70.

A partir de, mais ou menos, Abril de 1995, as forças bósnias-sérvias, começaram

a impedir a chegada de comboios humanitários a Srebrenica, a cujos habitantes

passaram pois a faltar combustíveis, água, medicação, alimentos, etc.

Em 31 de Maio de 1995, as forças armadas sérvias da Bósnia apoderaram-se

mesmo de um dos postos de observação das forças da ONU.

Em 02 de Julho de 1995, o General Zivanovic, que era o comandante do já atrás

referido Corpo do Drina, das forças armadas sérvias da Bósnia, assinou ordens

definindo os planos de um ataque a Srebrenica, ataque este que foi lançado pela parte

sul do enclave, no dia 06 de Julho de 1995, tendo então milhares de bósnios

muçulmanos fugido para a cidade.

Em 10 de Julho de 1995, por decisão de Radovan Karadzic, foi invadida a própria

cidade de Srebrenica, da qual, os bósnios-muçulmanos, em pânico, começaram a fugir,

uns (as mulheres, as crianças e os idosos, e alguns homens, embora poucos) para as

instalações das Nações Unidas na cidade, ou no exterior desta, a norte dela, na estrada

para Bratunac, em Potocari, enquanto outros (os homens e os rapazes em idade militar),

seguiram, partindo de Susnjari, que era uma localidade vizinha de Srebrenica, e dentro

do enclave protegido, rumo a Tuzla, ao norte de Srebrenica, em território controlado

pelos bósnios-muçulmanos, numa marcha de vários quilómetros (cerca de 40),

efectuada a pé.

O comandante do batalhão holandês da ONU naquela zona, batalhão esse

familiarmente chamado de Dutchbat, que era o coronel Thomas Karremans, pediu, entre

10 e 11 de Julho de 1995, por várias vezes (4 ou 5), apoio aéreo urgente, destinado a

70 Para melhor apreciação da forma como neste Acordo ficou dividida a Bósnia-Herzegovina, poderá consultar-se o anexo 6.

Page 33: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 29 de 51

conter e repelir o ataque das forças bósnio-sérvias sobre Srebrenica, apoio este que não

obteve71 72.

No dia 11 de Julho de 1995, o general Ratko Mladić, chefe do Estado maior das

forças armadas Sérvias da Bósnia, juntamente com o general Zivanovic, com o general

Radislav Kristic, e com muitos outros oficiais da VRS, fizeram uma entrada triunfal na

cidade de Srebrenica, deserta dos seus habitantes (pelo menos, dos habitantes bósnios-

muçulmanos, que eram então cerca de 20.000 pessoas).

Assim, cerca das 16 horas e 15 minutos, ainda desse dia 11 de Julho de 1995, os

soldados bósnios-sérvios chegaram à base da ONU de Potocari.

Nesse mesmo dia 11 de Julho de 1995, ocorreram, sob convocação do general

Ratko Mladić, duas reuniões no Hotel Fontana, em Bratunac, entre o general Ratko

Mladić e o coronel Thomas Karremans, contando a segunda também com a presença do

Senhor Manzic, desempenhando o lugar de representante da população de Srebrenica.

Nessas duas reuniões, bem como numa outra, mais alargada73, que ocorreu no dia

seguinte, 12 de Julho de 1995, cerca das 10 horas, o general Ratko Mladić fez um

ultimato, segundo o qual os bósnios-muçulmanos teriam que depor as suas armas para

71 Rigorosamente não foi bem assim, pois que, ao fim de tantos e tão insistentes pedidos de apoio aéreo, levados a cabo pelo coronel Thomas Karremans, lá surgiu um avião militar da NATO, que lançou uma bomba (uma única bomba) sobre um tanque sérvio, tendo-se de seguida afastado (há também quem diga que não foi apenas um, mas sim dois aviões holandeses F-16, integrados na NATO, e que as bombas lançadas sobre as tropas bósnio-sérvias, foram uma de cada avião, ou seja, duas bombas, o que, na prática, conduz precisamente ao mesmo resultado, de ter sido um só avião, e uma só bomba).

72 Sobre esta questão do apoio aéreo é de referir que há quem entenda ter havido aqui, digamos assim, alguma cumplicidade com os bósnios-sérvios, por parte do general francês Bernard Xavier, que era, na altura o comandante das forças das Nações Unidas na Bósnia, tendo até a International Association for the Prevention of Genocide, Crimes Against Humanity and War Crimes (AICG), baseada no artigo 7º, do ETPIJ, requerido ao TPIJ que fosse alargado ao general Bernand Xavier, a acusação de 16 de Novembro de 1995, contra Ratko Mladić e Radovan Karadzic. E isto, nomeadamente, por tal general francês, aquando dos acontecimentos de Srebrenica de 1995, ter, sucessivamente, recusado o apoio aéreo solicitado pelo comandante das forças holandesas da ONU, o coronel Thomas Karremans, recusa esta fundamentada em vários argumentos, que incluíram a pouca visibilidade, a falta de combustível dos aviões, e até o pedido de intervenção aérea não ter sido feito pelo Dutchbat no impresso próprio para o efeito, e, quando, finalmente, cerca das 12 horas e 05 minutos, do dia 11 de Julho de 1995, o general Bernard Xavier autorizou a intervenção aérea, que havia sido novamente pedida no impresso adequado, tal intervenção aérea se ter limitado, como se limitou, ao lançamento de uma ou de duas bombas sobre os bósnios-sérvios, o que não teve qualquer influência, por mínima que tivesse sido, no avanço destes sobre Srebrenica (embora também se admita que os bombardeamentos cessaram tão rapidamente porque os bósnios-sérvios ameaçaram, caso essa cessação se não verificasse, matar alguns soldados holandeses que entretanto tinham feito reféns, e até bombardear a base de ONU de Potocari, onde se encontravam já então milhares de refugiados bósnios-muçulmanos).

73 Nela tomaram parte o general Mladić, o general Kristic, o coronel Popovic, todos das forças bósnio-sérvias, os representantes do Dutchbat, o Senhor Manzic, e mais dois outros representantes da população de Srebrenica, a Senhora Olmanovic, que era economista, e o Senhor Nuhanovic, que era um homem de negócios.

Page 34: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 30 de 51

garantir as suas vidas, tendo até tal general chegado a afirmar, referindo-se aos bósnios-

muçulmanos (tradução minha): “Alá não vos pode ajudar mas Mladić pode”.

Insistiu também Mladić, que os 15.000 a 20.000 refugiados bósnio-muçulmanos,

que então se encontravam em Potocari, deveriam abandonar o enclave, deslocando-se

para o território da Bósnia controlado pelos bósnios-muçulmanos, em autocarros que os

bósnios-sérvios forneceriam, devendo contudo as forças da ONU providenciar para

arranjar o combustível necessário.

É de notar, e refiro isto aqui por que a tal pormenor o TPIJ, como adiante melhor

veremos, atribuiu uma valoração significativa, que, aquando uma das reuniões atrás

referidas no Hotel Fontana, o general Ratko Mladic mandou matar, no exterior do

edifício, mas próximo deste, através de facadas na garganta, um suíno, de forma a que

os gritos do animal pudessem ser ouvidos pelas pessoas presentes na reunião, com vista

a atemorizá-las74.

No dia 12 de Julho de 1995, diversos autocarros, providenciados pelos bósnio-

sérvios, chegaram efectivamente ao local (Potocari), para transportarem esses

refugiados bósnios-muçulmanos, para território bósnio-muçulmano, a Norte de

Srebrenica, separando-se contudo todos os homens (que, como atrás disse já, eram

poucos, pois que o grosso dos homens e rapazes em idade militar haviam seguido numa

coluna a pé rumo a Tuzla), com idades compreendidas entre os 12 e os 77 anos (há

quem diga que o intervalo etário era antes os 16 e os 60 anos), sob o argumento, usado

pelos bósnios-sérvios, de que tais homens teriam que ser interrogados para identificar

criminosos de guerra bósnios-muçulmanos. Estes transporte e separação encontram-se

até registados em vídeo, filmado por um jornalista sérvio, a quem o general Radislav

Kristic concedeu uma entrevista, cerca do meio-dia, do dia 12 de Julho de 1995. Nesse

vídeo, vêem-se também sacos e coisas abandonadas, que eram alguns bens, que os

homens que se vieram refugiar em Potocari, transportavam consigo, e que as forças

bósnios-sérvias lhes ordenaram que abandonassem, tendo tais coisas sido depois todas

queimadas.

A situação dos bósnios-muçulmanos refugiados a Potocari era, como consta do

julgamento de Radislav Kristic, dramática. Na verdade, em poucos edifícios,

74 Na verdade, são bastante impressionantes os gritos destes animais a serem mortos por tal forma (facadas na garganta), como bem sabem todos aqueles que já assistiram à tradicional “matança do reco”, levada a cabo no Norte de Portugal.

Page 35: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 31 de 51

encontravam-se concentradas entre 15.000 a 20.000 pessoas, num ambiente

extremamente quente (estávamos em pleno verão), com violações e assassinatos, tendo

até havido um bombardeamento, que matou algumas pessoas, sem água e sem

alimentos, a não ser alguns bombons, que o general Mladić lançava para elas, para nessa

atitude ser filmado pelas câmaras, bombons esses que, diz-se, ele general Mladic,

recuperava depois, logo que as câmaras se afastavam.

Ao fim da tarde do dia 13 de Julho de 1995, todas as mulheres, todas as crianças e

todos os idosos, tinham sido transferidos do enclave de Srebrenica para território da

Bósnia, controlados pelos bósnios-muçulmanos.

Os homens bósnios-muçulmanos, com idades compreendidas entre os 12 e 77

anos (ou entre 16 e 60 anos, segundo outros), foram sistematicamente separados das

mulheres, das crianças e dos idosos, e conduzidos para uma casa, conhecida como

White House, a poucos metros da base das Nações Unidas de Potocari, não tendo sido

autorizados a levar consigo os seus poucos pertences, nem sequer os seus documentos.

Alguns desses homens foram logo levados para as traseiras da White House, e mortos

ali mesmo, enquanto outros foram transportados para diferentes locais de detenção,

situados designadamente em Bratunac, locais de detenção esses que eram autocarros,

escolas, hangares, campos de futebol, etc.

Alguns homens, com idades compreendidas entre os 12 e 77 anos (ou entre os 16

e 60 anos), que, de uma forma ou de outra, haviam conseguido entrar nos autocarros que

transportavam as crianças, as mulheres e os idosos, do enclave de Srebrenica, para o

território bósnio, controlado pelos bósnios-muçulmanos, foram retirados desses

autocarros, num controle aos mesmos autocarros efectuado à saída do território bósnio

dominado pela VRS, e reconduzidos para os lugares de detenção atrás referidos.

Entretanto, a coluna de homens que havia também saído do enclave de Srebrenica

com destino a Tuzla, situada no território bósnio controlado pelos bósnios-muçulmanos,

coluna essa à frente da qual se encontrava a maior parte das forças armadas bósnio-

muçulmanas, da 28ª divisão, procurava atravessar a floresta e a estrada que conduz de

leste a oeste de Bratunac a Konjevic-Poljc.

A coluna contava cerca de 10.000 a 15.000 pessoas, um terço das quais,

Page 36: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 32 de 51

compreendendo cerca de 3.000 homens da 28ª divisão bósnio-muçulmana, conseguiu

passar, tendo os primeiros deles, chegado, no dia 16 de Julho de 1995, ao território

controlado pelos bósnios-muçulmanos.

Os restantes, sujeitos a bombardeamentos e a tiros de armas automáticas dos

bósnios-sérvios, morreram, foram capturados, ou então renderam-se, por vezes, a

pretensos soldados das forças da ONU, mas que mais não eram do que membros das

forças armadas bósnio-sérvias, utilizando equipamentos que haviam roubado ao

Dutchbat.

Alguns desses homens bósnio-muçulmanos forma mortos de imediato, tendo

contudo a maior parte deles sido conduzida para locais de reagrupamento e de detenção,

como um prado em Sandici, ou um campo de futebol em Nova Kasaba.

Houve, no entanto, um outro grupo de homens que teve melhor sorte, na medida

em que, através de negociações com as forças bósnio-sérvias, tal grupo foi autorizado a

seguir o seu caminho para o território da Bósnia controlado pelos bósnios-muçulmanos,

onde chegou a salvo75.

Desta maneira, os bósnios-sérvios capturaram milhares de homens bósnio-

muçulmanos, dos quais, cerca de 7.000 a 8.000, foram, entre 13 e 19 de Julho de 1995,

mortos pelas forças bósnio-sérvias, em execuções sumárias e maciças.

Alguns dos homens bósnios-muçulmanos capturados sobreviveram, tendo podido

testemunhar depois perante o TPIJ, onde unanimemente consideraram que só por grande

milagre escaparam às execuções em massa que ocorreram nesses dias de Julho de 1995.

Em 16 de Julho de 1995, e após negociações com os bósnios-sérvios, o Dutchbat,

foi autorizado finalmente a abandonar Srebrenica, deixando contudo para trás armas,

alimentos e medicamentos76.

75 Este facto, que foi utilizado pela defesa de Radislav Kristic para afastar a intenção deste de destruir um grupo protegido, não foi valorizado pelo Tribunal (TPIJ).

76 No dia 05 de Julho de 2011, um Tribunal de Recurso Holandês, reconheceu a responsabilidade do Estado Holandês aquando do massacre de Srebrenica de 1995, tendo o Tribunal sido convocado por mais 6.000 parentes das vítimas, que apontavam à Holanda não ter conseguido impedir o massacre. Esta decisão inverteu uma decisão do Tribunal de 1ª Instância Holandês, que, em 2008, havia julgado não poder o Estado holandês ser responsabilizado pelas acções ou omissões do contingente holandês, destacado em Srebrenica em 1995. É ainda de referir, a este propósito, que, em 17 de Abril de 2002, isto é, cerca de 7 anos depois do massacre de Srebrenica, o governo holandês, então presidido pelo primeiro-ministro Wim Kok, se demitiu em bloco, na sequência de um relatório, publicado no dia 10 de Abril, pelo Instituto Holandês da Documentação Sobre a Guerra, relatório este que atenuou a responsabilidade dos cerca de 600 capacetes azuis holandeses, encarregados de proteger, em 1995, o enclave de Srebrenica, mas pôs em causa os políticos, que acusou de terem então enviado os soldados holandeses para uma missão impossível.

Page 37: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 33 de 51

É de referir que o coronel Thomas Karremans, se referiu ao ataque de Srebrenica,

como sendo uma operação militar excelentemente planeada, sem nunca ter feito

qualquer referência, por mínima que tivesse sido, a qualquer atrocidade, enquanto que o

diplomata japonês Yasushi Akashi, que era o chefe da missão da ONU na Bósnia,

falhou em transmitir a prova das atrocidades. Prova esta que foi difícil de produzir

perante o Tribunal, pois que, no Outono de 1995, foram, pelos bósnio-sérvios, tomadas

medidas para ocultar a amplitude do massacre atrás referido. Assim, uma parte

importante da prova produzida no TPIJ, consistiu em fotografias aéreas, através das

quais se pôde constatar que havia fossas comuns mais antigas e outras mais recentes,

situando-se estas sempre em regiões de acesso ainda mais difícil do que as primeiras,

concluindo-se que as segundas fossas foram abertas posteriormente aos assassinatos, e

para nelas serem colocados corpos retirados das primeiras fossas onde haviam sido

enterrados, não tendo havido qualquer cuidado nas deslocações desses corpos, muitos

dos quais foram encontrados nas segundas fossas sem membros.

Dúvidas não pode haver pois de uma vontade deliberada de esconder as fossas

comuns, para ocultar as execuções maciças de civis.

B – O caso Radislav Kristic (TPIJ)

B.1 – A acusação

No caso Radislav Kristic, os procuradores do TPIJ, Graham T. Blewitt (acusação

inicial de 30 de Outubro de 1998) e Carla del Ponte (acusação modificada de 27 de

Outubro de 1999), acusaram Radislav Kristic de, e com atinência aos atrás referidos

factos ocorridos em Srebrenica, ter cometido, além de outros crimes (crimes contra a

humanidade e crimes de guerra), também o crime de genocídio, como autor (artigos 4-

3º-a), 7-1º e 7-3º, todos do ETPIJ), ou então, e alternativamente, como cúmplice (artigos

4-3º-e), 7-1º e 7-3º, todos do ETPIJ). E isto, em virtude de, segundo a acusação,

Radislav Kristic, com a intenção especifica de destruir uma parte da população

muçulmana da Bósnia, enquanto grupo nacional, étnico ou religioso, ter assassinado, e

causado lesões graves à integridade física ou mental, a diversos membros desse grupo, e

planificado, incitado a que fosse cometido, ordenado, ou, por qualquer outra forma,

Page 38: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 34 de 51

ajudado e encorajado, a planificação, a preparação ou a execução dos homicídios, e as

execuções em massa, dos homens muçulmanos da Bósnia, capturados pelo pessoal

militar da VRS, na zona protegida de Srebrenica, no ano de 1995, bem como de não ter

punido os seus subordinados da VRS, que cometeram os homicídios e as execuções em

massa atrás referidos. Acrescendo ainda que Radislav Kristic, e as unidades militares

colocadas sob o seu comando, participaram num esforço organizado e exaustivo,

procurando dissimular os homicídios e as execuções maciças em causa, enterrando os

cadáveres das vítimas em locais isolados, e espalhados através de uma vasta região,

tendo, posteriormente, e quando se tornou evidente que a comunidade internacional

tinha tomado conhecimento dos homicídios e das execuções maciças que se seguiram ao

ataque da zona protegida de Srebrenica, Radislav Kristic, e as unidades colocadas sob o

seu comando, participado numa segunda tentativa para dissimular os homicídios e as

execuções maciças em causa, exumando os corpos das fossas comuns iniciais, onde

tinham sido inumados, e transferindo-os para outras fossas, onde tais corpos foram

reinumados.

B.2 – A defesa de Radislav Kristic

A defesa de Radislav Kristic não contestou os factos, constantes da acusação, de

que as forças bósnias da Sérvia visaram os bósnios-muçulmanos de Srebrenica, em

idade de combater, mas sublinhou ser precisamente desse facto que se podia retirar não

ter havido crime de genocídio, qualquer que tivesse sido a amplitude dos homicídios

cometidos. E isto, não só porque as mulheres, as crianças e os idosos de Srebrenica,

foram transferidos para outra região da Bósnia, controlada pelos bósnios-muçulmanos, e

não mortos, mas também porque, mesmo uma significativa parte da coluna de bósnios-

muçulmanos homens em idade militar, que seguia de Srebrenica para Tuzla, foi, pelos

bósnios-sérvios, e após negociações, autorizada a seguir o seu destino, que atingiu a

salvo. Ou seja, segundo a defesa, nem sequer se pode dizer que o conjunto dos homens

bósnios-muçulmanos de Srebrenica em idade de combater foi visado, pois que deles, um

número significativo, foi autorizado a seguir o caminho que tinha escolhido seguir.

Acrescentou ainda a defesa que, mesmo que assim fosse, isto é, mesmo que tivesse

havido a intenção de destruir todos os homens bósnios de Srebrenica em idade de

Page 39: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 35 de 51

combater, isso não preencheria a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo

enquanto tal, no sentido do artigo 4º-2, do ETPIJ.

Ou seja, a defesa parece ter reconhecido ter havido uma limpeza étnica em

Srebrenica, para de tal cidade retirar todos os bósnios-muçulmanos, e que na verdade

foram mortos cerca de 8.000 homens bósnios-muçulmanos, em idade de combater, mas

defendeu que isso não ocorreu com o objectivo de destruir o grupo dos bósnios-

muçulmanos da Bósnia, ou mesmo o dos bósnio-muçulmanos de Srebrenica, mas

apenas para evitar que esse grupo de homens se reorganizasse posteriormente, e viesse

depois atacar os bósnios-sérvios, em Srebrenica, ou em qualquer outro ponto da Bósnia,

ou mesmo da própria Sérvia, tendo-se pois tratado de uma opção puramente militar.

B.3 – A posição do TPIJ

Esta argumentação da defesa de Radislav Kristic, não encontrou eco no TPIJ.

Realmente, tal Tribunal afastou, um a um, os argumentos de Radislav Kristic,

considerando que se verificavam os elementos objectivos do crime de genocídio, e

também o elemento subjectivo de tal crime, ou seja, a intenção de destruir parcialmente

o grupo dos bósnios-muçulmanos da Bósnia, parte essa correspondente aos bósnios-

muçulmanos de Srebrenica.

E isto porque, em linhas gerais, o Tribunal considerou que a decisão de matar

todos os homens bósnios-muçulmanos de Srebrenica em idade de combater, teria um

grande impacto sobre a sobrevivência do grupo dos bósnios-muçulmanos de Srebrenica,

grupo esse que, amputado dessa sua significativa parte, não se poderia jamais

reconstituir. Considerou pois o Tribunal que as acções dos bósnios-sérvios

ultrapassaram a limpeza étnica, e chegaram ao genocídio, pois que destruíram uma parte

significativa do grupo dos bósnios-muçulmanos da Bósnia, parte significativa essa

correspondente aos bósnios-muçulmanos de Srebrenica. Parece assim ter o Tribunal

considerado a existência da figura da limpeza étnica, como sendo uma figura próxima

da do genocídio, mas qualitativamente diferente, e quantitativamente menor.

O facto de não ter sido demonstrado que existisse qualquer plano genocida antes

do ataque a Srebrenica, nem mesmo imediatamente antes da queda da cidade nas mãos

dos bósnios-sérvios, foi considerado pelo Tribunal, louvando-se na decisão da Câmara

Page 40: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 36 de 51

de recurso do TPIJ, no caso Jelisic77, não ser impeditivo da existência de um genocídio,

não sendo também indispensável, que, se tal plano genocida existisse, um certo período

de tempo tivesse que decorrer entre a concepção desse plano e a execução do mesmo.

Em seguida, isto é, depois de definir que ocorreu um crime de genocídio em

Srebrenica, em Julho de 1995, o Tribunal passou à análise da culpabilidade do general

Radislav Kristic, quanto à prática de tal crime, como autor, culpabilidade esta que

Radislav Kristic, negava, muito embora aceitasse ter estado presente ao lado do general

Ratko Mladić, na altura da queda da cidade de Srebrenica, nas mãos dos bósnios-

sérvios, bem como nas duas ou três reuniões que tiveram lugar no Hotel Fontana, em

Bratunac, reconhecendo ainda ter sido comandante adjunto, primeiro, e depois,

comandante do Corpo do Drina, cuja competência geográfica cobria a totalidade do

território sobre o qual se desenrolaram os acontecimentos em questão.

Argumentou contudo o general Radislav Kristic, que não tinha pessoalmente

cometido qualquer crime, e que também não podia ser responsável enquanto superior

hierárquico.

E isto, porque o ataque a Srebrenica, em cuja preparação o general Radislav

Kristic, aceitou ter participado, não era ilegal enquanto tal, e igualmente porque só se

tornou comandante do Corpo do Drina, em 20 de Julho de 1995, ou seja, quando as

execuções em massa dos bósnios-muçulmanos já tinham terminado, só tendo até

tomado conhecimento de tais execuções maciças depois dessa data, o que sucedeu em

virtude de ter sido encarregado pelo general Ratko Mladić, e a partir do dia 13 de Julho

de 1995, de lançar um ataque sobre a cidade de Zepa, noutro lugar da Bósnia, para onde

teve que mudar o seu posto de comando.

Por último referiu nunca ter participado na exumação e na reinumação dos

cadáveres dos bósnios-muçulmanos executados.

O Tribunal, não deu qualquer razão a estes argumentos, realçando, entre outras

situações, também a consistente em não haver um só soldado que fosse do Corpo do

Drina que tivesse sido punido pelo homicídio de um ou de mais bósnios-muçulmanos de

Srebrenica. Quanto à exumação dos cadáveres o Tribunal aceitou que o general

Radislav Kristic não tivesse nela participado pessoalmente, mas considerou que tais

operações, e dados os meios importantes para elas necessários, designadamente grandes

77 Acórdão do TPIJ (Goran Jelisic, TC), de 14 de Dezembro de 1999, § 100.

Page 41: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 37 de 51

camiões, não podiam ter sido efectuadas sem a autorização, ou, pelo menos, sem

conhecimento, do general Radislav Kristic.

Condenou pois o Tribunal o general Kristic pela prática, como autor, de vários

crimes, incluindo o crime de genocídio, por destruição parcial do grupo protegido dos

bósnios-muçulmanos da Bósnia, parte esse correspondente aos bósnio-muçulmanos de

Sebrenica, numa pena de prisão de 45 anos.

A decisão do TPIJ foi tomada por unanimidade.

B.4 – O recurso.

Inconformados com a decisão da 1ª Instância, dela recorreram a acusação e o

condenado.

No que toca ao recurso da acusação, ele não se relacionou com o crime de

genocídio em si mesmo, mas, essencialmente, com a medida da pena, pelo que não

farei, a tal recurso, mais do que esta breve referência.

Já no que tange ao recurso da defesa de Radislav Kristic, ele apoiou-se em quatro

motivos, dois dos quais, que vou desenvolver um pouco, atinentes ao crime de

genocídio, e a saber:

Em primeiro lugar, Radislav Kristic, manifestou-se contra a decisão da 1ª

Instância, segundo a qual um genocídio foi cometido em Srebrenica. Manifestação essa

que repousou em, por um lado, na visão dele Radislav Kristic, a 1ª Instância ter dado, da

parte do grupo nacional, que, segundo o Tribunal, ele Radislav Kristic tinha a intenção

de destruir, uma definição demasiada restrita, tendo, pelo contrário, a 1ª Instância

alargado abusivamente a definição de genocídio, ao concluir que os esforços

desenvolvidos para deslocar uma comunidade do seu lugar de residência tradicional, são

suficientes para provar que o autor presumido do crime tinha na verdade a intenção de

destruir um grupo protegido.

O Tribunal de recurso recusou estes dois argumentos de Radislav Kristic.

Quanto ao primeiro, o Tribunal de recurso considerou que o grupo protegido era o

grupo dos bósnios-muçulmanos da Bósnia, e a parte deste, que Radislav Kristic tinha a

intenção de destruir, era o grupo dos bósnios-muçulmanos de Srebrenica, tendo o

Tribunal de 1ª Instância partido da destruição dos homens em idade de combater, apenas

Page 42: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 38 de 51

para concluir que Radislav Kristic, e os restantes membros do Estado-maior da VRS,

tinham a intenção, exigida pelo artigo 4º, do ETPIR, de destruir todos os bósnios-

muçulmanos de Srebrenica, e não para considerar como parte do grupo destruído os

homens em idade de combater de Srebrenica.

Do mesmo modo, o Tribunal de recurso concluiu também que os membros do

Estado-maior principal da VRS, ao cometerem os actos que cometeram, tinham a

intenção específica de destruir os bósnios-muçulmanos de Srebrenica, que era uma parte

do grupo protegido dos bósnios-muçulmanos da Bósnia.

Ou seja, o Tribunal de recurso concluiu, tal como o Tribunal de 1ª Instância, que

os actos praticados em Srebrenica pelas forças da VRS, se traduziram na prática de um

crime de genocídio, tal como ele era tipificado pelo ETPIJ.

Em segundo lugar, argumentou Radislav Kristic que não se encontrava provado

nos autos que ele tivesse, directamente, levado a cabo a morte de nenhum bósnio-

muçulmano, nem que tivesse ordenado nenhuma de tais mortes.

E, neste ponto, o Tribunal de recurso deu razão a Radislav Kristic.

Realmente, segundo o Tribunal de recurso, as provas constantes dos autos apenas

permitiam estabelecer que Radislav Kristic sabia que os homicídios haviam sido

cometidos, e que os facilitou, permitindo a utilização de homens e de meios, que

estavam colocados sob o comando dele Radislav Kristic.

Assim, considerou o Tribunal de recurso, que Radislav Kristic não era autor do

crime de genocídio em causa, mas um cúmplice dele, entendendo que um acusado pode

ser declarado culpado de cumplicidade num crime, que, como o de genocídio, pressupõe

uma intenção específica, designadamente a de destruir um grupo protegido, mesmo sem

que os autores principais desse crime tenham sido julgados ou sequer identificados78.

Em consequência, e muito embora com a opinião parcialmente dissidente do Juiz

Shahabuddeen, o Tribunal de recurso anulou a declaração de culpabilidade, pronunciada

pelo Tribunal de 1ª Instância, contra Radislav Kristic, pela prática, como autor, de um

crime de genocídio, substituindo-a por uma declaração de culpabilidade por

cumplicidade de genocídio, o que levou à redução de Radislav Kristic da pena para 35

anos de prisão, que o condenado está a cumprir numa prisão de Inglaterra.

78 Louvou-se o Tribunal de recurso no caso Vasiljevic (Acórdão do TPIJ, de 29 de Novembro de 2002), no qual o Tribunal de apelação declarou o acusado culpado de cumplicidade de perseguições, e sem ter julgado o autor principal presumido de tal crime, e sem ter sequer identificado dois co-autores presumidos do mesmo crime.

Page 43: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 39 de 51

C – O caso Bósnia-Herzegovia contra Sérvia e Montenegro (TIJ)

Neste caso, que é relativo à apreciação da Convenção, e que foi colocado pela

Bósnia-Herzegovia contra a Sérvia e Montenegro, perante o Tribunal Internacional de

Justiça (TIJ), este, independentemente de tudo mais, nomeadamente, daquilo que

decidiu quanto à responsabilidade da Sérvia e Montenegro, designadamente à luz da

Convenção e/ou do Projecto de Artigos Sobre a Responsabilidade Internacional do

Estado, o que, para a nossa análise, não tem interesse, considerou, apoiando-se para isso

nas decisões do TPIJ, no caso de Radislav Kristic, que os actos cometidos em

Srebrenica, no verão de 1995, tipificavam a prática do crime de genocídio79.

VI – Conclusão

De tudo o que atrás ficou exposto, resulta que o crime de genocídio é um crime

único, na medida em que tem a característica própria de se centrar num forte elemento

subjectivo, de prova normalmente difícil, consistente em o agente ter que praticar os

actos materiais de tal crime, que são os taxativamente elencados nas alíneas a) a e), do

artigo 2º, da Convenção, e nas alíneas a) a e), do artigo 7º, do ETPI80.

Por outro lado, o objecto do crime está limitado a quatro grupos protegidos, que

são: o grupo nacional, o grupo étnico, o grupo religioso e o grupo rácico.

Por vezes, tem-se procurado alargar, interpretativamente, os grupos protegidos

(como sucedeu, por exemplo, no TPIR), bem como reduzir a exigência da intenção

específica, que constitui o atrás referido elemento subjectivo do tipo, permitindo que,

além do dolo directo, também ele fique preenchido com o dolo necessário ou com o

dolo eventual, e ainda possibilitar que determinados actus reus sejam realizados com

dolo necessário ou com dolo eventual, prescindindo-se, para tais actus reus, do dolo

directo.

Essa interpretação extensiva, e essa diminuição de exigência, quanto ao elemento

mental do crime de genocídio, e a alguns dos actus reus, será, eventualmente,

79 Acórdão do TIJ, de 18 de Julho de 1996, e Acórdão do TIJ, de 26 de Fevereiro de 2007.80 E também nas alíneas a) a i), do artigo 5º, do ETPIJ, e nas alíneas a) a e), do número 2, do artigo 2º, do

ETPIR.

Page 44: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 40 de 51

susceptível de aumentar o número de casos que podem ser considerados como crime de

genocídio.

A meu ver, esse alargamento, que, pelo menos prima facie, poderia ser

considerado como útil, pode revelar-se, de certa maneira, perigoso, por poder conduzir a

uma descaracterização do crime de genocídio, levando a que ele deixe de ser

considerado como o mais grave dos crimes internacionais, ou mesmo o mais grave de

todos os crimes, ou seja, e como alguns lhe chamam “o crime dos crimes”, ou, quase ia

a dizer, “o rei dos crimes”.

Entendo pois que os requisitos do crime de genocídio devem manter-se apertados,

para que ele possa conservar os epítetos que atrás referi, e que, tradicionalmente, são

dele.

E isso não trás grande inconveniente, na medida em que, para os actos, também

muito graves, mas que não tenham as características rigorosamente definidas para o

crime de genocídio, lá estão os outros crimes, como sejam, por exemplo, o crime

internacional contra a humanidade, ou mesmo os crimes de direito interno.

A limpeza étnica, que não tem consagração jurídica, pois que não consta,

nomeadamente, da Convenção, e do ETPI, nem também, do ETPIJ e do ETPIR, embora

a expressão seja utilizada pelo Concelho de Segurança, e por outras Instituições das

Nações Unidas, consiste na prática de diversos actos, integrados numa política, que tem

por fim a expulsão de um grupo étnico de um determinado território, com o objectivo de

alterar a composição étnica da população desse território, visando a limpeza étnica o

território, enquanto que o genocídio visa um grupo populacional.

No caso de Srebrenica, pese embora as já atrás referidas decisões do TPIJ, e do

TIJ, de terem considerado, como consideraram, que houve crime de genocídio, tenho

para mim que se tratou antes de uma limpeza étnica, pois que o que os bósnios-sérvios

(Ratko Mladic, Radovan Karadzic, Radislav Kristic, e outros) pretendiam, era, não tanto

eliminar o grupo dos bósnios-muçulmanos da Bósnia, nem os bósnios-muçulmanos de

Srebrenica, mas sim afastar estes da região, que queriam ligar à Sérvia, não parecendo

que tivessem qualquer problema em que esses bósnios-muçulmanos se mantivessem

vivos em qualquer outra parte do mundo, nomeadamente na própria Bósnia, desde que

não nas zonas da Bósnia, que eles bósnios-sérvios pretendiam que fossem integradas na

Page 45: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 41 de 51

República Sérvia da Bósnia81.

Termino, referindo o seguinte:

No final da 2ª Guerra Mundial, a produtora cinematográfica norte-americana

Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), convidou o soldado norte-americano que, durante o

conflito, havia recebido mais condecorações, para intervir num filme realista, relativo

aos actos que haviam motivado tais condecorações, filme este que aquela empresa da

Sétima Arte queria apresentar ao público, como traduzindo situações reais, ocorridas na

guerra. Desistiu depois da ideia, por considerar que os espectadores não iriam acreditar

que se tratava de situações verdadeiras, tão inverosímeis elas eram.

É muitas vezes assim, pois que, frequentemente, a realidade ultrapassa a ficção.

Foi o que aconteceu em Srebrenica.

81 O recentemente eleito Presidente da Sérvia, Tomislav Nikolic, numa declaração que, partindo de onde partiu, se pode considerar polémico, proferida no dia seguinte à sua tomada de posse, embora reconhecendo que, no verão de 1995, um grande crime foi cometido por sérvios em Srebrenica, sérvios esses que era necessário encontrar, julgar e punir, defendeu que não se tratou de um crime de genocídio (vide o jornal francês Le Monde, de 01 de Junho de 2012).

Page 46: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 42 de 51

Page 47: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 43 de 51

Fontes Informativas

Bibliografia

AKSAR, Yusuf, The “victimized group” Concept in the Genocide Convention and the

development of International Humanitarian Law trough the Practice of ad hoc

Tribunals in “Journal of Genocide Research”, n.5, vol.2, 2003

BLACK, Edwin, A IBM e o Holocausto, Editora Campus, Rio de Janeiro, 2001

Boas, Mariana Vilas, A intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional,

étnico, racial ou religiosos, enquanto tal, “Trabalho realizado no âmbito da cadeira de

Direito Internacional Criminal, integrada no Mestrado de Direito Criminal da Faculdade

de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto”.

CAMPOS, Paula Drumond Rangel, A norma internacional de genocídio: vícios e virtudes

da Convenção de 1948, in “Boletim do Núcleo de Direitos Humanos da Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro”, n.º 2, Janeiro/Dezembro, 2006

CAMPOS, Paula Drumond Rangel, em o Crime Internacional de Genocídio: Uma

Análise da Efectividade da Convenção de 1948 no Direito Internacional, consultável no

sítio: www.cedin.com.br

CARAÇA, Bento de Jesus, Galileo Galilei. Valor científico e valor moral da sua obra”.

“A Cultura Integral do Individuo – Conferências e Outros Escritos”, 3ª edição, Gradiva,

Lisboa, 2008.

CARVALHO, Américo Taipa de, Direito Penal. Parte Geral, 2ª edição, Coimbra Editora,

Coimbra, 2008.

CASSESE, Antonio, International Criminal Law, 2ª edição, Oxford University Press,

Abril de 2008.

Page 48: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 44 de 51

DROST, The Crime of State, Tomo II, Genocide, 1959.

LEMKIN, Raphael, Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation – Analysis of

Govermment – Proposals for Redress, Carnegie Endowment for International Peace,

Washington, D.C., 1944.

LEMKIN, Raphael Axis Rule in Occupied Europe: Laws of Occupation – Analysis of

Govermment – Proposals for Redress, 2ª edição, Lawbook Exchange, Ltd, Clark, New

Jersey, 2008.

LOMBOIS, Claude, Droit Penal International, Dalloz, Paris, 1971.

MELO, Celso Duvivier de Albuquerque Curso de Direito Internacional Público, 14ª

edição, Volume II, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2002.

PAIS, Ana Isabel Rosa, O Crime de Genocídio: Algumas Considerações, “Direito Penal

Hoje Novos desafios e Novas Respostas”, Coimbra Editora, Coimbra, 2009.

PLANZER, ANTÓNIO, Le crime de genocide, F. Shwald, 1956.

POWER, Samantha, A Problem From Hell, Perrenial, 2003.

SHAH, Sonali B., THE OVERSIGHT OF THE LAST GREAT INTERNACIONAL

INSTITUTION OF THE TWENTIETH CENTURY: THE INTERNACIONAL CRIMINAL

COURT´S DEFINITION OF GENOCIDE, in “Emory International Law Review”,

Volume 16, 2002.

SINATRA, Cynthia, The International Criminal Tribunal for the Former Yugoslavia and

the Application of Genocide, in “International Criminal Law Review 5, 2005.

SOUTHWICK, Katherine G., Srebrenica as Genocide? The Krstic Decision and the

Language of the Unspeakable

Page 49: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 45 de 51

STÉPHANE, Rosière, Le netttoyage etnique, terreur et peuplement, Ellipses, Paris, 2006.

Triffterer, Otto, Concept in the Genocide Convention and the development of

International Humanitarian Law trough the Practice of ad hoc Tribunals in “Journal of

Genocide Research”, n.5 vol.2, 2003.

Triffterer, Otto, Genocide, Its Particular Intente to Destroy in Whole or in Part the

Group as Such, 14, Leiden Journal of Internacional Law.

VYVER, Johan D. van der, 23 Fordham Int´I L.J. 286 1999-200).

WALD, Patricia M., General Radislav Krstic: A War Crimes Case Study, in

“GeorgeTown Journal of Legal Ethics”, volume 16.

WERLE, Gerhard, Principles of International Criminal Law, 2ª edição, T M C Asser

Press, Maio de 2009.

WERLE, Gerhard, Tratado de Derecho Penal Internacional, Tirant Lo Blanch, Valencia,

2005.

Jurisprudência

Acórdão do STJ (Salvador da Costa), de 15/06/2005 - Processo 05B3853

Acórdão do TIJ (Bosnia-Herzegobina contra Sérvia-Montenegro, TC), de 11 de Julho

de 1996

Acórdão do TIJ (Bosnia-Herzegobina contra Sérvia-Montenegro, AC), de 27 de

Fevereiro de 2007

Acórdão do TPIJ (Goran Jelisic, TC), de 14 de Dezembro de 1999

Page 50: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 46 de 51

Acórdão do TPIJ (Goran Jelisic, AC), de 05 de Julho de 2001

Acórdão do TPIJ (Radislav Kristic, TC), de 02 de Agosto de 2001

Acórdão do TPIJ (Vasiljevic), de 29 de Novembro de 2002.

Acórdão do TPIJ (Radislav Kristic, AC), de 19 de Abril de 2004

Acórdão do TPIR (Akayesu, TC), de 02 de Setembro de 1998

Acórdão do TPIR (Kayishema y Ruzindana, TC), de 21 de Maio de 1999

Acórdão do TPIR (Bagilishema, TC), de 07 de Junho de 2001

Acórdão do TPIR [Ruggiu, TC], de 01 de Junho de 2009

Jorgic (Appeal), Germany, Federal High Court (Bundesgerichtshof), 30 April 1999,

printed in Neue Zeitschrift für Stafrecht, 8 (1999) at 396-404 (with a note by K. Ambos,

ibid., at 406-6…65, 137).

Page 51: Crime de Genocidio 25.06.2012-1

Página 47 de 51

Abreviaturas

AC. Tribunal de Recurso (Appeals Chamber)

C.P.P. Código de Processo Penal

ETPI Estatuto do Tribunal Penal Internacional

ETPIJ Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a Ex-

Jugoslávia

ETPIR Estatuto do Tribunal Penal Internacional para o

Ruanda

p. página

ps. páginas

STJ Supremo Tribunal de Justiça

TC Tribunal de 1ª instância (Trial Chamber)

TIJ Tribunal internacional de Justiça

TPIJ Tribunal Penal Internacional para a Ex-Jugoslávia

TPIR Tribunal Penal Internacional para o Ruanda